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UM SUPLEMENTO DE O ALDEÃO

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Supervisão: José ltamar de Freitas Coordenação: Henrique Olivier Editor: André Motta Lima llustrações: Roberto Simões

TEÓRICO DA CASA ATACA COMERCIAIS

Ele diz que publicitários não descobriram. a linguagem. da TV. O vício do cinem.a leva a anúncios certinhos,que não vendem.. 5


Para começar, perdoem, peço-lhes de coração, o uso e abuso de certas palavras; não é pedantismo nem pose. Tratase de querer facilitar as coisas (o que, na maioria das vezes, atrapalha). Paciência - e desculpem, mas quem renunciar à leitura destas notas tem a seu favor todas as atenuantes. 1. E ainda para começar, as acepções de sintaxe e parataxe aqui empregadas procuram ser as mesmas de Erich Auerbach em Mimesis. Isto posto, mais poremos: a linguagem do filme comercial é predominantemente paratática (sem, contudo, excluir a sintaxe e suas possibilidades). Sua utilização só se tornou possível após os efeitos evolutivos e pedagógicos de todos os movimentos artísticos modernos (predominantemente os ocorridos na literatura, na pintura e na música).

Esses movimentos transformaram a percepção da audiência, enriquecendo-a, acelerando-a, tornando-a muito mais participante: porque puseram em cheque linearidades e preguiças, ordens e métodos, éticas e estéticas, hábitos de ver e costumes de pensar, desinterditando noções abor-: dadas com timidez, tais as de tempo e duração, espaço e extensão, esp~otempo, sua imanência e transcendencia. Mais especificamente, questionaram as próprias bases da narração e da perspectiva, multiplicaram os pontos de vista e os pontos de fuga, as vozes, as máscaras, criaram um novo conceito de protagonista - alargaram grande-angularmente as aberturas para A Cena. Tais cometimentos nascem do real para o intelectual, redundam de todas as revoluções e mudanças ocorridas nos últimos 100 anos, fatos esses enfeixados sob a rúbrica "revolução tecnológica" e que atuam em todos os níveis biogenéticos e psico-sociais do homem e nas infra-estruturas da sociedade humana, numa realimentação permanente entre o objetivo e o subjetivo. A música de Schoenberg, por exemplo, não nasce gratuita de um cérebro agitado (nem o "pathos" do ruído nem o "êpater" com o ruído), mas de um sensitivo magistral que se apercebe dos novos sons e músicas de sua época, vislumbrando ouvidos já preparados para ela pelo blinpowsplatlecrrroooornmsschwizzzpocar .de ferramentomáquinas, aparelhomotorcs, efeitos eletroelétronicos. Não resta dúvida que os novos recursos polifractam o discurso, fazendo-o triscurso e poliscurso. Emerge que essa "díscurssão" (discussão-concussãodiscurso) valoriza a atenção, precisa ganhá-Ia e por isso aprimora sua língua e seus métodos para poupá-Ia de qualquer esforço introjectivo. 6

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OS COMERCIAIS ES PELA TV, SEM ACHJ Os filmes publicitários brasileiros já recebem prêmios no exterior. Os jornais já começam a discutir tendências e métodos dos comerciais de televisão. Mas Stanley Chevalier, jornalista e publicitário, Assessor de Marketing da Central Globo de Comercialização, não concorda com o clima otimista dos publicitários que teorizam suas experiências em mil e uma entrevistas. E, convenhamos, tentar nadar contra essa corrente de euforia não é tarefa das mais fáceis. Por isso mesmo, o artigo do Stanley também não é dos mais fáceis dar o recurso de um mini-dicionário, que não desmerece em nada Ora, a energia economizada é então canalizada pelo sujeito no sentido do aprofundamento da própria percepção, que está envolvida apenas ao nível cognoscitivo referencial, mas que pode agora acelerar suas "velocidades internas de processamento". Assim é que a audiência de hoje apreende mais, melhor e mais depressa. Mais que apreende: compreende e intraprende (a baixa das médias tem causas que fogem ao objetivo destas notas). Foi, portanto, meticulosamente preparada (pela aragem do acaso e pelo furacão na necessidade) para aceitar sem qualquer preconceito o mosaico surreal e não-linear dos filmetes-relâmpago em que, a cada trinta segundos, fuzilam pela tela uma média de 20 a 30 imagens conectadas parataticamente. Jamais a sintaxe poderia corresponder à rapidez requerida por esse mosaico em rajada. A fim de explicar o processo paratático de conexão, lembremos os processos associativos de K. G. Jung, a sua hoje clássica forma de associação "palavras/idéias", como usada na fase de anamnese dos psicodiagnósticos. O que conecta idéias/palavras díspares disparadas pelo sujeito vai do "Affekte" ao detalhe referencial momentâneo. Tudo associa. Exemplo: para a palavra-estímulo "peixe", digamos, há "carne", "água", "espada", "cristão" e milhares de possibilidades outras, ou seja, todo o universo que cada palavra catexiza (cathexis) e constitui o seu infinito acervo associativo. Estamos lidando com a própria teia do real, a trama da vida, a astuciosa estrutura do existente. "P eix e-carne-água-espada-cristão- ... " formam um conjunto parataticamente conectado, como as imagens em mosaico dos comerciais de televisão.

Digamos que, do lado da sintaxe, precisa na sua lentidão necessária, estariam "índução/dedução"; do lado da parataxe, nesse caso, alinharíamos "emoção/intuição" Um dos mais belos exemplos de associação paratâtíca está num poema concreto de Ferreira Gullar: Giro-sol-faro-farol-girafa-girassol A fanopéia que instala imediatamente em nosso cérebro a sensação/intuição

"Glosário" Sintaxe - associação de elementos por meios específicos, os conectivos. Para taxe - associação de elementos por sua simples aproximação (desde que possível graças as características comuns, complementares ou suplementares dos elementos aproximados). Para tática - palavra formada a partir de "parataxe" e seguindo o modelo de "sintática", que nasce de "sintaxe". Lembrar, por exemplo, "análise sintática" e pronto. lmanência - que diz respeito ao imanente, ou seja, o imo, o substrato primeiro do ser ou sua razão primeira. Transcendéncia - de transcendente, ou o real fora do ser - mas todo o real. Schôenberg - também se escreve com trema, Schonberg: um dos-país da música dodecaíonica, São suas famosas composições o "Pierrot Lunaire" e a "Verklaende Nacht" ou "Noite Transfigurada", poemas sinfônicos que são marcos na música do Século XX. "Pathos" do rutdo - qu~r-se d~er aqui, ,\ue não se trata de qualquer inclinação patológica oara o prazer através do barulho. f'Epater" - em francês, "espantar", "chocar". lntrojectivo - assimilativo na esfera intelectual; intro mais jectar; igual a "lançar para dentro" (vide "alea jacta est"). Cognosciiivo referenctal - a constatayão pura e simples de objetos à volta do sujeito: o isqueiro, a mesa, uma porta. Um inventário organolértico superficial. Surrea - de surrealismo. Que está acima ou além do real. Conectadas para taticamente - ligadas por parataxe (vide). Anamnese dos p!icodiagn6sticos - anamnese é a fase de obtenção de dados do cliente, provas


TÃO CAPENGANDO \R SUA LINGUAGEM a argumentação do artigo. Chamar uma pessoa, ou um trabalho, hoje em dia de teórico, pode até parecer chacota, tal a aversão à teoria desta época praticista, de resultados imediatos. Esquecem muitos que a prática inexiste sem a teoria, se o que se quer são resultados eficientes. E a{ reside fascinante - desculpando qualquer dificuldade inicial - o trabalho do Stanley. Ele promete demonstrar daqui para frente com exemplos práticos, que os comerciais que a gente está vendo estão bem longe de obter, adequadamente, o seu fim e os seus meios. (AM L) de movimento, transmuda-se em crescendo para rotação, brilho, verticali;dade - e termina na cor. Não há ,qualquer recurso a conectivos preposicionais, a conjunções subordinativas e coordenativas. E tudo está "coordenado". E nada se pode dizer "subordinado". O mosaico acaba com a subordinação e integra fundamente as partes do discurso num amálgama. Dessa íntegração surge uma "atmosfera", como que uma superfície virgem altamente sensível, que tem como propriedade uma precisão de qualidade mais elevada: ela grava e transmite nuanças afetivas e sensórias impossíveis à sintaxe. Outro exemplo: Ezra Pound, "Papyrus": ........... Domingo ...... tão longo .... ........ Gôngula

. .

Releia o poema (quatro palavras soltas, estilhaços) após saber:

do texto circunstanciais, que vão orientar o diagnóstico. No caso, psicodiagnóstico, ou seja, trata-se de afecção psíquica (nem funcional nem orgânica, embora possa ter relações com). Catexiza (cathexis/ - verbo criado a partir da palavra "cathexis' , ou a carga afetiva que emprestamos a objetos, noções, fatos, acontecimentos (os idos de Março), símbolos ou sinais. São os preconceitos catéxicos que nos fazem rotular levianamente as coisas de bemfazejas ou malfazejas. São eles que criam empatias positivas ou negativas com relação a objetos inanimados, ferramentas (a TV, o revólver, o terço, a pá e o saltério). Fanopéia - uma das vozes dapoesia; as outras são a rnelopéia (música das palavras) e a logopéía (palavra-puxa-palavra). A fanopéia é a imagem instantânea que as palavras acendem em nosso cérebro (vide hai-cai de Basho sobre a manguinha da camisola - da criança morta - bJ!,1ançandoao vento). "Cónectivos preposictonais - para, per, perante, por, sem, sob, sobre, tras, a, ante, "até, após. Amálgama - liga. Ditirambo - pequeno poema amoroso. Crôtalos - instrumento antigo de percussão acionado com os dedos; lembra castanholas. Anójeles eletrônico - anófeles é o nome da especie de mosquito que transmite a malária (maleita, febre do pântano, paludismo, impaludismo, terçã e quartã). Estamos comparando a TV a um lI:rande anofelídeo eletrônico - e as mensagens publicítârias aos plasmódios (plas~~)(hum vívax, o .plor) que aquele articulado injeta com a saliva no organismo humano quando introduz o seu aparelho sugador n~ "piderrne do sujeito.

a. A fragmentação tem motivo: digamos trata-se de amarelecido retalho de papiro, onde, de poema outrora escrito, restem indestruídas apenas algumas palavras, duas até, no segundo verso (seria mesmo o segundo? ); b. Gôngula era o nome de uma amante da poetisa Safo. c. O tempo destroçou a sintaxe; Mas o que seria um ditirambo lésbico, ganhou a força da atmosfera criada pela parataxe (tornou-se pequeno hino universal, a partir de um domingo vazio, o pomo das esperas, um nome solto que soa como crótalos). Pode-se jurar que tudo isso está dito ali. Mas não se pode afirmar que tudo isso está dito ali. 2. Pusemos então que a linguagem dos comerciais é principalmente paratática e que seus elementos estão unidos por uma forma superior de coordenação, não-linear e abrangente. Como vimos, essa abrangência poupa energia da audiência e, deve-se deixar claro, não é propriedade da parataxe, mas do veículo que permite a ela o uso integral de sua força. Falamos expressamente da televisão. Renato May, assessor de comunicação de l'Osservatore Romano, explica com clareza a diferença entre a te1evi·

são e qualquer outro meio de comunicação até então existente. Diz ele que a televisão foi o primeiro meio a efetivamente usar dois sentidos da audiência. Mesmo o cinema falado, com seu conteúdo 'Pre-elaborado, estabelecia planos bem diferenciados entre som e imagem. Som era BG, pano de fundo,

cenário. Não havia amálgama. Ateie· visão abrange porque funde. Lembra o exemplo de Jean-Luc Goddard em "La Chinoise", o do "atacar em duas frentes". E reverte a perspectiva, colocando o projetor diante dos nossos olhos e a tela no fundo de nosso cérebro. Não mais o projetor e o olho que se vão encontrar sobre um anteparo branco e liso como uma mesa de necrotério. Por isso Joyce a chamou "a carga da brigada ligeira". A imagem não está sendo dissecada diante de nosso olhos. Ela está sendo consumida, engolida, tragada, incorporada, ou seja, levada a fazer parte do nosso ser. A tevê é o hospedeiro íntermediário do mosaico, cujo ciclo final se dará no seu hospedeiro definitívo, nós, a audiência. Esse organismo vivo acrescenta ao paratatismo do mosaico as

próprias expectativas, fazendo ainda mais eficaz o conjunto "deglutido". O poderoso anófeles eletrônico inocula portanto alguma coisa que ganhará vida no âmago de cada componente da audiência, porque será complementada por eles próprios, cada um deles. Se, meramente para efeito dissertativo, separarmos os elementos de um comercial, três partes que são a imagem, o som e o tex to (que aqui aparece como idéia/palavra, caso fosse possível divorciá-Ia do seu aspecto musical), corremos o risco do erro crasso e comum de 95% dos comerciais exibidos pela televisão: as imagens-mosaico não têm contrapartida na trilha sonora ou no texto, isto é, seus autores,' geralmente egressos, na melhor das hipóteses, do cinema, preconceituosamente estabelecem diferentes planos para os três elementos citados. Pelo menos no Brasil, ainda não houve tempo para o surgimento de criadores da e para a televisão, isto é, uma geração que não transporte para o novo meio, com suas novas possibilidades e perspectivas, os vícios e limitações de meios menos abrangentes. Quando possível, voltaremos ao assunto. E desta vez, exernplificando, através da citação de cada comercial, os estágios já alcançados. E o engraçado é ser comum a prerniação de cornerciais certinhos, mas que nada têm a ver com televisão: mais divertida ainda é a constatação dos clientes, de que esses comerciais certinhos não vendem. Pudera: eles foram construídos com a linguagem do cinema e estão capengando pela tevê... Stanley Chevalier 7


LUZ. CÂMARA. AÇÃO. QUEM ESTÁ FILMANDO? Segundo a "Enciclopédia DeI Cine" o "Cameraman" assume a condição de símbolo. vivo do cinema. Na televisão a afirmativa é obviamente cabível em todo o seu significado. Fatos recentes, como o registro do espancamento de carnavalescos que comemoravam a vitória da escola de samba Beija-Flor (filmado pelo cinegrafista José Mário com sua VR) e como o assalto à agência Bonsucesso da Unibanco (registrado pelos cinegrafistas Humberto Borges e Sérgio Cruz Rauta - o Shazam), não só reforçam o conceito como demonstram que, no caso do jornalismo de televisão, o homem da câmera assume importância muito maior pois a ele cabe a iniciativa de filmar ocorrências imprevistas em um roteiro. Vale dizer: o cinegrafista além de ser um bom fotógrafo deve ter senso jornalístico, ser capaz de pressentir a notícia e disparar a câmera no momento preciso. Isto é o que se exige. Mas que condições tem o profissional para aperfeiçoar seus conhecimentos e mesmo adquiri-los, no caso dos iniciantes? No Brasil não existem escolas de formação de cinegrafistas e a única maneira de aprender é contar com a própria boa vontade, além da experiência adquirida na observação dos mais antigos. Assim, os nossos repórteres cinematográficos lutam para manter como podem o padrão de qualidade conseguido a duras penas. Até mesmo no título da função há dúvida. Qual a denominação correta? 8

Cinegrafista? Repórter cinematográfico? A expressão inglesa "cameraman"? Ou simplesmente operador? Aqui ocorre a lembrança de que os repórteres fotográficos de jornais detestam serem chamados de retratistas e não há pergunta que os irrite mais do que a clássica: ''Moço, vai tirar nosso retrato? ". A lei que regulamenta a profissão de jornalista usa a denominação "repórter cinematográfico" para os que trabalham no registro de notícias para jornais de televisão e de cinema Na Globo a designação funcional é cinegrafista para os que trabalham em filmagens externas e "cameraman" para os que atuam internamente. A citada "Enciclopedia DeI Cine" define o 'cameraman como o segundo operador, homem encarregado do manejo da cãmera e que enquadra as cenas de acordo com as instruções do diretor de fotografia. Uma outra versão define o cinegrafista simplesmente como o assistente do diretor de fotografia que enquadra as cenas no visor da cârnera, São definições puramente cinernatográficas, não jomalísticas, uma vez que não levam em consideração o registro de fatos não previsíveis do quotidiano. Já Aurélio Buarque de Holanda considera como cinegrafista simplesmente o encarregado de registrar fatos com uma câmera de cinema

AS ORIGENS Numa ligeira abordagem histórica ser bre a profissão do cinegrafista, considerando-o como aquele que focaliza acontecimentos verdadeiros retirados do diaa-dia, o pesquisador Carlos Alberto Miranda lembra que os irmãos Lumiêre seriam os primeiros do mundo,' ao realizarem o filme sobre a saída dos operários de uma fábrica de Lyon, na França ("Sortie des Usines Lurniêre à Lyon" - também o primeiro filme). Associando o cinema ao jornalismo a evolução da cinegrafia prosseguiria através dos cinejornais e também do movimento criado pelo russo Dzira Vertov, chamado "cinema verdade" por filmar ocorrências do quotidiano sem roteiro. No Brasil grande parte do trabalho de nossos primeiros cinegrafistas está registrada na coletânea de Jurandir Noronha "70 Anos de Brasil". Mas nosso primeiro cinegrafista foi Afonso Segretto, (irmão de Pascoal Segretto, dono do primeiro estabelecimento exibidor de filmes no país). De volta de Paris, onde fora comprar filmes para o irmão, tirou algumas vistas da Baía de Guanabara com a câmera de filmar que comprara em Paris. Nesse dia, 19 de junho de 1898, nascia o cinema do Brasil com imagens-verdade. Mário Cesar Pesquisador do Departamento de Reportagens Especiais - Rio


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