Gestão de políticas públicas com perspectiva de gênero: Uma experiência de formação de gestores/as

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Reitora Nádina Aparecida Moreno Vice-Reitora Berenice Quinzani Jordão

GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO: Uma experiência de formação de gestores/as locais Universidade Estadual de Londrina Centro de Letras e Ciências Humanas Departamento de Ciências Sociais Centro de Ciências Sociais Aplicadas Departamento de Serviço Social Parceria Prefeitura do Município de Londrina Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres Apoio PROEXT-MEC/SESu Capa e editoração Marcos da Mata


(Organizadoras)

Londrina 2014


Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

G393

Gestão de políticas públicas com perspectiva de gênero: Uma experiência de formação de gestores/as locais / Silvana Aparecida Mariano, Elaine Galvão, Cássia Maria Carloto (organizadoras). – Londrina : [s.n.], 2014. 163 p. : il. Vários autores. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-8396-013-3 1. Políticas públicas. 2. Relações de gênero. 3. Política social. 4. Mulheres e políticas públicas I. Mariano, Silvana Aparecida. II. Galvão, Elaine. III. Carloto, Cássia Maria. IV. Título. CDU 304


S UMÁRIO VII A PRESENTAÇÃO IX

INTRODUÇÃO

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PLANEJAMENTO DO CURSO - GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

15 17 19 21 23

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módulo 1 - políticas públicas, sexo e gênero módulo ii - políticas públicas e promoção da igualdade módulo iii - planejamento governamental e orçamento público com enfoque de gênero módulo iv - gestão de políticas públicas módulo v - elaboração de projetos de intervenção social

PROJETOS FORMULADOS PELOS GRUPOS - SÍNTESE AVALIÇÃO R ELATOS DE EXPERIÊNCIA 54

CURSO GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO: UMA OPORTUNIDADE DE AGUÇAR O OLHAR

Clarice Junges Samia Mustafa 54

CURSO GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO: UM RELATO SOBRE A PARTICIPAÇÃO DAS DOCENTES DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL NA FACULDADE METROPOLITANA DE MARINGÁ

Elza Marques da Silva Mariucci Priscila Semzezem 59

A PARTICIPAÇÃO E A VISIBILIZAÇÃO DAS MULHERES NA PRODUÇÃO E FRUIÇÃO CULTURAL LONDRINENSE

Vanda de Moraes Pâmela C. P. Salles Carolina T. Terciotti Letícia Baptista 64

POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE LONDRINA

Cristina Rossi Sirlei Fortes de Jesus Lucimar Rodrigues da Silva Alves Mirtes Viviani Menezes Patrícia Aparecida Mary Ferri Raboni Sueli Galhardi


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Camila Cardoso Lima

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A RTIGOS 73

POLÍTICAS PÚBLICAS E PERSPECTIVA DE GÊNERO: UMA ABORDAGEM FEMINISTA

Silvana Aparecida Mariano Elaine Ferreira Galvão 89

EFEITOS DIFERENCIAIS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ENTRE AS MULHERES NEGRAS

Silvana Aparecida Mariano Cássia Maria Carloto 103

INDICADORES DE GÊNERO NA CONSTRUÇÃO DE AÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS: OS DESAFIOS PARA SUA ELABORAÇÃO, UTILIZAÇÃO E REGULARIDADE

Cláudia Siqueira Baltar Ronaldo Baltar 115

INDICADORES DE GÊNERO

Cássia Maria Carloto 129

TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO, INTERSETORIALIDADE E INTERSECCIONALIDADE: ESTRATÉGIAS PARA A EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO

Mayara Alice Souza Pegorer 143

GÊNERO E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: QUE PAPEL CABE ÀS MULHERES?

Lina Penati Ferreira Silvana Aparecida Mariano 151

A IMPORTÂNCIA DE BANCO DE DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: VISIBILIDADE E CONTROLE SOCIAL DO OBSERVEM

Maria Helena de Paula Frota Kelyane Silva de Sousa


VII

apresentação Na experiência de trabalho da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM) da Prefeitura de Londrina, ao longo de mais de vinte anos de atuação, um desafio identificado no cumprimento de sua finalidade é viabilizar a proposta da transversalidade de gênero, estratégia que implica, segundo Lourdes Bandeira, na responsabilização dos agentes públicos, das distintas esferas de governo e dos diferentes setores de políticas públicas, em relação à superação das assimetrias de gênero. Não obstante a importância do trabalho desenvolvido pela Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, reconhecemos como uma limitação a capacidade de influir em alguns setores de políticas públicas de forma a garantir que as demandas das mulheres sejam reconhecidas e incorporadas e, sobretudo, que as ações sejam desenvolvidas na perspectiva da transformação das relações tradicionais de gênero, com vistas à emancipação das mulheres nos campos cultural, político, econômico e social e à eliminação das estruturas que promovem a assimetria de poder entre homens e mulheres. Acreditamos que a principal estratégia para a superação dessa dificuldade é o investimento na capacitação das servidoras e dos servidores públicos para a incorporação da abordagem de gênero nos processos de formulação, execução, avaliação e monitoramento das políticas públicas. Neste sentido, o Projeto Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero veio somar-se aos nossos esforços de levar a discussão de gênero aos diversos agentes envolvidos nos processos de planejamento dessas políticas. A parceria com a Universidade Estadual de Londrina, mais uma vez, mostrou a importância da extensão como estratégia para o aprimoramento das práticas desenvolvidas no âmbito das organizações públicas, possibilitando, à luz das discussões teóricas, a reflexão crítica sobre essas práticas, evidenciando suas contradições e limitações, assim como apontando alternativas e potencialidades. Reunindo profissionais de diferentes setores, estudantes e outros agentes envolvidos nos processos de planejamento e desenvolvimento de projetos sociais e políticas públicas, o projeto proporcionou uma rica troca de experiências e forneceu às/aos participantes subsídios teóricos e ferramentas voltadas à promoção de uma nova perspectiva de planejamento, na qual gênero é reconhecido como


elemento central a ser incorporado nas ações que visam à eliminação das desigualdades sociais e ao avanço na democratização do Estado brasileiro. Sonia Maria Lima Medeiros Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres Prefeitura do Município de Londrina


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introdução A proposição do projeto de extensão voltado à capacitação, Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero, a partir de iniciativa da Universidade Estadual de Londrina, foi resultado de uma relação que se construiu nos últimos anos com a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, com vistas a trabalhar com a temática sobre gênero e políticas públicas, nas diferentes frentes de ação, no Município de Londrina. O projeto partiu dos objetivos dos Planos Nacionais de Políticas para Mulheres, resultado de Conferência Nacional de Direitos da Mulher e do Plano Municipal de Políticas para as Mulheres, fruto da VI Conferência Municipal dos Direitos da Mulher, em Londrina. A institucionalização de uma Política Nacional para as Mulheres evidencia um amadurecimento político em torno do debate sobre o papel do Estado no desenvolvimento de ações voltadas à defesa dos direitos das mulheres e à eliminação das desigualdades de gênero. De parte da Universidade Estadual de Londrina, o projeto envolveu docentes do Departamento de Ciências Sociais e do Departamento de Serviço Social, com experiência em planejamento social e gestão de políticas públicas, bem como nas temáticas sobre relações de gênero. Envolveu também a inclusão de discentes com o objetivo de consolidar a formação acadêmica por meio do conhecimento gerado com a extensão e de fazer as devidas conexões entre essas atividades e o ensino e a pesquisa. Apesar da longa experiência da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, em Londrina, existe um diagnóstico compartilhado pelo poder público e pela sociedade civil sobre a existência de deficiências na capacitação de agentes públicos e servidores municipais para a gestão de políticas públicas com perspectiva de gênero. Dada a suprema relevância da transversalidade das políticas de gênero, uma proposta de capacitação que leve em consideração este foco é de fundamental importância para a implantação dos planos de políticas para as mulheres e a realização dos desejados avanços em termos de democratização do Estado e da Sociedade. Conjugando demandas por democratização da sociedade e democratização do Estado, as reivindicações pela incorporação de gênero nas políticas públicas têm


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sido o principal tema do debate entre movimento de mulheres e Estado desde a década de 1980, especialmente depois de 1995. As demandas de gênero e sua operacionalização vão das reivindicações por igualdade entre homens e mulheres, em alguns aspectos, às reivindicações especiais às mulheres, em outros aspectos, dependendo da situação de desigualdade. A perspectiva de gênero, na proposta feminista de emancipação da mulher, deve ser adotada no âmbito do Estado e da sociedade. É a partir desse quadro que este projeto de extensão foi organizado e desenvolvido. A partir dessas diretrizes, o projeto teve como participantes servidores/as da administração pública, integrantes de conselhos municipais, dirigentes de organismos não governamentais, estudantes de graduação e pós-graduação interessados/as na temática. As atividades de extensão do projeto conjugaram os esforços em andamento na área das ciências sociais e do serviço social, com projetos de pesquisas e atividades de ensino voltados para objetos como desenvolvimento social, políticas públicas e gênero. A proposta deste projeto de extensão foi criar condições favoráveis para o desenvolvimento de conhecimentos nessas temáticas, de modo dialógico, envolvendo o saber científico e os saberes dos agentes sociais. O projeto propôs a realização de atividades vinculadas à gestão de políticas públicas com perspectiva de gênero, incluindo a capacitação de gestores/as públicos/as e de membros de organizações não governamentais. As ações de capacitação ofereceram, por meio de aulas teóricas e práticas, ferramentas de planejamento e elaboração, monitoramento e avaliação de projetos em ações estatais e sociais com perspectiva de gênero. Gênero foi empregado no processo de capacitação como categoria de análise acerca das relações sociais hierarquizadas e também como ferramenta de planejamento, ao suscitar perguntas e problemas aos gestores/as públicos/as que de outro modo ficariam ocultados. As parcerias com a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, de Londrina, foram e são estratégicas para o fortalecimento da relação entre a Universidade Estadual de Londrina com a sociedade londrinense, com vistas à resolução de um problema específico: a sobrevivência de concepções abstratas, universalistas e por vezes até androcêntricas no processo de planejamento das políticas públicas municipais. Por fim, queremos ressaltar que o objetivo principal das capacitações promovidas por meio do projeto foi contribuir para a consolidação da temática de gênero na agenda pública. Esperamos ter contribuído para a incorporação de um instrumental teórico, técnico e político que possibilite às/aos


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participantes o enfrentamento das diferentes formas de discriminação e desigualdades de gênero. Além de constituir-se em material de memória do Curso Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero, esta publicação tem o objetivo de apresentar conteúdos que sirvam de subsídios para aquelas/es que reconhecem a importância da perspectiva de gênero nas políticas públicas. A publicação está organizada da seguinte forma: em primeiro lugar traz os planejamentos dos módulos desenvolvidos no curso Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero, apresentando seus objetivos, conteúdos desenvolvidos e metodologia utilizada; em segundo lugar, a síntese de projetos elaborados pelos/as participantes do Curso como etapa final da capacitação; em terceiro, são apresentados os relatos das/os participantes sobre a experiência de participação no projeto, assim como das contribuições do curso para o cotidiano profissional; a seguir uma síntese da avaliação das/dos participantes e, por fim, artigos com algumas reflexões sobre perspectiva de gênero nas políticas públicas.



Planejamento do Curso GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO



PLANEJAMENTO DO CURSO

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módulo 1

POLÍTICAS PÚBLICAS, SEXO E GÊNERO

Coordenação: Profa. Dra. Cássia Maria Carloto e Profa. Dra. Silvana Mariano Professoras: Profa. Dra. Cássia Maria Carloto (UEL), Profa. Dra. Martha Celia Ramírez-Gálvez (UEL) e Profa. Dra. Silvana Aparecida Mariano (UEL) Carga horária: 12 horas Objetivos a. Discutir a importância do gênero enquanto categoria de análise das relações sociais e construção das práticas sociais; b. Refletir sobre as dimensões objetivas/subjetivas a partir de bases materiais das relações de gênero; c. Debater a concepção tradicional de cidadania e o enfoque feminista; d. Discutir propostas de políticas sociais com enfoque de gênero, na perspectiva da autonomia e cidadania das mulheres e combate às desigualdades de gênero, classe e raça/etnia. Conteúdos a. A categoria gênero; a construção social dos gêneros; as desigualdades e dinâmica da relação de dominação; esfera pública e privada; trabalho produtivo e reprodutivo; b. Divisão sexual do trabalho: o mundo do trabalho e o trabalho das mulheres; c. Desigualdade de gênero e Políticas Públicas; d. Movimentos de Mulheres e relação com o Estado. Metodologia a. Introdução de novos conteúdos por meio de dinâmicas participativas; b. Aulas dialogadas com uso de slides; c. Exibição e discussão de vídeos e documentários. Material de Apoio 1. Dinâmicas a. “Expectativas, receios e desejos” (PORTELLA; GOUVEIA, 1999, p.77). Objetivos: negociar coletivamente os interesses individuais que poderão ser satisfeitos pela atividade, tal como está programada; acordar as atitudes que


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

deverão ser assumidas pelos/as participantes e pela coordenação para que a atividade seja bem sucedida. b. O jogo do sexo e do gênero (PORTELLA; GOUVEIA, 1999, p.127) Objetivos: introduzir o conceito de relações de gênero. 2. a. b. c.

Vídeos O feminismo e a vovozinha - Fonte: http://vimeo.com/36051357. Trabalho invisível das mulheres. Sempreviva Organização Feminista. Retratos de Mulher. Fundação Carlos Chagas.

BIBLIOGRAFIA FARIA, Nalu; NOBRE, Miriam. (Orgs.). Gênero e Desigualdade. São Paulo: SOF, 1997. GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed Ed. S.A., 2005. GUZMÁN, Virginia. A equidade de gênero como tema de debate e de políticas públicas. In: FARIA, Nalu, SILVEIRA, Maria Lúcia e NOBRE, Miriam (orgs.). Gênero nas Políticas Públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista. São Paulo: SOF (Coleção Cadernos Sempreviva), 2000. p.63-86. HIRATA, Helena. Por quem os sinos dobram? Globalização e divisão sexual do trabalho. In: NOBRE, Miriam; GODINHO, Tatau et al. Trabalho e cidadania ativa para as mulheres. São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2003. IZQUIERDO, Maria Jesus. Bases Matérias do Sistema Sexo/Gênero. São Paulo: SOF, 1990. Mimeografado. KERGOAT, Danièle. Relações Sociais de Sexo e divisão sexual do trabalho. In: LOPES, Marta Julia Marques Lopes; MEYER, Dagmar Estermann; WALDOW, Vera Regina. (Orgs.). Gênero e Saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. LOURO, Guacira Louro. Nas redes do conceito de gênero. In: LOPES, Marta Julia Marques Lopes; MEYER, Dagmar Estermann; WALDOW, Vera Regina. (Orgs.). Gênero e Saúde. Artes Médicas, Porto Alegre, 1996. MACHADO, Leda Maria Vieira. A incorporação de gênero nas políticas públicas: perspectivas e desafios. São Paulo: Annablume, 1999. PORTELLA, Ana Paula; GOUVEIA, Taciana. Ideias e dinâmicas para trabalhar com Gênero. Recife: SOS Corpo, 1999. p.145–147. SAFFIOTI, Heleieth. I. B. Gênero, Patriarcado, Violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.


PLANEJAMENTO DO CURSO

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módulo ii

POLÍTICAS PÚBLICAS E PROMOÇÃO DA IGUALDADE

Coordenação: Profa. Ma. Elaine Galvão (SMPM/PML) e Profa. Dra. Silvana Aparecida Mariano (UEL) Professoras: Profa. Ma. Elaine Galvão (SMPM/PML), Profa. Dra. Maria Nilza da Silva (UEL) e Profa. Dra. Silvana Aparecida Mariano (UEL) Carga horária: 8 horas Objetivos a. Discutir a dinâmica da relação entre Estado e Sociedade no processo de estruturação das políticas públicas; b. Refletir sobre o papel do Estado nos processos de produção/reprodução/ transformação das relações sociais tradicionais de gênero; c. Apresentar a agenda atual das políticas sociais refletindo sobre os avanços, limitações e possibilidades quanto à inclusão das questões de gênero e de raça/ etnia; d. Conhecer e refletir sobre as diferentes formas de acesso a direitos e promoção da igualdade por meio de políticas universalistas, bem como as proposições de ações afirmativas, em especial no que tange ao atendimento às mulheres e às políticas de promoção da igualdade racial. Conteúdos a. Objetivos da Política Pública (governo, sociedade civil); b. A Relação entre Estado e uso dos papéis de gênero; c. Diversidade e Igualdade; d. Universalidade e ações afirmativas. Metodologia a. Introdução de novos conteúdos por meio de dinâmicas participativas; b. Aulas dialogadas com uso de slides. Material de Apoio 1. Dinâmicas Dinâmica “Proposições Políticas: onde estão as mulheres”? (PORTELLA; GOUVEIA, 1999, p.145).


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Objetivos: identificar se, e de que modo, as mulheres são contempladas em proposições políticas contidas em documentos de movimentos sociais e sindicais, plataformas de governos, textos de projetos, etc.; desenvolver a capacidade crítica a proposições políticas numa perspectiva de gênero. Proposições a. Educação e trabalho Educação Infantil Mulheres Mil b. Ciência e tecnologia Telecentros Mulher e Ciência c. Combate à pobreza Transferência de Renda Pronatec d. Juventude e violência Viva a Vida Mulheres da Paz e. Trabalho e geração de renda Economia Solidária Programa Pró-Equidade de Gênero f. Habitação e equipamentos sociais Restaurante Popular Minha Casa, Minha Vida g. Saúde Projeto Colcha de Retalhos Rede Cegonha h. Participação política Projeto Promotoras Legais Populares Campanha Mais Mulheres no Poder BIBLIOGRAFIA ALVAREZ, Sonia E. Em que Estado está o feminismo latino-americano? Uma leitura crítica das políticas públicas com ‘perspectiva de gênero’. In: FARIA, Nalu, SILVEIRA, Maria Lúcia e NOBRE, Miriam (orgs.). Gênero nas Políticas Públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista. São Paulo: SOF (Coleção Cadernos Sempreviva), 2000. p. 9-25. FAO - Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Vocabulário referido a gênero. Org. e tradução de Silvana Aparecida Mariano. Londrina: Secretaria Municipal da Mulher. Prefeitura do Município de Londrina, 2003.


PLANEJAMENTO DO CURSO

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PATEMAN, Carole. El Estado de Bienestar Patriarcal. Contextos, ano 2, n 5. Programa de Estudios de Género Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima. 2004. 29p. PORTELLA, Ana Paula; GOUVEIA, Taciana. Ideias e dinâmicas para trabalhar com Gênero. Recife: SOS Corpo, 1999. p.145–147. SEIBEL, Erni José; OLIVEIRA, Heloisa Maria José de. Clientelismo e seletividade: desafios às políticas sociais. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, n 39, p. 135145, 2006. SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-45.

módulo iii

PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL E ORÇAMENTO PÚBLICO COM ENFOQUE DE GÊNERO Coordenação: Profa. Dra. Claudia Baltar (UEL) e Profa. Dra. Silvana Aparecida Mariano (UEL) Professoras: Profa. Dra. Cláudia Baltar (UEL), Prof. Esp. Edson Antonio de Souza (PML), Profa. Ma. Elaine Galvão (SMPM/PML) e Profa. Dra. Silvana Aparecida Mariano (UEL) Carga horária: 16 horas Objetivos a. Discutir o novo papel e as atribuições dos governos municipais após a Constituição de 1988; b. Apresentar um panorama da atuação dos movimentos de mulheres brasileiros desde a década de 1970 e sua articulação com os processos de realização das Conferências Internacionais da ONU; c. Apresentar os marcos legais, princípios e diretrizes das políticas públicas para as mulheres no Brasil; d. Refletir sobre os conceitos de Interseccionalidade, Intersetorialidade e Transversalidade aplicados à discussão sobre as políticas públicas; e. Apresentar noções básicas sobre Planejamento Governamental e Orçamento público com enfoque de Gênero. Conteúdo do módulo a. Estado, sociedade e cidadania;


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

b. Princípios e conceitos de Interseccionalidade, Intersetorialidade e Transversalidade; c. Orçamento público com enfoque de Gênero; d. Planejamento governamental e Orçamento Público. Metodologia a. Introdução de novos conteúdos por meio de dinâmicas participativas; b. Aulas dialogadas com uso de slides; c. Leitura e análise de textos. Material de Apoio 1. Textos a. Guia de Geração de Trabalho e Renda: novas perspectivas na elaboração de políticas, programas e projetos de geração de trabalho e renda. p.73-101. (BRASIL, 2008). b. Plano de trabalho Social e Sustentabilidade ambiental: PROSSAMIM – Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus. Disponível em: <http://prosamim.am.gov.br/wp-content/uploads/2012/04/PTSProsamim2.pdf> 2. Roteiro de leitura e trabalho em grupo a. Tomando como referência o Guia de Geração de Trabalho e Renda: novas perspectivas na elaboração de políticas, programas e projetos de geração de trabalho e renda, avalie em que medida o programa analisado contempla as etapas básicas do planejamento. b. Considerando que um Programa caracteriza-se por um conjunto de projetos interligados por relações de complementaridade ou por objetivos comuns, como o grupo avalia a coerência entre os elementos básicos do Programa (justificativa, metas, objetivos e resultados esperados), as estratégias metodológicas e as ações propostas no projeto analisado? c. Na opinião do grupo, o projeto analisado contém os elementos básicos de um projeto social? O que faltou ser contemplado? d. Quais os principais problemas que o grupo identificou no projeto analisado quanto à sua formatação? e. O projeto analisado contempla a abordagem de gênero? Qual enfoque adotado nesta abordagem?


PLANEJAMENTO DO CURSO

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BIBLIOGRAFIA BANDEIRA, Lourdes. Fortalecimento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: CEPAL/SPM/ Presidência da República, 2005. BRASIL. Guia de Geração de Trabalho e Renda: novas perspectivas na elaboração de políticas, programa e projetos de geração de trabalho e renda. São Paulo: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2008. BRASIL. II Plano Municipal de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2008. JÁCOME, Marcia Laranjeira; VILLELA, Shirley (Orgs). Orçamentos sensíveis a gênero: conceitos. Brasília: ONU Mulheres, 2012. ONU. Relatório da Conferência Internacional Sobre População e Desenvolvimento. Cairo, 1994. ONU. Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher. Pequim, 1995. GOVERNO do Estado do Amazonas. Plano de trabalho social e sustentabilidade ambiental: PROSSAMIM – Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus. Disponível em: <http://prosamim.am.gov.br/wp-content/uploads/2012/04/PTSProsamim2.pdf> Acesso em: 10 abr. 2013.

módulo iv

GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Coordenação: Profa. Dra. Cássia Maria Carloto (UEL), Profa. Dra. Claudia Baltar (UEL), Profa. Ma. Elaine Galvão (PML) e Prof. Dr. Ronaldo Baltar (UEL) Professores: Profa. Dra. Cássia Maria Carloto (UEL), Prof. Dr. Juarez Paulo Tridapalli (UEL), Profa. Cláudia Prando (SMS/PML), Profa. Dra. Glaucia dos Santos Marcondes (UNICAMP), Prof. Dr. Ronaldo Baltar (UEL), Profa. Esp. Samia Machado Mustafa (SMAS/PML). Carga horária: 22 horas Objetivos a. Refletir sobre os processos de participação na gestão das políticas públicas, analisando a estrutura e o funcionamento dos principais mecanismos de participação, a partir de exemplos locais;


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

b. Discutir os diferentes tipos de indicadores utilizados na gestão das políticas públicas; c. Apresentar exemplos de indicadores de gênero utilizados em avaliação de políticas públicas; d. Apresentar os principais indicadores e sistemas de gestão da informação utilizados nas políticas municipais, a partir de exemplos locais; e. Apresentar os principais indicadores de saúde, de morbidade e de mortalidade, utilizados em Saúde Pública, na determinação de diagnóstico de saúde da população feminina; f. Apresentar o Sistema Irsas (Informatização da Rede de Serviços de Assistência Social) e o conceito de vulnerabilidade social aplicado ao público da Política de Assistência Social. Conteúdo do módulo a. Gestão e formas de participação na gestão; b. Indicadores de impacto/avaliação/eficiência/eficácia/efetividade; c. Indicadores em uso nas políticas municipais; d. Indicadores de gênero; e. Processos de monitoramento e avaliação. Metodologia a. Aulas dialogadas com uso de slides; b. Construção de indicadores na perspectiva de gênero relacionados a área/ campo de atuação das/os participantes. Material de Apoio 1. Trabalho em grupo: construção de indicadores Objetivo: construir indicadores na perspectiva de gênero voltados a área/campo de atuação. Roteiro para o trabalho em grupo 1. Área – informar o campo de política pública, programas, projetos, atividades 2. Objetivo da política pública, programas, projetos, atividades 3. Dimensão 4. Definição do indicador 5. Objetivo do indicador 6. Importância 7. Fontes


PLANEJAMENTO DO CURSO

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BIBLIOGRAFIA BRASIL. Guia de vigilância epidemiológica. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. BRASIL. Manual de Gestão da Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/cartilha_de_ gestao_web.pdf>. Acesso em: 14 Jun. 2013. BRASIL. Norma Operacional Básica NOB/SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social, 2005. BRASIL. Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Social. Diário Oficial da União, Brasília, D.F., 28 out. 2004. Seção 1. BRASIL. Saúde Brasil 2011: uma análise da situação de saúde e a vigilância da saúde da mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. BRONZO, Carla. Vulnerabilidade, empoderamento e metodologias centradas nas famílias: conexões e uma experiência para reflexão, in: Proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome/Unesco, 2009. CARRASCO, Cristina. Estatísticas Sob Suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. Tradução Valenzuela Perez. São Paulo: SOF Sempreviva Organização Feminista, 2012.

módulo v

ELABORAÇÃO DE PROJETOS DE INTERVENÇÃO SOCIAL Coordenação: Profa. Ma. Elaine Galvão (PML), Profa. Dra. Silvana Aparecida Mariano (UEL) Professoras: Profa. Ma. Elaine Galvão (PML), Profa. Lorena Pires Rostirolla (PML), Profa. Esp. Sâmia Machado Mustafa (PML) e Profa. Dra. Silvana Aparecida Mariano (UEL) Carga horária: 24 horas Objetivos a. Propiciar conhecimento sobre técnicas, ferramentas e metodologias de elaboração de projetos; b. Apresentar os componentes básicos que constituem a estrutura de um projeto;


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

c. Possibilitar o exercício de formulação de diagnósticos e a construção dos objetivos e metas de um projeto; d. Apresentar os elementos técnicos necessários para o planejamento orçamentário de projeto, em conformidade com o Manual Técnico de Orçamento, do Governo Federal; e. Conhecer o funcionamento e a estrutura de sistema de convênios do Governo Federal (SICONV); f. Conhecer as principais fontes de financiamento público de projetos no âmbito das políticas sociais, com vistas à participação em chamadas públicas por meio de editais; g. Elaborar projetos em conformidade com edital de seleção pública de propostas, com a finalidade de captação de recursos. Conteúdo do módulo a. Diagnóstico, identificação do problema e contextualização; b. Etapas e estrutura para elaboração de projetos; c. Elaboração das metas e dos indicadores de impacto/avaliação/medidores; d. Técnicas de redação para projetos; e. Uso de editais para captação de recursos; f. Sistemas de Convênios. Metodologia a. Introdução de novos conteúdos por meio de dinâmicas participativas; b. Aulas dialogadas com uso de slides; c. Exibição e discussão de vídeos e documentários; d. Exercício prático para elaboração de projetos de intervenção social. Material de Apoio 1. Dinâmicas a. “Desfazendo as panelinhas”, dinâmica utilizada na Gerência de Gestão de Desenvolvimento de Pessoas (GGDP) da Prefeitura de Londrina em cursos de capacitação de servidores públicos; b. “Comunicação Gesticulada”, dinâmica utilizada na GGDP da Prefeitura de Londrina em cursos de capacitação de servidores públicos; c. Oficina de apresentação dos projetos formulados pelos grupos.


PLANEJAMENTO DO CURSO

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Roteiro para apresentação a. Dados gerais do projeto Título Objeto Objetivo geral Objetivos específicos Principais etapas b. Perspectiva de Gênero Como o projeto se dirige às mulheres? Quais e como os interesses /necessidades das mulheres são atendidos neste projeto? Como as ações do projeto impactam a vida das mulheres nos campos produtivo, reprodutivo e político? c. Avaliação do processo Principal dificuldade para a elaboração do projeto; Principal aprendizagem no processo de elaboração do projeto. 2. Textos a. Guia de Geração de Trabalho e Renda: nova perspectiva na elaboração de políticas, programas e projetos de geração de trabalho e renda (BRASIL, 2008). b. Manual Técnico de Orçamento – MTO 2013 (BRASIL, 2013). c. Anexo ao edital 002/2013 - Orientações para elaboração do projeto básico SPM (BRASIL, 2013). 3. Vídeos a. O Cometa Halley e as Pérolas da Comunicação - Fonte: <https://www. youtube.com/watch?v=SniI_9PW_UE> BIBLIOGRAFIA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6030: Rio de Janeiro, 1980. BRASIL. Anexo ao edital 002/2013 - Orientações para elaboração do projeto básico. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013. BRASIL. Guia de Geração de Trabalho e Renda: novas perspectivas na elaboração de políticas, programa e projetos de geração de trabalho e renda. São Paulo: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2008.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

BRASIL. Manual Técnico de Orçamento – MTO 2013. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Orçamento Federal. 2013. BRASIL. Presidência da República. Manual de Redação da Presidência da República. Gilmar Ferreira Mendes e Nestor José Forster Júnior. 2 ed. rev. e atual. Brasília: Presidência da República, 2002. Disponível em: <htttp://www. planalto.gov.br>. Acesso em: 30 ago. 2013. CAMPOS, Arminda Eugenia Marques; ABEGÃO, Luís Henrique; DELAMARO, Maurício César. O planejamento de Projetos Sociais: dicas, técnicas e metodologias. In: Caderno da Oficina Social. Rio de Janeiro: Centro de Tecnologia, Trabalho e Cidadania, 2002.


Projetos formulados pelos grupos S ÍNTESE



PROJETOS FORMULADOS PELOS GRUPOS

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1. Pesquisa sobre uso do tempo em cuidados pelas mulheres do

Residencial Vista Bela – Londrina, Paraná

Objeto Produção de conhecimento sobre desigualdades de gênero no uso do tempo na dimensão do trabalho reprodutivo, no Residencial Vista Bela, município de Londrina, Paraná. Objetivo geral Conhecer o uso do tempo na esfera reprodutiva, especificamente nos cuidados pelas mulheres moradoras no Residencial Vista Bela. Objetivos específicos Realizar pesquisa para estudo do uso do tempo em cuidados; produzir informações sobre o uso do tempo na esfera doméstica; publicizar os dados obtidos; Subsidiar políticas públicas na proposição de ações, projetos e serviços vinculados à esfera dos cuidados; Elaborar material educativo em relação à distribuição equitativa das tarefas domésticas. Etapas/fases Meta 01: estruturação do projeto Meta 02: coleta de dados Meta 03: análise dos dados Meta 04: divulgação dos resultados da pesquisa Resultados esperados Apresentar os resultados da análise da pesquisa, provendo novos olhares sobre a divisão das tarefas no âmbito doméstico, bem como a proposição de políticas públicas de impacto nas tarefas do cuidado. Ao apresentar os resultados da pesquisa, espera-se ampliar a visão das famílias sobre a divisão sexual do trabalho, alterando a configuração da responsabilidade sobre os trabalhos domésticos.


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Equipe responsável pela elaboração do projeto Ailson Batista dos Santos Junior Clarice Junges Jeane Terezinha Buzzo Costa Rosemeire Feliz de Barros Samia Mustafa Sheslaine de Souza 2. O serviço PAIF no enfrentamento da violência contra a mulher Objeto Qualificação dos profissionais que atuam no planejamento e execução das ações do serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) no município de Londrina para identificação, acolhida e encaminhamento de situações de violência contra a mulher. Objetivo geral Qualificar os profissionais que atuam no planejamento e execução das ações do serviço PAIF, no município de Londrina, para identificação, acolhida e encaminhamento de situações de violência contra a mulher. Objetivos específicos Promover espaços de reflexão acerca das temáticas que envolvem as questões de gênero; Capacitar os profissionais para o planejamento e a execução das ações no âmbito do trabalho social com famílias do PAIF, com foco na identificação de situações de violência contra a mulher; Possibilitar o exercício do planejamento das ações do PAIF com enfoque na identificação de situações de violência contra a mulher e nas possibilidades metodológicas do processo de acolhida e encaminhamento das demandas.


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Principais etapas Meta

Especificação da meta

Meta 1

18 oficinas de capacitação com carga horária de 08 horas cada uma.

Meta 2

06 oficinas de planejamento das ações do PAIF, com carga horária de 4 horas cada uma.

Etapa Em cada região do município, serão realizadas 03 oficinas de capacitação, sendo que na região norte participarão 47 profissionais, na região sul, 32, na região leste, 21, na oeste, 34, na região central, 20 e na região rural, 20, totalizando 174 profissionais. Em cada região será realizada 01 oficina com a finalidade de desenvolver o planejamento das ações do PAIF com enfoque em identificação, acolhida e encaminhamento das situações de violência contra a mulher.

Como o projeto se dirige às mulheres Ao promover a sensibilização dos profissionais que atuam no PAIF para as questões de gênero; Ao capacitar os profissionais para a identificação de situações de violência contra a mulher presentes nos territórios onde os CRAS estão inseridos; Ao possibilitar a reflexão sobre as formas mais adequadas de acolhida de demandas correlatas à violência contra mulher, respeitando-se os padrões éticos de intervenção; Ao apresentar e avaliar os fluxos e protocolos de encaminhamentos de demandas correlatas à violência contra a mulher para os órgãos de defesa de direitos e para os serviços especializados. Quais e como os interesses das mulheres são atendidos neste projeto Reconhecimento das desigualdades de gênero por parte dos profissionais e do impacto dessas desigualdades no cotidiano das mulheres; A implementação do serviço PAIF, a partir de um olhar voltado para as situações de violência contra a mulher presentes no território; O fortalecimento das articulações em rede no enfrentamento das situações de violência contra a mulher. Impacto na vida das mulheres Fortalecimento da rede de apoio e enfrentamento da violência contra a mulher; Maior número de identificações de situações de violência contra a mulher nos territórios;


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Qualificação do atendimento e maior efetividade no encaminhamento das demandas. Equipe responsável pela elaboração do projeto: Ana Cristina Góis Fuentes Jane Luciane Marinho Elois Nelma Liberato 3. As políticas públicas para as mulheres nos municípios conurbados à Maringá, Paraná Objeto Capacitação de gestores/as e técnicos/as dos municípios conurbados ao município de Maringá para o enfrentamento de todas as formas de discriminação e preconceito contra as mulheres nas políticas públicas. Objetivo geral Capacitar gestores/as, técnicos/as e conselheiros/as dos municípios conurbados ao município de Maringá para implementação de ações que contribuam no enfrentamento das formas de discriminação e preconceito contra as mulheres nas políticas sociais. Objetivos específicos Realizar um mapeamento, nos municípios conurbados a Maringá (Maringá, Paiçandu, Mandaguaçu, Sarandi e Marialva), dos organismos de gestão de políticas para mulheres, equipamentos, serviços, programas e projetos que implementam políticas para mulheres; Realizar capacitação de gestores/as, técnicos/as e conselheiros/as dos municípios conurbados ao município de Maringá para o aprofundamento do debate sobre gênero e políticas públicas, possibilitando a ruptura com práticas discriminatórias e preconceituosas em relação às mulheres; Produzir informações que possam subsidiar gestores/as, técnicos/as e conselheiros/as municipais na possível estruturação, organização e articulação de serviços em cada município, ou região conurbada, que contemplem as áreas de legislação e diretrizes das políticas públicas para as mulheres.


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Principais etapas Mapeamento dos organismos de gestão de políticas públicas para mulheres (secretarias, coordenadorias, planos municipais, conselhos gestores), equipamentos, serviços, programas e projetos nos municípios conurbados a Maringá; Realização de curso de capacitação com carga horária de 60 horas, para 100 profissionais, gestores, agentes públicos dos municípios conurbados a Maringá; Produção de um diagnóstico e plano de metas ao final do projeto que subsidiará a inserção de políticas para mulheres na agenda pública de cada município. Como o projeto se dirige às mulheres Visibilização das desigualdades entre homens e mulheres no âmbito dos municípios conurbados a Maringá; Sensibilização para a implantação e/ou implementação de políticas públicas às mulheres nos municípios conurbados a Maringá; Inclusão de políticas para mulheres em agendas públicas. Quais e como os interesses/necessidades das mulheres são atendidos nesse projeto Uma das formas de visibilizar as desigualdades entre homens e mulheres ocorre por meio da intervenção do Estado via políticas públicas. Entretanto, observamos que nem sempre essas questões estão em pauta na agenda pública dos municípios brasileiros. Nesse sentido, para as políticas se materializarem em serviços, programas e projetos destinados à população feminina, há a necessidade de incorporar na governabilidade uma política de igualdade de gênero. O projeto tem a finalidade, por meio do mapeamento, de dar visilibilidade à ausência de ações nesse campo, nos municípios conurbados a Maringá. E, ainda, capacitar os/as gestores/as, técnicos/as e agentes públicos dos municípios conurbados a Maringá para promover a criação e implementação de políticas para mulheres. Como as ações do projeto impactam a vida das mulheres nos campos produtivo, reprodutivo e político As mulheres são beneficiárias indiretas, porque o projeto se destina diretamente aos gestores/as e técnicos/as.


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Este projeto irá impactar nos três campos, pois especificamente é um primeiro passo, por meio do levantamento de dados, capacitação e diagnóstico para sensibilizar os gestores, técnicos e agentes políticos para criação de políticas para mulheres. Espera-se ampliar a estruturação efetiva de unidades governamentais e não governamentais relacionadas às políticas públicas para as mulheres. Ao considerar os municípios conurbados, espera-se o diálogo entre os sujeitos políticos a serem capacitados e futuras ações coletivas e que favoreçam a população dos cinco municípios. Equipe responsável pela elaboração do projeto Elza Marques da Silva Mariucci Priscila Semzezem Saes 4. Capacitação dos/as educadores/as da rede municipal de educação, do município de Londrina na perspectiva de gênero. Objeto Capacitação dos/as educadores/as da rede municipal de educação, do município de Londrina, na perspectiva de gênero. Objetivo geral Capacitar os/as educadores/as da rede municipal de Londrina a incorporar a perspectiva de gênero na operacionalização de suas ações educativas. Objetivos específicos Realizar oficinas formativas sobre gênero e violência doméstica contra a mulher para 250 educadores/as do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental de 84 escolas (das áreas urbana e rural) da rede municipal de Londrina; Realizar palestras de gênero e violência doméstica e familiar contra a mulher, aos/as 250 educadores/as, propiciando conhecimento e contextualizando a violência como resultante do processo cultural de desigualdade entre homens e mulheres; Sensibilizar os/as educadores/as, através das oficinas, para a necessidade de avaliar criticamente os conteúdos das atividades escolares e materiais didáticos sob a perspectiva de gênero;


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Oferecer, por meio de oficinas, subsídios para ações de introdução da perspectiva de gênero nas atividades educativas, de forma a superar os preconceitos e estereótipos sexuais na educação, que reforçam as desigualdades entre homens e mulheres, promovendo a transversalidade de gênero; Capacitar os educadores/as para atuarem como multiplicadores de ações educativas na perspectiva de gênero no seu local de trabalho. Principais etapas Articulação com a Secretaria Municipal de Educação; Definição de logística para a capacitação; Elaboração de materiais didáticos com perspectiva de gênero; Execução dos módulos; Realização do seminário; Avaliação e monitoramento. Como o projeto se dirige às mulheres De maneira indireta: as ações educacionais na perspectiva de gênero trabalham os aspectos social, político, econômico e cultural, de forma a minimizar e/ou erradicar a desigualdade de gênero, construindo uma nova cultura. Quais e como os interesses /necessidades das mulheres são atendidos nesse projeto A discussão de temas como gênero e violência no espaço escolar contribui para a desconstrução de uma imagem “naturalizada” do ser-mulher e do serhomem, de forma a considerar as diferenças sem, entretanto, reforçar uma condição de desigualdade. Como as ações do projeto impactam a vida das mulheres nos campos produtivo, reprodutivo e político Divisão de tarefas domésticas entre homens e mulheres; Ampliação do processo de inclusão da mulher no mercado de trabalho com igualdade de salário; Empoderamento da mulher sobre sua vida e corpo; Fortalecimento da participação das mulheres no espaço de poder e decisão. Equipe responsável pela elaboração do projeto Cristina Rossi Sirlei Fortes de Jesus


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Lucimar Rodrigues da Silva Alves Mirtes Viviani Menezes Patricia Aparecida Mary Ferri Raboni Sueli Galhardi 5. Onde estão as mulheres nas artes? Objeto Capacitação de 54 educadores vinculados ao Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), abordando o tema da participação feminina na produção e fruição das artes na cidade de Londrina. Objetivo geral Propiciar a formação dos educadores da rede pública estadual e municipal relacionados à Educação de Jovens e Adultos (EJA) sobre a produção artística das mulheres no cenário cultural londrinense. Objetivos específicos Promover a reflexão sobre questões relativas ao gênero feminino na produção cultural londrinense; Buscar a repercussão dessa discussão com educadores da EJA de Londrina, através de visitas monitoradas e apreciação de espetáculos; Promover a vivência cultural, a partir da perspectiva do gênero feminino, da cidade de Londrina com os educadores da EJA; Ampliar o conhecimento do grupo de educadores da EJA sobre o envolvimento de mulheres nos processos artísticos, através dos acervos do Museu de Arte de Londrina e da Biblioteca Pública Municipal; Promover o reconhecimento de equipamentos culturais londrinenses, através de visitas monitoradas ao Museu Histórico de Londrina, Museu de Arte de Londrina/Biblioteca Especializada em Artes e Biblioteca Pública Municipal; Promover a fruição de programações artísticas do cenário cultural londrinense através da visitação às exposições do Museu de Arte, Museu Histórico e Biblioteca Pública, envolvendo temática específica, além da apreciação de peça teatral e shows musicais elaborados por grupos femininos.


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Principais etapas Serão realizadas 06 oficinas com 04 horas cada uma, perfazendo um período de 24h, ao final do qual pretende-se que o público alvo tenha condições de refletir sobre a produção artística cultural feminina de um modo geral e particularmente na cidade de Londrina. Espera-se ainda que o grupo vivencie e reconheça as potencialidades do fazer artístico para a superação de pré-conceitos e estigmas envolvendo as questões de gênero. Os trabalhos serão desenvolvidos em duas partes: Primeira Parte: Preparação nas oficinas, construção de material de apoio e início da formação dos educadores da EJA - Londrina. Segunda Parte: A segunda etapa deverá promover interação entre o grupo de educadores e o cenário cultural londrinense, possibilitando também a participação dos educandos em evento artístico. Como o projeto se dirige às mulheres Dirige-se como vivência e reconhecimento das potencialidades do fazer artístico para a superação de pré-conceitos e estigmas envolvendo as questões do gênero feminino, partindo das(os) educadoras(es) como propulsores de tal abertura no conhecimento. Entendendo o Programa de Educação de Jovens e Adultos como fortemente marcado pela presença feminina, tanto no grupo de educadores, quanto no grupo de educandos. E neste último, percebendo o pouco acesso deles à fruição da produção artística da cidade. O projeto se dirigirá aos educadores e, por consequência, aos educandos, promovendo o reconhecimento da produção artística e cultural londrinense e as possibilidades de acesso à sua fruição. Quanto à construção dos conteúdos pelos bolsistas de vários cursos, pretende-se que estes tenham uma vivência prévia de suas futuras atuações, assimilando e disseminando as reflexões propostas através da perspectiva de gênero, contribuindo, assim, com sua formação. Quais e como os interesses/necessidades das mulheres são atendidos neste projeto Necessidade de olhar a história do ponto de vista da atuação das mulheres, escapando da hegemonia machista que fragmentou a história a partir do ponto de vista patriarcal; Acesso a conteúdos mais inclusivos relacionados à perspectiva de gênero, através da disponibilização desses conteúdos ao grupo de educadores,


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encaminhando para uma mudança de atitude a partir deles e fazendo-se sentir, por consequência, nos educandos; Possibilidade de mudança de papéis tradicionalmente impostos para as mulheres, através da reflexão sobre as potencialidades da produção artística; Reconhecimento das possibilidades de acesso à fruição das artes através dos acervos e programações dos equipamentos culturais envolvidos no projeto. Como as ações do projeto impactam a vida das mulheres nos campos produtivo, reprodutivo e político Campo Produtivo – Tais ações irão influir diretamente no cotidiano de trabalho das(os) educadoras(es), já que se trata de um novo olhar sobre aspectos das artes e da história, também possibilitando que em sua prática este saber seja estendido as(aos) educandas(os). O reconhecimento da área artística como área produtiva abre diferentes potencialidades laborais, nas quais as diferenças entre gêneros são minimizadas ou até mesmo inexistentes. Campo Reprodutivo – Sabedoras(es) da não passividade dos agentes sociais através da cultura e das artes, poderão aprimorar também as observações que fazem sobre a reprodução, não a tomando apenas como biológica, mas como campo onde a maleabilidade dos papéis envolvidos torna-se ponto fundamental, aumentando seu campo de escolha e atuação. Campo Político – Pensa-se na não dissociação do aspecto político nos dois pontos anteriormente citados, logo trata-se de uma expansão do saber sobre a atuação das mulheres no campo cultural através das artes: literatura, artes plásticas, teatro, música, etc., contemplando também a apreciação/ vivência artística. O que influi diretamente no âmbito político, já que falar de cultura e arte é inegavelmente falar de um olhar crítico sobre o que se vivencia cotidianamente. Equipe responsável pela elaboração do projeto Carolina Terciotti Dalma Ieda Ferreira Edna kawata Ivete da Silva Letícia Baptista Pâmela Salles Vanda de Moraes


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6. Casa da Mulher Rural Objeto Construção e implantação da Casa da Mulher Rural no Município de Londrina com o objetivo de promover protagonismo, formação e fortalecimento das mulheres da região rural de Londrina visando ao seu atendimento multidisciplinar, integrado e transversal, por meio de políticas públicas como: Políticas para as Mulheres, Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), Geração de Emprego e Renda, Atenção à Saúde, Assistência Social, Educação, Cultura, entre outras. Objetivo Geral Construir, equipar e implantar a Casa da Mulher Rural no município de Londrina, com o objetivo de promover o protagonismo, a formação e o fortalecimento, por meio de políticas públicas integradas e transversais, das mulheres da região rural de Londrina, visando ao seu atendimento integral e oportunizar sua autonomia econômica, cultural e social, com foco no exercício pleno de sua cidadania. Objetivos Específicos Contratar serviços para elaboração dos projetos: arquitetônico, estrutural e complementares; Realizar os processos licitatórios; Contratar serviços para a execução da obra; Adquirir equipamentos, mobiliário e utensílios. Principais etapas Etapa I – Contratação de pessoa jurídica, através de processo licitatório, para a elaboração de projetos complementares concernentes ao processo de construção da obra proposta. Etapa II – Contratação de pessoa jurídica, através de processo licitatório, para a execução da obra. Etapa III – Aquisição dos equipamentos, mobiliário e utensílios para a Casa da Mulher Rural. Como o projeto se dirige às mulheres O projeto visa ao atendimento multidisciplinar integrado e transversal das políticas, por meio de ações educativas e formativas, nas áreas de geração de


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trabalho e renda, segurança alimentar e nutricional, agricultura familiar, saúde integral da mulher e prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher, entre outras. Além disso, a Casa da Mulher Rural também será um espaço para atendimento às mulheres rurais visando ao seu desenvolvimento social e para promoção da troca de experiências, com instituições e entidades parceiras, com o trabalho que será desenvolvido na cozinha comunitária e em outros espaços. Quais e como os interesses/necessidades das mulheres são atendidos nesse projeto Protagonismo e autonomia; Formação cidadã e fortalecimento; Desenvolvimento social; Difusão, incorporação e troca de experiências. Como as ações do projeto impactam a vida das mulheres nos campos produtivo, reprodutivo e político As ações desenvolvidas na Casa da Mulher Rural visam impactar a vida das mulheres rurais proporcionando a elas caminhos e condições para buscar sua autonomia financeira, social e política e promovendo o pensar coletivo dessas mulheres que deverá ser construído nesse espaço, a partir das atividades e ações multidisciplinares, além de proporcionar acesso a informações e serviços de que hoje elas não dispõem. Equipe responsável pela elaboração do projeto Genilda Pozzetti Stábile Lorena Pires Rostirolla Lucimara Carrer Maria Inez Passini Lima Nanci Kemmer Sonia Maria Ulian 7. Projeto de capacitação: implantando a rede de enfrentamento à violência contra a mulher do município de Rolândia Objeto Capacitação e qualificação de profissionais para atendimento de mulheres em situações de violências.


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Objetivo geral Capacitar profissionais e gestores/as municipais para atuar em rede nas ações de prevenção e de enfrentamento às violências contra a mulher, na perspectiva da integralidade e da humanização do atendimento. Objetivos específicos Sensibilizar os/as gestores/as municipais para a implementação de políticas públicas de prevenção e de enfrentamento da violência contra a mulher; Capacitar, sobre violência de gênero, profissionais que atuam nos serviços que são pontos de atenção (portas de entrada) à mulher vítima de violência e que compõem a rede de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher; Oportunizar o aprimoramento dos serviços prestados para o fortalecimento da rede de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher; Implementar a notificação compulsória da violência nos serviços que compõem a rede de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, de acordo com a Portaria nº 104/2011, do Ministério da Saúde; Redefinir fluxos de encaminhamentos entre os diversos serviços de atenção à mulher em situação de violência, garantindo maior agilidade e resolutividade no atendimento; Produzir material de apoio para a orientação dos profissionais na formulação e execução das ações de enfrentamento da violência contra a mulher; Formular um plano de ação para implementar políticas públicas de prevenção e de enfrentamento da violência contra a mulher no município de Rolândia, em articulação com outros municípios próximos de maior estrutura. Principais etapas 1ª etapa: seminário de sensibilização - 200 pessoas entre profissionais da rede municipal, Defensoria Pública, Justiça, delegacia, conselhos (tutelar, saúde, assistência, segurança) professores, núcleo de prevenção à violência, entre outros integrantes da rede. Palestrante renomada expert no assunto. 2ª etapa: aquisição de material - 100 kits (bolsa + material) para os/as profissionais envolvidos/as que farão o curso, 30.000 folders de divulgação da rede de enfrentamento e combate à violência, 2.000 cartazes de sensibilização e informação do fluxo de atendimento da rede. 3ª etapa: curso – 100 vagas para o curso de formação em prevenção e combate à violência contra a mulher.


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4ª etapa: momento in loco – monitoramento e avaliação nos pontos de atenção que compõem a rede. Serão beneficiados/as 200 profissionais que receberão capacitação da prática em suas unidades de atendimento. Como o projeto se dirige às mulheres Por meio da implantação de uma rede capacitada, as mulheres que sofrerem qualquer tipo de violências poderão comparecer em qualquer ponto de atenção e serão acolhidas, com atendimento humanizado, de forma resolutiva e eficaz. Quais e como as necessidades das mulheres são atendidas neste projeto A necessidade das mulheres será atendida a partir da disponibilização e acesso a um “atendimento qualificado” nos serviços. As mulheres serão atendidas com a implantação e capacitação de uma rede de atendimento. Como as ações do projeto impactam a vida das mulheres nos campos produtivo, reprodutivo e político No campo produtivo, pode ter a iniciativa de se qualificar e elevar a autoestima. No campo do reprodutivo, ela pode reavaliar se nas decisões tomadas foram levados em consideração seus interesses, suas necessidades. No campo político, desenvolvimento de uma consciência crítica, que seja capaz de exigir um atendimento humanizado, a partir do conhecimento da rede. Equipe responsável pela elaboração do projeto Deise Tokano Leandro Moreira Simone Sartori dos Santos 8. Jornada para fortalecimento da atuação de mulheres pela igualdade de gênero, autonomia e participação política Objeto Realização de jornada técnico-científica com vistas ao fortalecimento da atuação de mulheres pela igualdade de gênero, autonomia e participação política sob a perspectiva feminista. Objetivo geral Realizar uma jornada anual composta de sete eventos relacionados às temáticas feministas e aos direitos sexuais e direitos reprodutivos.


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Objetivos específicos Realizar disseminação e divulgação dos direitos sexuais e direitos reprodutivos e outros temas prioritários para os diferentes grupos de mulheres; Organizar oficinas, mesas redondas e palestras nas datas de referência para o movimento feminista e de mulheres; Contratar palestrantes, pesquisadoras, gestoras com atuação destacada no cenário feminista local, regional e nacional; Produzir e divulgar materiais de comunicação para a jornada de eventos (arte e impressão de cartazes de divulgação, release pré e pós-evento). Metas Etapa

Meta específica

Data de referência

1

Realização de Oficina

Dia Internacional da Mulher (08 de Março)

2

Realização de Mesa Redonda

Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher (28 de Maio)

3

Realização de Mesa Redonda

Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha (25 de Julho)

4

Realização de Mesa Redonda e Oficina

Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (29 de Agosto)

5

Realização de Mesa Redonda e Oficina

Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe (28 de Setembro)

6

Realização de Conferência

Dia Internacional da Não Violência contra as Mulheres (25 de Novembro)

7

Realização de Palestra

Dia Nacional de Luta Contra AIDS (01 de Dezembro)

Resultados esperados Informar grande parte dos/as gestores/as, servidores/as públicos/as, estudantes e movimentos de mulheres do município de Londrina sobre os direitos sexuais e direitos reprodutivos tendo como base a perspectiva feminista; Aumento do número de mulheres conhecedoras de seus direitos, principalmente os direitos sexuais e direitos reprodutivos; Estimular pesquisadores/as, estudantes e movimentos de mulheres a pesquisarem sobre a temática feminista. Como o projeto se dirige às mulheres O projeto se dirige às mulheres reconhecendo-as como sujeito de direitos, cuja liberdade e autonomia são construídas, principalmente, com acesso à informação


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e ao conhecimento sobre seus direitos. Ademais, sua capacidade na tomada de decisões sobre todos os aspectos de sua vida deve ser garantida pelo Estado, por meio de políticas públicas inclusivas e ações voltadas ao empoderamento das mulheres, à eliminação das desigualdades e ao enfrentamento da violência de gênero e da violência institucional. Quais e como os interesses das mulheres são atendidos neste projeto Os movimentos feministas, principalmente nas últimas cinco décadas, proporcionaram inúmeros avanços no campo da construção, reconhecimento e efetivação dos direitos das mulheres. Entre esses avanços no campo da cidadania das mulheres, inclui-se a constatação de que o corpo das mulheres é um “lugar” de controle e de dominação que, ideologicamente, encontra respaldo nas principais instituições sociais (Estado, instituições religiosas, família, escola, ciência, etc.). Esse locus de dominação começou a ser desconstruído a partir do momento em que os movimentos feministas descortinaram a possibilidade de discutir o corpo e suas manifestações como algo inerente aos sujeitos, ao desenvolverem o conceito de direitos sexuais e direitos reprodutivos. Nesse contexto, este projeto pretende divulgar e discutir com as mulheres temáticas fundamentais relacionadas a esses direitos como instrumento de reapropriação de seus corpos. Assim, por meio de atividades informativas e reflexivas, o projeto busca contribuir para o desenvolvimento do senso crítico e melhorar o nível de informação das mulheres sobre essas questões, com vistas ao exercício consciente, livre e seguro dos seus direitos sexuais e reprodutivos. Impacto na vida das mulheres Na medida em que promove, por meio do debate e da reflexão, a “desnaturalização” dos papéis sociais de gênero, possibilita novos olhares sobre o papel da mulher na sociedade, contribuindo para o reconhecimento das mulheres como sujeito de direitos, para a construção de sua autonomia e ampliação de sua participação em todas as esferas da vida social. Equipe responsável pela elaboração do projeto Amanda Gaion Ana Carolina Franzon Camila Cardoso Lima Marisse Queiroz Monica Ribeiro


Avaliação



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As atividades de extensão do projeto conjugaram esforços na área de Ciências Sociais e do Serviço Social, da Universidade Estadual de Londrina e da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, criando condições de desenvolvimento de um curso de capacitação que envolveu técnicas e técnicos de diferentes instituições governamentais e não governamentais que atuam em programas e projetos sociais, assim como pessoas que atuam em movimentos sociais e estudantes. Entendemos que o curso contribuiu para a incorporação da temática de gênero na agenda pública. Por meio dos módulos, foram oferecidos elementos teóricos e práticos voltados ao planejamento das políticas públicas, à participação popular e ao controle social, orientados para a proposta de promoção da equidade de gênero. As/os participantes do curso, de forma ampla, por meio de instrumento de avaliação, consideraram como pontos altos: o nível do curso; a adequação do conteúdo aos objetivos propostos; a carga horária destinada aos módulos; a qualidade/adequação da bibliografia apresentada; a metodologia e recursos didáticos utilizados; o desenvolvimento do Programa; a pertinência dos módulos aos objetivos do Curso. Também foram considerados como pontos positivos: - o nível de conhecimento e preparo dos palestrantes; - a pertinência dos conteúdos e a possibilidade de aplicação prática no campo de atuação dos/as participantes; - os debates possibilitados ao longo do curso e a troca de experiência entre as/os participantes; - o corpo docente envolvendo profissionais de diversas áreas; - a metodologia utilizada no curso; - a utilização de exemplos de aplicação prática dos conhecimentos, como análise de projetos e do Plano Plurianual; - a heterogeneidade do grupo em relação às experiências e campo de atuação. Em relação ao que poderia ser melhorado, as/os participantes indicaram: destinação de maior carga horária aos módulos; melhor utilização do sistema Moodle; aperfeiçoamento de recursos didático-pedagógicos e maior participação nos debates.


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A elaboração de projetos de intervenção foi uma das atividades mais importantes do curso, pois nessa atividade as/os participantes puderam mostrar o grau de incorporação dos conteúdos discutidos, cujo resultado foi muito satisfatório, quando consideramos os pontos levantados pelas/os participantes ao avaliar esta atividade. Esta foi uma atividade programada como etapa final do curso e condensou a mobilização e a aplicação dos conhecimentos e conteúdos trabalhados no decorrer da capacitação. Foram considerados como muito positivos, nessa etapa: a aproximação do objeto de intervenção à realidade local; o aumento no conhecimento sobre o tema proposto; a integração entre fundamentação teórica, a prática e a elaboração orçamentária; a importância da transversalidade das políticas públicas e do trabalho articulado para o enfrentamento de todas as formas de discriminação contra a mulher; o reconhecimento das dificuldades de elaboração de um projeto com perspectiva de gênero, mas, ao mesmo tempo, a percepção da capacidade para construir, apesar das adversidades institucionais. A principal adversidade institucional apontada no processo de elaboração dos projetos foi a dificuldade na obtenção de dados e informações em algumas esferas governamentais de alguns municípios. Destacaram também como dificuldade a falta de experiência com esse tipo de projeto, a construção das etapas das ações a serem executadas e detalhamento orçamentário correspondente à implementação da proposta. Como as/os participantes eram apenas liberadas/os, por suas instituições, para as atividades presenciais do curso, também apontaram dificuldades em relação ao tempo necessário para construção do projeto e à dificuldade de reunião entre todos os componentes da equipe, principalmente quando eram de diferentes organismos. Todos os aspectos apontados nas avaliações, positivos ou negativos, são fundamentais para o aperfeiçoamento de futuros projetos de extensão voltados à capacitação de agentes formuladores e executores de políticas públicas com perspectiva de gênero.


Relatos de experiência



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CURSO GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO: UMA OPORTUNIDADE DE AGUÇAR O OLHAR Clarice Junges 1 Samia Mustafa 2

O seu olhar agora O seu olhar nasceu O seu olhar me olha O seu olhar é seu O seu olhar seu olhar melhora Melhora o meu (Fragmento da canção O seu olhar, de Arnaldo Antunes) A partir da experiência profissional cotidiana de gestão da informação no âmbito da Política de Assistência Social do Município de Londrina, a oportunidade de participar do Curso de Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero, promovido pela Universidade Estadual de Londrina em parceria com a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, representou a construção de novos olhares norteadores dessa prática. A gestão da informação no âmbito da Política de Assistência Social está focada na coleta de dados territorializados, sistematização, análise e elaboração de diagnósticos que fundamentam planos e relatórios (Plano Plurianual, Plano Municipal de Assistência Social, Relatório de Gestão, etc.), bem como a pactuação entre as instâncias de governo, a captação de recursos, a ampliação e qualificação da rede de serviços socioassistenciais de Londrina. O Curso nos proporcionou a interação (uma troca de olhares) com profissionais de outras políticas públicas, tanto de Londrina quanto de municípios vizinhos, trazendo ao nosso conhecimento experiências ricas e diversificadas de atenção às mulheres, voltadas a garantir-lhes os seus direitos de cidadania. Um parêntese: Essa vasta diversidade de visões que tivemos a grata satisfação de vivenciar no Curso também já foi poeticamente registrada... 1

2

Socióloga. Mestre em Ciências Sociais. Gestora Social na Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Londrina. Assistente Social. Gestora Social na Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Londrina.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar. Clarice Lispector No campo teórico, o conteúdo transmitido pela equipe docente em muito contribuiu para o processo reflexivo acerca das relações de gênero na sociedade e, em especial, para a compreensão da importância desse conhecimento no planejamento e execução das políticas públicas. Os debates em torno de temas como a divisão sexual do trabalho nos âmbitos público e privado, as lutas feministas, saúde e direitos reprodutivos, entre outros, contribuiu para aguçar o nosso olhar e intensificar nosso desejo de inserir a questão da desigualdade de gênero nas leituras das práticas socioassistenciais. Vimos também que outras variáveis de análise da realidade social, como raça e renda, caminham lado a lado com a perspectiva de gênero e precisam ser igualmente levadas em consideração na formulação das políticas públicas. Assim, se a mulher, independentemente da classe social à qual pertença, ainda ocupa posições subalternas comparativamente ao homem (as profissões com as piores remunerações, por exemplo), sendo negra e pobre, seus problemas multiplicam-se consideravelmente, intensificando-se o grau de subalternidade a que está sujeita nas relações de trabalho e reprodutivas. Para a finalização dos trabalhos do Curso realizamos, em grupo, a construção de um projeto de pesquisa sobre o uso do tempo em cuidados pelas mulheres do Residencial Vista Bela – Londrina, PR. Esse estudo remete ao tempo gasto pelas mulheres na esfera dos cuidados com filhos, com pessoas idosas ou deficientes e com a casa e seus desdobramentos, consideravelmente superior àquele gasto pelos homens. “O estudo e o conhecimento da realidade são também necessidades imperativas do ponto de vista dos que querem transformá-la” (Carlos Rodrigues Brandão). Considerando a constatação de que Londrina não possui indicadores de uso de tempo, que são parâmetros para a elaboração de políticas mais abrangentes que incluam bens e serviços sociais que possibilitem a inclusão e a permanência das mulheres no mercado e a conciliação com a vida familiar e pessoal, o projeto se propôs a contribuir com o estudo de tais indicadores, para evidenciar as desigualdades (negativas) de gênero na nossa cidade.


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São muitas as dominações e subjugações ainda presentes em nossa sociedade. Reconhecê-las é o primeiro passo para promover a transformação dessa realidade. Nesse sentido, repetimos, o Curso foi de grande importância. É fundamental que iniciativas como essas se repitam constantemente. E por ser árduo o esforço para a promoção de igualdade e justiça social, que a arte nos inspire e traga alguma leveza...

Com licença poética (Adélia Prado) Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro [Londrina também] uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. (PRADO, A. Bagagem. São Paulo: Siciliano. 1993. p. 11)


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CURSO GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO: UM RELATO SOBRE A PARTICIPAÇÃO DAS DOCENTES DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL NA FACULDADE METROPOLITANA DE MARINGÁ Elza Marques da Silva Mariucci3 Priscila Semzezem4

O curso “Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero” teve o objetivo de oferecer elementos teóricos e práticos aos/às participantes para intervenção no processo de concepção, elaboração, implementação, monitoramento e avaliação dos projetos, programas e ações estatais, de forma a assegurar a transversalidade e a intersetorialidade de gênero nas políticas públicas. Participaram profissionais da cidade de Londrina e região e profissionais de Maringá com a finalidade de se capacitar acerca da temática. Os/as profissionais de Maringá que participaram e concluíram são docentes da Faculdade Metropolitana de Maringá, e o curso despertou no cotidiano de trabalho a importância de aprofundamento sobre a temática e ainda nos permitiu criar uma proposta de trabalho. Ao relacionarmos com isso a nossa realidade, identificamos a invisibilidade da temática na região. Por meio de uma pesquisa rápida nos sites das prefeituras, foi possível perceber que na maioria dos municípios não existem ações ou órgãos instituídos que tratam especificamente da questão de gênero ou da mulher, ou se existem não são divulgados. Somente em Maringá, um município de grande porte, existe uma secretaria própria para essa finalidade. Sabemos que não é uma realidade diferente da do Brasil, pois pesquisas como a de Novellino (2011) sobre os órgãos gestores de políticas para mulheres, apontam que eles se concentram nos municípios grandes, ou seja, quanto maior o município maior a possibilidade de haver órgão gestor para políticas de gênero. E, ainda, em 71% dos municípios de médio porte com órgão gestor há Conselhos dos Direitos da Mulher instituídos, proporção que cai para 54,5% no caso dos municípios 3

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Assistente Social, Docente do Curso de Serviço Social FAMMA – Faculdade Metropolitana de Maringá. E-mail: elzamariucci@gmail.com Assistente Social, Docente do Curso de Serviço Social Famma – Faculdade Metropolitana de Maringá e da UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná/ Campus Paranavaí Paraná. E-mail: priscilasemzezem@hotmail.com


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pequenos, 8,4% nos municípios de tamanho médios. Nos municípios de grande porte, esses Conselhos existem em 23,5% dos casos. A partir dessa realidade e da relação com o cotidiano de trabalho no âmbito da formação de profissionais em Serviço Social, percebemos as possibilidades de construção da proposta de trabalho, tendo como base a Resolução nº 15, de 13 de março de 2002, do Conselho Nacional de Educação, que estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social. Nela, o perfil dos/as formandos/as se relaciona à atuação das expressões da questão social, formulando e implementando propostas de intervenção para seu enfrentamento, com capacidade de promover o exercício pleno da cidadania e a inserção criativa e propositiva dos usuários e das usuárias do Serviço Social no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho. Nessa Resolução, as Competências e Habilidades Gerais têm na formação profissional o meio para viabilizar uma capacitação teórico-metodológica e ético-política como requisito fundamental para o exercício de atividades técnico-operativas, com vistas à compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade; identificação das demandas presentes na sociedade, visando a formular respostas profissionais para o enfrentamento da questão social e a utilização dos recursos da informática. Conforme essa mesma Resolução, a organização do curso deverá prever a flexibilidade dos currículos plenos, integrando o ensino das “disciplinas” com outros componentes curriculares, tais como: oficinas, seminários temáticos, estágio e atividades complementares; o rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e do Serviço Social que possibilite a compreensão dos problemas e desafios com os quais o/a profissional se defronta; o estabelecimento das dimensões investigativa e interpretativa como princípios formativos e condição central da formação profissional, e da relação teoria e realidade; presença da interdisciplinaridade no projeto de formação profissional; entre outros. Propõe-se, nas Diretrizes Curriculares (1996), uma lógica curricular inovadora, que supere a fragmentação do processo de ensino-aprendizagem e permita uma intensa convivência acadêmica entre professores, alunos e sociedade. No que se refere, especialmente, ao Projeto Pedagógico do Curso de Serviço Social (2012) da Faculdade Metropolitana de Maringá- FAMMA, também se prevê a constituição interdisciplinar dos saberes, considerando suas singularidades. A indissociabilidade entre teoria e prática, a aproximação da realidade e o conhecimento do território de atuação do/a assistente social favorecem


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a identificação das situações de risco social, bem como as potencialidades de cada área de abrangência. Nesse sentido, um dos objetivos específicos é criar modelos pedagógicos que reflitam o dia a dia do profissional, utilizando laboratórios dotados de aparato tecnológico que estejam em concordância com a atualidade do campo profissional. Partindo desse pressuposto e do aprofundando na temática de gênero por meio do curso em Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero, da Universidade Estadual de Londrina, relacionamos a temática de gênero com a grade curricular do projeto pedagógico (2012) da FAMMA. Como docente, no segundo semestre de 2013, tivemos a oportunidade de desenvolver o conteúdo do componente curricular de Oficina de Formação Profissional VI no curso de Serviço Social- FAMMA. A Ementa destaca “as práticas de assistentes sociais locais e da região, impasses e possibilidades de efetivação do Projeto Ético-Político Profissional.” Ao participar do curso de Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero na Universidade Estadual de Londrina, optamos por investigar a realidade local e regional a partir das questões de gênero. Conforme a ABEPSS- Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (1996, p.14): A postura investigativa é um suposto para a sistematização teórica e prática do exercício profissional, assim como para a definição de estratégias e o instrumental técnico que potencializam as formas de enfrentamento da questão social. Este conteúdo da formação profissional está vinculado à realidade social e às mediações que perpassam o exercício profissional. Tais mediações exigem não só a postura investigativa, mas o estreito vínculo com os modos de pensar/agir dos profissionais.

O componente curricular de “Oficina de Formação Profissional VI” teve a carga horária de 40 horas semestrais. Semanalmente, o desenvolvimento das atividades aconteceu em duas horas- aula. Primeiramente, socializamos e debatemos conteúdos referentes às políticas públicas e suas interfaces com as questões de gênero, raça- etnia. Destacamos a importância de se conhecer a realidade local e regional por meio da investigação. Na dinâmica das aulas, optamos por ter como lócus de pesquisa os municípios de abrangência do Escritório Regional de Maringá / SEDS- Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social. Dos vinte e nove municípios, as acadêmicas levantaram as políticas públicas para as mulheres existentes em dez


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municípios. Foram eles: Floresta; Ivatuba; Marialva; Mandaguaçu; Mandaguari; Maringá; Nova Esperança; Paiçandu; Santo Inácio e Sarandi. Organizamos um questionário semiestruturado para as acadêmicas terem como instrumental na coleta de dados. Os itens elencados foram o histórico e o perfil do município; os organismos de políticas para as mulheres; a existência ou não de Conselho de Direitos da Mulher e outros conselhos de direitos, verificando se há paridade ou não e os serviços de atendimento à mulher por tipo de serviço. Desse questionário foi possível avançar em outras questões relacionadas à temática de gênero, como, por exemplo, a constituição do Executivo e do Legislativo nos municípios na perspectiva de gênero. Ao final da pesquisa de campo pelas acadêmicas do sexto semestre de 2013, foram socializados os resultados na sala de aula. Houve debate com as várias percepções das acadêmicas sobre o diagnóstico feito nos dez municípios. Na maioria dos casos, as acadêmicas registraram a dificuldade de obter os dados coletados, apesar de saberem que todos eles deveriam ser públicos. Todo o processo até chegar à socialização dos resultados da pesquisa serviu para avaliação do componente curricular. Na sequência, no primeiro semestre de 2014, tem-se o componente curricular “Oficina de Formação Profissional VII”. A ementa estabelece a organização e a participação de fóruns de debate com os diversos segmentos da sociedade civil para acompanhamento e entendimento das questões sociais locais. Ao se ter a clareza de que os dados levantados anteriormente são totalmente relevantes e constituem um diagnóstico das políticas de gênero existentes, ou não, nos dez municípios pesquisados, o referido conteúdo será socializado na Semana do Serviço Social da FAMMA, dia 14 de maio de 2014. Sob a nossa orientação, as acadêmicas organizarão desde a recepção aos/ às participantes até a avaliação do resultado final dessa apresentação. Para isso, foram formados grupos e deliberadas funções para sistematização dos dados. Serão as próprias acadêmicas que apresentarão os resultados da pesquisa realizada. A experiência de participar do curso em Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero na Universidade Estadual de Londrina veio fortalecer as nossas ações cotidianas. Como docentes, especialmente, tivemos a oportunidade de contemplar a produção, difusão, articulação e o debate sobre conhecimentos referentes ao campo de estudos e pesquisas em relações de gênero e políticas públicas.


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Destaca-se que o curso fomentou a realização de pesquisas que proporcionarão sistematização de dados e ainda subsidiarão alternativas práticas para o desenvolvimento de ações coletivas que implicarão em novos valores culturais e políticos e também em resultados para a sociedade.

REFERÊNCIAS ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes Curriculares do Curso de Serviço Social. Rio de Janeiro, novembro de 1996. Brasil. Lei Ordinária nº 8.662, de 07 de julho de 1993. Dispõe sobre a profissão de assistentes social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, D.F., 8 de junho de 1993. Seção 1, p. 148. ______. Resolução CNE/CES nº 15, de 13 de março de 2002. Estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social. Diário Oficial da União, Brasília, D.F., 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 33. FAMMA. Faculdade Metropolitana de Maringá. NEPREGER- Núcleo de Estudos e pesquisas em Relações de Gênero e Étnico-Raciais. Maringá: Famma, 2013. NOVELLINO. Maria Salet Ferreira. Análise dos dados sobre a gestão da política de gênero da Pesquisa de Informações Básicas Municipais- MUNIC 2009: Perfil dos municípios brasileiros, realizado pelo IBGE. Disponível em: <http://www.uel.br/eventos/gpp/ pages/arquivos/Maria%20Salet.pdf>. Acesso em 01 abr. 2014. UNIFAMMA. Universidade Metropolitana de Maringá. Projeto Pedagógico do Curso de Serviço Social. Maringá: UNIFAMMA, 2012.


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A PARTICIPAÇÃO E A VISIBILIZAÇÃO DAS MULHERES NA PRODUÇÃO E FRUIÇÃO CULTURAL LONDRINENSE Vanda de Moraes5 Pâmela C. P. Salles6 Carolina T. Terciotti7 Letícia Baptista8

O presente relato trata da participação das mulheres na produção e fruição cultural londrinense, percebida por meio do levantamento e análise de dados oriundos de ações e programas desenvolvidos pela Secretaria Municipal de Cultura. A partir do enfoque oferecido pelo Curso de Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero, buscou-se observar a presença das mulheres no cenário cultural da cidade de Londrina, principalmente quanto à naturalização dos papéis masculino e feminino. A civilização ocidental e a maioria das civilizações tiveram como base sistemas sociais em que os homens determinam o que é permitido ou não às mulheres, mantendo a submissão da fêmea ao macho como fator “natural”. Seja pela pressão, força, rituais, tradição, lei e linguagem, costumes, etiqueta, educação ou divisão do trabalho, fato é que tal estrutura permaneceu por milênios. Muito embora as alterações sociais ocorridas, este modelo artificial de relação ainda perpassa os diferentes níveis da sociedade. Conforme Santos (2012) nos esclarece, a Cultura pode ser entendida como uma dimensão do processo social. Enquanto prática e tradição de um povo é um produto da história coletiva, sendo que a maneira de conceber e expressar a realidade vivenciada ou desejada é decorrente das relações estabelecidas por esta coletividade. Logo, não é possível ignorar as relações de poder existentes nas expressões culturais. 5

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Diretora de Patrimônio Artístico e Histórico-Cultural da Prefeitura Municipal de Londrina. Graduada em História (UEL), Especialista em Patrimônio Cultural e Identidades. Técnica de Gestão Pública da Prefeitura Municipal de Londrina. Graduanda em Psicologia (UNIFIL). Diretora de Incentivo à Cultura da Prefeitura Municipal de Londrina. Graduada em Comunicação Social – Relações Públicas (UNOPAR), Especialista em Comunicação com o Mercado (UEL) e Gestão Pública (INSTITUTO RHEMA) Gestora Cultural Serviço de Biblioteconomia de Prefeitura Municipal de Londrina. Graduada em Biblioteconomia (UEL), Especialista em Patrimônio Cultural e Identidades.


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É por isso que as lutas pela universalização dos benefícios da cultura são ao mesmo tempo lutas contra as relações de dominação entre sociedades contemporâneas, e contra as desigualdades básicas das relações sociais no interior das sociedades. São lutas pela transformação da cultura. (SANTOS, p.86, 2012)

A Política Municipal de Cultura de Londrina tem como objetivo valorizar, incentivar, difundir, defender e preservar as manifestações culturais, visando à realização integral da pessoa humana. Para isto, é necessária a garantia do acesso democrático aos bens culturais e o direito à sua fruição, fortalecendo os vínculos afetivos com a memória da cidade e estimulando atitudes críticas e cidadãs. A Secretaria Municipal de Cultura, que é órgão gestor desta política, em conjunto com o Conselho Municipal de Cultura, visa à mobilização da sociedade através da adoção de mecanismos que permitam, por meio de ação comunitária, definir prioridades e assumir co-responsabilidades pelo desenvolvimento e sustentação das manifestações e projetos culturais. Assim, desde seu formato inicial, a política cultural do município busca a dessexualização dos processos, garantindo o acesso igualitário de homens e mulheres em todas as ações e a ampliação das habilidades masculinas e femininas, visando à desnaturalização dos papéis. A participação de servidoras da Secretaria Municipal de Cultural no Curso de Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero possibilitou a ampliação dos conhecimentos específicos sobre o tema. Oportunizou, ainda, o aprimoramento da atuação profissional através dos temas estudados, dos debates e da elaboração de um projeto. Neste ínterim, o olhar sobre o próprio cotidiano de trabalho foi potencializado, permitindo vislumbrar a influência das questões de gênero. Durante o período de participação e elaboração do projeto, foi possível levantar pela primeira vez a produção e fruição cultural de mulheres no cenário cultural londrinense. Para o levantamento, foram utilizados o banco de dados com o acervo de obras de arte do MAL (Museu de Arte de Londrina), uma mostra do acervo da Biblioteca Francisca Campinha Garcia Cid; assim como dados de projetos aprovados no PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) de 2008 a 2013 e documentos referentes ao Projeto “Memorial do Pioneiro”, realizado em 2007. O acervo de obras de arte do Museu de Arte – MAL foi inteiramente catalogado em 2013 utilizando o sistema INFOMUSA – Base de dados para pequenos museus. Por meio desta sistematização, foi possível observar que das, 653 obras existentes, excluindo as 55 de autoria ainda não identificada, 485 são de autoria de artistas homens e 113 de mulheres. As obras mais antigas do acervo


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datam de 1968, entre elas existe apenas uma de autoria de artista mulher: uma gravura em metal da artista plástica Celina. No piso inferior do Museu de Arte de Londrina, localiza-se a Biblioteca Francisca Campinha Garcia Cid, especializada em Arte, que possui um acervo de três mil títulos de livros. Destes foi realizada uma amostragem de 100 títulos de livros/catálogos que tratam de exposições artísticas em todo o país, na qual se verificou que 74 são de autoria de artistas homens e 26 são de mulheres. Nessa biblioteca também é possível localizar um antigo cadastro de artistas do município utilizado pela Secretaria Municipal de Cultura na década de 90, importante fonte de verificação da experiência e atuação dos artistas na época, no qual foi possível constatar que, num universo de 170 currículos, 88 são de artistas homens e 72 de artistas mulheres. Fica claro que, no que tange à autoria, em âmbito nacional, de livros/ catálogos de arte e de obras de arte, esta aproximação revelada no antigo cadastro de artistas entre o quantitativo de mulheres e homens não pôde ser verificada. É possível que tais diferenças na produção de livros e obras de arte sejam também um reflexo da histórica condição da mulher na sociedade, em que a possibilidade de ter sua expressão artística e cultural reconhecida foi longamente cerceada. Chama-nos atenção, porém, o fato de, no acervo de obras de arte do MAL, praticamente todas as obras de autoria de artistas mulheres terem sido criadas a partir de 1980. Através do antigo cadastro de artistas, também podemos observar que na década de 1990 o universo cultural da cidade contava com um número aproximado entre artistas mulheres e homens. O que nos remete ao fato de Londrina, a partir da década de 1990, ter tido significativa atuação cultural de artistas mulheres. No ano de 2007, por meio de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura – Diretoria de Patrimônio Artístico e Histórico-cultural e o Museu Histórico de Londrina “Pe. Carlos Weiss”, foi construído o “Memorial do Pioneiro”. Durante o projeto de instalação desse memorial, buscou-se assegurar a valorização do papel da mulher no esforço colonizatório, muitas vezes só creditado aos homens. Essa atitude possibilitou visibilizar a presença feminina nas placas que contêm os nomes dos colonizadores que aqui chegaram ou nasceram na primeira década de colonização da cidade de Londrina, ou seja, no período de 1929 a 1939. Assim, dos 3.423 nomes constantes no Memorial, 1.272 são de mulheres pioneiras, fruto de registro efetuado pelo Museu Histórico. A atuação das mulheres se expressa claramente nos dados revelados pelo Programa Municipal de Incentivo à Cultura (PROMIC) de 2008 a 2013. Criado em 2002, é o principal mecanismo de fomento a projetos culturais no Município de Londrina, por meio do Fundo Especial de Incentivo à Cultura (FEPROC). O


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PROMIC possibilita o levantamento e a análise de indicadores culturais e sociais por meio de dados apresentados pelos projetos culturais inscritos e aprovados. Em 2008 foram 318 projetos inscritos totalizando 48% de participação das mulheres que concorreram ao incentivo municipal. Em 2009, dos 239 projetos apresentados, observou-se 47% de participação feminina; em 2010, dos 304 projetos, foram 45%; em 2011, dos 132 projetos foram 40%; em 2012, dos 151 projetos foram 62% e em 2013, dos 155 projetos, tivemos a iniciativa de 39%. Em média, 47% dos projetos inscritos no período de 2008 a 2013 eram de autoria de produtoras culturais. Quanto ao total de projetos aprovados nesse período, que receberam recursos públicos para financiar as atividades culturais, identificamos que, em média, a porcentagem destinada para os projetos de produtoras culturais praticamente se iguala à dos homens. Em 2008, tivemos 82 projetos aprovados, o que gerou 45% do patrocínio voltado para as mulheres; em 2009, dos 69 projetos, tivemos 54% do patrocínio; em 2010, dos 77 projetos, foram 48%; em 2011, dos 81 projetos, foram 49%; em 2012, dos 72 projetos, foram 44% e em 2013, dos 58 projetos, foram 40% de incentivo. Podemos segmentar a totalidade dos projetos aprovados em 2 categorias: Projetos Culturais Independentes que partem da iniciativa independente dos produtores culturais, oportunizando a participação de pessoa física e jurídica, e Projetos Estratégicos que são voltados para estimular a produção artística e cultural de segmentos culturais, em todas as regiões do município, direcionados somente para pessoa jurídica. Dos Projetos Estratégicos, o que se observa é que existe um equilíbrio de atuação. Com média de 50% de produtoras culturais, o desempenho das mulheres chega a ultrapassar os homens em determinados anos. Em 2008, tivemos 21 projetos, fixando o porcentual de 49% de atuação de mulheres; em 2009, dos 20 projetos, tivemos 50% de ação; em 2010, dos 27 projetos, foram 44%; em 2011, dos 30 projetos, foram 46%; em 2012, dos 29 projetos, foram 58% e em 2013, dos 20 projetos, foram 55% incentivadas. Já sobre os Projetos Culturais Independentes, é de 46% a média de projetos de artistas mulheres. Em 2008, tivemos 61 projetos, o que determinou o porcentual de 44% de atuação de mulheres; em 2009, dos 49 projetos, tivemos 55% de ação; em 2010, dos 50 projetos, foram 44%; em 2011, dos 51 projetos, foram 49%; em 2012, dos 43 projetos, foram 35%, e em 2013, dos 51 projetos, foram 48% incentivadas. Interessante também observar que, dos projetos inscritos através de entidades - Pessoa Jurídica, 43% dos dirigentes destas são mulheres. Verificamos nos últimos seis anos a expressiva participação da mulher no cenário cultural londrinense, tanto na ação direta quando indireta nos projetos do PROMIC.


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A partir da análise dos dados e indicadores disponibilizados pela Secretaria Municipal de Cultura, pode-se observar uma importante participação das mulheres na produção e fruição da cultura na cidade de Londrina. A consolidação desses indicadores culturais, seu aperfeiçoamento e a criação de novos mecanismos destinados à medição e avaliação na área são um desafio perceptível nos documentos que regem a política cultural nacional, estadual e local. Destarte, a participação no Curso de Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero, através do exercício de elaboração de um projeto específico, possibilitou pela primeira vez a identificação de dados sobre o segmento feminino no cenário cultural londrinense. Esses, por sua vez, podem fornecer diretrizes para melhor acompanhamento dessas ações, bem como fomentar a realização de mais ações, projetos e programas que contemplem esse público. Ressaltamos que a participação da mulher nesse contexto reforça a consolidação da cultura como uma Política Pública de Cultura que possibilita ampla opção de manifestação cultural em diversas áreas e segmentos culturais sem qualquer limitador.

REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Cultura. As metas do plano nacional da cultura. Brasília: Minc, 2012. FARIA, Nalu; NOBRE, Miriam. O que é ser Mulher? O que é ser Homem?: Subsídios para uma discussão das relações de gênero. In: Cadernos Sempre Viva: Gênero e Desigualdade. São Paulo: SOF,1997. FARIA. Nalu. Gênero e Políticas Públicas: Uma breve abordagem das relações de Gênero. In: Feminismo e luta das mulheres: análises e debates. <http:/// www.sof.org.br/ system/resources/.../Livro_FemLutMulh.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2014. SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2012. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA (PR), Secretaria Municipal de Cultura. Projeto Básico Modernização do Teatro Zaqueu de Melo. Londrina: 2013. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA (PR), Secretaria Municipal de Cultura. INFOMUSA Museu de Arte de Londrina. Londrina: 2014. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA (PR), Secretaria Municipal de Cultura. Projeto Memorial do Pioneiro. Londrina: 2007. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA(PR), Secretaria Municipal de Cultura. Programa de Incentivo à Cultura. Londrina: 2014.


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POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE LONDRINA Cristina Rossi9 Sirlei Fortes de Jesus10 Lucimar Rodrigues da Silva Alves11 Mirtes Viviani Menezes12 Patrícia Aparecida Mary Ferri Raboni13 Sueli Galhardi.14

A violência contra a mulher é um dado histórico-cultural inegável não somente em nosso país, mas em diversos outros lugares do mundo. Desde a Antiguidade, a mulher vem sofrendo discriminação e preconceito. Essa discriminação é composta por diferentes períodos históricos, socioeconômicos e culturais, vivenciados em cada época da sociedade. O enfretamento à violência contra a mulher se constituiu através de várias lutas realizadas pelo movimento feminista no Brasil. Apesar de várias conquistas alcançadas, a violência contra a mulher ainda é um grave problema social. De caráter estrutural, ela perpassa todas as esferas da vida social e contribui para preservar as desigualdades históricas entre mulheres e homens. Sabemos que a violência contra as mulheres é um eficiente mecanismo de controle social e de reprodução das desigualdades, e os serviços públicos devem trabalhar dentro da perspectiva de gênero de forma a oferecer a essas mulheres alternativas possíveis para retirá-las da situação de violência. Quando falamos em Políticas Públicas na perspectiva de gênero, devemos ter claro o princípio da universalidade das políticas, ou seja, as políticas devem 9

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Assistente Social do Centro de Referência e Atendimento à Mulher. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Prefeitura de Londrina. Assistente Social do Centro de Referência e Atendimento à Mulher. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Prefeitura de Londrina. Assistente Social – Diretora de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Prefeitura de Londrina. Psicóloga do Centro de Referência e Atendimento à Mulher. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Prefeitura de Londrina. Psicóloga - Gerente do Centro de Referência e Atendimento à Mulher. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Prefeitura de Londrina. Assistente Social do Centro de Referência e Atendimento à Mulher. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Prefeitura de Londrina.


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ser desempenhadas integralmente de forma a garantir o acesso aos direitos sociais, políticos, econômicos e culturais para todas as mulheres. O princípio da universalidade deve ser manifestado em políticas permanentes nas três esferas governamentais: federal, estadual e municipal, caracterizando políticas públicas com ações afirmativas, em sua integralidade e intersetorialidade dos direitos, de forma a buscar efetivamente a igualdade e a equidade de gênero, raça e etnia. A integração das políticas públicas de atendimento à mulher, envolvendo, prioritariamente, as áreas de saúde, justiça, segurança, educação e assistência social, é um importante passo em direção à igualdade entre homens e mulheres na sociedade mais ampla e justa. Com a missão de contribuir para a construção de sociedade igualitária entre homens e mulheres, a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres do município de Londrina (SMPM) mantém serviços e programas de atendimento às mulheres, atuando de forma articulada com os demais órgãos da administração municipal, visando promover a incorporação da perspectiva de gênero nas demais políticas públicas. A participação da equipe técnica do Centro de Referência e Atendimento à Mulher (CAM), um dos serviços mantidos pela SMPM, no curso “Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero”, foi essencial para qualificar a atuação desses profissionais nos processos de elaboração, aplicação, monitoramento e avaliação de projetos voltados para o enfrentamento da violência de gênero, bem como orientar o conjunto de ações emanadas pelo poder público. O curso também veio ao encontro de um dos principais objetivos da Secretaria que é desenvolver ações que contemplem a transversalidade de gênero nas políticas públicas. Considerando a complexidade que envolve a questão da violência de gênero, problema de múltiplos fatores, a integração das políticas públicas de atendimento à mulher, prioritariamente, das áreas de saúde, justiça, segurança, educação e assistência social é de fundamental importância. A cidade de Londrina pode ser considerada uma cidade privilegiada em termos de implementação de políticas públicas para o enfrentamento da violência contra a mulher. No ano de 1986, foi implantada na cidade a Delegacia da Mulher, uma das primeiras do país. Em 1993, com a implantação da Coordenadoria Especial da Mulher, foi criado o Centro de Referência e Atendimento à Mulher (CAM), oferecendo atendimento social, jurídico e psicológico às mulheres em situação de violência.


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No ano de 2004, a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres implantou a Casa Abrigo Canto de Dália, serviço de caráter sigiloso destinado ao abrigamento temporário de mulheres em situação de risco de morte, em razão de violência doméstica. Outro importante serviço é o Programa Rosa Viva, que se destina ao atendimento de mulheres vítimas de violência sexual. O Programa foi criado no ano de 2001, a partir de uma parceria entre as Secretarias Municipais de Saúde e da Mulher e funciona na Maternidade Municipal Lucila Ballalai. Desde que a Lei Federal nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi sancionada, militantes do movimento de mulheres, gestores e profissionais, que atuam na área de prevenção e enfrentamento da violência doméstica e familiar, reivindicavam a implantação das varas especializadas para o atendimento desses casos. Em 5 de outubro de 2010, foi instalada em Londrina a Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e de Crimes Contra a Criança e o Adolescente. A estruturação da Rede Municipal de Enfrentamento da Violência Doméstica e Sexual(decreto 246/11) é resultado de luta de mais de 15 anos da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres de Londrina, que sempre pautou suas ações pela necessidade de articular os diversos serviços que atuam na proteção e no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher no nosso município. A realização do Encontro da Rede Municipal de Serviços de Enfrentamento da Violência Doméstica e Sexual, durante a 19ª Semana Municipal da Mulher, em março de 2011, foi mais um passo para a consolidação dessa Rede, resultando na definição de um planejamento de trabalho que inclui a realização de reuniões mensais para discussão, avaliação e definição de fluxos e protocolos, capacitação de profissionais e outras ações que visam melhorar a articulação dos serviços nessa área. Sendo assim, Londrina apresenta uma condição privilegiada quanto à oferta de serviços e ações de enfrentamento da violência doméstica contra a mulher. No entanto, os profissionais que atuam nessa área têm apontado uma série de problemas que revelam limitações e deficiências, tanto nas ações preventivas quanto nas ações de atendimento às inúmeras demandas das mulheres que se encontram em situação de violência, principalmente no que tange à questão da transversalidade de gênero nas políticas públicas do município. Além da qualificação profissional, este curso também nos possibilitou a troca de experiências com profissionais de outras áreas presentes no curso, de forma a aperfeiçoar e melhorar o atendimento à mulher, através do trabalho realizado por equipe interdisciplinar, possibilitando redesenhar as ações e promover a qualidade nos serviços prestados às mulheres. Ao mesmo tempo nos


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forneceu informações essenciais de como elaborar políticas públicas eficientes e eficazes nessa área e da importância da intersetorialidade e transversalidade na construção de políticas que realmente sejam resolutivas. Com relação ao conteúdo e à didática, o curso, foi bem elaborado e dinâmico, pois os facilitadores nos permitiram o compartilhamento do aprendizado, estimulando a reflexão e as vivências de cada participante. Os facilitadores são competentes, experientes, com ótima postura pedagógica, superando nossas expectativas. Por fim, as atividades realizadas no curso corresponderam ao objetivo de cada etapa trabalhada, dentro do tempo previsto.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO Camila Cardoso Lima15

A Lei Maria da Penha tem por objetivo a proteção da mulher vítima de qualquer tipo de agressão dentro do lar. A criação de uma lei protetiva da mulher que tenha por foco a erradicação da violência doméstica justifica-se num contexto cultural em que as diferenças de gênero e a posição de inferioridade da mulher na sociedade são uma realidade histórica na humanidade, fazendo-se necessário tratar tal problema de forma profunda, evitando simplificá-lo ou banalizá-lo. Trabalhando e pesquisando sobre temas, como violência contra a mulher e violação de seus direitos, percebemos que o próprio ordenamento jurídico brasileiro manteve, por anos a fio, as mulheres em condições desiguais e inferiorizadas. Até o advento do novo Código Civil de 2002, a legislação que vigia colocava a mulher em posição inferior, equiparando-a aos filhos menores, como sujeito incapaz e totalmente dependente do marido. O direito e as leis podem libertar e emancipar os indivíduos, mas também podem ser utilizados como meio de controle social, e assim o fez com as mulheres. Mesmo hoje, com as leis tendo sido modificadas, atualizadas, humanizadas, estabelecendo uma igualdade formal, sabemos que persistem uma desigualdade e uma discriminação material que ainda assolam meninas e mulheres que se tornam vítimas dos mais diversos tipos de violência, seja doméstica, sexual, simbólica, obstétrica. Violências que ocorrem, frequentemente, embaixo dos olhos da lei, em casa, na rua, no trabalho, nas instituições de ensino, saúde, delegacias, mesmo as especializadas. As leis de proteção e que estabeleçam direitos e garantias são de estrita necessidade e são um marco importantíssimo na luta das mulheres, mas sozinhas não são capazes de mudar uma realidade que se solidificou ao longo dos anos. Por isso, a efetivação dos direitos das mulheres pressupõe considerá-las como sujeitos de direitos e dar-lhes os instrumentos políticos e jurídicos disponíveis para defenderem-se das situações de opressão, desigualdade e violência.

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Camila Cardoso Lima. Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional Contemporâneo pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC). Graduada em Direito pela PUC/PR.


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A participação no curso de Gestão de Políticas Públicas com perspectiva de Gênero trouxe temas importantes para a reflexão a respeito da dinâmica da sociedade em dimensões estranhas ao campo do direito, das quais o operador do direito não tem qualquer conhecimento e que são essenciais no combate à violência contra as mulheres e na confirmação de seus direitos, visto se tratar de um problema multifacetário e multidisciplinar. Nas últimas décadas consolidou-se a ideia de que a violência contra a mulher é um problema público, situação que levou à formação de um discurso politizado relativo aos atos de violência praticados contra a mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada, privilegiando-se o caráter exclusivamente punitivo da Lei nº 11.340/2006. Concomitante ao discurso punitivo verifica-se, atualmente, uma crise crescente no sistema de justiça criminal brasileiro que envolve vários fatores, entre eles a morosidade, a impunidade, mas principalmente a certeza dessa impunidade por parte do agressor, colocando em descrédito todo o aparato estatal. Sabe-se, contudo, que a via meramente punitiva não resolve um problema tão complexo como a violência doméstica. Juntamente com a “solução” punitiva, deve-se promover o enfrentamento à violência, através de legislação e políticas públicas que reconheçam esse tipo de violência como uma violação aos direitos humanos e que instrumentalize o Estado em prol das vítimas da violência de gênero. Cursos como o que foi ministrado, voltado para servidores e pessoas que trabalham diretamente com mulheres vítimas de violência ou mesmo em busca de autonomia e empoderamento para melhor viver, é de uma contribuição riquíssima, pois capacita, oferece informações e subsídio para uma mudança de paradigmas e melhor atendimento. Proporcionou, ainda, a oportunidade de troca entre as participantes, profissionais de áreas diversas, como saúde, assistência social, educação e outros, o que permitiu uma ampliação do universo de análise e uma perspectiva de atuação para além da esfera jurídica, mas que tem papel fundamental no seu fortalecimento e efetividade. A Lei nº 11.340/2006, ou Lei Maria da Penha, é resultado das lutas perpetradas por movimentos feministas e de mulheres e pela implementação de políticas públicas eficientes que levaram ao reconhecimento da violência doméstica como um problema público a ser enfrentado pelas autoridades e pela sociedade. Essas políticas públicas, no entanto, devem ser pensadas sob a perspectiva de gênero proposta pelo projeto. A questão de gênero deve integrar a construção das políticas de maneira transversal, senão nunca será possível chegar


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ao resultado almejado pela lei: a eliminação da violência contra a mulher, em todas as suas formas, principalmente dentro do espaço doméstico. Tendo como ponto de partida a problemática multidisciplinar que envolve a violência familiar e doméstica contra a mulher, é fundamental buscar-se um diálogo entre o direito e os valores que engendram e normalizam a violência de gênero. Por conseguinte, tornar a Lei Maria da Penha um instrumento relevante de transformação da realidade de milhares de mulheres que sofrem violência doméstica implica compreender como esse tipo específico de violência é engendrado na sociedade e muitas vezes vista como normal pelos aplicadores do direito.Nesse sentido, o curso oferecido contribuiu muito. A compreensão da categoria gênero é fundamental para o entendimento da violência doméstica contra a mulher e é o conceito-chave para explicar as diferenças culturais e sociais construídas a partir do sexismo. Para entender o conteúdo da “Lei Maria da Penha”, é necessário compreender que ela é resultado da reação à lógica de submissão e posição de inferioridade da mulher na sociedade, uma cruel realidade social perpetuada e naturalizada ao longo da histórica da humanidade desde os mais remotos registros de relação entre os sexos. Os estudos de gênero fomentados durante o curso, nesse contexto de desigualdades entre os sexos, trouxe para o embate acadêmico e para o pensar as políticas públicas numa superação paradigmática de conceitos tão naturalizados que acabamos por reproduzi-los mesmo sem perceber. Sem conhecer a fundo a complexidade das questões de gênero e sua influência na construção e na dinâmica da sociedade, a Lei Maria da Penha não será adequadamente interpretada e aplicada.


Artigos



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POLÍTICAS PÚBLICAS E PERSPECTIVA DE GÊNERO: UMA ABORDAGEM FEMINISTA1 Silvana Aparecida Mariano2 Elaine Ferreira Galvão 3

Resumo: O presente trabalho é resultado de pesquisa que analisa a relação dos movimentos de mulheres com o poder público municipal, em Londrina, por meio de instituições estatais, como a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. O estudo tem como eixo norteador a reflexão em torno da participação feminina na esfera pública, e particularmente na arena política estatal, bem como da incorporação da perspectiva de gênero nas políticas públicas, a partir das interpelações feministas. Interessa-nos analisar, nesse contexto, as questões relacionadas à autonomia dos movimentos de mulheres, suas interlocuções com o governo local e as características que suas demandas assumem, levando-se em consideração seu potencial para produzir, ou não, mudanças nos papéis e nas relações de gênero. Palavras-chave: movimentos de mulheres; Estado; autonomia; relações de gênero. INTRODUÇÃO

Parte significativa dos movimentos de mulheres no Brasil, especialmente os movimentos feministas, inclui as reivindicações pela introdução da perspectiva de gênero nas políticas públicas como uma das frentes de suas ações, pelo menos desde a década de 1980. Trata-se da adoção de um entendimento de que o Estado é uma arena estratégica e legítima para a ação do feminismo. Isso porque adotase o entendimento de que os ideais fomentados no interior dos movimentos de mulheres podem ser materializados em ações práticas que melhorem os posicionamentos sociais das mulheres. Logo, entende-se por perspectiva de gênero a adoção de políticas que tenham objetivamente a intenção de alterar o 1

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Este artigo foi originalmente publicado, em versão ampliada, na Revista Feminismos, v.01, 2013. ISSN: 2317-2932. Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Socióloga da Prefeitura do Município de Londrina.


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status das mulheres, por meio da redistribuição dos poderes e dos recursos entre homens e mulheres (GUZMÁN, 2000). A emergência dessa abordagem política nos movimentos de mulheres modificou a relação desses novos sujeitos ou atores com o Estado e colocou em cena novos questionamentos para as pesquisas sobre gênero e política. Esse processo de aproximação, diálogo e tensão entre os movimentos de mulheres e o Estado pode ser recortado a partir do período de redemocratização brasileira, em fins da década de 1970. Um elemento que podemos tomar como resultado desse processo é a institucionalização de bandeiras do feminismo, o que se expressou claramente na década de 1990 com a criação de órgãos estatais, executivos e consultivos, com a finalidade de dirigir políticas para as mulheres. É nesse contexto que estamos analisando, a partir de um enfoque feminista, a forma de interação entre os atores políticos envolvidos nessas arenas institucionais e os conteúdos incorporados nas ações estatais. A análise feminista tem como objetivo (re)atualizar os sentidos crítico e radical que os movimentos feministas associam à perspectiva de gênero, de modo que se possam reduzir os riscos de apropriação das categorias e discursos feministas em políticas conservadoras, cujas ações mais reforçam os papéis tradicionais de gênero. Nossa reflexão articula a investigação de um estudo de caso com o cenário nacional brasileiro. O estudo de caso baseia-se na experiência política em Londrina – município com aproximadamente 500 mil habitantes, localizado no norte do estado do Paraná – acompanhada desde o início da década de 1990. Nesse lócus, nós investigamos e atuamos desde diferentes lugares: da academia, do poder executivo municipal e dos espaços participativos como conselhos e conferências municipais. Consideramos que Londrina é um caso emblemático que ilustra e problematiza as condições atuais de relação entre os movimentos de mulheres e o Estado. O artigo encontra-se organizado em duas partes. Em sua primeira parte, contextualizamos historicamente as articulações entre gênero e democracia e a formação, no Brasil e em Londrina, de novos instrumentos e instâncias para a ação política dos movimentos de mulheres. Na segunda parte do artigo, analisamos os possíveis desfechos políticos produzidos a partir da reconfiguração das interações entre os movimentos de mulheres e o Estado. Neste espaço, refletimos sobre as influências recíprocas, envolvendo alterações na lógica da administração pública municipal e na dinâmica das organizações comunitárias femininas – principal expressão dos movimentos de mulheres em Londrina. Ao tratar dessas influências, buscamos desvendar tanto as alianças como as ambiguidades e conflitos aí presentes.


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Ao esmiuçar o processo brasileiro e a experiência londrinense, podese verificar que a atenção aos direitos das mulheres é um tema sobre o qual obtivemos muitos avanços nas últimas décadas. Entretanto, este é também um tema que confronta de modo particular as lutas ideológicas a respeito de seu conteúdo. A garantia de que conteúdos de cunho feminista estejam no interior das políticas públicas só pode ser almejada com a existência de controle social exercido pelos movimentos de mulheres de orientações feministas.

GÊNERO E DEMOCRACIA: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AGENDA DE GÊNERO

A correlação política entre a democratização das relações de gênero e a democratização do Estado lançou desde cedo a atuação dos movimentos de mulheres no Brasil para o campo mais propriamente político. A indicação disso foi a forte atuação desses movimentos nas lutas pela redemocratização do país, iniciadas na década de 1970 (BLAY, 1983; TOSCANO e GOLDENBERG, 1992 e PINTO, 1992). Dessa forma, historicamente, o movimento de mulheres teve presença marcante nas lutas democráticas, abarcando questões gerais de toda a sociedade. A politização de gênero tornou-se um instrumento de interpelação da noção tradicional de democracia e de proposição para sua redefinição. O sentido de democratização do Estado, para os movimentos de mulheres, está na busca de rupturas com seu padrão pretensamente neutro, com a burocratização e com sua privatização por elites políticas (COSTA, 1997). Nesse caso, contribuir para a inclusão das mulheres nas esferas de tomada de decisões, criando processos coletivos para tal, e promover a introdução da perspectiva de gênero nas políticas públicas atenderia algumas das necessidades para esse projeto de democratização do Estado e da esfera pública. Paralelamente, também contribuiria para politizar e democratizar questões implicadas nas relações de gênero. Nessa direção, um importante avanço foi a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), no ano de 1985. Resultado de mobilizações dos movimentos de mulheres brasileiros no processo da democratização, o CNDM se constituiu num espaço coletivo e autônomo das mulheres para interlocução com o Estado e proposição de políticas públicas. A ação do CNDM permitiu a inclusão das questões feministas no debate constitucional e na agenda governamental, além de inaugurar uma nova forma de planejamento e execução de políticas públicas, abrindo o caminho para introdução da perspectiva da transversalidade de gênero nas políticas (MONTAÑO, 2003).


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O projeto de redução do Estado inaugurado no início da década de 1990 trouxe consequências para a atuação do CNDM que, ao longo dessa década, sofreu um enfraquecimento interno com a redução de suas atribuições (MONTAÑO, 2003). Sob o impacto da crise, o contexto da Reforma do Estado impôs uma redefinição da agenda governamental, de forma a promover corte de gastos e maior eficiência do Estado, o que provocou abalos consideráveis nas recentes conquistas no âmbito da promoção da igualdade e da universalização dos direitos. A pressão de setores da sociedade pela democratização do Estado e pelo atendimento às crescentes demandas sociais levou o governo brasileiro a criar novos organismos estatais e canais de participação (FARAH, 2004). Nesse contexto, incidiram os fóruns e organismos internacionais, exercendo pressão sobre os governos para a institucionalização da agenda da igualdade de gênero (FERREIRA, 2004). Na década de 2000, a realização da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com status de ministério, e a formulação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres expressaram o esforço do governo brasileiro em conciliar as reivindicações pela democratização do Estado e as pressões internas e externas pela implementação de políticas públicas, de forma a concretizar os compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro frente às desigualdades de gênero. Considerando o potencial de democratização do Estado e de politização das questões de gênero envolvidos nesse processo, a experiência de Londrina apresenta algumas contribuições, mesmo com todos os limites também presentes. A criação da Coordenadoria Especial da Mulher, no ano de 1993, representou o primeiro esforço do poder executivo municipal, nessa direção. O órgão, que passou por diversas reformulações no seu organograma e estrutura, no ano de 2011 ganhou a denominação de Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM). Responsável pelo atendimento das demandas das mulheres, a SMPM tornou-se um espaço privilegiado de diálogo entre o Poder Executivo Municipal e o movimento de mulheres, em especial, por meio das organizações comunitárias femininas (OCFs). Uma linha de ação adotada pela SMPM, desde a sua criação, com outra nomenclatura, em 1993, foi o incentivo para a formação de associações de mulheres, geralmente no formato das OCFs. Através da interação com a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e com o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM), criado no ano de 1998, as mulheres de organizações comunitárias femininas têm iniciado a experiência de atuar junto aos órgãos públicos, o que, muitas vezes, aparece como conquista em suas falas.


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Com isso podemos dizer que há uma redução na impermeabilidade estatal para esses grupos sociais, o que também reduz seu caráter abstrato, distante dos grupos sociais politicamente excluídos. Esse é um dos mais importantes efeitos democratizadores produzidos com a institucionalização da agenda de gênero. A emergência desses novos espaços institucionais representa, em certo sentido, uma forma de secularização das OCFs. O fato de que a vivência em OCFs contribuía, até certo ponto, para o ingresso das mulheres na vida pública, foi bastante destacado em estudos da década de 1980. Tomando como referência, por exemplo, os estudos de Eder Sader (1988), verificamos que mulheres, que até recentemente encontravam-se aprisionadas na vida doméstica, passaram, por meio da atuação nas associações de mulheres, a se constituírem em atrizes na cena pública. Nesse caso, a concepção de que os novos atores sociais se caracterizam por construírem trajetórias do privado para o público (SADER, 1988) adquire maior profundidade em relação à participação das mulheres, principalmente das mulheres pobres das periferias urbanas, porque estas permaneceram maior tempo presas na esfera privada e alijadas da esfera pública, portanto excluídas dos processos políticos e das esferas de tomada de decisões. O questionamento que se formulou no campo dos estudos feministas, desde a década de 1980, centrava-se na preocupação quanto às possibilidades de que tais experiências das OCFs pudessem politizar questões relacionadas às desigualdades de gênero. Pensamos que a resposta para essa inquietação só pode ser formulada empiricamente. Supomos, todavia, que nos contextos com atuação de órgãos institucionais, destinados às políticas para as mulheres, as condições para a tematização das desigualdades em termos de questões de gênero são mais favoráveis. Em contextos com essas condições, torna-se mais viável que as OCFs busquem romper com uma dupla exclusão: de gênero, por suas condições de mulher; e de classe, por suas condições de pobreza. No contexto londrinense, isso se torna possível por duas razões: a existência de um espaço de ação política de caráter secularizado e a legitimidade política que um espaço empresta ao outro. Através da mútua legitimidade propiciada pela forma de interação entre OCFs e órgãos estatais voltados para essa temática, gesta-se um processo de nova inclusão das mulheres como atrizes na arena pública. Isso tem contribuído, em Londrina, para fomentar o aprendizado de lideranças femininas no debate sobre políticas públicas e o papel do Estado, tornando-o menos abstrato e mais palpável. De um lado, esse contexto demonstra um processo de democratização do Estado e da esfera pública, uma vez que introduz o reconhecimento das


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desigualdades sociais ao legitimar reivindicações identitárias, enfrentando, assim, o apagamento das diferenças pretendido pela democracia liberal. Por outro lado, trata-se de uma dinâmica permeada por contradições e limitações. Nesse ponto, relembramos que outro foco de preocupação dos debates feministas acerca da relação entre os movimentos de mulheres e o Estado diz respeito à questão da autonomia. Sobre isso, a experiência londrinense no CMDM – palco privilegiado para manifestar as relações de poder entre os diversos atores representados – tem demonstrado que a autonomia é, ainda, um ponto nevrálgico nessa relação. As articulações para a criação do Conselho foram pautadas pelo discurso da democratização do Estado, contudo sua atuação tem sido marcada pelo domínio da SMPM. A indicação mais forte disso é o destaque dado no Conselho às secretárias da mulher, que sempre tiveram cargo de mando entre as conselheiras, ora como presidente, ora como vice--presidente, eleitas pelo conjunto de representantes no Conselho. Essa valorização ao Poder Executivo está presente também nos discursos das lideranças femininas que, em geral, atribuem maior valorização à atuação da SMPM do que ao CMDM, caracterizando com isso maior identificação com a democracia delegativa (O’DONNEL, 1996 e 1998) do que com a democracia participativa (BOBBIO, 1986). No CMDM, a atuação do conjunto de conselheiras é ainda frágil, em especial das representantes de organizações comunitárias femininas, o que, se não justifica, ao menos tem possibilitado uma atuação mais ativa da SMPM, que se dedica mais aos temas das pautas e dispõe de maior poder no que diz respeito ao acesso à informação, além do poder simbólico de que gozam as secretárias da mulher. Outro indicador dos limites, em vista de um projeto democrático do movimento de mulheres, tem sido a tendência à tutela na relação entre OCFs e Secretaria. Conflitos políticos e/ou pessoais desenvolvidos no interior dos grupos são, às vezes, levados à SMPM, atribuindo a esta um papel de mediadora e até de arbitragem para resolução desses problemas. Essa tutela é, num certo sentido, pleiteada pelas lideranças das OCFs, indo das questões jurídicas e administrativas às questões políticas. Por fim, se esse processo tem revelado boas possibilidades de democratização do Estado e da esfera pública com a inserção dessas mulheres de baixa renda; por outro lado, encontra seus limites nas dificuldades de superar alguns vícios da democracia brasileira, envolvendo a tutela, o paternalismo e o caráter delegativo. Ou seja, a interação entre movimento de mulheres e Estado, em Londrina, tem contribuído para a inserção das mulheres em questões públicas, resta ainda o movimento discutir a qualidade dessa inserção e formular propostas


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de participação, sob o risco de ficar nas limitações da perspectiva essencialista de gênero, o que se traduziria na ideia de que a pura e simples presença das mulheres representa a adoção da perspectiva de gênero. Dessa forma, mantém-se em pauta o desafio do movimento de mulheres de ampliar a democratização do campo político e do Estado (PINTO, 1994b). Para tanto, suas representantes devem apresentar uma participação ativa, a começar pelas conselheiras do CMDM, construindo a capacidade de intervir nas decisões e deliberações do próprio Conselho e do governo municipal em um plano mais geral.

FEMINISMO E FAMILISMO: ENREDO SOBRE GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS

As OCFs envolvidas nesta análise surgiram com a noção de que as questões dos bairros e as questões das mulheres são idênticas, propondo com isso uma noção de cidadania sem a crítica sobre as relações de gênero. Em suas propostas iniciais, não se tratava de organizações com a preocupação em torno da situação da mulher, em termos de relações de gênero, mas muito mais em torno das necessidades geradas pela condição de pobreza de seus bairros, abrangendo demandas para a comunidade como um todo. Isso se explica pela precariedade da estrutura de bens de consumo coletivo disponíveis nessas áreas, o que atinge mais diretamente o cotidiano das mulheres. São, portanto, demandas geradas pela estrutura da divisão do trabalho por linhas de gênero, mesmo que a questão de gênero não esteja tematizada (MACHADO, 1995). Embora seja ainda bastante significativa a frequência de demandas dessas organizações por bens de consumo coletivo, é notório o fato de que as demandas voltadas para questões femininas sejam atualmente a maioria entre suas indicações de lutas. Houve, portanto, certo avanço das demandas de mulheres para demandas para mulheres, quando comparadas com as preocupações apontadas como motivo de criação das associações, bem como com as prioridades apresentadas em seus estatutos, em que a mulher aparecia sempre em segundo plano nos objetivos da entidade. Corrobora isso o fato de que algumas dessas lideranças insistem em diferenciar as OCFs dos clubes de mães, mesmo que a maioria não tematize essa questão. As demandas por necessidades práticas, direcionadas aos bens de consumo coletivo e engendradas a partir dos interesses do bairro, têm paulatinamente se deslocado do centro discursivo das mulheres das OCFs. Elas geralmente continuam defendendo o atendimento de tais necessidades, mas não as apontam como objetivo atual das organizações. As demandas que focalizam


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as necessidades das mulheres, como é o caso dos projetos de geração de renda, configuram-se ainda como necessidade prática, visando minimizar as dificuldades das mulheres dentro do padrão das relações de gênero, sem atacar diretamente a questão da subordinação feminina. Entretanto, como é sempre possível a passagem das necessidades práticas para os interesses estratégicos (MACHADO, 1999), decorre, nesse caso, que os projetos de geração de renda têm contribuído para fomentar a experiência de participação de muitas mulheres no espaço público. Atualmente, entre as preocupações das OCFs, a reivindicação por projetos de geração de renda para mulher é claramente a mais destacada. Depois segue-se a preocupação com a violência contra a mulher, com a saúde da mulher, com o resgate de sua autoestima e com o fomento de organização das mulheres. Essas preocupações revelam a penetração de elementos politizadores sobre a questão de gênero, pois elas passam a falar na condição de mulheres. Gesta-se, assim, um discurso da mulher como sujeito de direito, o qual convive com o discurso do direito de atendimento às necessidades sociais básicas das comunidades dos bairros. Contudo, isso é com frequência tematizado em relação à situação de pobreza da mulher, mais do que em relação à sua situação de subordinação. Nesse quadro fazem-se ausentes, de ambos os lados – associações de mulheres e órgãos governamentais –, as problematizações sobre a divisão sexual do trabalho e sobre o lugar destinado à família em seus discursos. Como consequência, as demandas feministas vão se transformando em familismos, que, no processo de tradução político-cultural, substituíram a demanda por empoderamento das mulheres por demandas que visam ao fortalecimento das famílias (ALVAREZ 2000b). A defesa da família como foco de preocupação é uma característica presente já na formação das OCFs. A Secretaria da Mulher, diferentemente, surgiu, em 1993, com a intenção de encampar projetos feministas, ainda que tal intenção tenha sofrido inflexões ao longo do tempo. No processo de aproximação e interlocução entre essas duas esferas, e diante da ausência de grupos feministas atuantes no âmbito do Município, os órgãos municipais voltados para questões da mulher e de gênero passaram a incorporar mais explicitamente a defesa da família e o interesse pelos grupos de produção das associações de mulheres como forma de minimizar as possíveis resistências ao feminismo, o que resultaria em distanciamento em relação a esses órgãos. Nesse contexto londrinense, a categoria gênero, introduzida a rigor pelos órgãos municipais, é, às vezes, empregada como


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contraponto ao feminismo, como constatamos por várias vezes nas declarações de algumas das secretárias da mulher. Do ponto de vista analítico, a experiência em Londrina permite-nos fazer a interpretação de que estamos diante de uma forma de tradução político-cultural da categoria “gênero”. Tal “tradução” se reflete na redução do conteúdo crítico originariamente portado por essa categoria quanto à subordinação feminina. Corrobora essa análise o perfil dos cursos realizados pelas duas esferas – poder público e organizações comunitárias femininas –, bem como o destaque dado à família e o relativo silêncio sobre a subordinação da mulher. Neste caso, verifica-se que essa combinação das ações das duas esferas não tem sido desafiadora dos padrões de gênero, inclusive porque as atividades de geração de renda privilegiam a produção artesanal e enfocam a pobreza, sem enfocar a subordinação. Embora às vezes se faça presente a preocupação com a independência financeira da mulher, o fato é que essas atividades não têm capacidade de produzir tal resultado, pois o faturamento é muitíssimo baixo. Decorre então que, nesses contextos, há certo deslocamento entre as preocupações discursivas e as atividades desenvolvidas. Do ponto de vista político, e ponderando as ambiguidades do processo, é possível também vislumbrar que os pontos, aqui abordados como limitadores dessa experiência no que diz respeito à emancipação da mulher, possam, diferentemente, ser adotados por esses/as atores/atrizes como estratégia de aglutinação das mulheres e como início de um projeto de empoderamento adaptado às suas reais capacidades e limitações. Dessa forma, a geração de renda com artesanato, embora não garanta a independência financeira da mulher, contribui para fomentar uma base organizativa das mulheres que, se não atribui poder econômico, gesta um processo de empoderamento social. Por outro lado, a visão familista (JELIN, 1995 e ALVAREZ, 2000b) também pode ser uma política estratégica visando atrair mais aliados para seus interesses de empoderamento das mulheres, legitimando-os pelos benefícios indiretos a toda família e sociedade. Nesse caso, o reforço à família não representa, necessariamente, o reforço do papel tradicional da mulher, pois estão lhe atribuindo um papel ressignificado, com maior poder no interior da família. Essa nos parece ser uma ressalva importante de se fazer sobre a prática nesses grupos de mulheres. Pode-se identificar entre eles que a defesa de uma instituição como a família pode abarcar, simultaneamente, o projeto de um papel diferenciado para a mulher, com maior autonomia e poder, dentro e fora da família.


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Essas são possibilidades que não podem ser fechadas na análise sociológica, mas sua proliferação entre a maioria dos grupos dependerá dos encaminhamentos adotados pelos/as atores/atrizes envolvidos/as e do resultado da correlação de forças que se fizer presente. De qualquer forma, acreditamos que não se trata de vislumbrar a possibilidade de que essas organizações comunitárias femininas venham a ser, efetivamente, grupos feministas, tais como os tradicionais. Mas podemos pensar em outro tipo de feminismo. Questões como a dupla jornada de trabalho, a divisão sexual do trabalho, o aborto e o lesbianismo, entre outras, dificilmente farão parte das agendas dessas organizações comunitárias femininas, e, consequentemente, da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Estamos, portanto, diante de um quadro que, da mesma forma como se pode falar de vários feminismos, também se pode falar de várias perspectivas de gênero. Se, por um lado, a SMPM e o CMDM encontram inúmeras dificuldades para implantar políticas públicas com a perspectiva de gênero nos vários setores do poder público, por outro, essas institucionalidades têm o mérito de colocar e manter o debate sobre mulher e gênero na agenda pública. A promoção de eventos e algumas publicações de autoria da Secretaria desempenham a função de alimentar os debates sobre esses temas e, de qualquer forma, estimulam o envolvimento de outros segmentos. Dito de outra forma, a principal contribuição da SMPM e do CMDM não se localiza na execução de projetos, mas na capacidade de promover a proliferação política da perspectiva de gênero, o que tem compensado seus esforços. Espera-se que isso resulte em ações concretas em outros órgãos. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As práticas sociais e políticas das mulheres das OCFs envolvidas na pesquisa são construídas num movimento pendular entre as inovações nos papéis de gênero e os reforços de alguns traços desses papéis. Dessa forma, procuramos diversificar a análise, sem privilegiar o enfoque de seus aspectos “positivos” ou de seus “limites”, mas demonstrando que ambos coexistem, entram em correlação e em contradição. A dinâmica, aqui elucidada, da relação entre as organizações comunitárias femininas com a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher em Londrina é configurada em um cenário em que o movimento feminista se faz ausente como ator dessa relação, embora alguns de seus princípios estejam presentes nos valores dessas mulheres.


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No que diz respeito ao impacto provocado junto às organizações comunitárias femininas, quanto à questão de gênero, a experiência abordada não reflete uma situação em que essas novas institucionalidades estatais possam substituir o papel desempenhado por grupos feministas em outras localidades, por se tratar de esferas que trabalham com lógicas diferentes. Entendemos, portanto, que, havendo interação entre grupos feministas com setores dos movimentos populares de mulheres, haveria melhores condições para que estes construíssem uma perspectiva mais crítica quanto à questão de gênero. Nessa direção, um dos aspectos demonstrados na pesquisa diz respeito à mudança nos temas de preocupação das mulheres das OCF. A análise da trajetória pessoal das mulheres inseridas nos movimentos comunitários nos mostrou que os fatores iniciais de motivação à participação estão estreitamente ligados ao seu cotidiano doméstico e à sua posição na divisão do trabalho por linhas de gênero, que delega às mulheres a responsabilidade pela função reprodutiva e determina o espaço privado como locus de sua atuação. Constatamos, contudo, que a partir da interação com a SMPM e o CMDM essas mulheres diversificaram seus temas de interesse e preocupação. Temas como a violência contra a mulher e saúde da mulher ganharam destaques nas últimas décadas e figuram com frequência nos discursos e ações das mulheres das OCFs. Deve-se notar, todavia, que a interação entre movimento e Estado não é uma via de mão única. Pode-se identificar uma mútua influência em suas agendas, o que reflete, reciprocamente, em legitimidade pública para a temática sobre mulher e gênero na arena política. Isto é, a existência das novas institucionalidades serve de estímulo e de legitimação para o surgimento de um número maior de OCFs. Por outro lado, o engajamento das mulheres dessas OCFs junto às novas institucionalidades reforça a legitimidade de manutenção desse campo de poder no interior do Estado. Gostaríamos de finalizar com reflexões acerca de possibilidades para futuras práticas. O avanço, no sentido de potencializar ações que visem a mudanças na estrutura de poder entre homens e mulheres, requer melhor articulação entre as várias associações de mulheres e, inclusive, com vários tipos de organização de mulheres, dentro e fora de Londrina. Essas ações devem visar, principalmente, à construção de uma praxis que lhes permita tematizar, política e teoricamente, questões como relação de gênero, democracia e Estado. Nessa dinâmica, as possíveis traduções político-culturais poderão sempre ser retraduzidas, no sentido de recobrar, nas categorias como gênero, sua dimensão crítica e emancipatória. A dificuldade, encontrada em Londrina para a implantação de um projeto político dessa natureza, está no entrave existente na interação entre


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essas organizações comunitárias femininas, Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. A forma como se estabelece a divisão, e também a complementação de atribuições, acaba por constituir um círculo vicioso: as OCF são ainda politicamente frágeis porque permanecem na dependência de atenção do poder público, diga-se, SMPM e CMDM; a SMPM não conta com um importante status na estrutura da administração municipal, porque não há pressão suficiente de um movimento organizado politicamente para tal; o CMDM é ainda frágil porque as representantes da sociedade civil não conseguem disputar poder nesse campo com a SMPM e com as demais representantes do poder público, segmento que acaba sendo responsável pelo direcionamento para as ações do Conselho; e muitos outros desdobramentos que surgem desse cenário. É certo que os três setores – OCF, SMPM e CMDM – carecem de políticas de fortalecimento. A relativa passividade das lideranças das OCF à SMPM, a relativa “guetização” da SMPM em relação ao conjunto da Administração e a relativa inoperância do CMDM, que ainda não obteve sucessos na implantação de suas diretrizes, são todos fatores que dificultam a conquista de êxitos na incorporação da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Talvez a melhor forma de quebrar esse círculo vicioso seja fortalecendo a atuação do CMDM. É necessário, para o seu fortalecimento, ampliar sua exposição pública, defendendo suas propostas e reivindicações e, dentro da administração municipal, ampliar a interlocução com outros órgãos, além da SMPM. Nesse processo, a SMPM pode ser a colaboradora privilegiada do CMDM, uma vez que dispõe de recursos técnicos e políticos para tal. Entretanto, essa interação entre SMPM e CMDM não pode ocorrer sob a forma de dependência e de tutela. Dito de outra forma, o Conselho precisa falar mais por si mesmo e não apenas via SMPM, como alternativa para se consolidar como ator político. Por outro lado, é importante que o CMDM fortaleça sua interação também com setores do movimento de mulheres, entre os quais se destacam as OCF. Essa é uma área privilegiada para o CMDM ampliar suas ações educativas e políticas, o que possibilitaria maior difusão de compromissos com a agenda do CMDM e criaria condições para renovações entre as representantes com assento no CMDM. Para que de fato se efetive a incorporação de gênero nas políticas públicas, é fundamental que o movimento de mulheres conquiste maior compromisso dos governos – neste caso dos/as prefeitos/as e das equipes de 1º escalão – para tal prioridade. Da forma como vem ocorrendo em Londrina, desde 1993, este compromisso foi sempre apenas oficial, e não efetivo. Alijar as novas institucionalidades na “periferia” da administração pública é uma forma explícita


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de obstaculizar os avanços na área de atendimento às demandas de gênero e empoderamento das mulheres. Tal compromisso será real quando houver mecanismos políticos e administrativos que, de fato, estipulem este critério na orientação de todas as políticas setoriais da administração. Esta conquista será mais provável no caso de existência de pressões externas aos governos, o que pode também ser fomentado por membros do CMDM. Neste sentido, acreditamos que o Plano Municipal de Políticas para as Mulheres, pode contribuir para uma atuação mais articulada do CMDM no interior da administração municipal, uma vez que estabelece prioridades e ações nas diversas áreas de políticas públicas e define as responsabilidades entre os diversos órgãos municipais. No entanto, faz-se necessário que o Conselho se aproprie desse Plano e o reconheça como instrumento útil para o acompanhamento da execução das políticas públicas no âmbito municipal, e, principalmente, extrapole sua interlocução para além da SMPM. Entretanto, traduções político-culturais existirão sempre, da parte do Estado e também dos movimentos de mulheres, pois os/as atores/atrizes sempre dão novos significados às categorias envolvidas em suas práticas sociais. Podemos então dizer que, da mesma forma como contamos com várias classificações de feminismos, contamos também com várias perspectivas de gênero. Assim sendo, será sempre profícuo analisarmos como as diversas perspectivas de gênero enfocam a questão da subordinação feminina e em que termos abordam possíveis alterações nas relações de poder entre homens e mulheres. BIBLIOGRAFIA ALVAREZ, Sonia E. “Politizando as relações de gênero e engendrando a democracia”. In: STEPAN, A. (org.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. p.315-380. _____, DAGNINO e ESCOBAR (orgs.). Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos: novas leituras. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000a. _____. “Em que Estado está o feminismo latino-americano? Uma leitura crítica das políticas públicas com ‘perspectiva de gênero’”. In: FARIA, Nalu, SILVEIRA, Maria Lúcia e NOBRE, Miriam (orgs.). Gênero nas Políticas Públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista. São Paulo: SOF (Coleção Cadernos Sempreviva), 2000b. p.9-25. BLAY, Eva A. “Do espaço privado ao público: a conquista da cidadania pela mulher no Brasil”. Espaço e Debates, v. 9, maio/agosto-83, Cortez, São Paulo, p. 80-89. 1983.


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EFEITOS DIFERENCIAIS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ENTRE AS MULHERES NEGRAS1 Silvana Aparecida Mariano2 Cássia Maria Carloto3

Resumo: Uma análise interna sobre o público atendido pelo Programa Bolsa Família – PBF, em dois municípios brasileiros, nos permite constatar as diferenças existentes, mesmo estando todas essas pessoas em situação de pobreza. Isto é, as situações de pobreza são multifacetadas e o seu caráter multidimensional envolve situações como aquelas que podem ser explicadas pela variável raça/etnia. Este trabalho trata sociologicamente de algumas das tessituras da vida social de mulheres negras que vivem em situação de pobreza e de extrema pobreza, com experiências marcadas pela condição de gênero e de cor/raça. Procuramos jogar um pouco de luz sobre a discriminação racial generificada e a discriminação de gênero racializada. Palavras-chaves: Programa Bolsa Família; gênero; raça/etnia, desigualdade. INTRODUÇÃO4

Os estudos a respeito da situação das mulheres são, há algumas décadas, interpelados sobre a necessidade de abarcar, no plano teórico-metodológico, as articulações entre categorias de análise chaves como, de modo mais específico, gênero, classe social e raça/etnia. Esse modo de conceber o uso de gênero, no plano analítico, está presente, por exemplo, em Joan Scott (1990) e Heleieth Saffioti (1994). Esse esforço de teorizar as diferenças e desigualdades entre as mulheres é fruto, sobretudo, das críticas internas nos movimentos de mulheres, especialmente no feminismo, protagonizadas pelas mulheres negras, mulheres lésbicas e mulheres dos países em desenvolvimento (MARIANO, 2005 e 2008). 1

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Este texto foi extraído do artigo intitulado “Aspectos Diferenciais da Inserção de Mulheres Negras no Programa Bolsa Família”, publicado originalmente na Revista Sociedade e Estado, vol. 28-2, 2013. Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Docente do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina. Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pelo apoio para a realização da pesquisa.


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Para Sueli Carneiro (2003, p. 118), em conformidade com outros movimentos sociais progressistas da sociedade brasileira, o feminismo esteve, também, por longo tempo, prisioneiro da visão eurocêntrica e universalizante das mulheres. A consequência disso foi a incapacidade de reconhecer as diferenças e desigualdades presentes no universo feminino, a despeito da identidade biológica. Dessa forma, as vozes silenciadas e os corpos estigmatizados de mulheres vítimas de outras formas de opressão, além do sexismo, continuaram no silêncio e na invisibilidade.

No que diz respeito à articulação de gênero com outras categorias, consideramos que, no interior das Ciências Sociais, houve um expressivo avanço quanto às intersecções de gênero e classe social. Contudo, avaliamos que mais esforços ainda são necessários para agregar a questão racial nessa intersecção. Entendemos, ainda, que as articulações de categorias que deem conta das intersecções entre diferentes marcadores de desigualdades (econômicas e culturais) não correspondem à somatória de fatores, uma vez que esses se reforçam reciprocamente (FRASER, 2001 e CRENSHAW, 2002) e produzem diferentes resultados no modo como se combinam5. No Brasil, a publicação periódica Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, organizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada), em conjunto com outros órgãos parceiros, ilustra os esforços de produzir dados nacionais mais precisos, desagregados e cruzados por quesitos como sexo e cor/ raça (PINHEIRO, et al, 2008). Produções dessa natureza buscam destacar também as desigualdades raciais associadas à pobreza. Em conformidade com Ricardo Henriques (2001, p.10), “além do inaceitável padrão da pobreza no país, constatamos a enorme sobre-representação da pobreza entre os negros brasileiros. E esse excesso de pobreza concentrado entre a comunidade negra mantém-se estável ao longo do tempo”. Essas questões devem orientar investigações empíricas, como as que realizamos sobre a transferência condicionada de renda, por intermédio do PBF. O eixo comum das nossas diversas análises centra-se no questionamento da capacidade do PBF para ampliar a autonomia ou o empoderamento das titulares 5

Sobre as possibilidades de uso do modelo teórico de Nancy Fraser para o estudo do Programa Bolsa Família, como exemplo de política de combate à pobreza, ver: MARIANO, Silvana A. Debates feministas sobre direito, justiça e reconhecimento: uma reflexão a partir do modelo teórico de Nancy Fraser. Revista Mediações, v. 14, n. 2, p.34-51, Londrina, Jul/ Dez., 2009.


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do benefício. Em linhas gerais, nossos achados nos indicam uma posição cética a respeito de tal capacidade. Algumas pesquisas, contrariamente às nossas, sustentam que as mulheres em situação de maior vulnerabilidade social são mais beneficiadas pelas alterações propiciadas pelo ingresso no PBF, o que lhes permitiria falar de contribuições do programa para a cidadania e a autonomia feminina (REGO, 2008). Supomos que, entre as titulares do PBF, em virtude da “discriminação interseccional” (CRENSHAW, 2002), as mulheres negras tendem a apresentar maior vulnerabilidade social que as mulheres não negras. Isso diz respeito tanto aos “aspectos de gênero da discriminação racial” quanto aos “aspectos raciais da discriminação de gênero” (CRENSHAW, 2002, p. 173). Conforme Kimberlé Crenshaw (2002, p. 177), A importância de desenvolver uma perspectiva que revele e analise a discriminação interseccional reside não apenas no valor das descrições mais precisas sobre as experiências vividas por mulheres racializadas, mas também no fato de que intervenções baseadas em compreensões parciais e por vezes distorcidas das condições das mulheres são, muito provavelmente, ineficientes e talvez até contraproducentes. Somente através de um exame mais detalhado das dinâmicas variáveis que formam a subordinação de mulheres racialmente marcadas pode-se desenvolver intervenções e proteções mais eficazes.

Ao adotar a abordagem comprometida com as interseccionalidades da subordinação e da discriminação, a questão sociológica deste trabalho é averiguar os possíveis diferenciais dos efeitos do PBF entre as mulheres negras, com base em suas próprias avaliações e percepções, em comparação com as mulheres não negras. Desse modo, trataremos da relação que existe entre o PBF, enquanto política de combate à pobreza, e os atributos sociais da população atendida, com ênfase na variável cor/raça/etnia e com o enfoque de gênero. Como base na questão formulada, o objetivo do trabalho é analisar, a partir de dados empíricos6 , se os efeitos do PBF são mesmo potencializados, no sentido de contribuir para maior autonomia das mulheres titulares do benefício, quando

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A coleta de dados se deu a partir da realização de grupos focais, em Londrina-PR, e de entrevistas individuais, por meio de questionários padronizados, com as mulheres titulares do Programa Bolsa Família, em dois municípios, Londrina-PR e Uberlândia-MG. Foram entrevistadas 51 mulheres em cada município.


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nos focamos em situações de vulnerabilidades sociais mais severas, como as vivenciadas pelas mulheres negras. Uma estratégia adotada nas práticas do PBF é a prioridade do repasse às mulheres, o que nos coloca a relevância da tematização das diferenças entre esse grupo costumeiramente tomado como uniforme. Os debates sobre políticas de combate à pobreza devem dialogar com as problemáticas relacionadas às intersecções entre marcadores sociais que produzem, sistematicamente, o que Kimberlé Crenshaw chama de “subordinação interseccional” (CRENSHAW, 2002). As intersecções entre classe, gênero e raça são emblemáticas a esse respeito. No que concerne à produção das Ciências Sociais, entendemos que as categorias de análise referentes à classe social e ao gênero foram mais amplamente empregadas. De certo modo ainda persiste o desafio de se defender “raça” enquanto categoria analítica. Aqui estamos tomando “raça” no sentido apresentado por Octavio Ianni (2004), p. 23), A raça, a racialização e o racismo são produzidos na dinâmica das relações sociais, compreendendo as suas implicações políticas, econômicas, culturais. É a dialética das relações sociais que promove a metamorfose da etnia em raça. A ‘raça’ não é uma condição biológica (...), mas uma condição social, psicossocial e cultural, criada, reiterada e desenvolvida na trama das relações sociais, envolvendo jogos de forças sociais e progressos de dominação e apropriação. (...) Racializar ou estigmatizar o ‘outro’ e os ‘outros’ é também politizar as relações cotidianas, recorrentes, em locais de trabalho, estudo e entretenimento; bloqueando relações, possibilidades de participação, inibindo aspirações, mutilando práxis humana, acentuando a alienação de uns e outros, indivíduos e coletividades. Sob todos os aspectos, a ‘raça’ é sempre ‘racialização’, trama de relações no contraponto e nas tensões ‘identidade’, ‘alteridade’, ‘diversidade’, compreendendo integração e fragmentação, hierarquização e alienação.

De acordo com o Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, em sua terceira edição, “em 2007, enquanto as mulheres brancas ganhavam, em média, 62,3% do que ganhavam homens brancos, as mulheres negras ganhavam 67% do que recebiam os homens do mesmo grupo racial e apenas 34% do rendimento médio de homens brancos” (Pinheiro et al., 2008, p. 33). No que diz respeito à ocupação, constata-se uma vez mais que “persiste ainda o fato de que o trabalho doméstico remunerado no Brasil é uma atividade tradicionalmente desempenhada por mulheres negras” (PINHEIRO et al., 2008, p. 27).


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A presença mais notável de mulheres negras entre as pessoas pobres é reflexo de um processo histórico de (re)produção de desigualdades sociais. Esta tem como eixos estruturantes os marcadores sociais como gênero e raça/etnia, os quais orientam a construção da cidadania e a efetivação de direitos no Ocidente. Portanto, sexo e cor são também definidores das desigualdades econômicas e sociais. Para Crenshaw (2002, p. 173), Assim como é verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados a suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, são diferenças que fazem diferença na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a discriminação. Tais elementos diferenciais podem criar problemas e vulnerabilidades exclusivos de subgrupos específicos de mulheres, ou que afetem desproporcionalmente apenas algumas mulheres. Do mesmo modo que as vulnerabilidades especificamente ligadas a gênero não podem mais ser usadas como justificativa para negar a proteção dos direitos humanos das mulheres em geral, não se pode também permitir que as diferenças entre mulheres marginalizem alguns problemas de direitos humanos das mulheres, nem que lhes sejam negados cuidado e preocupação iguais sob o regime predominante dos direitos humanos. Tanto a lógica da incorporação do gênero quanto o foco atual no racismo e em formas de intolerância correlatas refletem a necessidade de integrar a raça e outras diferenças ao trabalho com enfoque de gênero das instituições de direitos humanos.

Nos municípios pesquisados, os dados indicam que, das 102 mulheres entrevistadas, 72 se declararam pardas e pretas, isto é, 70,6%, com pouca variação entre os municípios. Seguindo a regra adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), optamos por somar pardas e pretas para constituir o que designamos como mulheres negras. Durante a pesquisa, aproveitamos o espaço dos grupos focais para discutir a problemática relacionada à questão racial e sua possível interferência no cotidiano daquelas mulheres. Quando introduzimos a temática, percebemos a existência de dificuldades e incômodos por parte das entrevistadas em relação ao assunto. Poucas se expressaram. Quando o fizeram, foram breves nos relatos. Muito possivelmente essa conduta esteja relacionada ao fenômeno da difusão do mito da igualdade racial ainda presente no Brasil, apesar da longa crítica já produzida a respeito (GUIMARÃES, 2004). O silêncio sobre as questões raciais foi quebrado, em algumas circunstâncias, quando se discutiu a inserção


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das mulheres negras no mercado de trabalho. A combinação do sexismo e do racismo, ao caracterizar o trabalho das mulheres negras como “trabalho abnegado” (HOOKS, 1995), gera um tipo de discriminação que é claramente percebido por essas mulheres nas relações de trabalho. A assimetria de renda é um fator emblemático para a identificação da desigualdade racial, conforme já argumentamos. Nos dois municípios, as mulheres negras se concentram entre as de menor renda, em comparação com as mulheres não negras. Considerando a faixa de renda familiar até 1 salário mínimo, as mulheres negras representam aproximadamente ¾ das entrevistadas (73,6%), enquanto as não negras somam metade delas (50%). Esses dados se relacionam com o entendimento de que “nascer de cor parda ou de cor preta aumenta de forma significativa a probabilidade de um brasileiro ser pobre” (HENRIQUES, 2001, p. 11). A assimetria de renda está relacionada, entre outros fatores, às desigualdades raciais concretizadas no mercado de trabalho remunerado. Segundo o IPARDES (2010), a população parda e negra em Londrina corresponde a 35% do total. Em Uberlândia, esse índice é de 42,9% do total (IBGE,2011). O baixíssimo rendimento obtido com o trabalho por parte das mulheres entrevistadas é constatado nos dois municípios. Em Londrina são 77% das mulheres com renda do trabalho até ½ salário mínimo, enquanto em Uberlândia são 42% na mesma faixa de renda. A esse respeito, há maior concentração de mulheres negras nessa faixa de renda inferior, nos dois municípios. Contudo, a influência do quesito cor/raça é mais significativa em Uberlândia. O olhar sobre as intersecções nos sistemas de subordinação nos permite identificar que o sexismo e o racismo atuam juntos, o que se verifica, ainda que de modo contraditório, na representação cultural das mulheres negras “como selvagens sexuais, desqualificadas e/ou prostitutas”, por um lado, e, por outro, o “estereótipo da ‘mãe preta’”, associado ao trabalho abnegado (HOOKS, 1995, p. 468). O menor rendimento obtido pelas mulheres negras por seus trabalhos é revelador de como essas mulheres são racializadas, o que se confirma entre as mulheres negras atendidas pelo PBF. Oliveira e Rios-Neto (2006, p. 232), ao investigar as tendências da desigualdade salarial entre as mulheres, no Brasil, nas décadas de 1980 e 1990, chegaram à seguinte constatação: É desapontador ver a estagnação do hiato salarial por raça entre as mulheres nos últimos anos e não detectar qualquer indicação de futura reversão desta tendência, dado que as tendências das coortes não são significativamente


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diferentes, mesmo estando convergindo seus níveis educacionais. Todos os outros indicadores apontam para o fato de que diferentes padrões de características ocupacionais e diferentes retornos destas características por raça são determinantes neste fracasso das mulheres negras em converter os ganhos educacionais em ganhos salariais. Portanto, não é razoável inferir um progresso real em direção à igualdade racial. E assim é possível concluir como se inicia o artigo: no final dos anos 1990, mais de um século após a abolição formal da escravidão no Brasil, a situação das mulheres negras ainda se caracteriza por uma posição desfavorecida no mercado de trabalho. Dadas a longa persistência desta situação e a falta de evidências de uma reversão potencial, a discriminação deve ser considerada como um fator determinante dos diferenciais de raça no Brasil.

Para abarcarmos a análise do caráter multidimensional das desigualdades produzidas pelo entroncamento das hierarquias de gênero e de raça, outras variáveis, além da renda, tornam-se úteis para revelar a complexidade do fenômeno. Neste caso, os grupos domésticos monoparentais7 femininos podem representar maior vulnerabilidade e estão mais presentes entre as famílias em situação de pobreza. De acordo com a 4ª edição do Retrato das desigualdades de gênero e raça, “ao longo dos últimos anos (1995-2009), a proporção de mulheres chefes de família aumentou mais de 10 pontos percentuais (p.p.). Esta proporção passou de 22,9%, em 1995, para 35,2% no ano de 2009” (IPEA, 2011, p. 19). Uma mudança identificada nesse período é o aumento do número de mulheres consideradas como chefes de família cujo grupo doméstico é formado por casais. Ainda assim, em 2009, 49,4% dos domicílios chefiados por mulheres eram de família monoparentais (Ipea, 2011). Em nossa pesquisa, observamos que, quando desagregamos os dados pelo quesito cor/raça, há maior proporção de mulheres negras chefes de família, em comparação com as mulheres não negras. Enquanto 66,7% das mulheres negras são chefes de família, 56,7% das mulheres não negras o são. O padrão encontrado entre os dois municípios é semelhante. Portanto, o fenômeno da chefia familiar 7

Sobre a composição familiar dos beneficiários do PBF, adotamos a concepção de grupo doméstico conforme definido por Mercedes González de la Rocha (2009, p.47). Grupo doméstico se refere à unidade social que combina a residência compartilhada e as atividades, também compartilhadas, de sobrevivência (geração de renda, consumo, tarefas domésticas e produção doméstica de bens e serviços). Embora os membros do grupo doméstico possam estar ou não ligados por vínculos de parentesco, o conceito de família alude a relações de parentesco e não se limita às fronteiras físicas da residência.


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feminina, com seus diferentes e paradoxais efeitos, está mais presente entre as mulheres negras. Esses dados corroboram as constatações tiradas das pesquisas nacionais. Conforme o Ipea (2011, p. 19), ainda são percebidas situações de maior vulnerabilidade nos domicílios chefiados por mulheres, em especial, os por mulheres negras, quando comparados aos domicílios chefiados por homens. Os dados de rendimento, por exemplo, mostram que a renda domiciliar per capita média de uma família chefiada por um homem branco é de R$ 997, ao passo que a renda média numa família chefiada por uma mulher negra é de apenas R$ 491. Do mesmo modo, enquanto 69% das famílias chefiadas por mulheres negras ganham até um salário mínimo, este percentual cai para 41% quando se trata de famílias chefiadas por homens brancos. TRABALHO DOMÉSTICO E INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO

Um ponto de destaque, quando se discute a necessidade de melhor inserção das mulheres em geral e das negras em particular no mercado de trabalho, é a problemática relacionada ao trabalho doméstico no Brasil. Essa categoria de trabalhadoras/es e a legislação que a regula comprovam nossas hierarquias sociais. Segundo dados da PNAD/IBGE, apresentados pelo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça (PINHEIRO, 2008) em 2007, no Brasil, o trabalho doméstico remunerava 6.731.197 de pessoas, das quais 94% eram mulheres. Dessas mulheres, 61% eram negras e 39%, brancas. Conforme Solange Sanches (2011), essa é a principal ocupação feminina, respondendo por 16,4% do trabalho das mulheres, com destaque para as mulheres negras. Sanches informa que 21,4% delas trabalham como domésticas em comparação a 12,1% entre as mulheres brancas. É notável que a força de trabalho feminina apresenta movimentos ascendentes nas últimas décadas, o que parece ser uma tendência estrutural do mercado de trabalho. Para Natália de Oliveira Fontoura e Roberto Gonzalez (2009, p. 21), Alguns fatores que explicam esta mudança estão relacionados à própria expansão do mundo do trabalho; as transformações culturais que, mesmo lentas, redirecionam as mulheres a outros espaços, além do âmbito privado; à própria escolarização das mulheres, que hoje já apresentam indicadores educacionais superiores aos dos homens; e à redução da taxa de fecundidade, entre outros.


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Contudo, essa maior inserção vem acompanhada da reprodução das desigualdades de gênero e raciais, as quais retrocedem muito lentamente, especialmente quanto à questão racial (OLIVEIRA; RIOS-NETO, 2006). A análise da taxa de ocupação entre as mulheres beneficiárias do PBF nos oferece condições de adentrar o debate acerca dos efeitos esperados dos programas de transferência de renda para a oferta de trabalho. Entre as mulheres beneficiárias do PBF entrevistadas, 51% em Londrina e 61% em Uberlândia estavam trabalhando por ocasião de nossa pesquisa. Em Londrina, a taxa de ocupação das entrevistadas apresenta pequena variação pelo quesito cor/raça, com vantagem para as mulheres não negras: 50% das mulheres negras e 54% das mulheres não negras trabalhavam em atividade remunerada. Em Uberlândia, das mulheres negras entrevistadas (34 mulheres), 65,7% trabalhavam, e entre as mulheres não negras (17 mulheres), 52,9% trabalhavam. Portanto, há significativa diferença entre mulheres negras e não negras. Enquanto em Londrina há pouca interferência do quesito cor/raça entre as mulheres que trabalhavam e as que não trabalhavam, em Uberlândia é possível estabelecer correlação entre cor/raça e a taxa de ocupação, sendo as mulheres negras as que estão mais presentes em atividades remuneradas. Em relação ao benefício atuar como um desincentivo ao trabalho, Libardoni e Suarez (2007), avaliam que fica evidente que o beneficio é uma ajuda fundamental em razão do pouco dinheiro ganho pelo marido ou por elas mesmas, ganho esse incerto, pois advindo de trabalhos informais e instáveis. Muitas mulheres, nesse contexto, preferem não trabalhar fora para cuidar dos filhos e da casa, principalmente para a garantia do cumprimento das condicionalidades, condição para a permanência no programa. Nossos resultados reforçam a tese de Esping-Andersen (1995) de que, se existe um desincentivo ao trabalho entre as pessoas destinatárias dos benefícios assistenciais, tal desincentivo se dá mais pelos baixos salários obtidos pelo trabalho e não pelo acesso ao benefício. De nossa parte, entendemos que a adoção desse tipo de perspectiva tem a vantagem de problematizar a estigmatização que tende a existir em torno da população beneficiária do PBF, notadamente as mulheres, neste caso, e especialmente as mulheres negras. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desafio primordial com o qual lidamos nesta pesquisa empírica foi o de construir possibilidades de articulação entre gênero e raça/etnia, por meio


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do cruzamento de variáveis desagregadas pelo quesito cor/raça, segundo a declaração das mulheres respondentes. Intentamos, com isto, contribuir para a produção de dados a respeito das diferenças entre mulheres negras e não negras que vivem em situação de pobreza e que se encontram inseridas em uma política de transferência condicionada de renda, com focalização seletiva. Pesquisas dessa natureza podem contribuir para as teses que tratam dos diferentes matizes das desigualdades socioeconômicas. O exame com dados mais finos sobre esses fenômenos pode oferecer novas roupagens para o debate sobre direitos sociais e justiça social. No que diz respeito à questão racial, a predominância da população negra entre os mais pobres é em si um fator de análise sobre a configuração da desigualdade brasileira, e essa característica deve ser levada em consideração e enfrentada pelas políticas sociais. A situação de pobreza entre as mulheres negras, de acordo com os dados da pesquisa, é constituída a partir da menor renda, da escolaridade mais baixa e do maior índice de famílias monoparentais tendo a mulher como referência. Embora haja maior taxa de mulheres negras no trabalho remunerado, as ocupações são predominantemente em condições precárias, o que dificulta a autonomia econômica. Quanto à influência do PBF na vida das mulheres negras, em comparação com as não negras, os dados mostram que as primeiras se sentem mais respeitadas nas relações familiares em virtude da titularidade do benefício. Declaram também um sentimento de maior responsabilidade com os cuidados intrafamiliares, decorrente do ingresso no Programa. Esse último ponto nos indica que as mulheres negras estão mais suscetíveis às influências normativas do PBF, o que se constitui em uma questão de preocupação, uma vez que o PBF opera reforçando papéis tradicionais de gênero (MARIANO; CARLOTO, 2011). Em linhas gerais, nossas constatações sobre a inserção das mulheres negras no PBF sugerem que, mesmo nas condições de pobreza e de extrema pobreza, a vulnerabilidade social é vivenciada em patamares distintos entre mulheres negras e não negras, com desvantagens para as primeiras. O fato de que as mulheres negras se encontram mais atingidas pelas variadas manifestações da pobreza pode explicar por que essas mulheres tendem a avaliar mais positivamente os efeitos do PBF em seu cotidiano, em comparação com o outro grupo de mulheres. Apesar dessas avaliações mais positivas por parte das mulheres negras, os benefícios acessados: a) não lhes garantem independência em relação ao mercado; b) não lhes propiciam oportunidades equitativas no mercado de trabalho; c) e, ainda,


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não reduzem suas ocupações com as tarefas reprodutivas que concorrem com o trabalho remunerado. Por fim, os diferenciais de cor/raça identificados na pesquisa reforçam a necessidade de desenvolver indicadores que tenham perspectivas multidimensionais da pobreza, o que inclui gênero e cor/raça, entre outros. É importante desenvolver perspectivas de avaliação nos programas sociais que interpelem a discriminação interseccional. Essa abordagem pode contribuir para superar compreensões parciais e por vezes distorcidas das condições das mulheres, compreensões essas que geram ações ineficientes e contraproducentes, como apontado por Crenshaw (2002). No caso das mulheres pobres e negras é necessário um refinamento dos indicadores. Por exemplo, o acesso à renda e ao trabalho é diferenciado para as mulheres negras, mesmo entre o conjunto das mulheres pobres. As mulheres pobres, todavia, são tomadas como uma categoria universal no desenho das políticas de combate à pobreza. É necessário que as políticas sociais, entre elas as políticas de combate à pobreza, adotem paradigmas e desenvolvem metodologias capazes de considerar fatores como gênero, classe social, cor/raça/etnia, geração, território e localização (centro e periferia das regiões urbanas; zona rural), entre outros aspectos. Esse refinamento implicará uma dimensão qualitativa dos indicadores e não só descritivo-quantitativa. BIBLIOGRAFIA CARNEIRO, S. (2003) “Mulheres em movimento”. Estudos Avançados, São Paulo, v.17, n.49, pp. 117-133. CRENSHAW, K. (2002) “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativo ao gênero”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n.1, pp.171-188. ESPING-ANDERSEN, G. (1995) “O futuro do Welfare State na nova ordem mundial.” Revista Lua Nova, n 35, pp.73-112. FONTOURA, N. O.; GONZALEZ, R. (2009) “Aumento da participação de mulheres no mercado de trabalho: mudança ou reprodução da desigualdade?” IPEA - Nota Técnica, n. 41, pp.21-26. FRASER, N. (2001) “Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas na justiça na era pós-socialista”. In: SOUZA, J. (org.). Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: Editora Universidade de Brasília.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

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OLIVEIRA, A. M. H. C. de; RIOS-NETO, E. L. G. (2006) “Tendências da desigualdade salarial para coortes de mulheres brancas e negras no Brasil”. Estudos Econômicos, v.36, n.2, pp. 205-236. PINHEIRO, L. et al. (2008) Retrato das desigualdades de gênero e raça. 3ª ed. Brasília: Ipea: SPM: UNIFEM. RAWLS, J. (2002) Uma teoria da justiça. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes. REGO, W. L. (2008) “Aspectos teóricos das políticas de cidadania: uma aproximação ao Bolsa Família”. Lua Nova, n. 73, São Paulo, CEDEC, PP. 147-185. SAFFIOTI, H. I. B. (1994) “Pósfácio: Conceituando o gênero”. In: SAFFIOTI, H. I. B.; MUÑOZ-VARGAS, M. (orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos. SANCHES, S. (2011) “Trabalho doméstico: desafios para o trabalho decente”. In: BONETTI, A.; ABREU, M. A. (org.) Faces da desigualdade de Gênero e Raça no Brasil. Brasília: IPEA. SCOTT, J. W. (1990) “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação e Realidade, v. 16, n 2, pp. 5 – 22. SUÁREZ, M., LIBARDONI M. (2007) O Impacto do Programa Bolsa Família: Mudanças e Continuidades na Condição Social das Mulheres. In: Vaitsman J. e Paes-Sousa R. Avaliação de Políticas e Programas do MDS – Resultados V. 2 – Bolsa Família e Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Brasília/DF-.



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INDICADORES DE GÊNERO NA CONSTRUÇÃO DE AÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS: OS DESAFIOS PARA SUA ELABORAÇÃO, UTILIZAÇÃO E REGULARIDADE1 Cláudia Siqueira Baltar2 Ronaldo Baltar3

Resumo: A construção, aplicação e avaliação de indicadores voltados para as desigualdades de gênero têm sido bastante estimuladas desde, principalmente, a realização da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD) de 1994, no Cairo, marco nas conferências populacionais pelo enfoque central colocado no direito individual a uma saúde sexual e reprodutiva plena. Em 2000, essa tendência é reforçada com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com o estabelecimento de metas voltadas para alguma das dimensões relacionadas à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres. No plano nacional, a utilização desses indicadores para definição e acompanhamento de políticas públicas ganha espaço destacado nas duas edições do Plano Nacional de Políticas para Mulheres (2004 e 2008). Porém, se no plano propositivo há o reconhecimento da relevância dos indicadores de gênero, no plano prático existem alguns desafios a serem considerados, principalmente quando estamos voltados para o âmbito municipal de definição de políticas públicas. Neste trabalho pretende-se realizar uma análise descritiva de duas bases de indicadores de gênero – SNIG (Brasil) e a base da Cepal (América Latina) – destacando os desafios relacionados à sua utilização para elaboração e monitoramento de políticas públicas municipais. Palavras-chaves: Indicadores de gênero; Políticas Públicas; Governo municipal

1

2

3

Uma primeira versão deste texto foi apresentada no Seminário Internacional “Fazendo Gênero 10”, realizado de 16 a 20 de setembro de 2013, na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC. Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/10/ resources/anais/20/1384361286_ARQUIVO_ClaudiaSiqueiraBaltar.pdf>. Demógrafa e Professora de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Sociólogo e Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL).


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

INDICADORES SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS4

O desenvolvimento e a utilização de estatísticas e indicadores sociais como ferramentas de apoio no planejamento, monitoramento e avaliação de políticas públicas constituem-se em práticas relativamente recentes, tanto na esfera governamental, como na esfera acadêmica. Internacionalmente, tais atividades têm início oficialmente nos Estados Unidos, na década de 1960, quando a sociólogos e pesquisadores sociais norte-americanos foi solicitado que desenvolvessem uma análise explicativa que desse conta do paradoxo entre o crescimento econômico e as reivindicações sociais não atendidas, característico daquele contexto do país (SANTAGADA, 1993, p.246)5. Ao longo dos anos de 1970, vários organismos internacionais e regionais passam a concentrar esforços voltados para estudos e desenvolvimento de indicadores sociais, como é o caso da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco Mundial, entre outros. Concomitantemente, vários países desenvolvidos começam a produzir, organizar e disponibilizar séries de compêndios de estatísticas e indicadores sociais com a finalidade explícita de vinculá-los ao planejamento governamental. É o caso de países como a Franca, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, Japão, entre outros, que passam a desenvolver sistemas de indicadores sociais, cujo objetivo era o de avaliar as condições sociais e fornecer instrumentos que pudessem mensurar o “bem-estar” das suas respectivas populações (SANTAGADA, 1993). No Brasil, data de 1975 a intenção de se criar um sistema de indicadores sociais para o país. No contexto de crescimento econômico dos anos 70, que foi bastante significativo no período, constatou-se que tal crescimento não ocasionou uma melhoria na distribuição de renda nem na redução da pobreza absoluta. Diante disso, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), referente ao período de 1975-1979, estabeleceu a criação do Conselho de Desenvolvimento Social, o qual propôs a construção de indicadores sociais, cujo objetivo seria o de fornecer elementos para a elaboração e o acompanhamento do planejamento 4

5

A abordagem da temática sobre indicadores sociais e políticas públicas, realizada neste trabalho, relaciona-se com os estudos e pesquisas realizados pelos autores no âmbito dos projetos INFOSOC (Ferramentas de Informática Aplicadas à Análise de Dados em Sociologia) e LEPP (Laboratório de Estudos de População e Políticas Públicas), ambos registrados no CNPq e lotados no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. SANTAGADA, S. Indicadores sociais: contexto social e breve histórico. Indicadores Econômicos FEE, vol.20, no.4, pg. 245-255, 1993.


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social. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por sua vez, desempenharia um papel importante na elaboração, operacionalização e disponibilização desse sistema nacional de indicadores sociais (SANTAGADA, 1993, p.250). Desde então, o que se observa em relação aos governos brasileiros é o crescente interesse em relação à avaliação das políticas públicas, especificamente associadas às questões da sua efetividade, sua eficácia e sua eficiência. Ou seja, cresce junto aos governantes o interesse em acumular conhecimento sobre os resultados de um determinado programa ou política, o qual poderá ser utilizado para melhorar as concepções e implementações de ações, fundamentar decisões e promover a prestação de contas (RAMOS e SCHABBACH, 2012, p.12731274)6 . Além disso, deve-se destacar que, no Brasil, o maior desenvolvimento, disseminação e sofisticação na produção de estatísticas e de indicadores sociais, voltados para avaliação e monitoramento de políticas públicas, acontece num contexto de crise econômica, reforma do Estado e necessidade de contenção dos gastos públicos (RAMOS e SCHABBACH, 2012). Esse movimento interno ao país vincula-se, no plano internacional, a mudanças em curso, durante a década de 1990, nos países desenvolvidos, expressas pela reforma do Estado e de seu aparelho administrativo, denominado como Nova Gestão Pública ou New Public Management que, em termos gerais, preconizava uma redefinição do papel do Estado e a implantação de mecanismos de gestão provenientes da iniciativa privada de administração pública (RAMOS e SCHABBACH, 2012). Acrescente-se a isso o fato de que, no caso brasileiro, não há como refletir sobre essas mudanças sem considerar o processo de descentralização políticoadministrativa após a Constituição Federal de 1988 (ARRETCHE, 1999)7. Na prática, a Carta de 1988 foi resultado da convergência de diferentes processos em curso no país: a abertura política no final da ditadura militar, a crise financeira dos anos 80, a reforma do Estado e as reivindicações voltadas para uma participação popular efetiva nas decisões políticas.

6

7

RAMOS, M.P. e SCHABBACH, L.M. O estado da arte da avaliação de políticas públicas: conceituação e exemplos de avaliação no Brasil. Revista Administração Pública, Rio de Janeiro, 46(5), pg.1271-1294, set/out 2012. ARRETCHE, M.T.S. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.14, no.40, 1999. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v14n40/1712.pdf>


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Especificamente com relação ao processo de descentralização políticoadministrativa – caracterizada principalmente pela transferência de responsabilidades e recursos da União para Estados e Municípios – devese destacar que as atividades relacionadas ao desenho, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas tornaram-se mais complexas, uma vez que as diferentes esferas de governo atuam concomitantemente nas diversas áreas sociais, requerendo um maior cuidado por parte dos formuladores e avaliadores de políticas públicas na tarefa de se identificar adequadamente os efeitos e resultados de programas, políticas e projetos específicos. Por sua vez, nas atividades voltadas para o desenho, o monitoramento e a avaliação de políticas públicas, uma etapa importante é a elaboração de indicadores sociais – sejam eles de diagnóstico/situação, de impacto ou de resultados –, pois são as ferramentas através das quais se efetivará as ações de controle social das políticas públicas (RAMOS e SCHABBACH, 2012; CAVENAGHI, 2009)8. Uma vez delineados os procedimentos para a construção dos indicadores, alguns desafios se interpõem entre a informação sistematizada e o uso efetivo para o controle social. Sobretudo no tocante às políticas de gênero, faz-se necessário discernir entre as fontes disponíveis para a construção dos indicadores de diagnóstico, as fontes para os indicadores de resultado e o alcance (nível de desagregação, periodicidade e cobertura temporal) das variáveis disponíveis para o recorte específico que se pretende abordar. Este último ponto torna-se um problema mais evidente quando se pretende formular indicadores para o monitoramento de políticas municipais. Para uma reflexão sobre estes pontos, tendo como enfoque as políticas de gênero, passaremos a detalhar duas bases formuladas no contexto de priorização das ações para redução da desigualdade entre homens e mulheres. INDICADORES DE GÊNERO E POLÍTICAS PARA AS MULHERES

A construção, aplicação e avaliação de indicadores voltados para as desigualdades de gênero têm sido bastante estimuladas desde, principalmente, a realização da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD) de 1994, no Cairo, marco nas conferências populacionais pelo enfoque central colocado no direito individual a uma saúde sexual e reprodutiva plena. 8

CAVENAGHI, S. (Org.). Gênero e raça no ciclo orçamentário e controle social das políticas públicas. Indicadores de gênero e de raça no PPA 2008-2011. CFEMEA, 2007. Disponível em: <http://www.andi.org.br/inclusao-e-sustentabilidade/documento/genero-e-raca-nociclo-orcamentario-e-controle-social-das-poli>


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Em 2000, essa tendência é reforçada com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com o estabelecimento de metas voltadas para alguma das dimensões relacionadas à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres. No plano nacional, a utilização desses indicadores para definição e acompanhamento de políticas públicas ganha espaço destacado nas duas edições do Plano Nacional de Políticas para Mulheres (2004 e 2008). Porém, se no plano propositivo há o reconhecimento da relevância dos indicadores de gênero, no plano prático, existem alguns desafios a serem considerados, principalmente quando se trata do âmbito municipal de definição de políticas. Nas próximas subseções, pretende-se realizar uma análise descritiva de duas bases de indicadores de gênero – SNIG (Brasil) e a base da Cepal (América Latina) – destacando tanto os desafios relacionados à sua utilização para elaboração e monitoramento de políticas públicas municipais, como as potencialidades existentes em cada base. Sistema Nacional de Indicadores de Gênero (SNIG)9 O Sistema Nacional de Indicadores de Gênero (SNIG) foi desenvolvido em parceria com o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), com o apoio do IBGE. Esse sistema foi disponibilizado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – SPM, em 2006, com o objetivo de fornecer subsídios para gestores públicos na formulação, implementação e aperfeiçoamento de políticas publicas em diferentes áreas de atuação e, além disso, se configura como um instrumento de controle social disponível para a sociedade em geral. No quadro 1, são apresentados os indicadores constantes no SNIG:

9

O acesso à base do Sistema Nacional de Indicadores de Gênero (SNIG) foi feito através do site do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero (http://www.observatoriodegenero. gov.br/eixo/indicadores/indicadores-nacionais/estudos-e-pesquisas). Acessado no dia 03/03/2013.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Quadro 1: Indicadores constantes na base do Sistema Nacional de Indicadores de Gênero INDICADORES

DIMENSÕES ADICIONAIS

Proporção de mulheres chefes de família, com filhos no domicílios

1) Cônjuge

Domicílios particulares permanentes

1) Infraestrutura domiciliar

Família

1) Rendimento familiar per capita 2) Com crianças de 0 a 6 anos

Número médio de pessoas na família

1) Rendimento familiar per capita

Percentual de contribuição de rendimento do chefe de família no rendimento familiar

Taxa de analfabetismo

Taxa de frequência à escola

Média de anos de estudo

1) População ocupada

População economicamente ativa

Taxa de atividade

População ocupada Rendimento médio/mediano

1) Contribuição previdenciária 2) Posição na ocupação 1) Tipo de rendimento 2) Posição na ocupação

Pessoas portadoras de deficiência

1) Deficiência

Migração

1) Entrada e saída (data fi xa)

FONTE DADOS

Censos Demográficos de 1991 e 2000 - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica (IBGE)

População

Elaborado pelos autores a partir de informações da base do Sistema Nacional de Indicadores de Gênero (SNIG)

Os indicadores que compõem esse sistema foram elaborados a partir dos censos demográficos de 1991 e 2000, cobrindo informações sobre população, domicílio, família, renda, educação, trabalho, deficiência e migração. As informações são desagregadas por sexo, cor/raça e faixa etária sempre que a base censitária permitiu e, além disso, para alguns indicadores são apresentadas informações complementares. Além disso, os indicadores podem ser desagregados espacialmente em diferentes recortes (Brasil, Regiões, Unidades da Federação, Microrregiões e Municípios), que variam de acordo com os indicadores. As vantagens dessa base do SNIG residem, primeiramente, no fato de se constituir numa forma fácil e rápida de se obter informações provenientes dos


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censos demográficos, com recorte de gênero e raça. Em segundo lugar, destacase o fato de o sistema ser bastante dialogável e de fácil manuseio. Porém, na perspectiva da tomada de decisão no âmbito municipal, formulação, monitoramento e avaliação de ações no âmbito local, a base do SNIG apresenta várias limitações. Nesse sentido, o primeiro aspecto que chama a atenção refere-se à periodicidade dos indicadores. A base cobre somente os anos censitários de 1991 e 2000, e não há nenhuma indicação nos sites pesquisados de que a base será atualizada com os dados do censo demográfico de 2010. Diante disso, o que se pode afirmar é que, na forma como estão disponibilizados, os indicadores do SNIG não podem cumprir seu papel nas atividades relacionadas à definição e ao monitoramento de políticas públicas, pois eles estão em descompasso temporal com a realidade da sociedade. Outra importante limitação do sistema refere-se ao recorte espacial das informações sociais. Para a formulação de políticas e programas no âmbito municipal, é imprescindível a disponibilização de estatísticas e indicadores sociais desagregados num recorte intraurbano (no caso, setores censitários), pois, para a formulação de políticas focalizadas em grupos sociais específicos, é necessário ter instrumentos que possibilitem localizar esse público-alvo nos diferentes espaços que compõem os municípios. Uma terceira limitação relacionada ao SNIG, identificada a partir do contato com gestores públicos, é a de considerar as informações do SNIG tanto como indicadores de contexto/situação como indicadores de monitoramento e de avaliação. Parte da bibliografia que vem tratando do tema (RAMOS E SCHABBACH, 2012; CAVENAGHI, 2007; JANNUZI, 2001) chama bastante atenção para essa confusão entre os diferentes tipos de indicadores, que se referem às diferentes etapas de formulação, monitoramento e avaliação das políticas públicas. Sem pretender aprofundar nesse tema sobre os diferentes tipos de indicadores sociais, o que fugiria dos propósitos deste trabalho, a questão é que, considerando a base do SNIG diante deste debate, constata-se que, quando muito, os indicadores sociais fornecem um panorama bem geral da situação em que se encontram (ou se encontravam) os municípios nas diferentes áreas sociais cobertas pelo sistema. Ou seja, acaba sendo um diagnóstico do passado recente dos municípios considerados na sua totalidade.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe10 O Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe é resultado direto da X Conferência Regional da Mulher da América Latina e Caribe, realizada em Quito, no ano de 2007. A partir do que foi denominado por Consenso de Quito, que se fundamenta em todas as conferências das mulheres realizadas até o momento, os estados-membros da Cepal solicitaram a construção de um observatório das igualdades de gênero, contando com apoio das Nações Unidas e dos institutos de estatísticas de cada país, para que se pudesse desenvolver instrumentos para acompanhar os avanços das mulheres em diferentes áreas, nos países da América Latina e Caribe. No quadro 2, são apresentados os indicadores disponibilizados por esse observatório. A partir dele, a primeira observação a ser feita refere-se ao agrupamento dos indicadores de gênero nas seguintes temáticas: Autonomia Física, Autonomia na Tomada de Decisão e Autonomia Econômica. No grupo de Autonomia Física, são contemplados indicadores relacionados a alguns aspectos de saúde reprodutiva e de violência contra a mulher; no de Autonomia na Tomada de Decisão, a maioria dos indicadores refere-se à participação da mulher em cargos eletivos, tanto executivos como legislativos, e em cargos do poder judiciário. Por fim, a Autonomia Econômica contempla dados referentes a emprego, trabalho e renda, razão de dependência, chefia do domicílio, entre outros. Quanto ao recorte espacial, os indicadores são apresentados por países, o que, de imediato, já descarta a sua utilização como instrumento para elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas, no sentido mais estrito.

10

As considerações feitas aqui sobre os indicadores de gênero disponibilizados pelo Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe baseiam-se no sistema de indicadores localizado no site da Cepal. Disponível em:< http://www.cepal.org/oig/ default.asp?idioma=PR>. Acessado em: 01/06/2013.


ARTIGOS 111 Quadro 2: Indicadores constantes no Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe. QUADRO 2: Indicadores constantes no Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe ONU/CEPAL Recorte espacial

Anos de referência 1990 a 2010 - Os anos de referência dos dados variam de acordo com o tipo de informação e do país a que se refere o dado

Indicadores 1) Morte de mulheres causada pelo seu companheiro ou excompanheiro íntimo

Países da América Latina e Caribe e Península Ibérica

Grupos de Indicadores

2) Mulheres de 15 a 19 anos que são mães Autonomia Física

3) Demanda insatisfeita de planejamento familiar 4) Mortalidade materna 5) Partos assistidos por pessoal sanitario especializado (UNICEFOMS) 1) Participação de mulheres em gabinetes ministeriais 2) Número de deputadas 3) Participação de mulheres no superior tribunal de justiça

4) Prefeitas Autonomia na Tomada de 5) Vereadoras Decisão 6) Protocolo facultativo à convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher 7) Nível hierárquico dos mecanismos para o avanço da mulher (MAM) 1) População urbana sem renda própria por sexo 2) População rural sem renda própria por sexo 3) Relacão de dependência demográfica, por grupos dependentes, por sexo 4) Tempo destinado ao trabalho, pela população ocupada 15 anos ou mais, último período disponível Autonomia Econômica

5) Tempo destinado ao trabalho, pela população sem ocupação 15 anos ou mais, último período disponível 6) Chefia de domicílio por condição de pobreza e por sexo, áreas urbanas e rurais 7) Coeficiente do hiato de pobreza em domicílios por sexo do chefe, áreas urbanas e rurais 8) Taxa de participação econômica da população de 15 anos e mais, segundo sexo e condição de pobreza, áreas urbanas e rurais

Elaborado pelos autores a partir das informações contidas na base do Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe

Elaborado pelos autores a partir das informações contidas na base do Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe.

Quanto à cobertura temporal desse sistema de indicadores, observa-se que os dados cobrem um período que se inicia em 1990 e se estende até 2010. A periodicidade dos dados varia tanto entre os países como entre os próprios indicadores, o que, em alguns casos, dificulta a própria análise comparativa entre os países. Apesar disso, o Observatório disponibiliza uma rica fonte de informações a respeito das políticas para as mulheres para os países da América Latina e o Caribe. Para os propósitos deste trabalho, é importante destacar que essa base de indicadores de gênero fornece elementos que poderiam ser incorporados para a elaboração de sistemas de indicadores de gênero, principalmente no âmbito municipal. Entre esses elementos, pode-se apontar a incorporação de áreas ou


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temáticas que não são contempladas pelos censos demográficos brasileiros, como é o caso da violência doméstica e a inserção das mulheres em cargos públicos de alto escalão, eletivos ou não. CONCLUSÃO

Diversos esforços têm sido feitos nas últimas décadas para aperfeiçoar modelos de análise e de monitoramento de políticas públicas baseados em indicadores sociais. Também têm sido crescentes a difusão e a acessibilidade de fontes de dados que, algumas décadas atrás, estavam ao alcance apenas de especialistas e grandes instituições. O SNIG (Brasil) e a base da Cepal (América Latina) são exemplos de ações de disseminação de informação, com o propósito de tornar os dados acessíveis ao maior número de atores sociais e indivíduos. O objetivo maior é fazer com que o controle social sobre as políticas possa ser exercido de maneira efetiva, não apenas por pressão reivindicativa, mas, sobretudo, com planejamento e monitoramento participativo. Eliminar a assimetria de informação entre os diversos atores envolvidos no processo é fundamental para cumprir este propósito. Um dos passos fundamentais para que se concretize esta expectativa é a qualificação das informações e também a dos próprios atores. Neste sentido, a disponibilização da informação e a construção de quadros sínteses, por meio da aglutinação de variáveis em alguns indicadores, é um passo importante, mas ainda incompleto. Sobretudo para a formulação de políticas municipais, em que, de fato, se encontram os agentes com maior proximidade dos problemas diários vividos pelo público-alvo das políticas públicas. Como destacado na análise da política de gênero e nas bases SNIG (Brasil) e na base da Cepal (América Latina), alguns desafios ainda estão em aberto. Faltam sistemas municipais de indicadores, com periodicidade adequada para a realidade de planejamento e monitoramento de políticas públicas municipais, em especial, acompanhando a agenda de elaboração dos Planos Municipais Plurianuais. No que se refere às políticas de gênero, é necessário também levar em consideração as temáticas não abarcadas pelos censos demográficos. O uso destas informações deve ser acompanhado de um preparo analítico por parte dos usuários, sejam acadêmicos, técnicos, gestores públicos ou atores sociais. Muitas vezes, a abordagem marcada fortemente por compromissos ideológicos, ainda que revestida de um discurso de crítica às desigualdades, reproduz uma disseminação deliberadamente limitada das informações


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existentes. Impede uma reflexão efetivamente crítica e criativa das alternativas de políticas públicas. Reproduz questões já não mais existentes e impede a compreensão dos problemas realmente vividos pela população, como, por exemplo, a elaboração dos indicadores que abordem as desigualdades reversas de gênero, em que se destacam as necessidades voltadas para os homens e a questão das desigualdades entre as mulheres. A disposição pública de bases de dados, como o SNIG (Brasil) e a base da Cepal (América Latina), é um marco para o avanço do controle social. O caminho que se apresenta em aberto é o de superar os desafios de gerar e aproximar as informações das políticas municipais. BIBLIOGRAFIA ABRUCIO, F.L. e COUTO, C.G. A redefinição do papel do Estado no âmbito local. São Paulo em Perspectiva, vol.10, no.3, jul-set 1996. Disponível em: <http://www. plataformademocratica.org/Publicacoes/934.pdf> AFFONSO, R. Os municípios e os desafios da federação no Brasil. São Paulo em Perspectiva, vol.10, no.3, jul-set 1996. Disponível em: <https://www.seade.gov.br/ produtos/spp/v10n03/v10n03_01.pdf> ALVES, J.E.D. As políticas populacionais e os direitos reprodutivos: “o choque de civilizações” versus progressos civilizatórios. In: CAETANO, A.J., ALVES, J.E.D. e CORREA, S. (orgs.). Dez anos do Cairo: tendências da fecundidade e direitos reprodutivos no Brasil. Campinas : Associação Brasileira de Estudos Populacionais – ABEP : Fundo de População das Nações Unidas-UNFPA, 2004. Disponível em: <http://www.abep. nepo.unicamp.br/docs/outraspub/cario10/cairo10alves21a48.pdf> ALVES, J.E.D. e CORREA, S. Igualdade e desigualdade de gênero no Brasil: um panorama preliminar, 15 anos depois do Cairo. ABEP, Brasil, 15 anos após a Conferência do Cairo, ABEP/UNFPA, Campinas, 2009. ALVES, J.E.D. e MARTINE, G. Gênero e desenvolvimento: desafios para a integração e atualização do Cairo. IV Congresso da Associação Latino-Americana de Populaçao (ALAP), Havana, 2010, Anais..., IV Congresso da ALAP, 2010. ARRETCHE, M.T.S. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.14, no.40, 1999. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v14n40/1712.pdf> CARRASCO, C. Estatísticas sob suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. São Paulo: SOF Sempreviva Organização Feminista, 2012. CAVENAGHI, S (Org.). Gênero e raça no ciclo orçamentário e controle social das políticas públicas. Indicadores de gênero e de raça no PPA 2008-2011. CFEMEA, 2007.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Disponível em: <http://www.andi.org.br/inclusao-e-sustentabilidade/documento/ genero-e-raca-no-ciclo-orcamentario-e-controle-social-das-poli> JANNUZZI, P.M. Indicadores sociais no Brasil. Conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas: Editora Alínea, 2001. JANNUZZI, P.M.; SILVA, M.R.F.M.; SOUSA, M.A.F. e RESENDE, L.M. Estruturação de sistemas de monitoramento e especificação de pesquisas de avaliação, os problemas públicos no Brasil são. In: Cadernos Reflexões para Ibero-América: Avaliação de Programas Sociais. 1 ed. Brasília: ENAP, 2009, v.1, p.101-138. RAMOS, M.P. e SCHABBACH, L.M. O estado da arte da avaliação de políticas públicas: conceituação e exemplos de avaliação no Brasil. Revista Administração Pública, Rio de Janeiro, 46(5), pg.1271-1294, set/out 2012. SANTAGADA, S. Indicadores sociais: contexto social e breve histórico. Indicadores Econômicos FEE, vol.20, no.4, pg. 245-255, 1993. SORJ, B. Pesquisas comparativas: uma análise crítica dos indicadores de gênero. Revista Z Cultural, Ano VIII, 02, 2011.


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INDICADORES DE GÊNERO Cássia Maria Carloto1

Resumo: O presente texto traz algumas reflexões sobre a importância da construção de indicadores de gênero para o sistema de avaliação de monitoramente das políticas públicas. Partindo das contribuições da economista Cristina Carrasco, apresentamos uma tipologia de indicadores que podem ser utilizados como ferramentas para orientar a construção de sistemas de avaliação de projetos, programas e serviços na perspectiva de gênero. Palavras-chaves: Indicadores de gênero; sistemas de indicadores de gênero.

A avaliação e o monitoramento2, embora relacionados, são independentes entre si e construídos com base em concepções e metodologias diferenciadas. A avaliação, de modo geral, pode ser definida como uma pesquisa social aplicada, ou seja, um estudo da realidade que utiliza de métodos e instrumentos da pesquisa social para analisar a eficiência, eficácia e efetividade de uma política, programa ou projeto social. Neste sentido, possui as dimensões técnica e política, uma vez que depende de escolhas, direcionamentos e decisões tanto no momento da realização, quanto da utilização e divulgação dos resultados. Costuma ser realizada por equipes externas ao programa e, conforme Cavenaghi (2007), ao analisar os impactos que o programa causou na população-alvo, supõe que haja uma parcela da população não incluída para que seja possível a comparação, por isso não deve acontecer quando o público-alvo já foi atingido, devendo estar presente desde o desenho da ação a ser implementada e não apenas após a sua implementação. Já o monitoramento é uma ação contínua, cotidiana, sistemática e planejada de acompanhamento do programa, realizada pela própria equipe de implementação. Visa adequar a execução com o planejado, medindo quão bem 1 2

Docente do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina. O monitoramento é aqui considerado como um momento da avaliação das políticas sociais, a qual está vinculada a um processo de gestão que envolve organização, direção, planejamento, controle e avaliação, sendo também constitutivo da formulação desta política. Entretanto, nesta abordagem não será possível ampliar as considerações.


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uma atividade, ação ou intervenção está sendo realizada. Segundo Cavenaghi (2007), o monitoramento deve buscar saber se o programa foi bem desenhado desde o início, se sua continuidade se dá de forma satisfatória ao longo do tempo e se os gestores(as) devem tomar medidas e propor mudanças de curso para que o programa seja efetivo e os recursos sejam empregados de forma eficiente. Para avaliar e principalmente monitorar um programa, é necessária a construção de indicadores. Segundo Jannuzzi (2006), um indicador é uma medida dotada de significado, usada para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito abstrato de interesse teórico (no caso de uma pesquisa acadêmica), ou programático, para a formulação e monitoramento da realidade social com a finalidade de formular e reformular as políticas públicas. Neste sentido, informa sobre um aspecto da realidade social e/ou sobre mudanças que estão ocorrendo nessa realidade. O fortalecimento da função avaliação na gestão governamental se deu na década de 1990 com a justificativa de modernização da administração pública, em um contexto de dinamização e legitimação da reforma do Estado. Neste sentido, a ênfase é colocada nos resultados e na desresponsabilização/devolução/ privatização da provisão de bens e serviços sociais, através de uma visão ‘tecnicista’ da avaliação. Assim, a perspectiva política está nos usos que são feitos dos resultados da avaliação para justificar as ações do Estado. Segundo Teixeira (2012 p.16), o uso de indicadores se dissemina a partir dos anos de 1980, em um contexto cujo debate central dizia respeito ao impacto das decisões políticas sobre os níveis de pobreza. Nesse período se formulou um grupo de indicadores sociais, com destaque para o IDH, com o objetivo de acompanhar a evolução em áreas como saúde, educação e emprego, entre outras. Mas, como comenta a autora, esses indicadores não levavam em conta as diferenças de sexo. É a partir da década de 1990 que a variável sexo ganha relevância na produção de índices. A ONU é que irá formular em 1995 os primeiros indicadores com recorte de gênero. Segundo Teixeira (2012), a IV Conferência Internacional da ONU sobre as Mulheres, realizada em Pequim, em 1995, contribuiu para impulsionar o desenvolvimento de índices desagregados no âmbito dos governos. Decorre desse contexto, conforme Teixeira (2012), o surgimento de várias iniciativas, em diferentes países, para elaborar e monitorar indicadores desagregados por sexo, que tinham como objetivo avaliar as condições socioeconômicas das mulheres e servir de instrumento de planejamento e execução de programas de governo. A autora comenta que, nos anos de 1990, se disseminou a produção de índices sintéticos de gênero por diferentes organismos


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internacionais, com o propósito de comparar a realidade das mulheres de diferentes países através de uma escala de classificação. Segundo Teixeira (2012), atualmente há oito índices sintéticos de gênero internacionais, três deles formulados pela ONU, o Gender-related Development Index (GDI), o Gender Empowerment Measure (GEM) e o Gender Inequality Index (GII), publicado juntamente com o Índice de Desenvolvimento Humano de 2010. No âmbito da União Europeia, foi criado o Social Institutions and Gende Index (SIGI). Por sua vez, o Fórum Econômico Mundial desenvolveu o Gender Gap Index (GGI) e a sociedade civil elaborou, por meio do trabalho da rede Social Watch, o Gender Equity Index (GEI). Além disso, está disponível o Women’s Economic Opportunity (WEOI), proposto pelo Banco Mundial. Voltado para os países africanos, existe o African Gender and Development Index (AGDI). Para Teixeira (2012 p. 28), A iniciativa de desenvolver um sistema de indicadores não é uma tarefa fácil, entre outras razões porque a concepção desses indicadores precisa ser confrontada com as possibilidades de acesso às informações. Nesse sentido, a proposta tanto dialoga com indicadores existentes, quanto formula propostas para futuras coletas. A configuração local será sempre muito importante na definição das variáveis que irão compor um sistema de indicadores, a fim de evitar a utilização de indicadores universais e abstratos, que não reconhecem as complexidades locais, em que uma mesma variável pode representar diferentes práticas.

No caso do Brasil, segundo a autora citada (2012), “qualquer proposta de sistema de indicadores tem que considerar a própria diversidade existente entre as mulheres, no campo da cor-etnia e no pertencimento à vida urbana ou à rural”. Segundo Teixeira (2012, p.20), os métodos estatísticos padrão, utilizados por economistas neoclássicos, “baseiam-se em extensos grupos de dados, costumeiramente coletados por agências governamentais. Por sua vez a informação obtida é imperfeita e inclui desde respostas impessoais até questões ambíguas”. Nesse sentido, segundo a autora, é importante valorizar depoimentos colhidos a partir de entrevistas, de levantamentos detalhados, de pesquisa de profundidade, de pesquisa observador-participante e do uso de grupo focal, “como parte das estratégias inovadoras em andamento”. Cristina Carrasco (2012) realizou um estudo para o Instituto Catalão das Mulheres na Espanha, no qual propõe uma série de indicadores destinados a


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medir a satisfação das necessidades humanas para orientar o planejamento de políticas geradoras de igualdade. Com isso, diferencia-se da economia neoclássica que centraliza a análise na utilização racional e eficiente dos recursos e coloca como tema central o atendimento das necessidades, por isso apresenta indicadores que também valorizam o não remunerado. A proposta tem como base a identificação de capacidades a partir do acesso à saúde, à educação e ao conhecimento, a um espaço doméstico adequado e seguro, a um trabalho remunerado e a rendimentos, à mobilidade, aos cuidados, ao tempo livre, a uma vida livre de violência, à participação social e política na comunidade e, por fim, inclui indicadores específicos para a população imigrante. A proposta trabalha com indicadores de diagnóstico que são aqueles que oferecem um panorama global e sintético em uma dada situação, em um determinado momento, e que também permitem acompanhar a evolução no tempo. Ou seja, o objetivo é poder visualizar a situação global das mulheres e fazer um acompanhamento dessa situação. Trata-se de poder detectar os principais obstáculos que impedem o desenvolvimento de suas capacidades para que possam ser objeto de intervenção pública ou social. Sendo assim, os indicadores de diagnóstico não têm como objetivo a avaliação de políticas, programas ou processos específicos. No sistema proposto há indicadores possíveis e indicadores desejáveis. No primeiro caso, trata-se de indicadores que podem ser obtidos a partir da informação disponível. Já os indicadores desejáveis são aqueles considerados necessários e adequados para o objetivo proposto, mas que não podem ser obtidos, por não existir a informação necessária. Nesse caso, é importante identificar esses indicadores desejáveis, mostrando, assim, o tipo de informação que será preciso produzir. As informações a seguir exemplificam como Carrasco (2012) construiu o sistema de indicadores3. Carrasco (2012) constrói os indicadores a partir da elaboração de um vetor de onze capacidades, baseadas na abordagem de Amartya Sen, descritas a seguir. 1- Acesso à saúde 2- Acesso à educação e ao conhecimento 3- Acesso a um espaço doméstico adequado e seguro 3

CARRASCO, Cristina. Estatísticas Sob Suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. Tradução Valenzuela Perez. São Paulo, SOF Sempreviva Organização Feminista, 2012. Pgs. 22 a 27.


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4- Acesso a um trabalho remunerado em condições adequadas 5- Acesso à obtenção de rendimentos monetários 6- Acesso à mobilidade e ao planejamento territorial adequados 7- Acesso ao tempo livre e às atividades esportivas 8- Acesso aos cuidados 9- Acesso a uma vida livre de violência 10- Participação social e política na comunidade 11- As mulheres migrantes

Quadro capacidades/indicadores CAPACIDADES

INDICADORES

Acesso à educação e ao conhecimento

1) proporção de abandono nos três níveis educacionais 2) graduação em nível superior 3) educação de pessoas adultas 4) pesquisadoras por área de conhecimento 5) estudos de pessoas ativas e inativas 6) participação em ações de capacitação dirigidas a pessoas desempregadas e inativas para incorporar-se ao trabalho assalariado 7) pessoas beneficiárias de bolsas de apoio à formação e à pesquisa 8) pessoal docente nos três níveis educativos 9) direções e cargos de responsabilidade de centros docentes dos três níveis educativos 10) expectativa de pais e mães em relação ao nível máximo de estudos de seus filhos e filhas 11) currículo e materiais não estereotipados nos diferentes níveis de educação 12) conteúdos de saúde sexual e reprodutiva nos programas de estudo 13) Prevenção da violência sexista: autoestima, gestão de conflito

Acesso a um espaço doméstico adequado e seguromoradia

1) regime de propriedade da moradia principal 2) área do domicílio por pessoa segundo a pessoa de referência seja mulher ou homem 3) rendimentos brutos do domicílio dedicados à compra ou ao aluguel da moradia 4) localização dos domicílios monoparentais 5) instalações e serviços no domicílio 6) percepção de problemas no domicílio 7) titularidade da moradia de proteção oficial 8) auxílio para aluguel de moradia 9) espaços próprios no domicílio 10) responsabilidade por tarefas de reciclagem no domicílio


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Acesso a um trabalho remunerado em condições adequadas

1) relação de tempo total de trabalho 2) relação de tempo médio de trabalho 3) dupla jornada 4) taxas de ocupação 5) taxas de ocupação em situação específica de cuidados 6) tempo de trabalho remunerado 7) preferência de ocupação do tempo 8) ocupação em cargos de responsabilidade 9) taxa de temporalidade 10) taxa de parcialidade 11) taxa de desemprego 12) taxa de desemprego oculto 13) taxa de ocupação em setores majoritários do “outro sexo” 14) taxa de feminização da ocupação remunerada no serviço doméstico e de cuidados

Acesso a uma vida livre de violência

1) autopercepção das violências 2) dimensão das violências contra as mulheres 3) grau de satisfação com o sistema policial e o judiciário 4) detecção dos abusos emocionais e físicos pelos centros de atenção primária (serviços sociais e serviços de saúde) 5) vitimização a médio prazo 6) percepção da violência segundo o bairro de residência 7) número de porteiros eletrônicos nos edifícios e visibilidade das partes internas dos edifícios 8) violência contra as mulheres nos espaços públicos

Acesso à saúde

1) expectativa de vida ao nascer 2) realização regular de mamografias preventivas 3) interrupção voluntária da gravidez 4) estado de saúde percebido 5) estado de saúde mental 6) mobilidade reduzida 7) tabagismo 8) atividade física com benefícios para a saúde 9) sobrepeso 10) perspectiva não androcêntrica no Planejamento de Saúde da Catalunha

Acesso ao tempo livre e às atividades esportivas

1) percepção de angústia por falta de tempo 2) taxa de realização de atividades culturais e de lazer 3) taxa de realização de atividades desportivas 4) taxa de realização de atividades desportivas 5) tempo de atividades de lazer, culturais e desportivas 6) pessoas associadas e federadas a entidades desportivas 7) esporte de acompanhamento 8) esporte de ócio/lazer


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A seguir, compilamos alguns exemplos de indicadores construídos por Carrasco (2012)4 a partir das dimensões já citadas. A autora constrói os indicadores com base em uma justificativa na qual aborda os determinantes de gênero, para em seguida organizá-los nos seguintes eixos: definição, variáveis, objetivo, importância, fontes de informação. Nesta compilação não foram incluídas as discussões da autora sobre os determinantes de gênero.

1 CAPACIDADE - ACESSO À EDUCAÇÃO E AO CONHECIMENTO Indicador: Proporção de abandono em três níveis educativos Definição: Porcentagem de meninas, meninos e jovens de ambos os sexos que deixam os estudos nos três níveis educativos. Particularmente, a porcentagem de abandono por gravidez. Variáveis: Titularidade da escola (público, privado) e procedência. Objetivo: Ter informação sobre o abandono escolar e suas possíveis desigualdades por sexo. Importância: Estudar aspectos como analfabetismo em faixas de idade mais altas e questões concretas de rendimento (fracasso escolar) que marcam a diferença de feminino e masculino. Fontes de informação: Departamento de Educação. Departamento de Universidade, Investigação e Sociedade da Informação. Indicador: Educação de pessoas adultas Definição: Número de mulheres adultas em relação ao número de homens adultos matriculadas/os em educação de pessoas adultas. Variáveis: Faixa de idade significativa e procedência. Objetivo: Observar as possíveis desigualdades por sexo nos níveis educativos mais baixos da população. O nível educativo é determinante no acesso ao mercado de trabalho, à saúde, à participação e, em geral, a uma melhor qualidade de vida. Importância: Os dados sobre educação de adultos registram o “fracasso escolar” (abandono da educação básica ou fundamental), o analfabetismo com mais idade. Fontes de informação: Departamento de Educação 4

CARRASCO, Cristina. Estatísticas Sob Suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. Tradução Valenzuela Perez. São Paulo, SOF Sempreviva Organização Feminista, 2012. Pgs. 22 a 27.


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2 CAPACIDADE - ACESSO A UMA MORADIA ADEQUADA E SEGURA Indicador – Área do domicílio por pessoa segundo a pessoa de referência seja mulher ou homem Definição: Relação entre metros quadrados de espaço habitável e número de habitantes em função de que a pessoa de referência seja mulher ou homem. Variáveis: procedência, faixas de idade significativas, estado civil, tipologia dos domicílios e faixas de referência. Objetivo: Mostrar desigualdades de gênero no acesso a uma moradia de qualidade. Também permitirá cruzar essas desigualdades com outras em razão de origem, idade e renda. Importância: Permitirá saber em que segmentos da população as mulheres se encontram em situação de infra-habitação ou aglomeração e, portanto, orientar as políticas de moradia. À medida que são as mulheres as que desenvolvem tarefas de cuidados de forma quase exclusiva, são elas que fazem uso mais intensivo da moradia. Indicador: Localização dos domicílios monoparentais Definição: Porcentagem de lares em bairros considerados de baixa ou de alta qualidade em relação com o fato de que a pessoa de referência seja homem ou mulher. Variáveis: Procedência, faixas de idade significativas, estado civil, nível social e número de menores de 18 anos por moradia. Objetivos: Mostrar desigualdades entre homens e mulheres no acesso a uma moradia em bairros de maior ou menor qualidade. Importância: Sabendo-se que os domicílios monoparentais chefiados por mulheres são mais numerosos que os chefiados por homens, é importante ver se há acesso desigual das mulheres de determinados segmentos (baixa renda, migrantes, entre outras) a bairros de melhor qualidade. A qualidade dos bairros pode ser medida também a partir de uma combinação dos índices de capacidade econômica e de desigualdade. Indicador: Instalações e serviços no domicílio Definição: Número de domicílios individuais e monoparentais que dispõem de água quente, banheira ou chuveiro, gás, telefone, elevador (onde é preciso), tendo em conta se a pessoa de referência é mulher ou homem. Variáveis: Procedência, faixas de idade, nível social e número de menores de 18 anos por moradia. Objetivo: Mostrar desigualdades entre homens e mulheres no acesso à moradia de qualidade.


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Importância: As instalações e serviços descritos podem ser considerados como indicativos de um nível mínimo de qualidade de domicílio. Poderão informar se homens e mulheres, em domicílios individuais ou em famílias monoparentais, têm acesso a situações de moradia de igual qualidade.

3 CAPACIDADE - ACESSO A UM TRABALHO REMUNERADO EM CONDIÇÕES ADEQUADAS Indicador – Relação do tempo total de trabalho Definição: Relação entre o tempo total de trabalho de cuidados realizado por toda a população (média social do trabalho de cuidados, multiplicada pela população considerada) e o tempo total de mercado de trabalho realizado por toda a população (média social do mercado de trabalho multiplicada pela população de 16 a 65 anos). Objetivo: Permite observar as necessidades sociais de trabalho independentemente de quem faça as diferentes atividades. Além disso, permite comparar o tempo total necessário do trabalho de cuidados em relação ao do mercado de trabalho. Importância: Como já se comentou, o termo trabalho identificou-se com ocupação ou trabalho remunerado. Por isso, no campo social, político e acadêmico, o trabalho de cuidados manteve-se como atividade marginal, sem reconhecimento. Definição: Relação entre a porcentagem de homens e porcentagem de mulheres que fazem os dois trabalhos, ao menos em tempo parcial. Variáveis: Faixas de idade significativas, estado civil, tipologia do domicílio e nível social. Em relação ao que se considera tempo parcial, é preciso fazer um comentário. A expressão ocupação em tempo integral não é um conceito técnico, mas um conceito sócio-histórico, aceito por uma determinada sociedade e definido pelo número de horas trabalhadas pela maioria das pessoas. Tem relação, entre outras, com o desenvolvimento tecnológico e com os benefícios alcançados por trabalhadores e trabalhadoras. Nesse sentido, e usando um critério semelhante, a ocupação em tempo parcial em trabalhos de cuidados pode ser considerada como “mais de 10 até 20 horas semanais” (Carrasco et al., 2004). Objetivo: Mostrar as desigualdades entre mulheres e homens nas situações mais críticas do ciclo vital: pessoas idosas ativas que fazem os dois trabalhos. Pedir que a ocupação seja ao menos em tempo parcial nos dois tipos de trabalho, exige que se assuma a responsabilidade pelo trabalho e elimina situações em que só se “colabora” nas tarefas de cuidados. Importância: A realização dos dois trabalhos em tempo parcial é uma das situações conflitivas da organização do tempo de trabalho que, geralmente, causa fortes tensões nas pessoas que os realizam. Por isso, a interdependência dos dois trabalhos demonstra, como nenhum outro indicador, profundas desigualdades que podem ocorrer na organização da vida cotidiana nos domicílios. O indicador pode ainda mostrar se a


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dupla jornada continua sendo característica mais feminina que masculina e se a integração das mulheres no mercado de trabalho e a contribuição de ganhos similares para o lar eliminaram as desigualdades nos trabalhos. Fonte de informação: Pesquisa de Emprego de Tempo 2002/2003 (INE/IDESCAT).

4 CAPACIDADE - ACESSO A UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIA Indicador: Dimensão das violências contra as mulheres Definição: Número e porcentagem de mulheres submetidas à situação de violência, tanto as que se autoclassificam como maltratadas quanto as que, apesar de se encontrarem em uma situação objetiva de violência, não reconhecem sua situação. Variáveis: Procedência, faixas de idade significativas, existência ou não de filhas e filhos, nível social e distribuição geográfica. Objetivo: Conhecer, tornar visível e quantificar a realidade oculta da violência e suas modalidades; detectar a percepção subjetiva da violência e a resistência pessoal e social aos maus-tratos, especialmente nas situações de violência familiar. Importância: Os dados que temos sobre a violência contra as mulheres são escassos e fragmentados. Uma boa maneira de superar a falta de informação é recorrer a pesquisas de vitimização. Essa ferramenta é importante porque permite identificar as situações de violência por que passam as mulheres, estejam elas conscientes ou não de que as sofrem, dado que descrevem situações concretas e objetivas de violência, sem as classificar como tais. Fontes de informação: Macropesquisa de “Violência contra as Mulheres” (âmbito familiar), do Instituto da Mulher, realizada, de maneira pontual, em 2002. Indicador: Detecção dos abusos emocionais e físicos pelos centros de atenção primária (serviços sociais e serviços de saúde) Definição: Número de mulheres que, tendo sofrido abuso e violência física, têm esses fatos detectados, indiretamente, nos centros de atenção primária. Variáveis: Procedência, faixas de idade significativas, nível social e distribuição geográfica. Objetivo: Que os profissionais da atenção primária avaliem os sinais de suspeita de maltrato e possam detectar precocemente as situações de violência, para poder intervir junto à mulher nas fases iniciais da violência, garantir o conhecimento da realidade, definir e mobilizar recursos sociais. Este indicador permite ir além dos índices relacionados com a mortalidade, que são apenas a ponta do iceberg desse problema de saúde pública.


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Importância: A violência contra as mulheres é um dos problemas de saúde pública mais importantes, por sua crescente incidência e mortalidade. Aproximadamente, um terço das mulheres do mundo são vítimas de maus-tratos, violações, estupros e assassinatos. Esse problema reduz anos de vida e a qualidade.de vida, em consequência de lesões físicas e psicológicas irreversíveis, ou da própria morte, em alguns casos. Os abusos emocionais, sexuais e físicos deixam graves sequelas psicossomáticas, como depressão, ansiedade, síndrome de estresse pós-traumático, fadiga, gastrite, cefaleia e outros, e isso constitui um grave problema de saúde pública. A ONU reconhece que a violência contra as mulheres é um obstáculo para atingir a igualdade de oportunidades e promover o avanço das mulheres e, consequentemente, para o desenvolvimento da sociedade. Como a imensa maioria da população passa pelos serviços de atenção primária, isso os converte em locais privilegiados para identificar precocemente situações de violência. Este indicador está diretamente vinculado à capacidade “acesso à saúde”. Fontes de informação: Informe sobre a Violência de Gênero na Catalunha, do Departamento de Saúde. No caso dos serviços sociais não há um único registro que permita obter a informação. 5 C APACIDADE - A CESSO

À SAÚDE

Indicador: Realização regular de mamografias preventivas entre os 50 e os 64 anos Definição: Porcentagem de realização regular de mamografias preventivas entre os 50 e os 64 anos. Variáveis: Procedência, nível de escolaridade, estado civil e distribuição geográfica (região sanitária de residência). Objetivo: Identificar desigualdades na cobertura de prevenção do câncer de mama segundo o nível de estudos, o estado civil e a região sanitária de residência. Importância: O câncer de mama é o mais frequente entre as mulheres e a primeira causa da perda de anos potenciais de vida. A detecção precoce do câncer de mama associase a um bom prognóstico vital (uma boa possibilidade de viver mais). No entanto, muitas mulheres que recebem indicação para realização de mamografias periódicas não as fazem, fato que poderia estar relacionado com fatores como status socioeconômico ou facilidade de acesso ao exame, determinada em boa medida pela região sanitária de residência. Fontes de informação: Pesquisa sobre Saúde da Catalunha, Departamento de Saúde. Indicador: Estado de saúde percebido Definição: Razão de prevalência do mal-estar de saúde percebido por mulheres e homens.


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Variáveis: Procedência (permissão de residência), faixas de idade significativas, estado civil, situação de trabalho entre pessoas em idade produtiva e tipologia de domicílio. Objetivo: Identificar as desigualdades de gênero no estado de saúde percebido verbalmente segundo algumas variáveis que determinem desigualdades sociais entre mulheres e homens. Importância: O estado de saúde percebido é um indicador de saúde bastante utilizado e que costuma ser coletado nas pesquisas de saúde. Aparece ligado à boa forma física, ao adoecimento e às consultas médicas. Esse indicador prediz a mortalidade melhor que o diagnóstico médico. Na maioria dos estudos, o estado de saúde percebido é pior entre as mulheres. É um indicador muito sensível às condições de vida e de trabalho. Por exemplo, observou-se que para os dois sexos a prevalência do mal-estar de saúde percebido aumenta à medida que se reduz o status socioeconômico, medido tanto pela ocupação e pelo emprego como pelo nível de escolaridade. Constatou-se ainda que esse indicador é pior entre as pessoas desempregadas. Entre as mulheres, é pior para as donas de casa do que para as mulheres empregadas. Quando estas últimas têm que conciliar as responsabilidades de trabalho com as tarefas familiares e domésticas, o risco de malestar de saúde percebido aumenta paralelamente ao aumento das exigências do trabalho no domicílio. Fontes de informação: Pesquisa sobre Saúde da Catalunha. Departamento de Saúde. Indicador: Estado de saúde mental Definição: Razão de prevalência de problemas de saúde mental verificada pelo Questionário de Saúde Geral de 12 Itens (QSG-12) mulheres/homens. Variáveis: Procedência, faixas de idade significativas, situação de trabalho entre pessoas e cuidadores dependentes no domicílio. Objetivo: Identificar as desigualdades no estado de saúde mental de mulheres e homens, globalmente e também de acordo com algumas variáveis que determinem desigualdades sociais entre umas e outros. Importância: A prevalência de transtornos ansioso-depressivos é superior nas mulheres, coisa que em boa parte está ligada a sua situação social de desvantagem. Por exemplo, o estado de saúde mental é pior entre as pessoas que perderam seu cônjuge ou seu trabalho e é a principal dimensão de saúde afetada pelas exigências do cuidado de pessoas dependentes. A atenção à saúde mental é uma tarefa ainda não resolvida no sistema de saúde. A resposta aos problemas de saúde mental não é suficiente, ou porque os profissionais ignoram suas causas e medicalizam as consequências, ou porque outros setores não levam em conta os efeitos das tendências sociais e econômicas sobre a saúde mental. Fontes de informação: Pesquisa sobre Saúde da Catalunha. Departamento de Saúde.


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6 CAPACIDADE- ACESSO AO TEMPO LIVRE E ÀS ATIVIDADES CULTURAIS E ESPORTIVAS Indicador: Taxa de realização de atividades culturais e de lazer Definição: Proporção de pessoas que realizaram de forma ativa alguma atividade cultural, pelo menos uma vez durante o último mês. Variáveis: Faixas de idade significativas, estado civil, tipologia do domicílio, situação de trabalho e nível social. Objetivo: Ter informação sobre o tempo livre de que a população dispõe para esse tipo de atividade e observar as possíveis diferenças entre mulheres e homens. Importância: Esse tipo de atividade é desenvolvido basicamente fora de casa, sendo, assim, um bom indicador do tempo livre de que as pessoas dispõem. O tempo dedicado a essas atividades é muito flexível e geralmente elas são residuais, isto é, são realizadas depois que forem cumpridas todas as outras tarefas, atividades ou obrigações. Por isso, são importantes como indicador de tempo livre. Fontes de informação: Pesquisa de Consumo e Práticas Culturais 2001 e 2006, Pesquisa de Utilização de Tempo 2002/2003 (INE/IDESCAT). Indicador: Tempo de atividades de lazer, culturais e desportivas Definição: Média do tempo semanal dedicado a atividades de lazer, culturais ou desportivas. Variáveis: Faixas de idade significativas, estado civil, tipologia do domicílio, situação de trabalho e nível social. Objetivo: Ver as possíveis desigualdades entre homens e mulheres com relação à quantidade de tempo livre: uma coisa é fazer uma atividade e outra é o tempo disponível para se dedicar a ela. Importância: Como foi dito anteriormente, dispor de tempo livre é um indicador de qualidade de vida, é um indicador de “cuidar de si mesmo”, de se preocupar com o próprio bem-estar. É interessante ver, além das diferenças por sexo, se o conjunto da população desfruta de tempo livre. No nível individual, esse tempo deve estar muito limitado pelas restrições de tempo global de trabalho. Fontes de informação: Pesquisa de Utilização de Tempo 2002/2003 (INE/IDESCAT).


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REFERÊNCIAS CARRASCO, Cristina. Estatísticas Sob Suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. Tradução Valenzuela Perez. São Paulo, SOF Sempreviva Organização Feminista, 2012. CAVENAGHI, Suzana. Gênero e Raça no Ciclo Orçamentário e Controle Social das Políticas Públicas. Indicadores de Gênero e Raça no PPA- 2008-2011. CFEMEA, 2011. JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores Sociais no Brasil. 3ª edição. São Paulo, Campinas. Editora Alínea, 2006. SEN, Amartya. Commodities and Capabilities. Amsterdam: North Holland, 1985. TEIXEIRA, Marilane, O. Sistema de Indicadores de Gênero: Instrumento para conhecer reconhecer a experiência das mulheres. In CARRASCO, C. Estatísticas Sob Suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. Tradução Valenzuela Perez. São Paulo, SOF Sempreviva Organização Feminista, 2012. UNEG United Nations Evaluation Group. Integración de los derechos humanos y la igualdad de género en la evaluación – hacia una guia Del UNEG. Colombia, Marzo 2011.


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TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO, INTERSETORIALIDADE E INTERSECCIONALIDADE: ESTRATÉGIAS PARA A EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO Mayara Alice Souza Pegorer1

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a transversalidade de gênero, a intersetorialidade e a interseccionalidade, importantes estratégias à efetivação das políticas públicas de gênero. Nesse sentido, pelo exame de obras e legislações nacionais e estrangeiras acerca do tema, parte de reflexões sobre os conflitos nas relações de gênero por suas implicações hierárquicas e intersecções com outros eixos identitários, para analisar os conceitos de transversalidade de gênero, intersetorialidade e interseccionalidade. Ao fim, aborda o emprego desses institutos e sua articulação no contexto brasileiro, ressaltando as dificuldades em sua adoção no cenário pátrio, e os benefícios em razão da abrangente atuação que determinam, favorecendo a plena efetivação dos direitos femininos por impor, inclusive, uma mudança de paradigmas culturais e institucionais. Palavras-chave: Transversalidade de gênero. Intersetorialidade. Interseccionalidade. Políticas públicas de gênero. INTRODUÇÃO

No processo de afirmação histórica dos direitos femininos, muito se discutiu acerca da aplicabilidade das perspectivas de igualdade e diferença, como mecanismos de proteção e promoção. Em um primeiro momento, buscava-se o estabelecimento de regras idênticas a homens e mulheres, priorizando-se a chamada igualdade formal, cujo pano de fundo acabou sendo a luta pelo sufrágio universal e a consequente participação feminina nos direitos civis e políticos. Contudo, ao começar a se elevar a mulher à condição de titular de direitos, notou-se uma insuficiência na adoção desta perspectiva, na medida 1

Advogada. Professora universitária. Mestra (2013) em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP, período em que atuou como estudantepesquisadora bolsista da CAPES, e graduada (2010) no curso de Direito do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CSSA) da mesma IES. Participante de grupos de pesquisa da referida instituição, seguindo estudos nas áreas de Jurisdição e Direitos Fundamentais e efetividade dos Direitos Fundamentais no Brasil, com ênfase nos Direitos Sexuais e Reprodutivos da Mulher. E-mail: mayarapegorer@hotmail.com


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em que se negava a existência de especificidades da categoria feminina que precisavam ser consideradas não por meio de regras formalmente idênticas, mas de regulamentações que levassem em consideração tais características e, por conseguinte, promovessem a igualdade em seu âmbito prático, material. Portanto, não se pode considerar igualdade e diferença como valores antitéticos, fruto de um pensamento binário historicamente construído, mas sim como complementares, faces de uma mesma moeda: busca-se no reconhecimento da diferença uma forma de promover a igualdade em sua esfera pragmática. Nesse momento, erige-se gênero como categoria de análise, proliferandose pesquisas para analisar os aspectos determinantes das relações entre homem e mulher e as circunstâncias fundantes da hierarquia social imposta pelo masculino. Hodiernamente, contudo, busca-se um aprofundamento na análise desse vínculo hierárquico, principalmente pelos estudos de pesquisadoras feministas pós-estruturalistas, como Joan Scott, Judith Butler e Chantal Mouffe (MARIANO, 2005, p. 01), que revelam, cada uma em sua perspectiva, a necessidade de se ponderar a diferença múltipla, ou seja, a existência de um direito à diferença dentro de um direito à diferença, a detecção de peculiaridades maiores dentro de um mesmo grupo, de intersecções diferenciais (correlação entre categorias, em especial de gênero, classe social e raça/etnia) que reforçam a ideia de ser necessária uma atuação ainda mais específica e abrangente na afirmação dos direitos femininos. Fala-se, pois, não só dos direitos da mulher, mas das mulheres negras, índias, idosas, adolescentes, pobres, islâmicas, homossexuais, dentre outras intersecções identitárias existentes. É justamente nesta perspectiva que se busca uma atuação governamental consciente, direcionada, de forma a promover a isonomia de gênero, seja pela igualdade formal, material ou, ainda, pela diferença múltipla, adotandose estratégias que assegurem uma mudança ideológica, com a participação masculina e, principalmente, feminina (incentivando-se o empoderamento), nas etapas de formulação e desenvolvimento de políticas públicas de gênero, além da atuação conjunta de órgãos e esferas federativas para um atendimento amplo, eficaz e eficiente da mulher em suas especificidades. Trata-se, portanto, da adoção da transversalidade de gênero, da interseccionalidade e da intersetorialidade como estratégias de atuação estatal para a efetiva promoção de políticas públicas de gênero (BANDEIRA, 2005).


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IMPOSIÇÕES HIERÁRQUICAS DE GÊNERO E INTERSECÇÕES COM OUTROS EIXOS IDENTITÁRIOS

Inicialmente, para que se possa compreender os mecanismos de atuação em estudo, quais sejam, a transversalidade, a interseccionalidade e a intersetorialidade, faz-se necessário abordar brevemente o contexto que resulta em sua adoção, isto é, os motivos que justificam a promoção de uma atuação direcionada pela promoção de políticas públicas que atentem à perspectiva de gênero. O primeiro fator de destaque são os conflitos de gênero resultantes da relação hierárquica historicamente construída, caracterizada pelas funções que as mulheres acabaram assumindo em sociedade. Daí a se falar em “consciência de gênero”: a concepção da diferença entre os papéis socialmente atribuídos e a necessidade feminina de lutar por seu reconhecimento igualitário, que despontou no calor das revoluções burguesas na Inglaterra e na França, principalmente na Revolução Francesa (1789), e que mais tarde ganhou destaque com a obra de Simone de Beauvoir, “O segundo sexo” (1949), analisando a questão da identidade feminina frente ao seu papel social e questionando um “destino” feminino nos âmbitos da biologia, da psicanálise e do materialismo histórico. Surge, assim, a necessidade de se distinguir sexo, gênero e orientação afetiva-sexual: o primeiro refere-se tão somente a uma diferenciação biológica, essencialmente genotípica (macho e fêmea); o segundo, a funções sociais, a aspectos culturais-identitários (masculino e feminino); e o último, assim, a preferências sexuais, relacionais (a exemplo da heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, assexualidade e pansexualidade). Note-se que se trata de eixos não determinantes, ao contrário do pensamento binário sexo-gênero historicamente sustentado, o que pode ser ilustrado pela situação do transgênero, cujo aspecto biológico é incompatível a sua identidade de gênero (sexo macho com gênero feminino ou sexo fêmea com gênero masculino), rompendo a tríade natural “sexo-gênero-desejo” apontada por Silva Júnior (2011, p. 111-113) e ferindo a lógica “macho x fêmea”. De fato, várias/os autoras/es buscam, por intermédio de uma análise preponderantemente histórica e social, definir as causas de uma diferenciação de gênero e a imposição hierárquica do masculino sobre o feminino. Segundo Rose Marie Muraro, a inauguração do sistema patriarcal se deu com a instalação da cultura de caça, fazendo com que os chamados valores femininos, relativos à proteção da vida e da natureza, prevalentes na sociedade de coleta, dessem lugar aos valores masculinos, ligados à segurança, ao processo tecnológico e ao poder (MURARO, 2007, p. 35-40).


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Há que se ponderar, contudo, as considerações trazidas por Adriana Piscitelli (2008, p. 264-265) acerca das diferenças na concepção de patriarcado pelas correntes feministas radicais e socialistas.Para as primeiras, o patriarcado impõe-se por sistemas de opressão ao longo do tempo, em caráter universal, enquanto para as correntes socialistas esse conceito varia historicamente e possui uma base material, ligando-se aos modos de produção e reprodução. Indo mais além, outra vertente surgida passou a questionar essas noções de universalidade e transitoriedade, tendendo-se a trabalhar com a ótica foucaultiana de poder, corrente esta que se aproxima das novas lutas pelo reconhecimento da diferença múltipla, referido inicialmente (PISCITELLI, 2008, p. 264-265). De qualquer forma, independentemente do fator fundante do domínio estabelecido, resta evidente que a manutenção desses sistemas de dominaçãoexploração é feita essencialmente pela violência, sob diversas formas e nos mais variados campos, tal como analisado por Saffioti (2001). A autora pondera que a violência não é cometida somente pelo homem em detrimento da mulher, mas também por outros agentes, como mulheres em desfavor de mulheres, mulheres em desfavor de homens e homens em desfavor de homens, a depender da situação que coloque em xeque a hierarquia estabelecida, chegando a ser delegada às mulheres com funções de mães, babás e professoras, quando disser respeito a crianças e adolescentes (SAFFIOTI, 2001, p. 116-117). Impõe-se, assim, uma espécie de violência simbólica, conceito estabelecido por Bourdieu para se referir à desnecessidade de justificação à força da ordem masculina, de maneira que a sociedade funciona sempre com vistas a ratificar essa dominação, inclusive distribuindo atividades específicas a cada um dos gêneros, trazendo naturalidade à relação estabelecida, e possibilitando que a mulher seja também propagadora dela (SAFFIOTI, 2001, p. 118-119). Nesse sentido, o desafio suscitado seria a mudança no ideário tradicional que sustenta essa visão hierárquica e motiva a prática da violência, em todos os seus sentidos, como forma de imposição e manutenção de poder nas diversas esferas, importando em ações voltadas tanto à proteção da mulher (repressivas) quanto à conscientização de sua condição (preventivas), além da participação masculina nesse processo, estimulando a quebra dos paradigmas estruturalmente estabelecidos. De outro lado, seguindo a lógica da diferença múltipla apresentada na introdução desse estudo, estão as intersecções de gênero com outros eixos identitários, tais como etnia, classe social, religião, orientação sexual, entre outros, os quais “podem criar problemas e vulnerabilidades exclusivos de


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subgrupos específicos de mulheres, ou que afetem desproporcionalmente apenas algumas mulheres” (CRENSHAW, 2002, p. 173). Trata-se, pois, de categorias alternativas de articulação a gênero, surgidas sob uma nova ótica, essencialmente em um contexto crítico às formulações radicais e socialistas, justamente para relacionar e contextualizar igualdade e diferença. O estudo dessas categorias de articulação foi feito ora por uma abordagem sistêmica (como pela autora Kimberlé Crenshaw), ora construtivista (realizada por autoras como Anne McKlintock e Avtar Brah), que se diferenciam por possibilitar, ou não, recursos de ação dos sujeitos subordinados, distinguindo de forma efetiva diferença de desigualdade, mas que, de qualquer modo, inspiramse na articulação de categorias de diferenciação, perceptível, por exemplo, “ao considerar como, no âmbito imperial, gênero está vinculado à sexualidade, mas também ao trabalho subordinado e raça é uma questão que vai além da cor da pele, incluindo a força de trabalho, atravessada por gênero” (PISCITELLI, 2008, p. 268). O mesmo problema pode ser analisado quando se tem em pauta a mulher negra, pobre e homossexual, a adolescente índia que se prostitui, dentre outras tantas intersecções identificáveis na correlação de categorias, de maneira a não se negar a formação de uma identidade coletiva, mas reforçar a identidade individual pela detecção de eixos de subordinação e atendimento específico nesses contextos. Segundo Kimberlé Crenshaw (2012, p. 174-176), a não consideração desses aspectos intragrupo pode levar a dois fenômenos diferentes: a “superinclusão” e a “subinclusão”. Pelo primeiro, o problema interseccional acaba sendo absorvido pela estrutura de gênero, enquanto no segundo ele não é detectado porquanto não experimentado pelo grupo dominante ou, ainda, quando em um mesmo eixo (no caso abordado por Crenshaw, a raça) releva-se a distinção de gênero. Assim, enquanto “nas abordagens subinclusivas da discriminação, a diferença torna invisível um conjunto de problemas”, nas “abordagens superinclusivas, a própria diferença é invisível” (CRENSHAW, 2002, p. 176). Portanto, a existência de eixos diferenciadores/identitários além do gênero leva à necessidade de considerá-los de forma relacional para um atendimento realmente abrangente, eficiente e efetivo, tomando o sujeito em todas as suas especificidades e não somente sob o contexto da subordinação feminina.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO, A INTERSETORIALIDADE E A INTERSECCIONALIDADE

COMO ESTRATÉGIAS DE EMPREENDIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO

Justificada a necessidade de uma análise direcionada essencialmente para a desnaturação da hierarquia de gênero socialmente construída e ao atendimento das especificidades intragrupo, a partir da identificação de outros eixos identitários, há que se analisar como ela se daria pela ação do Poder Público. Para tanto, deve-se ter em pauta que, por uma definição técnico-jurídica e política, políticas públicas são ações estatais visando à concretização de direitos e garantias fundamentais, diferenciando-se de simples políticas de governo na medida em que seu processo de elaboração se vincula ao debate público, o que acaba conferindo-lhe maior transparência (BUCCI, 2006). Essa conceituação empregada à perspectiva de gênero importa em uma interpretação abrangente, diferenciada de meras políticas públicas para as mulheres, pois implicam uma abordagem analítica, perquirindo a natureza dessas relações, e não uma análise simplista da responsabilidade feminina nas relações sociais. A transversalidade de gênero é uma expressão utilizada como tradução de gender mainstreaming, estratégia presente na IV Conferência Mundial das Mulheres em Beijing (1995), cuja definição, princípios e diretrizes de adoção foram formulados pelo Conselho Econômico e Social da ONU, em sua conclusão acordada em 1997, fazendo com que tal instituto fosse instaurado no âmbito da União Europeia, reafirmando-se com a entrada em vigor do Tratado de Amsterdã (1999) e passando a constar em todas as comissões e grupos de discussão de políticas governamentais (BANDEIRA, 2005, p. 11), servindo de espelho, por conseguinte, para os demais países. Por ele, depreende-se a necessidade de analisar os impactos do exercício de políticas tanto para mulheres quanto para homens, caracterizando-se como uma estratégia de ação que visa à “dimensão integral da estrutura, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas em todas as esferas políticas, econômicas e sociais para que homens e mulheres se beneficiem igualmente e a desigualdade não se perpetue” (ONU 1997, tradução nossa). Justamente por se traduzir na busca pela igualdade de gênero, a transversalidade de gênero deve ser empregada desde os estágios iniciais de formulação das políticas públicas, para que possa influenciar metas, estratégias e alocações de recursos, por meio de uma análise prévia das responsabilidades e contribuições de homens e mulheres, bem assim das consequências para ambos nas decisões tomadas. (HANNAN, 2003, p. 07-08)


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A transversalidade de gênero visa, portanto, incorporar a perspectiva de gênero, ressignificando “os conceitos-chave que possibilitam um entendimento mais amplo e adequado das estruturas e dinâmicas sociais que se mobilizam – na produção de desigualdades de gênero, raciais, geracionais, de classe, entre outras” (BRASIL, 2013, p. 10). Indo além, a transversalidade de gênero auxilia na inclusão sociopolítica das diferenças nas searas pública e privada, em prol do desenvolvimento democrático. Dessa forma, a adoção da transversalidade de gênero importa na assunção de outras duas perspectivas: a interseccionalidade e a intersetorialiadade, haja vista que implica em um estudo amplo em várias áreas, por uma atuação conjunta dos órgãos e instituições em todas as esferas e etapas de formulação, para a garantia da isonomia (BANDEIRA, 2005). Assim, a interseccionalidade se destaca pelo estudo das correlações entre gênero e outros eixos: “ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras” (CRENSHAW, 2002, p. 177). Nos moldes anteriormente trazidos neste estudo, a interseccionalidade passaria a ser considerada estratégia de atuação estatal na medida em que importa articulação de diferenças múltiplas, de maneira a atender às necessidades identificadas pela análise das diferenças. Já a intersetorialidade é vista por Potyara Pereira (2011, p. 01;19) como um conceito polissêmico, caracterizando-se como um princípio ou paradigma norteador, além de uma lógica de gestão e estratégia política, estendendo-se ainda como um instrumento de otimização de saberes, competências e relações sinérgicas, e prática social compartilhada. Pressupõe, assim, uma predisposição ao diálogo, à comunicação entre diversos setores ante a necessidade dos problemas concretamente analisados, não como uma forma de anular os espaços específicos, mas de universalizar sua atuação. Por essa lógica interseccional e intersetorial, haja vista envolver inúmeras esferas de proteção e determinar a atuação conjunta de órgãos especializados, o exercício da transversalidade importa em uma avaliação entre a igualdade de gênero e o âmbito a ser trabalhado ou desenvolvido, além da introdução da perspectiva de gênero nos trabalhos já desempenhados, incorporando-se uma abordagem ou metodologia própria a facilitar sua influência estratégica. Ademais, faz-se necessário um desenvolvimento institucional em termos de diretrizes, com o uso de especialistas em gênero e capacitação de pessoal, por exemplo,


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bem como a imposição de mecanismos de responsabilização dos governos para prestação de contas e avaliação (HANNAN, 2003, p. 08-09). Essa orientação vem sendo dada desde a Plataforma de Beijing (item H.2: “Integrar perspectivas de gênero na legislação, nas políticas públicas, nos programas e Projetos”), tão importante à causa feminista, que determinou que as políticas públicas e governamentais somente pudessem se estabelecer frente a uma análise na perspectiva de gênero, inclusive em âmbito econômico, incentivandose o estabelecimento de uma estrutura interministerial, fortalecendo as estruturas já existentes (ONU, Plataforma de Pequim, 1995). Contudo, é certo que os sistemas vêm encontrando entraves à incorporação efetiva da transversalidade também em suas implicações intersetoriais e interseccionais, apesar dos progressos dos últimos anos. A perspectiva de gênero ainda não é efetivamente adotada como base de coleta de dados, análise e planejamento, inclusive orçamentário; “a nível institucional, [...], o compromisso da gestão e vontade política muitas vezes não são explícitas; alocações de recursos não têm sido adequadas; responsabilidades não estão distribuídas de maneira uniforme em todas as organizações, não há mecanismos de responsabilização eficazes [...]” (HANNAN, 2003, p. 10, tradução nossa). Outro problema relevante é a pouca produção informacional, estatística, que prejudica a real detecção das necessidades de cada grupo emergente e das áreas a serem acionadas para a promoção de seus direitos, viabilizando o efetivo exercício da interseccionalidade e da intersetorialidade. Por tudo isso, cabem as indagações: como vem sendo a adoção dessas estratégias no contexto brasileiro? Quais os obstáculos aqui identificados? AS

POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO NO

BRASIL

E AS PERSPECTIVAS PARA UMA ATUAÇÃO

ABRANGENTE

A transversalidade de gênero consta como um dos princípios norteadores do Plano Nacional de Políticas para Mulheres 2013-2015 (previsto também nos planos I e II), mas passou a ser utilizada já nas ações promovidas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) ao apoiar o Grupo Permanente de Trabalho da Mulher (GPTM) e o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEDEO), além de promover diálogo com órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Secretaria de Desenvolvimento Rural e o Ministério do Trabalho, estabelecendo-se, por exemplo, estratégias de ação para a capacitação profissional de mulheres trabalhadoras, promovendo campanhas de divulgação


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de seus direitos trabalhistas e de formas de acesso à justiça e à assistência jurídica gratuita como instrumento de promoção da paternidade responsável (BANDEIRA, 2005, p. 34-35). Essa preocupação com a transversalidade e suas implicações intersetoriais e interseccionais pode ser percebida nos programas desenvolvidos pelas “Secretarias Trigêmeas”: Secretaria de Direitos Humanos (SDH), Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), cujos documentos e projetos orquestrados demonstram a articulação de categorias, a exemplo do “Plano de Ação Integrada para Mulheres Negras” (ORTIZ, 2013, p. 06-10). Nesse sentido, Marília Ortiz (2013, p. 10) enumera algumas parcerias da ONU Mulher com o governo federal, especialmente pela Secretaria de Políticas para Mulheres, que buscam a promoção da equidade de gênero pela adoção da transversalidade, especialmente pela interseccionalidade, como o Programa Interagencial de Gênero, Raça e Etnia, o Fundo de Igualdade de Gênero (FIG), o Grupo de Trabalho de Indicadores de Gênero, Raça e Etnia, o Comitê Técnico de Gênero e Uso do Tempo e o Comitê de Articulação e Monitoramento do PNPM, além de outras iniciativas junto à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ). Todavia, apesar do avanço na adoção dessas estratégias de atuação no contexto pátrio, nota-se ainda haver um receio em sua incorporação pela maioria das instituições e órgãos públicos brasileiros, que se embasam em formas tradicionais de promoção de políticas públicas e que, muitas vezes, se utilizam da universalidade como um preceito absoluto e da rigidez na estrutura organizacional como um empecilho ao emprego da transversalidade. Lourdes Bandeira (2005, p. 36-39) traça um panorama acerca dessas dificuldades de implementação da transversalidade e, em decorrência, da intersetorialidade e da interseccionalidade pelos Ministérios brasileiros: no Ministério do Trabalho, por exemplo, vanguardista na promoção de direitos da mulher, a dificuldade fica por conta da formação de alguns “nichos” que acabam não guardando relação com os outros setores e às vezes nem com o próprio Ministério; já no Ministério da Saúde, apesar de promover articulações internas, trabalhando a partir da Atividade da Saúde da Mulher com outras ações e projetos, seus agentes políticos, muitas vezes, demonstram dificuldade em incorporar o conceito de gênero, faltando comprometimento; por fim, quanto ao Ministério da Educação, a autora constatou a existência de uma preocupação com questões


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de raça e etnia e seu emprego nas ações desenvolvidas, não articuladas, contudo, ao âmbito da diferença de sexo e, menos ainda, da perspectiva de gênero. Desta forma, sua pesquisa demonstra que, embora alguns Ministérios e Secretarias retomem o discurso da transversalidade de gênero, ele ainda não é visto claramente na prática, cabendo à Secretaria de Políticas para Mulheres buscar mecanismos para sua real incorporação, processo esse que requer tempo e recursos, para que todos os agentes envolvidos adquiram competência em matéria de gênero, o que “compreende a reflexão sobre o próprio papel de gênero desde sua condição de sujeito social, assim como, a aptidão para formular e propor objetivos no âmbito das políticas de gênero; poder aplicá-las tanto ao trabalho técnico como ao trabalho especializado”, o que só é alcançado com treinamento e capacitação (BANDEIRA, 2005, p. 39). Por outro lado, a autora (BANDEIRA, 2005, p. 12) também destaca a correlação entre o fracasso na transversalização de análises econômicas e de planejamento e o aumento da pobreza entre as mulheres, o que, por conseguinte, “enfraquece a cidadania feminina e impedem as mulheres de assumir ações políticas, interferências institucionais e legais para modificar sua condição”. Seguindo essas perspectivas de atuação, Lisboa e Lolatto (2012, p. 07-14) trazem a análise de três situações reais de vulnerabilidade social no contexto brasileiro, suscitando mecanismos de implementação da intersetorialidade e interseccionalidade, vez que envolvem os eixos identitários de gênero, raça/ etnia e classe, e a atuação de órgãos públicos em diversos setores e esferas. A terceira situação, por exemplo, envolve a análise de uma mulher negra e pobre de Florianópolis, cuja mãe é dependente química que não consegue locais para tratamento gratuito de sua genitora, trazendo à baila, portanto, a atuação precípua da Secretaria de Assistência Social e Secretaria de Saúde, além dos demais órgãos já voltados à mulher, como o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Assim, conclui-se que a adoção da transversalidade, interseccionalidade e intersetorialidade já vem sendo apregoada nas ações governamentais brasileiras, estando presentes como estratégias de atuação em documentos e programas, mas que encontram no bojo pragmático inúmeros obstáculos de efetivação, principalmente no que concerne à estrutura e ideologia tradicional das instituições. Portanto, deve-se, a partir da colheita de dados informativos/ estatísticos abrangentes, buscar uma atuação articulada entre órgãos e setores, nas mais diversas áreas, a fim de atender com maior amplitude as categorias identificadas, incorporando, inclusive, a participação masculina nesse processo,


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com o fito último de romper com os paradigmas hierárquicos culturalmente estabelecidos. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao buscar uma afirmação mais profunda da igualdade de gênero, não só representada em seu aspecto formal e material, mas também na perspectiva de uma diferença múltipla, investigam-se novos mecanismos de promoção de políticas públicas que sejam capazes de mudar o paradigma hierárquico historicamente estabelecido e, levando em consideração as intersecções identitárias que caracterizam a sociedade cosmopolita, assegurar uma proteção ampla e abrangente do feminino em todas as suas especificidades intragrupo. Dessa forma, transversalidade de gênero, interseccionalidade e intersetorialidade passam a representar importantes estratégias de atuação, na medida em que determinam uma ação estatal comprometida, incentivando a participação feminina e masculina em todas as fases do processo de elaboração da política pública, uma análise de suas consequências para ambos, além da cooperação entre órgãos de todas as esferas federativas e áreas de atuação, atendendo à categoria gênero correlacionada a outros eixos identitários. Essa perspectiva já vem sendo paulatinamente adotada no contexto brasileiro, constando inclusive no Plano Nacional de Políticas para Mulheres 2013-2015, ainda que verificados alguns obstáculos práticos, principalmente de ordem cultural e institucional. Justamente por isso, cabe ao Poder Público incentivar sua implementação, mesmo com a imposição de mecanismos de responsabilização, além da fiscalização direta da sociedade civil. Por isso, crê-se, como já se teve a oportunidade de salientar em estudos anteriores sobre a temática proposta, que as políticas empreendidas somente incorporarão a transversalidade de gênero, a interseccionalidade e a intersetorialidade na medida em que, efetivamente, caracterizarem-se como públicas, promovendo-se a participação de indivíduos e organizações sociais, seja pela afirmação do processo de empoderamento da mulher em todos os eixos identitários além do gênero, seja pela conscientização masculina, para, enfim, se alcançar a equidade de gênero. REFERÊNCIAS BANDEIRA, Lourdes. Fortalecimento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – Avançar na transversalidade da pesquisa de gênero nas políticas públicas. Brasília: CEPAL e SPM, 2005. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

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143

GÊNERO E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: QUE PAPEL CABE ÀS MULHERES? Lina Penati Ferreira1 Silvana Aparecida Mariano2

Resumo: O presente trabalho trata do debate sobre a situação das mulheres beneficiárias do programa brasileiro de transferência condicionada de renda, o Bolsa Família. Perguntamo-nos sobre como se encontram as mulheres em situação de pobreza e beneficiárias deste Programa, no que se refere à divisão entre as esferas produtivas e reprodutivas. A falta de acesso a certas políticas públicas é um dos problemas encontrados por essa parte da população. Este trabalho utiliza-se de algumas teorias feministas e dados da pesquisa “Discriminação interseccional: estudos sobre situações de pobreza e empoderamento feminino entre mulheres titulares do Programa Bolsa Família no Paraná e no Ceará”, coordenada pela Profa. Dra. Silvana Mariano, para tentar compreender como se dão as relações em torno deste problema social. Palavras-chave: Programa Bolsa Família; gênero; feminismo. INTRODUÇÃO

Questionar sobre os papéis de gênero atribuídos às mulheres nas famílias, nas políticas públicas, no mercado de trabalho, entre outros espaços da vida social, é adentrar um debate posto pelo feminismo, especialmente a partir da segunda metade do século XX. É a partir da perspectiva de influência feminista, dentro das ciências sociais, que nos propomos analisar as interferências dos papéis tradicionais de gênero entre as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família, na cidade de Curitiba- PR. Mais especificamente, interessamo-nos pelas diferentes formas de valorização, por parte dessas mulheres, em torno das variáveis e/ou fatores relacionados à autonomia feminina. Dessa maneira, recorremos às reflexões críticas acerca das dicotomias postas por teorias sociais, como, por exemplo, homem x mulher, público x privado 1

2

Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Bolsista de Iniciação Científica CNPq. E-mail: linapenati@gmail.com Doutora em Sociologia. Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: silvanamaariano@yahoo.com.br


144

GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

e esfera produtiva x esfera reprodutiva. Reproduzimos, então, a ideia de Carloto e Mariano (2010, p. 454), ao afirmarem que, “para essa tradição dicotômica e binária, a mulher está para o mundo privado e doméstico assim como o homem está para o mundo público e político”, e acrescentamos, ainda, que, no plano das representações sociais, a mulher está para a esfera reprodutiva da mesma forma que o homem está para a produtiva. Essa representação, embora arbitrária e, em certo sentido, fictícia, pode ter rebatimentos nas disposições sociais de homens, mulheres e instituições. Assim, atravessar as fronteiras entre dois mundos separados por gênero é um desafio posto principalmente às mulheres, em virtude das iniquidades e subordinações daí decorrentes. Essa divisão entre dois mundos não se coloca como justa e/ou igualitária para ambos os gêneros. Pensando a partir da noção de status, em nossa sociedade o mundo público, do trabalho e da política, ou seja, dominado essencialmente por homens, adquiriu um significado, ou mesmo, um poder maior que o mundo privado, doméstico, reprodutivo. Este segundo, entendido como espaço de natureza feminina, permeado por atividades reprodutivas, como o cuidado com as crianças e com o lar, é, em nossa sociedade, inferiorizado em relação ao mundo produtivo. Além da hierarquia de status, essa dicotomia produz efeitos socioeconômicos, quer dizer, no esforço de adentrar a esfera produtiva, as mulheres foram inferiorizadas. Vale ressaltar que hoje, no Brasil, apesar da forte presença de padrões tradicionais de gênero e da consequente divisão sexual do trabalho, a participação das mulheres na população economicamente ativa é crescente e elas vêm conquistando espaço em carreiras e cargos valorizados e até recentemente de acesso restrito às mulheres. Ao indicarmos esses efeitos socioeconômicos produzidos pela divisão de papéis de gênero, estamos destacando uma parcela da sociedade que é fortemente atingida por esse problema, as mulheres em situação de pobreza ou extrema pobreza, beneficiadas pelo programa de transferência condicionada de renda, Bolsa Família. É com base nesse grupo que a análise será feita. Os dados aqui utilizados fazem parte da pesquisa “Discriminação interseccional: estudos sobre situações de pobreza e empoderamento feminino entre mulheres titulares do Programa Bolsa Família no Paraná e no Ceará”, coordenada pela Profa. Dra. Silvana Mariano. Porém, em virtude dos limites deste trabalho, analisaremos somente os dados referentes às mulheres entrevistadas na cidade de CuritibaPR, o que totaliza um universo de 95 (noventa e cinco) mulheres atendidas pelo Programa Bolsa Família, titulares do benefício.


ARTIGOS 145

TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE RENDA E PAPÉIS DE GÊNERO

O Programa Bolsa Família (PBF) integra as ações do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e tem como objetivo geral a diminuição da pobreza e da extrema pobreza no Brasil. O Programa transfere renda diretamente às famílias por meio da titular que, em 93%3 dos casos, são mulheres. Além do recebimento e administração da renda, são elas também as responsáveis pelo cumprimento das condicionalidades. As condicionalidades fazem parte do formato de combate à pobreza adotado pelo Programa. Sendo assim, para que o benefício seja mantido, algumas obrigatoriedades devem ser cumpridas, como o mínimo de frequência escolar para crianças e adolescentes, pesagem e vacinação em dia para crianças de até sete anos e o acompanhamento de gestantes. O objetivo principal dessas condicionalidades é a quebra do ciclo intergeracional da pobreza, por meio do acesso às políticas sociais, como educação, saúde e assistência social. Assim, é responsabilidade da titular a gestão do cumprimento dessas contrapartidas para a manutenção do recebimento do benefício. Porém, é necessário problematizar a perspectiva de gênero desse Programa e entre o público beneficiário. Ao direcionar as responsabilidades para a mulher, entendemos que o PBF reproduz a divisão de papéis sociais de gênero postos na sociedade. Isso que dizer que o Estado reforça a divisão de mundos entre o público e o privado, reservando à mulher em situação de pobreza a esfera do privado, dos cuidados com os filhos e com a casa, além do trabalho remunerado precário e/ou informal. A tabela a seguir apresenta dados referentes às tarefas domésticas e podemos perceber o predomínio das responsabilidades das mulheres em relação aos cuidados cotidianos.

3

http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2012/01/mulheres-correspondem-a-93-dostitulares-do-bolsa-familia. Acesso em: 19 de março de 2014.


146

GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Tabela 1 – Distribuição das tarefas domésticas entre as respondentes – Curitiba Fazer pequenos Limpar a consertos na casa casa f % f %

f

%

Ir ao banco / lotérica pagar as contas f %

71 75%

53

56%

61

64%

31

33%

5

5%

3

3%

5

5%

3

0

0%

1

1%

9

5%

1

1%

4

4%

5

5

5%

3

3%

Filhos/as

3

3%

12

A mulher os fi lhos(as)

10 11%

NS/NR

0

NSA

0

Total

95 100%

Lavar e/ou Lavar a passar a roupa louça f Sempre a mulher Geralmente a mulher Geralmente o/a cônjuge O casal igualmente Outras pessoas da família

%

Cozinhar f

%

64 67%

72

76%

3%

6

6%

5

5%

34

36%

0

0%

1

1%

5%

2

2%

5

5%

3

3%

5

5%

14

15%

2

2%

3

3%

13%

5

5%

4

4%

5

5%

0

0%

19

20%

5

5%

3

3%

13

14%

11

12%

0%

0

0%

0

0%

2

2%

0

0%

0

0%

0%

0

0%

0

7%

2

2%

0

0%

0

0%

100%

95

100%

95 100% 95

95 100% 95

100%

Fonte: Discriminação interseccional: estudos sobre situações de pobreza e empoderamento feminino entre mulheres titulares do Programa Bolsa Família no Paraná e no Ceará (2014).

Para desenvolver a análise sobre a distribuição das tarefas domésticas, é preciso levar em consideração a composição do grupo doméstico em que vivem essas mulheres (Tabela 2). Assim, ao perguntarmos às beneficiárias com quem elas moravam, o resultado foi o seguinte: Tabela 2 – Composição do grupo doméstico entre as respondentes – Curitiba Sozinha

f 3

% 1,9%

Com filhos/as

89

56,0%

Com outros/as parentes

15

9,4%

Com amigos/as

1

6%

Com os pais

9

5,7%

Com companheiro(a)

42

26,4%

Total

159

100,0%

Fonte: Discriminação interseccional: estudos sobre situações de pobreza e empoderamento feminino entre mulheres titulares do Programa Bolsa Família no Paraná e no Ceará (2014).


ARTIGOS 147

Ao observarmos a quantidade de mulheres que declararam morar com companheiro(a) (42) e a quantidade das que declararam dividir as tarefas domésticas com seu/sua companheiro(a), veremos que esse número não passa de 5 ocorrências, em qualquer das atividades elencadas. Embora não disponhamos neste momento de cruzamentos com as idades e o sexo dos/as filhos/as, percebese, ainda assim, que a prole participa mais do que os cônjuges na distribuição das tarefas domésticas. De todo modo, esta participação é baixa, o que pode estar associado à presença de crianças no grupo doméstico. Outra questão relevante é compreendermos como essa divisão de tarefas é percebida pelas próprias beneficiárias. 70,5% das mulheres acreditam que a atual divisão de tarefas domésticas é muito justa ou razoavelmente justa. Entendemos, assim, que, apesar de não haver uma divisão das tarefas do lar, pois afinal as mulheres são responsáveis por praticamente tudo, elas não se sentem prejudicadas, o que possivelmente esteja relacionado aos papéis tradicionalmente produzidos pela sociedade e incorporados pelas mulheres, diante dos quais persiste a associação entre mulher e espaço doméstico. Assim como elucidado por Saraceno (1997, p.35), “embora o espaço seja reduzido e os recursos escassos, a comida deve ser preparada, a roupa lavada, a casa varrida, o vestuário arranjado”, tarefas essas assumidas pela mulher, com a criação do espaço doméstico. Do que encontramos, podemos afirmar que existe um contínuo entre as representações do Programa e as percepções e práticas das mulheres beneficiárias, o que limita as possibilidades de que esta política possa engendrar mudanças dos papéis de gênero. A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO REMUNERADO E NÃO REMUNERADO

Para melhor entender as formas de valorização de fatores relacionados à autonomia feminina, julgamos necessário olhar para mais uma variável, o trabalho remunerado. As tabelas 3 e 4 mostram a situação em relação ao trabalho remunerado dessas mulheres. Assim, considerando desempregadas e trabalhadoras, temos um universo de 80% que de alguma forma faz parte do mercado de trabalho, número que julgamos ser expressivo. Contudo, temos ainda que nos atentar para outras questões. Das noventa e cinco entrevistadas, cinquenta declaram trabalhar. Desse universo (tabela 4), 50% disseram trabalhar por conta própria, o que corresponde à informalidade e à precariedade do trabalho para o grupo de mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família, quando comparado com os dados da PNAD 2006, apresentados por Leone (s/d-), segundo os quais 32% das mulheres estão na informalidade. Outro ponto


148

GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

relevante é o fato de 18% dessas trabalhadoras serem domésticas, ou seja, se vincularem a trabalhos de cuidado. Tabela 3 – Entrevistadas, segundo o tipo de ocupação – Curitiba f

%

Do lar

18

18,9%

Desempregada

26

27,4%

Pensionista

1

1,1%

Trabalhadora

50

52,6%

Total

95

100%

Fonte: Discriminação interseccional: estudos sobre situações de pobreza e empoderamento feminino entre mulheres titulares do Programa Bolsa Família no Paraná e no Ceará (2014). Tabelas 4 – Entrevistadas, que declararam trabalhar, segundo o tipo de vínculo com o trabalho – Curitiba Trabalhadora por conta própria (bico, autônoma) Empregada Trabalhadora doméstica

f

%

25

50%

15

30%

9

18%

NS/NR

1

2%

Total

50

100%

Fonte: Discriminação interseccional: estudos sobre situações de pobreza e empoderamento feminino entre mulheres titulares do Programa Bolsa Família no Paraná e no Ceará (2014).

Segundo Lena Lavinas (2010, p. 11): Para as mulheres pobres que recebem uma transferência de renda está claro que o benefício não substitui o trabalho remunerado, mas tampouco garante todas as condições necessárias para que se possa exercer uma atividade remunerada, o que pode verdadeiramente reduzir o grau de destituição de suas famílias.

Tal ideia fica evidente quando olhamos para os dados das tabelas 3 e 4 e, de certa forma, para a tabela 5, ou seja, o benefício não tem o mesmo significado


ARTIGOS 149

que o trabalho para essas mulheres, nem poderia, afinal, existem diferenças fortes entre um benefício e um trabalho, mesmo sendo uma transferência de renda direta. Por outro lado, o Programa nem mesmo garante a inserção no mercado de trabalho, realidade demonstrada pelos números da pesquisa. Todavia, ainda sobre a relação dessas mulheres com o trabalho remunerado, verificamos, como apresentado na tabela 5, que, na suposição de as mulheres poderem escolher seu tipo de ocupação, apenas 18,9% prefeririam trabalhar fora, 28,4% se dedicariam à casa e aos filhos, ao passo que um pouco mais da metade, valor significativo, teria preferência por trabalhar fora e dedicar-se ao espaço doméstico, isto é, preferem o acúmulo da dupla jornada de trabalho. Demonstra-se, assim, uma valorização por parte dessas beneficiárias do trabalho na esfera reprodutiva, o que reafirma a tese de que há uma correspondência entre a perspectiva das mulheres e do Programa sobre o papel que as mulheres devem exercer. Tabela 5 - Avaliação das entrevistadas sobre a preferência das mulheres entre o trabalho doméstico e o trabalho remunerado extradomiciliar – Curitiba Trabalhar fora Dedicar-se à casa e aos filhos Fazer os dois Nenhuma dessas obrigações Outros Total

f 18 27 48 1 1 95

% 18,9 28,4 50,5 1,1 1,1 100,0

Fonte: Discriminação interseccional: estudos sobre situações de pobreza e empoderamento feminino entre mulheres titulares do Programa Bolsa Família no Paraná e no Ceará (2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Mitchell (2006), a família parece o hábitat natural da mulher, algo quase biológico, mas, na realidade, é somente cultural. É cultural que a mulher pertença ao privado e o homem ao público; é cultural que a mulher entenda que é seu papel o dever de cuidado, da casa e das crianças. Entendemos, porém, que o Estado tem papel fundamental para minimizar tais divisões. Reproduzir a divisão de papéis pode significar a omissão em algumas áreas, como a garantia de emprego formal e a educação de primeira infância. Segundo Lavinas (2006, p.41), “provisão de creches, escolas tempo integral, centros de convivência intergeracional, são alguns dos bens públicos capazes de favorecer a inserção produtiva feminina e, consequentemente, a


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

redução da pobreza familiar.” Na contramão disso, a posição do Estado tem sido em continuar a relacionar a mulher ao mundo privado, por meio de programas como o Bolsa Família, programa que teria a potencialidade de proporcionar certas autonomias, tanto da mulher como dos outros membro da família, a partir de um olhar sobre o indivíduo e da perspectiva de gênero, orientada para a promoção de igualdades ou equidades. REFERÊNCIAS CARLOTO, Cássia; MARIANO, Silvana. No meio do caminho entre o público e o privado: um debate sobre o papel das mulheres na política de assistência social. Estudos Feministas, v. 18(2), Florianópolis, maio-agosto 2010, p. 451-471. CARLOTO, Cássia; MARIANO, Silvana. As mulheres nos programas de transferência de renda: manutenção e mudanças nos papéis e desigualdades de gênero. In: 13º Congresso da Rede Mundial de Renda Básica. São Paulo:[ S.n.], 2010. FONSECA, Ana. As mulheres como titulares das transferências condicionadas. In: 13º Congresso da Rede Mundial de Renda Básica. [S.l.: S.n.], 2010. IPEA, Retrato das Desigualdades de gênero e raça- 4ª edição. Brasília: Ipea, 2011. LAVINAS, Lena; COBO, Barbara. Bolsa família: impacto das transferências de renda sobre a autonomia das mulheres e as relações de gênero. In: 13º Congresso da Rede Mundial de Renda Básica. São Paulo: [S.n.], 2010. LAVINAS, Lena; NICOLL, Marcelo. Pobreza, transferência de renda e desigualdade de gênero: conexões diversas. Parcerias estratégicas, n. 22, junho 2006. LEONE, Eugenia Troncoso. O perfil dos trabalhadores na economia informal. Seminário tripartite. A economia informal no Brasil: políticas para facilitar a transição para a formalidade, [20--]. MITCHELL, Juliet. Mulheres: a revolução mais longa. Gênero, v.6, n.2, v.7, n.1, Niterói, 2 sem. 2006, p.203-p.232. MELO, Hildete Pereira de. Gênero e Pobreza no Brasil. Relatório final do Projeto Governabilidad Democrática de Género em America Latinay el Caribe. Brasília: CEPAL; SPM, 2005. SARACENO, Chiara. Sociologia da Família. Lisboa: Editora Estampa, 1997.


ARTIGOS 151 A IMPORTÂNCIA DE BANCO DE DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: VISIBILIDADE E CONTROLE SOCIAL DO OBSERVEM Maria Helena de Paula Frota1 Kelyane Silva de Sousa 2

Resumo: O Observatório da Violência contra a Mulher - OBSERVEM é integrante do Grupo de Pesquisa “Família Gênero e Geração nas Políticas Públicas e Sociais” da Universidade Estadual do Ceará, o qual promove pesquisas e estudos de gênero e violência. Seu principal objetivo é monitorar dados sobre a violência através de um site com um banco de dados que fornece o quadro geral da violência no Estado. Destarte, no OBSERVEM, encontram-se informações atualizadas desde o ano de 2009, tendo como fonte os registros da Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza, através dos Boletins de Ocorrência (BO) e dos Termos Circunstanciais de Ocorrência (TCO) disponibilizados em dados brutos pela Secretaria de Segurança Pública e Desenvolvimento Social - SSPDS-CE. O referido observatório é financiado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres - SPM, integrando o Pacto Estadual pelo Enfrentamento da Violência contra a Mulher. Tem como principais resultados o subsídio de debates para os movimentos de mulheres e os agentes públicos no enfrentamento à violência contra as mulheres; além da produção e disponibilização de trabalhos acadêmicos e midiáticos relacionados à temática no Ceará e nos demais estados do Brasil. Palavras-chave: Banco de dados. Observem. Violência contra a mulher. Políticas Públicas. 1. INTRODUÇÃO

O banco de dados como instrumento de pesquisa é potencializador de processos sociais, na medida em que a informação se expande apontando como solução de transparência democrática, ao mesmo tempo que se estabelece um 1

2

Responsável pelo projeto, exerce a função de coordenadora do OBSERVEM. Doutora em Sociologia pela Universidade de Salamanca (Espanha); Professora do Mestrado em Políticas Públicas, Socióloga e Assistente Social. Pesquisadora do OBSERVEM, Mestranda em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, Bolsista CAPES e Assistente Social.


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

elo estruturador entre democracia e cultura de paz. Desta forma, compreender esses processos é entender mecanismos de controle social e vigilância de um lado e ampliação de direitos do outro. Uma experiência exitosa de banco de dados que poderemos registrar é o caso do Observatório da Violência contra a Mulher – OBSERVEM, concretizado por um grupo de pesquisa e estudos da Universidade do Ceará, em convênio com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, iniciado em 2009. O monitoramento das estatísticas pelo OBSERVEM expõe os dados sobre o fenômeno da violência contra a mulher no Ceará. Tal exposição possibilita a indicação de políticas públicas para a redução da citada violência. A consolidação da base de dados e a divulgação com regularidade dos referidos dados foram metas cumpridas. O Observatório da Violência Contra a Mulher – OBSERVEM é uma iniciativa do grupo de pesquisa Gênero, Família e Geração nas Políticas Públicas e Sociais, fundado no ano 2000, inscrito no Diretório dos Grupos de Pesquisas do CNPq no mesmo ano e ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará. O referido Grupo tem três linhas de pesquisa: “Gênero, Geração e Desigualdade Social”; “Gênero, Família e Políticas Sociais”; e, “Gênero e Violência”, sendo composto por uma equipe de vinte e uma pesquisadoras, dentre elas, três doutoras, sete mestras, três mestrandas, seis bolsistas de Iniciação Científica e dois técnicos de informática. Desde 2009, o grupo manteve como atividade principal o funcionamento do Observatório. O OBSERVEM é um espaço de monitoramento das condições de vida das mulheres cearenses e da violência que se abate sobre elas. Trata-se de uma experiência de acompanhamento das políticas públicas e sociais desenvolvidas local e nacionalmente, principalmente no tocante à efetivação da Lei Maria da Penha e de todas as formas de discriminação contra as mulheres. A iniciativa conta com a parceria do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher - CCDM, Universidade Estadual do Ceará, Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social - SSPDS do Governo do Estado do Ceará e o financiamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República - SPM, Convênio Nº 099/2008; Processo Nº 00036.000774/2008-99, integrando o Pacto Estadual pelo Enfrentamento da Violência contra a Mulher. Dessa forma, seu principal objetivo é monitorar dados sobre a violência contra a mulher. Mantém uma página na internet com um banco de dados que fornece online o quadro geral da violência no Estado. Além disso, subsidia debates para os movimentos de mulheres e os agentes públicos no enfrentamento


ARTIGOS 153

à violência contra as mulheres; disponibiliza textos, como cartilhas, boletins informativos, matérias de jornais, notícias, artigos, livros, monografias e dissertações sobre a temática no Ceará e nos demais estados do Brasil. No OBSERVEM encontram-se informações atualizadas desde o ano de 2009, tendo como fonte os registros da Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza, através dos Boletins de Ocorrência (BO) e dos Termos Circunstanciais de Ocorrência (TCO). A SSPDS-CE disponibiliza ao Observatório os dados brutos, permitindo o seu tratamento a partir de bases estatísticas e filtros que definem o quadro da violência de gênero. Complementando as informações pertinentes do referido banco, são coletadas diariamente matérias dos principais jornais locais, divulgados os eventos, cursos, publicações de periódicos locais, nacionais e internacionais, os grupos de estudo e a rede de apoio às mulheres vítimas de violência, bem como mantém atualizados sítios com links sobre a temática e áreas afins. 2. ESTRUTURAÇÃO LÓGICA E VISUAL DO PORTAL WWW.OBSERVEM.COM

O Observem tem como base o desenvolvimento de ferramenta de diagnóstico estatístico com a apresentação gráfica de uma web site, estruturada dentro dos padrões estabelecidos pelo instrumento woese.com, que contempla desde uma concepção gráfica até a integração ergonômica entre sistema / gestor e web site / fazendo com que a web site imprima uma linguagem mais fácil, direta, limpa e funcional. Detalhamento geral das etapas de desenvolvimento web site: www.observem.com 2.1 Composição do site do Observem 2.1.1 O que é o OBSERVEM Indica o conceito do observatório, a regulamentação da sua criação, os órgãos e instituições parceiras nesse processo, seus objetivos, sua composição, bem como suas diretrizes fundamentais. 2. 1. 2 Pesquisas em jornais Coletamos os registros diários da violência contra a mulher através do olhar da imprensa cearense, nos jornais “O Povo” e “Diário do Nordeste”. Nesse espaço podemos encontrar: Atualização diária;


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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Acesso a partir de filtros que permitem ao usuário delimitar o jornal que publicou a matéria, o tipo de notícia (violência ou assassinato) e o período (mês e ano) de sua veiculação. As notícias são apresentadas por meio do título da matéria constante no jornal e de seu texto na íntegra. Acesso direto à matéria no jornal on line através de um link presente em cada notícia. 2. 1. 3 Eventos Neste espaço encontram-se os principais eventos relativos à temática de gênero e violência nas intuições governamentais, universidade e movimentos sociais. Por meio dele, possibilitamos o acesso direto, através de links, aos sites e às organizações dos eventos - visualização dos detalhes de cada evento e suas principais informações. 2. 1. 4 Cursos Divulgamos os cursos com inscrições abertas ou em andamento, promovidos por instituições, grupos e profissionais no cenário local, regional e nacional cujo foco principal é a abordagem das questões de gênero e violência. 2. 1. 5 Publicações Publicizamos as produções científicas do Grupo de Pesquisa Gênero, Família e Geração nas Políticas Públicas e Sociais – CNPq: Artigos científicos, dissertações, livros, monografias e revistas. 2.1. 6 Documentos Oficiais Para subsidiar o debate acerca das políticas públicas para as mulheres, disponibilizamos as legislações vigentes, tais como: Planos, Programas e Normas nacionais e internacionais em defesa da mulher; além de documentos na íntegra, a saber: Internacionais: Declaração Universal dos Direitos Humanos; a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953); I Conferência Mundial sobre a Mulher (Cidade do México, 1975); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará (1994). Nacionais: Lei Maria da Penha (Lei Nº 11.340/2006); Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres.


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2.1.7 Grupos Nesse link socializamos com estudantes e profissionais os grupos e núcleos de pesquisa na área das relações de gênero e a Rede de Apoio institucional e da sociedade civil como retaguarda de apoio às mulheres no Ceará. 2.1.8 Notícias do Observem Expõe as notícias e fatos publicados nos jornais referentes às mulheres, não necessariamente relacionados à violência, mas às temáticas de gênero e poder, gênero e trabalho, dentre outras. 2.1.9 Links Esse tópico apresenta os Links diretos de sites institucionais das políticas públicas de defesa dos direitos das mulheres. 2.1.10 Estatísticas Os dados brutos estatísticos encaminhados pela Secretaria de Segurança do Estado, tendo como fonte os Boletins de Ocorrências – BOs, Termos Circunstanciais de Ocorrência – TCOs e Inquéritos Policiais são trabalhados pelo OBSERVEM, são expostos em forma de gráficos contemplando os variáveis números de casos por mês e por hora em todos os bairros e por cada bairro especificamente. Os dados são compostos de dois tipos de informação: Referente ao INDICIADO: sexo do indivíduo; grau de instrução; grau de relacionamento com a vítima. Atinente à VÍTIMA: grau de instrução e estado civil. Todos os dados alusivos aos anos 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013. 3. O OBSERVEM E A PADRONIZAÇÃO DOS DADOS ESTATÍSTICOS

O OBSERVEM tem acento no Grupo de Trabalho juntamente com todas delegadas das DEAMs, representantes da Secretaria de Segurança Pública– SSPDS regulamentado pela Portaria GG Nº 275/2011 do Governador do Estado, sob a coordenação da Coordenadoria Estadual de Políticas para as Mulheres- CEPAM, para melhorar o sistema de coleta de dados referentes à violência contra a mulher no Estado. O referido grupo se reúne frequentemente para debates teóricos, esclarecimentos sobre o funcionamento do SIP – Sistema de Informações Policiais, reestruturação e padronização das informações e disponibilidade de dados para a sociedade. O primeiro encontro foi para redefinir categorias a serem trabalhadas pelas delegadas e pelo setor de estatística da Secretaria de Segurança do Estado no


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sentido de compreender, unificar o discurso e a compreensão sobre violência contra a mulher e violência de gênero. Nesse momento o debate foi subsidiado pelas Pesquisadoras integrantes do OBSERVEM, professora Socorro Osterne e a professora Helena Frota. O segundo encontro foi marcado pela apresentação do site do OBSERVEM pela Professora Helena Frota e a pesquisadora Hayeska Costa, ocasião em que houve explicação sobre a metodologia e os dados estatísticos da violência contra a mulher em Fortaleza e a dificuldade de padronização dos dados encaminhados pela SSPDS, especialmente os referentes ao nível de instrução e aos dados do agressor. E o terceiro momento foi apresentado pelas delegadas, oportunidade em que exibiram as dificuldades nos registros dos dados e expuseram as sugestões de modificações do SIP objetivando uma coleta mais real dos dados da violência contra a mulher. 4. O OBSERVEM NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

A visibilidade do Observatório tem sido crescente bem como a sua credibilidade. Diante de tal exposição, os integrantes têm sido convidados a participar de programas nas diversas mídias com participação em programas na mídia impressa, televisiva, radiofônica e redes sociais. 5. OUTRO OLHAR SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A produção do grupo distingue-se por explicações do fenômeno da violência contra a mulher como construção social de gênero de caráter polissêmico, redefinindo o feminino e o masculino na sociedade cearense e nordestina como expressões sociais, culturais e de poder que dão configurações distintas à violência contra a mulher. As produções do OBSERVEM caminha nessa acepção, como se expõe na sequência. 5.1 Publicações O Grupo de Gênero, Família e Geração nas Políticas Públicas e Sociais, pela sua tradição acadêmica, tem formado dezenas de profissionais, pesquisadores e professores que se encontram no mercado de trabalho e na docência, compondo quadros nas universidades brasileiras. Nessa acepção, os pesquisadores integrantes do grupo que compõem o OBSERVEM produzem e editoram materiais como cartilhas, boletins informativos e livros nas diversas temáticas de gênero destacando-se violência contra a mulher e poder, dando


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ênfase às peculiaridades cearenses e nordestinas, onde se reconfiguram outras leituras sobre a violência de gênero na região. 5.1.1 Cartilha Editamos a Cartilha “VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER”: Violência - Prevenção- Atenção, abordando aspectos importantes de prevenção à violência contra a mulher e a Lei Maria da Penha. 5.2.2 Boletins Informativos O Observem trabalhou as estatísticas da Secretaria de Segurança do Estado do Ceará nos anos 2009, 2010, 2011 e 2012 tendo como fonte os dados brutos dos Boletins de Ocorrências- BO e os Termos Circunstanciais de Ocorrência – TCO, que foram registrados na Delegacia da Mulher de Fortaleza. Disponibilizou em seu site www.observem.com um retrato da violência contra a mulher da capital do Estado. Os dados se referem ao número de casos de violência contra a mulher, registrados por mês e por hora em cada um dos bairros da capital cearense, bem como a identificação do perfil do agressor e da vítima (faixa etária, escolaridade e grau de relacionamento) sintetizados nos boletins dos referidos anos. Gráfico 1. Casos registrados por mês. Fortaleza. 2013. Todos os bairros.

Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará - SSPDS/CE e Observatório da Violência Contra a Mulher – OBSERVEM.


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A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER TEM HORA!!! Neste mesmo ano, as mulheres foram violentadas todos os dias, em todas as horas, mas, principalmente, entre 8h e 12h e das 19h às 22h. Gráfico 2. Casos registrados por hora. Fortaleza. 2013. Todos os bairros.

Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará - SSPDS/CE e Observatório da Violência Contra a Mulher – OBSERVEM.

QUEM PRATICA A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER? Os homens continuam sendo os principais autores da violência contra a mulher. ESCOLARIDADE DO AGRESSOR A escolaridade da maioria dos indiciados está concentrada nos níveis do ensino fundamental, completo e incompleto. ESCOLARIDADE DA MULHER As mulheres que sofreram violência no ano de 2013 possuíam níveis de escolaridade mais elevados do que os dos seus agressores autores da violência. 58,86% das mulheres vítimas de violência apresentaram grau de instrução entre alfabetizado e ensino fundamental completo. 37,4% cursaram 2º grau completo ou incompleto, ensino médio, superior completo ou incompleto. ESTADO CIVIL DA VÍTIMA 60,95% das vítimas se identificaram, no ato da denúncia, como solteira, seguido de um alto índice de mulheres casadas (29,41%)


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Resumindo: os agressores das mulheres são homens, a maioria de escolaridade inferior à da vítima, que não possuem relacionamento com vínculo formal com a vítima, que realizam as agressões principalmente de 8h às 12 e de 19h às 22h, continuamente praticada durante todos os meses do ano, com destaque para os meses de janeiro, abril e maio. Síntese dos Dados Comparando-se os anos de 2012 e 2011, foi constatado que, ao contrário de 2011, em 2012 o declínio nos registros da violência contra a mulher não ocorreu em meses diversos, mas especificamente em fevereiro. Após esse período, se notou que as Regionais I, IV e VI apresentaram um aumento dos índices no mês de maio, enquanto a II foi em junho e as III e V em julho. No geral, a ocorrência dessa violência não manteve um óbvio padrão, fato que se manteve durante todo o segundo semestre do ano. 7. PARCERIAS DO OBSERVEM

1. Atividades com a Coordenadoria Estadual de Políticas para as Mulheres - CEPAM 2. Atividades conjuntas com a Coordenadoria Municipal de Políticas para as Mulheres da Prefeitura Municipal de Fortaleza 3. Atividades com a Secretaria de Justiça e Segurança do Ceará - articulações para efetivação do banco de dados 4. Atividades com o Tribunal de Justiça Ministério Público Estadual – Atividades de extensão no bairro de Messejana 5. Atividades com a Procuradoria de Mulheres e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa . 6. Atividades com o Instituto Maria da Penha 8. ATIVIDADES DE EXTENSÃO

O Bairro de Messejana em Fortaleza foi escolhido pelo OBSERVEM em parceria com o Tribunal de Justiça do Ceará, Coordenadoria dos Núcleos PróMulher, Defensoria Pública do Estado, Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social - SSPDS, Secretaria de Educação do Estado e do Município e Secretaria Executiva Regional VI como área de intervenção nos meses de novembro e dezembro de 2012 e durante o ano de 2013. O locus de execução desta atividade foi o bairro de maior incidência da violência contra a mulher em Fortaleza, que, de acordo com os dados do


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OBSERVEM, revelou que o bairro Messejana, Secretaria Executiva Regional VI, possui o maior número de registros de casos em 2012. O objetivo do projeto foi sensibilizar a população do bairro escolhido juntamente às instituições que atuam na rede de enfrentamento à violência contra a mulher no Estado do Ceará, de modo a proporcionar a socialização acerca da temática abordada, com vistas à garantia da prevenção, atenção e proteção dos direitos das mulheres em situação de violência, atentando para a interlocução direta com outros planos e políticas. 8.1. As estratégias estabelecidas foram: • Proporcionar debates que promovam uma mudança cultural no tocante à desconstrução de estereótipos e representações de gênero de caráter sexista; • Fomentar a discussão acerca de atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito à diversidade, ressaltando os aspectos regionais, étnico-raciais, geracionais, de orientação sexual e inserção social e econômica; • Expor as diretrizes, normas técnicas, protocolos e fluxos de atendimento às mulheres em situação de violência; • Destacar a legislação de construção e promoção dos direitos das mulheres, com ênfase na Lei Maria da Penha, na Política Nacional de Enfretamento da Violência contra as Mulheres; • Divulgar os Direitos Humanos das Mulheres e promover ações de combate à violência contra a mulher. 8.2. Os equipamentos sociais onde se realizaram as atividades foram: 8.2.1. Educação CMES Professor Anísio Teixeira Creche Conveniada Professor Ernesto Gurgel do Amaral Creche Municipal nísio Teixeira EMEIF Angélica Gurgel EMEIF Centro Cívico de Messejana EMEIF Construindo o Futuro EMEIF Demócrito Rocha EMEIF Guiomar da Silva Almeida EMEIF João Alves de Melo EMEIF José Barros de Alencar EMEIF Josefa Barros de Alencar EMEIF Professor Clodomir Teófilo Girão


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EMEIF Santa Rosa EMEIF Pontes Barbosa EMEIF Zelina Guimarães Escola Olavo Bilac 8.2.2. Saúde CSF Messejana - Rua Cel. Guilherme Alencar s/n – Messejana CAPS Geral – Rua Manoel Castelo Branco, 700 – Messejana Hospital Gonzaguinha de Messejana – Av. Washington Soares, 7700 Hospital Frotinha de Messejana – Av. Pres. Costa e Silva 1578 – Messejana Hospital Waldemar de Alcântara (Estadual) – Rua Joaquim Felício, 1680 Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) - Rua Cel.Guilherme Alencar s/n Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) – Rua Dionísio Alencar, 267Messejana 8.2.3 Praças Praça Matriz de Messejana- Messejana Praça da Lagoa da Messejana - Messejana Praça Conjunto dos Bandeirantes- Messejana Praça Deputado Paulo Benevides- Messejana Praça da Rua Sta Efigenia c/ Rua Miracema – Messejana Praça da Av. Angélica Gurgel c/ Rua Jundiaí – Messejana 8.2.4 Feiras Feira Livre de Messejana Dia: DOMINGO Rua Coronel Francisco Pereira com Rua Joaquim Felício e Coronel Guilherme de Alencar. Bairro: Messejana Horário: 05h às 13h 8.2.5 Mercado Público de Messejana Local: Rua Pergentino Maia, s/n Funcionamento: Segunda a sábado: 6h às 17h Aos Domingos: 6h às 14h


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10.2.6 Igrejas Paróquia Nossa Senhora da Conceição Igrejas Evangélicas Centro Espírita CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Observatório da Violência Contra a Mulher – OBSERVEM consolidouse como uma das políticas exitosas de enfrentamento à violência contra a mulher no Estado do Ceará na medida em que:  sua atuação, como agente potencializador de estudos e pesquisas, contribui com a transparência democrática e cultura de paz, logo que monitora os dados e os divulga, possibilitando aos agentes públicos e à sociedade a criação de mecanismos de controle social;  possui um sistema moderno de informações (web site), permanentemente atualizadas, alimentado por uma rede institucional, local, regional e nacional, integrada e acessível a entidades da sociedade civil e a instituições públicas;  desenvolve uma política de formação de pesquisadores com tradição acadêmica, cujos pesquisadores compõem quadros nas universidades brasileiras e demais instituições;  mantém elevada produção acadêmica, editorando materiais como cartilhas, boletins informativos e livros, nas diversas temáticas de gênero e violência contra a mulher;  nutre o debate público acerca da violência contra a mulher, produzindo artigos para os jornais de grande circulação do Estado, bem como participando de debates e entrevistas nas diversas mídias;  ultrapassa as fronteiras do Estado, divulgando a experiência do banco de dados e a sua estratégia de funcionamento em encontros internacionais, nacionais e regionais;  estabelece parcerias constantes entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e nas dimensões municipais, estaduais e federais, que geram projetos de intervenção, a exemplo do que se opera atualmente num bairro da periferia de Fortaleza - Messejana. Conclui-se, portanto, que o OBSERVEM é uma experiência exitosa, haja vista o reconhecimento por parte dos poderes públicos e de setores da sociedade civil organizada, em razão das inúmeras homenagens e reconhecimentos recebidos, merecendo, portanto, ter sua continuidade garantida.


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REFERÊNCIAS FROTA, M. H. P. Observatório da Violência Contra a Mulher – OBSERVEM: Relato de uma experiência exitosa. Quadriênio 2009 a 2012. Fortaleza: Edmeta: 2013. ______. Boletim da Violência Contra a Mulher – IV. Fortaleza: Edmeta: 2013. ______; SILVA, J.S ; LIMA, S. D. L. M. ; et al. Assassinato de Mulheres no Ceará. 1. ed. Fortaleza: EDMETA, 2012. _____ . et al. Cartilha “VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER”: Violência - PrevençãoAtenção. Fortaleza: Edmeta. 2012. SANTOS, V. M; FROTA, M. H. P. O Femicídio no Ceará: machismo e impunidade? Fortaleza : EdUECE, v.1. 2012.



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