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SÃO CAMILO PASTORAL DA SAÚDE INFORMATIVO DO INSTITUTO CAMILIANO DE PASTORAL DA SAÚDE ANO XXIX N.321 AGOSTO 2013

ONDE ESTÁ O MILAGRE? RICARDO GONDIM

Estudo no Programa de Mestrado da Universidade Metodista de São Paulo. Ao lado do edifício Capa, onde temos aula, fica a Clínica de Fisioterapia; ali, a cada instante, encostam-se à calçada, diferentes veículos com portadores de deficiências motoras – paralisia cerebral, paraplegia e tetraplegia. Quando chegam, não dá para evitá-los. Apesar de alguns alunos tentarem virar o rosto, nitidamente constrangidos, brilha a nobreza resiliente de mães que carregam crianças no colo; idosos, mesmo arrastando os pés, mantêm sua dignidade. Ainda não me atrevi a entrar na clínica, mas imagino a abnegação de médicos, enfermeiras e fisioterapeutas; vejo até suor pingando e mãos agarrando cavaletes e argolas com sacrifício. Sei que lá dentro a vida segue numa toada diferente. Aquele entra e sai de deficientes deve ter sido responsável por acabar o meu encanto com as bravatas dos milagreiros, pois já não me maravilho com testemunhos de cura que a televisão e o rádio anunciam em larga escala. Realmente, não me intrigo com declarações de que serão curados “pela fé” todos os doentes que comparecerem “à vigília da segunda-feira” ou “à corrente dos 348″ ou “à cruzada pró-evangelização do mundo”. A Igreja Presbiteriana de Fortaleza foi meu berço religioso. Em nossos primeiros passos, pouco falávamos em cura já que éramos “tradicionais” – uma versão light, porém fundamentalista, do evangelicalismo. Quando alguém em nossa comunidade ficava doente, repetíamos que o verdadeiro crente não se resigna, mas pede: “Seja feita a tua vontade”. Depois que passei por uma experiência pentecostal e falei em línguas (tecnicamente chamada de glossolalia), tornei-me um pentecostal de boa cepa. Compareci a muitas conferências sobre cura divina; duas, patrocinadas por Morris Cerullo – Londres e San Diego. Fui evangelista associado da Cruzada Boas Novas, do missionário Bernhard Johnson. Interpretei o Jimmy Swaggart em sua turnê pelo Brasil – Morumbi e Maracanã – Swaggart cria e falava em milagre, embora não fosse propriamente um pregador de cura. Portanto, não sou neófito ou incrédulo no que tange ao transcendente. Sei todos os versículos, todos os raciocínios, que fundamentam a lógica de buscar-se uma solução sobrenatural para as enfermidades. Ninguém precisa converter-me a esse pacote. Sei citar Isaías 53, Marcos 16, 1Coríntios 12 e tantos outros textos. Acontece que a dor do mundo me alcançou na calçada de uma clínica de fisioterapia; ali se escancarou a angústia de milhões

de mães e o meu coração se fechou para as antigas lógicas milagreiras. Mesmo quando me sinto inclinado a acreditar nos pregadores de cura divina, sou lembrado que multidões de meninos e meninas morrerão de HIV/Aids em países como Congo, África do Sul, Moçambique e Angola. Quando sou tentado a ser condescendente com os Cerullos, os Benny Hinns e os R. R. Soares da vida, com as suas interpretações literais da Bíblia, lembro-me do mal estar que muitos doentes podem estar sentindo naquele exato momento como consequência de uma quimioterapia. Quando ouço promessas de milagre a granel, pergunto: Quem vai ajudar a adolescente que não tem namorado porque nasceu com uma doença genética que lhe desfigurou? Minha questão é: os religiosos deveriam querer lidar com um mundo real, que precisa de grandes intervenções, não de panacéias. Um ministro do evangelho não tem o direito de pregar que, “em tese”, todos serão curados e depois dar de ombros para os que não receberam a bênção dizendo que faltou fé. O verdadeiro cristão deve buscar intervenções divinas onde o sofrimento se mostrar mais agudo. Eu me disponho a ajudar qualquer evangelista que tenha peito para dar plantão na calçada da Universidade Metodista. Vou buscá-lo e prometo interceder ao seu lado. Sinceramente desejo que os mais sequelados voltem para casa pulando de alegria. Sei de antemão que ninguém virá. A maioria está interessada em propagandear prodígios com o intuito de prosperar seus empreendimentos religiosos. Caso acreditassem nas interpretações que fazem da Bíblia, se ajoelhariam nos corredores das clínicas de câncer infantil, nas hemodiálises e na infectologia dos grandes hospitais. Precisamos de outras respostas para o sofrimento humano; os pressupostos desses evangélicos, que anunciam cura com tanto estardalhaço, não abarcam a complexidade do sofrimento universal. Proponho que os prodígios do Evangelho sejam outros; que a presença de Deus se revele no serviço, no amor solidário e na compaixão. Que as mãos e os pés de Deus sejam as mãos e os pés dos que não fogem da dor alheia. Não conheço os profissionais que se dedicam naquela clínica de fisioterapia; tenho certeza, porém, que todos encarnam a possibilidade de um milagre. Soli Deo Gloria. Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda no Brasil e escritor.

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