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SÃO CAMILO PASTORAL DA SAÚDE INFORMATIVO DO INSTITUTO CAMILIANO DE PASTORAL DA SAÚDE ANO XXX N.328 ABRIL 2014

A CASA É O MELHOR LUGAR PARA MORRER ANÍSIO BALDESSIN

Nos últimos cinco anos tenho prestado assistência espiritual a muitos pacientes que são atendidos no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Por ser um hospital de referência atende pacientes de alta complexidade e em geral muito graves. Assim sendo, é muito comum encontrar pacientes para os quais já não existe mais nenhum tipo de tratamento a não ser o cuidado paliativo. Fazer cuidado paliativo não significa abandonar o doente e sim mudar o foco do tratamento. Ou seja, ao invés de alta tecnologia e medicamentos de alto custo que, às vezes, traz mais sofrimento do que bem-estar, é mais conveniente oferecer cuidados básicos e uma “alta” dose de amor, carinho e conforto. Ou seja, proporcionar um final de vida sem dor, sem sofrimento, e o que é melhor, próximo dos seus familiares e amigos. Todavia, quando a equipe aborda a família do doente falando sobre esse tipo de conduta é muito comum as pessoas reagirem até de maneira agressiva dizendo: “o quê doutor, vocês não vão fazer mais nada pelo pai, mãe, irmão”! Essas reações podem ser consideradas normais. Pois o fato de saber que nos cuidados paliativos nenhum procedimento extraordinário será tentado, quando o doente estiver em fase terminal, deixa a família com uma sensação de que esteja “jogando a toalha” e ao mesmo tempo matando todas as expectativas que ainda pudessem existir. Além disso, cria nos familiares uma mistura de culpa e dúvida. Afinal, muitos não entendem ou não sabem o que fazer nestas circunstâncias. E essas dúvidas vêm acompanhadas da famosa frase: “enquanto existe vida, existe esperança”. Nessas circunstâncias, quando sou solicitado pelo paciente, pela equipe médica ou pelos familiares procuro ser bastante firme. Não matando a esperança de ninguém, e ao mesmo tempo não alimentando falsas ilusões. Para os familiares é importante fazê-los entender duas coisas: a primeira é que a conclusão à qual a equipe médica chegou para encaminhar o paciente para os cuidados paliativos foi baseada em dados científicos e não em cima do “eu acho”. Portanto, o que eles estão dizendo precisa ser levado muito a sério; a segunda é a respeito da frase: “enquanto existe vida, existe esperança”. Em parte ela é verdadeira. Porém, é preciso lembrar que enquanto existe vida pode existir também muito sofrimento. Por isso, costumo ser bem racional dizendo: a maioria absoluta, para

não dizer 100% dos doentes que são encaminhados para os cuidados paliativos morrem num curto período de tempo. Assim sendo, querer forçar um prolongamento da vida sem levar em conta o sofrimento do outro é uma atitude, no mínimo, egoísta. Pois nessas circunstâncias, não devemos pensar o que é melhor para nós, os familiares, e sim o que é melhor para aqueles que estão sofrendo. Assim sendo, nessas horas é imprescindível ouvir e levar em consideração a vontade do paciente. Um caso prático pode nos ajudar a entender. Uma paciente pediu para falar comigo. Quando entrei e me apresentei ela foi logo dizendo: “padre, o senhor precisa me ajudar”. “Em que posso ser útil?”, perguntei a ela. Ela disse: “é o seguinte: eu vou morrer e eu quero morrer na minha casa”. Ao que eu respondi. “E por que não”? “Porque meus familiares não querem e os médicos não deixam”. E continuou: “meus familiares eu consigo convencê-los, mas os médicos, somente o senhor”. “Você já manifestou essa sua vontade para eles”? “Sim padre. Mas eles não me escutam. Se o senhor falar, eu tenho certeza que eles vão levar em consideração”. Sem perder tempo fui conversar com a médica responsável pela paciente e em seguida com os familiares. A médica disse que estava apenas esperando um exame e não via nenhum problema em deixá-la ir para casa. Os filhos, porém se mostravam um tanto quanto resistentes. Um deles me perguntou: “padre, e se ela passar mal e ficar ruim em casa o que a gente faz”? Eu respondi, dizendo: “Se isso acontecer ela vai morrer. Todavia vai morrer onde ela sempre desejou. Ao invés de morrer cercada por máquinas, tubos, e pessoas estranhas ela estará rodeada de pessoas que fizeram parte da vida dela. Além disso, se ela ficar aqui no hospital só irá morrer mais bem informada e certamente mais bem equipada, mas, irá morrer da mesma maneira. Além disso, não podemos esquecer que antigamente as pessoas morriam em casa”. Por isso, quando os familiares me perguntam onde é o melhor lugar para morrer eu costumo responder: em casa. Meu pai morreu em casa rodeado pela família. A família que tantas vezes se reuniu para celebrar as “liturgias” da vida, naquele dia se reuniu para celebrar as “liturgias” do morrer.

Padres e Irmãos Camilianos a Serviço da Vida

CONGRESSO

JUNTE-SE A NÓS, SEJA UM CAMILIANO TAMBÉM! “Estive enfermo e me visitastes” (Mt 25,36)

Serviço de Animação Vocacional Av. São Camilo, 1200 - A Cotia - SP - CEP: 06709-150 Fone: (11) 4702-2212 vocacional@camilianos.org.br / www.camilianos.org.br

Anísio Baldessin é padre da Ordem de São Camilo e presta assistência espiritual no Hospital das Clínicas da FMUSP e no Instituto do Câncer de São Paulo.

Vem aí o XXXIV Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde que deverá ter como tema central: A FÉ DESPERTA A AÇÃO: COMO ENFRENTAR OS OBSTÁCULOS NA PASTORAL DA SAÚDE (Mc 2,3-12). Marque na sua agenda e venha participar conosco. Será nos dias 06 e 07 de Setembro em São Paulo. Maiores informações nos próximos boletins ou na secretaria (11) 3862-7286 com Fernanda.

FIQUE POR DENTRO Você pode obter informações a respeito de congressos, cursos, palestras e materiais para a Pastoral da Saúde acessando nossa página na internet. www.icaps.org.br


SÃO CAMILO PASTORAL DA SAÚDE

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LIÇÕES HOSPITALARES IVAN ÂNGELO

O grande hospital acolhe o doente com sorrisos e roupas de verde suave. É o primeiro sinal animador após o périplo da internação. Quando se chega a essa necessidade, planos de saúde não são garantia de que vai ser tudo fácil, beleza, seremos encaminhados com presteza e cuidados condizentes com os valores pagos antecipadamente. Nada disso. É como aplicar em poupança e, na hora em que precisamos, o dinheiro não entra na conta. Sorriso é bom, mas hospital é hospital. É onde nascemos e morremos, e aonde todos vão por obrigação, inclusive os que lá trabalham. Medo e apreensões caminham em passos abafados por chinelos, há sussurros nas cabeleiras, esperança nos abraços, lágrimas na penumbra. Até a cemitérios tem gente que vai por gosto, estranho gosto que seja; a hospitais não se vai para espairecer ou meditar. Não há beijos, não há risadas, espalhafato. Grosseiros se comportam como gente fina em tom menor. É respeito pela soturna visitante, que pode estar a caminho em algum corredor. Até a faxina se faz com meticulosidade temerosa, ninguém quer ser culpado! Decoradores modernos têm feito de tudo para quebrar esse clima, e suavizam os apartamentos, disfarçam os metais, tubos, medidores, recursos de emergência, utensílios. Buscam ares de hotel. Tá. Mas quem manda na comida é o nutricionista, não o chef. Aqui, o sujeito é objeto. Sujeito a. Sujeitado. O soberbo toma lições de humildade. Veste o que não vestiria, aquelas camisolas que não tem a parte de trás, franqueando o quê, a quê? Come o que não quer, noutro lugar não comeria. Em procedimento a que dão o nome erudito de tricotomia, perde pelos que a vida inteira estiveram lá,

desde quando eram motivo de secreto orgulho adolescente. E os exames, ah, os exames. É urina, quando não se tem para fazer, ou quando se tem muita e a coleta tarda; é sangue, quando já se está cansado de agulhas; é ressonância magnética, e bebe-se antes aquele caldo âhnn! Do contraste; é eletro ou ultrassom, e se é pincelado com um geladíssimo álcool gel; é tomografia, e acaba-se enfiado naquele tudo como quem vai ser lançado ao espaço e, se caso a pessoa comenta que um muito gordo não caberia naquele foguete espacial, respondem com franca frieza que os muito gordos são levados a fazer tomografia no Jockey Club. O internado perde seu direito constitucional à privacidade. Além da camisola devassada, do sono interrompido a qualquer momento, tem a invasão corporal: ele é atacado por todos os orifícios, e, onde não há orifícios, os produzem. Não lhe resta o livre-arbítrio de que falam as Escrituras.Suas escolhas ou são de margem estreita ou vêm feitas. Quem está nesta condição, sujeito, negocia com a morte com certa naturalidade; outros, os desenganados, já a tratam com intimidade; os pessimistas, com fatalismo; alguns, os estoicos, aparentam até alguma leveza, como se falassem a um desconhecido sobre o tempo. Na relação delicada entre pessoas e hospitais, há no entanto, um momento de beleza e alegria, quando mulheres bojudas entregam ao mundo e aos homens o seu bebê. Louvemos os bebês do novo ano. Artigo extraído da Revista Veja São Paulo do dia 05 de Fevereiro de 2014

SETE PASSOS PARA SECAR A BARRIGA 1.PONHA OS DENTES PARA TRABALHAR Mastigar bem faz toda a diferença nesse processo de enxugar a barriga. “Quanto mais você fracionar o alimento, mais fácil fica a digestão, o que evita aquele efeito estufa no abdômen”, garante Marcella Amar. 2.COMA MENOS E MAIS VEZES Excesso de comida faz volume no estômago. Por isso, diminua o tamanho das refeições principais e faça pequenos lanches entre elas. “Procure também se alimentar sem pressa e em ambiente calmo. Quem come num piscar de olhos tende a engolir mais ar, o que também aumenta a barriga”, afirma a nutróloga ortomolecular Tamara Mazaricki. 3.PREFIRA OS ALIMENTOS DE FÁCIL DIGESTÃO Alguns itens, como as frutas, os grãos integrais e as verduras, passam mais rapidamente pelo intestino e azeitam (lubrificam) seu funcionamento. “Logo, evite comidas gordurosas, como queijos, carne vermelha, grão-de-bico, repolho, couve-flor e doces”, recomenda a nutricionista Marcella Amar. 4.CAPRICHE NAS FIBRAS, MAS SEM EXAGERO Elas ajudam o intestino a funcionar, o que elimina aquele aspecto de abdômen estufado. E estão presentes nas frutas, nas hortaliças e nos produtos integrais, como granola, aveia

e linhaça. Mas exagerar na dose pode ter feito contrário, provocando cólicas e inchaço. 5.TROQUE OS REFINADOS POR INTEGRAIS Deixe de lado o pão, o arroz, a farinha e a massa convencional e opte pelas versões integrais. De novo, além de terem mais fibras e ajudarem o intestino a funcionar melhor, esses alimentos baixam o índice glicêmico, o que evita a produção excessiva de insulina, hormônio que estimula o organismo a estocar gordura. 6.MANEIRE NO SALGADO Evite alimentos muito condimentados e/ou salgados. Excesso de sódio provoca retenção hídrica, responsável pelo aspecto de inchaço no corpo – inclusive na barriga, claro. 7.BEBA ÁGUA, MUITA ÁGUA Pelo menos dois litros ao longo do dia, mas não durante as refeições, o que dificulta a digestão e favorece a fermentação - e o aumento do volume abdominal. Os líquidos, como água, chás e sucos, além de ajudarem a regular o intestino, permitem também a eliminação do sal. Artigo extraído do site www.saude.abril.com.br

O boletim “São Camilo Pastoral da Saúde” é uma públicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde - Província Camiliana Brasileira. Presidente: Pe. Leocir Pessini / Conselheiros: José Carlos Dias Sousa, Antonio Mendes Freitas, Mário Luís Kozik e Jorge Sérgio Pinto de Souza / Diretor Responsável: Anísio Baldessin /Secretária: Fernanda Moro / Projeto Gráfico e Diagramação: Fernanda Moro / Revisão: José Lourenço / Redação: Av Pompeia, 888 Cep: 05022-000 São Paulo-SP - Tel. (11) 3862-7286 / E-mail: icaps@camilianos.org.br / Site: www.icaps.org.br / Periodicidade: Mensal / Tiragem: 2.000 exemplares / Assinatura: O valor de R$20,00 garante o recebimento, pelo correio, de 11 edições. O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, Agencia 0422-7, Conta Corrente: 89407-9.


SÃO CAMILO

PASTORAL DA SAÚDE

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VISITAR O DOENTE JOSÉ CARLOS BERMEJO

Pediram-me que escreva um livro sobre a visita ao doente. E começo a estar nele; também porque cada vez o vejo mais necessário e ... urgente. Penso nas famílias, nos amigos, mas penso também nos profissionais, começando pelos médicos. As palavras, os gestos, as habilidades sociais para saber estar, o que deve e o que não se deve dizer, constituem elementos que poderiam parecer de sentido comum e, na realidade, não o são. Temos aprendido por osmose a comportar-nos e temos condutas que claramente poderiam ser revisadas e melhoradas. OS AMIGOS DE JÓ O velho livro da Sagrada Escritura, escrito alguns séculos antes de Cristo, é de uma veemente atualidade. A trama, escrita também ao longo de vários séculos, provavelmente refere-se à situação de uma pessoa que está realmente mal, pois tem sofrido diferentes perdas (saúde, bens, amigos...) e recebe, como em uma cena de uma obra de teatro, várias visitas. São bons amigos e bons teóricos. Mas têm aprendido bem o mal. Têm aprendido a dizer o de sempre e o quê a todos. Para a época, o que deveriam dizer era: “Se estás mal, algo terás feito”. Era a doutrina da retribuição (ainda persiste, por mais que acreditemos que não): ao justo tudo deve ir bem, ao pecador tudo deve ir mal; uma justiça “humana demais”. Desta proposta derivam-se estereótipos na relação dos amigos de Jó que também persistem hoje em diversas maneiras. Frases feitas, clichês demais, moralização sem medida, exortações sem limite... Poderíamos relê-lo individual e coletivamente para revisar nossa cultura. Em particular, nos viria bem escutar a reação de Jó, que não poderia ser mais clara: “Até quando pensam em atormentar-me, humilhando-me com tanto palavrório”? “Para que consolar-me com coisas vazias”? “Escutai atentos minhas palavras, e dai-me esse consolo”. Jó, o homem sofredor de sempre, lança-nos o desafio de sermos prudentes com o que dizemos: para que servem os juízos moralizadores ao doente? E a linguagem exortatória: “tem que ser forte, tem que ter paciência, tem que colocar de si, tem que... tem que...”? Como se tivéssemos que repetir, como papagaios, o que temos escutado aquilo que dizem os outros e não soubéssemos criar nosso próprio discurso ou ... nosso próprio silêncio. Os clichês, as frases feitas, o que se diz sempre, por esse mesmo motivo, não é pessoal. Que bom nos seria desaprender! “A vida é dura”, “antes ou depois acontece a todos”, “é a lei da vida...” e um sem fim de ... estupidezes que servem para desviar a atenção da pessoa visitada, da sua família ou da experiência pessoal. A MORTE DE IVAN ILLICH Tolstoi nos presenteou com uma obra de arte com este título. Deveria ser lida por todos os profissionais da saúde e... todos os que, antes ou depois, entabulamos conversas com pacientes ao final da vida. Ivan Illich encontra-se realmente mal. Diante dele passam também os visitantes carregados de boas intenções. O que dizem? Illich é generoso e mostra o que pensa e o que sente ao ouvir os comentários dos visitantes. O argumento gira em torno de Ivan Illich, um pequeno burocrata que foi educado em sua infância com as convicções de poder alcançar um posto dentro do governo do império russo. Pouco a pouco seus ideais vão se cumprindo, mas se dará conta que dito esforço não lhe servirá de nada; ao chegar perto da posição que sempre sonhou, encontra-se com o dilema de decifrar o significado de tanto sacrifício e de valorizar também o mal-estar reinante no pequeno entorno familiar que foi construído. Um dia leva uma pancada ao consertar umas cortinas e começa a sentir umas dores que o afligem constantemente. Essa pancada é totalmente simbólica: sobe em uma escada e quando está no mais alto – não só na escada, mas também na posição que conse-

guiu na sociedade – cai, e aí começa sua decaída. Pouco a pouco, ele irá morrendo e perguntando-se o porquê dessa morte e dessa solidão que lhe corrói, apesar de estar rodeado de pessoas no mundo aristocrático e que ele mesmo construiu. Alguns fragmentos da obra são especialmente eloquentes. Uma visita médica se relata assim: “Tudo aconteceu tal e qual ele esperava; tudo foi tal e qual sempre ocorre. A espera, a fingida e doutoral gravidade que tão bem conhecia por si mesmo na Audiência, as percussões e auscultações, as perguntas que exigem certo tempo para serem respondidas e cujas respostas são todas inúteis, o imponente aspecto, que parecia dizer: “Ponha-se em nossas mãos e arrumaremos tudo, temos a solução certa de tudo, tudo se faz da mesma maneira, seja quem seja”. O mesmo, ponto por ponto, que na Audiência. Da mesma maneira que ele procedia com os acusados, o famoso doutor procedia com ele. O doutor dizia: “Isto e isto indica que em você acontece isto e isto; mas se isto for confirmado pelas análises de outra coisa e isto, etc”. Para Ivan Illich havia uma só pergunta importante: Era ou não grave o que ocorria com ele? Bem, o doutor não queria responder a uma pergunta tão fora de propósito. Do seu ponto de vista, era supérflua e não deveria ser levada em consideração; a única coisa que existia era um cálculo de probabilidades; o rim solto, o catarro crônico e o intestino cego. Não existia o problema da vida de Ivan Illich, o que interessava era o conflito entre o rim solto e o intestino cego. E este conflito o doutor resolveu brilhantemente diante de Ivan em favor do intestino cego, com a ressalva que a análise da urina poderia oferecer novas provas, e então teria que revisar o assunto. O mesmo que Ivan havia realizado mil vezes com seus processos e com idêntico brilhantismo. Não menos brilhante foi o resumo do doutor, que, com olhar triunfante e até alegre, contemplou o “processado” por cima dos óculos. Deste resumo Ivan Illich deduziu que seu assunto apresentava mal aspecto e, por muito que dissesse o doutor e os demais, a coisa era grave. Esta conclusão produziu em Ivan Illich grande tristeza em relação a si mesmo e grande raiva contra o doutor, que mostrava tal indiferença em tão transcendental problema. Mas não disse nada disso, porém levantou-se, pôs o dinheiro sobre a mesa e, suspirando, interessou-se uma vez mais: -Nós, os doentes, lhe fazemos constantemente perguntas inoportunas. Em geral, meu caso é grave...? O doutor ficou olhando-o severamente com um olho através dos óculos, como se dissera: “Amigo, se não se limitar a responder as perguntas que lhe fazem, me verei obrigado a fazer que o tirem da sala”. -Já lhe disse o que considerava necessário e oportuno – replicou-. Tudo o mais nos indicarão as análises. – E fez uma inclinação em sinal de despedida. Mais claro, impossível. Será um simples criado o único capaz de falar claro e direto com Ivan Illich sobre o que realmente lhe interessa, a seu ritmo, centrado em suas necessidades. Sim, vou escrever um livro sobre a visita ao doente. Nos diferentes lugares do mundo por onde passo, considero-o urgente. Certamente será bem básico. Mera reflexão sobre o que tendemos a fazer e sobre o seu sentido. Quantas conversações inoportunas em torno do doente! Quanta necessidade de gerar cultura sobre a visita e educar emocionalmente diante da vulnerabilidade e da impotência! Centramo-nos no que sofre ou a ansiedade e o medo que experimentamos marcam nosso diálogo, em ritmo de pressentimento emocional, que não sabemos lidar com simplicidade, com humildade e menos palavras? Artigo traduzido da revista espanhola Humanizar de fev/2014.


SÃO CAMILO PASTORAL DA SAÚDE

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O CUIDADO COMO ENCARNAÇÃO DO AMOR DE DEUS GILDÉSIO DA PAIXÃO BATISTA Para chegarmos ao conhecimento de Jesus Cristo como cuidador da humanidade, vamos precisar visitar textos, e por em evidência gestos, ações e atitudes que sustentam e dão credibilidade a esta imagem de Jesus como terapeuta da humanidade. A primeira grata surpresa é a revelação categórica de Deus proclamada por João: “Deus é amor” (1Jo 4, 7-8). É Jesus quem revela a face amorosa de Deus, o Pai. Este amor tem o poder, a capacidade e o dinamismo de salvar o mundo, pois é um amor que tem de ser correspondido, podendo também alcançar o princípio da reciprocidade. Este amor transbordou e alcançou o coração humano que foi para sempre fecundado por esse amor que reclama cuidado e, concomitantemente gera solidariedade entre os seres humanos e Deus e entre os próprios seres humanos. “Deus é amor e quem vive no amor vive em Deus, pois quem ama, cuida! O cuidado é um imperativo do amor. Permaneçamos no seu amor! (1Jo 4, 11-17). Jesus manifesta a gratuidade do amor de Deus em doação e entrega total, não apenas em teoria, mas agindo concretamente em prol da vida e da dignidade de seu rebanho. “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10, 11). O cuidado amoroso do Bom Pastor atinge o ponto máximo da doação da própria vida. Por isso, vamos aplicar esse texto na ação pastoral dos agentes da pastoral da saúde. Estamos diante de uma imagem extremamente positiva de Deus que nos enche de confiança e nos inspira a prática do acolhimento. O que pode haver de mais humano e humanizador do cuidado? A certeza de uma presença solidária e confortadora até o último respiro da existência humana neste mundo. Entre ovelhas e Bom Pastor existe uma relação de total confiança por conta do conhecimento existente entre ambos: “Eu sou o bom pastor; conheço minhas ovelhas e minhas ovelhas me conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o pai” (Jo 10, 14-16). A entrega e confiança são tamanhas que não existe espaço para dúvidas, separação ou segregação: “Ouvirão minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10, 16). Em Jesus Cristo Deus armou sua tenda entre os se-

res humanos para demonstrar todo seu amor, solidariedade e cuidado como os caídos, feridos e esquecidos. O texto do Bom Samaritano revela a imagem de um Deus que prioriza o ser humano e que sente prazer em fazer tudo que estiver ao seu alcance para tirá-lo da condição de caído e, assim poder devolvê-lo à sociedade com a dignidade de filho de Deus.. O Bom Samaritano chama atenção porque agiu diferente do sacerdote e do levita. Movido de compaixão ele tornou-se próximo do que havia sido assaltado e espancado prestando-lhe todo cuidado necessário. Talvez tenha pensado: “se fosse eu que aí estivesse, espancado e jogado ao chão! Como gostaria de ser cuidado? Ao fazer este questionamento ele não teve dúvidas do que fazer: prestou todo cuidado necessário. Mesmo que esta atitude tenha implicado em atrasar a viagem, ou quem sabe, até no cancelamento de alguns compromissos. Decidiu pela compaixão diante do sofrimento alheio. “Ele, a encarnação do modo-de-ser-cuidado, que revelou à humanidade o Deus-cuidado, experimentando Deus como Pai e Mãe divinos que cuida de cada cabelo de nossa cabeça, da comida dos pássaros, do sol e da chuva para todos (Mt 5, 45; Lc 21, 18). (Boff. Saber Cuidar. Pg. 194). Se no Antigo Testamento Deus demonstrou cuidado especial pelos órfãos, as viúvas e os estrangeiros, no Novo Testamento Jesus foi extremamente solidário com os que mais careciam de cuidado. Acolheu cegos, paralíticos, coxos, mudos, surdos, leprosos e pobres. Cuidou amorosamente e abraçou solidariamente os mais vulneráveis da época. A vontade de Deus é que todos tenham saúde e sejam salvos. Jesus espera que nós, agentes de pastoral da saúde, sejamos multiplicadores do bem que ele tanto realizou entre nós. A todos os que participarem da corrente do bem Jesus promete “um novo céu e uma nova terra (Ap 21, 4). Gildésio, padre da Ordem de São Camilo, é capelão da Pastoral Universitária no Centro Universitário São Camilo de Cachoeiro de Itapemirim.

SÃO CAMILO PASTORAL DA SAÚDE

ICAPS - Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel: (11) 3862-7286 Site: www.icaps.org.br E-mail: icaps@camilianos.org.br Avenida Pompeia, 888 Cep: 05022-000 São Paulo - SP


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