Revista do Ministério Público do Trabalho • ano III • nº6 • 2015
Fé, identidade de gênero e deficiência ainda são motivo de discriminação no trabalho
ISSN 2317-2401
Liberdade sindical Momento exige mais independência, transparência e representatividade do sindicalismo brasileiro
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O sindicalismo no Brasil por CUT e CNTC 8
Mudar é preciso, companheiro? 14
Por trás do Carnaval 28
Menos perigo e mortes 32
Sangue, sujeira e contaminação 36
Barris de confusão 42
Em boas mãos 48
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Ser o que se é 56
Os mitos do porão 66
A crença é opcional. O respeito, obrigatório 74
Poder de polícia terceirizado em MG 78
Neva no sertão 84
Ressocialização de presos 92
Sob a ameaça do belo 96
Incoerências do modelo sindical brasileiro 101
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Labor Revista do Ministério Público do Trabalho ISSN 2317-2401 Ministério Público do Trabalho Procurador-Geral do Trabalho Luís Antônio Camargo de Melo Vice-Procuradora-Geral do Trabalho Eliane Araque dos Santos Chefe de Gabinete do Procurador-Geral do Trabalho Erlan José Peixoto do Prado Diretora-Geral Sandra Cristina de Araújo Labor foi produzida pela Assessoria de Comunicação Social do Ministério Público do Trabalho Jornalista responsável Marcela Rossetto (MTb 22.305) Edição Marcela Rossetto e Rodrigo Farhat Redação Aline Baroni, Ana Carolina Spinelli, Danielle Sena, Fabíula Sousa, Fátima Reis, Francisco Gérson Marques de Lima, José Bosco Gouveia, Keyla Tormena, Lília Gomes, Ludmila di Bernardo, Luis Nakajo, Mariana Banja, Mariana Braga, Rafael Maia, Rodrigo Farhat, Rogério Brandão e Tamiles Costa Revisão Marcela Rossetto Estagiários de Jornalismo Bruce Andrade, Camila Correia, Cínthya Oliveira, Fabiola de Souza Melo, Ferrnanda Palheta e Rodrigo Rabelo Fotografia Aline Baroni, Aline Zerwes Bottari Brasil, Ana Carolina Spinelli, Beatriz Malagueta, Cynthia Oliveira, Divulgação Salgueiro, Fabíula Sousa, Fernanda Palheta, Fernanda Sunega, Frederico Tavares, Ione Moreno, José Bosco Gouveia, Juliana Veiber, Lília Gomes, Luis Nakajo, Mariana Banja, Mariana Braga, Neiva Motta, Rafael Almeida, Rafael Maia, Rodrigo Farhat, Roberto Nascimento e Tamiles Costa Capa Cyrano Vital Ilustrações Cyrano Vital Infográficos Guilherme Monteiro e Sâmela Lemos Diagramação Guilherme Monteiro e Sâmela Lemos Circulação Ana Paula Fayão e Evelize Vidal Administração Kelma Barreto Impressão Gráfica Movimento Tiragem 9 mil exemplares Brasília, inverno de 2015 Redação SCS Quadra 9, Lote C, Ed. Parque Cidade Corporate, Torre A, sala 1.209 CEP 70308-200 – Brasília, DF – (61) 3314-8222 marcela.rossetto@mpt.mp.br
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Vamos em frente No ano em que o sindicalismo brasileiro lembra três décadas e meia das primeiras grandes greves do ABC paulista, que marcaram a história política do país e dos direitos dos trabalhadores, a revista Labor traz uma edição cujo assunto principal é a liberdade sindical. Fazendo uma análise do sindicalismo brasileiro, a revista do Ministério Público do Trabalho reuniu em muitas páginas vários aspectos e pontos de vista sobre o tema. Resgatou um pouco da trajetória histórica, ouviu centrais sindicais, falou da Proposta de Emenda Constitucional que tramita no Congresso Nacional e contou um pouco da experiência da instituição ao ser chamada pelos trabalhadores para intervir quando há flagrantes irregularidades. Um panorama pertinente em busca da contribuição para um sindicalismo cada vez mais independente, transparente e representativo dos trabalhadores. A discriminação no ambiente de trabalho é realidade frequente no país, ainda que expressamente proibida em lei. Por isso, o MPT atua para combater essa chaga. Seja pela opção sexual, seja pela religião, seja pela deficiência, o trabalhador tem direitos e deve ser respeitado pela sua competência tanto quanto qualquer outro profissional na mesma atividade. Nesta edição de Labor, três reportagens abordam o tema, lembrando a importância da igualdade de direitos de todos os trabalhadores. As péssimas condições de trabalho também estão nas páginas desta edição. Nos matadouros de Alagoas, o sangue dos animais abatidos se mistura à falta de refrigeração e de higiene para submeter os trabalhadores a condições perigosas e desumanas de trabalho, que, além disso, vão levar à contaminação da carne que, por fim, será servida na mesa de todos os cidadãos alagoanos. Esta Labor traz mais reportagens interessantes, que reúnem uma mostra da atuação do MPT país afora nos mais diversos temas afins à instituição. Intervindo e/ou solucionando questões trabalhistas, o foco é, sempre, defender a ordem jurídica e os direitos dos trabalhadores. Felicidades. Luís Camargo Procurador-geral do Trabalho LABOR
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O sindicalismo no Por Rodrigo Farhat
Um dos objetivos da organização sindical brasileira é a democracia sindical, mas no sindicalismo brasileiro inexiste o conceito. É que a proposta da Carta de 1988 conflita com normas obsoletas, como a unicidade e a contribuição sindicais, contrárias
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ao conceito democrático. Para piorar, o Brasil não ratificou a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que defende a liberdade sindical. Com liberdade, haveria independência das entidades frente ao Estado.
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Brasil por CUT e CNTC Com liberdade, os sindicatos poderiam se organizar sem restrições e os trabalhadores e empregadores, com mais opções de filiação, poderiam escolher o de perfil mais próximo ao seu para se filiar. Com liberdade, as fontes de custeio precisariam vir da própria categoria, de forma voluntária. Com liberdade, as diretorias seriam eleitas pelos filiados de forma democrática. Com liberdade, seriam proibidas as ingerências patronais nas entidades profissionais. Com liberdade, a greve se tornaria direito fundamental dos trabalhadores e as negociações coletivas seriam essenciais na relação entre o trabalho e o capital.
Nesta entrevista da Labor, os presidentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, e da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), Levi Fernandes Pinto, falam sobre o papel dos sindicatos na modernidade tardia, abordam os problemas dos jovens trabalhadores e também sobre terceirização e bandeiras de luta. Vagner Freitas fala, ainda, sobre a representação das centrais sindicais contra o Ministério Público do Trabalho (MPT) junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT). As entidades alegam que o MPT, apesar de o Estado brasileiro ser signatário das Convenções 81 e 154,
promove atos de ingerência nas convenções e acordos coletivos de trabalho. A CUT tem 3.820 entidades filiadas. São 7,8 milhões de trabalhadores sindicalizados e 24 milhões de trabalhadores representados. Já a CNTC tem 35 federações filiadas e 830 sindicatos vinculados. Representa 12 milhões de trabalhadores no comércio e serviços. Labor publica, ainda, artigo do procurador regional do Trabalho Francisco Gérson Marques de Lima sobre os problemas do modelo sindical brasileiro. LABOR
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Vagner Freitas, presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) Roberto Parizotti
Qual a importância do movimento sindical para os trabalhadores? A importância decisiva é que o princípio trabalhista brasileiro é o da legislação individual em detrimento da legislação coletiva. Ou seja, quando você procura emprego, enfrenta um patrão e seu poder sozinho. Quando você vai discutir aumento de salário ou promoção, vai sozinho contra toda a estrutura empresarial. Nos países que têm contratação coletiva de trabalho, a contratação não só é combinada com o sindicato dos trabalhadores como define também os salários, os critérios de reajuste e os de promoção. Isso dá muito mais tranquilidade para os trabalhadores. Se você não tem nada disso, está nas mãos do patrão. Isso significa que, ao invés de o trabalhador ter uma relação profissional, tem uma relação de favor. No Brasil, as categorias fortes e organizadas, como bancários, químicos, metalúrgicos e petroleiros, têm convenções coletivas, quadro de carreira, sistema previdenciário e de
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promoção discutidos com o sindicato. Aqui, quase todos os direitos – como férias de 30 dias, jornada de 40 horas, tíquete-alimentação e refeição, participação nos lucros e resultados (PLR), abono assiduidade – foram conquistados com greve. Como isso não é incorporado na história como conquista dos trabalhadores, quando o trabalhador procura a empresa sozinho, ela vende essas conquistas como se fossem concessões.
Antigamente, os sindicatos precisavam estar na porta da fábrica. Depois, passaram a atuar dentro da fábrica. Hoje, muitos jovens estão em pequenas unidades de produção fragmentadas e dispersas; estão trabalhando em casa ou nas ruas. Os
sindicatos estão próximos da juventude? Eles acreditam em suas bandeiras? Nem os sindicatos estão próximos da juventude, nem a juventude acredita nas bandeiras dos sindicatos. Isso porque o mundo da informática promoveu uma transformação tão radical no mundo do trabalho quanto a invenção da máquina a vapor, que mudou a relação entre patrões e empregados. E nem o movimento sindical, nem tampouco a sociedade assimilaram essa nova relação de produção. O trabalhador pode trabalhar em casa hoje. Nas fábricas, os robôs, que só existem em função dos avanços na área da informática, aliviaram o trabalho pesado, mas substituíram os homens. Além disso, hoje, muitos trabalham no comércio e nos serviços e também em locais de trabalho dispersos. A produção fragmentada é uma realidade irreversível em função da alta tecnologia e os sindicatos precisam representar a cadeia produtiva. No Brasil, os sindicatos não representam a cadeia produtiva, representam corporações
de oficio, advogados, engenheiros, bancários, motoristas, metalúrgicos. Numa mesma empresa você chega a ter 22 categorias profissionais diferentes. Além disso, no Brasil, o sistema educacional é atrasado e os jovens usam o Fundo de Investimento Estudantil (Fies) para financiar seus estudos nas faculdades privadas e nelas aprendem tudo sobre o neoliberalismo. Resultado, os jovens se formam já alienados, não têm consciência dos seus direitos. A escola não ensina direitos e o sindicato não tem acesso a esses jovens.
Quais são as três principais bandeiras de luta da CUT? Contrato coletivo de trabalho, redução de jornada para 40 horas sem redução de salários e uma alternativa ao fator previdenciário.
Qual a posição da CUT sobre a terceirização da mão de obra? Para a CUT, terceirização é sinônimo de precarização, de rebaixamento dos direitos trabalhistas e de piora nas condições de trabalho e de vida para a classe trabalhadora. O objetivo da terceirização é diminuir custos e isso difere dos argumentos dos empresários, que dizem buscar a especialização. Não é verdade: o objetivo da terceirização é conter custos salariais e trabalhistas. Os salários e benefícios, como vale-refeição, dos terceirizados são baixos e eles ficam mais expostos a mortes e acidentes em decorrência da falta de condições de trabalho.
A atual estrutura é verticalizada, corporativista e subordinada a uma legislação ultrapassada do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A estrutura sindical tem de refletir as relações de trabalho e essas relações precisam ser normatizadas coletivamente, com contrato coletivo de trabalho e negociação permanente. Além disso, para aumentar a legitimidade, é fundamental acabar com o imposto sindical. Os sindicatos têm de sobreviver apenas com as contribuições voluntárias dos trabalhadores associados.
Novas organizações sindicais não deveriam ser criadas de forma a aproximar sindicatos dos trabalhadores? O que o senhor acha da unicidade sindical? E da pluralidade sindical? A unicidade – um e somente um por base – é um equívoco. Da mesma forma que temos pluralidade religiosa, partidária, de time de futebol, nós também podemos e devemos ter pluralidade de organização dos trabalhadores. Nem a unicidade, nem a pluralidade fortalecem o sindicato. O que fortalece os sindicatos é a legitimidade do sindicato na base.
O que está por trás da representação das centrais sindicais contra o MPT junto à OIT? A reclamação das centrais sindicais brasileiras junto à OIT partiu do princípio de que existe liberdade de organização no Brasil e, portanto, o Estado não pode intervir na organização sindical. A CUT nasceu contra o imposto sindical e defende historicamente a substituição deste imposto por uma taxa negocial que seja aprovada em assembleia e dê direito de oposição ao trabalhador. Defende, também, a modernização da estrutura sindical brasileira. Entretanto, não pode concordar com intervenções que, muitas vezes, acabam por inviabilizar os sindicatos e as negociações. Estou falando do interdito proibitório e das intervenções do MPT no processo negocial. No início de fevereiro, o MPT entrou com ação direta de inconstitucionalidade contra 31 leis negociadas pelos sindicatos dos servidores e o governo do Distrito Federal. Tem sindicato que é punido com multas altíssimas por greve e até por convocação de greve. Essas são provas de que há intervenção do Estado brasileiro na negociação. Isto não pode ser generalizado, mas o MPT está intervindo no processo de negociação e liberdade sindical.
Setores da sociedade buscam flexibilizar as relações trabalhistas no Congresso Nacional. O que o senhor pensa a respeito? Esses setores da sociedade são perdulários, estão preocupados apenas, e tão-somente, em ganhar dinheiro fácil.
Como é a estrutura sindical brasileira? Como deveria ser? A atual estrutura sindical brasileira é arcaica, inconveniente e não contribui para o fortalecimento do movimento sindical. A CUT defende a ratificação da Convenção 8––7 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), defende mais liberdade e autonomia sindical.
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Fotoa: Rodrigo Farhat
Levi Fernandes Pinto, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC)
Como é a relação dos sindicatos com outros movimentos populares? Os sindicatos participam ativamente dos conselhos das diversas atividades em seus municípios e se engajam em todos os movimentos sociais que levantam bandeiras pela justiça social e pela melhoria das condições de vida e trabalho dos cidadãos, em especial dos trabalhadores brasileiros.
Qual a importância do movimento sindical no cotidiano dos trabalhadores brasileiros? Vivemos numa sociedade capitalista e em uma nação em desenvolvimento. Esse cenário acirra ainda mais o clássico embate entre os interesses do capital e do trabalho e, nessa queda de braço, a corda costuma arrebentar do lado mais fraco, no caso, o do trabalhador. O movimento sindical, quando articula suas forças, assume protagonismo em importantes transformações sociais, como foi o caso da política de valorização do salário mínimo (Lei 12.382/2011), com reflexo evidente na distribuição de renda e na melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. A regulamentação da profissão comerciária em 2013 foi importante marco para os mais de 12 milhões de trabalhadores que representamos e abriu portas para que as questões específicas de nossas categorias sejam discutidas nas três esferas do Poder Legislativo. Além da representatividade, os sindicatos e federações prestam serviços aos trabalhadores: nas negociações e acordos coletivos junto aos empregadores, na assessoria jurídica e na oferta de serviços de saúde, lazer e qualificação contínua. Isso sem falar na questão de apoio à fiscalização.
Os trabalhadores compreendem o papel dos sindicatos? Eles acreditam em suas bandeiras? A quantidade de trabalhadores sindicalizados tem caído. Hoje, são cerca de 16 milhões de trabalhadores associados a aproximadamente 10,2 mil sindicatos, o que corresponde a 17,2%
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dos ocupados, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). À primeira vista, esses dados revelam que, de modo geral, os trabalhadores não reconhecem ou não compreendem o papel dos sindicatos. Isso precisa ser analisado por uma ótica mais profunda. Em primeiro lugar, vivemos uma sociedade de consumo, imediatista, que incentiva o individualismo em detrimento das ações coletivas. Outro fator de descrença se encontra na crise ética estabelecida no país, que desencadeia uma onda de desmoralização, inclusive do movimento sindical.
Os sindicatos estão próximos da juventude? Eles acreditam em suas bandeiras? Não estamos mais na era industrial. Hoje, o que predomina são os serviços e a pulverização do trabalho em pequenas e médias empresas. Isso dificulta as negociações sindicais, pois nas menores os trabalhadores têm uma relação mais direta com os seus patrões. O modelo mental dessa geração atual também é outro. A descentralização das atividades laborais em muitos setores, os avanços tecnológicos e a comunicação online modificaram a maneira como o jovem se relaciona com o mundo e o trabalho entre si.
Quais são as três principais bandeiras de luta da CNTC? Defendemos o fortalecimento do sindicalismo brasileiro pela via da unicidade sindical, do sistema confederativo e do custeio das entidades pelos próprios trabalhadores. Defendemos o trabalho decente, contra a precarização do emprego, a escravidão e o desrespeito aos direitos trabalhistas garantidos em lei. Lutamos pela jornada de trabalho justa, com redução para 40 horas semanais, regulação e controle do uso do instrumento da hora extra e pelo fim do trabalho aos domingos e feriados e também do banco de horas.
Qual a posição da sua confederação a respeito da terceirização da mão de obra? Nós não somos contra a terceirização. Defendemos, porém, que a regulamentação da terceirização no Brasil submeta-se aos requisitos que garantam a isonomia de direitos entre trabalhadores terceirizados e celetistas, e que se coíbam relações empregatícias pejotizadas não justificáveis.
No comércio e serviços, a atividade presencial ainda é predominante, por isso os sindicalistas devem continuar atuando dentro dos estabelecimentos e junto aos interlocutores patronais.
A CNTC quer assegurar que as mudanças exigidas pelos novos tempos preservem os direitos dos trabalhadores ao formatar a relação entre as empresas e seus empregados. Só apoiaremos um texto legal que considere os seguintes requisitos: responsabilidade solidária; limitação da terceirização à atividademeio; igualdade de direitos do trabalhador terceirizado com o trabalhador da empresa tomadora; e impedimento da quarteirização e da pejotização.
O movimento sindical, para falar com os jovens, precisa também se reciclar. Sem a conscientização dos jovens trabalhadores, fica difícil pensar em engajamento sindical. E, para falar com eles, precisamos entender suas necessidades, seus anseios e reivindicações, falando a mesma linguagem.
A CNTC é contrária a propostas de terceirização que permitam legalizar as práticas mais arcaicas de precarização do trabalho e a instituição do subemprego a serviço dos que praticam a acumulação ilimitada de capital e a busca insaciável pelo lucro.
O que o senhor acha da unicidade sindical? E da pluralidade sindical? A pluralidade sindical não fortaleceria os sindicatos? A criação de entidades sindicais na mesma base territorial, com as mesmas categorias e com a anuência do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) enfraquece o movimento e prejudica o poder de mobilização das bases nas empresas, além de fragilizar a negociação com os empregadores.
Setores da sociedade buscam flexibilizar as relações trabalhistas no Congresso Nacional. O que o senhor pensa a respeito? A flexibilização dos direitos trabalhistas abrange o modo de contratação dos trabalhadores, a duração do trabalho, o estabelecimento de salários, a negociação coletiva e as formas de cessação do contrato de trabalho. As medidas que alteram a concessão de direitos trabalhistas, anunciadas no final de dezembro pelo governo federal, limitam o acesso de milhões de trabalhadores a direitos como seguro-desemprego e abono salarial, direitos garantidos pela Constituição. Pelas novas regras, 10 milhões de trabalhadores poderão ficar sem receber seus direitos. Nós não vamos aceitar esse golpe aos direitos dos trabalhadores. Estão empurrando para o bolso do trabalhador o rombo na previdência. O governo prefere tirar do trabalhador direitos já conquistados, ao invés de executar medidas mais concretas para aumentar as receitas, como a criação do imposto sobre grandes fortunas, o fim da isenção do imposto de renda sobre lucros e dividendos e a criação de impostos sobre bens de luxo. As novas regras afetam principalmente a nossa categoria, que já sofre com a grande rotatividade de mão de obra causada pela sazonalidade da atividade e pelo interesse econômico do setor patronal. A flexibilização das relações de trabalho, sobretudo no que tange aos critérios de admissão, pagamento de salário, compensação de jornada e ainda os de alteração, suspensão e rescisão do contrato de trabalho, como é hoje defendia, é um primeiro passo para a total desregulamentação do direito do trabalho.
Como mudar a visão da sociedade em geral sobre o movimento paredista? É preciso resgatar os valores coletivos de nossa sociedade e o movimento sindical precisa mostrar a importância de sua existência e atuação.
Como é a estrutura sindical brasileira? Como deveria ser? A CNTC defende a independência política do seu sistema confederativo. A entidade tem hoje liberdade e legitimidade para transitar nos três poderes e dialogar com lideranças de quaisquer convicções políticas. Defendemos esta isenção porque somos nós – confederação, federações e sindicatos – quem devemos sensibilizar os partidos e seus integrantes para as causas dos trabalhadores das categorias que representamos. Somos favoráveis a que o movimento sindical forme lideranças políticas dentre os trabalhadores para que possam ampliar a força de nossa representação por meio dos cargos públicos em todas as instâncias. A educação política dos trabalhadores do comércio e serviços deve ser uma preocupação das lideranças sindicais para que estes conheçam seus direitos, participem de seus sindicatos e votem de forma consciente. O desenvolvimento e fortalecimento dos sindicatos, por sua vez, é um dos principais objetivos do sistema CNTC. Só assim, acreditamos, poderemos ter bases fortes para transformar a realidade em cada cidade, em cada empresa. É importante que cada um faça a sua parte, buscando um alinhamento de diretrizes que venham ao encontro dos interesses dos trabalhadores. Mas, isso não é o que vem acontecendo. Na realidade, muitas vezes um ator do processo interfere na área de atuação do outro ou vai além de suas competências constitucionais. A soma de esforços precisa prevalecer sobre outros e quaisquer interesses sectários.
Fica claro que a pulverização de entidades representativas pelo modelo da pluralidade sindical não atende aos interesses dos trabalhadores, mas daqueles que desejam fazer prevalecer seus interesses próprios, inclusive de alcance político, fora da esfera sindical. Sem a atuação dos sindicatos, federações e confederações de trabalhadores por categoria, a liberdade negocial fica totalmente comprometida, permitindo prevalecer os interesses dos detentores do capital contra os direitos do trabalhador. Com sindicatos fragilizados, as disputas internas correm o risco de prevalecer sobre os interesses da categoria. A CNTC defende a unicidade sindical e o sistema confederativo como a representação direta do trabalhador. Para tanto, luta pela preservação de sua sustentabilidade econômica financeira, de acordo com a lei em vigor, que estabelece a contribuição sindical – um recurso do próprio trabalhador para assegurar sua adequada defesa e representatividade. Só com a preservação do princípio constitucional da unicidade sindical estará garantida a representatividade dos trabalhadores de uma mesma categoria.
Como é a relação da CNTC com o MPT? Quais são os pontos positivos e negativos? O que pode melhorar? Com relação ao MPT, o que identificamos é que está faltando um diálogo mais franco, leal e aberto com as confederações laborais para que questões importantes como a redução da jornada e o combate às condições precárias de trabalho possam ser enfrentadas em conjunto. A CNTC acompanha e valoriza o esforço do MPT no combate ao trabalho escravo e infantil e tantas outras iniciativas relevantes das pautas trabalhista e social. Queremos estreitar esse relacionamento e unir forças para avançar na agenda das relações trabalhistas, e isso exige que possamos abrir esse espaço de diálogo.
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Ilustrações: Cyrano Vital
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REFORMA SINDICAL
Mudar é preciso, companheiro? A oxigenação do sistema sindical interessa aos trabalhadores e à democracia
Por Camila Correia* e Rafael Almeida
“Doravante não há um só campo econômico em que o Estado não tenha de intervir. Ocorre depois do partido único o Estado totalitário, isto é, o Estado que absorve para transformar e fortalecer toda a energia, todos os interesses, todas as esperanças de um povo.” Pronunciadas há mais de 80 anos, durante assembleia geral do Conselho Nacional das Corporações, as palavras resvalaram da boca do duce italiano Benito Mussolini em defesa do “Estado Corporativo”. Tratava-se do estabelecimento de uma “síntese estrutural”, algo como uma “unicidade organizativa”: todas as instituições políticas, sociais e jurídicas seriam unas, de modo a garantir o total controle do Estado; a
estrutura compreendia, inclusive, o sindicato único, englobando a influência do Partido Nacional Fascista na forma de organização dos trabalhadores. Nascia ali o princípio da unicidade sindical. No decorrer de pouco tempo, o modelo espalhou-se pela Europa tal como um vírus, especialmente em países imbuídos do totalitarismo visto na Espanha franquista e no Portugal salazarista. O conceito foi adotado por países da América Latina, dentre eles o Brasil, pelo então presidente Getúlio Vargas e seu Estado Novo. Por meio da sanção de um Decreto-lei datado de 1931 (nº 19.770), a ditadura varguista estabelecia o princípio da unicidade sindical, mas apenas em 1939, por
meio de um segundo Decreto-lei (nº 1.402), Vargas deixou expresso o reconhecimento de um único sindicato “para cada profissão”. A estrutura sindical brasileira unia-se à Carta del Lavoro – documento emitido em 1927 pelo Partido Nacional Fascista para orientar as relações de trabalho na sociedade – para ganhar vida longa. O Estado autoriza a criação de uma única entidade sindical para atender a uma categoria profissional em determinada base territorial, que é beneficiária de uma contribuição anual a ser paga compulsoriamente por todos aqueles representados por ela, também conhecida como “imposto sindical”. Essa é a regra do jogo, constitucionalmente falando. Pode-se
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concluir, sem eufemismos, que a estrutura sindical brasileira tem o mesmo frescor das ondas do rádio (ao menos, foi inventada na mesma época). Dito isso, vão-se as certezas, ficam as perguntas: o princípio da unicidade representa uma herança do autoritarismo? O sistema traz benefícios para a organização sindical? Agride o Estado democrático? O imposto garante a autonomia das entidades na luta por melhorias trabalhistas? No Brasil, a contradição se instalou na organização da classe trabalhadora mediante a promulgação da Constituição de 1988. O artigo 8º da Carta Magna sedimentou os princípios da liberdade e da autonomia sindical, permitindo a livre associação, a auto-organização dos trabalhadores e a administração das entidades livre da interferência do Estado. Mas, de forma concomitante, o inciso II do mesmo dispositivo prevê a manutenção da unicidade sindical, limitando a plenitude à liberdade proposta, uma vez que a entidade representativa necessita da chancela do poder público para afiançar sua legitimidade. Mas como garantir um sem ferir o outro?
Jekyll e Hyde O sistema de liberdade sindical proposto pela Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) já prepondera em grande parte dos países do cone norte, com destaque para Alemanha e Inglaterra. Porém, a ratificação da norma internacional não é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que ela propõe não apenas a liberdade e a proteção ao direito de sindicalização, mas atrela tais princípios ao descolamento do Estado. Nesse sentido, o sindicalismo brasileiro encena Jekyll e, ao mesmo tempo, o antagonista Hyde.
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O avanço da democracia em termos globais, mediante o fim de governos totalitários na Europa, Ásia e América Latina, e o avanço das relações de trabalho em países ditos “desenvolvidos”, trouxe ao Brasil uma discussão até então limitada aos bancos da academia: o princípio da pluralidade é algo possível de ser adotado na estrutura sindical no Brasil. Com ele viria o fim do imposto sindical e uma nova forma de organização dos sindicatos, conferindo uma dinâmica totalmente diferente à atual realidade brasileira. Da luz veio uma nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de nº 369/05. Bom, dependendo do ponto de vista, das sombras. O fato é que as discussões já travadas na sociedade, no âmbito sindical, do Congresso Nacional, das universidades e até da imprensa, renderam opiniões favoráveis e contrárias à reforma sindical. Há argumentos de ambos os lados. Mas, antes de ouvi-los, Labor irá importar um caso de mudança de paradigmas conduzido por um país europeu.
Contribuinte Na década de 1970, a Espanha, então adepta do princípio da unicidade desde o Estado de exceção de Francisco Franco, mudou as leis e “descolou” os sindicatos da influência do Estado, dando autonomia para a criação de outras entidades que atendessem a mesma categoria, na mesma base territorial. Com isso, instituiu-se o fim da contribuição sindical, também obrigatória por lá, sem a anuência da Suprema Corte espanhola para a cobrança de uma taxa para negociação coletiva. Quase 40 anos mais tarde, o que se vê é uma estrutura sindical falida, longe da sustentabilidade e dependente justamente do ente do qual se desgarrou: o Estado. Para a sobrevivência financeira dos sindicatos, que
pouco fizeram em prol de sua estruturação, o governo teve de criar uma verba no orçamento público destinada para amparar aqueles mais representativos. No fim das contas, quem sustenta as entidades e seus elefantes brancos na Federação rubra é o contribuinte. “O princípio da unicidade sindical foi criado na época em que vivíamos em um mundo completamente diferente, é anacrônico aos tempos modernos. Contudo, antes de decretar o fim do modelo atual, é necessário que haja uma alternativa ao imposto sindical, algo como uma contribuição negocial, de forma a garantir a autonomia financeira das entidades”, afirma o procurador do Trabalho Eduardo Luís Amgarten, especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Gesso Há quem diga que a quebra da unicidade reduziria drasticamente, ou até erradicaria, a promiscuidade administrativa de dirigentes sindicais, especialmente com relação aos casos de falta de democracia interna e de manutenção de mandatos perpétuos, muitas vezes passados de pai para filho. O descontentamento da categoria resultaria na criação de uma nova entidade, livre de imoralidades, capaz até de suplantar a anterior. “A unicidade engessa a estrutura sindical e é prejudicial à democracia. Se as próprias entidades tivessem uma atuação no sentido de preservar a unicidade, elas repensariam seus sistemas de gestão e de renovação do poder. Mas infelizmente, o egoísmo impera, e isso é algo difícil de mudar. Afinal, nenhum dirigente quer abrir mão do seu ‘feudo’”, observa Amgarten.
A ordem do dia Feitas as considerações iniciais, vamos ao que importa: a PEC 369/05, proposta pela base governista do presidente Lula em 2005, dá nova redação aos artigos 8º, 11, 37 e 114 da Constituição Federal. Na esteira, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) propôs um anteprojeto de lei de relações sindicais (com nada menos do que 238 artigos), para regulamentar a PEC. Os pontos principais do projeto são os seguintes: implementar a pluralidade sindical; acabar com o imposto sindical, instituindo a chamada contribuição sindical – o trabalhador paga uma taxa caso o acordo feito pela entidade beneficie a categoria; reconhecimento das centrais como entidades representativas; fim da data-base; direito à representação no local de trabalho; substituição processual (amplia a representação do trabalhador em processos judiciais); limite de diretores com estabilidade, dentre outros. Gerida na mesma placenta da reforma trabalhista, a PEC representa o primeiro passo para a chamada “modernização” das relações de trabalho no Brasil. Ao menos era essa a intenção. Apesar de divulgada pelo Executivo como consenso entre trabalhadores, empresas e governo, a proposta encontrou resistência de guerrilha em movimentos organizados e no próprio Parlamento. Os oposicionistas alegam que as medidas não garantem, na prática, a liberdade sindical plena, conforme citado em discussões preliminares. Assim, desde que chegou ao Congresso Nacional, debaixo de saraivada de protestos, a PEC caminhou a passos de tartaruga – hoje encontra-se
em análise na Coordenação de Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados. As duas maiores centrais do país, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical, representantes de polos opostos do espectro sindical brasileiro, mantêm acesa a divergência entre elas quando o assunto é a PEC 369. Apesar de terem baixado as armas em assuntos de interesse mútuo, como a pressão em montadoras para costurar acordos mais relevantes e abrangentes para a categoria dos metalúrgicos, as “entidades” (as aspas desaparecerão em caso de aprovação da PEC) veem a proposta com olhos diferentes, principalmente no que se refere à quebra (ou não) da unicidade e ao fim (ou não) do imposto sindical.
CUT Para a CUT, a estrutura sindical brasileira é inadequada e sabota o fortalecimento do movimento pela representação dos trabalhadores. Por isso, a solução seria conferir mais autonomia para a criação de novos sindicatos e dar fim à contribuição obrigatória, conforme prevê a PEC 369/05 e o anteprojeto de lei das relações sindicais. “Da mesma forma que temos pluralidade religiosa, partidária de time de futebol, nós também podemos e devemos ter pluralidade de organização dos trabalhadores. O que fortalece os sindicatos é a legitimidade na base e para aumentar essa legitimidade é fundamental, por exemplo, acabar com o imposto sindical. Os sindicatos têm de sobreviver apenas com as contribuições voluntárias dos
trabalhadores associados”, destaca Vagner Freitas, presidente nacional da CUT.
Força Sindical A Força, por sua vez, não tem uma visão tão pessimista da realidade organizativa. O primeirosecretário da central, Sérgio Luiz Leite, vê entraves à organização de classes, caso haja a aprovação da emenda constitucional e sua regulamentação conforme proposta apresentada ao Congresso. “A estrutura sindical brasileira não está falida e uma grande prova disso é que nenhum direito dos trabalhadores foi perdido nas últimas duas décadas como aconteceu no resto do mundo, pelo contrário.” Os “forcistas”, como são chamados os adeptos da Força, admitem que as leis trabalhistas brasileiras dificultam avanços na negociação coletiva, mas advogam pela permanência da unicidade e da contribuição sindical; segundo eles, a pluralidade contribuiria para uma “divisão do movimento”, o que traria disputas de espaço em detrimento da luta efetiva por direitos de determinada categoria. “Também é precipitado dizer que a unicidade conflita com a liberdade sindical, porque para se organizar um sindicato, tem que haver a concordância dos trabalhadores. A manutenção da unicidade sindical na base e a pluralidade nas instâncias superiores é tão fundamental para o fortalecimento da estrutura sindical brasileira quanto a permanência da contribuição sindical, a única que nos dá segurança jurídica. Enquanto a PEC se basear na pluralidade sindical, ficará onde está: estacionada”, aposta o sindicalista.
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De fora para dentro Fora do Brasil, o quadro é altamente favorável à autonomia dos sindicatos, algo que não se vê na prática por aqui (ao contrário até do que prega a Constituição). Ver porcos voando é mais fácil do que encontrar duas entidades atendendo à mesma categoria numa mesma base territorial; o MTE simplesmente não deixaria isso ocorrer. Mas, ainda assim, fica a máxima: a liberdade sindical é uma premissa para a garantia do Estado Democrático de Direito. Certo? Mas, então, o que dizer da não ratificação da Convenção nº 87 da OIT pelo governo brasileiro? Para efeito ilustrativo, Labor apresenta aos leitores um trecho do artigo 3º da norma internacional que trata de liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização: “as organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e de formular seu programa de ação; as autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal.” Mais adiante, uma extração do artigo 4º: “as organizações de trabalhadores e de empregadores não estarão sujeitas à dissolução ou à suspensão por via administrativa.”
Pois bem, a legislação brasileira é contrária aos ditames da Convenção em muitos aspectos, a começar pela vigência dos incisos II e IV do artigo 8º da Constituição Federal. Isso leva o Brasil à privilegiada colocação de único país da América Latina a não ratificar a norma (incluindo Venezuela e Bolívia, países com estrutura democrática, digamos, mais frágil). Mas ainda há espaço para mudanças significativas em prol do Estado Democrático, segundo o docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Antônio Rodrigues de Freitas Júnior. Inspirado na Convenção 87, um dos integrantes da equipe técnica que redigiu a PEC 369/05, Freitas Júnior defende a aprovação da proposta pelo Congresso Nacional como forma de desenvolver as relações de trabalho e a estrutura sindical no Brasil. “É urgente aproximar o sistema sindical brasileiro aos parâmetros internacionais da OIT. A Convenção 87 pede por autonomia e liberdade sindical, a pluralidade é tolerada por ser um mal menos pior do que a unicidade imposta por lei pelo Estado. No caso do Brasil, a unicidade é um resquício de um sistema sindical pensado num cenário doutrinário autoritarista e de intolerância ao debate político.” Para o professor, a democracia brasileira não só comporta uma reforma, como também demanda um aperfeiçoamento democrático do sistema de representação sindical. “Esse sistema não é considerado velho por ter mais de 70 anos, mas por pensar o sindicato como uma
extensão da organização dos trabalhadores pelo Estado.”
Representatividade Outra questão importante a ser levantada no debate refere-se à sustentabilidade financeira dos sindicatos. Nesse contexto, perder apoio do braço forte do Estado, no sentido de garantir uma base contributiva e a manutenção do “imposto” obrigatório, poderia significar um duro golpe nos cofres das organizações e, por conseguinte, gerar alto grau de insegurança. Não esqueçamos o já citado caso espanhol. A verdade é que poucos sindicatos no Brasil são representativos a ponto de serem custeados espontaneamente pela própria categoria. Dessa forma, a maioria é financiada pela contribuição compulsória, advinda da famosa “Conta Especial Emprego e Salário” (ou até por meios ilícitos. Mas isso não vem ao caso). Ainda assim, especialistas e estudiosos do direito do trabalho ouvidos por Labor asseguram que não é função do Estado recolher compulsoriamente contribuição de trabalhadores e empresários e endereçá-las a entidades sindicais. Os sindicatos, como associações privadas, devem buscar recursos para a contribuição espontânea dos seus sócios. Mas, na prática, o sistema de custeio dos sindicados no Brasil ainda está, e muito, contaminado pela histórica presença do Estado.
Unidade ou unicidade Para contribuir ainda mais com o debate travado nestas páginas, Labor decidiu importar outro caso de organização sindical, dessa vez dos Estados Unidos. A intenção é mostrar que nem sempre a unicidade é sinônimo de falta de democracia. Mas, para isso, vamos substituir a palavra unicidade por unidade. No caso, faremos referência à “unidade de negociação”. Mesmo havendo uma série de entidades representativas da mesma categoria, em uma mesma base territorial, como é o caso americano, para fins de negociação coletiva, a estrutura sindical daquele país exige que seja eleito um sindicato mais representativo para responder por toda a categoria, desde que haja salvaguardas, tais como a certificação da representatividade exclusiva por um órgão inteiramente independente e isento e a própria anuência da maioria absoluta (ao menos 51% do total). Nesse exemplo, observe que não houve qualquer interferência do Estado na organização sindical. Apesar de haver um único sindicato atendendo toda uma categoria, a responsabilidade de elegê-lo é dos próprios trabalhadores. Por isso, para o Comitê de Liberdade Sindical da OIT, a “unidade de
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negociação” não infringe a Convenção 87, pois promove a liberdade sindical (sem que, necessariamente, haja a pluralidade). Embora existam grandes diferenças nos ordenamentos jurídicos do Brasil e dos EUA – inclusive com relação aos termos do processo interno de ratificação e incorporação dos instrumentos normativos da OIT –, assim como nas próprias estruturas sindicais, o Brasil pode aprender muito com o exemplo americano, afirma o diretor adjunto da OIT no Brasil, Stanley Gacek.
Pluralidade Membro da Ordem de Advogados do Distrito de Columbia e professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Harvard, Gacek atuou como sindicalista nos EUA por muitos anos e trouxe sua experiência ao Brasil. Ele começa a entrevista à Labor deixando claro que responde pela OIT e que, por isso, trará o ponto de vista técnico de um especialista em normas internacionais. Já na primeira pergunta, sobre o porque de a OIT defender a pluralidade, Gacek desmistifica: “A liberdade sindical, assim
como a democracia, é liberdade, independência, pluralismo e participação nos processos decisórios. No texto da Convenção 87, por exemplo, não consta nenhuma referência literal à pluralidade, mas inúmeros à liberdade sindical. A imposição de monopólio de organização sindical pelo Estado é considerada ilegítima e isso significa a possibilidade de várias organizações. Essa é a ideia de pluralidade propagada pela OIT, o resultado de um processo natural. No Brasil há certa pluralidade sindical, porém em outros níveis”, explica, ao sustentar que a liberdade sindical não impede a unidade, desde que essa seja voluntária, como visto no caso norte-americano. O representante da OIT elucida que, mesmo sem ter ratificado a Convenção 87, o Brasil, como Estado-membro, deve demonstrar o que está fazendo para progredir em relação aos princípios das convenções não ratificadas, e lembra que o Brasil adotou a Convenção 141, sobre organização sindical dos trabalhadores do setor agrícola, e a de 151, que discorre sobre a organização sindical e as relações de trabalho na administração pública. “O conteúdo normativo dessas convenções é quase idêntico ao da 87”, lembra o norte-americano (e lembrando-nos, mais uma vez, do mar de contradições em que vivemos).
Sem respostas Muitos dizem que a proposta de reforma sindical tem como princípio conferir independência e autonomia aos sindicatos como organizações genuinamente representativas dos trabalhadores, sem que para tanto dependam do Estado para serem custeados. Hoje, os sindicatos brasileiros precisam da chancela do Estado até para se constituir, organizar e se custear. Mas ainda paira no ar uma interrogação sem resposta: será
que o Brasil está preparado para empreender uma reforma sindical à altura da classe trabalhadora? O país pode cair na mesma armadilha da Espanha ou pode emergir como democracia ainda mais consolidada? “A oxigenação do sistema sindical não interessa só aos trabalhadores, mas à democracia como um todo. Portanto, ela não deve ficar de fora da pauta política, mas isso
também não significa que a sociedade tem que conduzir o debate dentro dos parâmetros da PEC 369/05 ou do anteprojeto de Lei das Relações Sindicais. O que não se pode é continuar fingindo que essa é uma questão secundária que pode ser indefinidamente postergada”, conclui Antônio Rodrigues de Freitas Júnior, da USP.
* Estagiária de jornalismo no MPT em Campinas
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Sindicatos nas páginas policiais Por Fátima Reis
Relações cercadas de suspeição e com desfechos criminosos, sindicatos que deveriam servir aos trabalhadores são alvos de investigação e ocupam as manchetes policiais em várias regiões do Brasil. Em Santa Catarina, atentados a líderes sindicais se tornaram corriqueiros no Sul do estado. Atitudes duvidosas, conflitos de interesses, enriquecimento ilícito e ameaças protagonizadas por diretores das próprias entidades e, por vezes, com o apoio de sindicatos patronais, levam à falência entidades de classe, intimidam empregados na luta por seus direitos e comprometem acordos coletivos.
trabalhadores contra trabalhadores. No dia 4 de fevereiro de 2015, ele assumiu a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes de Criciúma e Região (Sintacril). Foi eleito em segundo turno nas eleições realizadas em novembro passado, após quatro anos de conflitos internos, onde uma única direção comandava o poder da entidade e agia, conforme relatos, em favor dos donos de empresas de transportes do município. Celeir não foi vitorioso apenas nas eleições. Venceu as pressões e saiu ileso de pelo menos três atentados, inclusive contra seus familiares, e hoje escreve uma nova página da história do Sintacril.
Celeir Formentin Candido é um dos sobreviventes das batalhas travadas por
O pleito só foi possível com a intervenção do Ministério Público do Trabalho (MPT)
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em Santa Catarina. Em agosto de 2014, uma decisão judicial em ação de improbidade administrativa do MPT contra o Sintacril lacrou a sede da entidade, afastou 11 integrantes e nomeou um administrador para comandar a entidade por seis meses, devido às denúncias de irregularidades. Os diretores foram acusados, em 2011, de desviar para patrimônios particulares mais de R$ 498 mil. Em 2010, o montante desviado do sindicato foi de cerca de R$ 355 mil. “Ficou comprovado o desvio de recursos dos trabalhadores e essa conduta tipifica improbidade administrativa, porque o dinheiro da contribuição sindical dos associados tem natureza tributária”, diz o procurador do Trabalho Luciano Leivas, que atuou no caso.
Ameaças e morte A mesma sorte de Celeir, que agora constrói nova história no Sintacril, não teve o vice-presidente da Cooperativa de Extração de Carvão Mineral dos Trabalhadores de Criciúma (Cooperminas), Fernando Gomes Marques, de 34 anos. Ele foi morto a tiros no final do ano passado, enquanto passeava com o cachorro próximo à sua residência. De acordo com integrantes da atual administração do Sindicato dos Mineiros de Criciúma, o assassinato do colega foi motivado pela descoberta de um desvio de dinheiro praticado pelos ex-diretores da entidade. As ameaças e atentados envolvendo pessoas ligadas à Cooperminas e ao sindicato deixaram as autoridades em alerta. As relações estreitas, e por vezes até duvidosas, entre a empresa e o sindicato vêm desde a criação da cooperativa, quando trabalhadores assumiram a administração de uma mina falida. O desvio denunciado por Marques, que tinha a intenção de presidir o sindicato, diz respeito a um contrato assinado em 1998. O não cumprimento do acertado entre as partes, daquele ano até 2013, gerou um rombo de aproximadamente R$ 100 mil por mês nos cofres da entidade, contabilizando quase R$ 20 milhões. Segundo o advogado Chalton Schneider, que deixou a assessoria jurídica da entidade alegando projetos pessoais, o dinheiro foi desviado pela antiga diretoria. A verba era proveniente do arrendamento de um terreno que a Cooperminas doou ao sindicato. No contrato, o arrendatário deveria pagar R$ 100 mil por mês ao sindicato e cerca de R$ 1 milhão por mês à empresa. Porém, disse o advogado, “esse dinheiro nunca chegou ao seu destino”.
participar de negociações sindicais como representantes dos trabalhadores. Uma liminar concedida no final de maio pela desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC), Gisele Pereira Alexandrino, suspendeu as eleições para a diretoria do Sindicato dos Mineiros em Criciúma, programadas para o início daquele mês. A juíza do Trabalho responsável pelo processo já havia determinado a nomeação de um interventor para conduzir o processo. A magistrada deve ser transferida de cidade devido às ameaças que enfrenta desde que começou a atuar no caso. Já o MPT, para proteger os procuradores envolvidos na ação, constituiu um grupo de trabalho para atuar no conflito. “Garantir que o
processo de mudança no sindicato se consolide com transparência e os procuradores da região tenham suas vidas asseguradas, livres de qualquer ato de violência é o nosso propósito maior”, disse o procurador regional do Trabalho Francisco Gérson Marques de Lima, coordenador nacional de Liberdade Sindical (Conalis). O procurador regional do Trabalho Francisco Gérson Marques de Lima teme pela vida da magistrada, dada a gravidade do assunto, e diz que o tribunal deveria dar segurança à juíza, a exemplo do que fez o MPT ao constituir um grupo de trabalho para atuar no conflito. “Garantir que o processo de mudança no sindicato se consolide com transparência e os procuradores da região tenham suas vidas asseguradas, livres de qualquer ato de violência é o nosso propósito maior.”
Além do MPT, as denúncias estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE), Polícia Federal e Polícia Civil. Membros do MPT ajuizaram ação civil contra o sindicato e seus dirigentes em setembro de 2014. As provas colhidas revelaram que a Associação Profissional dos Mineiros de Criciúma é um simulacro, permanecendo, por muitos anos, defendendo apenas os interesses de seus dirigentes, inclusive para fins políticos. No inquérito civil, consta que a Cooperminas e o sindicato foram presididos, por muitos anos, pelo mesmo grupo de pessoas, que também figuram como réus no processo. Na época da intervenção, cerca de 400 trabalhadores destituíram o grupo que se revezou durante 28 anos na diretoria do sindicato. Assumiu como presidente da comissão provisória Djonatan Elias. Ele dirige a entidade até hoje. A eleição marcada para dezembro foi suspensa pela Justiça, em mais uma decisão favorável à ACP, considerando irregular a formação das chapas com a participação de cooperados ou empregados da Cooperminas, já que atuam juridicamente como sócios da empresa e não poderiam
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Violência, fraude e enriquecimento ilícito De acordo com Marques, em vários estados da federação é necessária a intervenção do MPT para troca de comando na direção dos sindicatos. Ele conta que na maior eleição da América Latina, em 2013, para a escolha da diretoria do Sindicato dos Rodoviários de São Paulo, foi preciso a atuação de 20 procuradores e o apoio de 900 policiais. Dezenove pessoas morreram no processo, que pôs fim a 30 anos de uma luta incessante pela permanência de diretores na gestão da entidade. No Rio de Janeiro, o Sindicato dos Comerciários está sob intervenção. O presidente da entidade, que ficou 20 anos no cargo, ganhava um salário de R$ 50 mil. Também empregava os filhos e a esposa, elevando a renda familiar e onerando os gastos mensais da entidade a quase R$ 100 mil. Uma ação civil pública foi ajuizada e um interventor nomeado pela Justiça comanda o processo para a nova eleição do sindicato, enquanto, paralelamente, seguem as investigações e vistorias que apuram o rombo provocado pela administração. O procurador lembra também a primeira audiência entre representantes do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Pernambuco, centrais sindicais e do MPT, na sede da Procuradoria em Recife, em 2014, para resolver os impasses em relação ao processo eleitoral da categoria, que também terminou em confusão. Houve tiros, e policiais tiveram que intervir para conter os ânimos.
Sâmela Lemos
Para Gérson Marques, é a facilidade para a criação de sindicatos e a falta de regras eficientes para coibir o enriquecimento ilícito dos dirigentes de má-fé que geram esses conflitos. Ele explica que, com a Constituição de 1988, os sindicatos deixaram de ser fiscalizados pelo Estado e a independência permitiu que a prestação de contas fosse apresentada somente aos seus afiliados, de acordo com o estatuto aprovado por eles. “O que se vê hoje é uma indústria dos sindicatos. O MPT tem conhecimento de grupos que criam as entidades e os presidentes são os mesmos em sete ou oito sindicatos diferentes. Infelizmente, o que deveria estar a serviço do trabalhador
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hoje está a serviço de golpistas que se valem da inocência e do suor de quem trabalha honestamente para ganhar dinheiro fácil.”
Ultrapassado O Brasil adota o modelo da unicidade sindical. Nessa proposta, o sindicato representativo de determinada categoria é aquele que primeiro solicita o registro sindical. A partir disso, terá a representação garantida para sempre, exceto se criados sindicatos mais específicos. Como sindicato, recebe ainda um percentual da contribuição sindical, descontada compulsoriamente dos salários dos trabalhadores. Para o procurador do Trabalho Thiago Milanez Andraus, esse modelo estimula a criação de sindicatos pequenos e sem real identificação com a categoria. Com isso, há dirigentes pouco preocupados em buscar legitimação democrática por meio da melhoria das condições de labor e vida dos trabalhadores. Em um caso ocorrido em Joinville, ficou comprovado no inquérito a realização de pagamentos indevidos em benefício da esposa do presidente do sindicato, tanto por meio de remuneração incompatível com o cargo por ela desempenhado como por meio da empresa da qual era proprietária. O sindicato também dificultava a participação dos trabalhadores em assembleias. Em outro inquérito, ficou provado que empresas atuaram de modo que a única chapa que concorreu às eleições do sindicato dos trabalhadores foi aquela que tinha o apoio do patronato. Andraus lembra que o modelo da unicidade sindical, adotado pelo Brasil, está em descompasso com as normas internacionais de Direito do Trabalho, que consagram o modelo da pluralidade sindical. Números de sindicatos fiscalizados são alarmantes Em Santa Catarina, há 354 procedimentos em curso.
Presidente do Sindicato das Domésticas do PR era laranja Por Aline Baroni Uma semana para entrar em contato com a antiga diretoria do Sindicato das Domésticas. A cada ligação, uma justificativa diferente para não atender os pedidos de entrevista. Isso porque, desde 2012, o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Paraná move uma ação contra o Sindicato das Domésticas de Araucária e Região (Sindidom) e o Sindicato dos Empregadores de Empregados e Empregadas Domésticas no Estado do Paraná (Sedep). As investigações começaram após denúncia de que o presidente do sindicato patronal, Bernardino Roberto de Carvalho, estaria coordenando as atividades do laboral por intermédio de funcionários laranjas, o que configura ofensa ao princípio da liberdade sindical. À época da investigação, coordenada pela procuradora do Trabalho Cristiane Sbalqueiro Lopes, a presidente do Sindidom era Lindacir de Oliveira. Em sua carteira de trabalho, havia o registro de que ela havia trabalhado como zeladora na empresa BR Radiadores de 2008 a 2011, empresa de propriedade de Bernardino. Lindacir foi procurada pela Labor, sem sucesso. Há informações de que ela não mora mais no Paraná. Em depoimento ao MPT, ela assumiu que quem mandava no Sindidom era mesmo Bernardino. “Conversei com a presidente anterior, Caroline Machelisa Stachera, e ela disse que quem mandava no sindicato é mesmo o senhor Bernardino, e que eu estaria ali apenas para representar o Sindidom formalmente”, declarou à época. Mas não era apenas a presidente. O Sindidom, Sedep e BR Amortecedores compartilhavam ainda vários outros funcionários. Uma delas era uma figura-chave: Mônica Andrade, que era, simultaneamente, advogada de ambos os sindicatos, como se não houvesse conflito de interesses. Seu nome constava no estatuto social do Sindidom e do Sedep, ambos datados de 2007. Mônica também foi procurada pela reportagem, até mesmo em sua boutique, mas nunca atendeu ou retornou as ligações.
Além da administração ilegítima, o sindicato praticava cobrança ilegal de taxas sindicais dos trabalhadores e a verba era desviada para contas pessoais da diretoria, assim como de empresas de Bernardino. O processo foi suspenso para que o sindicato não fosse esvaziado antes de uma nova eleição, o que poderia fazer com que qualquer chapa requisitasse a diretoria. Desde agosto de 2014, o MPT organiza a promoção de eleições que restituirão a diretoria e o conselho fiscal do Sindidom, para que reinicie suas atividades. A eleição, coordenada pelo MPT, será acompanhada pelas secretarias Estadual e Municipal do Trabalho, centrais sindicais, Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Paraná (SRTE), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná (AATPR). Em audiência pública, uma última tentativa de “golpe”: – Precisamos de pelo menos três nomes para compor a comissão que validará as inscrições das chapas – solicitou a procuradora Cristiane Sbalqueiro Lopes. – Nós podemos participar – propuseram dois representantes do Sedep. Ambos foram imediatamente impedidos pela procuradora. As inscrições das chapas ficaram abertas até 27 de março, e a eleição dos cargos de presidente, secretário-geral, tesoureiro e três integrantes do Conselho Fiscal – que devem ser trabalhadores domésticos – foi marcada para o dia 27 de abril, data em que é comemorado o Dia da Empregada Doméstica. Apenas uma chapa se inscreveu. Após maciça campanha, as domésticas votaram e seu novo sindicato começa a atuar no final de maio.
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EDUCAÇÃO, DIVERSÃO
E DIREITOS WWW.QUADRINHOS.MPT.MP.BR
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A raposa e as galinhas Diretoria do Sindicato dos Motoristas e Cegonheiros de São Paulo é afastada Por Ludmila di Bernardo e Fabiola de Souza Melo* Adalberto de Souza Pinto ocupava a presidência do Sindicato dos Motoristas Cegonheiros (Simoc), quando surgiu a denúncia no MPT de que proprietários de caminhões-cegonha, ou seja, empresários, haviam se apropriado da entidade e a utilizavam para fins particulares. Adalberto, no comando do sindicato desde 2005, havia aberto empresas de transporte de cargas para explorar economicamente a atividade. Claudemir Soares de Oliveira e Luciano Gomes Batista, respectivamente secretário-geral e diretor-executivo da entidade, também são empresários e mantinham empresas com frota de caminhões e outros veículos para explorarem economicamente a atividade do transporte de cargas. A investigação aberta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2011 comprovou a veracidade das denúncias. Os procuradores do Trabalho foram além. Descobriram que o sindicato não prestava contas à categoria e, inclusive, remunerava seus dirigentes sindicais sem que os valores fossem aprovados em assembleia. A ação civil pública (ACP) pediu o afastamento
dos réus da diretoria do sindicato e também a de outro filiados, Jonas Lopes da Silva, sócio de Claudemir em duas empresas de transportes. O argumento usado foi de que o fato de empresários ocuparem a cúpula da representação sindical dos trabalhadores colide frontalmente, e anula integralmente, com princípios importantes para a organização dos trabalhadores, o desenvolvimento de melhores condições de trabalho e o exercício do poder político nas sociedades democráticas. Em 16 de março deste ano, o juiz da 2ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo (SP) concedeu a tutela antecipada parcial ao MPT, determinando o afastamento de Adalberto de Souza Pinto, Claudemir Soares, Luciano Gomes Batista da Diretoria do Simoc, e proibindo seu acesso e de Jonas a quaisquer dependências do sindicato até o julgamento da ação. Tanto o sindicato como os empresários irão responder solidariamente em caso de descumprimento da ordem judicial e pelas multas de R$ 10 mil, por dia, e de R$ 50 mil por constatação de descumprimento.
Na ação, o MPT pede, em caráter definitivo, e que ainda será julgado pela Justiça do Trabalho, que os quatro réus sejam proibidos de integrar o quadro associativo ou de se filiarem a quaisquer entidades sindicais de trabalhadores de qualquer categoria pelo prazo de cinco anos. Pede também que o Simoc seja obrigado a excluir de seus quadros todas as pessoas que exploram ou venham a explorar a atividade econômica de transportes de carga, que preste informações detalhadas sobre a gestão administrativa, orçamentária e financeira em assembleias ordinárias da categoria e que somente passe a remunerar seus dirigentes na forma e limites definidos em assembleia. Como danos morais, o MPT pede a condenação de Adalberto de Souza Pinto ao pagamento de indenização de R$ 265,8 mil; de Claudemir Soares de Oliveira, de R$ 453,9 mil; de Luciano Gomes Batista, R$ 239,9 mil; e de Jonas Lopes da Silva, de R$ 399,2 mil.
* Estagiária de Jornalismo do MPT em São Paulo LABOR
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Máfia comandava Sindicato dos Comerciários do Rio há mais de 35 anos Por Mariana Braga
Cinco meses após a intervenção decretada pela Justiça trabalhista no Sindicado de Empregados do Comércio do Rio de Janeiro (SEC-RJ), a entidade já registrava uma economia de aproximadamente R$ 3 milhões mensais, além de melhorias para os sindicalizados, apesar das dificuldades para atrair novos associados. A medida foi possível após o afastamento da direção do sindicato, dominado há mais de 35 anos por uma mesma família. Os diretores recebiam salários que ultrapassam R$ 50 mil, enquanto o piso da categoria não chega a R$ 1 mil. O caso traz à tona um problema enfrentado pelo modelo sindical no Brasil: a crise de representatividade e a falta de democracia interna, que tem afastado filiados e criado brecha para desvios e perpetuação de grupos no poder. De acordo com a inicial da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio de Janeiro para apurar as irregularidades, havia um “esquema de dilapidação do patrimônio social do SECRJ e enriquecimento ilícito com o desvio do dinheiro arrecadado com o imposto sindical e das contribuições confederativa e assistencial decorrentes de acordos coletivos de trabalho celebrados”. A pedido do MPT-RJ, a Justiça trabalhista concedeu, em outubro de 2014, liminar determinando a nomeação de um interventor para organizar as contas da entidade, que representa de 400 mil a 600 mil trabalhadores apenas no município do Rio de Janeiro, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Além disso, determinou o afastamento do presidente Otton da Costa Mata Roma, do vice-presidente Raimundo Ferreira Filho, do tesoureiro Juraci Vieira de Sousa Júnior e do secretário-geral Gil Roberto da Silva e Castro. A decisão também determinou a suspensão do contrato de trabalho de todos os parentes
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dos diretores – 15 no total – os quais recebiam salários que chegavam a quase R$ 30 mil. A maioria deles – incluindo a mãe, a irmã, a esposa e o filho do presidente – nem sequer tinha registro de frequência relativo ao mês de outubro. De acordo com o advogado e perito judicial, José Carlos Nunes, nomeado pela Justiça para administrar a entidade até que sejam realizadas novas eleições, apenas com o afastamento dos diretores e seus familiares foi possível reduzir os gastos com folha de pagamento em aproximadamente R$ 1,2 milhão.
Testa de ferro A intervenção também garantiu a economia de aproximadamente R$ 1,5 milhão por mês, ao encerrar o contrato com uma empresa responsável por toda a arrecadação da entidade. A empresa, de Carlos Américo, considerado pela investigação o testa de ferro da família Mata Roma, cobrava pelos serviços 45% de todo o valor arrecadado, que ultrapassava R$ 3 milhões mensais. “Todos os procedimentos eram informais e não documentados. O dinheiro que entrava podia ser pago a qualquer pessoa por meio de emissão de recibo, sem planejamento orçamentário ou acompanhamento”, explica Nunes. Além disso, foi verificado pela nova administração o pagamento de serviços não realizados. Agora, toda a arrecadação é depositada obrigatoriamente na conta corrente do sindicato para garantir o controle dos gastos. A economia possibilitou a implantação de melhorias nos serviços oferecidos pela entidade à categoria. “Muitos serviços em benefício dos trabalhadores haviam sido suspensos. Equipamos as unidades, contratamos advogados, médicos, homologadores,
melhoramos a colônia de férias, a creche e o refeitório”, afirma o interventor. Com a economia, a nova gestão regularizou o pagamento de salários e férias vencidas de empregados, dívidas com fornecedores, com a Previdência Social, com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Imposto de Renda. Só em impostos federais, estaduais e municipais, a entidade possui uma dívida de R$ 18 milhões, que está sendo paga de forma parcelada.
Descaso O SEC-RJ também passou a priorizar o ajuizamento de ações coletivas em benefício da categoria. No início da intervenção, existiam cerca de 2 mil processos trabalhistas ajuizados pelo sindicato, sendo que nenhum era ação coletiva. Conforme constatado, os advogados atuavam para atender os interesses particulares dos dirigentes e os honorários dos acordos celebrados em reclamações trabalhistas eram depositados diretamente na conta dos profissionais. Foi constatado na área criminal da instituição contrato de R$ 60 mil com escritório de advocacia destinado à defesa da ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Niterói (RJ), Rita de Cássia da Silva, investigada em inquérito policial por supostos crimes de apropriação indébita, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e associação criminosa. “A estrutura organizacional anterior evidencia o descaso e o desinteresse com aquilo que devia ser o objetivo último do sindicato: os direitos e interesses do comerciário. Não havia nenhum setor ou órgão no sindicato que tivesse como atribuição a conquista e ampliação de benefícios para esta categoria”, destaca o relatório referente aos 90 dias de intervenção.
Eleição à vista Em decisão da 19ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, o juiz Marcelo Antônio de Moura, responsável pelo caso, determinou que a eleição dos novos dirigentes do sindicato ocorresse no primeiro semestre deste ano. Para isso, foi formada uma nova comissão eleitoral, para preparar o edital do pleito. No intuito de garantir que a entidade tenha maior representatividade e se aproxime da categoria, está sendo feito o recadastramento dos filiados, assim como campanha para estimular novas adesões.
A perda de credibilidade perante a categoria é um dos problemas que têm dificultado a adesão de novos associados no SEC-RJ. Desde o início da intervenção, apesar do esforço em recadastrar antigos associados e da campanha para novas filiações, o número de adesões tem sido baixo, o que levou a Justiça a prorrogar o prazo para a realização das eleições. Também por determinação judicial, a negociação coletiva referente à data-base da categoria será postergada para que seja conduzida pela diretoria a ser eleita pelos comerciários.
Desmobilização Embora o ritmo de novas filiações tenha crescido – desde o início da intervenção foram conquistados 106 novos associados por mês, enquanto em 2014 o ritmo era de 15 novas filiações mensais – atualmente o sindicato conta com 2.035 filiados, o que corresponde a menos de 0,5% da categoria que atua na capital. Além disso, durante o recadastramento, diversas irregularidades nas filiações foram verificadas. A grande maioria dos aposentados filiados, por exemplo, nunca tinha atuado como comerciário, e, apesar disso, contribuiu com a entidade por 20 ou 30 anos, a pedido das antigas diretorias. “Fomos obrigados a criar uma categoria especial para esses sócios que contribuíram por anos sem serem comerciários, de forma que possam usufruir dos serviços, mas não tenham direito a votar ou de serem votados”, explica o interventor. A intervenção também constatou que a antiga administração incluía no cadastro dos sócios ativos funcionários do sindicato, que não trabalhavam no comércio, para que integrassem a chapa concorrente aos cargos de direção. “O grau de desmobilização da categoria, após décadas de desmando e distanciamento dos interesses dos
Ilustrações: Cyrano Vital
A antiga diretoria, conforme explica o procurador do Trabalho responsável pelo ajuizamento da ação, João Carlos Teixeira, nunca se preocupou em atrair associados, pois a maior parte da arrecadação, cerca de 80%, é proveniente da contribuição assistencial e do imposto sindical. “Esse é um problema presente em muitos sindicatos, pois ambas as contribuições acabam sendo suficientes para gerir a entidade. Dessa forma cria-se um ciclo, em que os sindicatos não se empenham em oferecer um serviço eficiente que reverta em benefícios para atrair associados, com gestão transparente, e os trabalhadores, por sua vez, não se empenham em participar das atividades sindicais.”
comerciários, não permitirá, em curto espaço de tempo, que este quadro seja revertido”, conclui o juiz Marcelo Antônio de Moura.
Transparência Na avaliação do procurador do Trabalho Carlos Augusto Sampaio Solar, o MPT tem verificado em suas investigações o afastamento da direção dos sindicatos dos interesses da categoria profissional. “Essas entidades enfrentam uma crise de representatividade e de democracia sindical.” O problema decorre, em parte, da falta de transparência na gestão dos sindicatos, sobretudo, em relação à arrecadação e às despesas. Além disso, as assembleias, muitas vezes raras, segundo o procurador, não garantem a participação dos diferentes grupos existentes dentro da categoria na composição das propostas. Para ele, outro problema é a cobrança indiscriminada de contribuição a todos os trabalhadores, sejam eles filiados ou não, o que repercute negativamente sobre a efetividade da atuação sindical.
Entenda o caso A família Mata Roma dirigia o Sindicato de Empregados do Comércio do Rio de Janeiro
desde 1966. Com a morte do pai, que presidia a entidade, Otton da Costa Mata Roma assumiu a presidência da entidade. Ele recebia salários vultosos, empregava parentes e se perpetuava no poder, embora atuasse, na verdade, como empresário no ramo de táxi aéreo desde 1998. As remunerações pagas aos quatro dirigentes sindicais afastados pela Justiça, conforme demonstrou a investigação, chegava a R$ 600 mil anuais para cada um. O padrão de vida deles era incompatível com a condição socioeconômica da maioria dos trabalhadores comerciários. Os dirigentes possuíam mansões, aviões e helicópteros. Após o recebimento de denúncias, o MPT-RJ ajuizou ação civil pública na Justiça trabalhista requerendo liminar, com auxílio de força policial, para determinar o afastamento da diretoria e do conselho fiscal, assim como a inelegibilidade dos dirigentes para o pleito que seria realizado no fim de 2014. A Justiça acolheu a liminar e decretou o bloqueio das contas do sindicato, a disponibilidade dos bens móveis e imóveis e o lacre das salas para impedir o vazamento de informações, além de proibir a entrada dos dirigentes afastados na entidade. No mérito, que ainda será apreciado pelo juiz, o MPT-RJ pede que os réus sejam condenados por lesão ao patrimônio moral e material do SEC-RJ, se tornem inelegíveis e paguem danos morais coletivos de R$ 2 milhões, pelos prejuízos causados à sociedade. X LABOR
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FOLIA
Por trás do Carnaval
Na avenida, o glamour. No barracão, as irregularidades
Por Bruce Andrade* e Danielle Sena
No desfile das escolas de samba do Carnaval de Manaus, o mestre-sala e a portabandeira, a rainha de bateria, as passistas e os puxadores de samba-enredo estrelam a festa. Antes dos desfiles, os protagonistas do espetáculo, no entanto, dançam outra
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música e têm outros nomes. Eles são soldadores, pintores, escultores e decoradores, e trabalham em ritmo frenético para finalizar os adereços e as alegorias que serão apresentados na avenida. São eles que tiram do papel a alma do enredo da escola de samba.
Ione Moreno
O trabalho é braçal, não tem nenhum glamour. E não rende fama. Mas, sem eles, a festa não existiria. É uma rotina que requer muito esforço e paixão. Se tivessem à mão adereços, em vez de ferramentas, seriam uma categoria à parte do carnaval. Para quem assiste aos desfiles das escolas de samba de Manaus no sambódromo, situado na Zona Centro-Oeste, ou mesmo pela TV, nem imagina como é o processo de
preparação, quem são e como trabalham os agentes responsáveis por levar à avenida uma escola de samba. Assim como em outras cidades, o Carnaval é uma indústria que movimenta milhões de reais e gera milhares de empregos em Manaus, como ocorre em Recife, Olinda, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.
O Carnaval manauara tem se profissionalizado e, consequentemente, atraído um número maior de especialistas em tornar sonhos em realidade. “Faz parte da minha rotina, da minha vida. Quanto mais difícil a execução da arte mais feliz fico. Fico satisfeito em realizar esse sonho coletivo e de apresentá-lo ao público”, diz Diego da Silva, 29, escultor e pintor de ferro e de isopor.
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Suor e paixão Arthur Brasil, 32, é mais um entre tantos exemplos de trabalhadores que emprestam sua arte para a cultura amazonense. Com mais de doze anos de profissão, ele se sente orgulhoso por fazer parte deste espetáculo. “Esse é o meu sustento e também a minha paixão. Eu projeto esculturas em desenhos, depois faço a montagem e o acabamento delas. É um trabalho cansativo, mas é o que eu amo fazer”, revela o escultor da escola de samba Vitória Régia. Para o soldador Luiz Carlos, 54 anos, responsável pela montagem de carros alegóricos da escola de samba Mocidade Independente de Aparecida há seis anos, o reconhecimento é só uma consequência de um trabalho bem feito, um prêmio por tanta dedicação. “Quando você executa um bom serviço, a escola te procura de novo. Isso engrandece o nosso trabalho e é uma oportunidade de mostrar o que você faz para o público no sambódromo.” Em Manaus, oito escolas de samba do grupo especial possuem barracões cedidos pelo governo do estado para que a decoração de adereços e a montagem dos carros alegóricos sejam feitas de forma eficaz. Os espaços ficam em uma rua, ao lado do sambódromo, palco dos desfiles. Essa proximidade foi pensada para facilitar a saída dos carros alegóricos dos barracões em direção ao sambódromo. Os oito barracões têm as mesmas medidas e características físicas. Cada um possui uma cozinha improvisada, um pequeno refeitório, também improvisado, banheiros masculino e feminino, um local para descanso, usado também como dormitório, além de uma sala destinada à diretoria das agremiações.
Emergência Ao entrar nos barracões das escolas de samba durante o período de preparação para o desfile de carnaval, o que se vê são estruturas gigantescas de ferro que servem de sustentação para os carros alegóricos, ocupando boa parte do local e restos de materiais espalhados pelo chão. Mal sobra espaço para uma locomoção mais confortável. Por se tratar de um ambiente fechado e com pouca ventilação, os galpões que abrigam as alegorias das escolas de samba precisam respeitar determinadas normas de segurança para evitar que incêndios ocorram. Por conta disso, um termo de ajuste de conduta (TAC)
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para adoção de medidas que resguardem a saúde e a segurança dos trabalhadores foi firmado em 2013 com o Ministério Público do Trabalho no Amazonas (MPT-AM). Uma das principais medidas adotadas é a obrigatoriedade de os extintores de incêndio estarem posicionados em lugares estratégicos dentro dos barracões e de haver o desenho de uma rota de fuga no chão com destino à saída de emergência. Em 2014, o risco iminente de incêndio chegou a ameaçar a integridade física dos trabalhadores, pois as agremiações obtinham energia elétrica de forma indevida, por meio de ‘gatos’. Após fiscalizações do MPT, foi constatado que devido ao furto de energia e à falta de manutenção, as instalações elétricas estavam em condições precárias. Por conta da reincidência das infrações e por exporem seus trabalhadores ao perigo, quatro escolas de samba foram interditadas.
Altas temperaturas Outras irregularidades relacionadas à segurança do trabalhador ainda são recorrentes e a principal delas é a falta do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Para a gerente de barracão da escola de samba Reino Unido da Liberdade, Lenira Melo, é muito difícil controlar o uso dos EPIs pelos trabalhadores. “A escola oferece todos os equipamentos, como botas, óculos, máscaras, luvas e cinto, mas, mesmo assim, alguns trabalhadores insistem em não usá-los. Embora tente, não dá para fiscalizar o uso todo o tempo.” Alguns trabalhadores justificam a falta de EPIs por conta das altas temperaturas registradas no interior dos barracões. Segundo eles, por não possuírem saídas de ar nas paredes e no teto, em dias de calor intenso, a sensação térmica chega a quase 50C° . Outros trabalhadores, no entanto, têm consciência dos riscos que correm num ambiente abafado, no qual estão sujeitos a intoxicação por inalação de gases tóxicos exalados pelas tintas usadas nas decorações das alegorias. Com a aspiração repetida, aumenta a chance de ocorrerem lesões irreversíveis no cérebro. O pintor Kédson Pereira, 34, da escola de samba Mocidade Independente de Aparecida, sempre trabalha com EPI. “Uso máscara, luvas, capacete e filtro. Exijo, porque fico exposto diretamente à tinta.”
Exemplos A escola de samba Mocidade Independente de Aparecida, além de fornecer os EPIs, mantém um bombeiro civil em seu corpo de funcionários. Ele tem por missão identificar, avaliar e controlar situações de risco, de forma a proporcionar um ambiente de trabalho mais seguro e saudável para os trabalhadores. “A orientação é fundamental no processo de conscientização das pessoas. Costumo reunir os trabalhadores e mostrar que eles podem estar sujeitos a acidentes caso não usem os equipamentos de segurança. Às vezes, tenho que chamar a atenção de um ou outro sobre a importância dos EPIs”, diz o bombeiro civil Ilmar Carneiro de Oliveira, 49, há cinco anos na função. Nas fiscalizações nos barracões das escolas de samba durante a preparação para os desfiles, os membros do MPT descobriram que as agremiações estavam alterando a folha de ponto dos trabalhadores, para esconder jornadas excessivas de trabalho. “Os dirigentes das escolas de samba exigem que o trabalhador anote que o expediente termina às 18h, quando, na verdade, descobrimos, em fiscalizações realizadas após 20h, que mesmo com o ponto assinado, as pessoas estavam trabalhando”, explica a procuradora do Trabalho Fabíola Salmito. Beatriz Malagueta
Patrocínio oficial A demora no repasse de recursos do Governo do Amazonas às escolas é apontado como um dos responsáveis pela pressa na finalização dos trabalhos para o desfile. Este ano, cada
escola do grupo especial estava credenciada a receber R$ 264,1 mil. O edital de patrocínio, porém, só foi lançado em janeiro, um mês antes do Carnaval. “O repasse do governo ajuda nos custos, mas deveria vir antes, para iniciarmos os trabalhos mais cedo. É complicado fazer o trabalho em cima da hora”, argumenta Fabiano Fareal, carnavalesco da Mocidade Independente de Aparecida. A gerente de barracão da Reino Unido da Liberdade, Lenira Melo, acredita que muito do que é visto na avenida é fruto do esforço da própria comunidade que, em comunhão, faz o carnaval da escola acontecer. “A gente trabalha com o patrocínio de amigos e da própria comunidade até chegar a verba do governo. Tivemos muitos patrocinadores. Quando o dinheiro sai, ele é usado para pagar o artista, para pagar as pessoas que fizeram as fantasias.” Do TAC de 2013, firmado entre agremiações carnavalescas e o Governo do Amazonas, perante o MPT, uma cláusula garante os direitos dos trabalhadores. “A proposta é garantir que as verbas trabalhistas sejam pagas aos trabalhadores, pois constatamos que as agremiações não pagavam toda a jornada e as horas extras. Se as agremiações descumprem outras medidas firmadas no TAC, como ocorreu no passado, o valor também fica retido, a título de indenização por dano moral coletivo”, explica a procuradora do Trabalho Fabíola Salmito. O repasse do auxílio financeiro governamental só é autorizado pelo MPT, caso as agremiações cumpram com seus deveres trabalhistas. X
* Estagiário de Jornalismo do MPT no Amazonas. LABOR
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Cyrano Vital
CONSTRUÇÃO CIVIL
Menos perigo e mortes Projetos buscam proteção de trabalhadores no Rio Grande do Sul
Por Luis Nakajo
O setor da construção civil concentra acidentes de trabalho graves, com os maiores índices de mortalidade da economia brasileira. Problemas como a terceirização de serviços e a falta de treinamento tornam a solução
do problema complexa, agravada pelo significativo aumento no número de trabalhadores. Só de 2005 a 2010, o total de operários formalmente ligados ao setor no país quase dobrou, chegando a 2,6 milhões. LABOR
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O Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio Grande do Sul tem desenvolvido programas específicos voltados ao setor, na capital e na Serra Gaúcha, regiões do estado mais dinâmicas economicamente, para combater irregularidades, especialmente quanto ao meio ambiente de trabalho, responsável pela insegurança do trabalhador no canteiro de obras. A atuação, de natureza tripartite, busca estreitar o diálogo entre estado, empregados e empregadores. O resultado, que já pode ser observado, é a melhoria de condições de trabalho para um contingente que soma 146 mil trabalhadores, de acordo com dados de 2011 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O programa do MPT na Serra Gaúcha, iniciado em 2007, tem caráter educativo e cooperativo, além de contar com ações fiscais que resultaram por vezes em termos de ajustamento de conduta (TACs) e em ações civis públicas (ACPs), por parte do MPT, e em embargos e interdições de obras, por parte do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Queda Houve queda de 40% em acidentes registrados na região, se comparados os primeiros semestres de 2014 e 2013. Em 2013, o município de Caxias do Sul, com cerca de 1 milhão de m² de construções, completou 10 meses sem acidentes fatais no setor, um recorde para uma cidade de 500 mil habitantes. Em 2014, houve duas mortes. O procurador do Trabalho Ricardo Garcia informa que a média histórica de acidentes fatais na região era de um a dois trabalhadores por mês. “Isto é sinal de que já houve uma evolução, mas não podemos acreditar que o problema esteja resolvido. Primeiro, porque é uma cultura secular, que ainda resiste, de negligência com segurança, improviso, imprudências e amadorismo empresarial. Segundo porque, com a crise que chegou ao Brasil, a tendência é economizar com investimentos na segurança. Isso também faz parte da cultura. Nosso trabalho, então, tem que ser redobrado.” O setor passou por um aumento agudo de atividade na última década. “A construção viveu uma ascensão muito rápida, e incorporou um grande número de empresários e investidores sem experiência no ramo, o que gera contratações sem treinamento adequado e, pior do que isso, obras levadas a toque de caixa, sem as proteções coletivas necessárias.” O projeto levou em conta a falta de informação e investiu em duas frentes: repressão às ilegalidades e educação e capacitação de todos os seus públicos: empresários, engenheiros, técnicos de segurança, mestres de obras e operários.
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Operações Além de 18 audiências públicas, o MPT fez forças-tarefas e operações, que combinam o poder fiscal e o conhecimento agregado de instituições parceiras, como o Conselho Regional de Engenharia do Rio Grande do Sul (Crea/RS), o Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (Cerest) Regional Serra e a Vigilância em Saúde do Trabalhador dos municípios. As irregularidades mais comuns encontradas nessas operações estão no trabalho em altura, instalações elétricas e máquinas. Em todos os canteiros de obras, há insuficiência ou falta de proteção coletiva. No trabalho em altura, faltam os guarda-corpos. Inexistem rodapés em periferias, vãos, poços de elevadores e andaimes. Nas instalações elétricas, há fios esparramados pelo chão, sem isolamento, às vezes em poças d’água, caixa elétrica improvisada. Nas máquinas, há ausência de proteção das partes móveis, sistemas e dispositivos de segurança em guinchos, elevadores, gruas, betoneiras e serras circulares. Sanitários, vestiários, refeitórios, chuveiros e fornecimento de água potável são cuidadosamente investigados, por envolverem grande risco de adoecimento. “Essas situações são recorrentes porque os empresários entendem as medidas de segurança como se fossem separadas do projeto, quando, na verdade, estão dentro dele e devem evoluir junto com a obra. Não há como dissociar um guarda-corpo de periferia da concretagem das lajes. Quando a concepção mudar, e as empresas entenderem que esses sistemas são parte do projeto e parte necessária do investimento, essa realidade não ocorrerá mais”, avalia o procurador Garcia.
Porto Alegre Responsável pela terceira maior área em construção entre as regiões metropolitanas no país, a construção civil de Porto Alegre emprega atualmente mais de 54 mil trabalhadores. Baseado na experiência positiva de Caxias do Sul, foi iniciado, em 2014, projeto para combater as irregularidades trabalhistas no setor. Desde novembro de 2014, audiências são feitas com os públicos da construção civil, buscando esclarecer os participantes sobre questões gerais relativas à legislação trabalhista e fiscalização. Após as audiências, as forçastarefas de fiscalização serão iniciadas. De acordo com a procuradora do Trabalho Sheila Ferreira Delpino, na região há o agravante de o setor concentrar casos do Cadastro de Empregadores (“lista suja”) do Ministério do Trabalho e Emprego de aliciamento de trabalhadores vindos de estados como o Maranhão e o Piauí, trazidos para trabalhar irregularmente em zonas urbanas. X
Aline Zerwes Bottari Brasil
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CONDIÇÃO DEGRADANTE
Sangue, sujeira e contaminação Abatedouros públicos sem mínimas condições de higiene expõem trabalhadores e população a altos riscos em Alagoas
Por Rafael Maia
A carne bovina produzida em Alagoas que chega à mesa do consumidor faz parte de um processo muito mais complexo do que apenas a compra e a venda da mercadoria: a matança de bovinos, feita em diferentes municípios alagoanos, está envolta em falta de estrutura e de equipamentos, risco de contaminação,
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acondicionamento irregular de produtos, dejetos jogados a céu aberto e, principalmente, o desrespeito ao meio ambiente de trabalho digno. O Ministério Público do Trabalho (MPT), no entanto, tem tentado mudar esse cenário, ao manter como linha de atuação a erradicação do trabalho sob condições degradantes na matança de bovinos.
Rafael Maia
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Em setembro de 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) interditou o matadouro público de São Luiz do Quitunde, distante 50 km de Maceió, depois que o MPT e o MTE constataram que o local não possuía nenhuma condição de funcionamento, apesar de ter passado por reforma dois anos antes. As irregularidades começavam no abate dos animais, realizado a marretadas e por empregados sem qualificação. Os produtos eram manipulados em bancadas sujas, sem higienização, e a carne, submetida à temperatura ambiente até ser recolhida, pois o matadouro não possuía câmara frigorífica para armazenamento. A situação degradante a que eram submetidos os trabalhadores do matadouro era visível até para leigos. Sem utilizar equipamentos de proteção individual (EPIs), os empregados mantinham contato direto com a carne e as vísceras dos animais – jogadas a céu aberto, sob risco de poluição ambiental – e utilizavam água suja de sangue para lavar as mãos e o rosto. Também faltavam vestiários suficientes e banheiros higienizados. Para fazer a matança dos bois, trabalhadores relataram receber R$ 35 por dia. Um dos empregados afirmou ganhar R$ 70 por semana. Para o perito em Engenharia de Segurança do Trabalho do MPT em Alagoas, Lúcio Avelar, não existe nenhuma possibilidade de um estabelecimento continuar funcionando nessas condições. “O matadouro não realizava a inspeção obrigatória de ante e post-mortem dos animais, não havia controle de manipulação, de preparo, de conservação, de acondicionamento e de embalagem da carne, o que punha em dúvida a qualidade do produto e expunha os funcionários e os consumidores a riscos de saúde. Também não havia nenhuma fiscalização sobre a procedência dos animais.” Os animais destinados ao abate devem estar vacinados e com todos os controles exigidos
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pelo Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (Mapa) em dia.
Saúde pública Em Santana do Mundaú, no interior do estado, o desrespeito do município às regras sanitárias vigentes também existe. Durante inspeção realizada no matadouro público para verificar o cumprimento de um termo de compromisso firmado em março de 2013, a procuradora do Trabalho Adir de Abreu, auditores fiscais do trabalho e representantes sanitários estaduais encontraram o ambiente sem a higiene necessária. Os empregados manuseavam instrumentos improvisados para matar os bovinos e não utilizavam EPIs. Como em São Luiz do Quitunde, em Santana do Mundaú os empregados do matadouro também usavam água contaminada para lavar mãos e instrumentos e tratavam a carne em local próximo das fezes dos animais. Há cerca de oito anos, o MPT em Alagoas já atuava diante de condutas prejudiciais ao trabalhador em matadouros. Em dezembro de 2007, a Justiça do Trabalho condenou o município de Messias, próximo à capital, a suspender o abate de animais no matadouro municipal, feito por servidores públicos, a ceder o espaço físico a terceiros e a adequar o meio ambiente do trabalho. A Justiça determinou também que o município impedisse a entrada de crianças nas instalações físicas do abatedouro. O abate dos animais e a entrada de crianças no matadouro poderiam render multa de R$ 100 mil e R$ 50 mil, respectivamente, em caso de descumprimento das obrigações. A decisão foi fundamentada em ação civil pública (ACP) ajuizada pelo MPT, feita depois de tentativas de conciliação, sem sucesso. O argumento era de que o matadouro público não possuía condições de higiene e estrutura devido à mistura de carne, sangue, fezes e outras impurezas.
MPT Alagoas
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Rafael Maia
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Primeiros resultados Entre 2007 e 2013, o MPT instaurou 18 procedimentos para investigar irregularidades em matadouros públicos no estado. As ações resultaram em notificações, ações na justiça, interdição e fechamento dos locais. Os problemas encontrados estavam relacionados a condições sanitárias e de conforto; uso de equipamentos de proteção individual ou coletiva; criação de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas), de Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSOs) e de Programas de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRAs), todos essenciais para garantir a saúde e a segurança dos empregados. Em São Luiz do Quitunde, a inspeção realizada cumpriu determinação da Vara do Trabalho local e teve como propósito reavaliar tecnicamente as condições trabalhistas no matadouro. O procurador do Trabalho Matheus Gama ajuizou ACP contra o município em 2010, após o Sindicato dos Médicos Veterinários e Zootecnistas de Alagoas (Sindimvet/AL) denunciar a precariedade do local. A Justiça do Trabalho acatou o pedido de interdição do matadouro pelo MPT e condenou o município e os ex-prefeitos Jean Cordeiro e Cícero Cavalcante a pagar multa e indenização por danos morais coletivos causados aos empregados. Um ano após a decisão da Justiça, os réus no processo firmaram acordo judicial com o MPT para regularizar o meio ambiente de trabalho no matadouro, mas continuaram a praticar as irregularidades. Já em Santana do Mundaú, o prefeito deverá pagar R$ 10 mil de multa por irregularidade encontrada. O MPT aguarda que o município institua, dentre as obrigações presentes no termo de ajustamento de conduta (TAC), o serviço de engenharia, medicina e segurança do trabalho (conforme a Norma Regulamentadora 4, do MTE) e providencie transporte adequado para os animais, equipamentos e veterinários capacitados.
Descentralização As ações em busca de ambientes de trabalho limpos e higienizados não se concentram somente na sede do MPT em Maceió, mas se estendem à Procuradoria do Trabalho no Município (PTM) de Arapiraca, que também atua no combate às irregularidades em
matadouros públicos. A PTM de Arapiraca conseguiu firmar acordo de conciliação com o município de Mata Grande, no Alto Sertão alagoano, há cerca de três anos, depois que o município descumpriu TAC assinado para regularizar o meio ambiente do matadouro público. Inspeção realizada para verificar o cumprimento do acordo mostrou que, à época, os trabalhadores não possuíam pistola pneumática, essencial para o abate dos animais, possuíam poucas cadeiras para descanso e que uma escada de acesso ao ambiente de trabalho oferecia risco de acidente. O procurador do Trabalho Alexandre Alvarenga chegou a pedir na Justiça a execução do termo de compromisso. A PTM de Arapiraca ainda acompanha compromisso de 2009 com o mesmo município para regularizar o uso de EPIs, a implantação do PCMSO e a adequação de condições sanitárias e de conforto no ambiente de trabalho. Com a assinatura do TAC, o município assumiu o compromisso de suspender as atividades de abate de animais até a implementação de condições de trabalho seguras. No município de Viçosa, na Zona da Mata, a PTM ajuizou ACP para readequar as condições de trabalho no matadouro. O procurador Alexandre Alvarenga pediu à Justiça que o município fosse intimado a comprovar o transporte adequado dos miúdos dos animais, a implementação da trilhagem do abate aéreo e as reformas estruturais do local.
Solução? A solução definitiva para os matadouros em Alagoas virá, segundo Adir de Abreu, quando os gestores entenderem que o dinheiro público não deve ser investido em matadouros públicos. “O Direito Administrativo fala em Estado intervencionista. Assim, quando o município realiza atividade fora de suas atividadesfins, está intervindo fora de suas atribuições primárias, como educação básica e saúde pública. O mesmo ocorre com a atividade de abate de animais, que, em geral, é privada, mas que, em Alagoas, tem sido responsabilidade de municípios, os quais sequer conseguem gerir as necessidades básicas de seus cidadãos. As soluções devem vir de projetos de abate dos animais em estabelecimentos de natureza privada.” X LABOR
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REFINARIA ABREU E LIMA
Barris de confusão Falta de ética na gestão da obra da Petrobras prejudica trabalhadores em Pernambuco 42 LABOR
Por Mariana Banja Localizada em Pernambuco, no complexo industrial de Suape, a 60 quilômetros do Recife, a refinaria Abreu e Lima se transformou em fonte de problemas. De vários problemas. A lista é grande e inclui os ambientais, porque a indústria petrolífera é insustentável
desde a concepção; os sociais, e a face perversa é a crescente exploração sexual de crianças e adolescentes nas cidades do entorno da obra; e os de mobilidade, pois falta infraestrutura de meios de transporte terrestre e ferroviário na região. LABOR
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Há, ainda, os entraves trabalhistas e as denúncias de corrupção nos contratos da obra. Embora os desvios não sejam objeto da atuação direta do Ministério Público do Trabalho (MPT), eles, de alguma maneira, desaguam no mundo laboral, produzindo demandas administrativas e judiciais para o órgão, sobretudo em função dos calotes dados nos trabalhadores em 2014. De acordo com a procuradora do Trabalho Débora Tito, que tem acompanhado de perto os casos, há sincronia entre o brotar da falta de pagamento de trabalhadores e as denúncias de corrupção. “Não tenho como estabelecer um nexo de causalidade, mas é certo que o trabalhador está sendo atingido pela falta de ética na gestão dessa obra e ele não deve pagar essa conta.”
Frederico Tavares
Envolvida em denúncias de desvio de recursos e superfaturamento – o custo da obra, previsto em U$$ 2 bilhões em 2007,
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pulou para U$$ 18,8 bilhões –, a Rnest/ Petrobras é investigada pela Polícia Federal na Operação Lava Jato. Muitas das empresas que operam na Refinaria Abreu e Lima são citadas nas investigações e parte delas quebrou compromissos com os trabalhadores.
Alumini Uma delas é a Alumini. Envolvida em uma série de processos trabalhistas em obras da Petrobras, a empresa demitiu, em outubro de 2014, 4,9 mil trabalhadores da Rnest. Além disso, dispensou mais 400 no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e tem atrasado o pagamento de salários e benefícios rescisórios. A Justiça do Trabalho em Pernambuco bloqueou as contas e bens da Alumini, que, por outra determinação judicial, teve a falência decretada. A empresa culpa a estatal
pela dificuldade financeira e alega ter mais de R$ 1,2 bilhão a receber por serviços já executados para a Petrobras. Desde então, estão suspensas as ações de execução de dívidas e também as ações trabalhistas movidas contra a empresa em Pernambuco. Esse é o primeiro grupo dos envolvidos nas denúncias da Lava Jato a entrar em recuperação judicial. Se, em 2014, o caso mais emblemático foi o da Alumini, em janeiro de 2015, os funcionários do Consórcio Coeg, responsável pela construção de uma tubulação que liga a refinaria ao Porto de Suape, protestaram por falta de pagamento de salários. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem em Geral no Estado de Pernambuco (SintepavPE), 337 operários foram demitidos pelo consórcio em dezembro e ainda não haviam recebido as verbas rescisórias.
Cenário Até 2013, as demandas reivindicatórias dos trabalhadores estavam dentro da normalidade. Ano passado, porém, o MPT e, sobretudo, a Justiça do Trabalho passaram a ser demandados por falta de salário e não pagamento das rescisões, devido ao processo natural e previsível de desmobilização de mão de obra na construção. A etapa final da obra, quando as dispensas passaram a ser intensificadas, foi inclusive objeto de preocupação do MPT e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que lançaram uma instância de diálogo e articulação para colaborar com a recolocação de trabalhadores no mercado de trabalho, antevendo casos de desemprego na região e no Estado, dispensas irregulares e fraudes em empresas terceirizadas. Naquele momento, em dezembro de 2013, o Fórum para Recolocação da Mão de Obra de Suape (Remos) tinha como foco o destino de 42 mil trabalhadores. Representantes das empresas contratadas, dos sindicatos dos trabalhadores, do poder público – prefeituras e governo do estado – e da Petrobras foram convocados a participar. Além de audiências públicas, o Remos emitiu notificação recomendatória a todos os envolvidos no
processo de desmobilização da refinaria, orientando-os sobre as etapas para o andamento legal das rescisões contratuais.
para discutir, cidade por cidade, as estratégias locais para criação desses centros de orientação e capacitação dos trabalhadores.
Às empresas, as recomendações do MPT e do MTE trataram da manutenção dos contratos de trabalho existentes e do compromisso de encaminhar os trabalhadores dispensados a outros postos, ao sindicato obreiro da categoria ou aos Centros Municipais de Emprego.
A Petrobras foi orientada a apresentar projeto de desmobilização para os próximos dois anos e a manter o acompanhamento das demissões junto às empresas parceiras. Ambas as indicações foram ignoradas.
Para as empresas com mão de obra migrante, foi pontuada a necessidade de garantir a manutenção do alojamento, alimentação e demais condições de saúde e segurança até o efetivo desligamento do empregado e a concessão das passagens para retorno, realizando os pagamentos no prazo legal. O documento também recomendava a realização do pagamento das verbas rescisórias dentro da legalidade, enviando relatório mensal ao MPT em que fossem discriminadas todas as etapas do processo. Todas as 16 empresas contratadas pela Petrobras para as obras da refinaria terceirizaram serviços. Para os municípios, foi entregue notificação que orientava sobre a criação das Centrais de Emprego, em parceria com os sindicatos patronal e laboral ligados à Suape, nas cidades sem agências de trabalho. Audiências públicas
Ao governo, a notificação recomendatória orientava a manter e ampliar o funcionamento das agências de trabalho, principalmente das regiões ao entorno de Suape. Após seis meses de atividade, o MPT e o MTE suspenderam as atividades do Fórum Remos, por falta de colaboração das empresas, tanto do ponto de vista legal quanto do preventivo. “Como as empresas não têm colaborado, não temos como atuar preventivamente. Todos os dias, recebemos demandas de ordem essencial, como o pagamento de salários, algo que não se esperava nesse processo de desmobilização. Na pior das hipóteses, nosso problema seria de ordem rescisória”, disse Débora Tito. Desde então, o MPT passou a negociar o pagamento de salários, a recomendar que pousadas não despejem operários por falta de pagamento das empresas e a tentar resolver calote de empresas de transporte de trabalhadores. Guilherme Monteiro
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3 perguntas Débora Tito – procuradora do Trabalho O que ocorreu em Suape? A corrupção e a desorganização afetaram as empresas. Houve um calote em massa gerado pelas perturbações internas da Petrobras. Passamos seis meses iludidos, pensando na prevenção e em como encaminhar esses trabalhadores para outros postos de trabalho. Isso funcionou até certo ponto, mas a avalanche de não pagamentos transformou a prevenção em corrida para garantia de pagamentos básicos, de salários e de verbas alimentares. As demissões previstas para ocorrer em 2014-2015 atrasaram e, em 2015, espero que as grandes corporações consigam pagar as verbas rescisórias. Neste ano, precisamos retomar a ideia de realocar a mão de obra daqueles trabalhadores que serão naturalmente desmobilizados, porque ainda há cerca de 40 mil pessoas empregadas em Suape.
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créditos, e a Petrobras, que tenta escapar da responsabilidade subsidiária. Assim, é importante que o MPT haja como fiscal da lei, inclusive nesses processos incidentais, de forma a evitar ofensas aos direitos alimentares dos trabalhadores.
A Petrobras tem responsabilidade no caso de Suape?
Como tem sido a atuação dos sindicatos?
Existe uma orientação jurisprudencial (OJ 199) que diz que a dona da obra não é responsável. Então a má-fé é evidente. E o que sustentamos aqui? Que a Petrobras não é uma mera dona da obra. Ela agiu como um gerente. Sabia quem entrava e quem saía das obras e todos os pormenores, o que é típico de uma gestora. Na prática, em Suape, à Petrobras não cabe o argumento jurídico que a está blindando. Na verdade, são anos e anos de uma cultura de corrupção que estourou pela transparência hoje existente no Brasil. De forma alguma, essa conta pode sobrar para o trabalhador.
Os sindicatos envolvidos têm sido rápidos e enérgicos no ingresso das ações, até porque a comoção social assim exige, afinal, cada empresa que começa a atrasar salários atinge uma massa de 500 a 3 mil trabalhadores de uma só vez, em média. Os casos de Suape envolvem terceiros, quartos e quintos atores, como os bancos, que exigem
Podemos criar um precedente preventivo a partir da observação dessas obras, desde a comemoração de seu início ao momento da desmobilização. A segunda lição é que esse papel cabe ao Estado e que o Ministério Público deve provocar essa instância, da mesma forma como vem cobrando políticas públicas na área de trabalho infantil, por exemplo. X
O atleta Sebastião Sales da Silva, 52 anos, lê a Labor. E você?
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REVERSテグ
Em boas mテ」os Recursos de TACs beneficiam diretamente as comunidades atingidas pelas irregularidades trabalhistas 48 LABOR
Tamiles Costa
Quando o Ministério Público do Trabalho (MPT) propõe um termo de ajustamento de conduta (TAC) a uma empresa ou entra com ação civil pública (ACP) por irregularidades trabalhistas, os valores de dano moral coletivo, indenizações e multas obtidos
normalmente são destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). No entanto, tem se tornado cada vez mais comum a opção por indicar nos TACs ou ACPs beneficiários nas próprias comunidades onde ocorreram as irregularidades, como entidades
assistenciais, instituições, projetos e programas sociais. Leia nas matérias de Mariana Braga, Tamiles Costa e José Bosco Gouveia alguns exemplos dessas alternativas de reversão de recursos no Rio de Janeiro, Pará e Rondônia. LABOR
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Samba, moda e sustentabilidade Dinheiro de multa e indenização capacita costureiras Por Mariana Braga Divulgação Salgueiro
Depois de quatro meses de aulas de costura, o projeto Samba, Moda e Sustentabilidade mudou a vida de 20 mulheres da comunidade da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro. Financiada com recursos de uma execução trabalhista requerida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio de Janeiro, a iniciativa capacitou mulheres de 20 a 70 anos com um objetivo em comum: aprender um novo ofício e garantir maior perspectiva profissional. “São mulheres que tinham o sonho de aprender a costurar e ter uma profissão. Pessoas que nunca tiveram uma oportunidade e agora viram a possibilidade de aprender a sonhar”, diz a advogada Patrícia Nascimento, responsável no Salgueiro pela área de projetos financiados por meio de incentivo fiscal. Por não cumprimento de acordo com o MPT, R$ 115 mil de multa trabalhista foram destinados para formar as novas costureiras. Foi na sala de aula montada no barracão do Salgueiro, na Cidade do Samba, zona portuária do Rio, que Juventina Maria Moraes (à esquerda na foto acima), viúva de 73 anos e chamada de Tina na comunidade, conheceu Lorena Moura, jovem de 20 anos que acabou o ensino médio
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e pretende cursar a faculdade de design de moda. Tina é da velha guarda do Salgueiro e por muitos anos trabalhou como cabeleireira. Agora, ela se aventura na nova atividade. “Tinha uma noção de costura, mas no curso aprendi a fazer roupas sob medida, almofadas e flores de pano. Pretendo vender e ajudar na renda da casa.” Colega de sala de aula, Lorena, por outro lado, dá os primeiros passos no que sonha em seguir como profissão. “Quero ser estilista e depois trabalhar com produção de moda. Não sabia costurar e aqui aprendi muita coisa, a desenhar e montar roupas e looks.” A jovem diz que o contato com pessoas mais velhas e experientes, como Tina, contribuiu para seu crescimento pessoal e profissional. “Conheci os melhores professores.”
Aprender O projeto que abriu novas perspectivas profissionais a mulheres da comunidade começou em março de 2014, com a parceria do MPT com o Instituto Pereira Passos (IPP), a Escola
de Samba Acadêmicos do Salgueiro e a ONG franco-brasileira Moda Fusion. Tina e Lorena tiveram aulas com estilistas brasileiros e de fora do país três vezes por semana, durante quatro meses. “O contato com as meninas foi prazeroso. Elas não estavam interessadas no bem em si, mas em aprender. Não foi uma troca material, mas humana”, conta Andréa Lima, responsável pelas aulas. As participantes, a maioria donas de casa, foram selecionadas pela associação da comunidade. Algumas sabiam fazer coisas básicas, como costurar uma bainha ou pregar um botão, mas ao participar do projeto acabaram aprendendo um novo ofício. “No começo, ficaram desconfiadas, já que nas comunidades é comum pessoas chegarem oferecendo promessas e desaparecerem. Com o tempo, viram a seriedade do projeto”, explica Patrícia. Roupas, estampas, acessórios, peças de decoração e artesanatos foram produzidos a partir do material reciclado dos desfiles de carnavais anteriores. Um desfile de moda com as passistas da escola de samba marcou o encerramento do projeto. A coleção
apresentada se baseou em influências da cultura mineira, já que este ano o Salgueiro levou para a avenida enredo em homenagem à comida de Minas Gerais.
Perspectiva O Samba, Moda e Sustentabilidade buscou levar às mulheres da comunidade noções de gestão de economia solidária e criativa, além de promover geração de emprego e renda. “No curso, aprendi a manusear a máquina, fazer modelagem, tirar medidas, uma forma de tirar o sustento da família, o que é muito importante para a nossa comunidade”, explica a dona de casa Margareth Caeiro, de 50 anos. Solteira e mãe de uma filha, conta que se inscreveu no projeto para aprender um novo ofício e ter uma profissão. Com a conclusão do curso, parte do grupo se organiza para fazer uma feira na comunidade, pelo menos uma vez por mês, para vender os produtos feitos com reciclados. “Usamos tecido, cola e botão. São coisas que as pessoas vão jogar fora, acham que é lixo, mas conseguimos dar nova destinação”, fala Margareth. A ideia, segundo Patrícia, é dar continuidade ao projeto, oferecer cursos mais longos e, ao final, montar uma cooperativa, para que a atividade possa gerar uma renda extra e permanente às participantes. “Queremos que elas se organizem para andar com as próprias pernas.”
Recursos Foi a execução contra o Sindicato dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro, por descumprimento de um termo de ajustamento de conduta (TAC) feito com o MPT-RJ, em 2009, que gerou os recursos para o projeto. Pelo acordo, o sindicato não poderia mais incluir em acordo ou convenção coletiva
cláusula que obrigasse filiação compulsória do trabalhador – o que é ilegal –, nem exigir que empresas pagassem uma contribuição sindical – o que fere o princípio da autonomia dos sindicatos. Por descumprir essas medidas, o sindicato foi acionado a pagar cerca de R$ 150 mil, dos quais parte do valor foi destinado ao Samba, Moda e Sustentabilidade. O dinheiro serviu para pagamento dos profissionais e da bolsa-auxílio de R$ 400 por mês paga às estudantes, além de auxíliotransporte e lanche. “O objetivo é dar maior visibilidade e finalidade social aos recursos. A partir do levantamento das necessidades, esses projetos melhoram a realidade das localidades. A qualificação proporciona dignidade ao trabalhador, além de elevar a autoestima dessas pessoas”, destaca o procurador do trabalho João Carlos Teixeira, responsável pela destinação dos recursos.
CCR A reversão de multas e indenizações trabalhistas para projetos sociais passou a ser possível após decisão de janeiro de 2009 da Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do MPT. No Rio de Janeiro, o MPT tem convênio com o Instituto Pereira Passos (IPP) para a destinação de recursos a projetos em comunidades pacificadas. O coordenador de projetos da Divisão de Desenvolvimento Econômico e Estratégico do IPP, Micael Amarante, diz que iniciativas dessa natureza contribuem para o desenvolvimento de toda a comunidade. “Não é algo imposto de cima para baixo. Vamos a campo conhecer a realidade e as necessidades locais. A partir daí, organizamos o projeto.” O IPP, além de indicar o projeto, é responsável por fiscalizar a aplicação dos recursos. “Esperamos financiar mais projetos, para poder beneficiar outros moradores e mudar uma realidade social.” Mariana Braga LABOR
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Quando todos vencem
De formação musical a mecânica, recursos melhoram a vida de crianças e jovens no Pará Por Tamiles Costa É possível, num processo judicial, todas as partes saírem ganhando? Quando uma condenação é transformada em instrumentos musicais para crianças da periferia de Belém ou em um centro de formação profissional em uma comunidade de Marabá, todos ganham. De janeiro de 2013 a fevereiro de 2015, o MPT no Pará e Amapá destinou cerca de R$ 2,6 milhões a instituições sem fins lucrativos com finalidades sociais, em procedimentos judiciais e extrajudiciais. Desse total, R$ 2,1 milhões já foram pagos. As multas revertidas em benefício da música e da capacitação profissional são quantificáveis em reais. O impacto na comunidade, não. O valor das reversões feitas pelo MPT atinge R$ 1,6 milhão e é resultante de ação civil pública (ACP) contra a Viena Siderúrgica S/A, acusada de encabeçar grupo econômico que utilizava mão de obra análoga à de escravo na produção de carvão vegetal, no Sudeste do Pará. Em novembro de 2004, o Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, integrado pelo MPT e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em ação na zona rural de Ulianópolis, constatou graves irregularidades trabalhistas nas carvoarias da região. Após investigações, em 2006, o MPT requereu à Justiça do Trabalho que as quatro rés da ação fossem solidariamente condenadas a cumprir obrigações de fazer e não fazer e ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Entre os beneficiários das reversões estão a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/PA) e o Batalhão de Polícia Ambiental do Pará (BPA), parceiros do MPT nas diligências de combate ao trabalho escravo.
Sede nova Além desses, o projeto Trabalho Justiça e Cidadania (TJC), o Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTec/ UFRJ), gerido pela Fundação Universitária José Bonifácio, e outras três instituições sociais com sede em Paragominas, sudeste do Pará, receberam recursos: o Projeto Juquinha, o Projeto Menino Feliz e o Educandário Menino de Deus. O primeiro projeto é voltado à assistência neuropsicomotora, pedagógica e social de crianças e jovens com deficiência. Em janeiro de 2015, quando a nova sede do projeto foi inaugurada, mais de 150 crianças já aguardavam na lista de espera para receber atendimento da instituição, que atua na melhoria da saúde, recuperação e coordenação motora dos pacientes.
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Fotos: Tamiles Costa
O segundo projeto funciona em parceria com a Polícia Militar e, há 15 nos, desenvolve ações de combate ao trabalho infantil. A instituição atende, diariamente, 250 crianças e adolescentes entre 8 e 16 anos em situação de risco social. As ações envolvem atividades culturais e esportivas – como reforço de língua portuguesa e de matemática, aulas de flauta, capoeira, caratê, xadrez, artes, futebol e educação física.
Jovens profissionais Em março de 2012, um acidente envolvendo três empregados da SME –Sistemas de Montagem e Engenharia, quando realizavam serviços de grampeamento de cabos em postes de energia elétrica, em Paragominas, matou dois deles. A empresa, que atua na construção de linhas de transmissão elétrica, após ser alvo de inquérito civil instaurado pelo MPT, firmou termo de ajustamento de conduta (TAC). Além da regularização dos procedimentos, a empresa também se comprometeu a pagar R$ 140 mil por dano moral coletivo. A quantia foi revertida à Escola Salesiana do Trabalho (EST), que promove cursos profissionalizantes gratuitos em Belém, há mais de 50 anos, e hoje atende cerca de 460 alunos em oito cursos da área industrial.
Na escola, muitos estudantes são encaminhados ao mercado de trabalho antes mesmo do fim do período letivo. É o que conta Glouver Nascimento, de 17 anos, aluno de Mecânica Diesel: “A maioria dos meus colegas já está trabalhando na área.” O professor Isaias Franco confirma. “Em três meses, esses jovens já são absorvidos pelo mercado.” O padre Angel Nieto, diretor da EST, explica que o curso de Mecânica Fiat é promovido por meio de convênio com a montadora. A proposta é preparar mecânicos para as concessionárias. “Os professores são capacitados pela montadora, que também cede veículos para fins didáticos.” Uma motocicleta 220cc, um escâner universal para motos, três multímetros digitais, um motor diesel, carrinho de ferramentas, caixa de marcha, radiador e embreagem foram entregues à EST. A instituição também recebeu um teclado sintetizador, microfone profissional, fones de ouvido, monitores e módulo de percussão digital, que vão aparelhar o estúdio de transmissão da rádio interna da escola. A ex-aluna Érika Marques, hoje auxiliar dos alunos, já decidiu qual profissão seguir: “Quero trabalhar em produção de estúdio.”
Música Os bairros União e Nova Vida, em Marabá, ganharam um centro técnico de formação profissional. A construção foi possível pela reversão de mais de R$ 1 milhão em acordo judicial da HF Engenharia com o MPT. O valor foi empregado na aquisição de um terreno, móveis e equipamentos, além de contratação de profissionais e custeio direto de 24 cursos oferecidos pelo Sistema S (Sesc, Senai e Senac) e manutenção dos custos operacionais. Há mais de uma década trabalhando na formação musical de crianças e adolescentes de áreas de risco, o Projeto Cururu tem a resposta para a dúvida se há música erudita na periferia. Durante a inauguração do Centro Comunitário São Lourenço, no bairro da Condor, subúrbio de Belém, integrantes do grupo tocaram Vivaldi e Luiz Gonzaga e provaram que existe arte em todos os lugares. O Projeto Cururu e a nova sede da Comunidade São Lourenço receberam R$ 466 mil revertidos pelo MPT. Os acordos judiciais foram feitos com as empresas Gafisa, Hileia Indústria de Produtos Alimentícios, Transportes Marituba e Belém Rio Transportes; e os extrajudiciais com o Consórcio CCB/ Fujita Engenharia e as empresas Construtora Modesto Viana e Artes em Aço e Ferro. Localizado em área violenta da capital, o São Lourenço desenvolve também o projeto Um gesto de amor, que faz o reforço escolar de 80 crianças de 6 a 10 anos. O frei Edilson Rocha, presidente do Centro Comunitário Santo Antônio de Lisboa, do qual o São Lourenço faz parte, conta que ver a sede revitalizada do centro, fundado há 47 anos, era um sonho. “O espaço, reformado para os pequeninos, também será importante para os jovens e idosos e para o fortalecimento do espírito comunitário e social.”
Transformação A coordenadora do Projeto Cururu, Eliane Fonseca, explica que mais de 1 mil crianças foram atendidas em dez anos. “A música muda e é capaz de transformar a vida.” No projeto, as crianças têm aulas de música, a partir dos 7 anos, e de ballet, a partir dos 4. O MPT reverteu cerca de R$ 60 mil em instrumentos musicais para a iniciativa, em acordos com as empresas Urbana Engenharia e a Goiás Serviços de Concretagem. As doações possibilitaram a aquisição de 17 violinos, três violoncelos, um piano digital, um amplificador, afinadores eletrônicos, 18 flautas doces, três baterias acústicas, oito flautas transversais, sete clarinetes, três saxofones e 45 flautas doces. LABOR
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Em Rondônia Associações e casas de assistência são beneficiadas Por José Bosco Gouveia A Associação de Voluntários Casa de Apoio a Pacientes com Câncer recebeu do MPT uma van para o transporte de pacientes em cadeira de rodas em 2014. Em Ji-Paraná, a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae) recebeu recursos para construir um parque infantil. A Associação de Pais e Amigos de Autistas da cidade também teve valores revertidos para ações de formação de pessoas com autismo.
As receitas usadas pelas Casas de Acolhimento a Pessoas Idosas de Porto Velho e Ariquemes na aquisição de veículo, mobiliário, roupas de cama e fraldas geriátricas também vieram do MPT.
investigações e apoio em diligências na área rural.
O Centro de Inteligência da Polícia Militar de Rondônia também foi contemplado com reversão de multas e ganhou quatro drones para
Entidade de ressocialização de egressos de prisões estaduais também recebeu valores para montar um laboratório de informática. X
No mesmo ano, conselhos tutelares de Porto Velho, Chupinguaia e Alto Paraíso receberam equipamentos.
José Bosco Gouveia
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TRANSGÊNEROS
Ser o que se é Além de lutar por direitos básicos, travestis e transexuais enfrentam discriminação no mercado de trabalho
Por Ana Carolina Spinelli, Keyla Tormena e Rogério Brandão
Assumir a identidade que a pessoa sente e sabe ser a sua é um desafio. Cada passo de se revelar socialmente é medido com todas as possíveis consequências. É comum que a mulher ou homem
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trans se force durante muitos anos, ou até a vida inteira, a se comportar de acordo com o gênero socialmente aceito, o que pode ser devastador em termos psicológicos.
Cyrano Vital
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Os termos trans, transexual ou travesti têm sido usados para designar pessoas que fizeram a transição do gênero masculino para o feminino ou vice-versa. O processo pode ou não envolver operações ou aplicações de hormônios: o que importa é como a própria pessoa designa-se a si mesma – uma decisão que grande parte das vezes simplesmente não é aceita pela sociedade. “Passei dois anos de vida dupla”, conta Luiza Coppieters (com as flores, na foto abaixo), professora de Filosofia no ensino médio em uma das maiores instituições de ensino privado no país. Ela é uma mulher trans: seu sexo biológico é o masculino, mas ao longo da vida passou por uma transição e assumiu o gênero feminino. Pensamentos de suicídio foram recorrentes antes que ela conseguisse forças para encarar a transexualidade. “Teve uma época em que eu pintava a unha quando chegava em casa e tirava de manhã antes de ir para o trabalho.” Com o início da aplicação de hormônios, ela chegou a ocultar as curvas que começavam a surgir, usando roupas apertadas por debaixo das camisas. O medo de ser descoberta e discriminada era constante.
“Você não pode mais errar” Desde 2010, Luiza dava aulas para cerca de 20 turmas de adolescentes. Em 2012, começou a hormonização e, ao longo de 2013, o corpo passou por alterações graduais e significativas: “À medida que me sentia mais à vontade, não queria mais usar roupa de menino, me fantasiar de menino.” O ambiente escolar até então era amistoso e ela conseguiu contar da mudança a colegas professores mais próximos. Mais tarde, falou à coordenação. Logo vieram os problemas: “Fiquei sabendo que, em junho de 2014, os donos haviam pedido minha demissão, mas o coordenador geral conseguiu segurar.” A mediação evitou que ela fosse demitida, mas, durante a atribuição de aulas para o primeiro semestre de 2015, o número de turmas e o salário de Luiza foram cortados pela metade, sob alegação de que ela descumprira obrigações como professora. Sua relação com o colégio, que até o começo da transição havia sido harmônica, começava a azedar. “Passei a ouvir que eu não podia mais errar, atrasar nota ou o preenchimento de diário. Ouvi isso o ano inteiro da coordenação e de colegas preocupados.” Ela também deveria evitar a abordagem de determinados assuntos em sala de aula: “Pediram para que eu não discutisse nada relativo a gênero ou sexualidade”, conta, sem ignorar a ironia da situação.
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Transfobia na TI
Os alunos de Luiza, cerca de 400 do primeiro ao terceiro colegial, foram exemplares durante todo o processo. “Na primeira conversa com os alunos não falei de genitália, isso é pessoal. Falei do sofrimento das trans. E eles tinham uma bagagem teórica para entender, por isso aceitaram.” Quando na aula lhe perguntaram se ela havia “operado”, respondeu simplesmente que seu corpo não era público: “Alguém por acaso pergunta se você já fez operação de fimose?” Os adolescentes não só compreenderam como lhe trouxeram flores e até hoje escrevem palavras de incentivo em mensagens em uma rede social. Quando o nome dela foi grafado erroneamente como “Luiz” na grade horária e nas avaliações, eles pressionaram pela correção para o nome Luiza.
“Nunca trabalhei em uma empresa na qual não tenha sofrido alguma forma de discriminação”, afirma Daniela Andrade, após 17 anos na área de informática. Ela se recorda quando foi analista de sistemas sênior no falido banco Cruzeiro do Sul. “A única. Os outros eram todos júniores ou plenos.” Ela percebia que sua presença não era bem aceita: “A área de informática já é extremamente machista. Se eu fosse uma mulher cis [que não fez transição de gênero], eles já iriam sentir que estava roubando o espaço deles. O desconforto comigo era cristalino.”
Por causa da tensão com a direção e reclamações de pais de alunos por conta de sua transexualidade, Luiza vem perdendo a vontade de lecionar. Está fazendo um curso técnico de locução, “ocupação em que imagem e presença não são determinantes”. As aulas acontecem no no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), onde ela afirma ter sido muito bem recebida e tratada.
Logo entrou outro sênior, para o mesmo cargo. Sempre que ela falava com ele, recebia uma resposta bruta, mas com as outras pessoas, era educado e formal. Mais tarde, ela confirmou a transfobia [termo usado para preconceito contra pessoas trans]: “Em um happy hour, ele falou que odiava ‘traveco’ e que tinha vontade de quebrar a minha cara.” Algum tempo depois, ficou sabendo que sua equipe vinha trocando e-mails com xingamentos e piadas contra ela. Acabou se demitindo: “Como você volta ao trabalho no dia seguinte sabendo que sua equipe está te difamando?” Arquivo pessoal
Para Luiza, a pessoa trans anseia pelos elementos que reforcem a identidade que percebe como verdadeira. “No caso das trans femininas, é sempre uma angústia a possibilidade de te olharem e descaracterizarem como mulher. Hoje eu sei que todas as mulheres passam por isso, mas com a trans é pior: a outra vai ser uma mulher feia, gorda, baixa, alta... Mas a gente não: a gente não é [considerada] mulher.”
Privacidade
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Ela relatou que, na seguradora AGF Allianz, a gerente dizia em alto e bom tom que não gostava de trabalhar com gente esquisita. “Ninguém falava comigo. Acabei sendo demitida sob pretexto de corte de custos.” Quando Daniela foi buscar suas coisas, no dia seguinte, viu outra pessoa em seu lugar. “Perguntei quem era, e me disseram que a pessoa estava me substituindo. Ou seja, não tinha nada a ver com cortar custos.” Daniela foi expulsa de casa aos 18 anos, após
revelar a identidade trans aos pais. Mesmo assim, conseguiu concluir e continuar os estudos no ensino técnico. Hoje, é formada em Análise de Sistemas e Letras, e possui duas pós-graduações. Ela também é membro colaboradora da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção Osasco, e uma das criadoras do projeto online TransEmpregos, em que travestis e transexuais cadastram seus currículos e as empresas interessadas em contratar esse
público preenchem as vagas. No site, há empresas grandes oferecendo emprego, mas, segundo Daniela, são uma minoria. Apesar de muito bem qualificada, sempre encontrou um mercado de trabalho discriminatório ao extremo. “A população trans é ridicularizada, patologizada, muitas vezes, com ajuda da mídia. É um círculo de discriminação que a empurra para as margens da sociedade.” LABOR
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Portas fechadas Além de serem alvo de chacotas de colegas de trabalho e chefes, os transgêneros encontram muitas dificuldades para ingresso no mercado formal. Esse é o caso de Ludymilla Anderson Santiago Carlos, de 32 anos. Formada em Publicidade pela Universidade Católica de Brasília desde o fim de 2008, ela nunca conseguiu ingressar na carreira mesmo após sucessivas tentativas. Quando concluiu a faculdade, imaginava que conseguiria emprego na área, o que veio a se tornar uma frustração ao longo dos anos. “Passei uns dois anos pra minha ficha cair totalmente. O fato de eu não conseguir emprego tinha muito a ver com a questão da minha identidade de gênero.” Embora tenha conquistado diploma de nível superior com o apoio financeiro da mãe, Ludymilla teve que encarar novos desafios ao sair de casa. Sem o auxílio familiar e com contas a pagar, a alternativa era conseguir algum emprego. Foi então que ingressou em projetos e programas ligados a movimentos sociais e minorias, onde, desde então, consegue emprego. Esse é o caso do programa de redução de danos, que lida com usuários de álcool e outras drogas e engloba portadores de HIV, transexuais e moradores de rua.
Arquivo pessoal
Segundo ela, a identidade de gênero nesse nicho de mercado deixa de ser um obstáculo para se tornar um trunfo. “Para eles, é estratégico também ter uma pessoa de cada segmento para poder atingir determinados públicos. Então, minha questão de
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transexualidade me ajudou, porque posso falar com meus pares.” Hoje, além de participar de um programa de testagem rápida de HIV, Ludymilla é uma das responsáveis pela Associação do Núcleo de Apoio e Valorização à Vida de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Distrito Federal e Entorno (Anav-Trans). Embora seja remunerada pela atividade, explica que o contrato é temporário e não garante os mesmos direitos trabalhistas que um emprego com carteira assinada. Outra dificuldade é o salário de R$ 685, que não cobre todas as despesas por não corresponder à jornada de trabalho integral.
O peso de um nome Um dos principais entraves que transgêneros passam na busca por uma colocação no mercado é o conflito entre a documentação e a nova identidade de gênero. Ludymilla passou por isso logo após o término da faculdade, quando estava em readequação. “Eu tinha aparência feminina e apresentava um documento com nome masculino, então, isso acaba sendo um dificultador no ingresso ao mercado de trabalho.” Apesar de mulheres trans serem as mais expostas à discriminação, o problema também afeta transexuais que adotam a identidade de gênero masculina. Lam Augusto já foi alvo de discriminação durante processo seletivo para
uma vaga para ambos os sexos em loja de vestuário no início de sua transição. “Quando cheguei à entrevista, eram quatro meninas e eu. Elas estavam com maquiagem, salto, cabelo escovado e eu estava de calça jeans e camiseta. Tive que apresentar meus documentos e o empregador viu que eu não era um rapaz, então obviamente ele estava me analisando como as outras quatro meninas.” Lam afirmou que as concorrentes jamais tinham trabalhado como vendedoras antes enquanto ele tinha experiência na área e tinha capacitações. “Fui à loja questionar o gerente para saber o motivo, pois eu sabia que o meu currículo era muito melhor que o das meninas que concorriam à vaga. Ele não apresentou um motivo.”
Nome social O presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB seccional Mato Grosso do Sul (OAB-MS), Júlio César Valcanaia, relata que atuou em um caso semelhante ao de Lam. Agências de intermediação de mão de obra do estado e de Campo Grande indicaram uma mulher trans para 17 entrevistas de emprego por preencher todos os requisitos das vagas disponíveis. Ela foi rejeitada pelos recrutadores em todas as seleções no momento em que sua imagem pessoal de mulher era confrontada com a documentação civil, ainda com prenome masculino, com justificativas de que a empresa desistiu da
vaga ou de que o cargo foi preenchido por outro candidato. Júlio César, que também é vice-presidente do Conselho Estadual da Diversidade Sexual no estado, afirma que a comissão já faz interlocução com agentes públicos para criar mecanismos que facilitem o acesso de travestis e transexuais ao mercado de trabalho, especialmente quanto à adoção e à aceitação do nome pelo qual preferem ser tratados, o chamado nome social. Valer-se desse tipo de discriminação velada dificulta a caracterização da irregularidade. Segundo a coordenadora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Diversidade Sexual, Étnico Racial e Religiosa do Distrito Federal, Ana Carolina Silvério, não se consegue atingir objetivamente o motivo pelo qual os candidatos transgêneros são eliminados de processos seletivos. “O empregador pode dizer ‘não, ela não atende o que quero hoje para um empregado’. Então há algo velado,
pois nós sabemos que se fosse um homem heterossexual teria conseguido o emprego.”
Empurrão Ana Carolina ressalta ainda que, diante da frustração em conseguir um emprego, muitas delas recorrem a meios ilícitos ou se tornam garotas de programa. “E aí entra todo aquele processo de depressão, de não aceitação do corpo, de crises depressivas e de questões sociais. É como se elas fossem empurradas para a prostituição e para a drogadição.” Em 2014, o Creas da Diversidade atendeu, a cada mês, uma média de 198 travestis e transexuais em situação de ameaça ou violação de direitos, como violência física, psicológica, sexual e tráfico de pessoas. Ainda conforme dados do órgão, de todos os transgêneros atendidos de 2011 a 2013, apenas sete conseguiram ingressar formalmente no mercado de trabalho.
Mudando o registro É preciso entrar com processo na Justiça para solicitar alterações de prenome e sexo nos documentos. Enquanto a mudança de nome ocorre por meio da Vara Cível, a retificação do sexo se dá pela Vara da Família, o que dificulta a plena conquista da nova identidade. Para amenizar a falta de legislação específica, órgãos da administração pública concedem o direito de usar o nome desejado por meio de portarias. Uma resolução da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de março deste ano determina que instituições de ensino incluam o campo nome social em formulários. Além disso, a norma prevê que alunos transgêneros possam utilizar banheiros conforme sua identidade de gênero. A SDH/PR também editou resolução que permite o preenchimento de orientação sexual, identidade de gênero e nome social em boletins de ocorrência emitidos pelas delegacias do país.
A medida dará mais visibilidade aos dados sobre crimes por motivos de transfobia. No Congresso Nacional, tramita desde 2013 o projeto de lei João W. Nery (PL 5.002/2013), que pretende garantir a mudança de prenome e sexo em registros.
Títulos Transexual há sete anos, a situação de Alexandra Adriana Braga de Vasconcelos (foto na página 60) melhorou há dois, quando ela obteve na Justiça o direito de adotar o nome feminino e conseguiu alterar toda a documentação. Com formação superior em Pedagogia e pós-graduação em Psicopedagogia, Alexandra se sente aliviada em ser tratada com respeito atualmente. “Hoje, louvam meus títulos, me dão atenção, porque tenho nome feminino. As pessoas não olham torto, têm assunto para conversar, não me julgam antes de me conhecerem.”
Agora está sendo contratada por uma escola particular cuja diretoria é formada por padres e freiras, que não sabem de sua transexualidade. Não tem medo que seu nome saia na reportagem? “Se souberem, melhor ainda: vai mostrar o quão competente eu sou, independentemente de nome e gênero.” Além de acompanhar esses casos, o Creas da Diversidade do DF oferece inscrições para o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). “Será que toda travesti e transexual quer mesmo trabalhar com prostituição ou será que ela não foi empurrada de forma quase compulsória para viver em profissões estigmatizadas?”, questiona Ana Carolina Silvério. Segundo estimativas da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% das travestis brasileiras se prostituem. Principal motivo: muitas são expulsas de casa cedo, com 12 ou 13 anos de idade, assim que começam a revelar sua feminilidade.
De psicólogo a analfabeto João W. Nery é considerado o primeiro homem trans a ser operado no Brasil, em 1977. Como a Justiça não permitia a retificação do nome, ele solicitou uma nova documentação como se nunca tivesse se registrado. Com a identidade masculina, Nery teve toda a sua história apagada. Passou de professor universitário de Psicologia a analfabeto. Por isso, teve que trabalhar por 30 anos como pedreiro, pintor, vendedor, entre outras profissões que não exigem o mesmo nível de qualificação que possui. O pioneirismo e o inusitado de sua história por sua decisão de simplesmente tirar novos documentos como homem após a cirurgia motivaram a escolha de seu nome para identificar o projeto de lei 5.002/2013.
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Vulnerabilidade
Ana Spinelli
A trans Symmy Larrat (foto abaixo) é formada em Comunicação Social e coordena o projeto Transcidadania, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) da Prefeitura de São Paulo. Por meio do projeto, transexuais e travestis em situação de vulnerabilidade (moradoras de rua ou de abrigos, a maioria é obrigada a se prostituir), ganham bolsa de R$ 840 para se manter sem
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precisar da prostituição e são encaminhadas a centros educacionais para completar o ensino básico e depois se profissionalizarem. A contraparte da bolsa é que se apliquem nos estudos, o que sempre ocorre. “Elas agarram a oportunidade e se empenham”, diz Symmy. Além do apoio pedagógico e psicológico atual, também têm acompanhamento nas incursões no mercado de trabalho, sendo que as empresas dispostas a oferecer estágio também
vão passar por uma preparação para recebê-las da melhor forma. Symmy lembra como foi quando assumiu a transexualidade. “As pessoas não me contratavam, e meus amigos não me indicavam para nenhum trabalho. Nem para produção de cinema, que costumava ser uma coisa extremamente informal. Isso foi na época de transição: eu não estava nem menino, nem menina. É pior ainda. As pessoas rejeitam mesmo.”
Fabíola de Souza Melo
Transcidadania O coordenador de políticas para LGBT da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Alessandro Melchior, constatou o baixo nível de escolaridade em outras iniciativas da prefeitura de inclusão de transgêneros. “Em levantamento que fizemos com programa de bolsas anterior ao Transcidadania, verificamos que quase 100% das participantes haviam sido expulsas de casa na adolescência. Do total, 95% não tinham ensino fundamental completo. E a escolaridade básica para qualquer vaga no mercado de trabalho é o ensino médio. Elas são inimpregáveis por isso, antes até da discriminação”, diz Melchior. Ele ainda acrescenta que grande parte delas vem de outros estados e chega a São Paulo normalmente por meio de redes de tráfico de pessoas, para propósitos de exploração sexual.
Fernanda Palheta
Joyce Mendes (primeira foto ao lado) é uma das bolsistas do programa. Ela afirma que iniciou o processo transexualizador a partir dos 13. “Não aguentava ficar na sala de aula por causa dos colegas de classe, que vinham me ‘zoar’. Tive que deixar os estudos justamente por causa disso. Nessa época, fui expulsa de casa, em Pernambuco.” Sem saída, restou-lhe a rua, já que nem da escola recebeu apoio. Ela também rebate as críticas destinadas ao programa, alegando o desconhecimento da realidade dos transgêneros. “Não somos pobrescoitadas. Nossa situação é vulnerável, porque o mercado de trabalho é fechado para nós. Mas eu sou capaz. Essa ajuda não me deixa sobreviver o mês inteiro, porque São Paulo é uma cidade cara e o dinheiro some, mas é um incentivo para vermos que no fundo do poço tem uma corda pela qual podemos subir, para entrarmos na escola e, no futuro, sermos alguém na vida.” Cris Stefanny (segunda foto ao lado), presidente da Associação Nacional das Travestis e Transexuais, acrescenta que não adianta apenas qualificar as travestis e transexuais porque o maior problema é o acesso às vagas. “Da parte delas, também falta um pouco de consciência em denunciar. Elas terminam se irritando e decidem se prostituir, colocando a vida em risco outra vez. Há muitos casos de violência.” Cris Stefanny, que viveu oito anos da prostituição, acredita que, para a maioria, essa escolha é pela falta de oportunidades.
LABOR
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Juliane Veiber
O refúgio dos call centers
O professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Tiago Duque, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos e doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolve pesquisas sobre gênero e sexualidade e aponta que a construção do corpo teria implicação direta na questão do trabalho. Segundo ele, é provável que muitas transexuais possam ser mais favorecidas no mercado de trabalho por serem mais parecidas com o padrão de beleza da mulher dita biológica ou por ter os documentos civis alterados. Tiago aponta que nos call centers, por exemplo, é mais comum ter tanto mulheres masculinizadas como jovens bastante efeminados, porque é apenas a voz que está no espaço de trabalho com os clientes. O empregador olha de um jeito mais tolerante para vários perfis considerados inadequados para atendimento ao público do ponto de vista estético, corporal e de gênero. Com 18 mil funcionários e considerada a quinta maior empresa do setor de telemarketing no país, a empresa BT Call Center atua no ramo de telemarketing e é uma das que contratam transexuais. A empresa possui unidades em Brasília, Goiânia, Rio de Janeiro, Curitiba e Campo Grande e opera desde 2007. Em nota, a BT Call Center afirmou que não faz qualquer diferenciação de gênero no seu
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processo seletivo, “não exclui nem diferencia travestis ou transexuais na contratação para seu quadro de funcionários em todas as unidades no país” e “incentiva práticas não discriminatórias”. Conforme esclarece a diretora executiva da BT Call Center, Marcia Pollard, a empresa oferece banheiros com e sem identificação de gênero em suas dependências, para uso conforme vontade e conveniência dos empregados. Quanto ao nome social, afirmou que permite a inclusão no crachá de identificação se for solicitado pelo empregado, mas que, para fins de registro na empresa, são usados os documentos oficiais.
Aproximação O Ministério Público do Trabalho (MPT) atua na área por meio da aproximação com movimentos sociais, participação em audiências públicas e esclarecimento sobre as atribuições do órgão. De acordo com a procuradora do Trabalho Renata Coelho Vieira, a principal dificuldade em judicializar casos de discriminação de transgêneros é o medo da exposição, que pode fechar as portas no mercado para quem denuncia. “Uma vez incluída no mercado de trabalho, essa pessoa terá capacidade econômica, mais instrução para então conseguir defender seus
direitos e buscar os órgãos que interessam para fazer denúncia.” Para Renata Coelho, o grande fator de inclusão social das pessoas é por meio de profissões amplamente reconhecidas pela sociedade. “Se o transexual oferecendo esses serviços estiver apto a prestá-los, ele será visto. Então não dá para falar em visibilidade trans se passarmos 30 anos em uma escola sem ver um transexual dando aula. A visibilidade da sociedade hoje é o trabalho.” Essa falta de visibilidade também é ressaltada pelo procurador do Trabalho Cícero Rufino Pereira, que coordena o Fórum de Trabalho Decente. Ele aponta que, assim como outros desrespeitos aos direitos humanos, como o tráfico de pessoas, a discriminação pode ser considerada uma situação em que a própria vítima tem dificuldade de acreditar e de buscar ajuda para fazer valer seus direitos. Por conta dessa invisibilidade, muitas vezes cultural, acaba não havendo um grande número de denúncias de desrespeitos aos direitos humanos de uma forma geral e quanto à discriminação de travestis e a transexuais no mercado de trabalho. “É necessário que sociedade, sindicatos e as comunidades LGBT tenham mais esclarecimentos e conscientização não só dos direitos, mas a quem buscar para afastar as ilegalidades.”
Vitória Nosli de Jesus Bento (foto abaixo), 46 anos, é um exemplo de sucesso na luta por espaço no mercado de trabalho formal. Atualmente, ela é servidora pública da Secretaria de Educação de Dourados (MS), e também trabalha em um posto de saúde. Nosli ainda se prepara para ir além: cursa o segundo ano de Pedagogia na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e pretende criar uma organização para combater a transfobia na cidade.
Roberto Nascimento
A história de Nosli mostra que é possível enfrentar os obstáculos e se superar, mas sua trajetória foi marcada por discriminação. A primeira tentativa de obter uma vaga de trabalho como trans foi em 1999, aos 31 anos, em uma indústria frigorífica de frangos
de Dourados. Ela se candidatou várias vezes no período, pois tinha informação de que o frigorífico contratava todos os dias, mas a resposta era sempre a mesma: “não temos vagas.” Um ano depois, em junho de 2000, ela voltou lá e, por meio do contato com um chefe de produção, insistiu e foi contratada. A condição foi a de que o chefe de produção que a indicou “se responsabilizasse caso ela cometesse alguma anormalidade dentro da empresa”. Ela trabalhou nesse frigorífico por 11 anos em funções como desossa, corte de frangos e embalagem. “Sofri todos os tipos de preconceito, exceto agressão física. Mas diferente da dor física, que passa, as agressões psicológicas são as piores, pois marcam e ficam dentro da gente. Venci tudo com muita determinação, profissionalismo
e competência e quando saí [porque quis], o gerente-geral me disse que eu tinha feito ele olhar de modo diferente para o segmento ‘trans’, pois ele tinha uma ideia preconceituosa a nosso respeito.”
Enfermagem A servidora pública foi pioneira e abriu as portas para que outras trans tivessem a oportunidade de trabalho lá. Hoje, sete travestis trabalham no frigorífico, segundo informações de seus contatos na indústria. “Eu me sinto recompensada.” Nosli saiu do frigorífico por opção, após se qualificar como enfermeira. Ela concluiu o curso técnico de enfermagem em 2011 e, então, mesmo tendo sido bem avaliada no curso, vieram outras dificuldades para atuar na área. Com o currículo em mãos, ela bateu na porta de hospitais para pedir emprego. Em um deles, disseram que não podiam contratá-la, porque os donos eram evangélicos e, apesar do ótimo currículo, eram ordens da direção. “Quem ficou sem direção fui eu.” Em outro hospital, a chefe de RH sugeriu que ela fizesse o exame de HIV, e, dependendo do resultado, ela poderia ser contratada. Não era costume do hospital exigir o exame. A chefe de RH confirmou que a sugestão era só para Nosli, por ser travesti, grupo de risco, e que só ficaria tranquila para contratá-la se ela fizesse o exame. A opção foi trabalhar como enfermeira home care na casa da família de uma menina de 3 anos que precisava de cuidados constantes. Na casa, permaneceu até 2012. Deixou o trabalho na residência após assumir um concurso público do Estado de Mato Grosso do Sul na área de educação, como recepcionista, porque não conseguiu conciliar com o trabalho de home care. Hoje, dedica seu tempo à secretaria de educação à tarde e, de manhã, em um posto de saúde, como contratada, onde faz procedimentos de enfermagem, serviços laboratoriais e de administração. “O conhecimento é uma arma poderosa contra a discriminação.” X
Colaborou Fernanda Palheta, estagiária do MPT em Mato Grosso do Sul
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DEFICIÊNCIA
Os mitos do porão Empresas cumprem lei, mas não consideram qualificação do profissional
Por Rodrigo Rabelo*
Diante da concorrência cada vez mais acirrada no mercado de trabalho, muitos profissionais buscam formas de se sobressair por meio da capacitação plena, especializações, idiomas e outras
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competências exigidas por potenciais empregadores. Para aqueles que possuem algum tipo de deficiência, porém, soma-se à disputa um adversário duro na queda: o preconceito.
Rafael Almeida
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A Lei de Cotas (Lei nº 8.213/1991) abriu as portas das empresas a pessoas cuja carreira profissional existia apenas no mundo dos sonhos. Sua vigência trouxe motivação, confiança no futuro e amparo legal que permite o tratamento de forma igualitária e digna. Certo? Nem sempre. Na prática, há um longo caminho a ser percorrido para que a inclusão da pessoa com deficiência (PCD) no mercado atinja sua plenitude. A maioria das empresas cumpre a legislação para evitar o pagamento de multas, processos judiciais e outros aborrecimentos, sem ao menos levar em consideração as qualificações e habilidades destes profissionais. A estudante de psicologia Simone Gobbo Contelli (foto na página 67) pode atestar essa realidade. Cega de um dos olhos e com menos de 10% de visão no outro, apesar de se enquadrar como beneficiária da lei inclusiva, ela possui um currículo bastante atraente, com diversos cursos de extensão e fluência em inglês e espanhol. Contudo Simone sentiu a desvalorização na pele ao tentar a contratação pela Lei de Cotas por uma rede de farmácias. “Meu currículo especificava perfeitamente a minha capacitação profissional, os cursos e experiências anteriores, porém, ao ser contratada, percebi que a função disponível não era compatível com meu currículo e nem com a minha trajetória, pois o único trabalho que me indicavam era na área de limpeza.” O advento da lei que impõe a contratação compulsória é um marco na inclusão de deficientes no Brasil – o empresariado jamais admitiria, mas muitas empresas ofereceriam resistência na contratação deste tipo de trabalhador sem que houvesse a obrigação. Mas, ao mesmo tempo em que abranda a diferenciação, a lei transforma a discriminação em algo velado. O preconceito existe, mas fica no porão, fabricando mitos. Formada em Gestão de Pessoas e deficiente auditiva, Nathany Almeida engrossa o caldo dos milhares de deficientes economicamente ativos que não conseguem o devido reconhecimento dentro das empresas, enfrentando discrepâncias entre perfil profissional e vagas oferecidas, e até baixas perspectivas de crescimento. “Trabalho em uma empresa considerada um dos melhores lugares para trabalhar, que paga bem, tem os melhores benefícios, além de grandes chances de crescimento e desenvolvimento dentro dela. Mas no setor onde atuo quase todos foram promovidos, menos eu. Eu me encontro em uma situação de estagnação.”
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de trabalho sadia e normal. Muitas ainda a consideram como uma obrigação, um castigo, uma imposição do governo.” O argumento de Dolores encontra eco no discurso de Daniela Milano, coordenadora do Instituto Sorri, instituição voltada à inclusão de deficientes no mercado de trabalho na cidade de Campinas (SP). “A Lei de Cotas trouxe a oportunidade das organizações desenvolverem projetos muitos bons, mas foi somente a partir de 2004 que os maiores avanços foram evidenciados, a partir da aplicação de multas pelo descumprimento da lei e mediante a assinatura de termos de ajustamento de conduta. Hoje, há uma maior busca na contratação porque existe a cobrança legal.” O presidente da Federação Nacional das Empresas de Serviços e Limpeza Ambiental (Febrac), Edgar Segato Neto, diz que não é bem assim. O representante dos empregadores afirma que as empresas do setor buscam a inclusão social, mas não contratam apenas por obrigação. “No setor de asseio e conservação, não tenho nenhum conhecimento de empresas contratando profissionais somente para cumprir cotas, sem o objetivo de inclusão social”, afirma, para depois tecer o seguinte comentário: “se existir mesmo esse tipo de contratação, tem um motivo lógico: é porque a deficiência desse funcionário não permite que ele execute a tarefa que estamos propondo nos nossos objetivos contratuais, que é a limpeza e a conservação.”
Desconhecido A auxiliar administrativa Amanda (nome fictício) já foi vítima dos mitos do porão. Surda desde os 11 anos, devido à sequela causada por uma meningite, a trabalhadora que não quis ser identificada pela Labor relata que chegou a ser tratada como doente por chefes e colegas de trabalho. “No meu segundo emprego, as pessoas me tratavam como uma pessoa especial, a ponto de eu nem poder sair na rua na hora do almoço. Eles tinham medo de que eu não voltasse, de que acontecesse alguma coisa comigo, como se eu tivesse alguma doença.”
Inclusão ou multa
A postura dos colegas de Amanda, apesar de isenta de má-fé, mostra o despreparo das empresas em receber pessoas com deficiência no seu quadro de funcionários. Jaques Harber, membro fundador do Instituto i.Social, aponta o medo do desconhecido como um entrave à inserção, sendo esta uma barreira difícil de ser transposta. “As pessoas não sabem como se relacionar com os deficientes e levam em conta alguns mitos relacionados à sua qualificação e à sua capacidade.”
Pesquisa realizada com quase 3 mil diretores e gestores de Recursos Humanos (RH) em 2014 subsidia o cenário desenhado por Simone e Nathany, tornando-o ainda mais amplo e preocupante. Os estudos empreendidos pelo Instituto i.Social mostram que 81% dos entrevistados assumiram que a contratação de pessoas com deficiência é feita somente para cumprir a lei, enquanto que 65% deles resistem à contratação de deficientes. Segundo a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e idealizadora do Congresso de Acessibilidade, Dolores Affonso, os empregadores encaram a contratação de uma PCD, muitas vezes, como um ato de caridade. “As empresas ainda encaram a Lei de Cotas como uma ação social, e não como uma relação
A história de Simone, trabalhadora com baixa capacidade visual em um dos olhos e cega do outro, dá força à afirmação de Harber. Segundo ela, a estrutura física e operacional das empresas não está apta a receber os deficientes, e muito disso se dá por questões culturais e tecnológicas que até retardam o desenvolvimento do país. “Em vários processos seletivos, já me foi dito que não sabiam lidar com uma portadora de deficiência. Muitos recrutadores desconhecem os recursos tecnológicos que permitem que uma pessoa que não enxerga execute atividades na área de informática”, diz, referindo-se a monitores especiais e telas de aumento que viabilizam o trabalho de deficientes visuais em escritórios.
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Nathany Almeida, a trabalhadora com deficiência auditiva, vai além: “sempre coloco no meu currículo que sou deficiente auditiva, mas isso atrapalha muito. Mesmo evidenciando todas as minhas qualidades, cursos e especializações realizadas, as pessoas pensam duas vezes antes de me contratar quando falo que sou surda. Elas acham que não sei falar ou escrever, que me comunico apenas por linguagem de sinais.”
Pegando leve? As principais questões que impedem a evolução das relações de trabalho entre empresas e pessoas com deficiência, apontadas pelos especialistas, levam a outro obstáculo: a predileção dos empregadores por deficiências consideradas “leves” no momento da contratação. Antes de abordar o tema, é importante estabelecer o conceito formal de deficiência: segundo a Convenção nº 159/1983, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – ratificada pelo Brasil –, trata-se de
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“limitação física, mental, sensorial ou múltipla, que incapacite a pessoa para o exercício de atividades normais da vida e que, em razão dessa incapacitação, a pessoa tenha dificuldades de inserção social”. Necessário citar que, de acordo com o Decreto federal 5.296/04, pessoas com visão monocular, surdez em apenas um ouvido ou deficiência física que não implique a impossibilidade de execução das atividades do corpo não são beneficiárias da Lei de Cotas. As fontes ouvidas por Labor atestam que a contratação de pessoas com limitações consideradas “leves” é uma prática corriqueira adotada pelas empresas, que de certa forma contribui para burlar a Lei de Cotas, muitas vezes preenchendo as vagas divulgadas com profissionais que nem sequer atendem aos critérios de deficiência impostos pela legislação brasileira e internacional. “A maioria das empresas busca deficiências leves, que não impliquem adaptações internas, subutilizandoas, não aproveitando suas habilidades e fazendo com que os profissionais é que precisem se adaptar às organizações, e não o contrário, o
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que é uma inversão de valores e da própria legislação”, alerta Dolores Affonso, da FGV.
Encostados O ato incongruente, portanto, pode ter fundo econômico. Para receber as pessoas com deficiência, empresas devem mudar sua cultura e estrutura, de forma a atender às necessidades específicas do trabalhador especial. Para evitar os custos decorrentes disso, e de quebra cumprir a cota imposta pela lei, tornou-se comum a contratação de profissionais de utilidade meramente figurativa à empresa, os quais permanecem “encostados” ou ocupados em tarefas consideradas “fáceis”. “Quando as empresas precisam cumprir cotas, acham que basta contratar qualquer pessoa para exercer qualquer atividade, então abrem vagas para as funções mais básicas, mais fáceis de serem preenchidas. É uma situação muito comum os profissionais de RH e
gestores acreditarem que deficientes não são capazes, que só podem atuar nestas ou aquelas áreas, onde prejudicam menos a empresa ou não fazem a diferença”, afirma Jaques Harber, da i.Social.
Há vagas. Ou não O estudo do Instituto i.Social aponta que há uma demanda maior de profissionais aptos a laborar do que vagas disponíveis no mercado. Segundo a pesquisa, no Brasil, existem cerca de 9 milhões de deficientes prontos para trabalhar no regime de cotas, porém, somente 800 mil vagas encontram-se abertas. E qual é o perfil dessas vagas? Elas atendem ao público mais qualificado? As qualificações requeridas buscam valorizar as competências e habilidades da pessoa com deficiência ou estão lá por pura formalidade? Um levantamento realizado pela Labor na primeira semana de fevereiro de 2015 em um famoso sítio eletrônico especializado em ofertas
de emprego permite uma avaliação mais precisa das vagas oferecidas exclusivamente para pessoas com deficiência. Entre os dias 2 e 10 de fevereiro foram analisados 764 anúncios de empregos. Destes, 524, ou 69% do total, eram de nível auxiliar e operacional, como atendimento telefônico, organização de arquivos, limpeza, portaria, ascensorista, operação de máquinas e controle de estoque. As vagas voltadas para nível júnior/trainee representavam 16% do total, ou 119. Os demais níveis, dedicados a pessoas com currículo mais qualificado (pleno, sênior, coordenação, gerência e diretoria), totalizaram 73 ofertas de vagas, ou 10% do total.
Exemplo Alguns exemplos: uma mesma empregadora anunciou duas vagas para PCDs, direcionadas para níveis de formação diferentes, cujo conteúdo não distingue as diferenças de papel desempenhadas por um profissional que vai LABOR
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trabalhar como suporte auxiliar/operacional e outro que pretende ser trainee. Em outro caso, a oferta pede formação superior em exatas para, basicamente, controlar o estoque (cargo de analista de abastecimento jr.). Todos os anúncios analisados foram publicados por empresas que possuem como objetivo social a inclusão de profissionais com deficiência no mercado de trabalho. Mas será que alguém se sujeitaria a estudar por anos a fio para, em seguida, aceitar um posto de trabalho onde suas capacidades profissionais não são valorizadas? Ou que aceite ser contratado pelo simples fato de ter uma deficiência? Simone deu a sua resposta: não aceitou o emprego na indústria farmacêutica. “Que tipo de competência adquirida no curso de psicologia pode ser útil para ficar limpando as prateleiras, tirando pó dos produtos, lavando frascos de produtos danificados e carregar caixas? “As empresas de colocação profissional precisam contratar com urgência para que seus clientes, no caso as empresas contratantes, não sofram com multas por não cumprirem a cota e, neste sentido, acabam não tendo critério na contratação”, conclui a professora Dolores Affonso.
Exemplos Na Colômbia, país com implementação de políticas públicas de inclusão de deficientes em grau bastante avançado, há uma lei sancionada e regulamentada (361/1997) que obriga o governo a conceder isenções de tributos nacionais e de taxas de importação a empresas
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que tenham, no mínimo, 10% do quadro composto por trabalhadores com deficiência. No Panamá, há um decreto do Executivo (88/1993) que prevê incentivos fiscais a empregadores que contratam as PCDs. No Brasil, por outro lado, não há qualquer incentivo às empresas que contratam pessoas com deficiência. O caráter unilateral da legislação vigente pode servir como fator desmotivador para a valorização do profissional PCD nas empresas? Daniela Milano, da Sorri, não acredita que essa seja a solução para todos os problemas. Para ela, enquanto não houver uma mudança significativa na cultura empresarial brasileira, pouco vai mudar quanto à desvalorização do profissional com deficiência dentro do local de trabalho. “É preciso investir na estruturação de um projeto ético, promovendo a diversidade dentro de uma cultura organizacional. As empresas que visam mais do que cumprir a cota têm tido melhores resultados.” Ela cita desde a necessidade de dotar estruturas prediais de rampas, elevadores, banheiros e espaços de salas até a mudança de comportamento dos gestores.
Inclusão Mas não há como descartar a importância dos projetos públicos, que começaram a ser pauta das administrações municipais. Em Campinas (SP), a prefeitura criou, em 2013, a Secretaria Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Mobilidade Reduzida, chefiada pela advogada e deficiente visual Emanuele Garrido Alkmin (na foto). “Existem ações
desenvolvidas para gerar um novo cenário no município, tendo assim, de fato, a quebra das barreiras atitudinais. Um exemplo é estabelecer e manter parceria com a iniciativa privada, visando à inclusão social da pessoa com deficiência e mobilidade reduzida, além de coordenar e opinar sobre planos e serviços públicos quanto à acessibilidade”, exemplifica a secretária. Outras cidades também têm desenvolvido políticas de inclusão profissional das PCDs; a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo de São Paulo criou o Programa Inclusão Eficiente para incluir o trabalhador no mercado formal por meio do atendimento, encaminhamento e subsídio de projetos e ações específicas de empregabilidade. Logo em seu primeiro ano, o programa recebeu 16 mil cadastros de interessados em se colocarem no mercado de trabalho. Mas apesar dos esforços demonstrados pelo poder público, mesmo que singelos, não há políticas para a valorização do trabalhador deficiente já inserido no mercado, o que se afigura como nova preocupação no horizonte. É possível que uma luz surja da consciência coletiva pela formação de uma nova cultura organizacional voltada à diversidade, de forma a estruturar as rotinas produtivas em igualdade de condições. Contudo, tirar o preconceito do porão e encerrar os mitos representa uma árdua tarefa, que ainda espera ser empreendida. X
* Estagiário de Jornalismo do MPT em Campinas.
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LIBERDADES INDIVIDUAIS
A crença é opcional. O respeito, obrigatório Acordo feito pelo MPT acaba com discriminação religiosa em escritório de advocacia no RS
Por Luis Nakajo
O escritório de um grupo de advocacia, assessoria e administração empresarial de Porto Alegre foi acionado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por discriminação
religiosa. A ação civil pública (ACP) se originou a partir de denúncias de empregados do Grupo Villela, que relatavam pressão psicológica em razão da opção religiosa. LABOR
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A conduta denunciada incluía a cobrança para frequentar cultos evangélicos semanais realizados na sede da empresa, no bairro Cristal, pressão para mudança de religião e tratamento discriminatório. Com a ação do MPT, o respeito à liberdade de crença dos trabalhadores foi assegurado, com acordo judicial homologado na 15ª Vara do Trabalho da capital, em setembro de 2014. A constante violação das garantias constitucionais relacionadas à liberdade religiosa causa danos à saúde mental e ao bem-estar dos empregados. “O acordo judicial foi a melhor solução para o caso, na medida em que as empresas do Grupo Villela demonstraram preocupação em resolver a situação, inclusive comprometendose a divulgar campanha na mídia contra a discriminação, incluindo a religiosa”, explica o procurador do Trabalho Philippe Gomes Jardim, autor da ação. A campanha, a ser veiculada em jornais, outdoors e busdoors, soma R$ 250 mil e será feita em substituição ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. A duração será de dois meses. Em respeito ao acordo, o grupo deu ampla divulgação interna sobre os compromissos assumidos. O grupo publicou nota em seu site na internet e afixou cartazes nos escritórios informando sobre o resultado do acordo.
Caso A situação já havia sido reconhecida em ações trabalhistas individuais em curso na Justiça do Trabalho, inclusive com decisões de segunda instância favoráveis aos reclamantes. Responderam à ACP as quatro empresas que constituem o Grupo Villela e também o diretorpresidente da empresa, Renan Lemos Villela. Ficou comprovado em inquérito civil do MPT que Lemos Villela realizava cultos na sede da empresa às terças-feiras, após o horário de trabalho, acompanhado de pastor evangélico. Nesses dias, de acordo com testemunhas, era enviado e-mail corporativo informando todos os funcionários sobre a realização do culto, às 18h. Em torno das 17h, o próprio Renan passava pelas salas para falar do culto aos empregados. Os trabalhadores ouvidos relataram o clima de pressão psicológica para participar do culto, mesmo contra a vontade. O grupo se recusou a firmar termo de ajuste de conduta (TAC) proposto pelo MPT, o que resultou no ajuizamento da ACP. A liminar foi concedida em seguida. Esta impunha ao grupo a obrigação de não praticar nenhuma das condutas denunciadas pelo MPT na ação: não adotar conduta ou critérios discriminatórios com relação aos empregados; evitar pressões para comparecimento a cultos religiosos; nem condutas vexatórias que os desrespeitassem,
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sob pena de multa de R$ 10 mil por infração, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Pressão psicológica A juíza do Trabalho Luísa Rumi Steinbruch considerou procedente o pedido de liminar, considerando presentes os dois requisitos do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor para a concessão da antecipação de tutela: a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final. O primeiro requisito foi preenchido pelos depoimentos dos trabalhadores e o segundo, porque a repetição das violações poderia causar danos à saúde mental dos empregados. Nos grupos de oração, havia pressão para que todos participassem e falassem. “No último culto a que fui, havia cerca de 15 pessoas, que ficavam em um círculo para que o senhor Renan pudesse ‘tirar o capeta’”, lembra Josi Mendonça de Lima, uma das testemunhas ouvidas pelo MPT no inquérito. Na última sessão a que compareceu, o diretor colocou a mão na cabeça de um colega que estava ao seu lado e passou a repetir palavras de ordem. “Fiquei com medo de ser a próxima.” Durante os seis meses de seu estágio no grupo, Lima compareceu a cerca de quatro cultos. “A ausência aos cultos era cobrada nas reuniões”, conta C.M.S.T., que também fez estágio em uma empresa do grupo. Em algumas ocasiões, quando disse que tinha aula à noite e não podia participar do culto, fui encorajada a faltar à aula, porque o grupo de oração era considerado mais importante. Renan insinuava que quem não acreditasse em Jesus Cristo estaria ‘endemoniado’. Isso era dito tanto nos cultos quanto em reuniões profissionais com o setor jurídico, durante o horário de expediente. Outra testemunha, C., era evangélica quando entrou no escritório e inicialmente não se importava em frequentar o grupo de oração. Mas, por conta do que via no escritório, deixou de sê-lo na época em que saiu do grupo Villela.
Denúncia Um mês e meio depois de descobrir que o pai de uma empregada era espírita, Renan a despediu. Outra ex-trabalhadora, de confissão judaica, se sentia “completamente perdida e incomodada”, visto que não entendia o culto. Participou de três deles, logo quando foi contratada. No dia a dia da empresa, ouvia chistes por sua religião. “Eu usava uma estrela de Davi em uma corrente e por isso ouvia piadinhas do tipo ‘vou ganhar uma cadeira no céu por converter
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uma judia.’” Advogada tributarista, ela se demitiu da empresa. As vítimas de discriminação devem reunir provas, explica o procurador Gomes Jardim. “Orientamos que os trabalhadores vítimas de discriminação procurem registrar os fatos, gravando conversas ou guardando provas. De posse desses documentos, esses trabalhadores devem denunciar o caso ao MPT, para os casos de repercussão coletiva, e ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), além de ajuizar ações individuais reparatórias. Obrigar ou induzir a presença dos trabalhadores em cultos religiosos, no próprio local de trabalho, não se trata de exercício do poder hierárquico
do empregador, uma vez que é absolutamente estranho ao objeto do contrato de emprego. Trata-se de uma postura discriminatória.”
Outro lado De acordo com Juliano Bacelos, diretor jurídico do Grupo Villela, a opção pelo acordo judicial levou em conta o prejuízo à imagem da instituição, exposta com o ajuizamento da ACP. “A opção por firmar o acordo e não enfrentar o que a empresa entendia ser injusto foi no sentido de minimizar este prejuízo e preservar os envolvidos, sejam os sócios do grupo, os
funcionários das empresas ou os familiares. Na prática, o acordo em nada afetou o nosso cotidiano ou a maneira como a empresa se relaciona com seus colaboradores, clientes, fornecedores.” Bacelos ressalta que a assinatura do acordo não implica reconhecimento das condutas indicadas na ACP. No entanto, os grupos de oração não ocorrem mais. “A média de participantes era de oito a dez pessoas, em um total superior a 120 colaboradores. Não era uma atividade habitual, como outras feitas, como futebol, almoços e aulas de inglês. A direção da empresa entendeu que não poderia expor seus sócios e colaboradores, que passaram a ser vítimas das publicidades vinculadas sobre o fato.” X
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SEGURANÇA PÚBLICA
Poder de polícia terceirizado em MG Prestação de serviços no presídio de Ribeirão das Neves é investigado pelo MPT
Por Cínthya Oliveira* e Lília Gomes
As consequências da terceirização indiscriminada têm sido enfrentadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) há mais de dez anos. Setores como telefonia, siderurgia e energia elétrica são campeões na matéria e figuram em diversos procedimentos e ações civis públicas. A precarização das
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condições de trabalho é a consequência mais nefasta e a bandeira maior em grande parte das investigações do MPT. Em Minas Gerais, foram instaurados, nos últimos cinco anos, 739 inquéritos sobre fraudes para descaracterizar a relação de emprego. Cento e quarenta e duas ações judiciais foram ajuizadas.
Cynthia Oliveira
A terceirização invade o setor de segurança pública no estado por duas vias. Uma delas é o uso de mão de obra contratada para atuar nos presídios públicos. Hoje, segundo dados do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Minas Gerais (Sindasp), são 9.910 contratados e 7.132 efetivados, ou seja, 58,15% não são servidores de carreira. A outra via, inaugurada em 2011, é a parceria público-privada (PPP) para a gestão do presídio de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte. Em síntese, o contrato de prestação de serviços firmado por Minas Gerais com o grupo Gestores
Prisionais Associados, que administra a PPP, prevê a terceirização de serviços como sistema de segurança e monitoramento interno, controle disciplinar e inspeção do estabelecimento penal, bem como assistência à saúde, jurídica, educacional, cultural, recreativa e social. “Entre os postos de trabalho terceirizados estão atividades relacionadas com custódia, guarda, assistência material, jurídica e à saúde, uma afronta à Lei 11.078/04, que classifica como indelegável o poder de polícia e também a outros dispositivos legais. Além de ser uma medida extremamente onerosa para os cofres públicos, poderá causar abusos sem
precedentes”, enfatiza o procurador do Trabalho que atuou no caso, Geraldo Emediato de Souza. O aporte financeiro para a parceria foi significativo. O contrato para o início da construção do complexo penitenciário do município de Ribeirão das Neves foi implantado por meio de parceria público-privada com o governo do estado em junho de 2010 como consórcio Gestores Prisionais Associados S/A. O documento formalizou a concessão administrativa para a construção e gestão por 27 anos do complexo penal. O valor estimado do contrato em 2008 era de R$ 2,1 bilhões. LABOR
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Lília Gomes
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Investigação A terceirização na segurança pública é alvo de investigações tanto no MPT como no Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Em ação ajuizada contra a PPP, em abril de 2011, Emediato defendeu que são indelegáveis as funções de regulação, jurisdição, exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado, de acordo com a Lei 11.079/84, que dispõe sobre licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Ou seja, é ilegal deixar seres humanos encurralados pelo Estado sob custódia de trabalhadores terceirizados. Na ação, o procurador ressalta as várias violações à legislação cometidas pelo Estado ao criar a PPP, entre elas a Constituição Federal e a súmula 331 do TST. Geraldo Emediato de Souza também colocou em evidência entendimentos de respeitados juristas e estudiosos do tema: “Acredito ser a privatização de prisões inaceitável do ponto de vista ético e moral. Numa sociedade democrática, a privação de liberdade é a maior demonstração de poder do Estado sobre seus cidadãos. Licitar prisões é o mesmo que oferecer o controle da vida de homens e mulheres para quem der o menor preço, como se o Estado tivesse o direito de dispor dessas vidas como bem lhe aprouvesse”, escreveu a socióloga Julita Kembruber. Para o magistrado Luis Fernando Vidal, “o preso deixa de ser sujeito em processo de ressocialização e tornase objeto da empresa, restando privado de qualquer dignidade. Já o presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Justiça, Direitos Humanos e Administração Penitenciária, Emanuel Messias Oliveira Cacho, foi enfático: “sou contra o modelo de terceirização do serviço prisional adotado e tolerado no Brasil. O Estado constrói unidades e as empresas ganham dinheiro nessas unidades, enquanto o Estado permanece administrando unidades velhas, ultrapassadas e caóticas, situação gerada por anos de descaso político.”
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Soberania A terceirização de atividades típicas de Estado, como é a segurança pública, em especial nos presídios, é perpassada por questões complexas que vão além da irregularidade objetiva de terceirizar atividade-fim. Geraldo Emediato propõe a ampliação da discussão sob outras três lentes, para além da ilegalidade da terceirização e da precarização das condições de trabalho distintas: a soberania do Estado, a missão de ressocialização e a segurança do status de servidor público. Emediato argumenta: “o poder de punir é faceta da soberania dada ao Estado, que pune para ressocializar – essa é pretensão estatal, conforme a Lei de Execução Penal, no seu artigo 10. Entregar essa tarefa a terceiros, que detêm o mesmo status jurídico dos detentos, sendo que estes apenas estão com a sua liberdade restringida, fere o direito de igualdade resguardado no artigo 5º da Carta Magna.” O presídio tem uma função social, defende o procurador. “No momento em que a sociedade reclama uma solução eficiente para a ressocialização dos presos, não pode o Estado ‘tirar o corpo fora’, alocando parte de sua soberania a terceiros estranhos à estrutura estatal, tudo em nome de uma economia de custos. Os lucros econômicos não justificam as perdas sociais.”
Brecha Cada servidor do presídio, em maior ou menor dimensão, carrega o dever de ser um agente de ressocialização do detento, missão maior do sistema prisional. Neste sentido, profissionais terceirizados que não são submetidos à capacitação adequada, submetidos a alta rotatividade no emprego e condições precárias de trabalho, enfrentam mais restrições e dificuldades para contribuir para este fim. Para o MPT, deixar que trabalhadores terceirizados cuidem das mais diversas atividades em uma prisão, que incluem práticas relacionadas com custódia, guarda, assistência material, jurídica e à saúde, pode configurar uma brecha para que haja exploração destes e violação da ordem jurídica. Em momentos de fuga e rebelião, exemplifica o procurador, “faz diferença o agente saber que poderá reagir corretamente e, depois, contará com a ajuda do Estado para ser, por exemplo, transferido para outra unidade ou entrar no serviço de proteção às testemunhas. Diferentemente, o empregado de empresa privada sabe muito bem que, se tentar impedir, colherá, depois, consequências desagradáveis”. Por outro lado, o servidor público é desestimulado a praticar crimes contra a administração da Justiça, já que, em regra, as penas aumentam um terço quando os réus são servidores públicos. Sendo assim, por meio de seus servidores, o Estado se faz sentir mais presente, tanto nas ações de ressocialização dos presos como nas de prevenção contra o crime.
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Fotos: Cynthia Oliveira
De frente para o risco Lília Gomes
Administrar com equilíbrio emoções como tensão, medo e ansiedade em escalas bem acima do normal é angustia diária de profissionais que trabalham diretamente com pessoas em processo de ressocialização. Quem visita um presídio experimenta a sensação contínua de insegurança e tensão. É com essa realidade que agentes penitenciários, psicólogos, assistentes sociais, professores, psiquiatras lidam todos os dias. O manuseio de armas, o contato direto com detentos e o exercício de atividades disciplinares colocam os agentes penitenciários ainda mais expostos e vulneráveis, exige sangue frio para lidar com o alto nível de tensão e, não raro, com ameaças. Além de ajudar a garantir a segurança do ambiente, onde tantas pessoas vivem e trabalham, o agente penitenciário tem ainda o importante papel de contribuir com a ressocialização do detento. A vulnerabilidade da terceirização compromete essa missão. É o que aponta um estudo lançado, no final de 2014, pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais. A pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão em Psicologia do Trabalho (LabTrab) da Universidade Federal de Minas Gerais, estudou as condições trabalho de detentos e de agentes penitenciários em alguns estabelecimentos carcerários da Região Metropolitana de Belo Horizonte e interior.
O estudo enfatiza a tensão e a degradação psíquica dos agentes, que são ameaçados o tempo todo. “Eles recebem ameaça verbal, escrita. Isso limita a vida social dos agentes. Dentre os diversos casos analisados da pesquisa, relata a coordenadora, Vanessa Barros, está o de uma agente, na cidade de Três Corações, que foi perseguida por uma ex-detenta, mas não conseguia provar que estava sendo seguida. “Somente depois de entrar em uma depressão profunda, ela conseguiu ser transferida.” Dentre as mais reiteradas reclamações dos agentes participantes da pesquisa, está a falta de treinamento com arma de fogo. O trabalhador contratado precisa pagar o curso do próprio bolso se quiser ter treinamento para o manuseio de armas. “O despreparo para agentes contratados é ainda maior”, afirma Vanessa Barros. No caso dos presídios públicos, outros problemas observados são a falta de infraestrutura e de equipamentos de proteção. As condições das instalações e mobiliário são precárias e insalubres, não somente para os presos, mas também para os trabalhadores (leia mais a respeito das condições dos trabalhadores em presídios públicos na edição 4 de Labor). X
* Estagiária de Jornalismo do MPT em Minas Gerais LABOR
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ENSAIO
Neva no Sert達o Por Mariana Banja
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Com 18% das reservas de gipsita do país, Pernambuco é responsável por 95% da produção nacional de gesso. A região do Araripe, no sertão do extremo oeste do Estado, é formada pelos municípios de Araripina, Bodocó, Cedro, Dormentes, Exu, Granito, Ipubi, Moreilândia, Ouricuri, Parnamirim, Santa Cruz, Santa Filomena, Serrita, Terra Nova e Trindade. Nessas 15 cidades, parte significativa da economia gira em torno da cadeia produtiva do gesso. Estimativas dão conta que as atividades
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ligadas ao setor geram 13,9 mil empregos diretos e 69 mil indiretos. Segundo o Sindicato das Indústrias do Gesso, são 42 minas de gipsita, 174 indústrias de calcinação e cerca de 750 indústrias de pré-moldados. Juntas, faturam, em média, R$ 1,4 bilhão por ano. É neste lugar árido, mas economicamente viável, que homens – e mulheres e crianças e bichos e árvores e coisas – tornam-se brancos. A cada sopro de vento, o pó de gesso toma conta de todo o canto. Antes disso, anteriormente a se tornar a maior marca dessa parte do mundo, há
que se dizer que ele – o pó – surge nas unidades fabris, onde o minério é processado, calcinado e transformado em gesso – e em poeira. É justamente sobre essa realidade que o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco tem voltado parte de seus esforços. As questões de meio ambiente laboral geram preocupação ao órgão, sobretudo pela ausência de medidas protetivas de caráter coletivo e individual. Por toda parte, salvo exceções, há risco de choque elétrico pela precariedade das instalações fabris; de lesões pelo
uso de máquinas inadequadas; de comprometimento do aparelho respiratório por conta da não contenção da poeira durante o processo de produção. O ensaio a seguir, feito em janeiro de 2015, durante visita ao polo, é apenas um extrato daquilo que se pode captar da grandiosidade da natureza, da dádiva que é o gesso para a localidade, da ganância e da ignorância presentes nas relações de trabalho e, enfim, do que ninguém poderia acreditar: há neve no Sertão.
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LABORTERAPIA
Ressocialização de presos No Rio Grande do Sul, projeto capacita apenados, que podem conquistar espaço no mercado de trabalho quando saírem da prisão
Por Luis Nakajo
“Preciso aprender a me comunicar mais com meus clientes.” O depoimento de J.N.F., 37 anos, foi dado durante um intervalo das aulas que frequenta no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), onde cumpre medida de segurança. Ele tem uma
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microempresa de carvão vegetal e de móveis e já trabalhou nos setores de serviços e comércio nas funções de embalador e vigia. J.N.F. está inscrito no curso de serviços de vendas. A certificação é do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
Fotos: Neiva Motta
O trabalho remunerado do preso é ainda pouco difundido no Brasil. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) estabelece que o trabalho do apenado não se submete às regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mesmo com os direitos concedidos pela Constituição de 1988, o trabalho formalizado dos presos é uma exceção no sistema. A laborterapia, que busca auxiliar a ressocialização do preso, é aproveitada no país, majoritariamente
pelo próprio sistema penitenciário, em serviços de manutenção predial, limpeza e cozinha, ou em projetos locais das administrações penitenciárias, principalmente, ligados ao artesanato. Raramente, há contrapartida remuneratória e previdenciária. No Rio Grande do Sul, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) desenvolve em Porto Alegre o Programa Jovem Aprendiz. Os cursos são oferecidos para apenados e pacientes cumpridores de medida de segurança.
Iniciado em junho de 2014 no Presídio Central e no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), o programa é feito em parceria com empresas, que formalmente contratam os internos como aprendizes, e com instituições de ensino, que respondem pela parte educativa do programa. Durante 13 meses, os participantes obtêm formação profissional, reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), e também a remuneração pelas horas trabalhadas, baseada no salário mínimo regional. LABOR
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Parceria As duas primeiras turmas do Presídio Central, com previsão de conclusão em julho de 2015, vão formar profissionais de serviços de vendas com certificação do Senac. A segunda turma montada no IPF formará apontadores de mão de obra para a indústria da construção civil, em parceria com a Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (Renapsi). J.N.F. está matriculado na primeira turma. O procurador do Trabalho Ruy Fernando Gomes Leme Cavalheiro visitou unidades prisionais no Maranhão, em Minas Gerais, em Santa Catarina e no Distrito Federal e conheceu a realidade do trabalho do preso no Brasil. Ele explica que a iniciativa amplia outras formas de laborterapia remunerada. A organização delas se dá geralmente por meio de oficinas montadas em parceria com empresas locais. “Em Joinville (SC), o presídio industrial tem 12 oficinas de pequenos reparos, pintura e ensacamento de peças. Em outras unidades, há ateliês de costura e o produto das vendas é revertido em benefício dos apenados.” A solução encontrada no Rio Grande do Sul, segundo o procurador do Trabalho Rômulo Barreto de Almeida, é pioneira. “A aprendizagem nas unidades de Porto Alegre segue a prescrição legal: mesmo presa, a pessoa tem a carteira de trabalho assinada e todos os encargos sociais são recolhidos.” Além dos direitos trabalhistas e da qualificação profissional, o participante ganha um dia de remissão da pena ou da medida de segurança a cada três dias, ou 12 horas, de atividades completadas.
Laborterapia Cada estado interpreta a Lei de Execução Penal de um modo e, se entende que o trabalho do preso é permitido, desenvolve projetos localmente. “Boa parte dos estados simplesmente não operacionaliza o trabalho do preso. Em outros, o trabalho é informal.
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A exceção fica por conta do trabalho formalizado”, diz Barreto de Almeida. O caso da Susepe-RS comprova que a formalização do vínculo e a observância da remuneração é possível e também apresenta um modelo replicável, organizado em torno da aprendizagem profissional, que combina a qualificação profissional à prestação do trabalho. Ao final do contrato especial de aprendizagem, o participante terá certificação e a anotação na carteira, títulos que serão reconhecidos posteriormente pela Previdência Social e pelo mercado de trabalho. Outro motivo para a regulamentação do trabalho do apenado, de acordo com Ruy Cavalheiro, é a proteção das economias locais. “É que pode haver um impacto negativo em uma cidade pequena, quando uma empresa adota o trabalho do preso e acaba se tornando mais lucrativa, afinal, ela não precisa manter Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e não há o pagamento de contribuições trabalhistas e previdenciárias.”
Aprendizado As turmas do Presídio Central e do IPF fazem a prática da aprendizagem em oficinas adaptadas dentro das próprias unidades, dado o regime fechado das penas e as medidas de segurança dos participantes. O projeto também pode receber participantes do regime aberto ou semiaberto. As primeiras turmas do Presídio Central começaram com 30 aprendizes e a turma do IPF, com 13. A carga horária, de 1.110 horas, prevê aulas de segunda a sexta-feira. A remuneração, proporcional às quatro horas de atividades diárias, é de meio piso salarial regional (R$ 503,44 em fevereiro de 2015). No IPF, os pacientes ganham roupas da empresa contratante e vão arrumados cumprir religiosamente as quatro horas diárias de trabalho. “É sempre bom se atualizar e aqui estamos agregando valor.” Além de participar do
programa de aprendizagem, J.N.F. contribui eventualmente com a manutenção predial do IPF. O pagamento é de R$ 50 por semana. O auxílio que recebe do programa de aprendizagem é depositado em conta pela empresa que os contrata. Por padrão, o valor seria apenas acessível após a conclusão do curso, mas o IPF liberou o cartão da conta para o controle de cônjuges dos internos. No caso de J., sua esposa e dois filhos usam o dinheiro para complementar a renda.
Ganho O procurador do Trabalho Philippe Gomes Jardim considera o projeto positivo. “O apenado é capacitado e, quando sair da prisão, terá um diferencial que lhe permitirá entrar no mercado de trabalho com a cabeça erguida. Pode ser a única resposta que tenha para não retornar à criminalidade”. Como as condições de trabalho nos presídios não são as ideais, isso se reflete no tratamento que o Estado fornece aos apenados: “Em geral, as cadeias públicas estão em condições deploráveis de infraestrutura e isto atinge tanto os apenados como os responsáveis pelo sistema de guarda e segurança”, sintetiza Gomes Jardim. Para boa parte dos presos, o trabalho com registro em carteira na prisão é a primeira anotação trabalhista da vida. Tanto que uma parcela muito pequena de seus dependentes recebe o auxílio-reclusão. De acordo com o Relatório Estatístico do Sistema Prisional, de dezembro de 2012, 28% dos 548 mil detentos brasileiros são jovens entre 18 e 24 anos, faixa etária abrangida pela aprendizagem profissional, que pode ser feita dos 14 aos 24. A maior parte (80%) deles não completou o ensino médio. Além disso, os sujeitos a medidas de segurança, portadores de deficiência mental e dispensados do limite etário de 24 anos equivalem a 8 mil indivíduos, o que corresponde a mais 1,6% da população total de internos.
Jeniffer de Oliveira
Experiência
Processo
No Rio Grande do Sul, o percentual de apenados na faixa de abrangência da aprendizagem é ainda maior. “O projeto foi pensado a partir de visita do Conselho Penitenciário do Estado, que buscava formas de reencaminhar os presos ao mundo social e do trabalho”, explica a auditora fiscal do Trabalho Denise Brambilla González, idealizadora do projeto. “Propusemos a aprendizagem baseados na experiência positiva da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), com menores de 18 e maiores de 14 anos. São cerca de 500 crianças contratadas no interior e na capital.” A Fase construiu salas de aula e oficinas com recursos externos, inclusive os repassados como indenizações de termos de ajuste de conduta (TACs).
No desenho do projeto de capacitação, foi considerada a carga horária reduzida, de forma a permitir a frequência dos apenados e pacientes às aulas do ensino supletivo regular. O projeto também flexibilizou os requisitos de formação escolar. Podem participar aqueles com capacidade de leitura e interpretação textual. De acordo com a assistente social Rosane Lazzarotto Garcez, uma das coordenadoras do projeto Jovem Aprendiz na Susepe-RS, a seleção dos participantes é feita com base em levantamentos demográficos para encontrar aqueles com o perfil do programa.
“As destinações ajudam a promover a emancipação de pessoas em situação de vulnerabilidade social”, explica o procuradorchefe do MPT-RS, Fabiano Holz Beserra. “Nossa experiência diz que o adolescente que passou pela aprendizagem não se submeterá, na vida adulta, a formas degradantes de trabalho e, em especial, ao trabalho escravo contemporâneo.” Em 2015, novas turmas poderão ser abertas, como as de auxiliar de cozinha no presídio central, após a reforma da cozinha industrial do complexo, em decorrência de acordo judicial celebrado em ação civil pública (ACP) pelo procurador do Trabalho Paulo Joarês Vieira. As obras devem ser concluídas ainda no primeiro semestre.
“A seleção dos aprendizes inclui entrevistas com os apenados, sensibilizações e regularização de documentos para verificar o interesse de cada um em participar”, conta Rosane Garcez. Parceria com a Receita Federal e outros órgãos estatais permitiu a emissão de segunda via de certidões de nascimento, do número de inscrição no cadastro de pessoa física (CPF), de carteiras de identidade e de trabalho para registro profissional dos aprendizes. A maior parte dos participantes do Presídio Central completou o ensino fundamental ou tem o ensino médio incompleto. As instituições escolares decidiram aceitar candidatos, caso houvesse capacidade intelectual, mesmo sem a escolaridade correspondente. Isto foi observado, em especial, com os participantes mais idosos do IPF. A participação no programa não impede que o aprendiz continue a estudar,
em período alternado à capacitação, e obtenha também a certificação escolar formal em um dos 15 núcleos escolares no estado. É possível, dependendo de decisão judicial, que sejam remidos ambos os períodos, o de aprendizagem e o de supletivo, cumulativamente.
Responsabilidade e ética O contrato de aprendizagem é um contrato especial, previsto na CLT, que abrange tempo determinado de no máximo dois anos e prevê remuneração, inclusive de 13º salário. Os beneficiários são contratados como aprendizes de algum ofício previsto na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A carga horária estabelecida no contrato soma o tempo necessário à vivência das práticas do trabalho, além de atividades que estimulem o aprendiz a desenvolver a autoestima, a criatividade, a cidadania, a responsabilidade e a ética. Todas as empresas de médio e grande porte no país devem contratar aprendizes, pois a cota fixada por lei fica entre 5% e 15% do total de empregados cujas funções demandem formação profissional. O projeto poderá ser estendido, nos próximos anos, para unidades nos municípios de Osório, Santa Maria, Ijuí, Jacuí e Rio Grande. X
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SALÃO DE BELEZA
Sob a ameaça do belo Ergonomia ruim e exposição a químicos comprometem saúde de trabalhadores
Por Fabíula Sousa
O desafio de cabeleireiros e manicures está muito além da promoção da beleza. Eles precisam driblar os riscos inerentes ao trabalho. Hélio Nakanishi, Nelson Cunha, Clarice Santiago, Sarah Resende e Adriana da Conceição conhecem de perto os transtornos que as atividades repetitivas, a falta de ergonomia dos salões e a exposição intensa a produtos químicos causam à saúde. Adriana, manicure, 44
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anos, foi diagnosticada como portadora de pigmentos de esmalte no organismo. “Eu não posso limpar o palito de unha no pulso e nem pintar as mãos, como fazem as minhas colegas de profissão. O produto me causa inchaço, coceira e a sensação de que a garganta vai fechar.” Há mais de cinco anos, ela usa toalhas descartáveis ou de pano para prevenir as reações. Quando tem crises, recorre a antialérgicos.
Fotos: Fabíula Sousa
Pesquisa da Universidade de Massachusetts (UMass), divulgada no Brasil em 2011, revela que os profissionais têm mais problemas respiratórios e de pele que o restante da população por trabalhar em ambientes onde há grande quantidade de compostos, às vezes tóxicos, que se espalham no ar.
próprio, teve irritações na pele. “Com o tempo, o corpo começou a reclamar. Agora, só o odor do descolorante já me incomoda. Mesmo utilizando luvas, sinto a orelha e os braços coçarem. Segundo meu médico, foi a exposição contínua a esse tipo de química que gerou a minha intolerância.”
As manicures estão sujeitas ainda a outro risco: estão mais propensas a contrair hepatite B por trabalharem com instrumentos cortantes e perfurantes, em que há o risco de contaminação pelo contato com o sangue de clientes.
Para se cuidar, ela usa pomadas e medicamentos. Hoje, dona de um salão em Brasília, a cabeleireira chefia uma equipe de profissionais e evita ao máximo ter contato com a substância. “Tudo que eu consigo delegar, eu delego.”
Intolerância Cabeleireira há 24 anos, Clarice Santiago, 40 anos, também desenvolveu alergia no trabalho. Por usar cosméticos com amônia para tingir os cabelos das clientes, e o seu
A pesquisadora Gilka Gattás, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), faz outro alerta: os trabalhadores do setor são duas vezes mais suscetíveis a danos em seu material genético que a população em geral. Além das alergias, o manuseio habitual de tinturas e outros cosméticos também
aumentam as chances de desenvolvimento de câncer. A afirmação é resultado de um estudo feito por ela e a bióloga Maira Galiotte, em 2008, antes do boom do formol tomar conta da cabeça das brasileiras. A pesquisa avaliou amostras de sangue de 124 mulheres paulistas, sendo que 69 delas trabalhavam em salões. As 55 restantes eram de outras áreas não correlatas. Ao todo, 18 manicures, 45 cabeleireiras e seis tinturistas foram submetidas a testes. “Procuramos investigar modificações no DNA por meio de testes citogenéticos, em especial o teste do Cometa. Ele é um dos procedimentos utilizados para avaliação precoce do risco de câncer decorrente da exposição ocupacional. A doença pode se manifestar em decorrência de mutações que ocorrem precocemente e que levaram muitos anos para se estabelecer”, explica Gilka Gattás.
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Formol mata A venda do formol puro e o seu uso para alisamentos de cabelos são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009. No Brasil, a substância só pode ser manipulada por indústrias e serve apenas como conservante, na concentração 0,2%, e como endurecedor de unhas (5%). O produto é taxado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como nocivo à saúde e está relacionado ao surgimento de tumores no nariz, na boca, na faringe, na laringe e na traqueia. O cabeleireiro Nelson Cunha (foto abaixo), 46 anos, teve rinite e sinusite provocadas pelo contato com o formol. “Fazíamos uma média de 30 progressivas por mês. Usávamos máscaras e luvas e trabalhávamos com o ventilador e o exaustor da sala ligados, mas nada disso impedia que inalássemos o vapor da química.” Depois de se sentir mal com a fumaça que saía das escovas progressivas, Cunha passou por um tratamento médico e decidiu parar de fazer os alisamentos. “O cheiro forte me causava malestar e a minha pele ardia, como se queimasse.” Os efeitos agudos dessa exposição, como dores de cabeça, vertigem, falta de ar, irritação nos olhos, nas mucosas e no trato respiratório, sem falar em edema pulmonar, dependem da concentração da substância
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e da sensibilidade individual, mas são praticamente imediatos. Já os crônicos, caso do câncer, demoram a aparecer.
Alisante O epidemiologista do Instituto Nacional do Câncer (Inca) Ubirani Otero, que atua na área de vigilância do câncer ocupacional e ambiental, destaca o uso de outros produtos químicos maléficos à saúde em procedimentos estéticos. “Ultimamente, o ácido glioxílico tem sido utilizado por cabeleireiros como alisante, uma vez que, aquecido, também libera formol. É uma tentativa de mascarar a utilização do formol. Oferece o mesmo grau de risco à saúde.” Segundo a Anvisa, essas situações são previstas na legislação de cosméticos, que estabelece limites e restrições para qualquer substância utilizada na fabricação de cosméticos. O uso indiscriminado do formol em salões é fiscalizado pelos agentes locais de vigilância sanitária. As punições variam entre multa, apreensão dos produtos, interdição e fechamento do estabelecimento. Já a adulteração de cosméticos, com a adição
da substância, é crime hediondo previsto na legislação penal brasileira.
Saúde A Vigilância Sanitária conta com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo na elaboração de uma pesquisa para criar uma norma para mudar a forma de funcionamento dos salões e da indústria. A norma exigirá salas especiais para aplicação de química e é importante para regularizar o meio ambiente de trabalho no setor, principalmente considerando a gravidade do uso de formol. “O objetivo é implementar medidas de segurança para atenuar os riscos”, explica o procurador do Trabalho Marcelo Freire Sampaio Costa. A medida também obrigará as empresas a especificar com clareza, nos rótulos dos produtos, não só quais substâncias estão presentes, mas o que o profissional deve usar para se proteger, e também os clientes, durante a aplicação dos produtos. Para o MPT, os donos dos estabelecimentos são responsáveis por providenciar equipamentos de segurança coletiva, como exaustores, e individual, como luvas e máscaras, mesmo que os cabeleireiros sejam autônomos ou terceirizados.
Doenças osteomusculares Quem trabalha em salão de beleza também costuma sofrer de doenças osteomusculares – que afetam os ossos e os músculos. O cabeleireiro Hélio Nakanishi (foto abaixo), 57 anos, teve que passar pelo Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, para tratar um rompimento do manguito rotator do ombro. O manguito é um grupo de músculos que cobrem a parte anterior, a superior e a parte posterior da cabeça do osso do braço, o úmero. “Durante mais de 37 anos trabalhando em ritmo acelerado, além do esforço repetitivo, comecei a ter dores insuportáveis. Exames que fazia periodicamente apontaram o problema, confirmado após uma ressonância.” Devido à lesão, Nakanishi ficou com alguns movimentos limitados. “Até hoje faço fisioterapia, o que evitou cirurgias sem certeza de sucesso. Nos últimos cinco anos, diminuí o ritmo de trabalho em cerca de 70%. Tive que criar novas maneiras de cortar, escovar e fazer penteados.” Agora, ele pratica atividades contínuas de acupuntura, alongamento e musculação. Clarice Santiago chegou a ficar 15 dias sem trabalhar por causa de um problema na coluna. Há 16 anos, a cabeleireira também procurou o médico
após uma crise de bursite e uma de tendinite, ambas doenças adquiridas pela profissão.
RPG “Eu tive inflamações na lombar e cervical por trabalhar com uma postura errada. Ficava curvada por muito tempo quando ia maquiar as clientes e não tinha informação sobre a altura ideal da cadeira. Também tinha dificuldade na hora de escovar os cabelos, desconhecia a posição certa de segurar o secador e o jeito mais adequado de realizar os movimentos com a escova.” Atualmente, ela faz reeducação postural global (RPG) e acompanhamento regular com uma fisioterapeuta, além de praticar pilates para fortalecer a musculatura. Sarah Resende, 31 anos, também tem problemas de saúde em razão do trabalho como cabeleireira. Ela tem varizes pela necessidade de ficar em pé por longos períodos. “Depois de um dia intenso de trabalho, sinto cansaço nas pernas e dores nas articulações. A minha coluna também reclama.” Arquivo pessoal LABOR
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Informalidade à vista Fabíula Souza
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5230/13, que estabelece a inexistência de vínculo empregatício ou de sociedade entre o dono do salão e o profissional prestador de serviço. O PL aguarda parecer da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Para o procurador do Trabalho Marcelo Freire Sampaio Costa, se aprovado, o projeto pode precarizar as relações de trabalho e aumentar a informalidade no setor. “Não é legítimo o enfraquecimento do vínculo que deve haver entre o profissional e o dono da atividade econômica. Isso seria uma delegação da atividade-fim a um terceiro, o que é ilegal, além
de ferir direitos garantidos na Consolidação das Leis do Trabalho.” A proposta cria as figuras do “salão-parceiro” e “profissional-parceiro”. O texto centraliza os pagamentos e recebimentos decorrentes dos serviços no proprietário do estabelecimento, que deverá repassar ao trabalhador os valores devidos, conforme percentual acertado previamente. Os tributos serão recolhidos separadamente pelas partes, exclusivamente sobre a parcela que couber a cada um. Pela proposta, o acordo poderá ser desfeito a qualquer momento, desde que solicitado com aviso prévio de 30 dias. X
Profissão regulamentada As profissões de cabeleireiro, manicure, pedicure, depilador e maquiador foram regulamentadas há três anos. A Lei 12.592/12 obriga os trabalhadores a obedecer às normas sanitárias, efetuando a esterilização de materiais e utensílios utilizados no atendimento a clientes. O texto também define 19 de janeiro como o Dia Nacional do Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador.
Contenção de riscos Os salões de beleza do Distrito Federal deverão ter, a partir de julho de 2015, um profissional com conhecimento em microbiologia responsável pelas questões sanitárias dos estabelecimentos. Ele deve possuir conhecimentos básicos de limpeza, desinfecção e esterilização de equipamentos, higienização de superfícies e biossegurança e gerenciamento de resíduos. A medida atende a resolução normativa da Vigilância Sanitária e pretende diminuir os riscos de transmissão de doenças nos locais. “A gente não quer tornar a atividade inviável, apenas minimizar riscos sanitários através dessa medida”, explica Kleyca Martins, do Núcleo de Inspeção Fiscal em Serviços de Interesse à Saúde da Vigilância Sanitária. A resolução vale para todos os estabelecimentos da região que realizem atividades de cabeleireiro, barbearia, depilação (sem o uso de eletrólise, luz pulsada, laser e similares), manicure e pedicure, estética facial e corporal, banho de ofurô e massagem. Em caso de infração à norma, as punições variam entre advertência, multa, cassação da licença sanitária, apreensão de produtos e interdição do salão ou clínica.
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ARTIGO
Incoerências do modelo sindical brasileiro Francisco Gérson Marques de Lima*
Qual o modelo sindical brasileiro? Temos algum modelo? Pode-se falar em sistema sindical no Brasil? Existem vários [supostos] “modelos” entrelaçados, decorrentes da Constituição, da práxis das entidades e do entendimento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O erro inicial firmou-se na Constituição Federal de 1988, ao acolher alguns primados de liberdade sindical, expressos na Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas, ao mesmo tempo, optou pela unicidade sindical e pela contribuição compulsória, o velho imposto sindical. Vejamos estes supostos modelos sindicais:
OIT O modelo é o da liberdade sindical. Sendo ampla, a liberdade sindical significa independência das entidades frente ao Estado, podendo se constituírem e se organizarem livremente, regulando-se por seus estatutos. Os trabalhadores e empregadores podem dispor de mais de uma entidade e, portanto, podem escolher aquela que mais lhe convier (pluralismo), conquanto a OIT estimule a organização pelas entidades representativas e acate a unidade, como opção manifestada pelo próprio sindicalismo, e não por imposição do Estado. As fontes de custeio provêm da própria categoria, voluntariamente, ficando asseguradas a filiação e a desfiliação. As diretorias são eleitas pelos filiados, observandose a democracia. São proibidas as ingerências patronais nas entidades profissionais e vice-versa, preservando-se as garantias dos dirigentes sindicais. A greve constitui direito fundamental dos trabalhadores, e as negociações coletivas são essenciais na relação entre o trabalho e o capital, como instrumentos de diálogo e de conquistas sociais.
CF/88, de liberdade parcial A CF/88 se inspirou no modelo da OIT, inserindo os princípios de liberdade sindical. Todavia, manteve a contribuição sindical compulsória e a organização em sindicato único (unicidade sindical). A própria estruturação das entidades, o chamado sistema confederativo (sindicatos, federações e confederações), com as centrais
mal situadas no organograma, já é sintoma de que o modelo não é puro. O tipo de organização foi por categoria, ficando vedados os sindicatos por empresas, por setores, por profissão ou outra forma. Por fim, o Brasil resiste em ratificar a Convenção 87-OIT, a principal sobre matéria sindical. A opção do constituinte foi de uma liberdade contida, meio-termo entre a consagrada na Convenção 87-OIT e as limitações existentes no Brasil de antes de 1988.
Práxis sindical Com a abertura política, as entidades sindicais do final dos anos 1980 e início da nova ordem constitucional apregoaram o primado da liberdade ao extremo. Os estatutos sindicais passaram a tratar de tudo, não raramente perdendo o senso do razoável, estabelecendo diretorias imensas, com mandatos fora do aceitável; construindo processos eleitorais convenientes à perpetuação de diretores; normalizando muitos vícios; e criando fontes anômalas de custeio, apesar do comodismo provocado pela contribuição obrigatória. Muitas entidades nasceram, outras se dividiram. A unicidade foi rapidamente contornada pela pulverização sindical, uma maneira de implantar uma pluralidade distorcida a partir da organização setorial, profissional e por carreira, desconsiderando o modelo por categoria; e a liberdade virou sinônimo de soberania, ao pretender espancar qualquer fiscalização pelo Estado, inclusive Ministério Público e Judiciário.
A contribuição do MTE Entrando em vigor a CF/88, o MTE claudicava no seu papel na nova ordem constitucional e a questão do registro sindical parecia não estar muito clara. Esta atribuição foi submetida ao Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou pacificando da seguinte maneira: “Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade.” Encarregado que ficou de, apenas, averiguar o atendimento de condições formais para a concessão do registro sindical, o MTE acabou deixando de acompanhar a organização sindical,
retirando-se do cenário, onde antes funcionava como importante interlocutor. Confundiu proibição de interferência e de intervenção com o afastamento da interlocução. Com a liberalidade do MTE, prevaleceu a práxis sindical, não sendo fiscalizado, no âmbito administrativo, o cumprimento da Constituição nem os princípios da OIT.
Judiciário e Ministério Público Procurando não intervir nem interferir na organização sindical, o MPT evitou agir de ofício nas questões sindicais. Mas, uma vez provocado, não podia (nem pode) deixar de cumprir o dever constitucional de verificar o cumprimento da CF/88. As provocações ao MPT provieram dos próprios trabalhadores, sindicalizados ou não, solicitando providências contra as más diretorias e para espancar as práticas ilegais. A cada investida do MPT, muito dessas denúncias se confirmavam, o que resultava em termo de ajustamento de conduta (TAC) ou ajuizamento de ações judiciais.
Conclusão O modelo sindical no Brasil não é puro, não há sistema. Cabe, portanto, reorganizar o sindicalismo, para que se tenha um modelo real, e não fictício. A balbúrdia existente causa fragilidade sindical e facilita o ingresso de aproveitadores nas diretorias sindicais. O ideal é que o próprio sindicalismo promova a regularização e a coerência, o que proporcionará melhores condições de defesa da categoria. É preciso esta consciência: o sindicalismo precisa promover a limpeza da casa e fechar as portas para os invasores viciados. Espera-se que o movimento sindical e as instituições públicas brasileiras possam chegar em consenso sobre o modelo de sindicalismo e, juntos, defendam os princípios reais e verdadeiros do sindicalismo brasileiro, com liberdade, independência, democracia, transparência e representatividade. X
*Doutor em Direito, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Procurador regional do Trabalho no Ceará LABOR
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