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UM SUPLEMENTO

DE O ALDEÃO Supervisão: José Itamar de Freitas Coordenação: Hcnriquc Olivier Editor: André Motta Lima Ilustrações: Robcr to Sirnôes

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Não, não é mais um caso de nostalgia - velho apelido da fuga. A verdade é que, de conversa em conversa, todos nós, jornalistas, caímos na mesma frase: o repórter não é mais aquele. Se fizermos o jogo-da-culpa, haja papel para a lista dos suspeitos. Culpa das escolas? Da estrutura das redações? Da perplexidade dos jovens? Dos teletipos? Dos interfones? Do DDD? Da falta de tempo dos jornalistas bem-sucedidos? Da morte das "escol inhas" de formação? Alguma coisa está acontecendo. Alguma coisa precisa acontecer. E como idéia gera idéia, debate desencadeia debate, crítica motiva autocrítica, só há uma saída: a análise e a ação. Artur da Távola é o primeiro de uma série de especialistas que vão analisar, aqui, o jornalismo em geral - e, especificamente, o telejornalismo. Para começo de conversa, O Repórter. JIF JOGO DE IDÉIAS

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ERA UM REPORTER QUE TINHA TUDO PARA SER UM BOM REDATOR o

grande problema é que o repórter está sumindo em todos os setores. Duro paradoxo: é a notícia quem está matando o repórter. A notícia e o copy desk, que em televisão corresponde ao redator ou ao editor. E o repórter é a alma do jornalismo. De qualquer jornalismo. Por que é a notícia que está matando o repórter? Porque ele já sai da redação para cobrir um fato previamente considerado notícia. Pouco lhe resta como criação, como busca de temas, como possibilidade de transformar em notícias não mais fatos, acontecimentos ou versões, mas assuntos, temas, relações, pesquisas. Então se instala o círculo vicioso: o bom repórter logo vira redator, pauteiro, chefe de reportagem, copy desk, editor, funções de mais "status" e melhores salários. Os lugares de repórter, na cobertura do trivial ou do extraordinário noticioso vão ficando com estagiários ou jornalistas iniciantes, quase todos submetidos às pautas elaboradas pelos mais experientes. O repórter não precisa nem se preocupar com o escrever a matéria. Nem redação ele treina. Pra quê se lá está o copy desk? Muito menos "farejar" a notícia, buscar o assunto, -fazer relações entre fatos, desencavar criativamente a notícia, o tema, o assunto realmente importante. Por que se a pauta já disse tudo? Em televisão isso é mais agudo. E tem que ser. O alto custo das emissões e o escasso tempo do jornalismo impõem: síntese, hierarquia, concisão, segurança, impossibilidade de errar ou de experimentar. Mais ainda: nenhuma escola no Brasil ensina a falar. Elas ensinam a ler c a escrever, mas a falar, não. Em televisão o repórter teria que falar a notícia. Falar. em geral. leva à redundância, a construções mais complicadas, menos urgentes. sintéticas e claras. Isso quando a pessoa tem boa dicção, coisa raríssima em pelo menos sessenta por cento da nossa população. Ora: conhecer o assunto; buscar o tema; saber entrevistar; conhecer o que destacar; orientar a imagem; saber expor: fa6

lar claramente; sintetizar; buscar a expressividade, a concisão, a originalidade, o estilo, são coisas complexas demais para quem faz o papel de repórter. E quem é o repórter de TV? Salvo raras exceções quem se inicia na carreira. Vale dizer, quem está se iniciando tem a seu cargo a mais difícil, a mais bonita, a mais criativa e a mais complexa das funções jornalísticas: a reportagem. Ficam, então, para o repórter, apenas aqueles pequenos hiatos dentro dos telenoticiários, nos quais eles entram como pausa para os olhos e variação de estímulos no vídeo, para dar ao público a sensação de um certo caráter testemunhal às notícias sobre fatos (e não a fatos que devem ser notícia). No momento não poderia ser de outra forma. Os canais não têm tempo nem recursos para formar seus profissionais. Das escolas de comunicação, nem falar! Não dão nem para a saída! Não podendo formar repórteres completos, os canais tratam de suprir as deficiências fazendo com que os repórteres simplesmente surjam no vídeo para o público como se fossem as testemunhas dos fatos nos locais destes, mas os meninos ou meninas, alguns talentosos e empáticos como o Costa Manso e um outro de S. Paulo, cujo nome me escapa, aparecem lendo ou escutando, por aquele aparelhinho que se põe no ouvido secretamente, textos que ou eles ou outros redigiram antes no local dos acontecimentos. Sai mecânico, artificial. Vez por outra eles (repórteres) improvisam os takes, mas mesmo estes, depois serão montados ou editados para evitar redundâncias, perdas de tempo ctc .. ou para reduzir a informação ao tempo para ela disponível segundo o grau de importância das demais matérias do d ia. Acabam virando burocrutus orais do prcssrelease ou da nota oficial. Mesmo assim a atual fase já é um passo à frente. Um enorme passo à frente. Pelo menos lui alguém ali. testemunhando os fatos. familiarizando-se com coberturas: treinando o improviso ou a redação LIas

matérias, habituando-se, em suma, com os mecanismos do telejornalismo, Mas eu só creio na maioridade do telejornalismo, quando os canais possam ter uma estrutura paralela de treinamento e formação de seus profissionais. Aí eles conseguirão a síntese necessária para o surgimento da verdadeira reportagem de televisão: a escolha do tema; a cobertura; o relato; a expressão e, se possível, um estilo próprio. Depois da gravação a edição seria feita pelo próprio repórter, tudo em plena harmonia com a equipe dirigente do telejornalismo.' Esta, podendo confiar no desempenho isolado de seus profissionais, deles sempre teria a confiança. Aí então, teremos o que me parece deva ser a meta: um informativo que congregue o locutor puro e simples; o repórterlocutor; o repórter-t'interpretador"; o redator-locutor ; o comentarista-locutor; o repórter puro e simples; o redator puro e simples. Quando esse dia chegar, a televisão poderá contar com especialistas de setores no vídeo, como hoje os jornais contam com editores ou colunistas. Aí um telejornal será realmen te variado e mesclará as várias especialidades de que é composto o jornalismo em sua riqueza ternática. Falar não é impossível. É tão questão de prática quanto escrever. O resto será com o talento de cada um. Mas enquanto o talento não possa se expandir - porque o risco do arnadorismo e da elevação ruinosa dos custos tomar conta é ainda muito grande - os repórteres ficarão pura e mecanicamente dando um cli:nax presencial e testemunhal de algo que, em muitos casos, nem escreveram ou viram. Simplesmente relatam, um tanto duros ainda e tensos. como talvez melhor o façam os locutores que são especialistas na arte do dizer. Querem saber de lima coisa? Televisão é muito dil'(cil ' Só progredindo lentamente. Mas a julgar pelo progresso dos últimos cinco anos. dá para acreditar que vocês chegam la. ARTl'J{ Di\ TÁ\'OLi\


I

UM REDATOR SE SALVOU. VIROU REPORTER. Ainda me lembro bem. O Zé-ltarnar cntocado na moviola, selecionando uns filmes. E eu ali do lado, com poucos dias de intermináveis passeios pelos corredores, tentando descobrir um segredo em cada sala. "Na televisão, quem fala são as imagens" - ele ia me doutrinando, o medo talvez percebido no meu ar de pouco à vontade em meio a tudo aquillo. Medo de que seis anos sentado em frente a uma máquina de escrever talvez não contassem muita coisa naquele negócio novo, terrivelmente misterioso, cheio de inalcançáveis macetes. Pelo menos era o que me diziam lá fora, numa boa dose de reforço para toda a minha insegurança: "Acho que dessa vez eu quebro a cara". No outro dia o Paulo Gil me pedia o primeiro texto. Era para o Fantástico, sobre o aniversário de morte do Vicente Celestino. Eu ouvia falar na tal linguagem da televisão, mas não tinha a menor suspeita do que pudesse vir a ser. E arrisquei. Escrevi como quem faz um artigo para jornal ou revista. Pouco depois, a primeira surpresa: o pessoal havia gostado. E eu, cá comigo: "Pô, o negócio não tem mistério nenhum". Quando ouvi a gravação do Chapelin, então,

acabei de me convencer. As coisas iam chegar ao cara, lá no sacrossanto conforto do seu lar, exatamente como eu queria dizer. Nunca mais aguilo de urn leitor passar por cima das minhas vírgulas. Todo mundo ia sentir, na hora certa, a ironia, a tristeza, o entusiasmo - cada um sendo obrigado a entrar no ritmo do meu texto. No meu ritmo. Caramba, a TV era a consagração da palavra escrita. Fui lá e disse ao Itamar: "A televisão ideal não precisa de imagem ". Sem saber, eu acabara de descobrir o rádio. Ele despregou um olho só da moviola - até hoje não entendi como é que ele consegue isso - e riu de lado. "Daqui a um ano a gente conversa". A matéria do Vicente Ceies tino não foi ao ar com o meu texto. O material visual de que a gente dispunha - as fotos do homem, os filmes que ele havia feito - não tinha nada a ver com o que eu escrevera. Sei lá, mas acho que pouca coisa poderia ter sido melhor que aquilo. Meio desencantado com a falta de fidelidade das pretinhas que por tanto tempo c com tanto amor batucara, passei a sair eom as equipes de Iilruagcm. Depois - inevitável conscqücncia - a

freqüentar a tal da moviola, aquela maquinazinha metida a besta que ousara me derrubar. E só mesmo essa antipatia inicial m~ permite dizer que foi um caso típico de amor a segunda vista. Aos poucos, fui descobrindo um negócio curioso. Não era bem no papel que eu tinha de jogar todas as informações trazidas de fora _- oy aqui de dentro - para fazer uma ordenaçao 10gica e dar, depois, um acabamento cheio de pretensas bossas. Com a ajuda daquela bichinha, eu era capaz de fazer uma coisa incrível: um texto sem palavras. E um texto que chegasse ao cara com toda a ironia, a tristeza, o entusiasmo que eu quisesse - e sempre nos momentos certos. Exatamente no meu ritmo. Um ritmo que ia nascendo naquela sala, aos poucos. de um clima que só a realidade dos acontecimentos seria capaz de transmitir. A realidade que ia surgindo, em pedaços, naquela telinha mágica. Era uma descoberta !:io maravilhosa que tinha a cxtraordimiria capacidade de se repetir a cada novo dia. t: pena que eu só esteja aqui hü um ano.

MACEDO MIRANDA,

FILHO

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ORIENTAÇÃO

ALGUMAS DICAS PARA ALEGRAR O MONTADOR o cinegrafista Henrique Olivier e o montador Ricardo Miranda, do Fantástico, chegaram a uma conclusão: não se pode afirmar que exista uma operação-chave para uma reportagem em televisão, mas alguns cuidados podem ser facilmente tomados para facilitar e enriquecer a edição. Eles relacionaram algumas dicas. Justamente as mais esquecidas atualmente pelos cinegrafistas, para desespero do montador. De início, vamos lembrar a necessidade de um maior volume de dados para o montador. Isso não deixa outra escolha para a equipe de reportagem, senão a de esgotar o assunto in loco, não poupando filme para os registros. O que não quer dizer desperdiçá-Ia. E na procura dessas imagens de ajuda ao montador, a imagem rica em informação vale mais que uma imagem bonita. Um pequeno detalhe de ambiente ou do próprio entrevistado (mãos que se apertam, por exemplo, enquanto ele fala) pode dar condições para a emenda de duas falas, sem "pulo" de imagem. E bom começar uma reportagem pela entrevista, o lado vivo do trabalho. A partir daí, pensar nas imagens que complementem e formem a reportagem. E nunca vá nessa de montar à reportagem em sua própria câmera. Isso é trabalho do montador. O cinegrafista, quando não tem o som separado para rever a entrevista, deve sempre procurar ouvir com atenção as faIas do entrevistado para descobrir as imagens que fará. Por falar em som, é bom nunca esquecer que quando não se usa o som direto, a c\aquete é indispensável. E ela pode ser feita com um simples bater de mãos espalmadas. Quando se grava um musical, é muito importante gravá-Io todo em primeiro lugar, não importando o ângulo escolhido. A variação de imagens poderá ser feita depois. E muito importante também partir mais vezes do geral para o particular. E procurar usar a zoom de acordo com o que fala o entrevistado, ou de acordo com o que o assunto está pedindo. Sempre com muito critério. E vale mais apressar ou diminuir o movimento da zoom e da panorâmica do que interrompê-Ios para continuar em seguida. A não ser que se tenha bastante motivo para isso. O abuso dos planos gerais não vai atrapalhar em nada. Mas abuse muito mais na exploração em c\ose de um rosto que fala. Ou que, mesmo sem falar, diga alguma coisa. Durante a entrevista, o cinegrafista tem de estar bastante atento às posições que escolher para sua câmara. Ele tem de observar um eixo, e jamais trocar o lado dele. O que ele fizer do ou tro lado do eixo não poderá ser usado pelo mon tador. Os exemplos que apresentamos demonstram os erros e acertos. 8

Neste exemplo, a partir do momento em que a primeira posição de câmara foi escolhida, estabeleceu-se um posicionamento à direita. A segunda posição de câmara mantém o eixo da filmagem. A terceira posição inverte o eixo. A sensação, para quem vê, é a de mudança artificial, ao contrário do que ocorre com a segunda posição.

Aqui o erro é mais fácil de ser notado. E mais grave. A quarta posição de câmara desloca o homem para a esquerda do telespectador.


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