Maria Regina Tavares da Silva* Análise Social, vol. XIX (77-78-79), 1983-3.°, 4.° 5.°, 875-907
Feminismo em Portugal na voz de mulheres escritoras do início do século XX I — INTRODUÇÃO — ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DO TEMA E ÂMBITO DO ESTUDO Numa sociedade em mudança como é, em Portugal, a do virar do século e primeiras décadas do século xx, os conceitos relativos ao papel da mulher na sociedade, à sua função e valor como pessoa e à sua afirmação individual e relacionação social são inevitavelmente postos em causa, como postos em causa são muitos outros conceitos e valores fundamentais. A pouco e pouco desenha-se um movimento e uma corrente de tom nitidamente feminista que, elitista embora no tipo de mulheres que reúne, se reveste de um significado notável pelos esforços que congrega, pela ideologia que difunde, pela unidade visível de objectivos e aspirações que traduz e pelas expressões e acções concretas que assume e realiza, enquanto movimento organizado. Influenciado e progressivamente fortalecido por uma corrente internacional que encontra expressões de grande vitalidade em outros países da Europa e América do Norte em épocas anteriores e contemporâneas da que agora nos ocupa, o movimento a favor da emancipação da mulher em Portugal, entendido exactamente como tomada de consciência do valor da pessoa, como definição do seu papel na sociedade e como contestação e revisão de preconceitos e limitações até aí impostos à mulher, é um movimento que progressivamente toma corpo e subitamente se revela cheio de um vigor quase inesperado num país em que jamais lutas sufragistas, típicas de outras culturas, ou movimentos radicais pelos direitos das mulheres se tinham feito sentir de forma organizada. Com certo vigor, a dado passo, o movimento feminista em Portugal é, no entanto, sempre um movimento moderado, nunca declaradamente subversivo nem violento, mais atento à satisfação das suas reivindicações pela força da persuasão, do direito e da educação do que pela força dos gritos e das manifestações. Em Portugal, a preocupação pela situação das mulheres e defesa dos seus direitos e das suas qualidades e feitos, não obstante a efectiva situação de subalternidade contra a qual se insurge a corrente feminista, era latente e esporadicamente manifesta, em várias épocas e de várias maneiras. Marcos a testemunhar essa preocupação de um ponto de vista meramente teórico poderiam, por exemplo, considerar-se a obra Dos Priuilégios e Praerrogativas * Comissão da Condição Feminina.
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