Rota dos Mouros

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ROTA MOUROS dos by


FICHA TÉCNICA

Urban Explorer Explorando cada cidade, vila ou fortaleza: renascentista, romana, medieval ou simplesmente moderna, há para todos os gostos e disponíveis em vários tamanhos e cores.

Esta revista é uma edição da MotoXplorers.

TEXTOS José Bragança Pinheiro FOTOS Nélia Sofia Carvalho; José Bragança Pinheiro DESIGN Personal Motographic Agosto 2011

Também é sobre Andar de Moto Porquê de moto?

One in a Million Há locais de excepção, que merecem a visita só para os ver.

Iberian lifestyle Cada cultura tem pequenos pormenores que se reparam no dia-a-dia nas ruas, nas caras das pessoas, nas expressões.

Algo Especial Em todas as viagens há uma mão-cheia de momentos que nos marcam. O difícil nesta viagem foi escolher.

De Partida? Decidiu como nós, partir e explorar a Península Ibérica na Rota dos Mouros? Saiba como se preparar e quais as opções disponíveis.


ROTA MOUROS dos by

Visitar países latinos tem alma. A própria maneira de ser destes povos, convida à aventura, ao inesperado. O contacto humano é inevitável e caloroso. Esta viagem é feita de boas estradas e de muitas histórias. Pelo caminho colhemos locais de excepção, comemos escandalosamente bem. Em cima da moto, a perspectiva é particular; os cheiros e a amplitude dos espaços surpreendem-nos, conquistam-nos. Desejamos cada curva, e nem uma nuvem mais carregada nos intimida. Estacionamos sempre perto e num ápice estamos no miolo da acção.

Juntar tantos locais Património Mundial da UNESCO e Parques Naturais numa única viagem de pouco mais de 2 mil kms e uma semana, é tarefa árdua em qualquer outra parte do Mundo. Acaba por ser uma situação nova, darmos por nós a escolher a quais vamos porque o tempo não dá para tudo. Mas Portugal e Espanha, nesta Rota dos Mouros não é só feita dos grandes nomes e brasões. Vive-se nas aldeias do Alentejo, nos campos de La Mancha que atravessamos, nas ruelas estreitas do Albaycin em Granada ou em cada árvore da Sierra de Gredos.

Terminada a viagem, queria que esta rota não se chamasse a dos Mouros: queria que fosse só nossa , que tivesse o nosso nome. Envergonhado pela própria avareza, procurando a redenção talvez, partilha-se a experiência

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Portugal e Espanha são nações de Exploradores. Ao navegar pelas ruas e escalar as cidades muralhadas, pressentimos essa presença em cada esquina.

Urban explorer

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PRINCIPAL Templo de Diana em Évora. BAIXO ESQUERDA Largo do Marquês de Marialva, com Cúpula da Sé de Évora ao fundo. BAIXO DIREITA MotoXplorers com fundo de Templo de Diana

Bem cedo de manhã, os primeiros raios de Sol do dia esculpem as texturas e nervuras na pedra do Templo de Diana. Ninguém se avista; Depois de dois dedos de conversa com o empregado no quiosque, pedimos um café bem forte. Receamos ser o último café decente durante a viagem, apesar desta bebida em Espanha ter vindo a melhorar, aproximando-se mais da forma como em Portugal é preferido: forte e curto, sem leite nem natas. Rumamos a Monsaraz para descobrir um castelo de casas brancas, sobranceiras à grande (a maior da Europa) albufeira do Alqueva. Desde lá de cima quase que se consegue lançar a cana de pesca e tirar um peixe para o almoço.

ESQUERDA TOPO Vista desde o Castelo de Monsaraz ESQUERDA BAIXO Pormenor de porta nas ruas de Monsaraz CENTRO TOPO Templo de Diana em Évora CENTRO BAIXO Rua principal em Monsaraz DIREITA TOPO Tabuleta na Travessa da Cisterna em Monsaraz DIREITA BAIXO Praça da Igreja de Monsaraz

O Sol ainda não despertou bem, altura óptima para fotografar as paredes alvas da vila. Mais uma ou duas horas e será difícil encontrar uma rua sem um visitante. Carros e motos são mantidos fora da muralha, policiados de perto pela Guarda Republicana na única moto que se avista. Visitamos o tear e lamentamos não ter espaço nas malas da moto: levaríamos connosco uma manta alentejana de pastor


Évora


Sevilla

A Catedral e a Giralda são protagonistas na peça de teatro de elenco de excepção que é Sevilla. Durante a noite parece apontar o céu, relembrando que a Fé move montanhas. Não muito longe, o Alcazar desde a rua, esconde-se para lá das muralhas densas e altas.


Nas ruas mais amplas e praças de Sevilla, faixas de pano criam sombras, para fugir ao calor do Verão andaluz. Cada toldo de esplanada, lembra uma banca de peixe no supermercado; sob ele pairam nuvens de água aspergida.

ESQUERDA Giralda, Torre da Catedral de Sevilla à noite CIMA ESQUERDA Escadaria junto à Catedral CIMA DIREITA Pormenor do exterior da Catedral BAIXO Panos suspensos nas ruas e esplanadas com aspersores de água fresca em Sevilla

A Calle Mateos Gago no Barrio de Santa Cruz, chamava-se antigamente Borceguineria, por aí se encontrarem os sapateiros que produziam Borceguís (sandália com correias na perna). Hoje, é a rua do momento para comer. Mais exactamente para tapear. Recomendamos o Café Bar las Teresas (C/ Las Teresas) e a Bodega Belmonte (C/ Mateos Gago) para tapas e uma bebida. Antes de sair do Hotel, reserve antecipadamente um espectáculo de flamengo para um final de noite; recomendamos a Casa de la Memoria el-Andalus, evitando os tablaos alternativos, menos genuínos


A antiga Arunda romana cresceu sobre uma meseta de origem vulcânica. Talvez por isso, o fogo nas ventas dos touros começou aqui a ser desafiado em arenas, no que hoje conhecemos como Tourada. A praça de touros é das mais antigas ainda em funcionamento, concluída em 1785.

A pé O que parece imperdível é o passeio a pé a oeste da cidade, num caminho pedonal que começa numas escadarias bem cá em cima. O final de dia é a melhor altura para o fazer, altura em que o Sol ilumina as casas encarrapitadas e a ponte de laranja. A vila é pequena; suficientemente para a percorrer num curto passeio a pé de uma hora. O melhor ainda será pausar num banco de jardim junto à linha de miradores no Passeio Ernest Hemingway. Ou ficar pela cafetaria do Parador de Ronda.


PRINCIPAL Casas em banho de pôr-deSol sobre a falésia do Tejo ESQUERDA Cartaz de 1953 anunciando a tourada na Plaza de Touros mais antiga DIREITA TOPO Vista de Puente Nuevo em final de dia desde a mesa de jantar no restaurante Albacara DIREITA CENTRO Puente Nuevo no amanhecer sobre Ronda DIREITA BAIXO Perfil de Ronda, enquanto se despede do Sol, por hoje

Ronda Comer Um jantar no Restaurante Albacara é uma boa opção com vistas sobre Puente Nuevo em final de dia. Enquanto nos servimos duma garrafa do tinto Acinipo das vinhas locais, as luzes ligam-se para iluminar a ponte emblemática de Ronda. O serviço é de excepção, e as poucas mesas no balcão sobre a falésia exigem uma reserva antecipada


Loud food “Una de Sesos!”, ouvimos o nosso pedido gritado para a cozinha pelo camareiro. Sabíamos que seria um prato à base de miolos. Isso mesmo, ouviu bem. E mesmo assim pedimo-lo, à custa de uma memória nostálgica da minha in-

fância. Pedíamos também Beringelas (Berenjenas) fritas, e umas oferecidas Tortitas de Gambas. Para molhar a goela dois Tintos de Verano. Na Calle de los Reyes Católicos, a tasca do Los Manueles faz parte da cultura espanhola do Loud Food. Não é Fast, por que se come devagar entre conversas. É uma comida gritada, desde que se pede sobre a confusão, até ao volume da conversa que o acompanha quando servido, passando pelo empregado que a grita também para a cozinha. É uma comida que se tivesse ouvidos, já estaria surda. Também no Los Diamantes, gritámos por uns carapaus fritos, berrámos umas conquilhas e, já afónicos, apontámos o prato do vizinho ao balcão para uns camarões com picante.

Fomos a banhos no Aljibe de San Miguel (ver “Algo Especial”) e o chá de menta devolve-nos a voz, limpando a garganta. Terminamos o dia na esplanada da La Taberna de Tiacheta , junto ao rio Darro que corre por baixo da Puente de Cabrera, indiferente à nossa


Granada fome. Aqui, estranhamente conseguimos pedir em baixa voz uma tábua mista de carnes frias e queijo. Vingamo-nos não tarda ao jantar onde numa gritaria pegada pedimos um salmão com abacate e uma Tortilla de patatas y anchovas e sangria na Bodega Antigua Castañeda, com oferta de batatas com molhos.

Apesar do pequeno-almoço incluído, sempre que temos oportunidade fugimos do Hotel. É na rua e ao fresco que optamos por comer umas tostadas con tomate com o café con leche da manhã, na Cafetaria Lisboa, mesmo no canto da Calle de los Reyes Católicos com a Plaza Nueva.

Vistas Granada vê-se melhor a pé. O bairro Albaycin é um sobe-e-desce interminável, entre escadarias e praças de miradouros sobre Alhambra. Na noite anterior, virámos morcegos na visita nocturna aos Palácios Nazaries, percorrendo os jardins debaixo de uma Lua providencial

TOPO ESQUERDA Nas ruelas e escadarias de Albaycín TOPO CENTRO ESQUERDA Vendendo castanholas sevilhanas num banco do Mirador de San Nicolás TOPO CENTRO DIREITA Manhã cedo ao longo do Darro, antes de subir para o Albaycín TOPO CENTRO BAIXO Esta é a foto de todos os postais: Alhambra desde o Mirador San Nicolás TOPO DIREITA Alameda de acesso a Alhambra BAIXO ESQUERDA Não é fácil vencer todos os dias as ruas e subidas em Albaycín BAIXO CENTRO Vendas ao longo da Alcaicería BAIXO DIREITA Catedral de Granada vista desde a Plaza de las Pasiegas


Não vou dizer que Toledo é a cidade das 3 culturas. Nem que o rio Tejo lhe banha os pés. Ou mesmo que a metalurgia e o trabalho do aço a tornaram famosa. Mas que é verdade, é. A pé O passeio a pé pela Senda Ecológica, entre as pontes de San Martin e Alcantara, é melhor feito nas horas de menos calor. No final de dia, resulta melhor em direcção da Ponte de Alcântara enquanto de manhãzinha, ao contrário.

De moto De moto, recomendamos fazer em ambos os sentidos as curvas ao longo da Cintura de Circunvalacion, com paragem obrigatória no Kiosko Base. Nesta esplanada, mirador sobre a silhueta da cidade de Toledo, optamos por comer ou apenas beber um refresco. TOPO ESQUERDA Catedral de Toledo em fundo de duas caras risonhas. Cortesia da grande angular da GoPro TOPO CENTRO Vista nocturna sobre Toledo desde o mirador da Ermita del Valle, na Cintura de Circunvalacion CENTRO ESQUERDA Cervantes em pose frente ao Arco de la Sangre CENTRO DIREITA Torre da Catedral BASE + TOPO DIREITA e BASE DIREITA Vista de Toledo desde a esplanada Kiosko Base em final de dia DIREITA Ruas de Toledo, junto à Catedral e no Barrio Judio, respectivamente

Toledo


Tapear Mas também as ruas de Toledo devem ser calcorreadas, a pé e de moto. Uma paragem no Adolfo, em Núncio Viejo, merece uma torta de Queijo Manchego de Cabra e Ovelha, com um bom copo de Finca Antigua Syrah e um óptimo Plancha. A vista desde o Parador é privilegiada. Mas o interesse não se esgota aí. O serviço de bar prepara um bocadillo de Atún y Pimientos Rojos de se tirar o sombrero.

Pontos marcantes A Catedral de Toledo é o monumento mais marcante. À volta dela concentra-se o maior movimento de pessoas na cidade. Lá dentro, o Coro e da Capela Principal são ambos de uma riqueza quase constrangedora; mas é na Sacristia que estão originais de El Greco e Caravaggio, para referir apenas as figuras de proa. O bairro Judaico, no extremo Poente da cidade junto a San Martin, está cheio de pérolas, incluindo o Museo Sefardi.

Pequeno-almoço tardio? Sugestões de pequeno-almoços tardios: na Praça Zocodover o café Nhac-Nhac (o nome pode fazer com que o não levemos a sério, o que seria um erro) serve tostadas con aceite de oliva, completadas com um café com leche; junto à Ponte de San Martin o despretensioso Venta de San Martin serve idêntica iguaria adornada com um churro, num cenário de vista sobre a Ponte


TOPO ESQUERDA Escadaria da Caixa Fórum TOPO DIREITA Nem as paredes do Museo Reina Sofia conseguem conter as suas esculturas BASE ESQUERDA Dois pormenores do Palácio de Cristal BASE DIREITA Encontros com um arcanjo nas praças de Madrid

Chegar a Madrid cedo, permite-nos largar as bagagens e moto no hotel. Pedimos um mapa gratuito na recepção e partimos à descoberta da cidade a pé. Começando na Plaza de España, subimos toda a Gran Via, uma avenida cheia de cafés charmosos e bodegas de tapas. Aí descansamos numa esplanada de frente para as Puertas del Sol. Terminámos com a visita à Plaza Mayor junto às pequenas e animadas ruelas da cidade.

Cultura Gostando de arte, não deixámos de visitar os melhores museus da cidade. Num triângulo composto pelo Museu do Prado, as galerias da Reina Sofia e o Museu Thyssen, pode encontrar algumas das obras dos mais famosos mestres mundiais como Picasso, Miró, Degas, Renoir.

Comer Considerado uma dos melhores restaurantes de paella da cidade, o Restaurante St James pode ser encontrado em três locais distintos. O custo fica em torno de 50 Euros por pessoa, incluindo um bom vinho Espanhol, entrada e bastante paella. Por esta altura, já ó óbvio que pensar em Espanha sem que a palavra Tapas venha à memória é improvável. À noite descobrimos ainda alguma energia para ir picar umas tapas ao som de um jazz ao vivo. As opções são demasiadas para se enumerar e é quase impossível recomendar um único restaurante. A piada está também na roda viva, no experimentar e partir para o próximo. Para isso, as melhores áreas em Madrid são os bairros La Latina e Malasaña.


Madrid


Lisboa


TOPO ESQUERDA Infante D. Henrique é a figura de proa no Padrão de Descobrimentos TOPO CENTRO 1 Pormenor da Torre de Belém TOPO CENTRO 2 Ponte 25 de Abril sobre o Tejo, vista desde a Praça do Império TOPO DIREITA Cúpulas do Mosteiro dos Jerónimos PRINCIPAL Torre de Belém em final de tarde BAIXO DIREITA Pormenor do Mosteiro dos Jerónimos BAIXO Lisboa é ponto de partida e chegada para muitos veleiros

Se esta viagem fosse uma prova, o troféu seria este à minha frente. Dentro dum pequeno tubo de cartão, transpiram 6 maravilhas. São de nata; são portuguesas. Chamam-lhe Pastel, de Nata pois. Eu, chamo-lhes um figo. Como um após outro, só parando por vergonha, mal reparo que à minha volta os olhares são de desejo. Mas já não há mais; comi todos. Esqueço as fotos do Mosteiro dos Jerónimos ou a escolha do melhor ângulo da Torre de Belém. Dou por mim quase a correr para me reabastecer. Queria levar comigo um tabuleiro fumegante, mas no avião seria atacado e devorá-los-iam num ápice, bem antes de chegar à segurança. Nem sequer é justo para o almoço de há pouco, junto ao Relvado de Belém. Comíamos então um peixe grelhado, simples com sal, aberto sobre o carvão com uma salada de pimento assado e tomate. O tinto alentejano internacionalmente premiado já lá vai. E nem o forte café consegue bater o novo sabor. Se a noite fosse ainda nossa em Lisboa, teríamos um problema. O que escolher? A noite de fados perdidos nas ruelas de Alfama? Mergulhar de cabeça nas compras pelo Bairro Alto e a Baixa Pombalina? Escolhemos apanhar o 15, um dos amarelinhos de Lisboa, o antigo “carro americano”. À janela, regressamos ao Hotel, ao longo dos carris reluzentes em final de dia


tambĂŠm ĂŠ sobre de

viajar moto


Mais do que ligar os pontos no mapa, ĂŠ sobre a viagem. Sentir o vento na cara e saborear a aventura em cada curva e estrada.



ESQUERDA Pelas ruas de Marvão DIREITA CIMA Templo romano de Diana no início de dia em Évora DIREITA BAIXO 1 Na albufeira de Burguillo, a Norte de El Tiemblo DIREITA BAIXO 2 Sob a impressionante cruz em Los Caídos

As referências são abundantes a um certo Don cavaleiro que terá perdido o juízo. Inspirado pela falta de sanidade mental, decido ir arrumar a moto melhor, deixando a pendura no restaurante. Estamos em Campo de Criptana. Montado na moto, escolho seguir a rua estreita para baixo, para ver onde irá. Imaginava que, mais cedo ou mais tarde, uma ruela me levaria de volta acima, bem junto ao restaurante. Acabou por ser nada cedo; bem tarde, mesmo. Quando dou por mim, estou numa descida íngreme onde mal cabe a moto. À minha frente umas escadas e, ao fundo destas, dois grandes caixotes de lixo. Estou num beco; daqueles sem saída, dizia lá atrás no sinal que não vi. É já a pé que me decido pelo reconhecimento do obstáculo; empurrar acima a BMW seria infernal e ainda nem comi. Para baixo então, pensei. Crio uma nesga entre os caixotes: estou decidido a passar entre eles, escada abaixo.

Quando regresso à mesa para almoçar, o sorriso é indisfarçável. Entre duas garfadas na tortilla de patata e um gole de sangria, rimo-nos a reviver a tropelia de há minutos. Que não é a mesma coisas viajar de moto ou de carro, não vale a pena referir. Especialmente a quem anda de moto. Muitas das vantagens sentem-se e não se explicam. Outras, são por demais evidentes e falar delas seria banal e óbvio. Que uma moto é mais pequena que um carro, qualquer primata superior sabe e consegue dizer. Vá, pronto: a MAIORIA das motos é menor que um carro. Mas, quando à nossa frente se desenha um intrincado e labiríntico esquema de ruas e travessas, sabe bem sentir-se envolvido nas paredes altas de uma aldeia branca, ou debaixo de uma arcada romana.

Uma cidade vive-se. A moto envolve-nos nela e passamos a fazer parte dela. E viajar é isso


Marvão e Belver

9 dias e 2.400 kms Ao longo de pouco mais de uma semana, a promessa é de boas estradas com destinos seleccionados. Daqueles que ficaríamos com pena de os deixar nos dias seguintes. Se fosse necessário eleger vencedores, entre a adrenalina da condução em moto e o conforto dos hotéis, ninguém sairia derrotado .

Não fosse suficiente Marvão e Belver valerem por si mesmas, as estradas figuram em qualquer lista das melhores. O mote é o mesmo: chegar ao cume cimeiro onde um castelo nos oferece as vistas imensas.

Belver

A escolha na ponta dos dedos Em qualquer momento, no GPS encontramos as alternativas já pensadas e disponíveis. Escolhemo-las ao sabor do momento: se nos detivemos um pouco mais tempo a degustar uma paisagem ou nos perdemos num fresco Tinto de Verano, atalhamos caminho numa rota mais directa. Se progredimos a um ritmo bom, e ainda nos apetece aquelas curvas que se desenham na serra próxima e vizinha, é por lá que escolhemos ir.

Marvão

Cáceres

LISBOA Évora

Monsaraz

Serra da Arrábida

Alqueva A Serra da Arrábida numa manhã de Sol, com a Península de Tróia em pano de fundo, é o seguimento ideal para um bom começo de viagem de moto. Depois de começar com uma vista desde a Ponte 25 de Abril, as estradas serpenteantes neste cenário são imperdíveis. Aproveitar os locais de paragem para encher o peito e capturar o momento é recomendável.

Descendo desde Monsaraz, o maior lago artificial da Europa fixa-nos o olhar. Reflecte o sol quente do Alentejo e devolve-o com uma renovada frescura que se sente quando atravessamos uma ponte sobre o espelho de água.

Serra de Aracena

As curvas de Aracena são aperitivo para o almoço. Envolvidos pelo bosque inesperado na paisagem, chegamos à povoação onde o nosso conselheiro nos lembra que já ali há um restaurante, onde um gaspacho andaluz fresco espera.


Ruas de Toledo Ávila

El Escorial

Ruta de D.Quijote MADRID

Serra de Gredos

Toledo Ao entrar na Serra de Gredos duas coisas são imediatas: a temperatura baixa vários graus e os motociclistas sucedem-se. Alternam mergulhos nas curvas com refrescos nas esplanadas. À volta, bosques densos.

As ruas de Toledo, Granada, Ávila, Cáceres, Marvão ou tantas outras povoações muralhadas são especiais. Ângulos apertados e subidas íngremes, num labirinto são melhor saboreado aos comandos de uma moto, que chega onde os carros não podem. E, não bastasse a luz nos jogos de sombra, o som do motor que ecoa nas paredes altas seculares.

Consuegra

Em cima da moto, cavalgamos por entre os moinhos. Os mesmo que outrora fizeram parte da loucura de um certo cavaleiro em terras de La Mancha. E rodopiando em voltas e voltas, imaginamos um Sancho Panza que corre ladeira acima para nos recordar que não passam de moinhos, que não existem gigantes. Mas enquanto ele não chega, carregamos sobre os monstros brancos de enormes braços que Cervantes criou.

Conselheiro Curvas de Ronda Despeñaperros

Sevilla

Desde Ronda a Marbella, ao longo das curvas de Ronda encontramos companheiros de viagem em duas rodas. Sabe bem parar no café El Madroño, forrado de recortes de imprensa e fotografias de motos. Em frente da esplanada, uma das melhores curvas por onde todos os tipos de motores roam. Apetece mesmo por o joelho de fora como um Valentino Rossi.

O discreto tinir no GPS avisa-nos sempre que há algo especial. Quer seja um monumento, uma estrada cozinhada em curvas a gosto ou simplesmente uma paragem, o nosso guia informa: “É já ali de onde se pode ver todo o vale”, parece dizer.

Tour Book

Granada

As sugestões principais são complementadas pelo Tour Book que trazemos connosco. São poucas páginas que cabem no bolso, e por isso estão sempre à mão. Dele saem dicas e apontamentos, bem como contactos de hotéis ou emergência

Navegação da Velha Guarda

Ronda Jerez de la Frontera

Puerto Banus

Estreito de Gibraltar

Um GPS é algo precioso para se ter (especialmente nas cidades). Mas está concebido para nos dizer: “É por ali.” Um mapa permite-nos saber onde estamos e o que nos rodeia. Não viajo sem mapas; é uma coisa cá minha. E, dito isto, a nossa recomendação recai sobre mapas de estradas de qualidade (Michelin—Regional 576, 578 e 593 para esta Rota) de escala adequada (1:400k).


Imagino-nos à conversa numa esplanada. Penso sobre quais os conselhos que daria a quem quisesse seguir-nos os passos. A memória prega-nos partidas. Regressados ao trabalho, duas semanas bastam para que um ou outro pormenor se baralhe. Aquele cafezinho de esquina seria em Toledo ou já em Ávila? E onde comemos aquela tapa que nos levou a emborcar um jarro de sangria para apagar o incêndio na boca? “E lembras-te daquele bosque onde sobrevoavam as águias?” perguntamos enquanto olhamos um para o outro, confusos. Seguimos aqui a velha máxima de dita: “Se te queres lembrar mais tarde, escreve.”

Estradas É fácil ceder à tentação de fazer tops, eleger as três ou quatro melhores. Na verdade, é o conjunto da viagem, no ritmo e cadência das várias estradas e cidades que fazem delas especiais. Ainda assim algumas são, pelo menos, dignas de registo. Para chegar ou sair de Ronda, dificilmente erramos. Subimos a A-369 em final de dia, para descermos na manhã seguinte pela A-397. Bem cedo, adiamos o café com leche para tomar no El Madroño; deixamo-nos ficar a ver desfilar motos numa das curvas mais desafiantes, depois de percorrermos os olhos pela galeria ampla de fotos e recortes de jornal sobre provas motociclistas de outros temTOPO ESQUERDA Por estradas secundárias a caminho de Belver TOPO DIREITA Entrada nas muralhas do Castelo de Marvão MEIO DIREITA Pela calçada das ruelas em Marvão BAIXO DIREITA Os traços mouriscos nas ruas floridas de Marvão


DIREITA TOPO Pelas ruas de Marvão DIREITA MEIO Torreões de Ávila em início de dia BAIXO ESQUERDA Será que cabe? Só mesmo de moto BAIXO DIREITA Serra de Gredos

pos. À conversa com os locais aprendemos outras rotas de excelência; basta seguir de Ronda até ao Embalse de Guadalteba (“El Chorro”) pela A-367 e voltar a descer por Pizarra na A-357. À falta e melhor informação, se apontarmos a uma serra é provável que demos com estradas saborosas para fazer de moto. As serras de Aracena (N-433), Gredos (AV-941), São Mamede em Marvão (N-246-1) ou Sierra Morena (E-5) não são excepção.

Citadelas e ruelas Caso as fotografias que envolvem este texto não sejam suficientes para deixar água na boca, fica o conselho. Medievais, góticas ou romanas: nenhuma deve ser esquecida. Apenas as motos e carros autorizados podem mergulhar nas ruelas destas citadelas. Quer seja Marvão, candidata a Património da UNESCO, Cáceres, Toledo, Ávila ou mesmo Granada, a sensação de envolvimento é imbatível. Aos comandos de uma moto, estamos mais próximos dos cavaleiros de outrora, troteando entre o povo, acenando ao clero e roubando sorrisos envergonhados às donzelas ao passar. Recordamos as curvas ao longo da cintura de Toledo em final de dia; as paredes caiadas de branco em Marvão; as torres em Cáceres, terra de cegonhas


one in a million

Os lugares n達o nascem todos iguais; Alguns, poucos, levamo-los connosco.



Quijote... ...Don Quijote

Corria o ano de 1605. Miguel Cervantes y Saavedra rebaptiza o outrora Alonso Quijano de Fidalgo Engenhoso. Fê-lo louco, obsessivo; torturou-o apaixonando-se. Nomeia-o Cavaleiro da Triste Figura e, quando 10 anos mais tarde morre, Cervantes confia-lhe o seu bem mais precioso: a imortalidade. Hoje, chegados a Alcazar de San Juan, avistamos lá bem em cima os moinhos. Traz-nos o vento a voz rouca de um já velho Quixote: “[…] ves allí, amigo Sancho Panza, donde se descubren treinta, o pocos más, desaforados gigantes, con quien pienso hacer batalla y quitarles a todos las vidas […]”. Impelidos, galopamos também nós encosta acima, deixando atrás a nuvem de poeira dos que tem pressa em chegar. Apontamos aos gigantes e da moto fazemos Rocinante: “Y […] con la lanza en el ristre, arremetió a todo el galope de Rocinante y embistió con el primero molino que estaba delante […]”

ESQUERDA Em Campo de Criptana, em frente ao moinho Quimera. DIREITA (da esquerda para baixo) 1. Junto ao moinho Rocinante, em Alcazar de San Juan . 2. Escultura em ferro do D.Quijote. 3 a 7. Moinhos de San Anton. 8. Sinal da Ruta de Don Quijote em Toledo.



San Lorenzo de

El Escorial O Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial é digno da realeza, tanto na vida como na morte. Está inscrito na UNESCO e não surpreende. Basta percorrer os seus jardins para sentir a grandeza. Mas é desde dentro que se percebe melhor a finura dos pormenores da Basílica, a serenidade dos claustros do Pátio de los Evangelistas ou a sumptuosidade da Biblioteca


Na estrada, sempre que o bosque se abre, revela-se a enorme cruz, bem no cimo. Domina toda a paisagem; lembra-nos que a Guerra Civil existiu e não será esquecida. Mas a sua história está envolta em controvérsia. Franco repousa hoje no mesmo monumento que mandou erigir. Pretendia celebrar e homenagear os mortos durante a Guerra Civil de Espanha, de ambas as facções. Parece haver provas que o terá feito à custa do trabalho de 20 mil presos políticos durante a ditadura: “1 dia de trabalho = 2 dias de pena perdoada”

Los

Caídos



Cáceres Se fosse uma cegonha... …faria minha casa de cada uma das suas trinta torres …seria a inveja das demais cegonhas, com propriedades romanas, medievais, islâmicas, renascentistas, góticas. …ninguém me poderia expulsar de Cáceres, a cidade “Ninho de Cegonhas”. Se fosse uma cegonha…


CENTRO À entrada da torre principal do Castelo de Marvão ESQUERDA Salões de acesso à Torre do Castelo DIREITA TOPO Chegar a Marvão de moto é especial DIREITA CENTRO Pormenores do interior do Castelo DIREITA BAIXO Vista ampla desde o cimo do torreão

Ibn Maruán al-Yil’liqui… …Custa a dizer, mas é a Maruán, chefe militar e líder religioso do Al-Andalus, que se deve Marvão. O castelo, erguido no séc IX, ajudou-o a repelir os emires de Córdoba e assim criar um reino independente durante meio século.

Hoje, a estrada é livre e Marvão acolhe-nos de portas muralhadas bem abertas. Para chegar bem até ao núcleo fortificado, temos de serpentear as impecáveis ruas brancas sob as telhas vermelhas de canudo. Subir às suas torres e caminhar ao longo das muralhas, onde habita a vertigem das escarpas abruptas, é para quem tem alma de condor. Para os outros, é melhor comprar um postal. E acaba por ser adequado, porque esta pequena vila é um postal; não importa desde onde se a vê; de cima, de baixo, de dentro. Quase parece de brinquedo, asseada e limpa, como é apanágio cultural do Alentejo, em Portugal.

Actualmente, Marvão encontra-se em apreciação pela UNESCO para que seja considerada Património Mundial. Mas, aqui entre nós, a decisão é fácil

Marvão




Muitos defendem que nĂŁo vale a pena viajar sem conhecer as pessoas e envolver-se nos seus hĂĄbitos, mesmo naqueles mais pequenos, nos detalhes do dia-a-dia.

lifestyle iberian


ESQUERDA TOPO Na Plaza Nueva em Granada, fumando shisha de melão a ver as modas passarem ESQUERDA CENTRO Na Bodega Antigua em Granada os presuntos perfilam-se mesmo por cima das cabeças: é só abrir a boca e esperar DIREITA TOPO Num banco da Plaza Larga em Granada descansam as três señoritas DIREITA BAIXO 1) Em Ávila também, conversa-se na rua à volta de uma barrica 2) Junto à Plaza Nueva, faz-se uma pausa na tasca Los Manueles 3) No café miradouro do Parador de Toledo em final de dia

Do que se enchem as ruas

Coisas pequenas Lá diz o adágio alemão “O Diabo está nos detalhes”; a julgar pela quantidade nas ruas, Espanha é um povo endiabrado.

A cada bebida pedida, oferecem uma tapa, e a cada tapa pedida, pedimos outra bebida... E por aí fora.

Espanha come-se em pequenas dentadas; talvez por isso as tapas sejam pequenas, para caberem na boca. E, como qualquer bom biólogo estudioso de formigas confirmará, muitas bocas pequeninas comem muito e fazem uma multidão.

“Primera!”, grita o camareiro para a cozinha. Se continuarmos a pedir ouvir-se-á “Segunda!” e assim sucessivamente. A última é sempre maior e melhor que a anterior, para convencer o cliente irrequieto a ficar para mais uma.

Nas noites de Espanha, é nas ruas que a multidão se junta. Não por querer se manifestar contra algo, mas porque ao calor do dia, preferem o fresco da noite. Ocasionalmente, vão à toca. Trazem um prato pequeno cheiro de coisas coloridas e cheirosas. Comem-no de pé ou sentados, pouco importa. E são peritos em falar, muito e alto, entre as pequenas dentadas.

Durante o dia, novas maneiras se encontram para viver com o Sol, desde os aspersores de água nas esplanadas, aos longos panos que cobrem as ruas. As cidades e vilas parecem estar sempre em festa, engalanadas e cheias de gente


“La tapa es un regalo de la casa: ni se cambia, ni se elige”* Los Diamantes, Granada * “A tapa é oferta da casa: não se troca, nem se escolhe”


ESQUERDA A Plaza de Toros de Sevilla é das mais procuradas. Pelos bares, a arte popular oferece nos cartazes um papel de parede. (Café de Las Teresas, Sevilla) DIREITA TOPO Nenhuma janela está a salvo de levar com um jogo de vasos floridos. DIREITA BAIXO 1 Toledo é terra de ferreiros, mas não só de facas e espadas. (Barrio Judio, Toledo) DIREITA BAIXO 2 Pormenor de uma porta no Barrio Judio, em Toledo.


Escolha um quadro de El Greco; qualquer um. Já está? Agora escolha Provavelmente, a legenda dirá que são retratos de duas pessoas distintas. E a cara, não será a mesma? Talvez a do próprio El Greco, não sei...

outro.


Com um título promissor como Timeless Charm Hotel o Mar d’Ar cumpre. Oferece-nos as muralhas iluminadas enquanto bebemos uma última bebida junto à piscina, depois de percorrer as ruas de Évora. Em Ronda, o vale de Los Molinos espraia-se desde a janela do quarto. A escassos metros a vila agita-se no buliço dos viajantes que percorrem a pé a Puente Nueva. Em Granada, o Parador envolve-se num cenário de Cavaleiros Andantes que regressam de uma Cruzada. Depois de atravessar os portões da muralha, o corcel fica à guarda do estribeiro. Deixamos a armadura, pousamos a longa espada e junto às ameias de Alhambra, envolvida nos seus bosques e jardins, vemos a cidade de Granada bem lá em baixo, palpitante.

Rodo a torneira para a fixar nos 33ºC, e começo o banho relaxante no Vincci La Rabida. Espera-me um grosso roupão, cuidadosamente dobrado e uma cama de dossel. Ao longo desta, quatro longos véus descem desde o tecto para desmaiarem no chão. Sobre a cama, estico um mapa de estradas, onde várias linhas amarelas fluorescentes relembram os caminhos de hoje. Esteve quente durante o dia, e agora sabe bem o conforto do Hotel, antes de sair para a noite espanhola de Sevilla.

Em Toledo, a vista da esplanada sobre a cidade, seduz-nos para não sairmos sequer do Parador. Em Madrid, a movida aguarda-nos. O Vincci Soho emerge junto ao Museo do Prado, do Reina Sofia, do Palácio de Cristal, do jardim Botânico, das Portas do Sol onde o fiel quilómetro zero das estradas de Espanha descansa. Em Cáceres, voltamos aos romances de Capa e Espada. À entrada, parece-nos ouvir uma ponte levadiça que baixa, seguida do trote sobre as pesadas tábuas de madeira.


ESQUERDA PRINCIPAL Escadaria interior do Parador de Cáceres ESQUERDA Patio interior do Hotel Vincci la Rabida, em Sevilla DIREITA TOPO 1 Cama de dossel no quarto no Vincci La Rabida DIREITA TOPO 2 Jardins do restaurante no Parador de Cáceres DIREITA CENTRO Jantar nos jardins do Parador em Cáceres CENTRO BASE O banho retemperador de piscina DIREITA BASE Pormenor do interior do Parador de Cáceres

Em Lisboa, Santa Marta inspira-nos. Deixa -nos junto à Avenida da Liberdade e convida ao passeio até ao Bairro Alto e descer à Praça do Comércio.

Em qualquer ponto da viagem, sabemos que, no final do dia, um repouso de excepção espera por nós. A moto fica na segurança do Hotel e, enquanto bebemos um refresco na esplanada, as malas sobem até ao quarto como que por magia



algo especial Por vezes, temos mesmo de parar; talvez por um aroma agradĂĄvel especial que nunca havĂ­amos sentido ou uma lĂĄgrima que deixamos fugir.



CASA DE LA MEMORIA ANDALUZ Calle Ximénez de Enciso, 28 Barrio de Santa Cruz Sevilla, ESPAÑA Tel: +34 954 560 670 http://www.casadelamemoria.es

flamenco No meio da sala, um simples estrado de madeira. Envolvem-no duas únicas filas de cadeiras. Sobre cada uma, diferentes expectativas para o que está prestes a acontecer.

Para lá das tábuas de pinho do estrado, três cadeiras vazias. Mas já ninguém olha para elas, pois da porta lateral emergem os protagonistas: três homens, de feições gitanas marcadas vestidos do cinza escuro ao preto. Nada neles destoa: a barba rala; o cabelo comprido, forte e revolto; as botas com um pequeno salto e uma ponteira metálica. São estes os artistas do fogoso flamengo andaluz. As mãos vazias, esfregam-nas uma contra a outra; lembram o aquecimento do desportista profissional, que se preparar para desafiar mais um recorde. Serão elas a impor o ritmo, base para o lamento chorado, lânguido, profundo. A guitarra adornará com acordes ensaiados, repetidos e passados entre gerações ao longo de noites em volta de uma fogueira. Às palmas de uns seguem-se as de outros, dos músicos. O cantar de um irrompe quase como um grito, encorajado pelo jogo de mãos e pés de outro. De conceitos simples compõe assim as melodias. Revezam-se entre um número de canto com outro de sapateado, pleno de virtuosismo. O olhar mal consegue seguir os pés: atropelam-se em cadências violentas sobre o estrado. Termina de camisa encharcada pelo suor que ainda escorre pelo rosto ofegante. Mas nem só de homens vive o flamengo. O vestido é negro, pois a cultura gitana andaluza não é feita de cores. O vestido é longo, pois é no que não se vê que a sensualidade nasce. O vestido é simples, pois luxos são de outras gentes. Cobre-lhe os ombros um xaile, longo. E todas estas peças de roupa participam na encenação. O tecido ondula, para revelar um sapato forte, fechado, de salto. Acima deste, uma sugestão de perna; uma perna que não pára, que mal se vê, mas que bem se ouve. O fim chega, volvida uma hora e meia. As palmas que saem das nossas mãos, embaraçadas com o que conseguem fazer, parecem agora de outro mundo.

O flamengo é vida, celebrada na tristeza e no lamento. É um fogo negro de chamas altas e orgulhosas


TOPO Piscina fria alternada com banho quente MEIO ESQUERDA Pormenor da cobertura de um banho árabe em Granada MEIO CENTRO Pormenor do topo da piscina fria MEIO DIREITA Recepção do Aljibe BAIXO Sala quente de banho árabe em Granada

‫الحمام‬ hammam

Empurramos para o interior de um pequeno cacifo a mochila, roupas e botas, quentes do Sol abrasador. Connosco ficam uns calções de banho e a toalha dada à recepção.

Puxamos o ferrolho frio da porta seguinte. De madeira trabalhada em arco quebrado, roda pesada e com dificuldade, para nos revelar uma sala na penumbra. No ar, denso e húmido, paira uma fragrância de eucalipto: estamos num hammam. Pensei trazer comigo a máquina fotográfica, mas nem todas estão à altura. À impermeável GoPro é confiada essa missão em território hostil, resistindo à lente embaciada e aos mergulhos nas bacias e piscinas de água. Submerso, o único ponto de luz projecta reflexos cintilantes em toda a cobertura. Apenas aí, na piscina central, a água é fria. Nas demais sete bacias de água, sere-

mos legumes no caldo em lume brando. A sugestão é que relaxemos primeiro nestas, alternando entre mergulhos de água fria. O princípio é o mesmo, quer estejamos na Turquia, Norte de África ou Escandinávia: a sabedoria universal baseia-se na dilatação e constrição dos vasos sanguíneos, com efeitos esperados benéficos na tensão arterial. O ambiente calmo é apenas interrompido por um número anunciado por uma voz feminina; É o convite esperado para a massagem manual de limpeza. Numa sala privada duas mãos fortes esforçam-se por expulsar toxinas e impurezas acumuladas no nosso corpo, físicas ou mesmo espirituais, acreditam. Depois de bem amassados, somos devolvidos à sala de relaxamento. O chá de menta que nos espera promete hidratar o corpo. A sonolência ameaça e, pálpebra após pálpebra, sucumbimos


BAÑOS ARABES ALJIBE DE SAN MIGUEL Calle San Miguel Alta, 41 bajo Granada, ESPAÑA Tel: +34 958 522 867 http://www.aljibesanmiguel.es


Nos versos dos poetas mouros é descrita como “uma pérola sobre esmeraldas”. Ao longo dos tempos, foi sendo construída tendo por mote “Paraíso na Terra”. Apesar de algo ambicioso, compreendese nas opções arquitectónicas utilizadas. À água, ao vento e ao Sol é permitida livre circulação.

Mas para quem quer visitar, é preciso bilhete. E não é fácil obtê-lo. Compras antecipadas são complicadas e apenas na internet, com uma antecedência de 2 semanas. Conseguir o ingresso no próprio dia, implica acordar cedo e levar muita paciência e sapatos confortáveis. Às 07:00 da manhã já é difícil adivinhar o fim da fila. Chegada a nossa vez pode dar-se o caso de já não haver, já que as entradas estão limitadas a 6 mil por dia e apenas 1/3 pode ser comprado aqui.


‫الحمراء‬ Al-Lhambra:

“A Vermelha” Já cá estamos dentro: optámos pela visita nocturna, altura em que o bairro mouro Albaycin se ilumina. Permitimo-nos a visitar o Palácio Nazariés, talvez a pérola que os poetas falam, no meio das esmeraldas. A escala e disposição das salas e pátios são harmoniosas. As paredes revestem-se de pormenores que parecem perfeitas, mas não são. E de propósito, por respeito à lei do Corão (Quran) onde apenas Deus alcança a perfeição e os mortais apenas podem aspirar a ela. Allah é repetidamente celebrado nas inscrições árabes “Wa la galiba illa Allah” (Só Deus é vencedor).

PRINCIPAL Patio de Comares nos Pálácios Nasrid TOPO ESQUERDA Salón de Comares nos Pálácios Nasrid TOPO CENTRO Vista desde o interior dos Palácios Nasrid

A noite assenta bem nesta herança Nasrid. Os tons tornam-se suaves sob a luz da Lua e os contornos esbatem-se. Os jogos de sombras repetem-se em padrões que denunciam as arcadas no pátio onde a água murmura.

TOPO DIREITA Sala de los Abencerrajes BAIXO ESQUERDA E CENTRO Pormenores do Palácio D.Carlos V BAIXO DIREITA Adornos nas paredes das salas de Nasrid

A Fortaleza Vermelha ainda hoje defende a cidade moderna; em cada viajante atraído por Alhambra, Granada ganha vida



de partida

?

Quando decidimos viajar, explorando citadelas ou vastidĂľes imensas, convĂŠm apostar na montada certa.


Há projectos na nossa vida que se arrastam; vamos arranjando razões e desculpas para ainda não ser desta. E quando damos por isso, olhamos para trás e há uma sensação de vazio. O Sul de Espanha era um desses projectos, para nós. Ao lançar a sua linha de viagens auto-guiadas, a MotoXplorers criou uma rota que percorreria uma boa parte (a melhor, talvez) dos pontos imperdíveis pelo Sul da Península Ibérica.

A decisão

de-

Apesar de oferecerem uma opção com guia, acreditámos que estaríamos à altura da aventura sozinhos. Sentimo-nos confortáveis por saber que no GPS levaríamos connosco um leque de rotas, recheadas de pontos de interesse e locais de excepção. Ao folhearmos o Tour Book, a confiança cresce e os receios e dúvidas dissipam-se. Saímos da loja cididos: este Verão íamos viajar.


Tomar o tempo devagar Viajar como casal tem particularidades próprias. Quando se rola sozinho, às vezes parece que nos basta percorrer estradas. Passamos por tudo depressa. As ligações que a rota auto-guiada nos sugere são suficientemente curtas para nos dar tempo para saborear. Se preferirmos, chegamos mais cedo ao destino e, numa esplanada com vista para a cidade, comesse algo e refrescamo-nos, enquanto ao nosso lado a moto ainda resfolega.

Conforto As opções de estadia seleccionadas para a viagem impressionam. Sabe bem entregar a moto ao cuidado de um parque vigiado e largar as malas, para mergulhar num banho retemperador. Tanto a rede espanhola de Paradores como as alternativas em Portugal não descuram na atenção aos pormenores. E, cada manhã antes de partir para explorar uma cidade ou seguir caminho, saber que nos podíamos demorar num pequeno-almoço incluído no Hotel é relaxante. Em cada ponto da rota, as sugestões permitem-nos conhecer melhor o local e as tradições, desde um banho turco a um espectáculo animado de flamengo. As boas sugestões de onde comer ou beber algo, descontraem-nos.

TOPO ESQUERDA Manhã junto às muralhas de Ávila TOPO CENTRO Percorrendo as ruelas de Cáceres, junto à Plaza de San Mateo TOPO DIREITA Nas ruas de Ronda junto a San Juan Bosco BAIXO Últimas verificações antes da saída, às portas do Parador de Cáceres


ESQUERDA Princípio de manhã junto à Iglesia de San Mateo, em Cáceres TOPO ESQUERDA Seguindo as pegadas de San Pedro de Alcantara TOPO DIREITA Torreões de Ávila desde as muralhas DIREITA CENTRO Ao longo da estrada desde Cáceres a Portugal, num daqueles dias em que apetece rolar DIREITA BAIXO Subindo a Serra da Penha, junto a Castelo de Vide

Segurança e motor O modelo de moto alugada pela MotoXplorers para este tipo de viagem é acertado. A BMW equipa a sua linha GS com pormenores que dá a quem conduz sensações fortes. Uma delas é a de segurança, garantida por um ABS que não se dá por ele e um controlo de tracção eficaz. O motor é vivo e a condução é ágil, permitindo desfrutar do intrincado de ruas medievais em Cáceres ou Marvão. E, quando é preciso, a estrada corrida desaparece debaixo dos pneus.

Anjo da guarda Do lado de lá, o simples facto de saber que temos quem nos dê o apoio necessário a qualquer altura do dia, vale muito. As férias são também para descansar e essa paz de espírito é essencial.

Últimos conselhos Esta é a parte simples. O conselho é partir. Poucas malas e muita vontade de viajar

Guias de viagem Por muito bom que o Tour Book tenha sido, não substitui um Guia de Viagens nem foi concebido a pensar em tal. A Lonely Planet apresenta duas boas soluções que servem bem esta Rota: os guias de Espanha e, se quisermos aprofundar, o da Andalucia como complemento. Para quem procura recomendações, estas não falham e a escrita é de qualidade.



MotoXplorers Adventure Store Morada:

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