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UM SUPLEMENTO

DE O ALDEÃO

Supervisão: José ltarnar de Freiras Coordenação: Hcnriquc

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Editor: André Motta Lima 11 ustraçôes:

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CACHORRO FE2 E, o que é pior: II o cachorro morder o homem comum não é notícia Mas se este homem morde o cachorro, aí temos uma boa notícia. Esta regra simplista, como muitas outras que "dizem" o que é notícia em jornalismo, não abrange todos os aspectos do poder de decisão do comunicador sobre as informações que o público recebe. A manipulação, que vai desde a escolha até a forma de apresentar o assunto, identifica muitas vezes até o caráter, a ideologia, a própria maneira de ser do jornalista. E bem verdade que o surpreendente, o inesperado e o pouco comum - como o fato de um homem morder um cachorro - também são elementos que pesam no critério de escolha do assunto. Do ponto de vista formal - de apre-

o jornalista

pode "esquentar"

ou "esfriar" um fato.

sentar a notícia ao público, e de o público considerar o fato digno de registro - a mordida do homem no cachorro pode até ser uma boa notícia Afinal, esse exemplo do homem e do cachorro, com suas mordidas, foi criado pelo americano Amus Cummings para definir o conceito de curiosidade de uma notícia. Só que, seguindo este caminho, podem ser justificadas inúmeras atitudes enganadoras, como as de tornar "curiosos" certos fatos. Fosse o nosso cachorro raivoso, e o homem comum uma mulher, teríamos condição de usar a manchete famosa "Cachorro faz mal à moça" - tal qual o redator que resolveu comunicar assim o caso da mulher que comeu um cachorro -quente estragado e acabou sofrendo uma intoxicação alimentar. Seriam muitos os que criticariam, a bem do senso ético, o "aproveitamento sensacionalista de um fato sem grande importância", baseados, também, em outra das máximas do jornalismo: a de que a raridade é um atributo que transforma o fato em notícia Deixando de lado o aspecto ético, que esse pode até variar de acordo com a ótica de cada um, o que importa é a verificação de que a manipulação do jornalista pode "esquentar" ou "esfriar" um fato, da mesma maneira que se pode divulgar ou omitir um acontecimento ou detalhe do fato. A manipulação existe e, muitas das vezes, acaba por influenciar a postura do comunicador diante das suas obrigações com o povo - e aqui, sim, 6

estaria o verdadeiro ponto de discussão da ética Os fatos - e isto já está mais do que provado - não existem isoladamente. São fruto da eterna relação de causa e efeito. Certos condicionamentos, ou "regras", da profissão é que acabam desvirtuando os fatos, pelo seu uso esquemático, pela falta de análise. Um exemplo típico é o da objetividade, hoje pacificamente confundida com quantidade de fatos precisos. E comum hoje em dia um jornalista se considerar bastante objetivo ao descrever com bastante detalhes um acontecimento. E como o caso do repórter que foi assistir a um desmonte de favela e foi capaz de apurar, com exatidão, a quantidade de famílias atingidas, de policiais presentes, o número de barracos destruidos, a evolução do processo, minuto a minuto, a violência, o drama, para onde vão as pessoas, quem são, o que fazem. Mas, perguntado, foi incapaz de dizer porque aquelas pessoas estavam sendo despejadas. A verdadeira objetividade - a de dizer, de maneira clara, direta e resumida, qual foi a causa e qual o efeito daquele acontecimento que ele está descrevendo - esta foi substituída pela factualidade, que para muitos é sinônimo de total isenção. Os estudos língüísticos conseguiram sistematizar muitos dos conceitos padrões da manipulação jornalística. Atitudes até certo ponto intuitivas no lidar com o que é notícia podem ser explicadas, analisadas, justificadas ou não. Larrentavelrnente, poucos jornalistas se preocupam com um maior estudo da linguagem, preferindo a facilidade aparente do intuitivo, ao invés de tentar romper o rótulo elitista e cientificista que envolve os estudos da lingüística Os próprios lingüistas são causadores desse efeito, ao aprisionarem os conhecimentos atrás de uma terminologia lirni-

Tem gente que confunde objetividade com quantidade de detalhes.

tadora, onde se prefere dizer síncrõnico e díacrõnico no lugar de estudo dos fenômenos num determinado estado de sua evolução ou com suas transformações através dos tem~os. ~as isso nã? alivia a culpa dos jornalistas, pOIS muitos, à semelhança dos lingüistas, preferem falar em "adequação da tarifa à realidade inflacionária" quando querem dizer aumento de preços de um serviço.

O jornalismo, dito gráfico, embora não seja bom distinguir tipos, já possui uma forma de análise que se baseia nas três dimensões estabelecidas pelo lingüista Charles Morris: A sintática, que trata das relações dos signos com outros signos ou, no sentido prático, cuida das estruturas e formas ondc localizar o mais importante; .a semântica, que estuda as relações dos signos com o que significam, e a pragmática, que cuida dos aspectos da utilização da linguagem pelos homens. No aspecto sintático, nós podemos ver como e onde se localizam as informações mais importantes. E o estudo do lead e de certas teorias que dizem estar mais na oração subordinada que na principal a informação mais importante. Existem também teorias a defender que as frases independentes do contexto carregam informação mais importante que as ligadas ao contexto. Tudo vai variar de língua para língua, de estilo para estilo.

Valor surpresa: o elegante embaixador

x "limpa o salão".

No aspecto semântico, de conteúdo da informação, vamos ter a factualidade, ou qualidade de descrever os fatos; compreensívidade, ou quantidade de fatos quanto mais detalhes numa reportagem, mais vamos compreendê-Ia - e o valor surpresa, que são aqueles fatos que surpreendem dentro de um texto (imaginem um texto que vai mostrando a roupa elegante de um dedicado embaixador, o ambiente nobre em que ele se encontra, suas atitudes sempre finas e delicadas, para, surpreendentemente, dizer que, no momento, ele estava com o dedo no nariz, no ato que se convencionou chamar de "limpar o salão"). Embora possamos manipular a linguagem nas três dimensões, a que mais usamos, pelo menos conscientemente, é a pragmática. Aqui, vamos logo entender que os termos técnicos prejudicam a inteligibilidade do assunto. Que em certo contexto, "fatores conjunturais" podem estar escamoteando o que constumamos chamar de miséria. Vamos sentir porque as palavras longas e as inversões de frase também prejudicam o entendimento do que se quer dizer. Não é sem razão que na definição de modo de escrever para televisão se prefere usar vai ter no lugar de terá. Quando dizemos terá, na cabeça


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MALAMOÇA iatou o jornalista de quem escuta, ou lê, se processa' um mecanismo de identificação que vai associar a ação de posse, por exemplo, com o tempo em que o verbo está conjugado. Se dissermos vai ter, estamos facilitando . o trabalho de quem recebe a informação: ele sabe que vai acontecer alguma coisa no futuro, e que essa alguma coisa é o ato definido pelo verbo ter no caso, alguém vai adquirir a posse de alguma coisa Pode tudo parecer uma baboseira. Em que isso - perguntariam alguns - serviria para o telejornalismo? De início, é preciso compreender como funcionam os mecanismos de reação à comunicação no ser humano. E não se faz necessário um tratado psicológico. Basta notar que de uns quatro parágrafos para cá, este texto adquiriu uma característica propositadamente didática, facilmente percebida na essência, mesmo que não entendida pela forma. E uma das regras pragmáticas que ajuda a explicar esse tipo de reação é o uso de redundâncias.

o que

vale mais na TV:

forma ou conteúdo?

Por essas e outras razões, não se podem aceitar conclusões definitivas corno a que foi emitida pelo colunista Artur da Tâvola, dois dias após o debate entre Jimmy Carter e Gerald Ford, transmitido pela TV Globo: "O outro fato revelador de uma reação típica despertada pela televisão (para desespero dos nostálgicos de outros meios de comunicação, anteriores a ela) é que a maioria se ligou em analisar 'quem se saiu melhor no debate' em vez de se ligar em 'que teses ou pontos de vista me convenceram'. Queiram ou não, a televisão é um veículo que excita muito mais as referências formais do que os conteúdos. É a sua dinâmica, que fazer? Ela opera mais sobre a vontade do que sobre a razão." Para início de conversa, o conteúdo do debate está muito mais distante de nós, brasileiros, que a imagem que temos formada sobre as figuras quase míticas de Ford e Carter. São pessoas que nos tocam a partir das informações que temos delas, através dos próprios veículos de comunicação. São figuras quase íntimas, de tanto que vemos e ouvimos falar. O mesmo não se poderia dizer ao nível do tocar cada um - sobre os problemas de desemprego, inflação e moralidade do contexto norte-americano.

A televisão excitará muito mais as referências formais que os conteúdos, se o oferecido estiver muito mais para o nível do formal que da profundidade do conteúdo. E só voltar ao início: o jogo formal da construção da manchete "Cachorro fez mal à moça" excita muito mais que o conteúdo de uma informação sobre uma mulher que se intoxicou ao comer um cachorro-quente estragado. Este é o aspecto primordial para uma discussão sobre as possibilidades de manipulação da linguagem em televisão. Graficamente, existem mil formas, pragmáticas, de dispor o leitor a prestar atenção em determinado assunto. A própria disposição de uma reportagem na página de um jornal, já pode ajudar a aumentar o interesse do leitor - ou diminuir uma distância psicológica, como diriam os lingüistas. Na televisão se convencionou que a primeira frase do texto deve ter um sentido de pré-lead, uma forma de chamar a atenção para o assunt o, tirar o telespectador da letargia das comunicações que não param um segundo na televisão ligada. Até mesmo porque raramente alguém está totalmente "ligado" no aparelho que funciona. Tem gente que conversa mais do que "vê" televisão. Por isso, o aspecto formal vai adquirir uma importância ainda maior que na imprensa gráfica E não precisa, necessáriamente, estar localizado só no texto. Uma imagem estranha, ou um som diferente, podem substituir o pré-le ad na sua intenção formal de chamar a atenção. O problema está em ficar apenas no chamar a atenção. A análise pragmática nos mostra que determinados assuntos "interessam" mais que outros. Sexo, violência, conflitos, tudo isso cala mais fundo no interesse de quem recebe a comunicação. Uma das regras diz que as idéias são menos importantes que os fatos, que, por sua vez, são menos impor-

As idéias podem dar Ibope.

t: só saber como

mostrar.

tante que. os fatos acontecidos com pessoas, especialmente se forem pessoas conhecidos pelo público. No entanto, as idéias podem adquirir grande importância, e audiência, se forem manipuladas. Duas pessoas que se acusam mutuamente - em conflito - podem valer mais Ibope que duas declarações, frias e formais, de pessoas conhecidas, de quem já se espera o que vão falar.

Com a manipulação da linguagem, praticamente qualquer assunto pode ficar interessante de se ver. Divulgar que o Governo baixou uma lei pode ser desin teressante se não forem acrescentadas as aplicações práticas desta lei, o que vai mudar, a conseqüência na vida cotidiana de cada telespectador. Predizer o fu turo também é uma técnica que "aproxima" o telespectador. O que pode acontecer depois de um fato importante, muitas vezes se torna mais importante que o fato em si. Na verdade, o leitor ou telespectador estará sempre fazendo um juizo de valor, se lhe forem fornecidos dados para que ele possa julgar dois pontos conflitantes. O processo de identificação, ou irn egração, do público com os personagens de novelas já foi suficientemente discutido e comprovado. Ele pode se verificar ao nível meramente formal ou ao nível da at itude (conteúdo), dependendo de como se apresentar o problema.

o importante

é fazer o

telespectador tomar partido,

Já houve quem dissesse que a televisão é um veículo que impede o d iálogo. Do ponto de vista do debate. da resposta direta, a afirmação poderia ser aceita. No entanto, no sentido de participação no que está sendo most rado. a identificação pode ser até total. Tudo vai depender do uso de uma linguagem que motive o sentimento de conteúdo. evidente, que a televisão, por causa da simultaneidade de imagem e som, possui características diferentes para o jornalismo. Numa entrevista, publicada aqui neste "Imagem", Walter Avancini confessava ter notado que certos depoimen t os funcionavam mais quando possuíam a força da emoção de quem estivesse falando, aquele "botar a alma pra fora", fosse por alegria, tristeza ou qualquer outro motivo. Só essa característica, inexistente no jornalismo gráfico, já serviria para dar novos elementos de montagem da informação em televisão. Mas, sem dúvida, como lembrou Avancini, a emoção pela emoção não adiantaria nada. Seria matar o jornalismo. transformà-lo em apelação, fazer ele operar mais sobre a vont ade do que sobre a razão. Como a manchete do cachorro, que dá na gente uma tremenda vontade de ler. É

André Motta Lima 7


A criança vê TV

Dr. Eduardo Tornaghi, o psicólogo, dá o diagnóstico o relacionamento da criança com a televisão é tema dos mais debatidos. Este ano foi realizado, no México, um congresso só para discutir isso. A revista "Pais & Filhos", de setembro, consultou especialistas para definir se a TVeduCiJ ou deseduca as crianças. O sociólogo João Rodolfo do Prado levantou uma questão básica: não se pode criticar a televisão sem analisá-Ia dentro de um contexto. "O que seria melhor" - pergunta João Rodolfo - "os programas de televisão ou os métodos (de ensino) das escolas? ': Eduardo Tomaghi, ator e psicólogo clínico, escreveu o seu depoimento, que transcrevemos aqui.

Meu relacionamento com as crianças sempre foi muito bom. Por minha própria formação de psicólogo, sempre tive interesse em transar com elas. Essa facilidade vinha também da prática familiar: entre outras coisas, além da clínica, tenho sete irmãos e vários sobrinhos. Sempre me diverti muito com as crianças. Ou melhor, nós nos divertíamos juntos. Especialmente no lugar onde moro uma comunidade mais ou menos separada do resto da cidade, com uma pracinha cheia de crianças. Ali, o convívio era muito intenso, divertido e gratificante. Ralph e eu (nós somos. os dois psicólogos que moramos ali) transávamos a mil com as crianças, e, na medida de nossas disponibilidades de tempo, contávamos histórias; fazíamos passeios; brincávamos de caretas; e mais o que pintasse. Um belo dia, comecei a trabalhar como ator numa novela das 18 horas, que se dirige especialmente ao público infantil. De imediato, o comportamento das crianças mudou radicalmente. As brincadeiras e histórias perderam o interesse e deram lugar a uma admiração contemplativa, estática e não produtiva. A imagem do galã, ator de novela, era tão forte que apagou, completamente, a do cara legal que antes brincava com elas. As solicitações mudaram, as brincadeiras não eram mais necessárias, mas a 8

minha presença era essencial. De repente, descobri, também, que estar perto de mim significava status para a garotada Aos poucos e com muito custo, esta situação está se modificando. O convívio diário, muitas conversas e mais o fato de eu estar afastado temporariamente do vídeo faz com que as crianças comecem a Ire tratar com mais naturalidade. Mas conservam, ainda, o devido e distante respeito que a minha "posição" exige. Toda criança vive em um mundo mágico e convive com mitos, símbolos e arquétipos que, misturados à realidade objetiva imediata, lhe permitem uma compreensão e um ajustamento de sua relação com o mundo externo. E também com sua realidade interior. Esse ajustamento é, muitas vezes, mais sadio e completo do que o de muitos adultos que, viciados por nossa cultura pragmática e industrial, procuram negar a sua própria realidade in terior. O fato é que, no mundo de hoje, a televisão, com seus programas e comerciais, substitui em grande parte a função educativa que tinham os contos de fadas e as parábolas contadas pelos pais. Inclusive, porque estes não têm mais tempo para essas bobagens. O mundo mágico das histórias infantis, elaboradas pela sabedoria dos séculos e que ajudavam a formular os problemas básicos da huma-

nidade (o problema da rejeiçao e do abandono, enfrentando um mundo hostil sem o apoio dos pais, como a história de João e Maria), foi substituído pelo mundo não tão mágico das novelas e dos filmes. Mas como a criança precisa do mágico, do maravilhoso, do m ítico, então ela passa a mitificar o personagem e o ator que apresenta. O ator passa, por sua vez, a ser uma espécie de semideus moderno - o elo entre o real e o mágico. Pois, na mesma medida em que é uma pessoa humana acessível, é capaz da proeza heróica e deificada de aparecer na televisão. Tudo isso faz parte de um comportamento natural e necessário à criança no seu aprendizado da vida. Então, o grande problema que surge e a pergunta que fica é se as novelas e filmes apresentados pela televisão, cuja existência ou permanência no ar estão condicionados a um problema de marketing e de IBOPE, estão à altura dos antigos contos de fadas. E, é claro, das necessidades reais das crianças. No mesmo nível, se a televisão - essa máquina fria e impessoal - está à altura do relato simples e atencioso de qualquer mãe. A mim, como ator, o que preocupa mais diretamente é se, dentro da minha condição de pessoa humana, poderei passar emoções e interpretar personagens à altura destes semideuses das antigas histórias infantis.


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