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UM SUPLEMENTO DE O ALDEÃO

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Supervisão: José Itamar de Freitas Coordenação: Henrique Olivier Editor: André Motta Lima Ilustrações: Roberto Simões

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De repente, a gente lembra que está perdendo a memória Embora em pleno exercício de reportagens carnavalescas, os jornais de fevereiro veicularam uma notícia que nos faz pensar um pouco e traz muitas preocupações: a cidade de Para ti está cercada por correntes impedindo a circulação de carros. Pretende-se, em nome da memória arquitetõnica, a preservação do casario e das ruas calçadas de pedras "pés-de-moleque". Descobrimos então que vivemos uma época estranha: uma época em que é necessário cercar de correntes uma cidade para que ela não seja destruída pela burrice da inconsciência predatória. Mas, o que é que você tem com isso, se você não mora em Para ti, não tem automóvel (e mui to menos se chama Manuel, como o lusitano da velha piada? ). Bem. Pra fingir um pouco de erudição: o velho Aldous Huxley, lá um dia da sua vida, escreveu que "o super-mercado é o museu da idade moderna". Aí começa tudo a respeito. Lá você algum dia pretendeu admitir que todos aqueles artigos e embalagens, aquela coisa algumas vezes prática, outras não tanto, aquela chatura de artigos, aquele saco, pudesse representar a nossa civilização? Taí a coisa mágica: e é, sim. Imagine a alegria daquele arqueólogo do futuro descobrindo, numa escavação trabalhosa, uma casa sendas da vida! O velhinho chora e dá uma longa entrevista aos jornais, pronuncia incríveis conferências, ganha títulos, medalhas e passa a ser citado em todas as rodas de 6

entendidos. Pois lá está o nosso mundo atual! Pois bem. Chegamos então ao papo da Memória, essa coisa maravilhosa que não aprendemos ainda a respeitar. E somos em grande parte culpados, inconscientes e mesmo irresponsáveis quando num gesto simples destruímos mil histórias pra contar. Na televisão, estam os todos envolvidos num trabalho permanente de fixação de memória nacional. No exato gesto de disparar uma câmera (CP, Arri, Auricon, Ikegarni, VR, sei lá) começamos a registrar um momento de nossa memória. Ela é elaborada na edição e posta no ar. A fugacidade da sua permanência talvez seja a culpada pela nossa não atenção. E aí, exatamente, começa nosso pecado. Temos mais coisas a fazer adiante, não nos podemos deter pra ligar para esta besteirada toda. E daí. .. Temos tido trágicas experiências em nosso trabalho toda vez que queremos usar a memória da televisão; em verdade isso chega até mesmo a ser um tremendo papo furado. Nossa última tarefa, o "TV Ano 25 - Dez Anos de Sucesso ", taí pra não nos deixar mentir. Posso até radicalmente dizer: não tem memória nenhuma. O que existe é um apanhado geral de coisas, material que muitas vezes surge do mistério total, algumas vezes engraçado: um cara nos vendeu vários VTs de shows da década de sessenta porque tinha recebido as fitas como pagamento por salários atra-

sados... E nas próprias TVs? Não tem. Apagaram. Jogaram fora Brasil Tri-Campeão? Pede ao Carlinhos Niemeyer. Homem na Lua? Pede.pra Embaixada americana Morte do cinegrafista sueco no Chile? Só pedindo à UPI. .. E caímos no perigoso caminho do só tem tu. Cada dia que passa, ao simples gesto de mandar apagar um VT, jogar fora um filme ou limpar o arquivo, estam os cometendo crimes contra a memória do nosso país, do nosso povo, de nossa construção de sociedade, de nosso trabalho. Estamos impedindo que esse material seja lido por outras pessoas, seja manuseado, recicIado, venha a se constituir o documento que nós mesmos iremos precisar quando chegar o momento de contar histórias de nosso passado recente. Eu já disse que acho que os cinegrafistas de hoje fazem o mesmo trabalho que no século passado fez o Jean Baptiste Debret? Pois bem: Debret hoje é nome de museu, de rua, de escola pública. Pelo simples fato de que ninguém jogou fora suas aquarelas. Hoje, dá pé fazer reconstituição de época com uma simples observação sobre as "gravuras" de seu documentário brasileiro. Será que este lembrete vai dá pra modificar nossos caminhos? Ou será necessário passar correntes em todos os arquivos de todas as estações de tv do mundo? PAULO GIL SOARES diretor da divisão de reportagens especiais


Foi em 1972 que tudo começou. Antes, se fazia um telejornalismo centrado quase que exclusivamente no dia-a-dia: locutor, imagens e algumas entrevistas. A série "Globo Shell Especial", embrião do nosso "Globo Repórter", abria perspectiva para a criação de uma linguagem de televisão. Justiça se faça: o primeiro documentário da série foi "Transamazõnica", de Hélio Polito. Mas foi com Domingos de Oliveira, o cineasta consagrado de "Todas as Mulheres do Mundo" e "Edu, Coração de Ouro", que a televisão começou a "chupar" a experiência do pessoal do cinema. A função, mais complexa do documentário. Hoje já começamos a distinguir as diferenças e começamos a - pelo menos definir o que é o telejornalismo, suas formas e possibilidades. E acabamos sempre voltando ao início de tudo. A ter os mesmo choques, na hora da definição, que Domingos enfrentou, na hora da sua primeira realização. Daí a importância deste depoimento, que deixa muitos temas no ar, para quem quiser pegar, e discutir. (AML)

NO AR, MEU FILME: FIQUEI PERPLEXO Foi o Masson quem me convidou. No elevador do prédio, éramos vizinhos. Pra aparecer lá na Globo, que ia começar uma série de documentários jornalísticos, chamada "Globo Shell Especial". Me disse inclusive que ia convidar mais gente de cinema, que já tinha convidado o Paulo Gil. Vamos lá, eu falei, e fui. O convite vinha em hora certíssima, eu tinha acabado de fazer "A CULPA", redondo e premiado fracasso. Estava completamente sem dinheiro. O pagamento não era grande coisa, a série estava começando, o Masson explicou. Mas o trabalho era um barato, documentários de uma hora, sobre uns temas meio caretas, porém alguns bons. Uma coisa institucional da Shell. Mas documentários de uma hora! Pra mim consegui "O ESPORTE NO PArS DO FUTEBOL", foi o melhor que consegui, eu que não sou de esportes. E começamos a trabalhar, Lenita e eu. Lenita (Plonckzynski) é minha mulher, trabalhamos intimamente ligados nesta fase, os filmes são, na realidade, nossos, nesta fase. Partimos de uma excelente pesquisa do Luis Lobo, trunfo maior do Masson para começar a série. Era mais uma pesquisa, uma posição, definida, bonita Porém eu quis logo mais liberdade. Não partir de nada preconcebido. Primeiro entrevistar, conversar, mergulhar, entender o assunto, e depois ver que filme dava. Claro que isto não foi colocado tão claramente para o Masson, ia assustar. Mas a liberdade foi concedida e a aventura começou. Fantástica aventura. Duas, três entrevistas por dia, nos lugares mais diferentes, com as pessoas mais diferentes. Uma equipe afiada, disposta (gente ótima essa do jornalismo, pelo menos no meu tempo!). O Jair no som, gravando sem ser percebido. Primeiro Rogério na fotografia (foi um dos seus últimos trabalhos, excelente), depois Fernandinho Amaral. Jorginho na produção, fazendo o possível. E os atletas, e os treinadores, e os dirigentes ... e o esporte, a psicologia, a significação do esporte. E depois o Ismar Porto na moviola, com seu cigarro sem filtro e uma tosse que a gente achava que ele ia morrer no dia seguinte (outro dia rimos disso). Depois a luta para que aceitassem o filme, sem modificações. Que aceitassem o tom pessoal do filme e o fato de eu mesmo narrá-Io. A televisão não gosta das coisas pessoais, mas a gente (Lenita e eu) gostava muito do filme, defendemos de unhas e dentes. Teve até uma briga (início de) com Boni, que vociferou, ao ver o filme pela primeira vez, que as partes tinham de ser trocadas de ordem. Acontece que ele tinha absoluta razão! Aceitei na hora, numa boa, o filme ficava muito melhor. Foi um dos poucos contactos que tive com o Boni, me lembro que ele ficou surpreso quando viu que eu concordava mesmo, numa boa. E o filme foi mostrado no laboratório para uns amigos, e estávamos muito contentes com ele, e foi ao ar. Me lembro como se fosse hoje. 11 da noite, eu e Lenita vendo, na cama, nervosíssimos. Foi quando aprendemos a primeira grande lição. No ar, o filme não era tão bom quanto na moviola ou no laboratório! Sei lá, as coisas caíam, amorteciam, deixavam-se perturbar pela violência dos anúncios. Aquilo que funcionava deixava

de funcionar, outras coisas que sempre tinham parecido fracas adquiriam ênfase. No ar era diferente. Diferente. Mac Luham tinha razão. Levamos uma surra daquilo. Ficamos tão deprimidos quan to perplexos. Apesar de uma grande gratificação pessoal no dia seguinte. t pessoal, mas eu conto, foi a maior gratificação que aquele filme me deu. Eram umas 10 da manhã quando irrompe pelo apartamento nada mais nada menos que figura de Viana. Com quem afinal eu não tinha tanta intimidade assim. Irrompia muito eufórico para me abraçar porque tinha adorado o filme! Tinha visto o filme... e tinha ficado com vontade de ir praticar esporte naquela hora mesmo, depois do programa Foi lindo aquela entrada do Viana, uma força mesmo. Desde esse dia nossa amizade se adensou, até o último dos dias dele. Lenita e eu passamos a discutir muito sobre o que seria, de verdade, um bom documentário para a TV. Especifico para a TV. De tanto discutir acabamos elaborando uma quase teoria: que o bom da TV, como defendia o Mac Luham, eram os anúncios. Ficamos com vontade de fazer um filme que tivesse a mesma força dos anúncios, o mesmo impacto e violência. Um filme que não quebrasse nos intervalos comerciais, mais incisivo que os intervalos comerciais. Foi essa a nossa proposta. E o tema conseguido com o Masson não podia ser mais adequado: COMUNICAÇAO. Sopa no mel. E partimos, Lenita e eu, para realizar o "ALDEIA GLOBAL" (o título é nosso). Upa, o duro que demos! Descubro que existe na TV uma série, proibida pela censura de ir ao ar, chamada "A DÉCADA DE 60". Uin filme de uma hora para cada ano. Descolado um projetor, os filmes foram examinados em casa, um a um, várias vezes. Eram espetaculares, com imagens de um impacto capaz de causar inveja a qualquer anúncio. O "ALDEIA GLOBAL" fez muito sucesso. Foi muito bem recebido, dentro e fora da "casa". Telegramas de todos os lados, até do papa Boni, considerando o "primeiro documentário da TV brasileira". Foi legal. Foi legal porque também eu e Lenita gostávamos muito do filme. Continha as nossas idéias, era um verdadeiro panfleto "hippie", de contracultura, corrente de pensamento à qual nós éramos (e tentamos continuar a ser) vinculados. Aí o Daniel me convidou para vir fazer o "Caso Especial". Com o sucesso do Globo Shell, a coisa já estava ficando padronizada demais para o meu gosto. O "Caso" continha uma aventura maior, estava para ser descoberto. Propus "O MÉDICO E O MONSTRO" e me mudei. De repente, lendo o que estou escrevendo, tive medo de estar dando a impressão de que fui o herói daquela estória, do Globo Shell. Não fui não, tive apenas o meu quinhão. Muito mais atuantes e importantes que eu eram o Gil, o Lobo, o Masson. Agora, passados os anos, revi os filmes. O "Esporte" e a "AJdeia", E aprendi mais uma lição, sobre a TV. Sabem que o "ESPORTE" é muito melhor? A "ALDEIA" é panfleto demais, muito festivo. O "ESPORTE" é mais profundo. E a TV. .. ela é, mais que tudo, transitória. Ela e seus valores. DOMINGOS DE OLIVEIRA

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O jornalismo eletrônico não é nada mais que um novo equipamento de telejornalismo que a Rede Globo está importando e que em breve vai passar para o nosso cotidiano, mudando um pouco a maneira a que estamos acostumados a trabalhar. Perto do que a gente faz hoje, o ENG (Eletronic News Gathering) parece coisa do ano 2000. Explica-se: na redação, em frente a um receptor, o encarregado da edição da matéria está recebendo, ao vivo, as imagens do seu trabalho. Cada cena que o repórter gravar, já estará sendo vista e anotada pelo editor. 8

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Preparem-se todos, que aí vem o já tão falado jornalismo eletrônico - misterioso nome que nos associa a computadores, cibernéticas, bips-bips e outras coisas mais - que com um papo leigo e rápido perde todo o suspense,

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Terminada a reportagem - ou até mesmo no meio dela - o repórter vai ter como conversar com o edi tor, estabele-' cendo a ordem e seleção das falas e imagens que devem ser aproveitadas. Do próprio local dos acontecimentos, repórter e editor podem montar a matéria, que estará gravada em fi ta (tal como ocorre com os equipamentos de VT portátil) no carro da reportagem. Se quiser montar na estação, o editor poderá estar gravando a reportagem e solicitando acréscimos de pergun tas ou imagens ao repórter. Em meia hora, ou menos, a reportagem pode estar.sendo transmitida para todo o Brasil. Em caso de urgência, a reportagem pode até ir para o ar do próprio local dos acontecimentos, sem a necessidade das gigan tescas câmeras e caminhões de externa. Numa comparação com o sistema mais usado atualmente - o filme - a redução

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de tempo chega a impressionar. Enquan to com o filme nós gastamos, no mínimo, 2 horas e 20 minutos, com o ENG serão eliminados dois dos processos mais demorados: transporte e revelação (ver a relação entre os sistemas no quadro menor). O ENG não é novidade na Europa e nos Estados Unidos, onde o sistema já é usado há algum tempo e com muito sucesso. O sistema pode ser mais facilmente compreendido através do gráfico maior desta página, onde a gente vai descobrir que as suas possibilidades não se anulam quando a reportagem tiver que ser realizada num ambiente fechado, como um escri tório. Não será a úl tima vez que a tecnologia vai nos dar sustos com o seu poder. Mas é o caso de nos adaptarmos sempre para que possamos saber usar bem a técnica e não sermos usados por ela.


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