Trabalho em Foco

Page 1

SEM DIGNIDADE

ESPECIAL Engenho e pedreira são flagrados com trabalhadores em 6e7 situação degradante e de servidão por dívida


Trabalho em Foco - março/abril 2012

Dos problemas às soluções: o retrato da saúde de motoristas e cobradores

Expediente Trabalho em Foco | Ano 1 Nº 6 MPT em Pernambuco

Fábio Farias

Procurador-chefe

No dia 3 de abril de 2012 realizou-se a audiência pública capitaneada pelo Governo do Estado de Pernambuco para a apresentação do modelo do Sistema de Transporte Público de Passageiros (STTP) a ser adotado na Região Metropolitana do Recife (RMR). É um projeto orçado em 15 bilhões de reais, que pretende regular este mercado pelos próximos 15 anos, além de objetivar superar um vazio de mais de 20 anos de ausência de contratação pública. O sistema de transporte público de passageiros é, atualmente, operado por 18 empresas, que realizam 25 mil viagens por dia, atendendo cerca de dois milhões de usuários em 14 municípios da RMR.

que duram até 2,5 horas; não há áreas de alimentação específicas para esses trabalhadores e os poucos banheiros existentes nos terminais são divididos com a população usuária e precariamente mantidos; dentro dos ônibus são sentidas temperaturas que vão além dos limites legais permitidos; e são praticadas jornadas de até 14 horas consecutivas, tendo sido essas identificadas pela análise do sistema de bilhetagem eletrônico existente no STTP.

Por que este certame público merece a atenção do MPT? Pelo simples fato de que, até o pronunciamento desta instituição, pouco ou nada se falava sobre a situação dos cerca de oito mil trabahadores, que desempenham as funções de fiscais, cobradores e motoristas, possibilitando a movimentação dos 2.728 ônibus em 356 linhas pelas ruas da RMR. É espantoso que o sistema de transporte de passageiros tenha sido pensado para atender a grande massa de trabalhadores que o utilizam sem levar em consideração esses milhares de empregados que fazem o “sistema rodar”. Apenas para que fiquemos em alguns exemplos, os 14 inquéritos que tramitam no Ministério Público do Trabalho em Pernambuco e investigam casos no setor identificaram que não existe um meio eficaz para fornecer água aos motoristas e cobradores quando estão operando os ônibus em viagens

Diante de tal realidade, o grupo de Procuradores do Trabalho, composto pelos Colegas Adriana Gondim, José Laízio Pinto Júnior, Leonardo Osório Mendonça e Vanessa Patriota, entregaram na audiência pública Notificação Recomendatória, que foi lida por mim, para que fossem incorporados diversos itens da legislação de proteção à saúde dos trabalhadores no edital de licitação. O raciocínio adotado pelo MPT pode parecer simples, mas tem sido pouco utilizado nos processos de licitação. É o seguinte: se o poder público vai remunerar a iniciativa privada para a prestação de um serviço público, deve fazê-lo sob o primado da lei. O MPT também firmou com o Laboratório de Saúde e Higiene do Trabalho da Universidade de Pernambuco convênio em que serão realizados estudos sobre os impactos das condições de trabalho sobre a saúde destes trabalhadores. Esse convênio é, em parte, custeado por recursos captados pelo MPT e durará os próximos 2 anos. Esperamos que com essa iniciativa possamos contribuir com a melhora das condições de saúde dos trabalhadores.

AGENDE-SE

Gestão

A partir de 24 de maio, Pernambuco recebe a Caranava Nordeste contra o Trabalho Infantil. Na programação, estão previstos audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco (24) e Seminários Regionais nos Municípios de Salgueiro (28), Garanhuns (29) e Goiana (30). Neles, representantes dos governos Municipais, da Sociedade Civil e operadores de direitos da criança e do adolescente de todo o estado tratam do tema. O fechamento será dado em reunião com o governador do Estado, Eduardo Campos, no dia 31, no Palácio do Campo das Princesas. 2

A Comissão de Gestão Estratégica do MPT em Pernambuco promoveu encontro entre a servidora Adriana Rodrigues, assessora do Núcleo de Gestão do Planejamento Estratégico Nacional do MPT, e membros e servidores da regional. O objetivo foi trazer o assunto “gestão”, apresentando o que vem sendo feito nacional e regionalmente. Conceitos sobre o assunto, projetos em andamento na área fim e meio foram tratados nas palestras. Essa foi a primeira vez que a PGT foi convidada por uma regional para participar de evento do tipo.

Procurador-chefe Fábio André de Farias Procuradora-chefe substituta Maria Angela Lobo Gomes Procuradores Regionais do Trabalho Aluísio Aldo da Silva Júnior Elizabeth Veiga Chaves José Janguiê Bezerra Diniz Manoel Orlando de Melo Goulart Morse Sarmento Pereira de Lyra Neto Waldir de Andrade Bitu Filho Procuradores do Trabalho Adriana Freitas Evangelista Gondim Carolina de Almeida Mesquita Chafic Krauss Daher Débora Tito Farias Jailda Eulidia da Silva Pinto Janine Rego de Miranda Jorge Renato Montandon Saraiva José Laízio Pinto Júnior Leonardo Osório Mendonça Lívia Viana de Arruda Marcelo Crisanto Souto Maior Melícia Alves de Carvalho Mesel Ulisses Dias de Carvalho Vanessa Patriota da Fonseca (lot. provisória) Diretor Regional Ronaldo Gorri Velloso La Côrte Chefe de Gabinete Walquíria Mendes de Andrade Santos Chefe da Assessoria Jurídica Dayse Tavares Cavalcanti de Moraes Chefe da Assessoria de Comunicação Mariana Banja Redação e edição Mariana Banja – jornalista (DRT/PE - 4345) Thargo Lima – estagiário de jornalismo Projeto gráfico e diagramação Leopoldina Mariz Lócio Fotografia - Arquivo MPT Impressão - MXM Gráfica Endereços e contatos Recife Rua Quarenta e Oito, 600 Espinheiro | 81 2101 3200 Caruaru Rua Rádio Clube de Pernambuco, 47 Maurício de Nassau | 81 3721 4336 Petrolina Avenida 31 de março, s/n, 2º andar Centro | 87 3861 6864 www.prt6.mpt.gov.br www.twitter.com/mpt_pernambuco Errata - Na página 6, na nota “TAM Linhas Aéreas”, da seção “Rápidas”, onde há “(...) que os funcionários o façam quando o tenha de volta (...)”, leia-se “(...) que os funcionários o façam quando o tenham de volta (...)”.


MPT em Pernambuco: Direito, informação e cidadania

Projeto mapeará realidade laboral do transporte urbano do Grande Recife Ideia surgiu a partir de inquéritos do MPT. Laboratório da UPE abraçou a causa Catorze inquéritos, duas questões e uma ideia. Como aferir os danos à saúde de motoristas, cobradores e fiscais do sistema de transporte público de passageiros da Região Metropolitana do Recife, submetidos, em sua maioria, a jornadas excessivas de 15 a 16 horas diárias? Medindo, como efetivamente resolver o problema da saúde laboral de um setor com mais de oito mil funcionários? A solução para a problemática equação teve como resultado uma parceria. É que diante das limitações de pessoal

e técnica, o MPT resolveu buscar apoio na academia, mais precisamente com o Laboratório de Segurança e Higiene do Trabalho da Universidade de Pernambuco. A iniciativa é inédita e vai permitir que sejam identificados e medidos com exatidão os riscos à saúde desses trabalhadores de ônibus urbanos. As medições nos ambientes de trabalho começam em maio. “Ainda em junho pretendemos realizar audiência pública e propor um termo de ajustamento de conduta”, explica a procuradora do Trabalho Vanessa Pa-

triota da Fonseca, uma das envolvidas no projeto. “O trabalho não será só repressivo, mas também educativo e preventivo. A proposta é indicar mudanças e capacitar empresas para a adequação do ambiente de trabalho dos rodoviários”, complementa. A ideia de medir os riscos surgiu diante das frequentes queixas que o MPT recebe. Nos 14 procedimentos em andamento, a maioria iniciados a partir da denúncia de jornada excessiva, sete a oito horas em média, além das oito regulamentadas. “Considerando apenas a jornada excessiva, já temos um alto comprometimento da saúde desse trabalhador. Se ainda considerarmos os fatores externos presentes neste ambiente de trabalho, temos um cenário realmente terrível”, disse. Os fatores externos aos quais se refere são os ruídos intensos, em razão do trânsito e do barulho do motor, que muitas vezes fica na parte da frente do veículo. Os assentos não são ergonômicos, há calor e os engarrafamentos deixam os trabalhadores sentados numa mesma posição por diversas horas.

Pela 1ª vez, haverá licitação do serviço de tranporte no estado

MPT entrega notificação recomendatória ao Grande Recife Em abril, o MPT em Pernambuco participou da primeira audiência pública que apresentou à sociedade as diretrizes que serão adotadas no edital de licitação para contratação das operadoras de ônibus que circulam na Região Metropolitana do Recife. Na ocasião, o órgão notificou Grande Recife Consórcio de Transporte, operador público responsável pelo processo. A recomendação tem por objetivo garantir melhores condições de trabalho aos funcionários do setor. Mais especificamente, fala sobre a necessidade de cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária, bem como da exigência para habilitação, classificação e contratação das operadoras, comprovada elaboração e implementação de Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e Controle Médico de Saúde Ocupacional. “Com a licitação se poderá solucionar e amenizar o descumprimento das normas de segurança e saúde laboral pelas empresas que atualmente prestam o serviço na Região Metropolitana do Recife. O MPT tem recebido elevado número de denúncias que relatam os problemas no setor”, compartilham os procuradores envolvidos na ação, Adriana Gondim, José Laízio Pinto Júnior, Leonardo Osório Mendonça e Vanessa Patriota. 3


RÁPIDAS

Trabalho em Foco - março/abril 2012

4

Agrotóxicos

Cautelar

Em plenária realizada em março, o Fórum Pernambucano de Combate aos Agrotóxicos, que tem como um dos membros o Ministério Público do Trabalho, deu início ao Planejamento Estratégico da entidade, decidindo já na ocasião, como forma de otimizar as ações das 26 instituições participantes, criar quatro tipos de comissão: Educação, Pesquisa e Eventos, Legislação e Ações Integradas. Ainda para melhorar a organização, foi eleita vicecoordenadora pelos membros do fórum, Andréa Lagreca, representante da Secretaria Estadual de Saúde e gerente Estadual de Atenção a Saúde do Trabalhador.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco conseguiu na justiça decisão favorável ao pedido de bloqueio de créditos do Hospital Memorial Casa Forte (Centro de Terapia e Cuidados Intensivos LTDA.) e seus sócios. O pedido foi acatado em março após o ingresso de Ação Cautelar. O pleito do MPT considera a existência de atraso salarial de seis meses, além de não pagamento da gratificação natalina e recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Foi concedida liminar para os bloqueios bancário no valor de R$ 205.463,59 nas contas de todos os requeridos e de valores até o limite do mesmo valor junto aos planos de saúde.

Panificação

Usina

Para tratar do uso de máquinas no setor de panificação, entidades públicas e privadas se reuniram em 27 de março, no auditório da Fundacentro. O objetivo foi esclarecer aos fabricantes e empresários do ramo quanto à proibição de equipamentos que não atendam a qualquer disposto na norma regulamentadora nº 12 do Ministério do Trabalho e Emprego e na legislação vigente. “O uso correto de máquinas pelas panificadoras é preocupação das entidades envolvidas, tanto do ponto de vista da segurança do trabalhador quanto do ponto de vista concorrencial. Embora não se tenha registro de acidente por conta de máquina irregular, a informação que se tem é que Pernambuco e demais estados do Nordeste têm se tornado destino final de equipamentos fora da lei, advindos do mercado do eixo Sul/Sudeste, que já se adequou às exigências da norma regulamentadora”, disse o procurador do Trabalho Leonardo Osório Mendonça.

A Usina Cruangi, com estabelecimento no Engenho Genipapo, em Timbaúba, firmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco em 13 de abril, como forma de reparar o acidente laboral que culminou na morte de um trabalhador, em 2009, e regularizar o excesso de jornada de trabalho entre os empregados. O documento foi proposto pela procuradora do Trabalho Adriana Freitas Evangelista Gondim. O pagamento dos R$ 100 mil pelos danos morais coletivos estabelecidos no TAC deverá ser efetuado em dez parcelas de R$ 10 mil, a partir de maio, mediante Arrecadação de Receitas Federais. O valor total será revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A multa pelo não cumprimento do acordado no TAC varia entre R$ 1 mil, R$ 10 mil e R$ 50 mil. Os valores devem ser destinados ao FAT ou a alguma instituição que atue na melhoria da condição social de trabalhadores.

Ouricuri

Acordo

Os 33 trabalhadores que exercem a atividade de Agente de Combate a Endemias em Ouricuri passarão a ser registrados conforme determina a Consolidação das Leis do Trabalho, receber décimo terceiro salário, gozar de férias anuais, com pagamento do terço constitucional, fazer exames médicos periódicos, receber equipamentos de proteção individual em perfeito estado de uso e conservação e adequados aos riscos e receber adicional de insalubridade. Esse foi o teor do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado entre o Município e o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco, em março. De acordo com o procurador do Trabalho Ulisses Dias de Carvalho, à frente do caso, também ficou acordado que o Município passará a depositar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a recolher a contribuição social para o Instituto Nacional do Seguro Social, tudo em conformidade com o determina a Lei nº 11.350, de 05 de outubro de 2006.

A empresa produtora de água mineral, sucos e refrigerantes Sucovalle, fabricante da Coca-Cola em Petrolina, Sertão do estado, firmou acordo judicial proposto pelo Ministério Público do Trabalho em Pernambuco para tentar resolver as ilegalidades encontradas no processo de demissão de acidentados de trabalho e na contratação de terceirizados. De acordo com o procurador do Trabalho autor do documento, Ulisses Dias de Carvalho, o objetivo é que sejam regulamentados o desligamento dos representantes da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) da empresa, a demissão por justa causa e a manutenção do contrato de trabalho quando ocorre acidente laboral. “Sobre o contrato dos terceirizados, também objeto do acordo, foi exigido que deixassem de exercer as chamadas ‘atividades-fim’, exclusivas para os funcionários contratados diretamente pela empresa”, disse.


MPT em Pernambuco: Direito, informação e cidadania

Interesse Público Sindicalismo

A favor ou contra os trabalhadores? Em recentes procedimentos, MPT verifica desvios de atividade em sindicatos A atividade sindical está normalmente ligada à defesa do trabalhador. Logo, pensa-se em uma entidade representativa, forte, atuante, democrática. Nos últimos meses, porém, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco tomou conhecimento de casos que revelam exatamente o contrário. Nos procedimentos, ficou evidente o quanto os sindicatos estavam desconectados da lógica primeira de sua existência e a importância da participação e fiscalização por parte das classes representadas. Um desses exemplos é o do Sindicato dos Enfermeiros no Estado de Pernambuco. De acordo com as investigações, ele estaria cobrando taxa ilegal como assistência na homologação da rescisão do contrato de trabalho. Para sanar a irregularidade, o MPT propôs Termo de Ajuste de Conduta (TAC). “O TAC exige que o sindicato cumpra o artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho, que proíbe a cobrança de taxas ao empregador e/ou trabalhador para a homologação da rescisão do

contrato”, explicou a procuradora do Trabalho Adriana Gondim, autora do TAC. Como multa para o eventual descumprimento das cláusulas, ficou estabelecido o valor de R$ 1 mil por cada infração. “O valor total, a princípio, deve ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, mas também pode ter outro destino, se for com a prevenção de ilícitos e para a reparação de lesões concernentes ao mundo do trabalho, ou contribua para a melhoria da condição social de trabalhadores”, completou Adriana.

“O sindicato, entre outras coisas, não atuava por melhorias nas condições de trabalho da categoria e cobrava taxas indevidamente, além de violar o princípio da liberdade sindical, estipulando prazos mínimos de trabalho para filiação. Para a justiça, ficou clara a conduta dos diretores em se utilizar do sindicato para benefício próprio. Além de causar dano à coletividade de trabalhadores, a atitude compromete o próprio exercício da autonomia e finalidade do ente sindical na defesa da categoria”, explicou o procurador do Trabalho Leonardo Osório Mendonça.

Com repercussão na justiça, tem-se o caso do Sindicato dos Empregados no Comércio em Olinda. Em março, o MPT entrou com Ação Civil Pública, após constatar a não-representatividade da entidade através de denúncia. Em resposta ao pedido do MPT, a 3ª Vara do Trabalho em Olinda, ao acatar a antecipação de tutela, determinou a intervenção do sindicato, nomeando, temporariamente, a Federação dos Empregados no Comércio de Bens e Serviços para representar a categoria.

Na decisão, ficou decretada a nulidade da última eleição para diretores e de todas as assembleias realizadas para o prolongamento de mandato da diretoria, além da inelegibilidade dos antigos diretores Márcia Maria da Silva, Jânio Gomes da Silva e Joseane Cavalcante Medeiros. Como multa pelos danos morais coletivos causados aos trabalhadores da categoria, os três diretores foram condenados a pagar ao todo R$ 15 mil, que serão revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

O MPT e a atividade sindical Por acreditar na legitimidade das entidades sindicais, o MPT tem pensado e agido para fortalecê-las. Uma das iniciativas é o projeto “Promoção dos Trabalhadores nas empresas com mais de 200 empregados”.

Nele, o objetivo é estabelecer estratégias de atuação do MPT focada nesses estabelecimentos, incrementando o entendimento entre empregados e empregadores e constituindo importante mecanismo para

a autocomposição e pacificação dos conflitos trabalhistas, com contribuições essenciais para a melhoria das condições sociais dos trabalhadores de diversos setores da economia brasileira. 5


Trabalho em Foco - março/abril 2012

ESPECIAL

TRABALHO ESCRAVO

O Brasil que você pensa que existe não existe. Ou seria: o Brasil que você pensa que não existe, existe. Em pouco mais de dois meses, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco deu de frente, novamente, com a realidade do trabalho

Engenho mantinha trabalhadores em situação degradante - Solteiro ganha R$ 45. Casado, R$ 60. Sou viúvo, diz o trabalhador. A fiscalização, então, pergunta: - Quanto o senhor recebe? - Agora eu tô (sic) ganhando como casado, afirma o homem. O diálogo se estende mais um pouco. - E as férias?, questiona a fiscal. - Férias, ninguém aqui nunca viu isso não. A conversa foi extraída de um vídeo gravado durante inspeção feita conjuntamente entre o MPT e o Ministério do Trabalho e Emprego, no Engenho Corriente, na zona rural de Água Preta, a 130 quilômetros do Recife. A ida ao local foi para verificar denúncia de trabalho degradante. Informação comprovada in loco pelos auditores e pela procuradora do Trabalho, Débora Tito.

De acordo com Débora, o cenário, embora sempre seja chocante, é o típico das situações de trabalho degradante/ escravo, encontrado nas lavouras de cana de açúcar. “ Além de faltar água potável para beber, banheiros, equipamentos de proteção individual, alojamento, pagamento de salário, os trabalhadores não eram pagos em dinheiro e sim com vales de um mercadinho local, caracterizando caso de servidão por dívida”, resume. “Ainda encontramos dois adolescentes de 17 anos”, o que está proibido por lei para o tipo de atividade. Um mês após a fiscalização, para pôr fim às irregularidades, o MPT e MTE firmaram dois Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com o engenho. Um deles é para proceder ao pagamento das

verbas rescisórias – no importe de R$ 241.456,38. Outro, mais amplo, que trata do programa de gestão de segurança e saúde, do serviço especializado em segurança e saúde no trabalho rural, do trabalho com agrotóxicos, dos equipamentos de proteção individual, do transporte de trabalhadores, das instalações sanitárias nas frentes de trabalho, das áreas de vivência, alojamentos, locais para preparo das refeições e lavanderias, das despesas de deslocamento, do fornecimento de água potável, da jornada de trabalho e dos intervalos intrajornada, do trabalho de crianças e adolescentes, da forma e do prazo do pagamento de salários e dos descontos salariais, da garantia do piso salarial, das férias, do décimo terceiro, do FGTS.

Votação da PEC do Trabalho Escravo é adiada mais uma vez A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438 teve mais uma vez a votação adiada no Congresso. A pressão em favor da aprovação do texto conta com a colaboração de organizações da sociedade civil, centrais sindicais e do governo, que estão se mobilizando desde o ano passado para a votação. Desde março deste ano, funciona na

6

Câmara a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo, criada para investigar denúncias sobre essa prática com base em lista elaborada pelo MTE conhecida como lista suja. Atualmente, 292 empregadores estão na relação, acusados de explorar mão de obra de forma análoga à escravidão. De acordo com o MTE, entre 1995 e março deste ano, 42.116 trabalhadores submetidos a trabalho escravo foram

resgatados e mais de R$ 70 milhões de verbas rescisórias foram pagas. Segundo dados do MTE, foram resgatados no ano passado 2.271 trabalhadores pelos grupos móveis de fiscalização, que promoveram 158 ações em 320 fazendas e estabelecimentos. Na semana passada, a Superintendência Regional do MTE no Tocantins resgatou 96 trabalhadores em situação análoga à de escravo em 11 carvoarias do estado.


MPT em Pernambuco: Direito, informação e cidadania

degradante/escravo no país. Em março, trabalhadores de engenho em Água Preta, Mata Sul pernambucana. Em abril, numa pedreira em Petrolina, no Sertão do Estado. Saiba mais nas reportagens a seguir.

Por cada mil pedras, funcionários recebiam R$ 250 Após receber denúncia do Ministério Público Federal e do Ibama sobre possível caso de trabalho degradante/escravo na zona rural de Petrolina, Sertão do estado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco realizou, em 19 de abril, inspeção conjunta com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Polícia Federal para averiguar a situação no local. Como resultado, foram encontrados na empresa Pedreira Vitória seis trabalhadores em condições degradantes de trabalho. Segundo o relatório que detalha a inspeção, todos eles tinham algum vínculo de trabalho com a Pedreira Vitória, apesar de não serem registrados pela empresa. Os seis trabalhadores, encontrados na localidade conhecida como Sítio Pau D’Arco, área

que teria sido arrendada pela pedreira, eram submetidos a péssimas condições de trabalho. “No espaço arrendado pela empresa, todo o maquinário utilizado pelos trabalhadores era do próprio estabelecimento, que, inclusive, tinha pessoal seu, registrado, trabalhando na área. Todos estavam sob a direção da Pedreira Vitória”, informou o procurador do Trabalho Ulisses Dias de Carvalho. “No momento da inspeção, os trabalhadores encontravam-se em horário de almoço, cozinhando a própria comida debaixo de árvores em fogueiras improvisadas. Não havia local para descanso, banheiro ou água potável”, continuou. Não havia salário fixo para os trabalhadores, por cada mil pedras quebradas eles recebiam cerca de R$ 250.

Também foi atestado pelos auditores fiscais do Trabalho a existência de iminente risco de desabamento de pedras em decorrência da instabilidade do talude. Dentro do pátio industrial da empresa, máquinas e equipamentos foram encontrados em situação irregular. “Após todas as observações, a atividade de extração de minérios no Sítio Pau D’Arco foi interditada, assim como diversas máquinas e equipamentos da empresa. A Pedreira Vitória foi notificada para a correção das diversas outras irregularidades”, afirmou o procurador. A empresa ainda foi orientada a registrar de imediato todos os trabalhadores e adequar com urgência o espaço para alimentação e repouso de acordo com a CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas].

ONU defende aprovação da emenda A Relatora Especial da Organização da Nações Unidas (ONU) sobre Escravidão, a advogada armênia Gulnara Shahinian, divulgou nota em 4 de maio em favor da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, a PEC do Trabalho Escravo. A representante das Nações Unidas defendeu a aprovação da medida na Câmara dos Deputados e afirmou que o texto em questão é o “mais poderoso instrumento legal de combate à

escravidão da história do Brasil”. A votação estava prevista para o dia 8, mas foi adiada. A data foi escolhida pela proximidade com 13 de maio, dia em que é celebrada a Abolição da Escravatura no Brasil. Apesar de oficialmente abolida desde 1888, tal forma de exploração persiste no país e até hoje equipes de fiscalização encontram pessoas submetidas

a condições degradantes em todos os cantos do país. Escravidão é crime previsto no artigo 149 do Código Penal brasileiro. A PEC 438 determina que as propriedades em que for flagrado trabalho escravo sejam expropriadas e destinadas à reforma agrária ou a uso social. (Com informações da Agência Repórter Brasil)

7


Trabalho em Foco - março/abril 2012

Capacitações de pernambucanos para Fiat estão dentro da lei Para evitar problemas futuros, MPT emitiu notificação recomendatória Em abril, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco promoveu audiência pública para investigar possíveis casos de discriminação nos processos de qualificação e seleção de emprego para as obras da Fiat no estado. Na ocasião, foi constatado que nenhuma irregularidade foi cometida pelos agentes públicos envolvidos, bem como pela empresa. Para evitar futuras ilegalidades, o MPT emitiu notificação recomentária, em que deixa expresso que as partes devem se abster de restringir a participação de pessoas que residam em outros municípios que não nos 13 do entorno de Goiana, escolhidos para sediar os núcleos de capacitação.

Segundo a Constituição Federal, fica proibida a discriminação de forma ampla. Também conforme o Decreto n° 62.150/1968, da Organização Internacional do Trabalho, está vedado qualquer espécie de distinção de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão. De acordo com a procuradora do Trabalho Melícia Carvalho, à frente do processo, em Pernambuco ficou verificado, conforme os depoimentos dos representantes das cidades e do Governo do Estado, que não houve restrição. “Foi dito que a inscrição para os cursos apenas pedia nome, CPF e RG, de modo que não se fez análise sobre o domicílio dos candidatos”, disse. Questionado sobre o fato de se focar nas 13 cidades, o representante do Governo do Estado colocou que as questões geográficas naturalmente pesavam sobre a situação. A procuradora, então, orientou que fosse disponibilizado um canal para que outros municípios interessados em participar

das ações pudessem fazê-lo. O representante falou sobre a possibilidade de se fazer isso. Os interessados devem entrar em contato com a Secretaria de Trabalho. Notificação Recomendatória - “Considerando que compete às instituições públicas, à iniciativa privada, às entidades de classe e à sociedade em geral observar e fazer cumprir as leis do País, para tanto, adotando-se os meios necessários para eliminar toda e qualquer forma de discriminação, que elimine ou altere, injustificadamente e sem embasamento constitucional ou legal, a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, caso em exame, reforçamos a importância da realização desta audiência pública, bem como da produção da notificação recomendatória”, disse a procuradora. O Ministério Público do Trabalho estará atento ao fiel cumprimento da notificação e adotará as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para a apuração das responsabilidades. Os representantes foram orientados a dar ampla divulgação ao documento. Foto: Aline Galvão

O procedimento que motivou a audiência pública foi aberto pelo MPT em Pernambuco no fim de março, após o órgão ter recebido informações de que na Paraíba, onde também há municípios envolvidos no ciclo de capacitação de mão de obra para a construção da fábrica, houve discriminação aos trabalhadores. É que a secretaria de estado responsável por esta articulação limitou aos moradores das cidades de Alhandra, Caaporã, Pedra de Fogo e Pi-

timbu a possibilidade de concorrer às vagas, o que é ilegal.

A procuradora Melícia Carvalho falou sobre a obrigatoriedade de não se restringuir o acesso às vagas

8

Em dezembro, candidatos se inscreveram


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.