Roda do Leme nº98

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Rigor e Exigência

ste ano as comemorações do dia 10 de Junho realizaram-se em Viana do Castelo, aqui bem ao nosso lado. Pode dizer-se, com toda a propriedade, que os melhores pontos de observação destes actos comemorativos eram as lanças dos nossos guindastes. O dia de Portugal, de Camões e das Comunidades é, efectivamente, uma data relevante para a afirmação da identidade e cultura portuguesas. Independentemente da importância que cada um de nós dá a estas cerimónias, ensombradas pelo aproveitamento que das mesmas fazia o chamado Estado Novo, e da apreciação mais ou menos crítica que delas se possa ter pelos custos que daí advêm, deve reconhecer-se que este foi um acontecimento importante na vida da nossa cidade, apenas perdendo, de alguma forma, pela não visita do Presidente da República aos ENVC, hipótese que chegou a ser aventada. Destas comemorações, para além da pompa que trouxeram à urbe em que nos inserimos, resultou também um discurso do mais alto Magistrado da Nação, de certa forma pedagógico, para todos os portugueses. Na dissertação que fez ao país, Cavaco Silva, começando por salientar a importância histórica da nossa região no contexto português – “Há poucos lugares onde a nossa identidade colectiva se imponha com tanta nitidez como aqui, nesta região em que Viana do Castelo está situada. Aqui se forjou o galaicoportuguês, matriz da língua-mãe, que hoje partilhamos com mais sete Estados Lusófonos. Aqui teve origem a ideia e a vontade de tomarmos o nosso destino nas nossas mãos e sermos independentes” – evidenciou, com objectividade, a necessidade de aproveitarmos as sinergias de que o país dispõe para nos afirmarmos como nação evoluída e independente, nos mais diversos contextos. E, em profusa quantidade, não se esqueceu de apontar exemplos sobre os nossos feitos à escala universal, no passado e no presente, s u f i c i e n t e m e n t e e l u c i d a t i vo s d a s i m e n s a s potencialidades de que dispomos para ombrearmos com as nações cimeiras, independentemente do reconhecimento da escassez de recursos que o país sempre teve e tem. “Temos de começar por ser exigentes e rigorosos connosco, se queremos que o imenso património que herdámos e de que justificadamente nos orgulhamos, se transforme num verdadeiro instrumento ao serviço

“O rigor e a exigência devem, de facto, ser adoptados como princípio básico da nossa actividade, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. As dificuldades, são para todos, evidentes. A solução passa por uma mudança de atitude individual e colectiva. Só assim seremos capazes de dar continuidade a um empreendimento que nos legaram, que dá grandeza a Portugal e leva o nome de Viana aos quatro cantos do mundo, tal como outrora tanto fizeram ilustres vianenses”

do progresso e da prosperidade do nosso povo”. Eis o que mais nos disse o Senhor Presidente da República, já no fim do seu discurso. Apesar de consabida, nunca é de mais citar e apontar esta verdade, como elemento preponderante no funcionamento do nosso dia a dia. É um princípio que deveremos saber valorizar. Também nós herdamos um património que tantos ajudaram a construir e a consolidar, que tem sido factor de progresso nesta região que Cavaco Silva apontou como emblemática, que nos sentimos obrigados a proteger. O rigor e a exigência devem, de facto, ser adoptados como princípio básico da nossa actividade, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. As dificuldades são, para todos, evidentes. A solução passa por uma mudança de atitude individual e colectiva. Só assim seremos capazes de dar continuidade a um empreendimento que nos legaram, que dá grandeza a Portugal e leva o nome de Viana aos quatro cantos do mundo, tal como outrora tanto fizeram ilustres vianenses.

A Redacção

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Vamos Construir 2 Mega Iates de Luxo Trata-se das construções 260/261, um contrato que pode representar para os ENVC uma dupla oportunidade. Por um lado, um novo cliente a conquistar, e por outro, talvez mais importante, a entrada no mercado de construção deste tipo de navios.”…um desafio (que deveremos enfrentar com audácia e espírito criativo) e uma oportunidade (que deve ser agarrada por todos com determinação e motivação elevadas)... A recente assinatura de um contrato para a construção de dois Mega Iates de luxo com o Armador SCS LIVERAS et Cie. representa, para os ENVC, por um lado, um risco (que teremos que controlar e minimizar/eliminar), por outro, um desafio (que deveremos enfrentar com audácia e espírito criativo) e uma oportunidade (que deve ser agarrada por todos com determinação e motivação elevadas). O mercado deste tipo de navios é muito restrito, uma vez que só um escasso número de estaleiros tem capacidade e saber para levar a cabo a execução do projecto e do fabrico com qualidade superior, levando a que os potenciais clientes procurem encomendá-los onde já existam provas dadas, o que não é o nosso caso, dado nunca termos construído, até à data, algo semelhante. Mas para que o negócio se tivesse concretizado o Armador teve que acreditar em nós, nos quadros e nos trabalhadores desta empresa. Também por isso, não podemos trair a confiança que depositaram em nós. Dada a especificidade dos iates, nomeadamente no que concerne ao interior e exterior, à montagem, soldadura e manuseamento dos materiais (empenos abaixo dos 5-6 milímetros), aos materiais empregues (aço inox e alumínio, por exemplo) e a muitos outros pormenores, este contrato envolve riscos com algum significado, que se prendem, designadamente, com a qualidade de execução, que obedece

a padrões elevados, e a prazos de entrega rigorosos, cujo incumprimento estará sujeito a pesadas multas. Para ultrapassar estes riscos, há segredos bem conhecidos por todos nós: o rigor, o brio profissional e o fazer bem à primeira vez. O "deixa andar", o "depois vê-se", o "quem vier atrás que feche a porta" ou o "fica assim que pode ser que passe" não são toleráveis na construção de iates de luxo. Teremos que encarar a concepção e fabrico destes navios como se de automóveis de luxo se tratasse. A construção destes dois Mega Iates constitui, igualmente, um desafio à nossa criatividade, à nossa capacidade de trabalho e ao nosso saber. Já demos provas de que somos capazes de responder positivamente a desafios idênticos. Lembremo-nos, por exemplo, dos primeiros navios químicos que fizemos, há cerca de 33 anos. Em pouco tempo, conquistámos reputação internacional, que resultou, em boa medida, graças à publicidade que o próprio armador fez dos ENVC. Contudo, o mais importante para a empresa e para todos nós, é a oportunidade que se nos oferece de, através deste contrato, entrarmos para o clube restrito dos construtores de Mega Iates, um negócio onde a concorrência é menor e onde será possível trabalhar com margens de lucro aceitáveis e decisivas para o futuro da nossa empresa. Para tal, será decisivo que tenhamos sucesso na construção dos dois primeiros… e nós seremos capazes de responder ao desafio e, com toda a certeza, sentiremos orgulho quando, em 2011, trouxermos as nossas famílias e amigos para visitarem o navio e poderem confirmar a qualidade, o conforto, o luxo e a beleza que construímos. Jaime Portela Gestor do Contrato

Características Principais dos Mega Iates Comprimento: Boca: Pontal: Calado: Deadweight: Velocidade: Sociedade Classificadora: Datas de entrega: Superstrutura: Tripulação: Passageiros: Piscinas SPA: Cinema: Elevadores: Embarcações de recreio: Embarcações de desporto: Motas de água: Helicóptero: Diversos: Pintura:

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97,30 metros 14,00 metros 08,00 metros 04,00 metros 450 toneladas 17 nós Germanischer Lloyd C260 – 29 Fevereiro 2011 C261 – 31 Julho 2011 Em alumínio 39 40 (é um Mega Iate de luxo…) 2 1 4 (Passageiros, tripulação e cozinha) 2 de luxo com cerca de 10 metros 2 com cerca de 6 metros 4 1 área reservada para pousar Vários salões, bares, barbecue, etc. Especial (exteriores e costado acima da linha de água)


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II Semana Europeia da Indústria Naval Os ENVC Também Aderiram

O Comité do Diálogo Social da Construção e Reparação Naval da União Europeia promoveu a 2ª semana Europeia dos Estaleiros de Construção e Reparação Naval, que decorreu entre 7 e 11 de Abril. Ao promover a realização de várias iniciativas pelos diversos estaleiros, a União Europeia pretendeu alertar e esclarecer as populações dos países que integram o espaço da UE, sobre a importância económica e estratégica da indústria naval. Esta iniciativa tinha como objectivo central a promoção da imagem do sector, para atrair trabalhadores jovens qualificados e técnicos especializados, procurando alcançar o rejuvenescimento do seu perfil sócio-laboral, de modo a dotar a indústria naval de condições para a sua consolidação e sustentabilidade futura. E ainda, a divulgação do sector da Construção e Reparação Naval como importante eixo dinamizador da economia nacional e europeia, promotor de emprego altamente qualificado e do desenvolvimento socioeconómico dos países / regiões, onde o impacto da indústria naval é tradicionalmente significativo. Em resultado do diálogo existente entre a Administração e a Comissão de Trabalhadores dos ENVC, foi possível a concertação para dar visibilidade ao acontecimento junto da população laboral e da cidade, nomeadamente através da colocação de painel (constituído pelo cartaz oficial da Semana Europeia dos Estaleiros de Construção e Reparação Naval e cartaz com a imagem de marca dos ENVC) na Praça da Liberdade, em Viana do Castelo; colocação de faixas oficiais da Semana Europeia dos Estaleiros de Construção e Reparação Naval na entrada dos ENVC e em zona perto da Empresa e que serve algumas escolas e o Instituto Politécnico de Viana do Castelo; visitas guiadas das Escolas Secundárias (jovens do 9.º ao 12.º Ano) da cidade, às instalações dos ENVC, SA, com convite a participarem num Concurso subordinado ao tema “A Construção e a Reparação Naval – os ENVC, SA vistos pelos mais novos”, com prémio para o melhor trabalho; e uma nota de imprensa da Administração distribuída à comunicação social, com ênfase na promoção da indústria naval e da sua importância na Europa, no País e na Cidade. Ao aderirem ao evento, os ENVC, para além de procurarem assinalar a sua importância no contexto estratégico nacional e regional, pretenderam dar a conhecer a Empresa e estimular o interesse dos jovens pela actividade da construção e reparação naval, na perspectiva do rejuvenescimento dos seus recursos humanos, como factor determinante da sustentação futura da Empresa. Foi esse o espírito da abertura de portas ao realizar a iniciativa dirigida às escolas secundárias de Viana do Castelo. A Empresa recebeu cerca de 250 jovens estudantes destas escolas, oriundos de diversas zonas geográficas do Concelho, distribuídos pelas diversas áreas do saber. Sob a égide “O Mar o teu futuro – Um oceano de oportunidades”, salientou-se importância estratégica da indústria naval e das potencialidades desta, para a promoção de carreiras profissionais diversificadas e atractivas. Contribuíram para este propósito os testemunhos de três jovens colaboradores, o Eng.º Andomarc Miranda, a desempenhar funções no projecto básico, o David Torres da Pré-montagem e o José Miranda do Serviço de Soldadura, estes últimos, recrutados a par tir dos cursos de aprendizagem/qualificação, realizados no Centro de Formação dos ENVC. A intervenção destes jovens teve, 6

como principal objectivo, a dinamização de uma imagem de renovação, através da partilha das suas experiências profissionais com os estudantes e sensibilizando-os e alertando-os para um conjunto de oportunidades que o sector lhes pode oferecer. Depois destas intervenções, das inúmeras perguntas por parte dos visitantes e das respostas às suas dúvidas e curiosidades, seguiram-se as visitas guiadas às oficinas e docas, percorrendo o ciclo produtivo do navio, com as pertinentes informações das etapas mais significativas da sua construção. O resultado foi positivo, a julgar pelas manifestações protagonizadas pelos alunos e professores, que defendem uma maior interacção das empresas com as escolas, de modo a facultar aos seus públicos uma aproximação e integração gradual no ambiente laboral, perspectivandolhes, assim, possíveis caminhos e horizontes profissionais. Partilhamos também desta opinião e desejamos que o futuro desta e de outras unidades industriais seja o resultado de uma relação profícua com a Escola e com toda a comunidade envolvente.


A Semana Europeia e a Iniciativa LeaderSHIP 2015 Se falamos da 2ª Semana Europeia dos Estaleiros de Construção e Reparação Naval, naturalmente houve uma primeira que ocorreu em 2006, e interessará informarmos sinteticamente como nasceu a ideia. O Comité do Diálogo Social no sector da construção e reparação naval, que reúne a Federação Europeia dos Metalúrgicos (FEM), organização representativa de 74 associações sindicais de metalúrgicos de 33 países, com cerca de 5,5 milhões de filiados, e o Comité das Associações da Construção Naval da UE (CESA) de 14 países europeus, foi instituído em Dezembro de 2003 sob os auspícios da Comissão Europeia. Segundo documento da Comissão das Comunidades Europeias – C.C.E. –, esta concertação social visa contribuir para a garantia do acesso a uma mão-de-obra especializada, e insere-se numa iniciativa mais abrangente designada LeaderSHIP 2015 sobre a situação actual e futuro sustentado da indústria naval europeia. Neste documento de trabalho da C.C.E., aprovado em 25-04-2007, destacamos o texto que segue, onde se explica a importância deste Comité do Diálogo Social na análise da Comissão Europeia. Na indústria da construção naval europeia, caracterizada pela evolução tecnológica, uma mão-de-obra altamente qualificada é um factor fundamental para transformar o conhecimento em capital e assegurar a produtividade, a inovação e a competitividade. À semelhança dos parceiros sociais, também a Comissão entende que o sucesso é gerado pelos trabalhadores dos estaleiros, ao aplicarem os seus conhecimentos e a sua experiência. Os estaleiros têm de contratar, manter e reconverter trabalhadores qualificados para preservarem a sua base de competências e de saberfazer e garantir a sua prosperidade a longo prazo. Em Setembro de 2003, a Associação dos Estaleiros Europeus de Construção e Reparação Naval (CESA) e a Federação Europeia dos Metalúrgicos (FEM) instituíram formalmente um Comité do Diálogo Social no sector da construção e reparação naval. Este comité, o primeiro do género em todos os sectores da indústria metalúrgica da UE, é revelador do ambiente de trabalho que existe na maioria dos estaleiros europeus e caracteriza-se pelo profissionalismo e pelo respeito mútuo. Neste quadro, foi concedido à CESA e à FEM o estatuto de parceiros sociais europeus. Como tal, são consultadas sobre propostas no domínio da política social e, se assim o entenderem, poderão estabelecer relações contratuais, incluindo acordos, no âmbito do seu diálogo. Até ao momento, o comité criou três grupos de trabalho dedicados à imagem do sector, à formação e às qualificações dos trabalhadores e às actividades de natureza conjuntural e questões em matéria de reestruturação. O Comité promoveu já iniciativas de carácter prático, tal como a «semana dos estaleiros europeus», realizada em Março de 2006. Esta semana teve por principal objectivo reforçar e divulgar a mensagem veiculada pela iniciativa LeaderSHIP 2015 (tornar os estaleiros mais atraentes como local de trabalho para jovens licenciados e trabalhadores altamente qualificados, e promover uma imagem positiva do sector). Estão já em curso os trabalhos preparatórios com

vista à realização de um exercício semelhante em 2008. Todavia, o problema da imagem da construção naval, vista frequentemente como uma indústria antiquada marcada por um futuro incerto, persiste e deve continuar a ser analisado, com vista à sua resolução. Os jovens licenciados e os trabalhadores altamente qualificados nem sempre se apercebem das oportunidades existentes, propiciadas pela evolução dinâmica dos estaleiros nos últimos anos. Neste período, o FIM apelou igualmente à criação de um dia marítimo europeu nas recomendações formuladas na última sessão plenária, realizada em Oslo (Noruega) em Outubro de 2006. Tendo em conta o futuro que se perspectiva, o comité do diálogo social está actualmente a elaborar um novo projecto com vista à criação de um perfil que agregue informação sobre idade e qualificações e seja utilizado para identificar futuras necessidades em matéria de formação e recrutamento. Neste contexto, analisará e procurará responder ao problema do envelhecimento da mão-de-obra, problema este que é particularmente grave em determinados Estados-Membros; os esforços envidados poderão, assim, vir a complementar quaisquer iniciativas futuras da Comissão no domínio das competências marítimas.

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Gonçalo Fagundes Meira “Eu só me vou reformar para os ENVC, quanto ao resto, tudo se manterá igual” Todos os seres humanos são eleitos pelo acto de nascer, mas nem todos são os escolhidos para deixarem a sua marca como referência para a vida em comunidade. São aqueles que, não esperando condecorações ou homenagens, ficam simplesmente felizes ao poderem contribuir pela sua atitude e acção para o bem-estar comum. Mas, não desejando nem esperando consagrações, não significa que não gostem do reconhecimento pelos outros, por contributos prestados, como natural e legitimamente gostará qualquer ser humano dotado de amor-próprio e auto-estima. Cremos que hoje estaremos perante um desses casos. Há 43 anos, em 1 de Março de 1965, Gonçalo Fagundes foi admitido para trabalhar nos ENVC. Começou a sua actividade nesta Empresa no Serviço de Mecânica e acabou no Serviço de Formação, depois de um longo período a trabalhar na área de Organização e Métodos. Este longuíssimo período tem agora o seu epílogo, já que se reformou em 20/06/08. Por toda a acção desenvolvida, não só ao nível profissional (e destaque-se nos últimos anos a projecção e importância dada à formação profissional), mas essencialmente pelo serviço prestado a esta comunidade laboral e à comunidade envolvente, como será do conhecimento geral, julgamos ser da mais elementar importância recolher a sua opinião sobre questões variadas, tendo em conta, fundamentalmente, as muitas experiências vividas. Roda do Leme (RL): Comecemos com a pergunta que, provavelmente, deveria concluir esta entrevista. O que vais fazer agora na tua condição de reformado? Gonçalo Fagundes (GF). Eu só vou reformar-me para os ENVC, quanto ao resto, tudo se manterá igual. Toda a gente sabe que, ao longo da minha vida, tive o meu tempo demasiado preenchido com múltiplas actividades, muito especialmente no plano político e cultural. Também é um facto que, nos últimos tempos, por muitas e variadas razões, abrandei significativamente o meu ritmo de trabalho e passei a dedicar-me mais à família, algo que, de alguma forma, tinha descuidado. Porém, não me estou a ver a aderir a uma vida de ociosidade. Vai haver com certeza mais tempo para fazer coisas que até aqui não pude realizar, especialmente a arrumação de muitos materiais que, desde há muito tempo, se vêm empilhando lá em casa e melhor ordenar as leituras. É preciso sacudir o pó a tantos livros que mal tive tempo de folhear. No entanto, há muitas coisas que vinha fazendo, às quais vou dar continuidade, e novas coisas que sempre pensei fazer e para as quais agora vou passar a ter tempo. R.L. A tua vida foi, de facto, muito intensa. Quase não há nada a que não estivesses ligado. Como era possível manter um ritmo tão intenso de actividade e durante tantos anos? G F. Acima de tudo, com muito planeamento de trabalho, sentido de responsabilidade e vontade de estar nas coisas. Eu fui preparado, quase logo que comecei a trabalhar, para exercer funções em organização do trabalho, actividade que exerci ao longo de quase 30 anos. Daí uma forte intuição para o planeamento e a organização de tudo o que se relacionava e relaciona com a minha forma de viver. R.L. Organização, da qual estamos muito carecidos nesta Empresa, não é verdade? G.F. Eu julgo que não é verdadeiramente assim. Temos de facto problemas com a organização. Aliás, sempre os haverá. A organização perfeita não existe em lado nenhum. Quando se pensa que está atingida, logo concluímos que temos que a aprofundar, tanto mais que vivemos num mundo que se apresenta cada vez mais competitivo, não havendo lugar para empresas ou sectores pouco organizados e não aptos a disputar o mercado em que se inserem. Os ENVC, pela sua complexidade de funcionamento, têm

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forçosamente que ser uma Empresa com uma razoável organização na sua actividade. A construção de um navio envolve um ciclo produtivo intrincado, que exige uma organização mais ou menos perfeita. Repara que o nosso trabalho começa na contratação do navio e, até ser entregue ao Armador, passa por um conjunto muito vasto de fases: pré-projecto e desenvolvimento deste; compra de materiais e equipamentos a incorporar; corte e preparação de materiais, devidamente identificados, de forma a permitir a sua associação; fabrico de pequenos conjuntos, painéis e componentes com encolamento, montagem de blocos e mega-blocos; instalação de blocos em doca, com algum pré-aprestamento, ao nível de encanamentos, mecânica e electricidade, até à flutuação do navio; e, depois da flutuação, toda a fase de aprestamento, com a inclusão definitiva de todos os componentes mecânicos, eléctricos, sistema de encanamentos, mobiliário, decoração e pintura; para se entrar depois na fase de ensaios e entrega ao Cliente, corolário de um trabalho paciente e ordenado. Ora tudo isto não pode ter grandes falhas, tendo em conta os prazos estabelecidos, o planeamento da carga de trabalho, a ocupação de docas, a distribuição regular de mais de um milhão de horas homem, para evitar improdutivos, sem deixar de contar com a ocupação da mão-de-obra subcontratada, e tantas outras exigências que se nos colocam. Devo dizer-te que, nas centenas de visitas externas à Empresa, que ao longo dos anos orientei, nunca encontrei ninguém que não ficasse positivamente surpreendido, diria até encantado, com a orgânica perfeita que utilizávamos na construção do navio. R.L. Ouvindo-te fica-se com a sensação de que, praticamente, não temos falhas ao nível da organização, e este não é o sentimento de quase todos os que aqui trabalham. G.F. Temos muitos problemas, de facto. Não vale a pena escamotear esta realidade, nem aplicar a teoria da avestruz, metendo a cabeça debaixo da areia, deixando todo o corpanzil de fora. O que não somos é a Empresa desorganizada que amiúde lamentamos. Temos muito que fazer e temos descuidado questões básicas que nos estão a custar caro, com reflexos significativos para o futuro, mas não nos podemos esquecer que somos reconhecidos no mercado internacional como uma Empresa que constrói navios com grande qualidade – gabados e premiados – e nos prazos estipulados. Desde o princípio dos anos 90, praticamente, só temos trabalhado para o mercado externo e, de forma relevante, para armadores alemães. Trata-se, por isso, de clientes exigentes, mas que reconhecem que


respondemos bem ao seu grau de exigência. R.L. O que te parece que nos falta para sermos a Empresa perfeita? Perfeita não será o termo adequado já que será algo inatingível, mas que funcione de forma sustentada para o futuro? G.F. A minha envolvência em actividades de múltiplas organizações e a minha participação em fóruns do mais diverso tipo, permitiu que me apercebesse de que quase todas as empresas, sejam ou não da dimensão da nossa, têm problemas idênticos aos nossos ou piores. Pelo menos é isso que ressalta do choradinho – tão tipicamente português – de quem lá trabalha. Acontece que nós estamos inseridos num sector batido por profunda crise e, daí, não podermos falhar em nada. E, mesmo assim, tão cedo, dificilmente seremos uma empresa desafogada. A Solução – Liderança e Organização R.L. Bom, mas afinal, em teu entender, quais são e onde estão os nossos problemas? G.F. Todos nós temos responsabilidades por não conseguirmos fazer dos ENVC uma Empresa mais perfeita e mais funcional. Todos nós podíamos agir para fazer mais e melhor. Acima de tudo, podíamos organizar-nos mais consequentemente. A organização, apesar de começar por cima, é um problema de todos e melhora-se no fazer bem à primeira, com economia de meios e de custos, tentando minimizar esforços físicos – o que não é nada fácil na nossa actividade – e, acima de tudo, trabalhando em cooperação. E, na colaboração, é que nós falhamos muito. Somos muito individualistas, especialmente ao nível dirigente. Combatemos pouco o espírito de quinta que constantemente denunciamos; cultivamos, para além do que é normal, uma certa altivez; não procuramos o diálogo e a entreajuda; alimentamos a divergência à volta de questiúnculas, esquecendo-nos, tantas vezes, que uma empresa só progride desde que o seu funcionamento assente no espírito de corpo e de colaboração activa. É pouco lógico, por exemplo, que o corpo técnico da Empresa, especialmente no topo, não se apresente profundamente coeso e bem entendido, especialmente nas questões fundamentais do nosso funcionamento. R.L. Mas tudo isto devia ser combatido e corrigido por intervenção da Administração, não é verdade? G.F. É obvio que sim. Isto jamais acontece numa empresa privada. Nenhum empresário, porque lhe toca directamente nos resultados de actividade no fim do ano, pactua com este tipo de coisas. A majestade e o orgulho pessoal podem ter lugar na vida privada de cada um, mas jamais na Empresa que nos paga. É um dever de cada empregado rentabilizar o seu desempenho, estimulando e praticando o trabalho colectivo, independentemente da assunção da sua personalidade própria e da defesa dos seus pontos de vista. Só assim este justifica o vencimento que lhe é pago no fim de cada mês. E, de maneira muito especial e activa, nas empresas com dificuldades de sobrevivência, como é o nosso caso. R.L. Estaremos perante uma situação de falta de liderança efectiva? G.F. Uma Empresa que trabalha num sector tão disputado e com tantas dificuldades como é o nosso caso, sempre com a corda na garganta, expõe mais os seus defeitos e os seus males. Quase se poderia dizer que nós não podemos falhar em nada, porque tudo é importante para superarmos dificuldades. Quando uma empresa apresenta avantajados resultados financeiros positivos no fim de cada ano, quase ninguém se apercebe dos males de que a mesma enferma. É tudo um mar de rosas. Mas este não é o nosso caso. Permanentemente são solicitados novos

esforços, muito especialmente ao pessoal directamente produtivo – e bem se sabe como é duro o trabalho da produção nos ENVC, especialmente a bordo dos navios –. Ora, se os resultados não são condizentes com este esforço que é despendido, as pessoas, naturalmente, têm tendência para se tornarem críticas, vislumbrando erros, que às vezes até não existem, que não estão dispostas a tolerar. Desta forma, a gestão devia pugnar fortemente para não admitir enganos, más opções ou a banalização de processos. O pior que pode acontecer numa empresa é a rotina de processos.

“A organização perfeita não existe em lado nenhum. Quando se pensa que está atingida, logo concluímos que temos que a aprofundar” “Somos muito individualistas, especialmente ao nível dirigente. Combatemos pouco o espírito de quinta que constantemente denunciamos” “Logo que surgiram os primeiros resultados negativos, em 1993, era obrigatório que se fizesse uma profunda reflexão, onde tudo fosse questionado” “A presente Comissão de Trabalhadores, cultivando uma certa discrição, age com muita acutilância junto dos diversos poderes” Qualquer entidade, seja ela de que tipo for, tem que ser um corpo permanentemente vivo, que questiona práticas, que corrige erros, que procura fazer melhor hoje do que aquilo que fez ontem, que mede resultados e se revela permanentemente insatisfeita com eles, que inova, que não desfalece perante os fracassos e que pensa que o futuro há-de ser sempre melhor do que o presente. E todos nós sabemos que esta filosofia e este estado de espírito têm que ser incutidos por quem dirige. Porque isto só se consegue através de uma mensagem forte e com as chamadas intervenções cirúrgicas, pontuais e bem localizadas, para corrigir anomalias e, acima de tudo, para colocar os trabalhadores mais capazes e com as características mais adequadas em cada lugar, especialmente nos de maior responsabilidade. Valorizar os Recursos Humanos – Maior Produtividade e Competitividade R.L. Para além dos aspectos mais ligados à gestão do dia a dia, existe a sensação de a Empresa não ter uma estratégia claramente definida. O que regularmente entre nós se diz é que faltam ideias e projectos ao mais alto nível. Também pensas assim? G.F. É óbvio que já há muito tempo nos devíamos ter questionado sobre os caminhos a trilhar. Depois de uma década de excelentes resultados (a chamada década de ouro – 1982/1992), quando a indústria naval definhava em toda a Europa, logo que surgiram os primeiros resultados negativos, em 1993, era obrigatório que se fizesse uma profunda reflexão, onde tudo fosse questionado, tendo em vista a adopção das políticas e das opções mais convenientes, para que os bons resultados de exploração se voltassem a evidenciar. É indiscutível que estávamos muito condicionados pelo mercado, que de cada vez apresentava preços mais esmagados, mas nós tínhamos que nos ajustar de forma conveniente a esta realidade. É verdade que procedemos a alterações significativas no nosso funcionamento, como sejam as de forte redução no efectivo de

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pessoal (em 1982 éramos quase 2000 trabalhadores e hoje não chegamos a 1000), recorrendo sistematicamente à subempreitada, apesar das dúvidas que se colocam nesta matéria, isto é se a subempreitada é bem gerida, os moldes em que a contratação da mesma se faz, disponibilizando ou não estruturas e materiais, a definição de fronteiras do trabalho a realizar e a qualidade deste, etc. Fizemos excelentes progressos também no domínio da produtividade. Todos sabemos a redução brutal das horas homem (Hh) que tivemos na construção de navios. Já referi

possível, dependendo do nosso esforço, empenho e inteligência fazer dele um contrato lucrativo. Na verdade, a realização do contrato de cada navio é a acção mais relevante no contexto da vida dos ENVC. É deste acto que a Empresa está permanentemente dependente. Se o considerarmos como instrumento de análise e o formos comparando com os resultados da execução da obra e toda a envolvente desta, poderemos agir no sentido de estabelecer bons negócios e minimizar custos. E se formos de todo impotentes para tirarmos proveitos financeiros do negócio, temos então que equacionar outras realidades. O que não podemos é aceitar um contrato como o que de melhor se poderia conseguir e, depois de um balanço sumário, constatar os prejuízos e aceitá-los como um fatalismo, dado que o mercado não permite melhor. R.L. Dizes que a CTRA se tem desdobrado em propostas no sentido de melhorar a gestão da Empresa. Achas positivo o trabalho do nosso Órgão mais representativo?

muitas vezes o caso dos navios Rio Mar para a URSS, mas não resisto a citá-los aqui de novo. Na primeira série de navios, numa determinada reunião da Comissão de Trabalhadores com o Conselho de Gerência, o Presidente deste alertou-nos para a necessidade de reduzir rapidamente as Hh por navio, que se situava em 700.000. Segundo ele, teríamos, em curto espaço de tempo, que chegar a 350.000. Era um desafio que também lançava aos trabalhadores, sob pena de o negócio se apresentar em moldes não lucrativos. Ora, é do conhecimento geral que os últimos navios, decorridos menos de dez anos, se construíam com menos de 300.000 Hh de incorporação. Porém, tudo isto não chegou para evitarmos anos sucessivos de resultados negativos de exploração. Obviamente, estivemos e estamos longe de ter feito tudo para termos sorte, porém esta também não nos bafejou. R.L. Invoca-se muito o mau trabalho feito pela área comercial na contratação dos navios, sempre na base de preços insuficientes, a perder dinheiro à partida. Também se comenta a compra do aço e equipamentos, negócio de farta importância, já que detém um peso de incorporação no navio que ultrapassa os 60%. Também pensas assim? G.F. Não tenho dúvidas de que não é nada fácil contratar navios para ganhar dinheiro ou, pelo menos, para não perder. Porém, julgo que nunca agarramos este assunto, crucial no nosso funcionamento e na nossa vida, como devia ser agarrado. Parece-me que nunca quisemos compreender que, no nosso caso, quase tudo se joga na área comercial, isto é, na venda dos navios e compra dos materiais para estes. A Comissão de Trabalhadores (CTRA), ao longo do tempo, não se tem poupado a esforços para fazer passar os seus pontos de vista sobre problemas de gestão da Empresa, quanto a mim com muita visão e realismo, que, se adoptados, no todo ou em parte, algo de novo trariam. Entre as muitas propostas feitas, ao que conheço, está lá a que aborda a problemática da área comercial. Eu comungo do ponto de vista da CTRA, quando diz que a área comercial não pode autonomizar-se em relação ao resto da Empresa e que nenhum contrato pode ser acordado por esta área sem que os restantes sectores, especialmente a área produtiva, estejam bem cientes de que se trata do contrato

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G.F. As Comissões de Trabalhadores sempre tiveram uma intervenção muito activa e rica na vida da Empresa. Às vezes pouco visível e pouco conhecida do grande público, mas de importância marcante na vida desta casa. A presente Comissão de Trabalhadores, cultivando uma certa discrição, age com muita acutilância junto dos diversos poderes e, fruto disso, tem obstado a politicas nefastas, mais em tempos recentes, que bem teriam agravado a nossa situação se tivessem vingado. Pode, pontualmente, na resolução de problemas individuais, onde a clareza não é total, ter um sucesso menor, mas o trabalho, no seu conjunto, é digno de realce. Os trabalhadores e a Empresa só têm a ganhar com uma CTRA forte e interventiva, daí a necessidade de se lhe reconhecer essa importância e não lhe regatear apoios. Concertação e Diálogo Construtivos ajudam ao Sucesso R.L. Pela tua experiência de participação nos Organismos Representativos dos Trabalhadores, qual foi o melhor Conselho de Administração que nos governou? G.F. Para mim, distanciadamente, foi o Conselho de Gerência – na altura a denominação era esta – composto pelo Dr. Luís Lacerda, Presidente e responsável pelo pelouro financeiro e os Engenheiros Óscar Mota, responsável pelo projecto e pelo desenvolvimento e Carlos Pimpão, com as atribuições da área produtiva. Tratava-se de uma equipa de grande profissionalismo, com cada um dos seus membros devidamente habilitado para o desempenho das suas funções, a funcionar de forma colectiva e irmanados no grande objectivo da reorganização e recuperação da Empresa. Foram nomeados num período altamente conturbado – pouco depois do 25 de Abril de 1974 – não só pelo momento político que se vivia, mas também porque os ENVC estavam no fim da 1ª fase de expansão, com toda a Empresa ainda em obras, com o objectivo da construção de navios até 30.000 toneladas. Depois, para agravar a situação, tínhamos o contrato dos navios noruegueses – um contrato histórico – que se revelou ruinoso, por ter sido realizado com o escudo a funcionar como moeda de pagamento, que sofreu uma forte desvalorização depois do 25 de Abril. Foi um período difícil, mas que soubemos, notavelmente, superar, ao ponto de termos sido considerados, de forma insuspeita, a Empresa do ano em 1984 e a Super Empresa do ano em 1985. Eram tempos de contenção. Nessa altura, nem os Administradores dispunham de viatura própria. Entretanto, é ver hoje o número de viaturas distribuídas pelos quadros da Empresa. De salientar também, nesse tempo, o realismo e boa vontade dos trabalhadores, sempre a trabalhar pelos mínimos contratuais e, tantas vezes, a esperar por prestações salariais resultantes de actualizações de vencimentos, os chamados retroactivos.


R.L. No entanto, o Eng. Pimpão esteve aqui de novo há pouco tempo e, ao fim de alguns meses, demitiu-se, quando nós até depositávamos as maiores esperanças no seu regresso. G.F. Bom, o Eng. Pimpão, no seu regresso, caiu num autêntico saco de gatos. Era muito difícil resistir com aquela equipa. Porque o conhecia bem e com ele tinha uma relação de cordialidade, atempadamente, tive o cuidado de o alertar para alguns perigos, mas penso que ele não me levou muito a sério. Acabou por se deixar arrastar para uma questiúncula com o accionista por causa do hipotético fornecimento de material de comunicações para o navio logístico, que não sei quando se vai construir ou se irá mesmo construir-se, e bateu com a porta. Nisto tudo, penso que foi visível a interferência despropositada, por conveniência própria, de grupos de pressão, a partir do accionista, mas, por outro lado, também muita precipitação por parte do Eng. Pimpão. Não sei se este também não foi sensível a alguma informação proveniente de fontes de pouco crédito. Enfim, o que podemos concluir é que saiu sinceramente frustrado este regresso de alguém em quem se depositava muita esperança. R.L. Por falar em navio logístico, a Empresa já tem bem com que se coçar com os navios para a Marinha de Guerra. Este folhetim dos NPO é algo que nos atormenta, admitindo-se já novo adiamento na entrega do primeiro navio. G.F. Acima de tudo, nas devidas proporções, atormenta o país. O que se passa com os NPO não é agradável para ninguém. É uma situação verdadeiramente incómoda para toda a gente – para ser simpático no discurso –, fundamentalmente pelos custos excepcionais que daqui advêm para os ENVC e para o país, ambos a braços com problemas económicofinanceiros de monta. Com esta prática e estes conceitos não havia um único armador no mundo que resistisse. A assinatura do contrato para a construção destes dois navios verificou-se em 15 de Outubro de 2002. Entretanto, desde essa data, os ENVC, com os prazos rigorosamente cumpridos, já fizeram a entrega de 15 unidades, praticamente para o mercado internacional: França (2 químicos), Alemanha (6 container), Israel (2 frigoríficados), Filândia (2 químicos) e Portugal (1 container e 2 cruzeiros). E, pelo que se está a ver, até que saia o primeiro NPO, no mínimo, entregaremos mais 5 navios, quatro deles (container) para a Alemanha. Daí que possamos afirmar que não é por incapacidade técnica da nossa parte que estas duas primeiras unidades ainda não foram entregues à nossa Marinha, que tanta falta nos fazem para substituir navios obsoletos, de elevado consumo de combustível, no patrulhamento das nossas águas. Pessoalmente, tenho esperanças de que, no futuro, em novas unidades, conhecendo o estilo de funcionamento da Marinha e o seu grau de exigência, atendendo à nossa capacidade para dar resposta a situações complexas e salvaguardando, ainda, custos resultantes destes requisitos, tudo será diferente. A Marinha de Guerra precisa de renovar a sua frota e precisa de navios que, em Portugal, somos nós que estamos em primeiro plano para os construir, daí que tenhamos que nos ajustar mutuamente. Uma Vida com Sentido Útil R.L. Voltemos ao início e falemos agora da tua vasta actividade. Para além da tua regular actividade profissional, coordenaste a Comissão de Trabalhadores ao longo de uma década; estiveste com a Coordenadora das Comissões de Trabalhadores da Industria Naval e do seu Grupo Técnico; representaste os trabalhadores na Comissão de Fiscalização da Empresa e foste eleito para nos representar no Conselho de Gerência, embora nunca te empossassem, em desrespeito total da lei; estiveste ligado ao Movimento Sindical; presidiste aos destinos da nossa Colectividade, para promover a

cultura e o desporto; responsabilizaste-te, durante décadas, pela comunicação para os trabalhadores, estiveste na fundação e gestão da Associação Portuguesa de Comunicação Empresarial; produziste livros e revistas que foram premiados à escala nacional; e militaste activamente na política, ao longo de mais de trinta anos, isto para só falar das coisas mais marcantes. Neste momento, há da tua parte a sensação de dever cívico cumprido?

“Seria muito mau tentar minimizar a intervenção dos trabalhadores nas diversas dinâmicas que se vão gerando entre nós. Com os seus pecadilhos próprios, a intervenção dos trabalhadores na vida dos ENVC tem sido de todo positiva” “O Eng. Pimpão, no seu regresso, caiu num autêntico saco de gatos. Era muito difícil resistir com aquela equipa” “O que se passa com os NPO não é agradável para ninguém. É uma situação verdadeiramente incómoda para toda a gente” “Os nossos livros têm tido uma procura surpreendente. Praticamente todos os títulos estão esgotados e alguns vendem-se no mercado negro por preços exorbitantes, algo que não gosto muito de ver”

G. F. As obrigações cívicas são para toda a vida. É dever de todo o cidadão dar o que lhe é possível em prol da comunidade, enquanto tiver forças para tal. É importante, porém, que a família saia o menos lesada possível com as actividades que possamos prestar a terceiros. É um conselho que vale para todos. Infelizmente, tenho que o reconhecer publicamente, eu acautelei muito mal este aspecto. Estou a tentar fazê-lo agora, que já não sou novo. R.L. Em que área te sentiste mais realizado nesta intensa actividade? G.F. Talvez nas questões da cultura, embora tenha lacunas significativas na minha formação de base neste âmbito. Os livros que foram editados pela nossa Colectividade, a que me liguei com entrega total, reconhecidos por alguma informação complementar que prestam à gente que tem preocupações em aprofundar conhecimentos, é algo que me deixa satisfeito. A saída regular da nossa revista ao logo de dezenas de anos, feita sempre na base de um certo amadorismo, nas horas vagas, mas reconhecida como um órgão informativo com interesse, ao ponto de ter sido considerada como revista nacional do ano, no contexto empresarial, em 1999, é algo que me trouxe alguma realização. Da política, actividade que me consumiu tempo incontável, meses e anos sem fim, fico com um certo sabor de frustração, embora continue a ter, na mesma, participações esporádicas. R.L. O projecto editorial é para continuar? G.F. Os nossos livros têm tido uma procura surpreendente. Praticamente todos os títulos estão esgotados e alguns vendemse no mercado negro por preços exorbitantes, algo que não gosto muito de ver. Nos ENVC, algo espectacular, vendem-se em média 600 livros, o que se pode considerar excelente e um

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indicador muito animador da vontade da nossa gente em darse às leituras, tanto mais se tivermos em conta os hábitos de leitura no país e a saída dos livros no plano local. Tem sido esta dinâmica que tem permitido uma muito regular edição de publicações pela nossa Colectividade, felizmente sem prejuízos financeiros. Penso que, de forma mais objectiva, com temas muito específicos, esta actividade deveria manter-se. Tem a palavra a nossa Associação.

formação profissional, foi consequência da minha ligação à actividade na organização do trabalho. Já agora não posso deixar de frisar a acção notável, a partir do Serviço de Formação, que se tem feito na renovação do efectivo de trabalhadores da Empresa. Sem esquecer a formação de activos, este serviço prepara, no plano básico – a formação complementar seguese depois –, em média, 50 novos trabalhadores por ano, fundamentalmente para a área produtiva e, pontualmente, para os serviços do projecto. Nos últimos anos, os ENVC empregaram centenas de jovens, formados na nossa escola e forneceram para o mercado local mais umas centenas. Localmente, é um trabalho sem paralelo, de largo alcance social e de valorização profissional que mais ninguém consegue fazer na nossa região e que não é muito usual no país. R.L. A entrevista já vai longa e, provavelmente não há espaço na revista para tanta conversa. Apenas mais uma ou duas questões. Quase toda a gente, aqui dentro se considera mal remunerada. Pensas que isso aconteceu contigo?

R.L. E sobre reedições. Há muita gente a pedir que se reeditem alguns títulos. Isso vai verificar-se? G.F. Eu acho que há, de facto, um ou outro livro que deve ser reeditado, mas com actualizações, quer no plano dos conteúdos, quer no domínio gráfico. Considero, por exemplo, que o livro “Tesouros de Viana”, que faz um notável levantamento da rica monumentalidade da nossa cidade – uma sinfonia de amor a Viana, como diz o meu Amigo Juvenal Ramos no belíssimo cartoom que produziu sobre o assunto e a quem envio daqui até S. Paulo um grande abraço –, tem forçosamente que ser reeditado. Trata-se de uma obra muito procurada, especialmente por estudantes. Os 2500 exemplares esgotaramse em 3 meses. Entretanto a cidade, nos últimos anos, alterou a sua fisionomia e as imagens destas transformações deveriam ser dadas a conhecer publicamente. Depois, há aspectos que poderiam ser aprofundados e o autor do texto, o nosso excolega e amigo Carneiro Fernandes, um estudioso da história da cidade, talvez o mais entendido entre nós nesta matéria, já me disse que bem gostaria de moldar melhor esse escrito. Por essa razão, no lançamento do nosso último livro “O Mar como Destino”, uma obra também emblemática, que colocamos no mercado nacional, opção que assumimos pela primeira vez, fiz o desafio público à Câmara Municipal, na presença da Vereadora da Cultura, para uma edição conjunta dos “Tesouros de Viana”, que teria o enquadramento perfeito nas comemorações dos 750 anos da cidade. Porém, o Município até hoje não respondeu a esta proposta. Julgo que a nossa Colectividade deveria pensar noutras formas de edição. Provavelmente, encontrar-se-ia um bom patrocinador para o efeito, dado o prestígio que as nossas edições já granjearam. É evidente que uma reedição é sempre um risco, dado que a procura é menor, mas a cidade ficavanos grata. Viana do Castelo é de todos nós, os do presente, como já foi dos do passado e será das gerações vindouras. As pessoas morrem e a cidade fica, assim como ficarão todos os registos que sobre a mesma se produzirem. R.L. Na tua vida profissional há dois grandes momentos. A actividade na organização de trabalho e na formação profissional. Onde julgas ter sido mais útil? Em qualquer uma delas. Aliás, a minha actividade na

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G.M. Na indústria naval, um sector de excepcional dureza, em especial para quem é directamente produtivo, a remuneração salarial é relativamente modesta. Eu sei bem o que é o inferno do trabalho no interior dos navios, já que, há 43 anos, fui admitido directamente para trabalhos a bordo. Não é por acaso que, nos anos 80, na condição de coordenador da Comissão de Trabalhadores, me bati pela inclusão nos cadernos reivindicativos para os Acordos de Empresa, do chamado prémio de bordo. Infelizmente, vá lá o diabo saber porquê, a polémica que se gerou nas assembleias de trabalhadores levou a que a ideia não tivesse vingado. É talvez a minha maior derrota em matéria de propostas reivindicativas com carácter social, e tantas foram as que apresentei. Porém, quero salientar mais o cumprimento íntegro da Empresa na assunção das suas obrigações salariais. Penso que o que escrevi na obra “Os Estaleiros Navais e a Sociedade Vianense”, em 2004, ilustra bem o que penso sobre esta matéria e que passo a citar: (…) uma percentagem significativa dos trabalhadores organizou toda a sua vida a partir da Empresa. Aqui começaram a trabalhar muito novos, aqui aprenderam uma profissão e aqui adquiriram uma cultura que lhes foi fundamental para a sua organização na sociedade. Reconhecem ainda que a entidade que os acolheu nunca deixou de cumprir consigo, escrupulosamente, todas as obrigações, em especial no plano salarial. Em cada mês, ao longo de 60 anos, nunca os vencimentos e outras prestações salariais foram postos em causa, nem se questionou direitos individuais ou colectivos (…) R.L. E para terminar, em definitivo. Esta Empresa, pelas dificuldades que apresenta, vai permanecer no futuro? G.F. Respondo-te citando, de novo, o último paragrafo da obra em que me envolvi por inteiro, nos 60 anos dos ENVC: (…) Viana do Castelo já não vive sem os seus Estaleiros. O seu peso económico continua a ser hoje quase tão importante como era há sessenta anos. Os valores com que continua a influir na região, o emprego que fomenta, o dinamismo e a vida que dá a um conjunto muito vasto de pequenas empresas, só por si, são razões de força para manter activa esta emblemática Empresa da Indústria Naval. Os ENVC são, de igual modo, reconhecidamente, um estandarte da construção naval a nível mundial. No globo inteiro circulam navios construídos em Viana do Castelo e a mão-de-obra de Viana é reconhecida internacionalmente como das mais qualificadas. De admirar seria que esta unidade industrial não continuasse a ser um dos melhores divulgadores da competência e da capacidade construtora do País, externamente. Como se costuma dizer, os guindastes dos Estaleiros Navais, bem visíveis à distância, já fazem parte da fisionomia da cidade e, por isso, se tornam indispensáveis. Estaleiros e Viana são indissociáveis, portanto vão continuar a caminhar juntos (…).


PANORÂMICA DA NAVEGAÇÃO FLUVIAL Publicamos nesta edição, a conclusão deste trabalho da autoria do Eng.º Óscar N. F. Mota, cujo início poderá ser encontrado na edição da revista N.º 97, de Dezembro de 2007.

2.2 – O Tejo Falando deste rio é inevitável citar o Plano de Regularização do Rio Tejo, de que a refª 16 é o volume final. É proposta uma política de desenvolvimento integrado, em que teria expressão significativa o ordenamento hidráulico de toda a zona aluvionar do rio, impondo-se a sua realização “como condição de sobrevivência duma das regiões mais férteis do país”. Na refª 8 a óptica é diferente, essencialmente relacionada com investimentos estruturantes a realizar para evitar a tendência de desertificação do Alto Alentejo e da Beira Baixa. É proposta uma via de navegação até à barragem de Belver, através da criação de barragens em Almourol1, na foz do Alviela e em Muge e das restantes infra-estruturas necessárias para permitir a passagem de embarcações, não muito diferentes das que sulcam o Douro.

e persistência necessários para levar as embarcações rio acima e rio abaixo. Não deixa de ser irónico que a persistente inclusão de eclusas nos projectos das barragens do Douro, era justificada pela exploração dos minérios de Moncorvo. Minério esse, que há 60 anos era transportado para Leixões via caminhode-ferro e depois embarcado para o Seixal2. No estudo já citado em que colaborámos em 1980, considerava-se uma saída anual de 1650 milhares de toneladas de minério de ferro concentrado. O tráfego ascendente seria principalmente de produtos petrolíferos e carvão – tendo como destino principal a central da Tapada do Outeiro –, e totalizando 700 mil toneladas. Para este transporte fizemos o estudo económico de um total de 22 variantes de frotas, com 11 embarcações diferentes. A maior incógnita no estudo, e fonte de quebras de ritmo e de produtividade, era o número de dias em que estava fechada a barra do Douro. O nosso interesse directo era, então, a construção da frota nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. As barcaças auto-propulsionadas, nossas favoritas e que fariam o trânsito directo desde o local de embarque até à Siderurgia, tinham uma capacidade de 2200 de minério e poderiam transportar 2100 m3 de combustível como carga de retorno: barcaças "ore-oil" com transporte destas cargas em compartimentos separados. As suas dimensões principais eram: • • • • •

Chegada de rabelo ao Porto, depois de passar a infausta ponte das barcas (local de tragédia em 1809, quando da invasão do marechal Soult)

Cremos, porém, que a explosão turística possa aconselhar outro tipo de investimentos e de embarcações. Presentemente, o caudal e fundos desde Belver até à zona de influência das marés, são totalmente dependentes das descargas das barragens, condicionadas essencialmente pelas necessidades de produção de energia eléctrica. Nestas condições, a escolha de "hovercrafts" para as viagens turísticas parece óbvia, como já acima referimos. Não seriam aliciantes, por exemplo, passeios de um dia até Belver (com almoço de lampreia, na época própria) e regresso, passando por Vila Franca de Xira, Santarém, Almourol, Constância e Abrantes? 2.3 – O Douro 2.3.1 – O passado recente e os constrangimentos físicos A refª 14 narra-nos o suficiente para fazermos ideia da grandeza das obras que tiveram de ser executadas para, ainda no século XVII, tornar o rio navegável, e do esforço

Comprimento fora a fora – 84m Boca – 11m Pontal – 5,7m Calado – 3,7m Potência de propulsão – 2x650 BHP

Ano

Fechada

Condicionada

Total

1994

60

120

180

1995

100

265

365

1996

71

294

365

1997

59

159

218

1998

-

-

-

1999

34

73

107

2000

76

53

129

2001

49

60

109

2002

69

296 a)

365

2003

37

b)

2004

31

b)

Tabela 2 – Condicionamentos à navegação na barra do Douro (segundo a Capitania do Porto do Douro) Notas a) Durante o ano mantiveram-se os seguintes condicionamentos: comprimento – 56 m; calado – 4 m b) Valores não disponibilizados

13


O cancelamento do projecto de expansão da Siderurgia e até o fecho desta, anularam os belos projectos. Por outro lado, era difícil prever então a explosão turística que se verificaria vinte anos depois. Voltando à barra do Douro, pela tabela 2 podemos ver o grande condicionamento de tráfego que representa (devido, sobretudo, aos assoreamentos) e o enorme benefício a esperar das obras de regularização em curso. Presentemente, os outros dois grandes constrangimentos à navegação são as dimensões das eclusas e a altura livre debaixo de pontes e viadutos. Na tabela 3 reportamos as dimensões principais das eclusas e, na tabela 4, as mais baixas alturas livres.

Eclusas

Profundidade mínima garantida (m)

Largura (m)

Comprimento (m)

Crestuma-Lever

4,2

12,1

96

Carrapatelo

4,2

12,1

95

Régua

3,7

12,1

91

Valeira

3,7

12,1

91

Pocinho

4,2

12,1

88

2.3.2 – O tráfego comercial Uma maneira de nos compenetrarmos das vantagens do tráfego flúvio-marítimo sobre o caminho-de-ferro ou sobre o rodoviário, será considerarmos que um navio corresponde a 100 camiões de 25 toneladas e a 11 composições de 11 vagões de 20 toneladas. A navegação só é permitida durante o dia. É sujeita a maré no percurso barra / ponte de D. Luís, onde é obrigatório Piloto de Mar, sendo para montante obrigatório um Prático de Rio.

Tabela 3 – Dimensões principais das eclusas

Altura mínima livre (m) Período de cheias Período de estiagem Preia-mar 9,8m Baixa-mar 11,5m

Ponte de D. Luís I Passagem sob a porta jusante da eclusa de Crestuma

7

O granito carregado no Douro chega ao seu destino

10,2

Viadutos sobre eclusas

A única exportação significativa é a de granito (cubos, guias para passeios, etc.), oriundo de pedreiras de Penafiel, Entre-os-Rios e Alpendurada. A vantagem sobre a exportação • Carrapatelo 7,5 7,5 por Leixões é a da redução do transporte rodoviário e das • Régua 7,5 7,5 significativas despesas de estiva. • Valeira 7,5 7,5 O porto mais importante é o de Sardoura. Lamego Ponte de Ferradosa 6,6 7,2 perdeu a importância que já teve, e, recentemente começou a ser utilizado o cais de Várzea do Douro. Tabela 4 – Altura livre sob algumas pontes e viadutos A navegação comercial movimentou, em 1994, cerca de 140 mil toneladas de carga, em 79 navios. Todos estes são do tipo rio-mar, frequentando Como consequência da reduzida altura livre, é comum habitualmente os grandes rios europeus, como o Sena e o os navios rio-mar que vêm buscar pedra ao Douro, terem Reno. mastros abatíveis e até estruturas telescópicas. O mesmo sucede com o navio turístico “Douro Queen”, construído Podemos ver, na tabela 6, as dimensões principais de nos ENVC. vários tipos de embarcações de carga, fluviais e rio-mar. •

Crestuma

8,5

Sardoura

8,5

Várzea do Douro

Ano

Navios

Import

Export

Navios

Export

Total Import / Export

Navios

Import

Export

Navios

Carga

Variação da carga (base 100) 100

1994

13

0

15976

1

0

1080

14

17056

1995

5

0

4952

1

0

747

6

5699

33

1996

27

0

36776

0

0

0

27

36776

216

1997

47

5418

59004

10

1438

9194

57

75054

440

1998

49

4159

61723

13

0

11593

62

77475

454

1999

59

2859

67336

19

0

20425

78

90620

531

2000

42

10521

62561

11

1972

10642

53

85696

502

2001

14

2900

14250

12

1520

10240

26

28910

170

2002

36

3030

52816

6

0

6264

42

62110

364

2003

53

4370

86715

26

0

41290

0

0

0

79

132375

776

2004

50

7700

81842

29

0

50299

0

0

0

79

139841

820

Tabela 5 – Movimento de navios e cargas (em toneladas)

14

Import

Lamego


Embarcação

Boca (m)

80

7,5

3,2

1700

x

76,5

11,4

3,7

2565

x

Barcaça Europa I Barcaça Europa IIA Navios fluviais do Rio Grande do Sul (Brasil) Navios rio-mar construídos nos ENVC

Porte (t)

Sim

84,6

14,5

3,2

2700

x

118,8

13,22

3,73

3150

x

84

11

3,7

2200

x

82,45

11,3

3,49

1907

x

Embarcações máx. para o Douro (projecto) Danica (frequentador do Douro)

Imersão (m)

Propulsão

Compr. (m)

Não

Tabela 6 – Dimensões principais de embarcações fluviais e flúvio-marítimas

O potencial de desenvolvimento é ainda muito grande, pois cerca de 90% dos passageiros são, ainda, portugueses. Dos estrangeiros, os franceses ocupam lugar destacado com quase 6%. Há, aparentemente, muita falta de um marketing eficaz. As tabelas 7 e 8 são baseadas estatísticas fornecidas pelo Instituto Portuário e de Transporte Marítimo - Delegação do Douro.

2.3.3 – O tráfego turístico O número de passageiros em cruzeiros no Douro tem tido um aumento impressionante desde há 10 anos: pouco mais de 6 mil em 1994, quase 100 mil em 1999, 180 mil em 2004. Que outra actividade económica teve, entre nós, desenvolvimento semelhante?

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

6440

13658

43484

63042

70114

89284

117213

75856

128186

161159

172406

5882

6299

5444

7564

6824

8285

PASSAGEIROS Turismo Recreio Total

6440

13658

43484

63042

70114

95166

123512

81300

135750

167983

180691

100

212

675

979

1089

1478

1918

1262

2108

2608

2806

Variação (base 100 em 1994)

Tabela 7 – Evolução do número de passageiros transportados

Embarcações eclusadas Turismo

Comerciais

Crestuma

1961

Carrapatelo

1889

Régua

1427

Valeira

845

Pocinho

Passageiros Total

Número

Variação (base 100)

Recreio

Outros

158

387

695

3201

142162

0

725

29

2643

137742

0

511

30

1968

62553

0

533

43

1421

47681

793

0

305

7

1105

52308

Total 2004

6915

158

2461

804

10338

442446

161

Total 2003

5710

158

2165

796

8829

355590

130

Total 2002

4597

82

2128

1987

8794

274340

100

Tabela 8 – Nº de passageiros e embarcações eclusadas (em qualquer dos sentidos) entre 2002 e 2004

Embarcação

Compr. f.f.

Boca

Pontal

Memórias do Douro (tipo rabelo)

30,0m

6,3m

2,0m

Douro Queen (flúvio-marítimo)

78,1m

11,4m

3,3m

Imer.

Passag.

Potência

108

112 kW

1,8m

130

Tabela 9 – Embarcações turísticas

Existe já um total de 47 embarcações turísticas, das quais 5 são barcos-hotel, com uma lotação total de 3760 lugares. Estas embarcações estão a tornar-se um interessante nicho de mercado para os construtores, parecendo-nos de relevar, sobretudo, as réplicas modernas dos rabelos, (construídas em estaleiros de Vila Nova de Gaia) e os magníficos navios da empresa Douro Azul (construídos nos

Estaleiros Navais de Viana do Castelo). Destes navios gémeos, um opera no Douro e o outro no Algarve (faz um percurso de cerca de 38 km no Guadiana). 3 – A ESPECIFICIDADE DOS PROJECTOS Não ficaria bem acabar uma exposição sobre a navegação fluvial sem fazer aceno às especificidades do

15


projecto de embarcações fluviais e flúvio-marítimas. Todos os projectos têm requisitos e condicionamentos de vária ordem, operacionais e regulamentares, incluindo os das zonas marítimas onde actuam. O que frequentemente distingue os condicionamentos das embarcações que

navegam em rios, é o estreitamento dos limites físicos e o aumento das imposições ambientais. Começando pelas características da via, a seguir apresentamos os problemas mais comuns e as soluções que induzem:

Fundos baixos

Limitações de calado, hélices em túnel ou propulsores de jacto

Larguras reduzidas

Estabilidade de rumo

Curvas fechadas

Boas qualidades de manobra, duas linhas de veios, propulsores azimutais

Confluências

Capacidade de manobra e de parar em espaços curtos (sistema expedito de fundear, bloqueamento de emergência dos veios ou dos motores)

Obras de arte baixas

Navios com pequeno “calado aéreo”, mastros abatíveis, pontes telescópicas

Refregas

Atenção à orografia, boa manobrabilidade

Fortes variações de nível

Vigilância mesmo com o navio em repouso, prever refúgios

Objectos flutuantes

Redução ou ausência de apêndices, propulsores protegidos

Quanto aos acrescidos problemas ambientais, eles resultam da maior importância que têm: • Derrames de óleos e detergentes • Esgotos domésticos • Ondulação provocada pelo movimento da embarcação (apesar dos habituais limites de velocidade) e seu efeito na estabilidade das margens • Turbulência e perturbação dos sedimentos no leito do rio provocada pelos propulsores; consequentes efeitos negativos sobre fauna e flora O projectista terá necessidade de novos algoritmos de projecto, para atender a:

• Os navios rio-mar construídos nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo para a União Soviética (entravam no continente num porto do Mar Negro, passavam por Moscovo e saíam no Báltico) – Tinham limitações de comprimento, boca, calado e calado aéreo. O porte era de 3300 toneladas. Já em fase adiantada da construção de um deles, foi necessário instalar um sistema de fundear de emergência e criar um sistema de bloqueio dos hélices; ambos os casos foram resolvidos com alguma felicidade: no primeiro utilizouse o sistema hidráulico das escotilhas para accionar o ferro, e no segundo inventou-se um travão pneumático cujas maxilas apertavam os volantes dos motores principais.

• Resistência ao avanço e propulsão em fundo baixos e margens estreitas • Paragens bruscas e manobrabilidade • Riscos específicos e ambientais (efeito da ondulação sobre as margens e sobre o fundo, emissão de poluentes) A literatura sobre estes problemas é escassa, sendo por isso de saudar o acervo incluído na refª 17i. Como exemplos práticos para ilustrar o que dissemos, podemos apresentar dois casos pessoais: • Uma embarcação para transporte de passageiros na ria de Aveiro, com apenas 60 cm de calado – Para além do elevado coeficiente de finura, tivemos de colocar os hélices em túnel; resistiu surpreendentemente bem na navegação marítima entre o Tejo e o Vouga.

A especificidade dos projectos de embarcações para navegação interior

4 – CONCLUSÕES

Douro Algarve – Navio-hotel, gémeo do Douro Queen, que opera no mar algarvio mas que sobe 38km no Guadiana

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a) Os rios portugueses perderam há um século a sua grande importância económica e humana com o advento do caminho-de-ferro e das rodovias; a formidável indústria do lazer veio, porém, restituir-lhe uma considerável importância económica no tempo presente, com as navegações de recreio e turística e toda a actividade associada. b) Talvez tenha sido a mística do Rio Douro, mais que razões económicas, que inspirou os projectistas das barragens a construírem as eclusas, condição necessária à florescente


navegação que percorre o rio. As potencialidades turísticas estão longe de estar esgotadas, mas o tráfego das cargas no sentido ascendente merecia mais atenção por quem de direito, considerada a economia do transporte fluvial em termos energéticos. c) Nem a Comissão Estratégica dos Oceanos nem Agência Portuguesa de Transporte Marítimo de Curta Distância se preocuparam minimamente com a navegação fluvial. E, no entanto: i. O Tejo tem um potencial que não parece oferecer contestação; será tarde para corrigir o aparente erro da falta de eclusas? Mas, pelo menos, há que preparar o rio para navegação até Belver. ii. O desenvolvimento de actividades ligadas ao Guadiana deveria merecer as honras de projecto nacional,

tal o seu interesse económico e social. d) A indústria naval tem beneficiado alguma coisa com a navegação do Douro, já pela construção, já pela reparação de embarcações. No entanto, o potencial é bastante maior, podendo servir para o arranque da construção de modernas e comercializáveis embarcações de recreio, arranque esse que já tarda. Terminamos com um incitamento: Que a Ordem dos Engenheiros e a Associação das Indústrias Marítimas se empenhem junto de entidades oficiais, para fomentar trabalhos – estudos económicos, de mercado e de viabilidade, projectos integrados –, para aproveitamento cabal da riqueza que os nossos rios representam.

BIBLIOGRAFIA (inclui todas as referências dos textos publicados anteriormente, e deste último) Ref.ª Nº

Autor

Título

1

José González Paz, Novembro 1981

I.er Congreso nacional sobre “Navegacion fluvial en la Península Ibérica” – La navegacion interior en la cuenca del Duero

2

Pablo Ruiz de Azcárate Marset, Novembro 1981

I.er Congreso nacional sobre “Navegacion fluvial en la Península Ibérica” – Del vehiculo de colchon de aire y su explotacion marítimo – fluvial

3

Manuel Díaz-Marta Pinilla, Setembro de 1977

I.er Congreso nacional sobre “Navegacion en la Península Ibérica” – La navegación interior: posible desarrollo en la Península Ibérica

4

Óscar Mota, 1980

A navegação no Rio Douro

5

J. Augusto Felício, 2002

Revista Cargo - Vias fluviais: navegabilidade do Tejo - As “estradas” fluviais ao serviço do desenvolvimento: desprezo ou ignorância - Lisboa: Uma visão do Porto

6

J. Augusto Felício, Fevereiro 2003

Revista Cargo Navegabilidade e navegação no Baixo Guadiana

7

Óscar Mota, Novembro 1981

I.er Congreso nacional sobre “Navegacion fluvial en la Península Ibérica” – La navegacion fluvial en Portugal

8

Óscar Mota, Novembro 1983

Congresso da ordem dos Engenheiros de 1983 – Transportes Marítimos e Fluviais

9

Beça Gil, Setembro de 2004

Douro – Navegabilidade. Que futuro?

10

João Carlos Garcia, 1996

A navegação no baixo Guadiana durante o ciclo de minério: 1857-1917 – Dissertação de doutoramento em Geografia Humana

11

Comissão da União Europeia, 2005

European Transport Policy - Policy Guidelines of the White Paper

12

Câmara Municipal de Viana, 1993

Últimos veleiros do porto de Viana

13

Octávio Lixa Felgueiras, 1993

Arquitectura do rabelo

14

Daniel Pinto da Silva, Fevereiro 1986

Boletim Informativo da Ordem do Engenheiros – Douro: Uma velha via navegável em modernização

15

Jorge Conceição, Júdice Folque e Óscar Mota, 1980

Coastal and inland navigation in Portugal in the eighties

16

Hidrotécnica Portuguesa, 1979

Plano Geral de Regularização do Rio Tejo – Volume Síntese

17

Carlos Daher Padovezi, 2003

Tese de doutoramento – Conceito de embarcações adaptadas à via, aplicado à navegação fluvial no Brasil

NOTA FINAL i

Como exemplo, e por se tratar de soluções de real interesse, transcrevemos duas expressões: • Para estimar a altura máxima de ondas Hmax geradas pela passagem de comboios (Knight):

Hmax =

α1 S-0,33 V2,6 g-0,5

S é a distância do ponto de interesse (a margem mais próxima, na maior parte dos casos) ao comboio (m); V é a velocidade da embarcação (m/s); g é a aceleração da gravidade (m/s2); α1 é uma constante que assume um valor que depende do porte da embarcação (no caso de comboios de barcaças é α1 = 0,60. • Formulação de Norrbin para estimativa de força lateral sobre as margens, provocada por passagens de embarcações. o Para margens verticais

Yvert =

ρ CB B T V2 η0 ( 0,0925 + 0,372 T2 h-2 ) o Para margens inclinadas

Y = Yvert ( 1 + 0,377

η0 k + 19,53 V2 g-1 L-1 k + 0.0673 k3 – 0,0988 T h-1 k3 )

η0 é a razão entre a boca B e a distância entre a linha de centro da embarcação e a margem: k é a inclinação da margem (tg(α) = k-1); h é a profundidade; T é o calado; L é o comprimento; V é a velocidade da embarcação.

O recente anúncio da criação de uma barragem hidroeléctrica em Almourol (ou mais provavelmente a montante de Constância), poderá ter um grande interesse turístico, se convenientemente resguardado. 1

Há 45 anos pudemos observar as operações de descarga de minério na Siderurgia Nacional, com uma excelente cinta transportadora. A carga para bordo tinha sido feita com bons guindastes no porto de Leixões, mas, antes disso, a trasfega do vagão da linha do Douro (via reduzida) para o vagão da via férrea do porto de Leixões (via normal), era feita à pá! 2

17


Actividades na Sede Social Noite de Fado

Foi mais uma iniciativa da nossa Colectividade, numa perspectiva de maior dinamização do espaço da sede social e ainda com o objectivo da promoção do convívio entre os associados. Est e espectáculo aconteceu no dia 2 de Maio. Nele marcaram presença os fadistas Rui Cunha e Elsa Gomes, acompanhados na guitarra portuguesa pelo Francisco Vieira, na viola pelo Júlio Viana e no contrabaixo pelo Henrique Fernandes. A actuação destes artistas promoveu a boa disposição e o encanto do público presente, fazendo-o desfrutar de mais uma noite de música de cunho intimista.

Torneios de Sede A Sede Social do GDCT é um espaço de convívio alargado a associados no activo e a reformados. Nesta perspectiva, os torneios internos assumem particular importância, já que, para além de proporcionarem

agradáveis momentos de lazer, promovem o espírito de coesão e solidariedade entre gerações distintas de sócios. Aqui fica o registo das classificações de dois torneios recentemente realizados.

Torneio de Sueca Classificação

Equipa

Bilhar Classificação

Equipa

Carlos Xavier / Manuel Soares

Manuel Araújo

João Barcelos/ Alfredo Reis

Joaquim Costa

Carlos Brito / António (Fred)

Mário Passos

Carlos Sousa / Carlos Passos

Luis Chinês

Actividades culturais e recreativas Depois de um ano rico em actividades de cariz cultural (2007), que assinalaram o 40.º aniversário da fundação do nosso Grupo Desportivo e Cultural, o espírito organizativo

e dinâmico da nossa Colectividade mantém-se. O ano 2008 tem vindo a ser preenchido com as iniciativas previstas no plano de actividades, sendo de destacar:

Dia Mundial da Criança Este dia foi assinalado com mais uma iniciativa muito especial dirigida a todas as crianças. As portas dos ENVC abriram-se a cerca de três centenas de pessoas, contando crianças, encarregados de educação e alguns professores, para uma visita guiada às suas instalações com o objectivo

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de os visitantes apreciarem, nomeadamente, o navio em construção na plataforma e os navios em aprestamento e reparação. Para além dos filhos dos trabalhadores dos ENVC e associados do GDCT, marcaram presença crianças de diversas escolas e outras instituições de Viana do Castelo.


A visita foi acompanhada por alguns directores do GDCT e de técnicos de prevenção e segurança, que aproveitavam para satisfazer curiosidades e prestarem informações a um público desejoso de obter conhecimento sobre a construção naval. Depois desta pequena visita, seguiu-se a apresentação de alguns equipamentos que a Empresa utiliza regularmente na sua actividade. Nesta exposição de carácter pedagógico, deu-se a conhecer o funcionamento de algumas das máquinas e a sua utilidade, tendo-se, para o efeito, simulado algumas tarefas.

Esta demonstração foi vista com muita curiosidade pelos presentes, tendo em conta a atenção manifestada, quer dos mais novos, quer dos adultos. A iniciativa terminou com uma oferta simbólica, de cariz didáctico, a todas as crianças e com um lanche para todos os convidados, oferecido pela Gertal, concessionária a quem compete o fornecimento do almoço diariamente no nosso refeitório, e pela nossa Colectividade, servido precisamente no local onde cada um de nós almoça em cada dia de trabalho.

Junto à bacia de aprestamento

Máquinas em demonstração

Passeio anual Fomos, mais uma vez, a Espanha Nos dias 7 e 8 de Junho de 2008, aconteceu, mais uma vez, o passeio anual do nosso Grupo Desportivo e Cultural. Realizou-se para os lados de Espanha. Foram dois dias de alegria e salutar convívio. O trajecto, diversificado, foi pela Corunha, Ferrol, Cabo Finisterra, Santiago de Compostela, passando ainda por Vigo, vindo a culminar com um jantar no Brazeirão do Minho, em Vila Nova de Cerveira. Os excursionistas aproveitaram bem a visita ao Museu do Homem, à Torre de Hércules, e regalaram-se com a panorâmica da Praça Maria Pita, na Corunha. Depois, ainda houve uma visita à pequena cidade de Ferrol. Na Corunha restabeleceram-se forças com um bom banho no hotel e jantou-se, acompanhando pela TV o jogo de futebol Portugal – Turquia. Aqui, a alegria recrudesceu, já que ganhamos o jogo por 2-0. No dia seguinte, recuperadas as forças, seguiu-se rumo ao Cabo Finisterrra, onde a visita foi curta mas proporcionadora, de igual forma, de muita satisfação. Depois, foi o caminhar lento, calmo e relaxante até Santiago de Compostela, onde se almoçou. De seguida, visitou-se a Catedral e passeou-se pelo “casco” antigo da cidade. Outro acontecimento desportivo estava presente na comitiva, era o Sport Clube Vianense, que poderia subir de divisão. Eis que vem a noticia, via telemóvel, de que o Vianense tinha alcançado a vitória, a subida de divisão era certa e a satisfação aumentava. Eram 2 dias de acontecimentos positivos. Rumo a Vigo, com paragem para a foto de família, o destino agora já era Portugal. O Restaurante Braseirão do Minho seria o local para culminar mais uma iniciativa que se vem mantendo, já há alguns anos, onde é patente a

alegria o convívio e o companheirismo. No final, os elogios da ordem, pela forma organizada como tudo decorreu. Contudo, não podemos deixar de referir que, para o êxito destas iniciativas, existe um grupo de associados e familiares que colaboram com a organização. Bernardo Sousa Arnaldo Silva

O grupo excursionista, em Vigo

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Caminhadas O Grupo Desportivo continua a cumprir com o prometido aos seus associados no início deste mandato, que é o de lhes incutir o hábito de caminhar. Deste modo, o GDCT iniciou uma parceria com o INATEL, para participar nas caminhadas durante o ano de 2008, sendo de realçar o aumento considerável de participantes nesta actividade o que muito nos apraz registar. Do calendário dos percursos pedestres para a época 2007/2008, começamos por falar do Trilho do convento. Foi em 29 de Março, o dia estava muito propício para uma saudável caminhada, a temperatura estava amena. Um grupo de caminheiros lá partiu, de manhã, com muita alegria para a tão desejada marcha junto ao vale do Rio Neiva ao Antigo Convento de S. Romão. Neste Trilho, aproveitamos para observar a linda paisagem, natural, que ambas as margens do Rio Neiva ofereciam, até subir ao local aonde se ergueu o antigo Castelo Roqueiro e guardião destas terras. Palmilhamos ainda o caminho do Noroeste, utilizado pelos peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela e pretendiam recuperar forças ao passar a noite no antigo Convento Beneditino de S. Romão de Neiva. No convento fomos recebidos pelo simpático Pároco local, que, amavelmente, nos guiou até ao interior do convento, e nos falou de tão admirável obra. A nossa aventura continuou de regresso até chegar ao fim, percorridos que estavam cerca de 16km.

Desfrutar a natureza

Mais uma jornada de um saudável convívio estava a terminar. Foram calorosas as despedidas, para um regresso a casa com um bom exercício físico. Continuando a falar de percursos pedestres, realizouse mais uma caminhada, esta no dia 10 de Maio. Foi na Serra da Cabreira, Vieira do Minho, que percorremos o Trilho do Trovão. Este trilho é misto entre a paisagem agrícola e a rudeza da Serra. Atravessamos o Rio Lage e a zona de exploração do minério, subimos até 1100 metros de altitude e logo encontramos a tranqueta do Talefe e os bosques em que a Cabreira è rica. Percorridos que foram cerca de 15 km, restavam apenas as despedidas e o desejo traçado em todos os rostos, de que brevemente uma nova caminhada iria surgir.

Observar a monumentalidade

E assim aconteceu. Continuamos a falar de mais uma aventura, desta vez o Trilho das Gravuras Rupestres na Serra da Peneda. Este trilho denominado “anfiteatro natural do Gião”, está instalado na bonita serra da Peneda. As rochas desta área de grande beleza, foram aproveitadas para a gravação de motivos de feição pré-histórica. O regresso fez-se pelas vertentes da serra e pelos caminhões rurais de Cabana Maior. De regresso, agora no sentido descendente, reinava a alegria e a boa disposição de todo o grupo, certos de ter passado por esta experiência, uma marcha muito saudável, com um excelente esforço físico despendido, que para quem ainda não passou por esta experiência, venha connosco, dando a todos garantia de querer repetir esta aventura. M. Ramos Estimular a marcha

20


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A Actividade profissional metalúrgica, não é exclusividade masculina! A relação entre a família, o trabalho e as organizações de solidariedade social é complexa, pois que, não deixando de estar envolvida por uma vasta teia de mecanismos económicos, sociais e culturais, envolve algumas componentes fundamentais da vida humana e social. Sendo assim, a análise da articulação entre estas instâncias, obedecendo a regras de funcionamento mais ou menos rígido, mais ou menos flexível, afigura-se crucial para a compreensão dos efeitos individuais, familiares e sociais que daí decorrem (Leandro, M.E. e Ferreira L., 1997:429). Podemos dizer, com toda a certeza, que a relação entre a organização social do trabalho e a família é secular, sobretudo no que se refere às questões de género. Contudo, convém salientar, que, embora essa relação em variadíssimas sociedades revelasse existirem tarefas profissionais e funções similares de índole feminina e de carácter masculino, as tarefas destinadas aos homens e as reservadas às mulheres não foram, nem são, necessariamente as mesmas, em todas as sociedades ou grupos humanos, o que na opinião de Mausset (1986:113) complica em muito o problema das origens. Dito de outra maneira, o problema leva-nos a questionar se a natureza do trabalho feminino e masculino, profissional e familiar está no núcleo da diferenciação fisiológica entre o homem e mulher ou, pelo contrário, na maioria dos casos, fica preso na teia da cultura e das normas sociais. Na verdade, parece evidente, que esta diferenciação é assegurada pela reprodução de comportamentos e atitudes, através de “uma panóplia de mecanismos familiares, escolares, religiosos e sociais” (idem:430) que, a partir dos processos de socialização, vão veiculando nas crianças e nos jovens imagens diferenciadas para atributos femininos e atributos masculinos perante a família, o trabalho e a participação na vida social. Quando nas instituições educativas como a família, a igreja e as escolas se fala de cultura, estão-se referindo, na maior parte das vezes, à denominada cultura clássica. É, no fundo, fazer acreditar, tal como sustenta (Belo:55) que esta foi “responsável pelos avanços mais importantes ao longo da história nas diferentes áreas científicas”. Este tipo de cultura, com desenho androcêntrico, organizou-se e sintetizou-se durante muitos anos, sempre assente nas ideias da classe dominante, nas diferentes disciplinas do saber como a literatura, a arte, a física, a história e as matemáticas, etc. Conhecemos, por isso, o papel mediador da escola entre a “cultura dita popular” e a “cultura clássica”, pois esse está muito bem definido desde a universalização do ensino obrigatório até à actualidade. A escola ocupou-se e ainda se ocupa hoje, em inculcar nos seus alunos uma cultura objectivada, a qual (Sacristán, José: 2000) refere como sendo aquela que acrescenta à condição natural das pessoas, o rótulo de “pessoa ilustrada”. Quero dizer apenas que, para além do poder para outorgar uma “acreditação cultural” (legitima a classificação social), a escola possui ainda o poder de atribuir ordens simbólicas sobre o papel social, das normas morais e de comportamento que os seus alunos devem adquirir em função do seu género. Numa sociedade moderna, a eficácia da Escola, julgo eu, pode resultar da sua capacidade para concentrar-se na diversidade de construções culturais que povoam as salas de aulas. Na verdade, o projecto escolar, para além de orientar-se para a aquisição pelos alunos dos conhecimentos científicos, deve também contemplar a aprendizagem dos conteúdos sociais, para atender a todos os aspectos do desenvolvimento humano. Deste modo, considero que a

22

escola tem o papel fundamental de integrar a diversidade dos indivíduos e cito Alain Torraine, “uma sociedade moder na amputa grande parte da sua criatividade e também do seu realismo, se não associar o espírito racional com o conhecimento da histór ia pessoal, psicológica e social de cada indivíduo”. Neste projecto de escola deve identificar-se um sistema educativo como uma das principais instituições socializadoras e, por isso, o meio capaz de superar a imagem tradicional do homem e da mulher, começando por educar as meninas e os meninos como pessoas livres, independentes e seguros da sua identidade. Nesta perspectiva, impõe-se na sociedade actual compatibilizar alguns aspectos que creio serem relevantes e fundamentais: primeiro, compensar as diferenças de origem (de classe, geográficas, etc.); segundo, promover a reconstrução de conhecimentos e a mudança de comportamentos e atitudes adquiridos nas interacções sociais mantidas fora do espaço escolar. Os conhecimentos estereotipados, atitudes e comportamentos negativos que recaem sobre o género feminino desenvolvem-se na sociedade porque se transmitem na escola. Desta perspectiva, surge a necessidade de desenvolver uma educação mais crítica, no sentido de alcançarmos uma maior equidade de género, pois a desigualdade ainda existente, é um dos factores que mais condiciona a vida dos indivíduos no que se refere à sua identificação como mulher e homem, assente em estereótipos carregados de descriminação sobre o colectivo feminino. Sem pretender enveredar por uma análise exaustiva no que concerne à descriminação do género, esbatida ao longo das últimas décadas, lembro, do ponto de vista pragmático, a directiva comunitária de 1976 (207/76, de 9 de Fevereiro de 1976), que consagra o princípio geral da igualdade entre homens e mulheres perante o trabalho, o que pressupõe existir para ambos uma igualdade de tratamento, salvaguardando em algumas das suas disposições a protecção da mulher grávida e mãe de família. Pode-se dizer que, embora exista esta distinção de tratamento, a mesma fundamenta-se exclusivamente nas diferenças biológicas que decorrem dos efeitos da maternidade, e esta não é apenas uma questão individual e familiar mas de toda a sociedade, ela visa contribuir para a realização de uma igualdade mais efectiva entre homens e mulheres. Idênticas prerrogativas foram consagradas na legislação portuguesa. A Constituição da República Portuguesa consagrou também no mesmo ano o princípio da igualdade entre homens e mulheres. A legislação abundante produzida a partir deste princípio consagrado, veio abolindo os efeitos da descriminação de género em matéria de trabalho, abrindo à mulher o acesso a profissões que antes lhe eram, praticamente, vedadas. Há portanto, a partir de então, por


um lado, a dignificação legal do papel da mulher portuguesa na sociedade e, por outro, o mérito indiscutível da sua afirmação no mercado de trabalho, tornando-se omnipresente em quase todos os sectores de actividade, desempenhando diversas funções no seio da organização da sociedade, que vão desde operária a deputada, magistrada e ministra, realidade essa, que nos permite corroborar a opinião de (Roussel:1991) ao dizer “profissionalmente activas, elas não deixaram de ser donas de casa”.

garanta a qualificação e integração de cada vez mais pessoas de ambos os sexos no mercado de trabalho. Convém lembrar no entanto, a necessidade de algumas empresas e suas organizações em alguns sectores de actividade, adequarem as suas estruturas produtivas através de instalações com espaços físicos adequados e condignos, de modo a garantir a necessária privacidade dos operários (as), imposta pela natural e inevitável diferenciação fisiológica.

Esta breve análise justifica-se para contextualizar a presença, no momento actual, de uma jovem mulher soldadora, a trabalhar nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S.A., na área de pré-fabricação de blocos para os navios em construção, ao serviço da firma metalúrgica Chivarria, Lda., que a integrou na sua equipa no passado dia 19 de Maio de 2008. Quer no passado, quer no presente, os ENVC sempre contaram com largas dezenas de mulheres entre os seus recursos humanos, e o caso presente merece-nos este destaque por ser o primeiro na profissão de soldadora, actividade qualificada e indispensável no processo produtivo da empresa, tendo o facto merecido notícia na imprensa nacional e regional em 24.05.2008

A Roda do Leme não quis deixar de registar esta situação inovadora da presença desta operária, pois há um longo caminho na formação a explorar e a percorrer, sobretudo nas áreas com carências de mão-de-obra, podendo ser colmatadas no futuro com a qualificação de indivíduos de ambos os sexos. Daí, consideramos ser importante ouvir a jovem Mercedes Martins, para nos falar da sua experiência durante o curso de aprendizagem/qualificação de soldadores que está a frequentar no Núcleo de Arcos de Valdevez do CENFIM – Centro de Formação Profissional da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica - e sobre o seu primeiro emprego. Das motivações desta jovem de 21 anos, natural da freguesia de Serreleis, em Viana do Castelo, poderão os leitores compreender, na primeira pessoa, na entrevista que se segue.

Nesta perspectiva, congratulamo-nos com o facto e desejamos que o futuro da formação nesta e noutras áreas

Vitor Calçada

Jovem Soldadora – Uma novidade que pode gerar oportunidade R. L. Mercedes, como surgiu a ideia de frequentar um curso de formação profissional? M.M: A ideia de frequentar um curso de formação profissional surgiu depois de concluir o 9.º ano de escolaridade. Inscrevi-me na escola de Santa Marta no Curso para Técnicos de Contabilidade e Gestão, o qual frequentei, mas as dificuldades que sentia em algumas disciplinas, nomeadamente na Matemática, levaram-me a desistir do mesmo e a desejar frequentar outro tipo de curso. R.L. Qual o motivo que a levou a optar por um curso de aprendizagem/qualificação de jovens soldadores? M.M: Esta opção na realidade não foi minha. A ideia foi do meu pai, actualmente reformado que sugeriu esta opção ao meu irmão e a mim. Posteriormente, convenci também o meu namorado a optar por este curso. R.L. O grupo de candidatos inscritos no curso de formação era composto por indivíduos de ambos os sexos? M. M: Não. Mulheres no grupo só eu. O grupo era constituído por 8 formandos. Aliás, foi a primeira vez que integraram uma mulher nos cursos de soldadura. R.L. Como avalia a experiência de frequentar este curso de formação para soldadores? Sentiu-se integrada durante todo o curso ou em algum momento achou-se discriminada por ser mulher? M.M: A experiência foi excelente. Não tive dificuldades e senti-me absolutamente integrada. Nunca, em momento algum, me senti discriminada pelo facto de ser mulher. R. L: No final de um curso, normalmente, sabemos se a profissão escolhida corresponde àquilo que, na realidade, desejamos fazer na vida. Está satisfeita por ter escolhido o curso de soldadura? M.M: Hoje, estou satisfeita por ter escolhido este curso. Sinto-me realizada pela profissão que escolhi e continuo a fazer formação para dominar outras técnicas de soldadura (TIG) e, futuramente, outras, para evoluir profissionalmente. R. L. Encontrar emprego é sempre um motivo de alegria e

satisfação, mas encontrar o primeiro emprego eleva a auto-estima e o espírito de independência do indivíduo. Como experienciou esse momento? M.M: Inicialmente, o momento foi vivido com muita ansiedade. O meu namorado foi contactado pela firma Chivarria Lda. e eu queria arranjar trabalho também. Confesso que não tinha esperança nenhuma em o conseguir, exactamente por ser mulher. Depois, foi para mim uma grande satisfação, que se estendeu ao resto da família. O Sr. Chivarria tinha apostado em mim. Quero aproveitar esta oportunidade para agradecerlhe todos os esforços no sentido da minha integração, nomeadamente de providenciar junto dos ENVC, S.A., as medidas adequadas e necessárias ao meu bem-estar. R.L. Decorrido pouco tempo ainda, após a sua entrada no mundo do trabalho, considera-se satisfeita no exercício da sua profissão? M.M: Sim sem dúvida. Gosto daquilo que faço e considerome muito satisfeita por ter esta profissão. R.L. Embora ao serviço da firma Chivarria, executa as suas tarefas no ambiente dos ENVC, S.A. O que acha da actividade no sector da construção e reparação naval? M.M: Acho um ambiente excelente e as pessoas também. Considero esta actividade bastante interessante e estimulante. R.L. Enquanto mulher soldadora, tem noção de que poderá tornar-se pioneira. Pensa que o seu exemplo poderá vir a ser seguido por outras, tornando-se numa nova oportunidade de formação e trabalho para as mulheres? M.M: Sem dúvida que sim. Penso que outras mulheres vão seguir o meu exemplo no futuro. Se eu consegui, outras conseguirão iniciar uma carreira nesta actividade. Esta também poderá ser uma maneira de as mulheres encontrarem outras formas de ocupação profissional. R.L. A Roda do Leme agradece a sua disponibilidade para partilhar a sua experiência formativa e profissional e deseja-lhe os maiores sucessos pessoais e profissionais. M.M: Eu é que agradeço a vossa atenção. Muito Obrigada.

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O Olhar do Museólogo

Esta fotografia é hipnotizante: transporta-nos sem esforço para uma realidade diferente da que vivemos, mas que está muito presente num imaginário cheio de recordações boas. De certa forma a imagem conforta-nos. A fotografia é rica e densa, por isso permite muitos olhares, muitas abordagens. Naturalmente escolho o olhar do museólogo. A imagem já foi usada mais vezes pelo seu poder evocativo. O museólogo faz apelo à memória e reconhece esta fotografia de outras edições (pelo menos do livro A Romaria da Sra. d’Agonia, do Grupo Desportivo dos Trabalhadores dos Estaleiros Navais). O museólogo olha para esta imagem e procura identificála, decom pô-la nos seus elementos essenciais. O seu olhar treinado percebe que se trata de uma imagem de um cortejo etnográfico. Ele vê as grades que protegem o carro em que estão sentadas as personagens (este termo não é inocente, mas já lá vamos) que denuncia essa situação. O museólogo gosta do desafio de desvendar a fotografia. Assim, no primeiro olhar, identificou a fotografia como “falsa”. A fotografia não foi captada no seu ambiente real: foi encenada. O casal está a representar. Num segundo olhar, vê mais coisas: repara nos rostos. Vê como estão tisnados pelo sol. Se a imagem é colhida numa situação encenada, não há caracterização capaz de imitar o trabalho do sol e do frio sobre a pele de quem trabalhou uma vida inteira no campo. Depois repara na roupa da mulher. A fotografia é a preto e branco. A mulher está vestida de preto, com um traje que nada tem a ver com as cores berrantes usadas pelas lavradeiras do litoral. O museólogo identifica-a como serrana, com certeza da Montaria. Concentra-se então na decoração da capa, do lenço, no ritmo de “fios” brancos do avental: o segundo olhar mostra-lhe como também é colorido esse negro que a mulher carrega.

A mulher fia e canta. O homem não trabalha, mas acompanha-a tocando uma flauta transversa. Os dois completam-se. Não se olham, porque não precisam de se olhar. Percebe-se nas suas mãos que os gestos que fazem já se repetiram milhares de vezes, que se repetem há muitas gerações. Adivinha-se a cumplicidade entre eles. Estão bem na fotografia. O observador é levado a acreditar que também estejam bem e se completem na vida. Temos assim elementos para um aparente paradoxo: a imagem do casal não é verdadeira, no sentido em que as pessoas retratadas estão a representar o papel de personagens fora do seu contexto original; mas o papel que essas personagens estão a representar não é outro que não… o seu. Depois de decompor a imagem, de exercer sobre ela um olhar “de especialista”, aplicando as técnicas que aprendeu no que leu e que foi adquirindo com a sua experiência, o museólogo conclui que o mais importante nesta imagem é mesmo… o primeiro olhar, aquele que o deixou fascinado. Então percebe que o trabalho do fotógrafo é muito parecido com o que ele próprio tenta fazer: encenar o verdadeiro como se fosse… verdadeiro! E isto no seu ambiente falso: as vitrinas e as paredes do seu museu. O museólogo volta a olhar a fotografia e pensa que gostava de saber o nome desta mulher que fia e canta e deste homem que a acompanha com a sua flauta. E, claro, de ouvir o seu som. E, se não for pedir muito, de conseguir ouvir esse som acompanhado de alguém com quem tenha tanta cumplicidade como o casal da fotografia.

João Alpuim Botelho*

*Mestre em Museologia e Responsável pelo Museu do Traje

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