LER LOUSADA
III CONCURSO LITERÁRIO 2018
© Texto Vários © Ilustrações Vários Design e Paginação Fedra Santos Revisão de texto Adelaide Pacheco © Propriedade e Edição Câmara Municipal de Lousada Direção editorial Manuel Nunes Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em partes, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização escrita da Câmara Municipal de Lousada. Este livro respeita as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Quando avançámos com os livros “Cartas à minha terra”, dirigida aos alunos do 4.º ano de escolaridade, e “A incrível história dos bacalhaus voadores”, para os do 6.º ano, da autoria, respetivamente, de José Fanha e António Torrado – dois grandes nomes da nossa literatura infantojuvenil –, pretendíamos ajudar-te a apreciar ainda mais o prazer da leitura, com a particularidade de o conseguires através de um novo olhar sobre o concelho de Lousada. Ao mesmo tempo, lançámos-te o desafio de dares sequência às obras, através de um texto, coletivo ou individual, pelo qual pudesses, também tu, exprimir a tua criatividade, porque uma obra nunca se esgota na leitura, mas só verdadeiramente frutifica quando prossegue na imaginação do leitor. Os seis textos vencedores do concurso literário “Ler Lousada”, reunidos nesta edição eletrónica, permitem, assim, encontrar escritas muito criativas e novas visões culturais do nosso concelho. Muitos parabéns a todos e continuação de excelentes leituras!
O Presidente da Câmara Municipal Dr. Pedro Machado
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CARTA A' PREZADA ' CAMELIA Turma: 4.ยบ Ano Professor Titular: Luzia Ribeiro Estabelecimento de Ensino: Escola Bรกsica de Lagoas, Agrupamento de Escolas de Lousada Oeste
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Minha querida e prezada Camélia: Ontem, dia de aniversário do José Pedro, um dia cinzento e escuro como têm sido ultimamente estes dias chuvosos de inverno, fomos festejar o aniversário em casa dos seus avós! Sim, em casa dos seus avós que é um local muito acolhedor e imponente não fosse este um nobre local. Por entre pingas de chuva e o nublado do céu podíamos observar ao lado do portão verde, um pouco enferrujado, uma sebe de camélias, que são umas flores vistosas, branquinhas, tão branquinhas que por momentos pensámos que estava a nevar! Mas não estava, não! Eram mesmo umas camélias, uma espécie de flores que nos transmite algum colorido durante os dias tristes de inverno, uma vez que, são árvores que florescem do outono até à primavera. Após o delicioso lanche, uns raios de sol raiaram e nós aproveitámos e fomos fazer umas brincadeiras no seu grandioso jardim. Depois de tanto brincar e saltar, foi tempo de descansar e relaxar! O avô do José Pedro, um grande entendido em camélias, fez questão de nos dar algumas explicações, pois desde pequeno que a sua vida gira à volta das camélias. Disse-nos que lá na quinta existiam muitas variedades de camélias: umas de cores vermelhas, outras rosadas, outras brancas, outras matizadas e raras eram as amarelas. São árvores de porte médio que exalam uma fragância doce
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e suave. Gostam muito de estar entre o sol e a sombra. Esta espécie foi trazida do Japão no início do século XIX e que muitos exemplares já são seculares, ou seja, já têm mais que um século de existência. Era sem dúvida um espaço atrativo onde apetecia ficar e contemplar. A beleza do local e a particularidade daquele cenário natural e bucólico, era o sítio ideal para os amantes de jardins e de camélias. Para o avô do José Pedro, aquele espaço era como um tesouro, era muito precioso. Também nos informou, que as camélias são mesmo importantes e até já se realiza um “Festival da Camélia” em Lousada. Um evento que contribuí para o desenvolvimento do turismo da nossa vila. Por essa altura, os Lousadenses e todos os visitantes têm a oportunidade de apreciar os mais belos e perfeitos exemplares de coleções privadas; de visitar jardins de casas nobres e particulares e de se deliciarem com um saboroso chá ou licor de camélias, dependendo dos gostos, é claro!
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Para quem gosta de dar um pezinho de dança tem também o momento de participar no divertido “Baile das Camélias”. Como podes constatar minha cara Camélia, tu és um ícone de referência por estas paragens! O património natural deve ser preservado, aliás como todo o PATRIMÓNIO! De regresso a casa, cada um de nós levava na mão uma recordação, que não era mais do que uma alva camélia oferecida pelo avô do José Pedro. As nossas mãezinhas apreciaram … Quando tiveres por aí uma nova espécie, não te esqueças de nos enviar alguns exemplares, pois gostaríamos de construir um viveiro com várias espécies de camélias. Aguardamos novidades tuas! E não te esqueças que em Lousada, és a flor RAINHA! ! !
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2.ยบ PRร MIO 4.ยบ Ano
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CARTAS AO VENTO Turma: 4.ยบ Ano Professor Titular: Fรกtima Soares Estabelecimento de Ensino: Escola Bรกsica do Torno, Agrupamento de Escolas de Lousada Este
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o alto da Torre de Vilar um passarinho solitário, avistava o parque e suspirava pela sua amada. – Vento que passas tão frio, traz de volta a minha amada. Aqui estou tão sozinho, à espera da tua chegada! No parque ele sentia-se no meio do nada, pensava que aquele não era mais o lugar maravilhoso de sempre. As árvores estavam despidas com folhas em cima da relva fresca e verdejante. Havia flores dobradas e até engelhadas pelas pegadas do vento. Já não se ouviam as gargalhadas das crianças. Os animais não cantavam e toda a natureza chorava perante este lamento. Enfim, o parque tinha o coração gelado… – Vento que passas tão forte, traz de volta a minha alegria. Estas noites são tão longas e as manhãs tão frias! A mata cobria-se com um manto de tristeza, as teias reluziam com os cristais de gelo, parecendo rendas finas tecidas pelo tempo. Os pinheiros e abetos vergaram-se ao sabor do vento e os azevinhos resplandecentes largaram o seu fruto como sementes. A floresta de sobreiros, faias e carvalhos dançava esta melodia nostálgica e tilintava, quando uma pequena brisa passava. – Brisa que chegas, tão leve. Já oiço um brando cantar, minha amada está de volta, aqui a este altar. A ermida noiva-se de flores aromáticas sobre a encosta oeste, da Serra da Cumieira, levando até ao rio Sousa, um manto de pétalas perfumadas que deslizam pelas águas límpidas e cristalinas e se estendem até às margens férteis do Sousa.
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Mais à frente, nos caminhos, estendiam-se margaridas e ervas daninhas. O sol cintilou como nunca tinha brilhado antes e a paisagem revelou um segredo terno ou seja a sua verdadeira beleza. O som dos pássaros começou a ecoar em todos os lugares. – Já chegaste minha amada, um pedaço de alegria despertou, pois juro anunciar a todos, que a primavera chegou. No cimo do monte a imponente e alva capela de Nossa senhora da Conceição dá sinal de felicidade. Lembrando o aparecimento milagroso e a aproximação da romaria. O parque cheio de flores carregadas com gotículas pequenas e reluzentes como as do orvalho.
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Do alto da Torre de Vilar dois passarinhos entrelaçados cantam à primavera: Primavera, minha amada Já chegaste ao meu coração, A vida do parque melhoraste Com uma varinha de condão.
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3.ยบ PRร MIO 4.ยบ Ano
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CARTA DAS ' MEMORIAS ' DE UMA AVO Turma: CA 4D Professor Titular: Sandra Sousa Estabelecimento de Ensino: Escola Básica de Caíde de Rei, Agrupamento de Escolas de Lousada Este
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erto dia sentada no banco do meu jardim, debaixo da cameleira, em frente à janela da minha cozinha coloquei a minha mão trémula no bolso de um casaco, e lá estava um antigo envelope que dizia “Para a minha querida neta, para que nunca se esqueça de mim"… Abri-o cautelosamente, desenrolei o papel que o mesmo continha e silenciosamente revivi toda a minha história. Tudo começou numa bela tarde de outono. O vento suspirava levemente e fazia levantar as folhas pelo chão, estas desenhavam um quadro encantador. Os raios de sol realçavam a beleza das folhas coloridas que pareciam aves em pleno voo, quando o vento as abraçava e levantava. Também este brincava com as árvores e fazia-as baloiçar como se de uma dança se tratasse! Vejo-a feliz, a brincar por entre a magnífica paisagem, e dá-me alegria saber que o seu pequeno coraçãozinho está longe do medo e do perigo, saber que a minha neta não passará pelo que passei na minha meninice. Lembro-me dela a correr para mim e a gritar bem alto meu nome, abraçandome logo de seguida durante alguns saborosos segundos de amor entre avó e neta. Costumo responder-lhe “– Sim querida!”, com um sorriso de orelha a orelha.
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De forma carinhosa, pede-me para que lhe conte uma história e normalmente o nosso cão, que parece gostar da ideia, enrosca-se no quentinho das minhas pernas! Começo sempre da mesma forma: – Enquanto te vi a brincar, lembrei-me dos velhos tempos, lembrei-me da minha infância, tempos que recordamos sempre pela vida fora, com muita nostalgia, minha querida! Ainda mais agora que já sou velhota. Continuo assim, sem tirar, nem pôr uma virgula a mais: – A história que te vou contar passou-se no ano de 1944. Tinha eu dez anos, tal como tu. Era uma menina amável e muito estudiosa, também era bonita, apesar de me superares, claro… – e rimo-nos – bem, foi um ano difícil! – continuei eu. Era o último dia de verão e tal como todos os pré-adolescentes, aproveitei esse dia ao máximo. Fiquei em casa! Deves estar a pensar que não é propriamente a atividade mais divertida para desfrutar no último dia de férias, mas acredita que no meu tempo era tão agradável ficar a jogar à macaca até o sol se pôr, jogar ao pedreiro e carpinteiro, ou lançar o pião vezes sem conta, na esperança que fosse dessa vez que ele rodasse mais tempo do que o do meu irmão, ou então… simplesmente, ficar sentada na erva acabadinha de cortar com a foice, para levar de alimento aos animais, e sentir aquele cheiro maravilhoso da natureza...
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– Mas… – digo eu com a voz embargada. – "MAS?" – interroga ela – Sempre ouvi dizer que "mas" não alegra uma história, vovó, muito pelo contrário ! – Calma!!! Já vais perceber!!! – respondo-lhe num tom apaziguador. Mas, no dia seguinte, dia do início do ano letivo, recebo uma triste notícia. Já não iria ver mais as minhas amigas, nem sequer me iria reencontrar com a professora… porque … Não iria frequentar mais a escola da aldeia. Nessa manhã, a minha mãe acordou-me bem cedo e em vez da sacola de pano, apenas me entregou um avental para a mão e me levou a casa de uma senhora fina, que vestia trajes longos e cobertos de rendilhados de ouro. Percebi que o meu futuro seria servi-la. E assim foi... passei longos e intermináveis dias a trabalhar e as rotinas eram repetitivas. Acordar, mudar as roupas das camas da Senhora, preparar o seu pequeno almoço, o almoço, limitar-me a dizer que não gostava da comida, mas na verdade apenas tinha vergonha por não saber comer com as “etiquetas” dos senhores ricos. De seguida, lavar a loiça e realizar as restantes tarefas diárias que pareciam nunca mais acabar.
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E quando chegavam os fins de semana, na minha inocência de menina, achava que iria voltar para a pobre, mas acolhedora casa dos meus pais. Mas não… apenas ia visitar a mãe e entregar-lhe o dinheiro que tinha ganho. Passei assim meses sem conta a trabalhar para os meus pais e para ajudar os meus nove irmãos. O meu pai, não trabalhava depois de um grave acidente que o incapacitou e minha mãe tratava da lavoura e dos filhos pequenos. Era uma vida dura, de miséria, muitas vezes com pouco mais que uma côdea de pão e um rabo de sardinha para comer. Só os sonhos que imaginava na minha cabeça me tiravam daquela vida. Eu também tinha um sonho, queria ser escritora… Mas faltavam-me os estudos, apenas tinha completado o quarto ano. Decidi planear “uma estratégia”, muito eficaz, para aumentar o meu conhecimento. Todos os dias, a Dona Adelaide, professora particular das filhas da minha patroa, passava cinco horas a ensiná-las um pouco de tudo: Literatura, Ciências, Matemática, Música, Astronomia, Trabalhos Manuais, tudo o que me agradava saber. Comecei a adiantar o serviço e a cozinha, de manhã, e à tarde, dedicava-me à limpeza da biblioteca, para poder ouvir as lições da professora Adelaide. Deliciava-me com tudo o que ouvia e cada palavra nova enchia o meu mundo de magia. Gostava de folhear os livros, quase sentia o cheiro das palavras e aos poucos fui aprendendo cada vez mais.
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Certo dia, a questão colocada pela professora não teve resposta das meninas, apenas um silêncio ensurdecedor, que levou ao desespero da mesma. Foi então, que timidamente me libertei e respondi: que o último planeta do sistema solar era Plutão! Hoje em dia esta resposta estaria errada, pois nestes tempos modernos, já nada é o que era. De noite, ficava acordada a estudar e muitas vezes, sorrateiramente, pegava nos livros da última estante, pois segundo dizia a professora Adelaide eram os mais valiosos e recheados de sabedoria. Quantas vezes adormecia no chão da biblioteca e a minha cama eram os livros. Mas, certo dia, fui descoberta pela minha patroa, a Dona Elvira. Receei que me mandasse embora e temi o castigo severo do meu pai. Pedi-lhe misericórdia, que me perdoasse, que não me devolvesse a casa, pois queria melhorar a minha vida. Agradeço ainda hoje com gratidão a oportunidade que me deu. Tratou-me como uma filha e permitiu que estudasse, embora continuasse a trabalhar na sua casa. Contei a Dona Elvira todo o meu sonho, pois confiava nela, achava até que ela me ia apoiar até ao último momento. E assim foi, graças a Dona Elvira tornei-me a magnífica escritora que sou, apesar de agora não publicar muitos livros. Mas durante muitos anos tive o meu nome "Maria" gravado na capa de inúmeras obras. Foi um sucesso, não
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havia ninguém que não as lesse, na nossa terra, vila pequena, mas de encanto sem fim. Estou muito agradecida à Dona Elvira por me ter proporcionado tudo o que tive na minha vida. Bem, minha querida netinha que tanto adoro, esta história vivida por mim mostra que nunca devemos desistir dos nossos sonhos, porque por muitos que sejam os obstáculos que a vida nos põe para enfrentarmos , se lutarmos e nunca desistirmos iremos alcançar o nosso objetivo, tal como eu consegui tornar-me a famosa escritora que fui. Espero que nunca desistas do teu sonhos !!! Da tua vozinha que te adora, Muitos beijinhos!!! Maria Depois de acabar de ler esta carinhosa carta, fechei os olhos e meditei sobre cada palavra. Percebi que as memórias não são algo que guardamos na nossa caixinha de lembranças, mas sim algum sentimento forte que atinge o nosso coração de tal forma que nunca de lá sai, tal como a minha querida neta, que estará sempre no meu coração!!!
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E esta carta, tal como todas as outras de avó para neta e de neta para avó, estas sim, são das mais agradáveis e verdadeiras memórias que cravaram o meu coração e o de todas as avós deste mundo, porque só quem tem esse cargo especial é que o pode exprimir, Para todas as avós e netas dedico esta carta… E o vento voltou a dançar por entre as arvores, as flores adormeceram, as folhas pousaram e sol escondeu-se, naquele ambiente de pura felicidade! Entrei em casa pois já era tarde e fechei a porta sentindo-me a mulher mais feliz à face da Terra!
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AS ~ RECORDACOES , DA DONA IRENE Autor: Gonรงalo Dinis Monteiro de Bessa Estabelecimento de Ensino: Escola Bรกsica e Secundรกria de Lousada Norte (Lustosa) Agrupamento de Escolas Dr. Mรกrio Fonseca
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stava uma bela tarde de primavera. A Dona Irene, uma professora já aposentada, como era habitual quando as condições climatéricas o permitiam, passeava tranquilamente pelo belíssimo jardim do Monte do Senhor dos Aflitos com os seus netos gémeos de cinco anos, o João e o Martim. Ao passar por um banco daquele maravilhoso jardim resolveu sentar-se, não porque estava cansada devido à sua longa idade, mas sim porque se lembrou do tempo em que lecionava na escola do primeiro ciclo da Boavista – Silvares. Chamou os netos e sentou-os no seu regaço, bem aconchegadinhos enquanto lhes contava as peripécias vividas com alguns dos seus antigos alunos. Os dois pequenos, de olhos amendoados, cravados no rosto da avó, bebiam sofregamente cada palavra que saía da sua boca, pois sabiam que aí vinha uma das extraordinárias histórias com que a avó deliciava os seus instintos aventureiros. – Sabem, meninos, certa vez, tive um grupo de alunos extravagantes, cheios de ideias malucas! Eram mesmo parecidos convosco, só que um pouco mais velhos. Viviam sempre numa grande inquietude e intitulavam-se como sendo os exploradores do Futuro. Um dia, passaram a aula toda a cochichar e a planear encontros. Já irritada, apontei o dedo para o mais velho, Alfredo Lacerda que era um grande traquina e perguntei-lhe qual era o motivo de tanto cochicho e, sabem o que me respondeu? – Não, avó! Conta-nos, conta-nos o que foi! – pediram os netos em uníssono.
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– Disse-me que tinham estado todos, no fim de semana, na Mata de Vilar, considerada o pulmão do nosso concelho, a construírem abrigos para as aves selvagens nidificarem e que, vindos do nada, surgiram no céu “ bacalhaus voadores”. – Bacalhaus Voadores! – exclamaram os gémeos, extasiados. – Sim, imaginem só! Segundo eles, voavam no céu, de um lado para o outro, ao sabor do vento que também embalava as copas das árvores. Lacerda chegou a afirmar que se tratava de um grupo de exploradores extraterrestres que os estava a observar! – Avó, seriam mesmo extraterrestres? – perguntou o Martim, deslumbrado. – Claro que não! A imaginação faz-nos ver coisas fantásticas e a deles era muito fértil. O que eles viram foram aves migratórias a voar no céu. Na época da migração, principalmente na primavera e no outono, vêem-se, muitas vezes, aves migratórias a voar no céu em forma de V, umas atrás das outras. Uma ave vai à frente e as outras atrás dela, um tanto afastadas para os lados. Assim, elas conseguem poupar energia pois voam na sombra do vento das da frente. O coração não precisa de bater com muita frequência. Este tipo de voo também lhes permite pairarem no ar de vez em quando para descansar e depois continuar o voo. – Uau, avó, isso é incrível! – interrompeu o João que era um pequeno curioso e que se interessava muito pela natureza e pelos animais.
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– Esperem! – exclamou a antiga professora. – Não é tudo! Aqueles alunos tinham cabeças que fervilhavam de ideias como um caldeirão. Alfredo disse-me que, juntamente com Raimundo, António e outros colegas da turma seriam Super Estrelas e, um dia, percorreriam todo o concelho de Lousada, transformados em drones híper rápidos que funcionavam apenas com o poder da mente, e voariam até à magnífica Torre de Vilar e sobrevoariam todos os outros monumentos do românico, todos os magníficos jardins das casas senhoriais, visitariam a necrópole Megalítica de Campelos e, a partir dali, todo o vale do Mesio onde observariam todas as suas vinhas e terrenos agrícolas. – Eles eram mesmo uns grandes aventureiros e tinham ideias fantásticas! – exclamou embevecido o Martim com a história da avó. – Eram uns grandes sonhadores! Segundo me explicaram, a intenção deles era realizar um grande filme-documentário sobre a nossa tranquila e jovem vila de Lousada para depois mostrarem aos turistas a beleza e a riqueza da nossa Terra. Confesso que recordo aquela turma com muita saudade, nunca mais soube o que é feito deles. – confessou Dona Irene. – Esses locais de que nos falaste parecem fantásticos. Gostaria de os visitar. Levas-me, avó? – perguntou o João, entusiasmado. – Eu também quero ir! Posso? Posso? – retorquiu o Martim.
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– Claro que sim! – respondeu a avó. – No próximo fim-desemana vamos ser nós os exploradores e iniciar uma viagem à descoberta de Lousada. Vou mostrar-vos o valor do nosso património, as nossas especialidades gastronómicas, os locais onde podemos praticar desporto e a beleza da natureza para que aprendam a preservá-la e conservá-la. – Obrigado, querida avó! – agradeceram os rapazes. – Vai ser uma aventura incrível! Vamos ser nós a fazer esse tal filme-documentário sobre a nossa Terra. E, regressaram a casa, acompanhados pelos últimos raios de sol que ao longe se punha, contentes e confiantes de que um dia seriam eles a mostrar ao mundo a terra onde nasceram.
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O DIA EM QUE O HOMEM E O SONHO DEIXARAM DE ' SER INVISiVEIS Autor: Rita Brochado Duarte Estabelecimento de Ensino: Externato Senhora do Carmo
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Capítulo I depois do VII
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er o homem invisível trouxe várias circunstâncias inusitadas à vida do próprio. Sem saber onde o procurar e muito menos encontrar, sem rasto nem presença, evidenciou o quanto a evidência do corpo é importante. Somos também o que vemos, somos também matéria, por muito que isso para alguns pareça pouco. O tempo passava e o grupo mantinha a ideia de realizar o tal filme. Sempre que se juntavam na famosa arrecadação, espécie de antecâmara de eventos carregados de surpresas, o assunto filme saltava para a conversa. A ideia foi sendo cozinhada e, dito isto, já imagino o homem invisível a sonhar com uma certa posta de bacalhau, com a altura certa e a cura desejada, regada com um azeite extra virgem que dará ao palato vontade de aplaudir e ao sistema digestivo algumas garantias de melhor funcionamento. Trataram de recolher informação que foi saindo aquando de cada conversa e um dia, mais concretamente a vinte e oito de fevereiro, até porque seria naquele dia ou ficaria para daqui a quatro anos, a reunião do grupo serviu apenas e este apenas tem muito que se lhe diga, para preparar a realização do tão desejado filme.
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As filmagens recairiam sobre a cobertura de um evento absolutamente épico e nunca visto, quer por esta vila, quer por todas as outras circundantes ou mesmo outras muito mais afastadas, devemos mesmo incluir cidades e alargar o sentido inusitado da iniciativa ao resto do mundo. Levariam avante uma espécie de festival aéreo de “Drones Humanos”, ou seja, abririam inscrições para todos aqueles que tivessem vontade de mostrar o quanto eram afoitos às artes de voo sem qualquer tipo de ajuda mecânica. Estamos a falar do cumprir de um remoto sonho da espécie humana que sempre sentiu desejo de voar. Este desejo parece estar relacionado com a vontade do ser humano ir além das suas prisões, dos seus limites, abrir horizontes e voar ao sabor do vento a caminho do infinito. Muitas foram as tentativas ao longo da história, pois o homem começou cedo as suas façanhas voadoras; não demorámos a perceber, que para as artes do voo, estávamos próximos das galinhas e das avestruzes. Salvou-nos o nosso lado criativo e fomos criando apetrechos e artefactos que nos ajudassem a planar e, por aí adiante, até chegarmos à asa delta e ao para-quedas (todos os outros inventos não entram em conta, pois são demasiados tecnológicos para estas considerações).
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Essa espécie de mito humano seria posto à prova e a vila seria testemunha das maiores façanhas. Já havia nome para o evento, “Mostra que Sabes Voar”, unanimemente aceite, os flyers seriam produzidos e, através da Net, chegariam a todo o mundo. Criaram o site, “Voaço” e disponibilizaram toda a informação em várias línguas. Enviaram, também, informação para rádios e canais televisivos alternativos e mantiveram várias escalas de serviço numa linha de atendimento que se baseava nos números de telefone de todos os envolvidos na iniciativa. Respiraram fundo e ficaram a aguardar a massificação de inscrições para o evento. Compraram duas caixas de canetas, resmas de papel de impressora e mudaram os tinteiros. Então – Ação!
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Capítulo II depois do VII
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m grupo somos capazes de fazer coisas verdadeiramente fora da caixa, para o melhor e para o pior. Quando inseridos no grupo, o meu eu passa a fazer parte de nós e quando a partilha é verdadeira e inteligente todos podem sair a ganhar. Passamos a acreditar que muito do que desconfiávamos é possível, ganhamos força extra e a capacidade de assombrar as adversidades. Foram passando alguns minutos, depois horas, às quais se seguiram dias, e apenas tinham recebido comunicações algo para além ou aquém do verdadeiro objetivo da proposta. Tiveram de informar várias vezes que o site “Voaço” nada tinha que ver com a Força Aérea Nacional, que a prova não tinha qualquer relação com corridas de pombos ou parque radical, nem com saltos acrobáticos para a água e muito menos que se tratava de uma companhia aérea com tarifários abaixo de Low Cost (género passagens aéreas em regime de meio voo, com escalas em montes e serras ou qualquer outro local elevado). Relativamente às respostas recebidas, sentiram um efeito frio e vazio no estômago. Aliás, este continuava a dar si-
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nais de revolta devido ao estado ansioso que caracterizava todos os elementos do grupo. Em reunião de emergência debateram até à exaustão argumentos e contra argumentos e chegaram à conclusão que tinham sido demasiado arrojados na proposta e no enquadramento do desafio. Ninguém sentiu o desafio como eles sentiram, ninguém se sentiu desacomodado como eles se sentiram, ninguém respondeu. Não se apaga uma inquietação coletiva com algo de somenos. Imbuídos de nobre espírito decidiram levar a iniciativa até ao fim. Construíram eles mesmos um engenho que os ajudasse a voar e fariam o filme desse momento. Fosse ele, o filme claro está, uma curta-metragem ou uma longametragem, teriam provas cinematográficas de uma aventura com inclusão dos vários géneros cinematográficos. A ação podia iniciar-se com um toque de comédia e suspense e evoluir para algo trágico ou, em bom momento, para qualquer coisa de épico. Uma certeza todos tinham: desse para o que desse, seria sempre para mais tarde recordar.
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Capítulo III depois do VII
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esistir não é hipótese que se deva sequer colocar. Quanto se avançou nas mais diversas áreas de conhecimento, porque houve alguém que persistiu, que contrariou o instituído, que viu mais à frente o que mais ninguém teve capacidade para ver? O acreditar pode colocar-nos na ténue fronteira entre a teimosia desmedida e a conquista do mais inspirador feito. Tudo depende da inteligibilidade do acreditar. O trabalho de pesquisa foi árduo, recorreram a todas as fontes de informação que puderam, foram dias e dias sem descanso. Todos procuraram e todos encontraram algo para debater, para esclarecer, houve sempre espaço para o diálogo, mesmo quando as opiniões estavam em sério contraste. Como normalmente o todo é maior que a soma das partes, conseguiram “arquitetar” um engenho cujas partes separadas de nada serviam, mas, “montadas” as peças, tudo parecia fazer sentido, pelo menos na imaginação de cada um. A realidade, às vezes, funciona como um choque e acreditamos que, desta vez, tudo será exatamente como o sonhado.
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Desenhos, esquiços, maquetas, construções em três dimensões e, finalmente, recolha de material para a inspirada construção. Foram trazidas três barras de alumínio que suportavam uma barraca de campismo, arame de um estendal, várias cordas que estavam arrumadas na arrecadação e um pano forte e consistente usado numa barraca de praia na Póvoa de Varzim. Trouxeram também uma máquina de soldar que foram pedir a um amigo mecânico. O projeto dava aso a uma ficha técnica vasta e complexa. A montagem resumia-se a soldar os ferros trazidos formando uma espécie de T invertido, os arames reforçariam a estrutura e as cordas segurariam o tecido formando uma espécie de vela invertida. A estrutura era leve e sólida sem grandes avanços tecnológicos e sem grande tecnologia de ponta. Estava pronta. Faltava saber quem seria o “piloto” de tal engenho. A unanimidade voltou a funcionar e a escolha recaiu no homem invisível, que por ser invisível parecia leve e fácil de transportar.
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Capítulo IV depois do VII
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os pássaros criados nas gaiolas, o voo dos outros pássaros parece um acontecimento estranho.
O grande dia chegou, ou seja a noite do grande dia. O plano de voo incluía reunião prévia no local escolhido, já com o transporte do engenho feito e os preparativos ultimados. Estavam todos a postos, só tinham dúvidas em relação ao homem invisível que fez o favor de colocar purpurinas por todo o corpo, o que lhe dava um ar de pirilampo intermitente, meio psicadélico, e com jogos de luz conforme a luz do luar. De forma corajosa deu-se a prender à estrutura e, pela primeira vez, sentiram a sua corporalidade. Estava inquieto e sentia no meio do turbilhão de pensamentos, que tinha chegado a um momento curioso. Seria visto por todos, ele que nunca era visto por ninguém. Tudo pronto, câmara, luzes e ação. Esperou-se um breve instante, um inspirar e expirar e o salto foi dado. Viram um autêntico Bacalhau Voador. O filme revela uma tempestade de luz, uma estrela cadente, uma ave de cores nunca antes vista, mostra um voo sem fim, onde se vê leveza, alegria e sonho e, no meio de muita informação imprecisa, vê-se um sorriso que ilumina, mais do qualquer outra luz, o amanhecer deste dia feliz. MARÇO DE 2018
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A VILA DOS BACALHAUS Autor: Guilherme Miguel Ferreira Sampaio Estabelecimento de Ensino: Escola Bรกsica e Secundรกria Dr. Mรกrio Fonseca (Nogueira) Agrupamento de Escolas Dr. Mรกrio Fonseca
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ra uma vez uma pequena vila com cerca de cem habitantes, onde os seres não eram humanos, mas sim bacalhaus. Esta vila situava-se no oceano Atlântico, onde tudo é sossegado e pacífico. As casas eram feitas de pequenas pedras, com areia no meio, semelhante ao cimento das nossas casas. A decoração era composta de algas, seixos e conchas desabitadas. A vila era feliz e animada. Faziam-se grandes festas e comia-se bem, do melhor que havia! Praticavam-se jogos e brincadeiras muito divertidas para crianças e adultos. Sempre que havia brincadeira era ótimo, porque não havia aulas nem trabalho para ganhar dinheiro. Um dia, as pessoas começaram a desaparecer misteriosamente, sem deixar rasto. Os habitantes não entendiam e achavam estranho tal desaparecimento. Os residentes reuniram-se num lugar que era destinado às reuniões da vila. O chefe chamava-se Henrique. Ele era um homem, quer dizer um bacalhau, esperto e corajoso que antes preferia ser morto do que deixar morrer um dos seus cidadãos. Mas, voltando à reunião, todos pensavam que o desaparecimento era magia. Todo não… o Henrique tinha uma opinião diferente: pensava que havia outras formas de vida noutros locais, além do mar. As pessoas não acreditavam nele, pois sonhava com isso todas as noites. Algumas até pensavam que ele era “tolinho” e não devia ocupar um cargo de tamanha responsabilidade.
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Como o voto dele valia cinquenta por cento da decisão, nada ficou decidido. A única coisa que saiu dali foi o descontentamento dos moradores. Os moradores não o queriam no poder, pois afirmavam que ele não concordava com as suas ideias, pois tinha a mania de que existiam animais fora de água e não voltava atrás nas suas ideias. Decidiram conversar com ele e dizer-lhe que não o queriam no poder. E assim foi. O Henrique questionou-os para tentar perceber o motivo de tal decisão e eles responderam-lhe: – Não te queremos como chefe porque não concordas com as nossas ideias e estás obcecado com a ideia de que existem animais fora de água. Alguns dias depois, houve eleições para eleger um novo chefe. Havia nove candidatos, incluindo o Henrique, que não queria perder o seu cargo. Durante as votações, ocorreu uma tragédia: um objeto voador não identificado apanhou a população quase toda e elevou- a no espaço. O Henrique, que também foi apanhado, tentou que todos se acalmassem e começou a pensar: “Então eu tinha razão. Existe mesmo vida fora de água. Todos pensavam que eu era tolo.” Os bacalhaus que foram apanhados matavam-se, sem motivo algum. Os que estavam junto à rede morreram esmagados e os restantes mataram-se uns aos outros. Em voz alta, o Henrique ordenou:
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– Acaaaaaaalmem-se! Eu ainda sou o vosso chefe e estou a dar-vos uma ordem! Obedeçam-me! Todos ficaram calmos e ouviram o chefe bacalhau: – Estamos numa situação de risco, mas ainda podemos voltar para a nossa querida vila dos bacalhaus!- Continuou. E assim foi. Mantiveram a calma e mantiveram-se sossegados. Alguns minutos depois, saíram fora de água, mas mal conseguiam respirar. Viram animais muito esquisitos, que não nadavam e todos pensaram: – Devem ser sobrenaturais! Nunca iremos conseguir derrotá-los. Mas Henrique, que era valente e nunca desistia, afirmou: – Não sejam medricas! Vamos voltar para casa num abrir e piscar de olhos. Mas não foi isso que aconteceu. Os animais levaram os bacalhaus para um objeto muito estranho. Soltaram-nos das cordas, separaram-nos e voltaram a juntá-los. Que grande confusão! Não havia qualquer hipótese para eles: praticamente não conseguiam respirar, pouco se mexiam e quase morriam de aflição. Entretanto, o Henrique teve uma ideia e decidiu fazer uma reunião de urgência, na qual transmitiu: – Temos de reunir forças para conseguir fugir daqui. – Siiim! – Gritaram eles, todos contentes, porque achavam que o Henrique tinha tido uma ideia brilhante. O mais forte dos bacalhaus batia no objeto grande. Os
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animais malvados foram tentar apanhá-lo e, enquanto isso, os outros feriram-se num objeto pontiagudo, mas sem grande gravidade. Quando os animais repararam, pensaram que os bacalhaus estavam mortos e disseram: – E agora? O que vamos dizer ao nosso chefe? Contamos-lhe a verdade? Explicamos que foram de encontro a uma lâmina e morreram? – Não! – Discordou um deles. – Vamos atirá-los para o mar e dizemos-lhe que não conseguimos apanhar nada. E foi isso que aconteceu: atiraram os peixes para o mar, mas sentiram-se desiludidos por não apanharem nada para levar ao seu chefe. Finalmente, os bacalhaus estavam sãos e salvos, e tudo graças ao Henrique. O povo estava animado e fizeram uma enorme festa. Um elemento, escolhido por todos, disse ao Henrique: – Henrique, pedimos-te desculpa, porque não acreditamos em ti e por te querermos destituir do teu cargo. – Eu aceito as vossas desculpas!- declarou o Henrique. Assim, ele continuou como chefe da vila e viveram felizes para sempre.
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