Ecossistemas Costeiros - Impactos e Gestão Ambiental

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MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI

ECOSSISTEMAS COSTEIROS IMPACTOS E GESTÃO AMBIENTAL

Maria Thereza Prost Amílcar Carvalho Mendes Organizadores

Belém, 2013


GOVERNO DO BRASIL Presidente da República

Dilma Vana Rousseff Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação

Marco Antonio Raupp

MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI Diretor

Nilson Gabas Júnior Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação

Ulisses Galatti Coordenadora de Comunicação e Extensão

Wanda Okada

NÚCLEO EDITORIAL DE LIVROS Editora Executiva

Produção editorial

Iraneide Silva Editora Assistente

Iraneide Silva Angela Botelho

Angela Botelho

Projeto gráfico, capa e arte final

Editora de Arte

Andréa Pinheiro Apoio Técnico

Tereza Lobão

Andréa Pinheiro Produção e tratamento de imagens cartográficas

Amilcar Mendes Ficha catalográfica

Coordenação de Informação e Documentação • CID/MPEG Impressão Instituição filiada

Gráfica e Editora TrêsC Belém-Pará

Ecossistemas Costeiros: impactos e gestão ambiental. Organizado por Maria Thereza Prost e Amilcar Carvalho Mendes 2. ed. rev. atual. – Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2013. 220 p. il. ISBN: 978-85-61377-66-3 1. Meio Ambiente – Região Norte – Brasil. 2. Meio ambiente – Região Nordeste – Brasil. 3. Meio Ambiente – Guiana Francesa. I. Prost, Maria Thereza, org. II. Mendes, Amilcar Carvalho, org. III. Título. CDD. 333714098 © Direito de cópia/copyright por/by Museu Paraense Emílio Goeldi, 2013.


APRESENTAÇÃO Os ecossistemas costeiros acompanham a história de nossa civilização, marcada pelas condições sociais das populações que a construíram. Fundamentais para as populações litorâneas, eles refletirão sempre a abundância, enquanto seus recursos forem deixados livres para se multiplicarem ou a escassez, os conflitos pela ocupação e o uso do espaço nas cidades e nos campos, onde a falta de oportunidades de vida conduz populações a destruírem suas próprias fontes de alimentos. Os manguezais encontram-se entre os mais importantes ecossistemas da costa norte do continente, principal “traço de união” da paisagem litorânea, estendendo-se quase sem descontinuidade entre o Delta do Orenoco, na Venezuela e a Baía de São Marcos, no Maranhão. Eles crescem e se desenvolvem na interface entre o continente e o oceano. Na zona de balanço das marés, penetrando pelos estuários, em uma dinâmica de fazer e refazer. Fronteira em eterno movimento, na transição água salgada – água doce, onde o destruir aqui representa a reconstrução mais além, onde o equilíbrio dinâmico entre as forças do mar e da terra significa a permanência de uma vegetação específica, de alta resiliência. Os bosques de manguezais, adaptados de forma exemplar ao ambiente costeiro, sustentam uma extensa cadeia alimentar, frequentada por uma clientela variada, que inclui desde animais e plantas microscópicas, até importantes comunidades humanas, desde os primórdios da civilização. Como principal agente de ordenação da ocupação e do uso do espaço, o Estado tem se municiado cada vez mais de instrumentos para a execução de ações de ordenação com proteção ambiental. Contudo, enquanto as tecnologias de análise especial se sofisticam, nem sempre a aplicação das mesmas à vida concreta de nossas sociedades tem obtido os resultados esperados. O Estado, enquanto responsável pelas tomadas de decisões tem aplicado as ferramentas tecnológicas na costa norte e nordeste do Brasil, a despeito das dificuldades infraestruturais e da disponibilidade de recursos humanos qualificados. Ainda assim, há mais perguntas do que respostas. Nesse quadro, dependemos cada vez mais da participação efetiva das comunidades para elaborar a agenda e atingir as metas de preservação desejadas. Esse processo de reconstrução social da natureza é uma constante no início do segundo milênio. A transcrição do saber tecnológico em termos de desejos humanos e objetivos sociais precisa ser facilitada, potencilizada pela construção de práticas de participação centradas no conhecimento, gerando decisões que revertam em benefício das sociedades humanas e dos ecossistemas. Esta coletânea de textos oferece uma contribuição ao conhecimento sobre a dinâmica, a formação e os problemas socioambientais do litoral norte e nordeste do nosso continete e da Guiana Francesa. Um litoral caracterizado, em grande parte, pelo sistema de dispersão amazônico, único em suas dimensões físicas, biológicas e sociais, com possibilidades inéditas e problemas ainda localizados, favorecendo a adoção de novas fórmulas de desenvolvimento que considerem as questões ambientais, econômicas e sociais de maneira integrada e indissociável. Nesse contexto, o estabelecimento de parcerias entre o Estado, o setor produtivo e a sociedade transforma-se de necessidade em urgência, e o conhecimento sobre os ecossistemas locais revela-se de fundamental importância para o uso sustentável dos recursos. Este trabalho foi organizado com a perspectiva de aproximar, pela via do conhecimento, os diversos atores do desenvolvimento. Uma aproximação que ultrapassa os limites da contemplação, da admiração, para contribuir para que nossas sociedades somem esforços, não somente para a preservação da dinâmica natural


desses ecossistemas, mas, sobretudo, para a recuperação de quem tem sido sacrificado em nome das urbanizações inconsequentes ou não planejadas, combinadas com a expansão produtiva insustentável das últimas décadas. Henrique M. de Barros Universidade Federal Rural de Pernambuco


AGRADECIMENTOS A reimpressão desse livro foi motivada pela significativa demanda ainda hoje registrada, mesmo decorrido um pouco mais de uma década de sua publicação. Além disso, cabe registrar o entusiasmo de muitas pessoas e apoio de instituições a essa nova proposta, aos quais registramos os nossos profundos agradecimentos. Ao Banco da Amazônia S/A, agente promotor do desenvolvimento integrado da região amazônica, pelo aporte financeiro ao Projeto “Ecossistemas costeiros: impactos e gestão ambiental”, no âmbito do Edital de Patrocínio 2012. Ao Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), pelo endosso institucional ao projeto. Aos autores e coautores dos trabalhos reunidos nesta coletânea, pela confiança e por acreditarem na proposta de reimpressão de um produto bibliográfico multi-institucional e interdisciplinar, elaborado em redação coloquial, acessível a um público-alvo diversificado. Ao Núcleo Editorial de Livros do Museu Paraense Emílio Goeldi (NED livros/MPEG), em particular a Iraneide Silva, Angela Botelho, Andréa Pinheiro e Tereza Lobão, que foram incansáveis e não mediram esforços para que esta obra fosse concluída. Aos colegas pesquisadores, bolsistas e ex-bolsistas do Programa de Estudos Costeiros do Museu Paraense Emílio Goeldi (PEC-MPEG), por persistirem no fortalecimento das pesquisas científicas multi e interdisciplinares, voltadas para o conhecimento sobre a estrutura e funcionamento dos ecossistemas costeiros, o desenvolvimento sustentável e à melhoria da qualidade de vida das populações costeiras da Amazônia.

Maria Thereza Prost Amilcar Carvalho Mendes



SUMÁRIO Apresentação Agradecimentos Introdução PARTE I • DINÂMICA E FUNCIONAMENTO DE ECOSSISTEMAS COSTEIROS A gestão do meio costeiro: abordagem espacial e multidisciplinar do ambiente litoral amazônico .............................................. 13 Christophe Charron – Kathy Panechou – Fréderic Huynh – Antoine Gardel

Alterações ambientais de origem natural e antrópica na vegetação litorânea do nordeste do Pará ...................................................................................... 25 Maria de Nazaré do Carmo Bastos – João Ubiratan Moreira dos Santos Dário Dantas do Amaral – Salustiano Vilar da Costa Neto

Análise multitemporal da dinâmica espacial de manguezais em São Caetano de Odivelas, Costa Nordeste do Pará, Brasil ......................................................... 35 Jean François Faure

Estruturas arquiteturais dos bosques de Avicennia germinans e Rhizophora mangle: elementos diagnósticos da dinâmica de manguezais das margens do rio Marapanim (Estado do Pará, Brasil) ................................................................... 47 Denis Loubry – Maria Thereza Prost

Videografia digital para gestão ambiental e aplicação cartográfica – ilha de Mutucal (NE do Pará) ............................................................................................................ 63 Frank Timouk – Christophe Charron – Kathy Panechou – Fréderic Huynh; Maria Thereza Prost – Jean François Faure

Manguezais e estuários da costa paraense: exemplo de estudo multidisciplinar integrado (Marapanim e São Caetano de Odivelas) ........................................................................................... 73 Maria Thereza Prost – Amilcar Carvalho Mendes – Jean François Faure José Francisco Berrêdo – Maria Emília da Cruz Sales – Lourdes Gonçalves Furtado Maria das Graça Santana da Silva – Cléa Araújo da Silva – Ivete Nascimento Inocêncio Gorayeb – Maria Filomena Videira Secco – Luziane Mesquita da Luz

PARTE II • IMPACTOS E GESTÃO AMBIENTAL Degradação ambiental de planícies de inundação e qualidade de vida na cidade de Belém, Pará, Brasil....................................................................... 91 Carmena Ferreira de França


Análise do meio físico para gestão ambiental das ilhas de Algodoal e Atalaia (NE do Pará) ................................................................................... 103 Amílcar Carvalho Mendes – Márcio Sousa Silva – Valdenira Ferreira Santos

Degradação dos manguezais na ilha de São Luís (MA): processos naturais e impactos antrópicos ......................................................................................... 113 Flávia Rebelo Mochel – Maria Marlúcia Ferreira-Correia – Marco Valério Jansen Cutrim Maria do Socorro Rodrigues Ibañez – Andréa Cristina Gomes de Azevedo – Verônica Maria de Oliveira Célia Regina Dantas Pessoa – Diana da Cruz Maia – Paula Cilene da Silveira – Mariano Oscar Aníbal Ibañez-Rojas Clauber de Moraes Pacheco – Clarissa Frota Macatrão Costa – Lindanaura Macedo Silva – Alexandra Maura Bernal Puiseck

Dinâmica natural e impactos antrópicos no uso de áreas costeiras da planície bragantina, nordeste do Pará, Brasil .............................................................................. 131 Pedro Walfir Martins e Souza Filho

Estudo do impacto por derramamento de óleo e prospecção sísmica provocado pela Petrobras em manguezais do litoral do Estado de Sergipe – nordeste do Brasil .............................................................................................................................. 145 Solange Alves Nascimento

Nível de contaminação por óleo nos sedimentos de fundo e água no rio Pará, decorrente do acidente com a balsa Miss Rondônia ........................................................................ 153 José Francisco Berrêdo – Amilcar Carvalho Mendes – Maria Emília da Cruz Sales – José Paulo Sarmento

PARTE III • PROCESSOS SOCIAIS E ESTRATÉGIAS DE VIDA Ocupação humana do litoral amazônico ........................................................................................... 167 Lourdes Gonçalves Furtado

Formas organizativas e estratégias de vida no litoral paraense ........................................................ 175 Graça Santana

Dinâmica costeira, ocupação humana e migração: o caso de Tamaruteua ...................................... 181 Ivete Nascimento

Comunidades estuarinas da costa amazônica: mangues para a vida e para viver ........................... 189 Henrique de Barros

Saberes tradicionais: uso e manejo de recursos medicinais em uma vila pesqueira ........................ 201 Márlia Coelho-Ferreira

Siglas ................................................................................................................................................... 215 Autores................................................................................................................................................ 217


INTRODUÇÃO A zona costeira é comumente definida como a interface entre continente-oceano-atmosfera e, dada a forte interrelação entre esses componentes, é um espaço físico altamente dinâmico, onde mudanças em diferentes escalas espaço-temporais constituem regra. Nesse contexto, coexistem ecossistemas variados (manguezais, restingas, praias, campo de dunas, várzeas, campos inundáveis, entre outros), complexos, com grande diversidade e biológica e funções ecológicas primordiais (cadeia trófica e reprodução) na prestação de serviços ambientais e socioeconômicos para as populações que ocupam esse espaço e utilizam esses recursos. Ao mesmo tempo, constituem-se em espaços frágeis, sensíveis e vulneráveis às intervenções antrópicas. Os riscos ambientais naturais na zona costeira estão ligados principalmente a fatores meteoceanográficos, que interferem diretamente na dinâmica costeira e marinha, modelando o litoral de maneira constante em função da ação de correntes (marinhas e estuarinas), ondas, marés e ventos, que constroem e destroem os ambientes/ ecossistemas, estabelecendo, assim, condições muitas vezes restritivas ao uso e ocupação do espaço litorâneo. Atualmente o planeta passa por um período de elevação média do nível do mar, com alguns estudos apontando para uma variação em torno de 30 cm no último século. Mesmo tratando-se de um fenômeno de grande magnitude e significância, em que os processos de ocorrência ainda não estão bem explicados pelas geociências, é cada vez mais latente a convicção de que os fatores antrópicos estão contribuindo para acelerar a velocidade de elevação do nível dos oceanos. No que pese a forte dinâmica do ambiente físico, os espaços costeiros sempre foram atrativos para as populações desde a pré-história. Os recursos naturais são considerados, há séculos, fonte fértil e, ao mesmo tempo, sensível de desenvolvimento socioeconômico. Na mesma proporção, os conflitos reais ou potenciais, a disputa pelos recursos naturais e as pressões de toda ordem existentes nos espaços costeiros mundiais (do tipo uso/ocupação x capacidade de suporte dos ecossistemas) são igualmente crescentes. A título de exemplificação, as estimativas atuais do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apontam que 60% dos 475 milhões de habitantes da América Latina vivem em estados ou províncias costeiras, assim como sessenta das setenta e sete cidades latinas são costeiras. Em razão de sua complexidade física, ecológica, socioantropológica e, sobretudo, devido ao agravamento dos problemas ambientais, a gestão das regiões costeiras é particularmente desafiadora, levando os gestores das diferentes esferas de poder, mesmo aqueles que dispõem de infraestrutura e recursos humanos e financeiros, a enfrentar níveis elevados de incertezas em suas ações. Esse quadro é particularmente mais grave na costa amazônica. Esse “background” nos incentivou a reunir trabalhos técnico-científicos elaborados por pesquisadores das ciências naturais e sociais, que há anos vêm desenvolvendo estudos multi e interdisciplinares nos litorais do Pará, Maranhão, Sergipe e na Guiana Francesa, voltados para o entendimento da dinâmica costeira (natural e antrópica) e aplicados ao desenvolvimento econômico, ecologicamente racional e socialmente equitativo. O livro “Ecossistemas costeiros: impactos e gestão ambiental” foi editado em 2001, como iniciativa do Programa de Estudos Costeiros do Museu Paraense Emílio Goeldi (PEC-MPEG) e contou com o apoio do Programa “UNESCO – Meio Ambiente e Desenvolvimento nas Regiões Costeiras e Pequenas Ilhas” e do Fundo de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (FUNTEC). Dada sua abordagem multi e interdisciplinar tornou-se leitura de referência para vários cursos de graduação e programas de pós-graduação (Mestrado em Geografia – Universidade Federal de Pará e Mestrado em Ciências Ambientais – Universidade do Estado do Pará).


A presente coletânea de trabalhos está dividida em três partes: a primeira trata da dinâmica e funcionamento de ecossistemas costeiros; a segunda aborda os impactos ambientais e suas relações com a gestão e, finalmente, a última parte aborda os processos sociais e estratégias de vida das populações tradicionais. Com a segunda tiragem da obra, sob os auspícios do Banco da Amazônia S/A, será possível a distribuição gratuita para as bibliotecas de instituições de ensino médio e superior de Belém e de municípios da zona costeira do Estado, reforçando, assim, o compromisso do Museu Paraense Emílio Goeldi com a difusão do conhecimento à sociedade. Maria Thereza Prost Amilcar Carvalho Mendes


DINÂMICA E FUNCIONAMENTO DE ECOSSISTEMAS COSTEIROS



A GESTÃO DO MEIO COSTEIRO: ABORDAGEM ESPACIAL E MULTIDISCIPLINAR DO AMBIENTE LITORAL AMAZÔNICO

Christophe Charron Kathy Panechou Fréderic Huynh Antoine Gardel ABSTRACT The coast of French Guiana is characterized by morphological and sedimentological changes on the coast line, important and related to three main causes: the contribution of the hydro-sedimentary dispersal of the Amazon river, one of the most dynamic in the world; the existence of ocean surface currents and, finally, the Intertropical Convergence Zone (ITZC), that regulate de trade winds. The coast of French Guiana offers a variety of coastal ecosystems (forests, wetlands, savannahs, estuaries, swamps, wetlands, beaches and beach ridges), which are landscape units of the Quaternary plain. Knowledge of the geomorphological and hydrodynamic phenomena in the coastal area is covered in this paper by the structuring element analysis obtained by the spatial vision and relevance of methodologies based on the reality-land. It was analyzed two major themes in the pilot sites: (a) the geomorphological evolution of the estuary (Kourou river) under strong natural and anthropogenic disturbances, (b) the comprehensive and multidisciplinary approach to the environment in the context of the impact of industry activities in the coastal zone (river basins components Karouabo, Malmanoury, east of the Kourou city).

RESUMO O litoral da Guiana Francesa é caracterizado por importantes modificações morfosedimentares da linha de costa, relacionadas a três causas principais: o aporte hidro-sedimentar do Sistema de Dispersão do Amazonas, um dos mais dinâmicos do globo; a existência de correntes oceânicas de superfície e seu ritmo anual e, por fim, o deslocamento anual da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que condiciona o regime dos ventos alísios. A costa da Guiana Francesa apresenta variados ecossistemas costeiros (florestas inundáveis, savanas, estuários, áreas palustres, manguezais, praias e cordões arenosos), que constituem as unidades da paisagem da planície quaternária. O conhecimento dos fenômenos geomorfológicos e hidrodinâmicos do domínio costeiro é abordado neste trabalho, pela estruturação dos elementos de análises obtidos pela visão espacial e pela pertinência de metodologias baseadas na realidade-terreno. Foram analisados dois temas principais em sítios-piloto: (a) a evolução geomorfológica de um estuário (rio Kourou) submetido a fortes perturbações naturais e antrópicas; (b) abordagem global e pluridisciplinar do meio ambiente no âmbito de um estudo de impacto por atividades industriais na zona costeira (bacias-vertentes dos rios Karouabo e Malmanoury, a leste da cidade de Kourou).

CONTEXTO A originalidade do litoral da Guiana Francesa é traduzida pela existência de modificações morfosedimentares importantes (trânsito de 280 x 106 m3 de sedimentos ao ano), sob a influência do sistema de dispersão do rio Amazonas (SDA) e da diversidade dos ecossistemas costeiros (florestas, savanas, pântanos, mangues etc.). Devido à natureza do meio, a interface entre dois sistemas: oceânico e continental. O conhecimento dos fenômenos e da evolução do domínio costeiro é abordado aqui mediante a estruturação dos elementos de análise aportados por dados satelitários e pela pertinência e significância de metodologias baseadas neste tipo de dados.


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Através de dois exemplos localizados na zona costeira da Guiana Francesa (Figura 1), serão destacadas abordagens metodológicas combinando a análise espacial e a expertise sobre o terreno (trabalho de campo): • A evolução geomorfológica de um estuário submetido a fortes perturbações naturais e antrópicas. • Abordagem global e multidisciplinar do meio ambiente, sob a ótica de um estudo de impacto.

Figura 1. Localização dos dois sítios de estudo.

EVOLUÇÃO GEOMORFOLÓGICA DE UM ESTUÁRIO SUBMETIDO A FORTES PERTURBAÇÕES NATURAIS E ANTRÓPICAS

Objetivo O objetivo deste estudo é duplo. Inicialmente é compreender, em longo período, a dinâmica particular de um estuário sob influência do sistema de dispersão do rio Amazonas e ser capaz de interpretar sua evolução atual. Em curto período, após a construção de uma barragem, explicar as modificações recentes na configuração do estuário. Por conseguinte, é necessário, em uma primeira fase, uma abordagem histórica para a evolução do estuário. Um estudo multidisciplinar, incluindo o uso de dados de satélites existentes e um dispositivo de acompanhamento no terreno, em uma segunda etapa, para acompanhar os aspectos geomorfológicos e botânicos em diversas escalas espaço-temporais e destacar as possíveis origens das modificações atuais no estuário (Figura 2).


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Figura 2. Esquema ilustrativo da abordagem utilizada para o acompanhamento da evolução geomorfológica de um estuário sujeito a fortes perturbações naturais e antrópicas

Metodologia Para entender as consequências dessas transformações, é indispensável a utilização da análise espacial de dados analógicos ( fotografias aéreas e cartas) e numéricos (imagens de satélites) As etapas realizadas são as seguintes: • Construção de um banco de dados de imagens. • Definição de uma tipologia geobotânica. • Fotointerpretação de dados analógicos para o zoneamento de diferentes classes geobotânicas. • Dependendo do sensor utilizado, um tratamento adaptado foi realizado objetivando obter a melhor resolução “temática”, em função das classes definidas. • Paralelamente à instalação do banco de imagens de satélite, a implantação de um dispositivo experimental de campo para acompanhamento das modificações geobotânicas.

RESULTADOS Durante um período de 50 anos o estuário foi profundamente modificado, com alternância de períodos de sedimentação (assoreamento/preenchimento) e erosão (desentulhamento) (Figura 3). Por conseguinte, a evolução do mangue é estritamente dependente das modificações morfosedimentares da linha de costa. A alternância de processos de erosão costeira e progradação é acompanhado, no tempo e no espaço, de progressão e regressão de manguezais confrontantes com o mar.

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Figura 3. Por quase 30 anos, o estuário foi submetido a uma sedimentação significativa. Durante esse período, o manguezal se instalou rapidamente. Em meados dos anos 1970, começou um longo período de erosão. Uma comunicação com o mar se abre em 1987 e altera a hidrodinâmica costeira, com consequente aumento da erosão na margem esquerda. A migração do banco de lama para oeste, a partir de Kourou, leva ao assoreamento da foz do Sinnamary.

No presente trabalho foi possível obter: • o estado do ambiente e das condições ecológicas existentes; • um histórico da evolução das formações vegetais; • o registro de mudanças induzidas recentemente; • constatar um elevado potencial de colonização dos manguezais na Guiana Francesa (taxa média de crescimento 3 m/ano, paradas ou atrasos de crescimento mostrando alguma ritmicidade). Uma abordagem multidisciplinar foi utilizada para caracterizar a evolução morfológica deste setor litorâneo. Na escala de meio século de largura, a evolução geomorfológica atual foi inserida em um contexto histórico e comparada em relação a eventos passados e assoreamento do estuário. Ao nível de escala anual, foi realizado o monitoramento mensal das mudanças botânicas no estuário. O estabelecimento de um protocolo deste tipo permite discriminar os impactos naturais resultantes da dinâmica costeira e dos efeitos que podem resultar da regulação do fluxo do rio, após barragem e/ou represamento. A geomorfologia e a botânica foram os domínios selecionados com critérios de aquisição de dados e de interpretação em diferentes escalas de espaço e de tempo. A cada uma dessas escalas corresponde uma resposta do meio.

ABORDAGEM AMBIENTAL GLOBAL E PLURIDISCIPLINAR SOB UM QUADRO DE ESTUDO DE IMPACTO NA ZONA COSTEIRA

Contexto geral de estudo Os diferentes meios naturais presentes na área estudada apresentam características muito especiais que agregam valor a sua diversidade (florestas, savanas, pântanos, manguezais etc.) (Figura 4) e suas várias interfaces (interação


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entre as formações). No entanto, muitos deles são pouco conhecidos, em decorrência da dificuldade de acesso (como é o caso das áreas de pântanos).

Figura 4. Em primeiro plano, a vegetação de pântano (Eleocharis interstincta) e, ao fundo, a formação arbórea sobre barras pré-litorâneas.

OBJETIVO Proporcionar um conjunto coerente de dados científicos com a finalidade de definir temas pertinentes para monitorar o impacto ambiental das atividades industriais. Outro objetivo é distribuir espacialmente informações para capitalizar o conhecimento em cada uma dessas disciplinas. Os esforços tiveram como foco a validação científica dos dados disponíveis para: • a coerência às informações temáticas; • a pesquisa de indicadores funcionais pertinentes, em termos de distúrbios ambientais, • a definição dos principais critérios para áreas ambientalmente sensíveis. Dada a escassez de informações básicas disponíveis para cada disciplina, a conjugação de conhecimentos multidisciplinares e as interações entre os especialistas são experiências capazes de fazer surgir critérios de interpretação e as hipóteses pertinentes sobre o funcionamento dos sistemas.

METODOLOGIA Uma abordagem global (utilizando a imagem espacial) e integrada (combinação de competências científicas multidisciplinares) do ambiente foi implementada para realizar a caracterização dos diferentes meios e para dispor de uma visão geral do estado de integridade dos recursos naturais.

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Estas démarches partem de dados gerais (dados bibliográficos sobre o estado do ambiente, produtos de sensores remotos e dados cartográficos), para entender os complexos sistemas naturais (competências multidisciplinares), que permitem: • fixar as escalas de investigação compatíveis; • desenvolver estratégias de ações temáticas coerentes; • espacializar dados técnicos disponíveis, • dispor de dados de bases cartográficas pertinentes, para o diálogo entre os especialistas, indústriais e a administração. Assim, os especialistas de diferentes disciplinas voltadas ao meio ambiente, como a hidrologia, geomorfologia, pedologia, botânica são agrupados e os métodos de espacialização das informações permite, capitalizar os conhecimentos de cada um desses domínios temáticos. Se o estado inicial de conhecimentos é insuficiente para realizar uma análise exaustiva do meio ambiente, há necessidade, inicialmente, de preencher essas lacunas, mediante a aquisição de dados primários e originais nos diferentes temas. È, então, necessário coletar amostras de solo, água, sedimento e de vegetação para completar as informações básicas de geomorfologia, pedologia, hidroquímica e botânica. Os trabalhos multidisciplinares de campo desempenham um papel determinante para a validação das interpretações das diferentes disciplinas envolvidas na abordagem e para uma melhor análise do funcionamento e dinâmica dos sistemas naturais. Os dados obtidos, após um ano de pesquisas multidisciplinares, podem então estar disponíveis e sintetizados sob a forma de mapas (temáticos, funcionais e de síntese, tal como, por exemplo mapa previsional de vulnerabilidade intrínseca das formações naturais (Figura 5).

RESULTADOS A escolha de uma abordagem global e integrada do meio ambiente permite estruturar a expertise científica para caracterizar o estado do recurso natural em um determinado tempo, sob a forma de quatro mapas:

a) Mapa de unidades morfológicas da paisagem Permite distinguir, nesta planície, duas unidades morfológicas principais: • PLANÍCIE BAIXA – formada por manguezais confrontantes com o mar e pelos pântanos com vegetação “pinotières”, com substrato fino. As zonas úmidas são separadas uma das outras por antigos cordões de praia, os cheniers. • PLANÍCIE ALTA – formada por um substrato de argilas marinhas antigas e por largos cordões areno-lamosos, as barras pré-litorâneas

b) Mapa das unidades pedológicas do litoral guianense Destaca a grande variabilidade espacial do solo sob curtas distâncias, particularmente na planície costeira. No entanto, considerando os fatores de evolução do solo (pedogênese), dois grandes domínios se distinguem:


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Figura 5. Esquema das etapas adotadas para realização de uma abordagem global e multidisciplinar do ambiente, sob a ótica de um estudo de impacto ambiental.

• A jovem cobertura pedológica da planície costeira recente (“Terras Baixas”). • A antiga cobertura ferralítica da planície costeira, de idade pré-cambriana (“Terras Altas”).

c) Mapa de recursos hidrográficos de Karouabo e de Malmanoury Os principais cursos fluviais situados na área de estudo são o Karouabo, Passoura, Malmanoury e Paracou. O processo de estocagem de água nas bacias pantanosas a jusante é importante e torna difícil a drenagem das mesmas para o mar.

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d) Mapa de vegetação da área estudada As formações vegetais da zona costeira são relativamente pequenas em comparação às florestas do interior. São diretamente ligadas à natureza do solo, salinidade e às condições de drenagem. São geralmente zonas individualizadas e caracterizadas por sua fisionomia. O caráter particular do estudo ditou a implementação de uma abordagem metodológica adaptada, que se concretizou pela elaboração de três mapas de síntese. A abordagem funcional e integrada dos sistemas considerados pode ser adaptável a todas as zonas litorâneas da Guiana Francesa. Após uma reflexão metodológica por uma integração e representação da noção de sensibilidade dos recursos naturais, um mapa específico da vulnerabilidade intrínseca do meio ambiente da área estudada foi proposto.

e) Mapa de unidades de funcionamento hidrodinâmico Nos setores estudados, os podzóis ou solos ferralíticos em vias de podzolização predominam largamente sobre as barras pré-litorâneas da Fase Coswine. Em consequência, é conveniente chamar a atenção para a dinâmica da água, principalmente da água superficial e lateral das coberturas pedológicas. O lençol freático aflora ou flutua nos horizontes superficiais permeáveis durante a estação das chuvas. O risco de difusão rápida dos poluentes a jusante, em última instância, para os pântanos subcosteiros não pode ser negligenciado, se estes poluentes não forem fixados e neutralizados pela vegetação ou pelo horizonte superficial do solo.

f) Esboço hidrológico funcional espacializado (Figura 6A,B) Distingue duas maneiras de individualização nas catas de interflúvio em savanas: • Na parte inferior planície costeira, não muito longe de pântanos permanentes, a rede é altamente estruturada, em torno das barras pré-litorâneas, quando presentes. Existem longas passagens paralelas para as barras que se deslocam em direção a Karouabo. Nos espaços entre as barras, os eixos de drenagem secundária são geralmente perpendiculares às mesmas, juntando-se à rede primária, paralelo às barras. A montante dos pântanos costeiros, onde as barras estão ausentes, a rede se dirige a estes pântanos, segundo uma orientação “natural”, de maior pendente em direção ao mar. • Na parte superior da planície costeira, o sistema de interflúvios é totalmente diferente da primeira: não há nenhuma direção preferencial e uma estrutura em “malha” com a direção do fluxo, às vezes é difícil de determinar. A complexidade desses sistemas é explicada pela podzolização das barras pré-litorâneas mais avançadas em conexão a um aplainamento do relevo e de ramificação das mais importantes redes de interflúvios.

g) Mapa previsional de vulnerabilidade intrínseca dos recursos naturais • As espécies vegetais herbáceas e arbóreas, muito poucas, revelam-se como bons indicadores biológicos, capazes de refletir a natureza e o estado do meio. • A vegetação dessas bacias evolui de maneira espontânea, a partir de uma recuperação progressiva do meio, em primeiro lugar à custa da superfície da água livre, depois, secundariamente, das formações vegetais monoespecíficas.


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• As bacias de Karouabo e Malmanoury são entidades hidrológicas bem distintas. Os conjuntos de ambas são fechados. • Se Malmanoury evolui de acordo com o padrão clássico de um fechamento gradual do ambiente das zonas húmidas, um novo fenômeno manifestou-se sobre Karouabo. A presença de muitas plantas mortas nas margens do pântano, de fato, revelou o recente aumento do nível global do lençol freático. Este fenômeno está causando uma mortalidade “natural”, que afeta grandes e diversos conjuntos como savana, grama, arbusto, palmeiras e formação de ecótonos sobre as margens das antigas barras pré-litorâneas. Esses poucos elementos da dinâmica observados nessas comunidades vegetais, têm provado ser uma fonte muito relevante para a compreensão do funcionamento destes conjuntos, localizados a jusante destes dois rios que atravessam a área de operação do Centro Espacial da Guiana. As formações naturais mais expostas são aquelas que oferecem uma larga superfície de troca com as massas de ar. Esta interface pode ser traduzida em termos de rugosidade de superfície ou alternativamente, obstáculo ao fluxo de massas. As unidades de paisagem com maior risco são aquelas que oferecem a “rugosidade” maior ou aquelas que tendem a monospecificidade. Com base nesses conceitos e rugosidade, diferentes unidades foram classificadas através da integração de suas características botânicas, geomorfológicas, hidrodinâmicas para estabelecer seu grau de vulnerabilidade potencial em um gradiente.

BALANÇO CIENTÍFICO GLOBAL O aporte do sensoriamento remoto é fundamental para a determinação das escalas espaciais e temporais de análise do meio ambiente, mas também para direcionar e concretizar as ações de pesquisa. Inicialmente, as análises descritivas foram extrapoladas para abordar o funcionamento dos diferentes meios. A complementaridade e a sinergia das competências permitiram o desenvolvimento de novos métodos de trabalho e protocolos, notadamente para a realização de mapas de síntese. A análise sintética dos avanços científicos por disciplina, o que reflete a desigualdade dos estados de conhecimento inicial nos diferentes domínios, pode ser resumida nos seguintes pontos: • Elaboração e atualização de mapas temáticos; • Balanço do impacto do sistema de dispersão amazônico sobre a zona costeira; • Elaboração de mapas de unidades de funcionamento; • Síntese, sob a forma de cartas temáticas, de informações validadas pelas diferentes disciplinas (disponíveis em formato numérico padrão); • A abordagem funcional e integrada dos sistemas considerados a partir de mapas temáticos de funcionamento (pedologia, hidrologia); • Reflexão metodológica para integração e representação da noção de sensibilidade dos recursos naturais. É no processo de “diálogo” entre as diferentes disciplinas em relação a um objetivo comum, que os métodos de trabalho se revelam inovadores e eficazes. Com efeito, os trabalhos de campo realizados de maneira conjunta funcionam como uma rede permanente de trocas de conhecimento entre os diversos pesquisadores e permitem

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Figura 6A. Esboço hidrológico funcional espacializado.


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Figura 6B. Legenda do esboço hidrológico funcional espacializado para a área de estudo.

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a qualquer um dispor de múltiplas fontes de informações e de reajustar seus objetivos, bem como espaço para a progressão e reflexão comum. Em termos de desempenho geral, um banco de dados coerentes, composto por informações originais de diferentes domínios do meio ambiente, mapas temáticos e novos métodos de integração de informações multifontes foi estabelecido. Esse conhecimento científico constitui um cabedal multidisciplinar operacional, ilustrado na produção de mapas de funções ambientais e para a elaboração de um mapa de vulnerabilidade de formações naturais, desenvolvido com base em conceitos inovadores e de intercâmbio interdisciplinar.

REFERÊNCIAS CNES. Etude d’impact sur l’environnement de la zone de lancement n° 3: approche globale et pluridisciplinaire de l’environnement: Géomorphologie, Pédologie, Hydrologie et Botanique par Télédétection et Système d’Information Géographique. Rapport intermédiaire: Juin 1995 - Convention N° 94/CNES/2647-lot3, 1995. CNES. Etude d’impact sur l’environnement de la zone de lancement n° 3: Approche globale et pluridisciplinaire de l’environnement: Géomorphologie, Pédologie, Hydrologie et Botanique par Télédétection et Système d’Information Géographique. Rapport final Mai 1996: - Convention N° 94/CNES/2647-lot3. Rapport final: Mai 1996 - Convention N° 94/CNES/2647-lot3, 1996. HUYNH, F.; CHARRON, C.; PANECHOU, K.; DEMAGISTRI, l.; GARDEL, A.; GARROUSTE, V.; HERNANDEZ, B.; LAMONGE, O.; LOUBRY, D.; GRIMALDI, C.; PROST, M. T.; LOINTIER, M. Etude et suivi de l’évolution géomorphologique et botanique de l’estuaire du Sinnamary par télédétection. Rapport intermédiaire R1: Juillet 1995 - Convention N° 95/EDF/2160 dans le cadre du suivi écologique de La retenue de Petit-Saut et de son impact sur le Sinnamary à l’embouchure. Juil., 1996. HUYNH, F.; CHARRON, C. PANECHOU, K.; DEMAGISTRI, l.; GARDEL, A.; GARROUSTE, V.; HERNANDEZ, B.; LAMONGE, O.;LOUBRY, D.; GRIMALDI, C.; PROST, M.T.; LOINTIER, M. Etude et suivi de l’évolution géomorphologique et botanique de l’estuaire du Sinnamary par télédétection. Rapport final R2-R3: Octobre 1996 - Convention N° 95/EDF/2160. Oct., 1996. HUYNH, F.; CHARRON, C.; PANECHOU, K.; GARDEL, A.; LOUBRY, D.; PROST, M.T. Evolution des littoraux de Guyane et de la zone Caraïbe méridionale pendant le quaternaire. Symposium PICG 274. Cayenne: ORSTOM, 1990. PROST, M.T.; CHARRON, C. L’érosion côtière en Guyane. In: Coastal Protection: International Experiences and Prospect. Nantes: A. MIOSSEC; Univ. de Nantes, 1992. (Numéro spécial des Cahiers Nantais).


ALTERAÇÕES AMBIENTAIS DE ORIGEM NATURAL E ANTRÓPICA NA VEGETAÇÃO LITORÂNEA DO NORDESTE DO PARÁ

Maria de Nazaré do Carmo Bastos João Ubiratan Moreira dos Santos Dário Dantas do Amaral Salustiano Vilar da Costa Neto

ABSTRACT Considerations are outlined in this study about the environmental changes, from natural or anthropogenic order, which occur in coastal areas of the northeastern of the state of Pará. The focus is directed more specifically to the restinga ecosystem, where changes occur in the vegetation. The basic understanding is based on the assumption that, given the natural changes, the vegetation are perfectly suited, however, in the case of manmade disturbance, its implications are unpredictable yet.

RESUMO São delineadas neste estudo considerações acerca das alterações ambientais, de ordem natural ou antrópica, a que estão sujeitas as áreas litorâneas do NE do estado do Pará. O foco é direcionado mais especificamente ao ecossistema de restinga, onde são registradas, de maneira geral, as alterações sofridas nas formações vegetais. O entendimento básico fundamenta-se no pressuposto que, perante as alterações naturais, as formações vegetais estão perfeitamente adaptadas, porém, em se tratando das alterações de ordem antrópica, as suas implicações, são, no momento, lacunas para a ciência.

INTRODUÇÃO No Pará, os municípios limítrofes com o Oceano Atlântico compõem a Zona Fisiográfica do Salgado. Esta região apresenta diferentes tipos e vegetação, localizadas em ambientes como campinas, campos, dunas, restingas, capoeiras, igapós, várzeas e áreas remanescentes de florestas primárias de terra firme, todas pouco estudadas sob o ponto de vista botânico. Na região amazônica, as restingas compreendem uma área de 1.000 km2 (PIRES, 1973). Esta área, em relação às dos demais tipos de vegetação, destaca-se como a mais restrita, correspondendo a apenas 0,05% do total. Representante de ecossistemas litorâneos, as restingas possuem uma vegetação intimamente relacionada à variação de fatores abióticos, como movimentação e deposição de areia por ação dos ventos, correntes de maré, salinidade e exposição ao sol. Araújo e Lacerda (1987) alertam que a retirada da vegetação acarreta a lavagem acelerada dos nutrientes para um nível de profundidade do solo, fora do alcance das raízes, em um processo de empobrecimento gradual do sistema. Em estágios mais avançados de degradação, o solo sofrerá intensa erosão pelos ventos, o que pode ocasionar a formação de dunas móveis, representando sério risco para a população humana envolvida nesse ambiente.


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Neste contexto, o conhecimento dos ecossistemas costeiros torna-se matéria urgente dentro do propósito de conservação, uma vez que sua manutenção encontra-se ameaçada pela ação antrópica em decorrência da intensificação da especulação imobiliária, abertura de estradas, turismo predatório, retirada de madeira, extração de areia para fins de construção civil, destruição da vegetação fixadora das dunas etc. O escopo do presente estudo volta-se ao delineamento de considerações e entendimentos a cerca das alterações ambientais, causadas por ordem natural ou antrópica, às quais estão sujeitas as áreas litorâneas do nordeste paraense.

MATERIAIS E MÉTODOS As considerações concernentes às alterações de origem antrópicas são fundamentadas em observações registradas no decorrer de duas décadas de estudos, ao longo do litoral paraense. Em relação às alterações naturais, foram aplicadas metodologias convencionais, conforme exposto a seguir. A restinga da Princesa está localizada na Ilha de Algodoal-Maiandeua, no município de Maracanã, estado do Pará. Encontra-se limitada pelas coordenadas geográficas 00o35’03” e 00o38’29” de Latitude Sul e 47o31’54” a 47o34’57” de Longitude WGr (Figura 1 A-C). Nessa área foram procedidas coletas de espécimes, a partir de trilhas pré-existentes das espécies em estádio de floração e/ou frutificação, em todas as formações vegetais, de três em três meses, durante os anos de 1992 e 1993 e, mensalmente, no ano de 1994. As coletas obedeceram à metodologia convencional e o material herborizado segundo as técnicas habituais (FIDALGO; BONONI, 1984). Os espécimes foram identificados através de chaves taxonômicas, bibliografia especializada e por comparações com as coleções depositadas nos herbários do Museu Paraense Emílio Goeldi (MG). As exsicatas encontram-se depositadas no Herbário MG. O índice de similaridade de SØrensen (MUELLER-DOMBOIS; ELLENBERG, 1974) foi utilizado para comparações florísticas entre as formações vegetais, considerando o total de espécies coletadas durante o ano todo. Para as formações com estrato herbáceo, foram consideradas, separadamente, todas as espécies dos períodos de maior intensidade pluviométrica (período chuvoso – Ch) e menor intensidade pluviométrica (período seco – Se). Para a construção das matrizes de similaridade e dendogramas de agrupamento, foi utilizado o software FITOPAC, desenvolvido pelo Prof. Dr. George John Shepherd, do Instituto de Biologia da UNICAMP-SP. Índice de Similaridade de SØrensen S = 2C / A + B A é o total de espécies da formação A onde:

B é o total de espécies da formação B C é o total de espécies comuns às formações A e B


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A

B

C

Figura 1. Mapa de localização da área estudada. (A) Situação do litoral NE do Pará em relação ao país; (B) Situação do setor de abordagem nesse estudo em relação ao litoral NE do Pará; (C) Imagem SPOT (Google Earth – 2012), mostrando em destaque a ilha de Algodoal-Maiandeua.

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RESULTADOS

Alterações Ambientais O litoral nordeste paraense caracteriza-se como uma região de macromarés semidiurnas, com amplitudes variando sazonalmente entre quatro e seis metros de altura, no município de Salinópolis (00º37’33”S e 47º15’43”WGr). Como em todo o estado do Pará, esta região apresenta durante o ano dois períodos pluviométricos distintos: um de maior e outro de menor intensidade. O primeiro período vai de janeiro a junho, sendo o mês de março o mais chuvoso, com média de 705 mm; o segundo estende-se de julho a dezembro, sendo o mês de outubro o de menor incidência de chuvas, com média de 1.9 mm. A precipitação média anual de 1988 a 1997 foi de 2.576,8 mm, segundo informações obtidas na estação pluviométrica de Marudá, município de Marapanim, fornecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), do Ministério de Minas e Energia. Dados de temperatura foram obtidos com a série de 1979 a 1985, da Estação Radio-Farol de Salinópolis, estando a média anual em torno de 27,7ºC, variando ao longo do ano de 26,8ºC a 28ºC. A temperatura média das máximas varia de 30,0ºC a 32,1ºC e a média máxima anual de 31,7ºC. A temperatura mínima média anual é de 25,2ºC e a média das mínimas oscila de 24,1ºC a 26,0ºC (SANTOS et al., 1991). A maior amplitude térmica média ocorreu no mês de julho, atingindo 7,3ºC e a menor amplitude térmica média foi de 5,5ºC no mês de janeiro. O mês mais quente foi novembro e, o mais frio, julho. As restingas do litoral NE do estado do Pará estão sujeitas a modificações em sua cobertura vegetal, devido a fatores naturais e/ou antrópicos. Os fatores naturais, em geral, são periódicos, ocorrendo sazonalmente entre os períodos seco e chuvoso, motivados pela variação da profundidade do lençol freático e outros fenômenos naturais, como o equinócio, marés de tempestade e sizígia, que provocam ressacas. Esses fatores exercem influência nas formações herbáceas, que nos locais estudados estão distribuídas no sentido mar-continente, em formação halófita, psamófila reptante, brejo herbáceo, campo entre dunas e região de entre moitas da formação arbustiva aberta. A formação halófita pode estar ausente em algumas restingas, como, por exemplo, na Princesa. Quando presente, ocorre na zona supramaré, próximo à linha de praia, sendo composta basicamente por duas espécies: Blutaparon portulacoides (St. Hill) Miers e Sesuvium portulacastrum L. Essa formação sofre influência direta da ação das marés e, consequentemente, da salinidade, permitindo que apenas espécies com certo grau de adaptação a estes fatores aí se estabeleçam. Durante as marés de sizígia, equinócio e tempestades, as ondas muito fortes arrancam seus indivíduos ou estes são soterrados pela areia, ao mesmo tempo em que é depositada uma grande quantidade de sementes de plantas típicas de manguezal, principalmente Avicennia germinans (L.) Stearn, e Laguncularia racemosa (L.) Gaerth. Após esses eventos, a cobertura vegetal desaparece e, gradativamente, o local vai sendo recolonizado através da regeneração de suas plantas, assim como pela germinação das sementes das espécies de manguezal, cujas plântulas crescem até cerca de 20 cm e perecem pelas condições adversas ao seu desenvolvimento (Figura 2). A formação psamófila reptante, disposta sobre os primeiros cordões arenosos, pode também sofrer influência das marés. Algumas vezes, estas têm amplitude tão grande que assolam o lado do cordão voltado para o mar, distribuindo parte de sua cobertura vegetal. As espécies desta comunidade precisam ter, ainda, sistemas adaptativos compatíveis às constantes movimentações de areia, causadas pelos ventos e a elevada temperatura superficial, em decorrência do número de horas de exposição ao sol, para que, no período de maior intensidade pluviométrica, seja assegurado que à medida que os vegetais forem soterrados, ocorram novas ramificações. Desta forma, a


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Figura 2. Sementes (A, D, F, H, I e J) e plântulas (A, B, C, E e G) de espécies típicas de manguezais na formação halófita em período posterior à ação de marés de sizígia. Restinga do Crispim (Marapanim-PA)

maioria de suas espécies são estoloníferas ou rizotomatosas. Também há necessidade de mecanismos de captação de água, pois, neste local, no período seco, a profundidade do lençol freático chega a atingir 4,80 m (BASTOS, 1996). O conjunto de ações destes fatores limita o número de espécies, em cerca de cinco, nesta formação. Cordazzo e Seeliger (1987), estudando a distribuição da vegetação nas dunas costeiras ao sul de Rio Grande (Rio Grande do Sul), verificaram que existe um aumento no número de espécies no sentido mar-continente e que o baixo percentual de espécies nas dunas primárias e secundárias é devido, principalmente, à ação da água salgada e à movimentação de areia que atuam nestes locais. Segundo Valk (1974), são poucas as espécies que toleram a ação da salsugem e o constante soterramento e abrasão pela areia. O brejo herbáceo, localizado no reverso dos cordões dunares, permanece inundado alguns meses do ano e apresenta uma cobertura vegetal regida principalmente pela profundidade do lençol freático, que varia entre os períodos seco e chuvoso.

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Na restinga da Princesa, nos meses em que o brejo herbáceo permanece inundado, a lâmina d’água chega a alcançar 60 cm acima do nível do solo. Neste período, torna-se monoespecífico, constituído apenas por Paspalum vaginatum Sw., que se encontra emergindo. Após a drenagem da água superficial, esta formação apresenta uma flora diversificada, com cerca de 60 espécies, em sua maioria herbácea, predominando Cyperaceae e Graminae. De acordo com Bastos (1996), o solo desta formação apresenta-se saturado durante o resto do ano, ficando o lençol freático, no máximo, a 70 cm abaixo da superfície. Esta observação corrobora com a de Lacerda et al. (1986), quando citam que os brejos herbáceos entre cordões arenosos são formações típicas das planícies quaternárias do litoral brasileiro, caracterizadas pelo alagamento sazonal e ocupadas por comunidades macrófitas emergentes, dominadas por Graminae e Cyperaceae. Na restinga do Crispim foi observado que o alagamento superficial do brejo foi de apenas cerca de 20 cm acima do nível do solo, em um período do ano, acarretando modificação da flora, que se limitou ao aumento ou diminuição da cobertura vegetal de algumas espécies. Duas outras formações localizadas na porção mais interna da restinga da Princesa sofrem influência direta da maior ou menor intensidade das chuvas e, consequentemente, da variação do nível do lençol freático. Estas, denominadas por Bastos (1996) como campo arbustivo aberto e campo entre dunas (Figura 3A e B), apresentam forte sazonalidade de espécies durante o ano, possuindo, inclusive, espécies que ocorrem exclusivamente no período seco ou chuvoso, além daquelas comuns aos dois períodos. Este fato proporciona uma visível modificação na fisionomia da vegetação, em consequência das diferenças florísticas entre os dois períodos. A

B

Figura 3. Região entre dunas, mostrando a diferença fisionômica nos períodos, (A) chuvoso e (B) seco. Restinga da Princesa, Ilha de Algodoal-Maiandeua (Maracanã-PA).

Na época de chuvas intensas, em alguns meses, no campo entre dunas e na região de entre moitas da formação arbustiva aberta, o lençol freático chega a aflorar na superfície do solo, formando uma lâmina d’água de, no máximo, 20 cm. Neste período instalam-se as espécies que necessitam desta condição para sobreviver, como algumas das famílias Xyridaceae, Burmaniaceae. Eriocaulaceae, Lentibulariaceae, Droseraceae e Cyperaceae. Entre a última destacam-se algumas espécies só vistas no interior ou nas margens de depressões inundáveis. No período seco, estas espécies perecem, dando lugar a outras com menor exigência de água e mais resistentes às condições de alta temperatura do ar e do solo (BASTOS, 1996). A região de dunas é constituída por depósitos eólicos, sem vegetação ou vegetados (Figura 4 A e B). Os pioneiros recebem grande incidência dos raios solares e forte ação dos ventos, o que faz com que se movimentem, remobilizando constantemente a areia de granulação muito fina, formando estruturas que enriquecem a paisagem e que, ao mesmo tempo, não permitem a colonização por vegetais.


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A

B

Figura 4. Região de dunas: (A) Dunas sem vegetação, formadas nos corredores de vento; (B) Dunas completamente cobertas por Chrysobalanus icaco L,

Entre as dunas vegetadas têm-se aquelas já estabilizadas, cobertas por uma formação do tipo mata, cujas modificações são despercebidas à primeira vista, e aquelas em processo de estabilização, que pela reduzida cobertura vegetal ficam sujeitas à remoção e deposição de areia por ação eólica, apresentando formas diferenciadas, dependendo da direção do vento. Assim, têm-se dunas com apenas um dos flancos vegetados ou somente com o cume, ou ainda, em certos períodos, com as raízes e estruturas caulinares expostas. Em outras, apenas se visualiza a copa dos indivíduos, estando raízes, caules e ramos totalmente soterrados. Conforme Browe e Zar (1984), é possível aplicar o índice de similaridade de SØrensen em situações em que se faz necessário analisar a composição florística de uma comunidade em épocas distintas. Deste modo, calculouse a similaridade florística entre as formações com estrato herbáceo, levando-se em consideração os períodos, chuvoso e seco. A Figura 5 demonstra que as formações vegetais com estrato herbáceo obtiveram valores, para similaridade florística, iguais ou menores a 50%, e que esta foi maior entre os períodos chuvoso e seco de cada formação (45% a 80%) do que entre as formações (15% a 45%). A maior similaridade florística entre as formações foi apresentada pelo campoente dunas e o estrato herbáceo da formação arbustiva (região entre moitas) em nível de 51%. A segunda, foi registrada entre o campo entre dunas e o brejo herbáceo, a 45% (Figura 5). A Figura 5 também mostra que na formação campo entre dunas e região de entre moitas da formação arbustiva aberta, as diferenças florísticas foram mais acentuadas entre os períodos seco e chuvoso. Nestas, foram registradas as menores similaridades florísticas, campo entre dunas (51%) e região entre moitas (50%). A organização apresentada no dendograma (Figura 5) mostra que os maiores índices de similaridade entre os períodos chuvoso e seco, ocorrem na formação brejo herbáceo e na formação psamófila reptante. O campo entre dunas e a região de entre moitas apresentaram aproximadamente o mesmo índice entre os dois períodos, o que demonstra que aquelas formações em que o lençol freático, durante o ano, permanece sempre distante, próximo ou acima do nível do solo, não sofrem grandes alterações florísticas entre os períodos. Cordazzo e Seeliger (1987) observaram uma variação sazonal na composição da vegetação das dunas costeiras ao sul de Rio Grande, estado do Rio Grande do Sul, ocorrendo na primavera o maior número de espécies anuais,

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Figura 5. Índice de Similaridade de SØrensen aplicado às formações estudadas.

devido às condições favoráveis de temperatura, fotoperíodo e radiação solar. Nas formações com estrato herbáceo do local em estudo, o maior número de espécies foi registrado na época de maior intensidade pluviométrica (janeiro a julho), em condições de temperatura e pluviosidade distintas daquelas da primavera do Rio Grande. No que se refere à alterações antrópicas, alguns trechos do litoral paraense vêm sendo alvo de uma série de impactos em decorrência de ações para fins agrícolas, pastoris, extrativistas ou imobiliários. Esta interferência vem assumindo um caráter preocupante, devido à velocidade em que se propaga e à extrema fragilidade deste ambiente altamente especializado. No início desta década, uma tentativa desordenada de plantio de coco alterou sensivelmente o ambiente mais interno da restinga da Princesa. A atividade não obteve sucesso, porém, legou ao local alterações em sua fisionomia original. A atividade de criação de gado bovino, principalmente nos locais onde há vegetação campestre, é também desenvolvida na restinga da Princesa, embora seja uma APA (Área de Proteção Ambiental). Tal atividade compromete essas áreas pelas modificações na cobertura vegetal, ocasionadas pelo pisoteio dos animais. A composição florística das matas e moitas também sofre alterações, em decorrência da extração de árvores para construção de cercas e currais. O impacto dessas atividades agrícolas e pastoris já pode ser visualizado, porém suas consequências ainda não podem ser medidas. Não se tem conhecimento da escala temporal necessária para recuperação de uma vegetação de restinga degradada, nem mesmo se ela pode recuperar-se, e a que nível.


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A ocupação de áreas de dunas para fins de moradia é outro exemplo da intervenção desordenada. A ilha de Algodoal foi mais uma vez palco deste tipo de depredação. A tentativa, no entanto, foi surpreendida pela ação natural das próprias dunas que, em curto espaço de tempo, vieram a soterrar a construção. O governo estadual vem incentivando o turismo no Pará, mostrando a beleza das inúmeras praias do nosso litoral e construindo estradas que possibilitam o acesso a alguns destes locais. Com este fato concreto, tornase ainda mais preocupante a situação dos ecossistemas próximos às mesmas, como as restingas e os manguezais. É evidente que, em não havendo um planejamento adequado, com o incentivo ao turismo, as áreas mais próximas à praia, em geral planícies arenosas (restinga e dunas), serão alvo de especulação imobiliária e, consequentemente, de depredação. A praia do Crispim, município de Marapanim, estado do Pará, é um exemplo do que pode ocorrer. No local foi construída uma rodovia cortando restinga e dunas até a praia, loteando-se posteriormente as regiões marginais à mesma. Iniciou-se, então, a retirada de madeira da mata para construção de cercas e, das dunas, a areia para construção de casas. Próximo a orla, instalaram-se, de forma extremamente desordenada, bares e pousadas, que com a chegada da rede de energia elétrica multiplicaram-se em pouco tempo. Estes, além de utilizarem recursos da restinga, também usufruem em grande quantidade de recursos madeireiros do manguezal, tanto para construção de imóveis, como para fabricação de carvão vegetal. Além disso, frequentemente retiram a vegetação mais próxima à praia, as dos primeiros cordões dunares e brejo herbáceo, para facilitar o trânsito dos usuários.

CONCLUSÃO As modificações ocorrentes na fisionomia e estrutura das formações vegetais da restinga do estado do Pará podem ser decorrentes tanto da ação antrópica como de fatores naturais. As modificações naturais na composição da vegetação são periódicas, não causam impactos prejudiciais ao ecossistema e ocorrem principalmente nas formações com estrato herbáceo (campestre), reflexo de fatores abióticos tais como: topografia, condições edáficas, distância do mar, ação eólica, salinidade, movimento de marés, regime pluviométrico e variação do lençol freático. Estas alterações são sazonais e em consonância com a variação destes fatores. Existem espécies que ocorrem durante todo o ano, e outras exclusivas dos períodos seco ou chuvoso, tanto que a similaridade florística entre os períodos gira em torno de 50%. Também verificou-se que algumas espécies aumentam ou diminuem suas coberturas, em função da menor ou maior quantidade de chuvas. As modificações ocasionadas pela ação humana em decorrência de loteamentos, extração de madeira, retirada de areia e de rochas são perceptíveis e cada vez mais frequentes nas restingas, apesar destas serem locais de preservação ambiental, protegidos por lei federal. No estado do Pará as consequências dessas ações ainda não foram medidas, havendo necessidade de dimensionar, em escala temporal, o efeito das mesmas. No momento, alguns questionamentos necessitam de respostas, como: a vegetação degradada volta a recuperar-se e em que espaço de tempo? Quais as espécies que iniciam a recolonização? Estas são típicas de outros ambientes? Como se dá a instalação destas espécies? Tornam-se necessários e urgentes estudos que permitam um conhecimento mais profundo do litoral, assim como pesquisas voltadas à indicação de espécies aptas a reconstituir as áreas alteradas, no menor espaço de tempo e, até mesmo, daquelas capazes de indicar alterações ou situações de estresse do ambiente. A finalidade é fornecer

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embasamento científico para subsidiar planos de manejo, conservação e recuperação dos ecossistemas litorâneos, levando em consideração que a velocidade da destruição ou depredação dos ambientes, quase sempre é maior do que a das pesquisas.

REFERÊNCIAS ARAÚJO, D. S. D.; LACERDA, L.D. A natureza das restingas. Ciência Hoje, v.6, n. 33, p. 42-48, 1987. BASTOS, M.N.C. Caracterização das formações vegetais da restinga da Princesa, Ilha de Algodoal- PA. 1996. 249f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará/Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, 1996. BROWER, J.E.; ZAR, J.H. Field and laboratory methods for general ecology. 2 ed. Iowa: Wm.C.Brow, 1984. 225p. CORDAZZO, C.V.; SEELIGER, U. Composição e distribuição da vegetação em dunas costeiras ao Sul de Rio Grande (RS). Ciência e Cultura, v.39, n. 3, p. 321-324, 1987. FIDALGO, O.; BONONI, V.L.R. Técnicas de coleta, preservação e herborização de material botânico. São Paulo: Instituto de Botânica, 1984. 62 p. (Manual, n. 4). LACERDA, L.D.; CUNHA, C.T.; SEELIGER, U. Distribuição de nutrientes em perfis de sedimentos em brejos costeiros tropicais e temperados. Acta Limnológica Brasileira, v. 1, p.387-399, 1986. MULLER-DOMBOIS, D.; ELLENBERG, H. Aims and methods of vegetation ecology. New York: John Wiley & Sons, 1974. 574 p. PIRES, J.M. Tipos de vegetação da Amazônia. Publicação Avulsa do Museu Paraense Emílio Goeldi, v. 20, p. 179-202m 1973. O Museu Goeldi no ano do Sesquicentenário. SAN TOS, O.C.O.; ALVES, C.R.M.; MACHADO, I.C. Clima. In: Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro, Macrozoneamento Costeiro do Estado do Pará. Relatório Técnico. Convênio 077/91. Belém: IBAMA/SECTAM/IDESP, 1991. p. 68-76. SILVA, C.A. Caracterização geológica e geomorfológica das margens da Baía de Marapanim, NE do Pará. 1995. 46f. Trabalho de Conclusão de Curso. Belém: Universidade Federal do Pará, 1995. VALK, A.G. van der. Environment factors controlling the distribuition of forbs on foredunes in Cape Hatteras National Seashore. Canadian J. Bot., v. 52, p. 1057-1073, 1974.


ANÁLISE MULTITEMPORAL DA DINÂMICA ESPACIAL DE MANGUEZAIS EM SÃO CAETANO DE ODIVELAS, COSTA NORDESTE DO PARÁ, BRASIL

Jean François Faure ABSTRACT Evolution in mangrove landcover is of prior importance in coastal monitoring and conservation policies. This multitemporal study is the first attempt to quantificate mangrove dynamics at local scales in the northeastern coastal region of Pará. The method is based on an analysis of 1986 and 1995 Landsat TM images coupled with airborn digital video acquisitions. The results show a global tendancy to mangrove accretion in our study zone, despite initial hypothesis of possible anthropogenic stress on the ecosystems. This evaluation gives a much needed guideline for the formalisation of sustainable development indicators in Pará’s northeastern coastal areas.

RESUMO A distribuição e dinâmica espacial dos manguezais são de alta importância na elaboração de políticas de monitoramento e conservação dos ecossistemas costeiros. Este estudo multitemporal constitui uma primeira tentativa na quantificação dos processos dinâmicos, de colonização e erosão dos manguezais, em escalas locais na costa nordeste do estado do Pará. O método baseia-se na análise de cenas Landsat TM de 1986 e 1995 e na interpretação de imagens aerotransportadas de alta resolução, adquiridas por videografia digital. Os resultados mostram uma tendência geral para o crescimento e a expansão dos manguezais no sítio de estudo, contradizendo suposições iniciais de possíveis impactos antropogênicos. Esta avaliação vem fornecendo dados espacializados originais que participarão da construção de indicadores de sustentabilidade nas áreas costeiras paraenses.

INTRODUÇÃO A sudeste do estuário do Amazonas, ao longo da franja costeira até o estado do Maranhão, o estado do Pará detém amplas áreas de distribuição de manguezais ainda bem preservadas, mas cada vez mais expostas às atividades humanas. Preocupado com a ameaça de destruição de habitats naturais e com o crescimento das atividades extrativistas de recursos naturais, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) tem desenvolvido projetos integrados de pesquisa, no âmbito do Programa de Estudos Costeiros (PEC). O presente estudo é parte de um desses projetos, intitulado “Manguezais do litoral paraense: recursos naturais, uso social e indicadores de sustentabilidade”, financiado pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM). É um projeto multidisciplinar, que integra dados de sensoriamento remoto e análises integradas como ferramentas básicas para a caracterização e entendimento das dinâmicas naturais e antrópicas. A relativa falta de dados científicos originais sobre a extensão e distribuição de manguezais na área, em meio, outras considerações, levou à criação, em 1998, de uma Unidade de Sensoriamento no MPEG. Esta unidade oferece documentos cartográficos quantitativos e qualitativos para o projeto anteriormente mencionado, financiado pela SECTAM, e participa com a identificação de indicadores de sustentabilidade, através da elaboração de


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métodos de integração de dados multi-fontes. O objetivo específico do trabalho aqui apresentado é o de produzir uma primeira avaliação em nossas áreas de estudo, sobre a distribuição e dinâmica espacial dos manguezais nos últimos dez anos. O primeiro sítio de estudo está localizado junto ao grande estuário formado pela baía de Marajó. O segundo sítio está diretamente exposto à influência oceânica. A Figura 1 apresenta a situação geográfica das regiões estudadas. A área de São Caetano de Odivelas, primeiro sítio de estudo, localiza-se a 100 km ao norte da cidade de Belém, na margem direita da baía de Marajó, que recebe águas de vários rios, sendo o rio Tocantins um dos maiores. Essa baía, na verdade, forma um estuário de grandes dimensões, que se estende desde a cidade de Belém até o Oceano Atlântico. Os rios Mojuim e Mocajuba, quando próximos à cidade de São Caetano de

Figura 1. Situação geográfica geral das áreas estudadas.


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Odivelas, juntam-se, fornecendo suprimento hidrosedimentológico para a baía do Marajó. Os setores mais externos desse estuário comum contêm um grande número de planícies de maré lamosas, bancos arenosos e pequenas ilhas. As cargas sedimentares transportadas por esses dois rios são parcialmente “bloqueadas” no funil estuarino, dado o obstáculo representado pelas águas da baía do Marajó (MPEG, 1998). A área de Marapanim, o segundo sítio de estudo, está localizada a 50 km a leste de São Caetano de Odivelas. O rio Marapanim, forma um estuário tipo V. Ao contrário do primeiro sítio de estudo, depósitos sedimentares de pequeno e médio portes não são encontrados em número significativo. Por outro lado, ocorre a presença de algumas ilhas e bancos de areia quilométricos, estendendo-se para o Oceano Atlântico (MPEG, 1998). Em ambas as zonas de estudo, os manguezais vão predominando às margens de canais estuarinos principais, nas margens de canais secundários e em bancos de areia e ilhas. A Figura 2 apresenta a situação geográfica local. Dados temáticos espacializados referentes à distribuição de manguezais na região são praticamente inexistentes. A literatura científica não dispõe de avaliações em escala local sobre a progressão/erosão de manguezais. Os resultados esperados no âmbito do projeto financiado pela SECTAM deverão fornecer dados para pesquisas temáticas sobre a dinâmica dos manguezais e constituirá uma base espacializada para a formalização de indicadores de sustentabilidade. Esses dados serão repassados aos tomadores de decisão locais e estaduais, como mapas de síntese para difusão. Representações cartográficas e avaliações qualitativas e quantitativas de erosão/progradação de manguezais, ocorridas durante a última década, são parte importante para o manejo costeiro e desenvolvimento sustentável na região norte do Brasil.

Figura 2. Situação geográfica local.

MATERIAIS E MÉTODOS Materiais e métodos utilizados no desenvolvimento do trabalho estão listados na Tabela 1. Para analisar e avaliar a distribuição, estruturas espaciais e dinâmica de cobertura dos manguezais foi desenvolvida uma combinação de métodos clássicos de processamento de imagens, baseado em cenas LANDSAT TM e videografia digital aerotransportada. Os principais passos são apresentados na Figura 3, em função de disponibilidade de dados para cada zona estudada.

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Tabela 1. Materiais utilizados no desenvolvimento do estudo. TIPO

DESCRIÇÃO

LANDSAT TM 223-61 / 08 jun. 1995 Bandas 1,2,3,4,5,6, e 7

Inclui inteiramente o sítio de estudo em São Caetano de Odivelas, mas exclui o setor norte do sítio em Marapanim. Adquirida em condição de maré baixa.

Digital

Doação SUDAM1

LANDSAT TM 223-61 / 19 jul. 1986 Bandas 1,2,3,4,5,6, e 7

Idêntica ao anterior, mas o extremo norte do sítio de São Caetano de Odivelas não foi capturado. Adquirida em condição de maré baixa.

Digital

Doação IRD2Cayenne

LANDSAT TM 223-60 27 jul. 1988 Bandas 3,4 e 5

Inclui o sítio de estudo em Marapanim e cobre a costa NE do Pará, incluindo a Região Bragantina.

Digital

MPEG

Transects vídeo digitais 26 ago. 1998

Quatro transects sobre as áreas–chave no sítio de São Caetano de Odivelas. Série A. Quatro transects sobre o sítio de Marapanim. Série B. Cada transecto cobre mais ou menos 5000 x 500 m.

Digital

MPEG-IRD

Mapa Topográfico

Folha Marapanim MI 337, editada pelo IBGE em 1981. Escala 1:100.000. Cobre inteiramente o sítio de Marapanim e a metade do sítio de São Caetano de Odivelas.

Digital

MPEG

FORMATO

ORIGEM

A Figura 3 mostra que as análises multitemporais não foram realizadas em Marapanim, em decorrência da ausência de cenas LANDSAT TM em condições mínimas de visibilidade e identificação de alvos. Assim, a análise multitemporal foi efetivada somente na região de São Caetano de Odivelas. Os passos metodológicos listados na Figura 3 são imbricados e ligados a outro no esquema geral. A Figura 4 representa uma breve ilustração da estrutura do método utilizado. DISPONIBILIDADE DE DADOS – Abril 1999 São Caetano de Odivelas

Marapanim

– Mapeamento de unidades de paisagem costeiras (1:50.0001:100.000) ........................................ “ ............................. “ – Quantificação da distribuição de manguezais .............................................................................. “ ............................. “ – Qualificação da distribuição de manguezais ................................................................................ “ – Mapeamento de estrutura de cobertura de manguezais (1:100.000 & 1:75.000) .......................... “ – Aquisição, processamento e interpretação de transectos com vídeo digital aerotransportado em áreas-chave ...................................................................... “ ............................. “ – Mapeamento de transectos com vídeo digital (1:25.000 & 1:10.000) ........................................... “ ............................. “ – Quantificação de dinâmica de cobertura entre 1986-1995 ........................................................... “ Figura 3. Diretrizes metodológicas e disponibilidade de dados para as áreas de estudo

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Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia. Institut de Recherche Pour le Dévelopment.


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Figura 4. Estruturação metodológica.

Classificações supervisionadas e automáticas das bandas 4 e 5 de ambas as imagens levaram à segmentação espectral e espacial de áreas de manguezal, que resultaram na identificação de três tipos radiométricos de manguezais. O Mapa de Distribuição de manguezais foi finalizado e editado após trabalhos de campo. O Mapa de Dinâmica de Manguezais permite identificar a dinâmica espacial desse ecossistema na última década, independentemente do tipo de mangue. Todos os processos geométricos e geográficos apresentados na Figura 4 são baseados no mapa topográfico de referência (MI 337 IBGE/DSG, 1982). Os modelos de deformação polinomial foram calculados com 30 a 40 pontos de controle comuns, no mapa e na imagem. Com o objetivo de obter uma correspondência perfeita durante o processo de superposição de análises multitemporais, a imagem de 1986 foi corrigida pela segunda vez, em relação àquela imagem retificada de 1995, usando somente pontos de controle estáveis no tempo.

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As imagens finais, devidamente classificadas e retificadas, de 1986 e 1995, puderam então ser utilizadas nas cartografias e foram processadas com filtros de generalização para eliminar pixels isolados. Nuvens detectadas sobre zonas de manguezais, em ambas as imagens, foram incrementadas ao resultado final, mas quando localizadas sobre outras superfícies/alvos naturais, não eram incluídas. O processo se resumiu a uma simples combinação matemática das imagens temáticas de 1986 e 1995. Três códigos numéricos foram atribuídos aos pixels de manguezais: um código c1 para pixels pertencentes somente à imagem de 1986; um código c2 para pixels pertencentes aos manguezais de 1986 e 1995; um código c3 para pixels pertencentes somente aos manguezais da imagem de 1995. A videografia em transectos foi utilizada como um dado de “controle de campo” nos processos de classificação, após as imagens terem sido interpretadas em detalhes pela equipe científica do Departamento de Ecologia do Museu Paraense Emílio Goeldi. A videografia mostrou hotspots representativos de progradação e erosão de manguezais. Essas feições foram identificadas e localizadas com precisão usando o Mapa de Unidades de Paisagem, antes da campanha de videografia. A aquisição das imagens de videografia digital teve dois objetivos: produzir imagens de alta resolução sobre importantes processos ecológicos que ocorrem nos manguezais presentes nas zonas de estudo, bem como iniciar e estruturar os procedimentos regulares de monitoramento. Os dados de campo foram coletados simultaneamente às aquisições de imagens de videografia. Uma segunda aquisição de imagens de videografia sobre as mesmas zonas foi planejada para o ano de 1999, mas não pôde ser realizada. Assim, uma simples aquisição fotográfica aerotransportada (fotografias verticais com câmera fotográfica comum) foi realizada. Os mapas de Unidades de Paisagem e de Distribuição de Manguezais de 1995 (São Caetano de Odivelas) foram então utilizados nas campanhas de campo pelos vários pesquisadores de diferentes áreas científicas, para fins de controle dos pontos de coleta de dados e informações.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Todos os processos cartográficos tiveram acurácia de 10 a 20 m em relação ao mapa topográfico de referência de Marapanim. O último terço ocidental da imagem de São Caetano de Odivelas está localizado fora da área coberta pelo mapa de topográfico e, por esta razão, não dispôs de referência para comparação da acurácia. Não há mapas (topográfico, planialtimétricos) para a região de São Caetano de Odivelas em escala local. Os mapas de Unidades de Paisagem estão disponíveis em escalas 1:50.000 e 1:100.000, tanto para a região de São Caetano de Odivelas quanto para Marapanim. A título de exemplo, um formato reduzido do Mapa de Unidades de Paisagem para a região de São Caetano de Odivelas é apresentado na Figura 5. A distribuição dos manguezais, em termos percentuais de ocorrência nas imagens trabalhadas, nas duas áreas estudadas, pode ser acompanhada na Figura 6. Os diagramas mostram que a ocupação relativa de manguezais é similar para ambos os sítios estudados, representando algo em torno de 20% da faixa de terreno costeiro que foi considerada neste estudo. Em ambos os casos, esta faixa de terreno costeiro abrange aproximadamente 15 km de extensão em direção ao continente. As assinaturas espectrais na banda 4 da imagem LANDSAT e, de uma forma mais ampla, na banda 5, foram muito características para as áreas de manguezais e foram registradas pouco ruído radiométrico durante o processo. Os resultados da classificação final para o estudo multitemporal para o sítio de São Caetano de Odivelas são apresentados na Tabela 2.


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Figura 5. Mapa de Unidades da Paisagem para a área de São Caetano de Odivelas.

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Figura 6. Extensão relativa de manguezais em ambos os sítios de estudo.

Tabela 2. Resultados da classificação para o estudo multitemporal. Nº de pixels Água Código c1 Código c2 Código c3 Outros

292861 17362 116217 27038 554522

Cobertura vegetal (ha) 26357,49 1562,58 10459,53 2433,42 49906,98

Cobertura vegetal (km2) 263,57 15,62 104,59 24,33 499,06

A interpretação da Tabela 2 deve ser feita em referência aos códigos utilizados na metodologia: c1 é o código para manguezais detectado somente na imagem de 1986; c2 para os manguezais detectados nas imagens de 1986 e 1995; c3 para manguezais detectados somente na imagem de 1995. Uma leitura simplificada dos dados é apresentada a seguir: Cobertura de manguezal 1986: c1 + c2 = 120,2* km2 1985: c2 + c3 = 128,9 km2 *Margem de erro estimada de ± 7 a 10% em relação aos resultados da classificação.

Em relação aos diagramas apresentados na Figura 6, podem ser procedidas as seguintes estimativas: • Dinâmica do manguezal entre 1986 e 1995 • Taxa de erosão: 12,9% • Taxa de progradação: 20,2% • Evolução global: + 7,2% (= 8,7 km2 de progressão) • Taxa média anual de evolução de vegetação entre 1986 e 1995 – Regressão: 1,2% (= 1,7 km2/ano) – Colonização: 2,0% (=2,7 km2/ano)


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O Mapa de Dinâmica Espacial de Manguezais representa a distribuição espacial de áreas de progradação e erosão de manguezais entre 1986 e 1995. Esse mapa foi elaborado em português, para as necessidades científicas do projeto “Manguezais do litoral paraense: recursos naturais, uso social e indicadores de sustentabilidade”, financiado pelo Fundo de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (FUNTEC). O layout original colorido apresenta localização da drenagem superficial (rios, igarapés e lagos), polos urbanos e sistema viário. Na Figura 7 é apresentado o formato reduzido do mapa original, em escala 1:175.000. Observando atentamente a Figura 7, pode-se inferir que as áreas principais de evolução de manguezais estão centralizadas nos estuários dos rios Mojuim e Mocajuba, assim como na margem norte da baía de Marajó. A tendência hipotética de acreção do manguezal foi confirmada através de análises de fotografias aéreas em preto e branco obtidas em levantamento aerofotogramétrico realizado em 1977, onde é possível observar que pequenas ilhas, então identificadas nas imagens de satélite, não existiam quando do recobrimento fotográfico da década de 1970. Assim, em um período de 20 anos, um manguezal se instalou nesses bancos arenosos quilométricos e se desenvolveu até formar bosque adulto com árvores de até 10 a 15 m de altura. Conforme apontado na introdução deste trabalho, os sedimentos carreados pelos rios Mojuim e Mocajuba tendem a ser parcialmente bloqueados/aprisionados dentro do perímetro estuarino, formando acumulações/ depósitos arenosos finos, pequenas barras e ilhas arenosas, nas quais os manguezais rapidamente se estabelecem em sucessões vegetacionais características. Contudo, o estuário também é um local de erosão ativa para o ecossistema manguezal. Frentes de erosão podem ser detectadas em várias situações geográficas, onde linhas de costa e margens de rios são submetidos às ações erosivas de ondas, fortes correntes de maré ou energia fluvial. Em algumas áreas essas forças podem atuar combinadas, quando, em situação de maré baixa, as correntes de maré e fluviais atacam a estabilidade das margens. Embora os movimentos de sedimentos nos estuários estudados sejam muito dinâmicos, não podem ser comparados, por exemplo, com a situação da linha de costa da Guiana Francesa, onde velocidades de migração superiores a 200 m/ano podem ser registradas (CHARRON; PROST , 1993). As margens das baías de Mojuim e Mocajuba abrangem a maior concentração de acreção de manguezal a oeste da cidade de São Caetano de Odivelas. Uma delgada franja de progradação pode ser notada a partir da cidade de Vigia, em direção aos limites noroeste dos estuários dos rios Mojuim e Mocajuba, onde as maiores manchas de manguezais recém-colonizados são encontradas. Nas imagens da videografia digital foram evidenciadas uma série de antigas linhas de costa neste setor, assim como dunas podem ser observadas a poucas centenas de metros continente adentro, no contato manguezal-planalto costeiro. Essas paleolinhas de costa são orientadas segundo a direção SW-NE, paralela à linha de costa atual. A forte tendência de acreção costeira e instalação de manguezais parece ser a expressão de uma evolução natural mais antiga desses complexos estuarinos. A região sudoeste do mapa é caracterizada por uma dominância relativa de pequenos setores de erosão. Esses provavelmente estão associados a fatores antropogênicos, uma vez que são estruturados em formas geométricas e situados em um perímetro relativamente próximo de Vigia, maior cidade da zona estudada. Essas supressões de vegetação são relativamente limitadas e parecem não constituir, por enquanto, uma ameaça a estabilidade do ecossistema manguezal (MPEG, 1988).

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Figura 7. Mapa de dinâmica espacial de manguezais entre 1986 e 1995 – Região de São Caetano de Odivelas-Pará


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CONCLUSÃO Ao contrário de outras áreas de manguezal no norte e sul do Brasil, a evolução da cobertura vegetal na costa nordeste do estado do Pará é influenciada principalmente pela dinâmica natural. Os resultados do presente estudo indicam que a tendência geral da cobertura de manguezais é de progradação, conforme atesta a taxa de expansão de 7,25% registrada na última década, na região de São Caetano de Odivelas. A cobertura de manguezais ainda é muito pouco afetada por atividades antrópicas, mesmo onde há visíveis sinais de supressão da vegetação de mangue, por exemplo, no setor próximo à cidade de Vigia. Na ilha de São Luís, localizada a 300 km a oeste de São Caetano de Odivelas, a erosão do mangue é predominante, devido principalmente a causas antropogênicas. Os manguezais dessa área regrediram em taxas de 20%, durante um período de tempo de análise espacial comparável ao utilizado nesse estudo (REBELO MOCHEL, 1997). Ao longo da costa nordeste do Pará, condições ecológicas e demográficas similares àquelas observadas em São Caetano de Odivelas se estendem desde a baía de Marajó até a região de Salinópolis. Assim, é necessário o desenvolvimento de outros estudos multitemporais nessa área para determinar se esta tendência de acreção de manguezais se observa para toda a costa paraense. A avaliação da dinâmica da cobertura vegetal é importante na caracterização da qualidade ambiental e do status ecológico dos manguezais, mas não é suficiente. O impacto em ecossistemas manguezais às proximidades da cidade de Belém, metrópole com mais de dois milhões de habitantes, ainda não se reflete nos sítios estudados. Em outros municípios como Salinópolis e Bragança, dois dos principais destinos turísticos do Pará, dezenas de acres de manguezais têm sido destruídos como consequência de construção de estradas ou especulação mobiliária. Em São Caetano de Odivelas, o principal impacto nos manguezais parece ser sentido na fauna, tal como caranguejos e peixes, recursos que são pesadamente e insustentavelmente explorados. Mesmo assim, a extensão espacial continua a ser um forte indicador de saúde do manguezal: populações de caranguejo, por exemplo, são essenciais para os processos de oxigenação do solo de manguezal, uma vez que escavam inúmeras galerias subterrâneas; por essa razão, sua destruição pode resultar na falência do ecossistema como um todo, com notáveis consequências em termos de cobertura global. Para o monitoramento costeiro e estabelecimento de políticas de conservação, a elaboração de avaliações de referência de tendência global para a evolução da cobertura vegetal é a condição basilar. A construção de indicadores de sustentabilidade demanda a integração das referidas estimativas, que ainda não haviam sido produzidas nesta escala na região de São Caetano de Odivelas.

REFERÊNCIAS CHARRON, C.; PROST, M.T. Integração de dados LANDSAT e SAR ERS-1 na análise de modificações costeiras intertropicais. Exemplo de Kourou, Guiana Francesa. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, 7. 1995. Curitiba. Anais... Beém, 1993. p.105-118. FAURE J-F. Monitoramento do meio ambiente litorâneo por sensoriamento remoto: mapeamento básico e temático dos ecossistemas de manguezais no nordeste do Pará. Primeiros Resultados. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECOLOGIA, 4. 1998. Belém. Anais... Belém, 1998, p. 637-638. MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI. MPEG. Projeto Manguezais paraenses: recursos naturais, uso social e indicadores para a sustentabilidade. Relatório Final. Belém: MPEG, 1998. PROST, M.T.; MENDES, A.; BERREDO, J.F.; SALES, M.E.; CHARRON, C.; FAURE, J-F. & CARTAGENES, E. Mangroves and coastal dynamics in the northeastern coast of Pará, Brazil. In: SYMPOSIUM ON RECENT ADVANCES AND FUTURE TRENDS IN MANGROVE RESEARCH. Anais... Toulouse, 1998. REBELO-MOCHEL, F. Mangroves on São Luis Island, Maranhão. In: Mamgrove Ecosystem Studies in Latin America and Africa. Paris: UNESCO/ISME/USFS, 1997. p. 145-154.

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ESTRUTURAS ARQUITETURAIS DOS BOSQUES DE AVICENNIA GERMINANS E RHIZOPHORA MANGLE: ELEMENTOS DIAGNÓSTICOS DA DINÂMICA DE MANGUEZAIS DAS MARGENS DO RIO MARAPANIM (ESTADO DO PARÁ, BRASIL)

Denis Loubry Maria Thereza Prost

ABSTRACT Structural analysis of tree species that form the mangroves of estuary of Marapanim River (State of Pará, Brazil) was performed for diagnosis of different dynamic states of this plant community. This study has allowed us to characterize the different stands of mangroves, mainly composed by two species: Avicennia germinans and Rhizophora mangle. These stands are dominated by one or the other species or consortium by them. The distribution of different populations throughout the Marapanim river and bay led us to formulate a hypothesis on the evolution of these courses: the dynamics of these riparian formations fall under two distinct procedures, related to components hydrodynamics and hydrochemistry of the river waters as marine or fluvial influences dominant but also function upstream of potential floristic whether to permit the colonization of new environments by species “inland” as those of “lowland - várzea”. Thus, the architectural analysis of tree species, in the case of mangroves, proves to be a diagnostic ecological tool that moves beyond the limits of description morphological of species studied to be um ecological analysis tool. Particularly, actually it turns out a pragmatic element diagnosis of the dynamics of mangroves.

RESUMO A análise estrutural das espécies arbóreas que formam os manguezais do rio Marapanim (Estado do Pará, Brasil) foi realizada para obter um diagnóstico dos diferentes estados dinâmicos destas formações vegetais. A pesquisa permitiu caracterizar os diferentes povoamentos dos manguezais que são constituídos principalmente pelas espécies Avicennia germinans e Rhizophora mangle. Os bosques são dominados ou codominados pelas espécies citadas. A distribuição das mesmas na baía de Marapanim levou os autores a levantar a hipótese aqui representada sobre a evolução das duas espécies principais, que corresponde a duas modalidades distintas, ligadas à hidrodinâmica e à hidrogeoquímica das águas do rio (influência fluvial e/ou marítima dominante), mas também em função do potencial florístico a montante, possibilitando ou não a colonização de novos ambientes por espécies “continentais” como as de várzea. Assim, a análise estrutural das espécies arbóreas, no caso dos manguezais, é uma "ferramenta-diagnóstico" que ultrapassa os limites da descrição morfológica das espécies estruturadas, para tornar-se uma ferramenta da análise ecológica. Para o presente, esta metodologia revelou-se muito útil para estudar a dinâmica dos manguezais da área em questão.

INTRODUÇÃO Os manguezais são ecossistemas eminentemente dinâmicos, que em poucos anos podem se modificar consideravelmente. A morfologia e a arquitetura das principais espécies arbóreas dos manguezais são os marcadores dessas transformações e, também, elementos diagnósticos do estado do meio. Essa hipótese foi testada em manguezais do estuário do rio Marapanim (00°32’30”S / 00°52’30”S e 47°45’W /4 7°45’00”W) (Figura 1),


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Figura 1. Localização da área de estudo.


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através de trabalhos de campo realizados no âmbito do Programa ECOLAB3 e do Projeto “Manguezais do litoral paraense: recursos naturais, uso social e indicadores para a sustentabilidade”, financiado pelo Fundo de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (FUNTEC). Estes imensos bosques são constituídos essencialmente por duas espécies: Avicennia germinans e Rhizophora mangle. Uma terceira espécie, Laguncularia racemosa, constitui populações muito mais modestas em franjas arbustivas ou arbóreas. Os trabalhos de campo desenvolvidos pela equipe do Departamento de Ciências da Terra e Ecologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (CCTE-MPEG) em geomorfologia, geoquímica, sedimentologia e pedologia, com o apoio de sensoriamento remoto e videografia digital (ver os trabalhos de TIMOUK et al. e FAURE, neste livro), chamaram a atenção para mudanças significativas na morfologia das espécies lenhosas de manguezais nas margens do estuário. Até que ponto essas mudanças podem ser marcadores de estado do meio? As espécies dominantes tiveram o mesmo comportamento ou não? Como saber “ler” esses tipos de “arquivos” naturais? Supõe-se que as características estruturais de uma árvore - que definem intrinsecamente a sua arquitetura permitem compreender objetivamente a forma e a dinâmica do crescimento das plantas (HALLÉ et al., 1970, 1978; BELL, 1991; EDELIN 1991, BARTHOLOMEW et al., 1989, 1991); estes caracteres são pontos de convergência dos determinantes endógenos e exógenos. Assim, as formas, funções e relações planta-ambiente formam um conjunto que integra a totalidade ou parte das respectivas ontogeneses da árvore. A análise da arquitetura da árvore pode ser uma ferramenta poderosa para o botânico, o fitosociologista, o ecológo lato sensu, que quer otimizar suas observações de campo e rapidamente atingir um nível adequado de informação integrada.

METODOLOGIA As arquiteturas das duas espécies principais do presente estudo são relativamente simples de entender: • a arquitetura da Laguncularia racemosa é muito parecida morfologicamente à da Rhizophora mangle; que foi escolhido como o diagrama do modelo de arquitetura de Attims (ATTIMS; CREMERS, 1967; HALLÉ; OLDEMAN, 1970; HALLÉ et al., 1978, GILL; TOMLINSON, 1969; TOMLINSON, 1986); • a arquitetura de Avicennia germinans nunca foi estudada em detalhe, mas Tomlinson (1986) considera que esta é muito próxima àquela definida no modelo de Attims. No entanto, existem diferenças distintas que separam estas formas arquitetônicas como discutido a seguir. O trabalho de prospecção (Fase I) foi realizado durante as campanhas de geoquímica de água e sedimentos, no âmbito do Projeto CAPES/COFECUB 002N/974 e Programa ECOLAB. Foi seguido na Fase II por viagens de campo ao longo do rio Marapanim, no âmbito do Programa ECOLAB e do Projeto “Manguezais do litoral paraense: recursos naturais, uso social e indicadores para a sustentabilidade”, realizados entre a parte mais externa do estuário e o limite depenetração da cunha salina (na localidade de Remanso). Este trabalho foi apoiado pela ferramenta do sensoriamento remoto durante os três últimos anos, no âmbito da cooperação com o IRD/LRT-Cayenne e pelo DEL/MPEG, que disponibilizou local para as ações eficazes do

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Programa de cooperação franco-brasileiro para o estudo da dinâmica de manguezais do norte da América do Sul. Etude de la dynamique côtiere et des mangroves (1994-1998.MPEG/DEL,UFPA, Univ. Paris VI e Paris XI).

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bolsista Jean François Faure, responsável direto pela implementação da Unidade de Análises Espacias no Museu Paraense Emílio Goeldi (UAS-MPEG). Os Mapas de Unidades de Paisagem em escala 1:30.000, foram considerados ferramentas performantes para a realização de trabalhos de campo e para seleção e localização dos pontos de coleta de dados. Em cada sítio de observação as características estruturais e morfologia das espécies dominantes nos manguezais eram observadas e comparadas aos resultados obtidos nas amostragens sedimentológicas, o estado da liteira, os processos geomorfológicos e os perfis de solo. Os resultados preliminares foram discuntidos durante reuniões mensais de trabalho integrado, realizadas em 1998-1999.

RESUMO DOS PRINCIPAIS CONCEITOS NA ARQUITETURA O modo de funcionamento de uma árvore aparece através da sua estrutura e a sua dinâmica de desenvolvimento, que pode ser explicada por meio da análise da arquitetura de estágios ontogenéticos. Este método foi desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Montpellier II/Centre National de Recherche Scientifique (CNRS) e aplica-se ao estudo de vários sistemas ramificados. Edelin e Atger (1995) coletaram dados fundamentais tanto em morfologia quanto em arquitetura vegetal e, posteriormente, realizaram a síntese dos principais conceitos utilizados na análise arquitetônica.

O conceito de unidade arquitetural A unidade arquitetural consiste em um sistema ramificado, em que os eixos apresentam especializações morfológicas e funcionais. O caráter unitário é dado pela complementaridade das diferentes categorias de eixos que constituem o sistema. Os eixos dependem estruturalmente e funcionalmente uns dos outros. Suas interações proporcionam o funcionamento integrado do conjunto. A diferenciação da unidade arquitetural ocorre durante as fases iniciais de desenvolvimento da árvore. Subsequentemente, o organismo pode multiplicar o número de unidades arquiteturais que, em contrapartida, reduzem-se a uma estrutura limite denominada como unidade mínima.

O conceito de reiteração A reiteração é um modo particular de ramificação, quando o sistema ramificado duplica sua própria arquitetura (Figura 2). As novas unidades arquiteturais então formadas são denominadas como réitérats. Os ramos formados são produtos do fenômeno de reiteração.

Lembretes de Morfologia Todos os caules e folhas constituem o “aparelho caulinar” das plantas superiores, enquanto que o conjunto de raízes é chamado de “sistema radicular”. A haste ou “caule” é constituído por uma sucessão de “unidades estruturais”5. A extremidade do caule é formada por um tecido particular, de natureza embrionária, que é responsável pelo crescimento do eixo, ou seja, do meristema apical, que determina o arranjo das folhas sobre o caule. Do

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Cada phytômero comporta um nó e um entrenós ao nível dos quais está inserida uma folha. Na base da folha se localiza um ou mais meristemas auxiliares.


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Figura 2. Modalidades de reiteração total e parcial determinantes para a forma geral do dossel das árvores (EDELIN; ATGER, 1995).

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ponto de vista anatômico, o sistema radicular difere do caule, devido o arranjo de tecidos condutores produzidos pelo meristema primário. Caules e raízes têm a capacidade de crescer em comprimento (crescimento primário) e em espessura (crescimento secundário). Durante o crescimento e desenvolvimento de árvores, por exemplo, há uma alternância entre as fases de atividade e de estagnação (crescimento rítmico), crescimento que se traduz em períodos de alongamento e de ausência de alongamento do caule6. Foi notado que em algumas áreas de mangue “anão” (“apicum”), localizadas em uma região próxima ao Salgado Paraense (Bragança), que as populações de Avicennia germinans foram marcadas pela existência de uma série de entrenós curtos, correspondentes a um stress da árvore devido à hipersalinidade do meio. O desenvolvimento e crescimento de caules, folhas e raízes são a base do conceito de organização da árvore.

O conceito de plano de organização O plano de organização reflete a relação existente entre os eixos de um sistema de ramificação. Existem dois tipos de planos: hierárquico e poliárquico. • PLANO DE ORGANIZAÇÃO HIERÁRQUICO – Todos os eixos do sistema de ramificação são diferenciados e apresentam uma especialização morfológica tal, que os mesmos devem funcionar em sinergia para assegurar a existência do organismo. Esta especialização se exprime através de uma organização hierárquica: um eixo é dominante e os outros são dominados. Os eixos são dependentes uns dos outros e irão crescer e florescer ao mesmo tempo. Esta organização hierárquica permite um rápido crescimento da árvore, mas é mais sensível às alterações externas. • PLANO DE ORGANIZAÇÃO POLIÁRQUICO – Todos os eixos são similares e não apresentam especialização funcional. Não há eixo líder, ou seja, são independentes. Em contraste com a organização hierárquica (onde o eixo central domina o desenvolvimento dos outros), aqui cada eixo secundário (réiterat) pode crescer e se desenvolver em momentos diferentes. O crescimento da planta é mais lento, mas é menos sensível às mudanças ambientais externas. Esta organização é incompatível com o porte arborescente. Na verdade, um siatema ramificado estritamente hierárquico ou poliárquico corresponde a uma situação teórica ideal. Um sistema ramificado representa equilíbrio permanente entre a poliarquia e hierarquia, assim como as transições potenciais, são a fonte de adaptabilidade arquitetônica dos indivíduos com o ambiente em que vivem.

AS UNIDADES ARQUITETURAIS O estudo da arquitetura vegetal demanda o conhecimento da morfologia clássica. No entanto, parece que certas características morfológicas são mais pertinentes que outras para descrever a estrutura tridimensional das plantas. A observação das características das árvores necessita de um trabalho multidisciplinar, um esforço de grupo para descrever os detalhes com o máximo cuidado e precisão.

O caso da Avicennia germinans O desenvolvimento de uma árvore, como já foi anteriormente mencionado, realiza-se pela elaboração de três níveis de organização estrutural ou unidades arquitetônicas (UA) e aplica-se à Avicennia germinans (Figura 3): 6

A porção do caule que durante um período de elongação se chama uma Unidade de Crescimento (UC).


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Figura 3. Ontogênese e dinâmica de crescimento de Avicennia germinans: 1) árvore juvenil em estágio de unidade arquitetônica elementar (estágio UA1); 2) e 3) árvores juvenis formadas por uma série linear de unidades elementares (estágio UA2); 4) árvore em seu estágio de organização específico (UA3): unidade arquitetônica de “árvore do amanhã” (OLDEMAN, 1974); 5) e 6) As reiterações sucessivas de unidades arquitetônicas específicas elaboram a copa da “árvore do presente”; 7) e 8) árvores na fase senescente: as reiterações se distribuem de maneira poliárquica desorganizada.

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• O primeiro nível de organização corresponde ao módulo elementar (UA1), caracterizado por um eixo monopodial7 e ortótropico (crescimento vertical), com estágios rítmicos de galhos monopodiais e plagiotrópicos (crescimento horizontal ou oblíquo). Esta característica é uma das mais importantes, quando comparada às demais. • O segundo nível de organização (UA2) é formado por uma série linear de módulos ortotrópicos (vertical) com galhos igualmente ortotrópicos, mas também de crescimento simpodial8, a partir do tronco. • O terceiro e último nível de organização (UA3) constitui a unidade arquitetônica da espécie. É formada por um tronco ortotrópico simpodial com galhos laterais ortotrópicos monopodiais. Esse último estágio arquitetônico caracteriza “a árvore do futuro” (OLDEMAN, 1974). Verificou-se que quando os eixos da árvore se desenvolvem sobre a ramificação, tendem a se diferenciar entre eles e a construir arranjos estruturais hierárquicos (unidades estruturais mencionadas anteriormente). No entanto, esses conjuntos não aumentam de maneira indefinida. Um processo particular de ramificação os conduz, sob certas condições, a se duplicarem espontaneamente (reiteração) e permitir o desenvolvimento de diversas unidades de arquitetura justapostos. A infraestrutura da copa da “árvore atual” se estabiliza por repetições sucessivas de reiterações que são, estruturalmente, as repetições da unidade arquitetônica A3. O número de episódios de reiteração determina o grau de desenvolvimento dos membros durante a fase de expansão da copa da árvore. A fase de regressão observada várias vezes em Avicennia germinans, durante os trabalhos de campo no Salgado Paraense, é marcada pela formação de reiterações diferentes e tardias nos galhos e, mais diretamente, no tronco (em caso, por exemplo, de situações de estresse ou poluição), que pode levar a uma diminuição brutal do tamanho e da biomassa da árvore e, consequentemente, colocar em perigo a sua integridade (como, por exemplo, as Avicennias sp. “anãs”, observadas na região de Bragança-PA). Em árvores adultas, a formação destas reiterações ocorre com a produção de raízes adventícias sobre os galhos e tronco, evidenciadas nos bosques mistos da região de Marapanim (Ponta Grande). A poda dos galhos acompanha a descida da copa: os galhos são menos providos, irregulares e essa aparência um tanto quanto insignificante foi registrada ao norte das localidades de São Vicente e Remanso, no estuário do rio Marapanim. Além disso, as reiterações que se formam na base do tronco se multiplicam (como observado em manguezais de São Caetano de Odivelas) e podem até a se constituir em indivíduos independentes, atingindo dimensões significativas. Em resumo, a reiteração diferenciada é um indicador arquitetural de todo declínio estrutural da árvore, seja ele temporário ou definitivo.

O caso da Rhizophora mangle A arquitetura da Rhizophora mangle não tem sido objeto de uma análise detalhada, mas Hallé et al. (1970), baseados no modelo arquitetônico de Attims, estabeleceram um modelo de arquitetura derivado da descrição morfológica original de Rhizophora racemosa, espécie muito semelhante à anterior.

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O meristema apical do eixo que se ramifica permanece funcional durante a formação dos eixos laterais. O sistema de eixos que resulta desta operação é chamado de monopodial. O meristema apical possui um funcionamento definido. Quando ele morre, formam-se ramos laterais sobre o eixo, assegurando o crescimento e o desenvolvimento lateral.


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Em ambas as espécies o tronco corresponde a um monopé, sobre o qual os galhos ortotrópicos são inseridos de forma contínua ou difusa. Cada um desses galhos é igualmente um monopé com galhos laterais também de forma contínua ou difusa. A floração é sempre lateral e, portanto, não exerce influência no crescimento do aparelho vegetativo aéreo. Essa descrição morfológica destaca as grandes características da arquitetura dessas espécies, mas mascara, sobretudo, sua admirável plasticidade de desenvolvimento. De acordo com os novos conceitos de planos de organização, esta flexibilidade estrutural se traduz em diferentes modalidades de desenvolvimento que, em suma, são duas formas adequadas para a utilização dos recursos energéticos de um determinado meio. Uma delas responde às características de um plano de organização hierárquico, ao passo que a outra corresponde a um exemplo perfeito de um plano de organização poliárquico (Figura 4A-D). • No primeiro caso, o tronco da Rhizophora sp. é um eixo monopodial reto, que se desenvolve por aproximadamente 15 a 25 m de altura, a partir do desenvolvimento de um propágulo com longo hipocótilo carnudo, ao ponto de sua ancoragem no substrato situar-se no mesmo plano vertical do tronco. Galhos plagiotrópicos se sucedem regularmente ao longo do tronco perfeitamente ortotrópico. Esses, verticais em origem, colapsam progressivamente e formam, então, as ramificações plagiotrópicas. A estrutura geral da árvore parece refletir uma organização rígida, e, para o nível do sistema de raízes aéreas, que é claramente dominante, formam uma matriz radial. Ao longo desses eixos em forma de grandes arcos, emergem os galhos

Figura 4. Modalidades morfológicas de Rhizophora mangle: A) Esquema arquitetural do modelo de Attims (HALLE; OLDEMAN, 1970); B) Forma florestal exprimindo um plano de organização hierarquizado; C) Forma heliófila exprimindo um plano de organização totalmente poliárquico; D) Forma ripícola mostrando a transição entre uma forma hierárquica e uma forma poliárquica; o tronco ainda está presente, mas as reiterações já possuem seus próprios sistemas radiculares adventícios.

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laterais cujo número aumenta em função do número de ordem da ramificação. A ordem final é representada por uma coroa de raízes a partir de um círculo geral. • No segundo caso, a organização poliárquica que se torna difícil de distinguir um tronco único, e enquanto ainda houver, este está afastado e muito longe de seu ponto de ancoragem inicial. O sistema radicular não ocupa mais a parte basal da árvore, mas se distribui ao longo da estrutura caulinar. Essas árvores apresentam um porte espesso, onde cada galho apresenta seu sistema radicular próprio. Esses galhos são, de fato, elementos estruturais comparáveis a jovens indivíduos e formam um conjunto de tipo clonal. Essas reiterações são interdependentes, embora algumas derivadas anteriormente e conectadas pela base plagiotrópica de antigos eixos, hoje estão fisiologicamente inativos. Dependendo do grau de abertura do ambiente, podem ocorrer formas arbustivas de onde emerge um eixo mais ou menos dominante – forma ripícola – até formas totalmente arbustivas, espessas e muito espalhadas, capazes de recobrir superfícies de uma centena de metros quadrados.

OS COMPARTIMENTOS DE MANGUEZAIS AO LONGO DO RIO MARAPANIM Foram observados diferentes estágios de desenvolvimento em espécies de mangue, em vários pontos da ilha dos Bombeiros, localizada em frente à cidade de Marapanim. A vegetação forma uma cobertura densa e de aparência uniforme. Entretanto, um exame das árvores revelou a existência de pelo menos quatro diferentes populações de Avicennia germinans: • População jovem formada por árvores reiteradas, em fase de expansão, mas que já mostra vários sinais de declínio, conforme evidenciado pela proliferação de reiterações em diferentes estágios de desenvolvimento sobre os galhos e o tronco. Essas árvores estão consorciadas com árvores de Rhizophora mangle que não apresentam sinais particulares de comprometimento. • População de jovens Avicennias, com cerca de uma dezena de metros de altura, ainda na fase de “árvore do amanhã”, que já apresentam as primeiras reiterações ao longo do tronco. Essa população colonizadora forma uma mancha densa de superfície baixa; • População composta por Avicennia germinans maturas, mas apresentando os sinais de declínio. Essas árvores estão misturadas às de Rhizophora mangle em pleno desenvolvimento, sob um modo hierárquico. Que não apresentam sinais exteriores de declínio; • Enfim, na outra face da ilha, ocorre uma população de Avicennia germinans de grandes dimensões. Embora essas árvores estejam na fase de senescência, as reiterações são muito desenvolvidas nas zonas medianas e na base do tronco. Na margem direita do rio Marapanim, em frente à cidade homônima, a frente do mangue está fortemente atacada pela erosão. Muitas árvores caíram, e atrás dessa linha erosional, árvores de Avicennia germinans ainda estão em posição de vida, mostram sinais de deteriorização avançada, assim como indivíduos jovens em início de fase reiterativa sobre as árvores senescentes abundantemente reiteradas. As Avicennia germinans estão mortas e seus sistemas radiculares estão em grande parte descobertos, devido à ação erosiva sobre as margens. Um pouco mais ao norte do ponto anterior, nos manguezais que bordejam o rio Cuiarana, as Avicennias germinans ocorrem em número menor do que as Rhizophora mangle. No entanto, suas árvores atingem grandes dimensões e parecem se distribuir de maneira relativamente homogênea. Os manguezais de grandes diâmetros (cerca de 1m


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de diâmetro à altura do peito) apresentam reiterações tanto nos galhos quanto nos troncos. Essas árvores são, em maioria, indivíduos senescentes. No entanto, a presença de árvores mais jovens demonstra que esta população não tem a mesma idade. O substrato deste manguezal é irregular e forma um modelado de relevo muito baixo. As zonas mais altas são geralmente ocupadas por uma ou duas árvores de Avicennia germinans, enquanto que árvores de Rhizophora mangle estão geralmente presentes em todo o modelado de relevo, incluindo os canais de maré. A população de Rhizophora mangle é formada por árvores de todas as idades, de juvenis em forma de matagal, até adultas, com dossel. Por outro lado, as Avicennia germinans juvenis são mais raras e somente presentes em largas aberturas (clareiras) formadas na esteira da “colheita” (aberturas naturais na floresta, formadas pela queda de árvores). Acredita-se que a destruição do manguezal se dá, em primeira análise, por uma população essencialmente adulta de uma espécie heliófila estrita (Avicennia germinans) e por uma população mais heterogênea e mais tolerante às condições do substrato e de iluminação (Rhizophora mangle). Em conclusão, ao longo do rio Marapanim, as populações de Avicennia germinans se distribuem da seguinte forma: • Populações essencialmente formadas por árvores adultas, de grande tamanho, no baixo curso do rio (influência marinha dominante e com efeitos de maré), com predomínio de Rhizophora mangle. Os indivíduos jovens se apresentam sob a forma de manchas irregulares, em zonas de sedimentação recente. • População adulta com dominância de Rhizophora mangle na zona de transição em São Vicente. • População senescente mais largamente dominante, localizada em frente a São Vicente, estendendo-se até Marudazinho (influência fluvial dominante a montante da cunha salina). Rhizophora mangle está presente, na forma poliárquica e constituindo arbustos muito densos, que subsistem em um ambiente de planície fluvial inundável.

DISCUSSÃO

Plano de organização e dinâmicas entre Avicennia germinans e Rhizophora mangle Foi observado que para a Avicennia germinans o desenvolvimento se articula pela passagem sucessiva de um plano de organização hierárquico (que condiciona a estrutura da árvore jovem), ao estabelecimento do topo da árvore adulta, formada pelo empilhamento de reiterações (modo poliárquico ordenado). Em certos casos, a organização poliárquica conduz a estruturas menos ordenadas que se traduzem pela presença de vários copas. Ela confere a todos os complexos reiterados uma autonomia crescente, com o surgimento de sistemas radiculares adventícios na base de cada um dos eixos. Os troncos dessas árvores são muitas vezes ocos e atravessados por feixes de raízes adventícias que emergem dos pontos de interseção das reiterações. No entanto, globalmente a árvore é dependente da estrutura hierárquica primária, que conduz à construção do tronco. A forma hierarquizada existe igualmente na Rhizophora mangle e se manifesta tanto no caule quanto no sistema radicular aéreo. Esta forma é dominante no contexto ecológico da floresta, ou seja, em um meio relativamente fechado e, portanto, empobrecido troficamente em recursos luminosos. Inversamente e na sequência de um crescente grau de abertura do meio, essa forma hierarquizada é substituída, em termos de desenvolvimento, cada vez mais colonial. O tronco da fase hierarquizada desaparece e uma copa “rampante”

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se estabelece a poucos metros do substrato, ao qual está ligado por um sistema radicular tipo poliárquico à parte. Assim, a fase colonial é imediatamente estabelecida e o ambiente trófico não sendo limitado pelos recursos luminosos. A observação dos diferentes estágios de desenvolvimento da Avicennia germinans ao longo do rio Marapanim, permitiu evidenciar populações de idades relativas bem diferentes: jovens, adultos ou senescentes. A diagnose também se concentra sobre os diferentes estados da dinâmica própria dos indivíduos: árvore em fase de expansão, de regressão ou mesmo declínio. Esses diferentes elementos diagnósticos fornecem uma leitura temporal relativa e particular das diversas populações.

As características biológicas e ecológicas dessas duas espécies podem representar restrições? Cabe lembrar que a Avicennia sp. é uma planta heliófila em sentido estrito. Suas plântulas não podem se estabelecer em superfícies largamente abertas e também bem expostas à insolação. Isto é crucial, uma vez que impede que a população de Avicennia sp. de se autorregenerar sob a cobertura de populações adultas. As plântulas podem se estabelecer em superfícies como os bancos de lama recém-formados ou sem vegetação, assim como nas fendas de rochas intertidais, ou até mesmo em antigos manguezais, após o desaparecimento da copa. Para o desenvolvimento desta espécie não poderia haver nenhuma cobertura que sombreasse as plantas jovens. O modo de desenvolvimento do sistema radicular da espécie é também um outro elemento fundamental. Na verdade, levanta-se as seguintes questões: • O sistema de raiz de Avicennia sp. irradiada a partir da base do tronco, para ser distribuído sobre a superfície do sedimento, mas no limite da projeção da copa para a superfície do solo. • Essas raízes irradiantes se estabelecem por uma sucessão de assentos genéricos anelares que se superpõem à base do tronco, tal como é visto nas palmeiras, as coroas de novas raízes são todas geradas ao longo da vida da árvore. Em seguida, anastomosamentos formam figuras complexas. Raízes mais jovens são mais superficiais e são provavelmente as mais eficientes na absorção dos elementos nutritivos. • Este último ponto, somado à baixa capacidade de exploração de raiz, poderia explicar porque Avicennias sp. são muito sensíveis à qualidade nutricional das águas que periodicamente cobrem seus sistemas radiculares. Em um contexto hidrodinâmico erosivo é provável que uma perda substancial de material sedimentar da superfície tenha uma influência negativa sobre o desenvolvimento dos indivíduos desta espécie. • Outro elemento importante está ligado à plasticidade arquitetônica desta espécie, que impõe um padrão muito estereotipado de desenvolvimento e, portanto, menos flexibilidade de adaptação às marcantes mudanças ambientais. • Ao contrário, a Rhizophora mangle é indiferentemente adaptada a ambientes heliófilos ou sombreados e, também, conforme já mencionado, ripícolas. Essa espécie é capaz de mudar o modo de desenvolvimento em função da evolução das condições de iluminação. Assim, os indivíduos jovens podem se instalar tanto como vegetação rasteira, à sombra de árvores adultas de Rhizophora mangle ou Avicennia sp., em condições de plena luminosidade. Isso se verifica nas populações antigas da baía de Marapanim, onde se registra uma substituição de populações a custa de Avicennia sp. As populações de Rhizophora mangle são predominantes e todos os estágios ortogenéticos estão representados. Em contraste, as populações de Avicennia sp. são representadas apenas por indivíduos em estágio adulto ou senescente e a ausência de plântulas e de indivíduos em estágio juvenil são elementos marcantes dessas populações.


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• Nota-se a grande plasticidade da arquitetura da Rhizophora sp., que parece conferir uma adaptabilidade marcante da espécie aos diferentes meios, mais igualmente à rápida evolução das condições ambientais, mesmo ao curso de sua ontogênese. • O sistema radicular da Rhizophora mangle é igualmente muito plástico e evoluído. Os arcos aéreos são capazes de progredir e colonizar os substratos mais diversos, demonstrando notável capacidade de ancoragem e de prospecção. • É igualmente possível que essa espécie se adapte a largo gradiente de condições físico-químicas (meios sólidos ou líquidos, de água salobra a doce etc.). Todos esses elementos são, portanto, cruciais para o entendimento da dinâmica populacional dessas espécies.

As formas arquitetônicas, indicadoras da dinâmica do meio As formas arquitetônicas de uma ou outra espécie são os elementos de diagnose para entendimento da dinâmica dos manguezais. • Toma-se o exemplo de Rhizophora mangle: a presença de formas ripícolas significa que os rios são estáveis ou sensíveis a progradação. Inversamente, a presença de formas florestais, a estrutura hierarquizada, dessa mesma espécie em borda de rio, significa um recuo das margens e uma regressão erosiva dessas formações florestais. • De igual modo, a presença de jovens Avicennia sp. na margem de uma pequena ilha significa o estabelecimento recente de uma superfície sem vegetação. As formas senescentes de Avicennia sp. são indicadores da estabilidade do meio, enquanto que os sinais de um declínio com a presença de reiterações traumáticas indiferentemente em estágio jovem, adulto ou senescente, são os marcadores de uma drástica mudança nas condições ambientais. • Assim, a relevância dos diferentes estágios dessas duas espécies ao longo do rio Marapanim permite o desenvolvimento de uma cartografia dinâmica dos manguezais e esses parâmetros arquitetônicos integradores possibilitam uma avaliação rápida do estado geral ou particular de um dado manguezal.

HIPÓTESE DE TRABALHO A distribuição dessas espécies de manguezais – e mais particularmente sua representação em relação às suas populações no vale do Marapanim – leva a formulação de hipóteses sobre a dinâmica e evolução desses manguezais. • No setor estuarino, Rhizophora mangle é dominante. No entanto, Avicennia germinans antigas ainda estão presentes nos bosques de manguezais. Parece que uma fase anterior deu origem a um meio largamente aberto. Uma fase de preenchimento da baía teria possibilitado a instalação de populações de Avicennia sp. Esta fase teria sido relativamente longa, permitindo que essas árvores atingissem dimensões marcantes (aproximadamente 30 m de altura e cerca de 1 m de diâmetro à altura do peito), e, ainda, em muitos pontos onde ocorre a erosão dos bancos de lama, não atingiram o ápice de seu desenvolvimento. • Nesse processo de colonização, Rhizophora mangle teria aparecido em um segundo momento e essas árvores se instalaram nos bosques de mangue dominados por Avicennia sp. Levou, portanto, a uma substituição de populações, uma vez que o meio se tornou inóspito para as jovens Avicennia sp., enquanto que a Rhizophora mangle cresceu sem restrições. Embora as árvores dessa espécie possam atingir dimensões significativas,

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subsistem atualmente aos efeitos da erosão progressiva das margens. As modificações hidrodinâmicas da baía se traduzem por uma erosão agressiva das margens e formação de manguezais nas zonas de acreção. • A montante do rio existe uma codominância de duas espécies, mas que eventualmente pode evoluir, após a senescência das populações de Avicennia sp., para o domínio da Rhizophora mangle. No entanto, mesmo a montante da localidade de Remanso (limite médio de penetração da cunha salina), é surpreendente constatar uma grande dominância de Avicennia sp. nas populações presentes; a Rhizophora mangle fica confinada às margens ripícolas do rio, nas margens de acumulação dos meandros. As espécies presentes são diversificadas e pertencem ao cortejo de espécies de floresta fluvial inundável, popularmente conhecida como “várzea”. • A água de abastecimento da localidade de São Vicente é turva, mas possui fonte unicamente continental e, portanto, salinidade nula. Apesar disso, a Avicennia sp. se mantém sob a forma de grandes árvores senescentes e abundantemente reiteradas. Não há nenhuma regeneração dessa espécie, apesar de um meio amplamente aberto. Uma vegetação densa ocupa os sub-bosques e a biodiversidade é elevada. Isso significa, então, que a dinâmica dessa população segue outro padrão evolutivo, diferente daquela observada no setor submetido à hidrodinâmica costeira. • Assim, depois de uma fase de colonização heliófila, com o estabelecimento de uma espécie pioneira – Avicennia sp. – em substrato nu, dois modos muito diferentes de evolução são possíveis. Ambos os modos, no entanto, parecem intimamente relacionados com o ambiente geomorfológico e com a hidrodinâmica e, provavelmente, às condições hidroquímicas muito seletivas. Mesmo que essas duas espécies pareçam ser relativamente indiferentes à salinidade do meio, este não é o mesmo para as espécies que ocupam as várzeas. • Quando as águas são doces, as espécies de várzea substitutem as populações de manguezais, como se observa na zona a montante da localidade de Remanso. • Quando as influências marinhas ainda são sentidas, as espécies de várzea serão excluídas e a dinâmica dos manguezais seria baseada unicamente em sucessão Avicennia/Rhizophora, Rhizophora/Avicennia.

CONCLUSÃO A linha adotada nesse trabalho corresponde à abordagem arquitetural, que se revelou de utilização simples para o caso das espécies arborescentes que formam os manguezais do rio Marapanim. Para além das considerações morfológicas propostas, o conhecimento dessas estruturas arquitetônicas se revelou, igualmente, uma poderosa ferramenta para obtenção de uma análise temporal das populações vegetais. Isso tornou possível a transferência desse conhecimento para o contexto de uma análise da dinâmica dos manguezais. Este se revelou em pelo menos dois modos bem distintos, sob os respectivos papéis da hidrodinâmica costeira e fluvial. A segregação entre essas duas dinâmicas também pode igualmente repousar sob o efeito seletivo da alcalinidade das águas, excluindo as espécies continentais, quando é elevado e, portanto, deixando livre imensos espaços às duas espécies de manguezais relativamente pouco sensíveis a esse parâmetro hidroquímico. Inversamente, essas espécies de manguezais parecem ser capazes de se manterem por longo prazo em ambientes dominados por hidrodinâmica fluvial. A competição com as espécies continentais mais diversificadas e mais aptas a colonizar esses meios, seria desfavorável.


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VIDEOGRAFIA DIGITAL PARA GESTÃO AMBIENTAL E APLICAÇÃO CARTOGRÁFICA – ILHA DE MUTUCAL (NE DO PARÁ)

Frank Timouk Christophe Charron Kathy Panechou Fréderic Huynh Maria Thereza Prost Jean François Faure

ABSTRACT The very cloudy humid tropical climate of Pará state, Brasil, is a challenger for optical satellites view as well as for tradicional aerial photography acquisition. There is a lack of maps for conducting research on coastal ecosystems along the atlantic coast of Pará. Aerial videograhy is used as a tool to monitoring and analysis of coastal changes and to produce spatial documents with low cost, mostly applied to geographical micro scales. This paper proposes an operational methodology and outlines successive steps from acquisition to cartographical products.

RESUMO O clima tropical úmido muito nublado que ocorre no estado do Pará, Brasil, é um desafio para os satélites ópticos, bem como para a aquisição de fotografia aérea tradicional. Há uma falta de mapas para a realização de pesquisas sobre os ecossistemas costeiros ao longo da costa atlântica do Pará. A videografia aérea é utilizada como uma ferramenta para a monitorização e análise de alterações costeiras, e para produzir documentos espaciais com baixo custo, sendo principalmente aplicada a microescalas geográficas. Este trabalho propõe uma metodologia operacional e descreve as etapas sucessivas de aquisição para os produtos cartográficos.

INTRODUÇÃO

Contexto Geral A cooperação regional entre o Laboratório de Sensoriamento Remoto da ORSTOM-Guiana (LRT) e a Unidade de Análises Espaciais do Museu Paraense Emílio Goeldi (UAS-MPEG), permitiu a realização de uma campanha de aquisição e tratamento de dados videográficos aéreos obtidos no espaço costeiro do nordeste do estado do Pará, mais precisamente na região de São Caetano de Odivelas e Marapanim (Figura 1). A utilização e o interesse científico deste tipo de dado foram validados pela ORSTOM na áfrica e na Guiana, em sítios de observação para estudos de botânica, fitoecologia, urbanização, pedologia, sedimentologia e hidrologia.

Objetivos da campanha Esta campanha se realizou para o alcance de dois objetivos:


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1) Aquisição de dados-imagens inéditas sobre os sítios de pesquisa do MPEG O estado do Pará e a Guiana estão situados em uma mesma região climática equatorial, sob a influência de fortes ocorrências de cobertura e nuvens (cumulis, strato-cumuls), tornando difícil a aquisição de imagens de satélite de alta resolução com um captor óptico (Landsat e Spot). No caso da videografia, as operações aerotransportadas diárias são bem mais simples, podendo aproveitar as janelas matinais do céu na estação seca, para aquisição dos dados espaciais inéditos ou atualizados. A qualidade da informação obtida e a forma de utilização da ferramenta representam, para as regiões equatoriais e tropicais úmidas, um método pertinente de coleta de dados de campo aplicados aos temas específicos para a obtenção de resultados cartográficos. 2) Transferência da matriz técnica para a UAS-MPEG As temáticas comuns da ORSTOM-Cayenne e do MPEG sobre os ecossistemas litorâneos oferecem áreas privilegiadas para aplicação do método. Esta primeira fase de transferência consiste em sensibilizar os parceiros sobre como implementar e usar a ferramenta, ou seja, para demonstrar as especificações da ferramenta de vídeo digital aérea, suas restrições, benefícios de utilização e custos de instalação e utilização.

Figura 1. Sítios de estudo na costa do Pará, Brasil.


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PRINCÍPIO DE UTILIZAÇÃO DA VIDEOGRAFIA NUMÉRICA AÉREA A videografia numérica aerotransportada é utilizada como instrumento de aquisição de imagens verticais, análogo aos sistemas de aquisição das câmeras fotográficas. As diferenças residem na definição da imagem restituída e na quantidade de imagens adquiridas em vôo. A qualidade dos documentos brutos é inferior àquela das emulsões fotográficas, mas os formatos sequenciais das imagens videodigitais excluem as restrições de recobrimento inerentes, quando da realização de uma sequência fotográfica. Como na fotografia, o vídeo oferece uma visão global de um espaço geográfico e permite o reconhecimento, medida de superfície e de distância do objeto. Os princípios da fotogrametria são aplicados a esses dados, de sorte que o segmento de imagens obtidas do vídeo possibilita a transposição dos métodos à videogrametria. O tamanho dos pixels das imagens de vídeo depende da altura do vôo. Entre 0,5 e 4 m (Tabela 1) este tamanho é inferior àquele em imagens de satélite de alta resolução. O vídeo aéreo tem a vocação cartográfica de aplicação à microescala de análise espacial. Ele pode ser aplicado, também, em sítios maiores. Tabela 1. Altura de vôo, tamanho de pixel, faixa de imageamento (Câmera de vídeo SONY DCR-VX1000E, distância focal de 5.9 mm). Altura de vôo (pés)

Altura de vôo (m)

Faixa de imageamento em m X Y

1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000 5500 6000 6500 7000 7500 8000 8500 9000 9500 10000

492,13 656,17 820,21 984,25 1148,29 1312,34 1476,38 1640,42 1804,46 1958,50 2132,55 2296,59 2460,63 2624,67 2788,71 2952,76 3116,80 3280,84

334 445 556 667 779 890 1001 1112 1223 1335 1446 1557 1668 1779 1891 2002 2113 2224

250 334 417 500 584 667 751 834 918 1001 1084 1168 1251 1335 1418 1501 1585 1668

Tamanho do pixel (m) 0,46 0,62 0,77 0,93 1,08 1,24 1,39 1,54 1,70 1,85 2,01 2,15 2,32 2,47 2,63 2,78 2,93 3,09

O controle da cadeia de aquisição de sequências videodigitais aerotransportadas possibilita uma maior flexibilidade e rapidez de utilização, se comparada à fotografia aérea. É a possibilidade de capturar informações confiáveis de um evento, como a maré ou uma enchente, por exemplo, e de organizar a repetitividade das observações indispensáveis para monitorar as modificações ambientais. A flexibilidade da ferramenta permite integrar e gerenciar pelas equipes científicas, onde o sensoriamento remoto é um suporte da análise e não um objeto de pesquisa em si. Principalmente em razão da cobertura espacial reduzida da tomada da câmera de vídeo, a implementação da ferramenta demanda um questionamento sobre a problemática científica concernente aos sítios de observação. Pela análise das necessidades, deduz-se uma otimização operacional baseada em:

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• definição da dimensão dos alvos observados no terreno, relacionada com a problemática científica; • restrições e vantagens operacionais da aquisição; • tempo de investigação sobre a cadeia de tratamento das imagens; • custos de realização. Desse estudo de viabilidade é deduzida a pertinência da ferramenta e a comparação com a fotografia aérea e as imagens de satélite. No caso de operações realizadas no litoral nordeste do Pará, o estudo de viabilidade de uma campanha se deteve em dois pontos: • Analisar a homogeneidade das estruturas, as dimensões dos componentes do ecossistema de manguezais e a forma dos ecótonos, de forma a deduzir: – O tamanho dos objetos elementares do meio observado relacionados com a idade do manguezal, o estado da superfície dos solos e margens, a direção do fluxo...; – O tempo (hora) ideal do plano de vôo e cobertura de nuvens; – A metodologia de tratamento das imagens adaptadas ao espaço de observação e ao resultado desejado (simples reconhecimento do terreno, análise das texturas e estruturas, classificação por análise estrutural...). • Preparar as navegações aéreas, integrando as alturas nominais de vôo compatíveis com os objetos de estudo. Adaptar as navegações às restrições logísticas (clima, disponibilidade de equipe, recursos da aeronave). Com intuito de rentabilizar a missão, as alternativas de plano de vôo foram preparadas para prevenir a eventualidade de sobrevôos sob cobertura de nuvens (geralmente situadas entre 1.500 e 2.500 pés na zona costeira) ou, de repente, presença de locais de interesse que se revelaram durante o vôo.

TRATAMENTO DE IMAGENS VIDEODIGITAIS O equipamento básico de uma unidade videográfica é constituído por: • Uma câmera de vídeo digital Sony DCR-VX1000E com monitor de controle; • Uma placa de captura de vídeo DVBK-2000E; • Um PC Pentium com 128 Mb RAM e 9Gb de memória; • Uma plataforma articulada e suporte do captor que possibilitem a correção manual dos desvios causados pela trepidação da aeronave.

Característica do captor de vídeo O captor, a partir da tecnologia de transferência de carga CCD (Charge Couple Device), oferece uma geometria e radiometria de alta qualidade. O prisma dicroico do captor decompõe o sinal no domínio do visível, ao limite do infravermelho proximal, em três bandas espectrais Azul-Verde-Vermelho. O formato PAL do vídeo fornece 25 imagens por segundo. Com intuito de obtenção de um campo de visada máximo, a distância focal mais curta é utilizada dentro dos limites aceitáveis de distorção óptica da imagem.


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Vários níveis de tratamento compatíveis com os objectivos de operação do filme 1. A captura e extração se imagens brutas fornecem informações prospectivas. Este nível permite a preparação de uma base de imagens eventualmente georeferenciadas. 2. O mosaico de imagens reconstitui os segmentos de um espaço alvo de observação. 3. O registro geográfico dos segmentos resultou ao nível de produção cartográfica.

Captura e extração de imagens A captura de imagens é feita diretamente com um cartão específico instalado em um computador. Em função da altura de vôo e do recobrimento desejado, o intervalo de captura automática de imagens varia de 4/5 a cada 5 segundos, de 1000 a 4500 pés, por um recobrimento de 50%, por exemplo. A exportação do formato de aquisição do vídeo em um formato de imagem permite recuperar um quadro bruto de 720 x 756 pixels em 16779000 cores. O pixel bruto é retangular antes de ser restituído a um pixel quadrado por interpolação Durante esta primeira fase de tratamento, os dados são arquivados sob a forma de um sistema de consulta de imagens organizado em hipertexto com linguagem HTML.

Mosaicagem e correção radiométrica A partir de parâmetros de vôo, a mosaicagem consiste em reconstituir os segmentos de planos de vôo imagem por imagem com seu recobrimento. Cada imagem é submetida a uma correção geométrica elementar, relativa àquela contígua, calculada a partir de pontos homólogos sob a zona de recobrimento (rotação, translação). As imagens individuais são primeiramente mosaicadas para subsegmentos de 5 a 7 imagens e, se necessário, os subsegmentos são concatenados para reconstituir a cobertura global. A intercalibração radiométrica das imagens é realizada ou com um modelo estatístico calculado em uma amostra da zona de recobrimento ou por operação aritmética de ajuste de uma constante por qualquer canal azul, verde ou vermelho. O resultado é um segmento homogêneo de imagens comportando heterogeneidades planimétricas locais, variáveis em função da altitude da aeronave durante a aquisição. Um mosaico de imagens videográficas é um documento de análise e de preparação da verdade-terrerno.

Georeferenciamento A utilização de pontos homólogos identificados em uma base georeferenciada (imagem de satélite, carta topográfica, fotografias aéreas, coordenadas geográficas de terreno) melhora a qualidade planimétrica do segmento e permite a integração geográfica dos dados. O georeferenciamento das imagens organiza a análise e monitoramento da dinâmica ambiental. As imagens videográficas digitais podem ser integradas em sistemas de tratamento de imagens e sistemas de informação geográfica. Esta ferramenta permite a observação de alvos/componentes do meio com resoluções análogas àquela da fotografia aérea digital.

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A tecnologia inteiramente digital de dados videográficos é compatível para integração com imagens de satélite, as cartas temáticas e mapas topográficos. Ela fornece informações em diferentes resoluções espaciais e possibilita a observação e análise multiescalar.

A CAMPANHA DE AQUISIÇÃO DE IMAGENS DOS ECOSSITEMAS COSTEIROS DE SÃO CAETANO E MARAPANIM, NORDESTE DO PARÁ Uma campanha de aquisição aerotransportada consiste em uma cadeia de operações independentes que devem ser perfeitamente reguladas. Há necessidade de uma equipe familiarizada com noções de navegação aeronáutica, sensoriamento remoto e sensibilizada à temática dos locais de estudo. Esta equipe é composta por um piloto, um navegador e um operador. Em função das condições de tomadas fotográficas, as alternativas planejadas de plano de vôo devem ser rapidamente decididas e assimiladas pela equipe. O campo de visada é controlado em vôo com um monitor, a fim de corrigir os erros de navegação. Os parâmetros de vôo (altitude, condições de tempo, coordenadas GPS) são anotados para a utilização dos dados. A captura e visualização das imagens se realizam durante o dia. As zonas-piloto foram identificadas de acordo com as questões ambientais, o terreno e os eixos de pesquisa do MPEG (Figura 2 A-B, Tabela 2). As condições meteorológicas mais ou menos favoráveis permitem demonstrar a flexibilidade dessa ferramenta, ajustando os planos de vôo em situação de presença de nuvens. Se a navegação real não é avaliada, reduz-se o plano de vôo e se concentra em alvos pontuais. A

B

Figura 2. Planos de vôo para aquisição de dados videográficos aerotransportados nos sítios de pesquisa do DEL/MPEG (Imagem LANDSAT TM, 61-223, junho de 1995).


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Tabela 2. Zonas cobertas pela videografia aerotransportada realizada nos dias 26, 27 e 26 de agosto de 1998 – zona costeira de São Caetano de Odivelas e Marapanim. Sítio

Data/Hora

Tema

Faixa de imageamento (km) e Nº de Bandas

Altura média de vôo (m)

Resolução (pixel em m)

Tratamento

Bia

26/08 7h15 27/08 7h15

Fitoecologia

0.8x3 km 3’48 (1) 0.9x3 km 8’38 (2)

11501220

~1~1,15

Mosaico

Lago Grande Chenier

26/08 7h45 27/08 7h30

Geomorfologia

0,9x2.7 km 6’58 (1) 0,9x5 km 4’06 (2)

1200

~1,15

Mosaico

Litoral de Vigia

27/08 7h00

Geomorfologia Sedimentologia

0,9x10 km 0'(2)

1200

~1,15

Mosaico

Ilha Nova

27/08 7h15 28/08 8h30

Geomorfologia Sedimentologia

0,9x2 km 10’04 (2) 0,5x2 km 15’41(3)

1200 550

~1,15 ~0,5

Mosaico georeferenciado

Ilha Mutucal Taquari

27/08 7h25

Geomorfologia Sedimentologia

0,9x3 km 13’30 (2)

1200

~1,15

Mosaico

Marapanim 15/16

27/08 8h30

Geomorfologia Sedimentologia Geoquímica

0,5x3 km 22’54 (2)

550

~0,50

Mosaico

Marapanim 8/9

27/08 8h40

Geomorfologia Sedimentologia Geoquímica

0,3x3 km 26’03 (2)

460

~0,45

Mosaico

Ponta Grande

27/08 9h00 28/08 7h25 28/08 7h40 28/08 8h00

Geomorfologia Sedimentologia Geoquímica

0,3x3 km 30’52 (2) 1,2x3 km 3’28 (3) 0,5x3 km 12h28 (3) 0,5x3 km 14h20 (3)

460 1800 550 550

~0,45 ~1,7 ~0,50 ~0,50

Mosaico

Metodologia de Operação As missões aéreas foram realizadas com uma aeronave Cessna 206, pertencente à companhia Kovacs. De acordo com os equipamentos disponíveis a bordo, as navegações foram realizadas com auxílio de GPS e, evidentemente, levando em consideração a temática concernente.

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As dimensões dos sítios variaram de 1,5 a 12 km2. Duas horas de filmagem foram arquivadas em fitas magnéticas. Uma base de dados de imagens individuais pré-processadas e mosaicos foram arquivados em CD-ROM. Esse banco de dados de mapeamento possibilita ilustrar e confirmar certas observações constatadas no terreno, como, por exemplo, na ilha Mutucal-Taquari, na margem direita da baía de São Caetano (Figura 3), e, por outro lado, identificar sítios de prospecção na margem esquerda da baía (Figura 4).

Figura 3. Formação de um cordão arenoso na margem da Ilha de Mutucal, em decorrência da ação direta de ondas durante a maré alta e do avanço da areia sobre o manguezal (Videografia, agosto de 1998).

CONCLUSÃO As campanhas possibilitaram o estabelecimento de uma metodologia orientada para a transferência de know how para pessoas não especialistas em teledetecção aerotransportada. A representação das informações restituídas facilita a interpretação em grande escala geográfica


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A

B

Figura 4. (A) Baía de São Caetano, manguezal jovem em acreção e antiga linha de costa (margem esquerda). (B) Cordão arenoso formado por leques de lavagem (margem direita).

Vantagens do método • Os dados adquiridos podem ser instantaneamente visualizados e avaliados. Os primeiros resultados tornam-se disponíveis no mesmo dia do sobrevôo; • Os planos de vôo são adaptáveis em função da cobertura de nuvens. As alternativas de campanha devem ser previstas; • O processamento dos dados é realizado mediante aplicação de técnicas clássicas de tratamento de imagens; • A resolução do pixel varia de 0.5 a 4 m e fornece uma visão inacessível para a maioria dos satélites; • É possível instalar uma unidade de tratamento no terreno para validar a análise.

Limitações do método • As zonas cobertas são, de preferência, pontuais ou lineares; • Os tratamentos são especialmente mais longos do que uma superfície requer para os segmentos a serem cobertos;

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• Os custos de aquisição são proporcionais à distância entre o ponto de partida (aeroporto) e os sítios de observação; • As restrições meteorológicas demandam uma grande disponibilidade de equipe e serviços aéreos; • Os sistemas de navegação atuais da empresa aérea não são performantes o suficiente para responder à navegação requerida. O ideal é uma navegação com GPS diferencial para a correção em tempo real e pilotagem automática.

Material complementar para otimizar a cadeia de aquisição-tratamento-restituição • Um gerador de código de tempo e de coordenadas GPS sincronizadas com as imagens sobre a banda de vídeo (adquirido pelo LRT após a missão) que permite localizar as linhas de vôo, os desvios na navegação nominal e completar a informação da base de imagens; • Um sensor de angulação indicaria as variações de estabilidade da aeronave, permitindo, assim conhecer os ângulos das tomadas de vídeo e, posteriormente, corrigi-los (em fase de aquisição pelo LRT).

REFERÊNCIAS CENTER FOR MAPPING AT THE OHIO STATE UNIVERSITY. Airborne Integrated Mapping System. Disponível em: <http://www.cfm.ohiostate. edu/research/aims.html>. Acesso em: dez. 1998. CLERKE H.W. Aerial videography for natural resource application in east Africa. Atlanta: USDA Forest Service, 1994. 11 p. EVANS, D.L. Using GPS to evaluate aerial video missions. GPS World, v. 3, n. 7, p. 24-29, [s.d.]. KING D.J. Digital frame cameras: the next generation of low cost remote sensors. In: 14 th BIENAL WORKSHOP ON COLOR AERIAL PHOTOGRAPHY AND VIDEOGRAPHY FOR RESOURCE MONITORING, 14. 1994. Logan UT. Proceeding... Logan UT: American Society of Photogrammetry and Remote Sensing, 1994. p. 1321-13226. MUSSAKOWSKI R.S. The application of video remote sensing to resource surveys and environmental monitoring. In: CANADIAN SYMPOSIUM ON REMOTE SENSING, 8. Proceeding… [s.n.t.], 1983, p. 91-99. TIMOUK F. River Niger Flood Impacts on Niamey Urban Area with Video - SPOTxs -LandsatTM. CEO, Joint Research Centre ISPRA, EEC. EWSE demo case study. 2 p, 1 carte, une animation de simulation de crue. 1995. Disponível em: <http:// ewse.ceo.org/anonymous/construct/build.pl/656065>. Acesso em: dez 1998. TIMOUK F. Pratique de la photographie et de la vidéographie aériennes au Niger. Utilisation de l’avion et de l’Ultra Léger Motorisé. Niamey, Montpellier, Bondy: ORSTOM-AGRHYMET/CILSS, 1996. 39 p. TIMOUK F.; LOUBRY D. Site de revégétalisation, couleur du sol, état du drainage et de la végétation du baranque de central bief. In: LOUBRY D.; HUTTEL C. Multigraphié, rapport de Convention EDF «restauration des sites miniers». Cayenne: [s.n.], 1998. 9 p. TIMOUK, F.; LABAT, J. Catalogue vidéo-cartographique de sites forêstiers anthropisés pour la caractérisation del’état initial de l’environnement de la région minière de Yaou et Dorlin, Guyane française. Cayenne: ORSTOM-APAVEGUYANOR, 1998. (Annexe 24-25-26, v 2). WILLIAMS, D.; ONEGA, T.; BUFORD, E.; CAPEN, D.; BOGET, C. Aerial Videography & Land- Cover Mapping. Disponível em: <http://www.snr.uvm.edu/airvideo.html>. Acesso em: dez. 1998.


MANGUEZAIS E ESTUÁRIOS DA COSTA PARAENSE: EXEMPLO DE ESTUDO MULTIDISCIPLINAR INTEGRADO (MARAPANIM E SÃO CAETANO DE ODIVELAS)

Maria Thereza Prost Amilcar Carvalho Mendes Jean François Faure José Francisco Berrêdo Maria Emília da Cruz Sales Lourdes Gonçalves Furtado Maria das Graça Santana da Silva Cléa Araújo da Silva Ivete Nascimento Inocêncio Gorayeb Maria Filomena Videira Secco Luziane Mesquita da Luz ABSTRACT The coast north of Brazil presents high ecosystem diversity, with great ecological wealth and low degree of environment impacts. Among them the mangroves are distinguished, whose preservation is essential, as much for the traditional populations, that of them remove resources for its subsistence, as for other ecosystems bigger and more diverse than if they extend beyond its limits. A group of researchers of the Program of Coastal Studies from Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) developed a multidisciplinary and interdisciplinary project about the natural features and social use of mangroves in two sites of the Pará coast, north Brazil, whose objective was to define indicators of sustainability. The project was financed by Pará State Found of Science and Technology. The methodology was centered in the spatial data, multiscales and multitemporal cartography, joint works of field, analysis of laboratory (geochemistry, sedimentology and mineralogy), monthly meetings of quarrel, technical reports, and to repass of the results for the society. The gotten results allow to conclude that: (a) the mangroves studied are in excellent state of development and little compromised environmentally; (b) the environment tensors are natural and of low intensity; (c) the majority of the original ecological processes are maintained, with presence of the majority of the characteristic species of the flora and fauna of mangroves; (d) Furthermore the good environmental conditions of the Mojuim/Mocajuba and Marapanim estuaries, the fisheries find real difficulties for the commercialization of the products due to technological infrastructure and politics for fishes artisan lacks.

RESUMO A costa norte do Brasil apresenta alta diversidade de ecossistemas, com grande riqueza ecológica e baixo grau de comprometimento ambiental. Entre eles destacam-se os manguezais, cuja preservação é essencial para as populações tradicionais, que dele retiram recursos vitais para sua subsistência. Um grupo de pesquisadores do Programa de Estudos Costeiros do Museu Paraense Emílio Goeldi (PEC-MPEG) desenvolveu projeto interdisciplinar sobre os recursos naturais e uso social de manguezais em duas áreas-piloto da costa paraense, cujo objetivo foi definir indicadores de sustentabilidade. O projeto foi financiado pelo Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia (FUNTEC). A metodologia foi centrada na espacialização de dados, cartografia multiescalar e multitemporal, trabalhos conjuntos de campo, análises de laboratório (geoquímica, sedimentologia e mineralogia), reuniões mensais de discussão, relatórios técnicos, pesquisa participativa e repasse dos resultados para a sociedade. Os resultados obtidos permitem concluir que: (a) os manguezais estudados nas “baías” de São Caetano de Odivelas e Marapanim encontram-se em excelente estado de desenvolvimento e de pouco


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comprometimento ambiental; (b) os tensores ambientais são naturais e de baixa intensidade; (c) observa-se a manutenção da maioria dos processos ecológicos originais, com presença da maioria das espécies características da flora e fauna de manguezais; (d) não obstante às boas condições ambientais existentes na foz dos estuários dos rios Mojuim/Mocajuba e Marapanim, os pescadores artesanais encontram dificuldades para a comercialização dos produtos da pesca devido à carência de infraestrutura tecnológica, falta de política para a pesca artesanal e as práticas comerciais aviltantes dos intermediários.

INTRODUÇÃO Os manguezais fazem parte das zonas úmidas de importância internacional definidas pela convenção de RAMSAR, em 1971, da qual o Brasil é signatário. Maciel (apud. SCHAFFER-NOVELLI,1999) define os manguezais, lato sensu, como “um sistema ecológico costeiro tropical, dominado por espécies vegetais típicas, às quais se associam outros componentes microscópicos e macroscópicos da flora e fauna, adaptados a um substrato periodicamente inundado pelas marés, com grandes variações de salinidade”. O litoral paraense abriga uma parcela bastante significativa dos manguezais brasileiros, que, associados aos bosques do Amapá e do Maranhão, perfazem um dos maiores, se não o maior, conjunto de manguezais do planeta, o que denota ao espaço litorâneo paraense riqueza significativa em recursos naturais e, consequentemente, de potenciais aos mais variados usos. Quanto maior for o conhecimento integrado desse ecossistema, melhores serão as possibilidades de aproveitamento racional de seus recursos, em consonância com a legislação ambiental; não somente produtos, serviços e benefícios serão mantidos e usufruídos por uma parcela maior da população costeira, mas, também, serão preservados valores paisagísticos, culturais e socioeconômicos que devem ser levados em consideração na noção de patrimônio natural.

METODOLOGIA A metodologia foi centrada em uma abordagem multi e interdisciplinar, envolvendo as seguintes atividades: • Análise sistemática da massa crítica disponível, em termos de pesquisa bibliográfica e produtos cartográficos atualizados sobre os sítios estudados. • Aplicações de técnicas de sensoriamento remoto (segmentação e classificação temática supervisionada) e geoprocessamento como ferramentas metodológicas de apoio à pesquisa integrada, para obtenção de uma visão espacializada, multitemporal e dinâmica sobre a distribuição e extensão das unidades de paisagem e dos gradientes de sucessão dos manguezais. • Elaboração de cartas temáticas (unidades de paisagem, distribuição de manguezais, uso social e vulnerabilidade) em escala 1:100.000. • Caracterização geoquímica, sedimentológica e mineralógica dos manguezais, com ênfase às condições de implantação, desenvolvimento e distribuição dos bosques, tendo em vista variáveis sedimentológicas, geoquímicas e botânicas. Foram realizados perfis topográficos na planície lamosa e coleta de sedimentos com trados de lama e vibracore. • Sobrevôos à baixa altitude para recobrimento fotográfico lateral de sítios de interesse.


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• Para subsidiar estudos sobre produtividade primária foram analisadas a composição da vegetação e a taxa de decomposição de folhas “in situ”. • Levantamentos florísticos mediante a utilização do método de ponto quadrante e coleta de espécies vegetais para análise da anatomia de embriões e plântulas. • Análise socioantropológica enfatizando o estudo das diferentes formas de utilização dos manguezais pela comunidade tradicional, suas respectivas organizações de trabalho e relações sociais, mediante a aplicação de formulários e entrevistas com a comunidade. • Difusão do conhecimento científico para os diferentes atores do desenvolvimento através de atividades e recursos pedagógicos variados (relatórios técnicos, cartilhas, oficinas, exposições, palestras, cursos).

LOCALIZAÇÃO DAS ÁREAS ESTUDADAS Os estuários dos rios Marapanim e Mojuim estão localizados na costa nordeste do estado do Pará (Figura 1), nos município de Marapanim e São Caetano de Odivelas, respectivamente. Acham-se limitados pelas seguintes coordenadas geográficas: • Estuário do Rio Marapanim – 00º32’30”S, 00º52’30”S, 47º28’45”W e 47º45’00”W • Estuário do Rio Mojuim – 00º35’00”S, 00º52’30”S, 47º03’45”W e 48º05’00”W

CARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS ESTUDADAS Dada a sua localização geográfica e a forte influência de processos atmosféricos e hidrodinâmicos, o litoral paraense apresenta particularidades morfológicas que denotam um caráter singular para este setor da costa brasileira. Nesse contexto, destaca-se a ocorrência de um grande número de reentrâncias que definem uma configuração extremamente recortada para a sua linha de costa, tal como ocorre com o litoral do Maranhão. Tal fato levou Barbosa e Pinto (1973) a denominarem a costa Pará-Maranhão como “Litoral de Rias”, compartimento da costa norte brasileira que se estende desde a baía de São Caetano de Odivelas (Pará) até a baía de São Luís (Maranhão). Geomorfologicamente é considerada como uma costa formada por vales fluviais, parcialmente submersos em decorrência do aumento do nível relativo do mar durante o Holoceno. Do ponto de vista ecológico, é formada por um mosaico de ecossistemas de grande potencial paisagístico e econômico, possibilitando múltiplos usos. Os manguezais, situados no interior dos estuários, encontram-se em bom estado de conservação e constituem-se em uma das maiores e mais bem preservadas áreas de floresta costeira do país. Diferentemente do que ocorre com o rio Marapanim, que apresenta foz em livre conexão com o mar aberto, o rio Mojuim desemboca em um setor mais abrigado, representado pela baía do Marajó, o que denota um caráter de estuário secundário associado a um sistema estuarino maior. Em termos descritivos, os estuários estudados apresentam relevo baixo e são dominados por marés semidiurnas, sendo que o estuário do rio Marapanim sofre influência de macromarés (>4m) combinada com ação de ondas na foz estuarina, enquanto que o do rio Mojuim está sob ação exclusiva de mesomarés (<4m).

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Figura 1. Mapas de localização das áreas estudadas.

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O limite do alcance da maré salina no estuário do rio Marapanim varia entre 42 km (período chuvoso) e 62 km (período de estiagem), enquanto que no estuário do rio Mojuim atinge 18 km e 35 km, respectivamente. Há muito pouca variação de salinidade com a profundidade nesses estuários, o que os caracteriza como estuários do tipo bem misturados, segundo a classificação proposta por Bowden (1980). A morfologia de ambos os estuários estudados é caracterizada, em planta, por uma geometria em forma de funil, com alta razão largura/profundidade, onde os canais de maré apresentam baixa sinuosidade. A largura da seção estuarina diminui gradativamente a montante, onde cede lugar a um padrão de canal sinuoso, com a região de mais intenso meandramento no limite superior de influência de maré. Mais a montante, fora do limite de influência da maré salina, o grau de sinuosidade diminui bastante e o canal apresenta formas mais retilíneas, corroborando com o modelo morfológico proposto por Dalrymple et al. (1992). Em seção transversal, os funis estuarinos apresentam barras arenosas quilométricas (Figura 2A), muitas das quais colonizadas por vegetação de mangue, formando ilhas, como, por exemplo, a ilha Nova e ilha do Marinheiro (estuário do rio Mojuim – Figura 2B). A distribuição de sedimentos no interior dos estuários é extremamente variável, refletindo as condições hidrodinâmicas e os processos particulares de transporte em cada setor. Essa distribuição, na verdade, constituise em uma zonação de litofácies ao longo do eixo estuarino, caracterizada por: (a) “tampão” arenoso (areia muito fina) na foz estuarina (barras estuarinas subtidais, alongadas paralelamente ao eixo do fluxo tidal bidirecional e com “sand waves” superimpostas); (b) segmento meandrante sujeito à influência de processos fluviomarinhos e dominado por sedimentação lamosa (“mudflats” com topografia muito suave, escavadas por inúmeros canais de maré dispostos em padrão dendrítico multidirecional desordenado); (c) região de transição estuário-rio, caracterizada por uma sequência de depósitos fluviais arenosos depositados sobre sedimentos da planície de maré lamosa.

ANÁLISE DA VEGETAÇÃO DOS MANGUEZAIS Análises de cenas satélite realizadas mostraram que a área de abrangência dos manguezais no estuário do rio Marapanim é de cerca de 130 km2, enquanto que no estuário do rio Mojuim a área ocupada atinge 138.6 km2. No estuário do rio Marapanim os manguezais são bem desenvolvidos e densos no funil estuarino e no setor misto do estuário, estreitando-se a montante da localidade de São Vicente, passando a manguezais senis, até serem sucedidos por vegetação de várzea. As principais espécies arbóreas encontradas são: Rhyzophora mangle, Avicennia germinans e Laguncularia racemosa. Em zonas de acreção podem ser observados estratos de Spartina brasiliensis. Costa Neto et al. (2000) inventariaram várias áreas no estuário do rio Marapanim onde definiram o decréscimo da densidade total da espécie dominante, no caso a Rhyzophora mangle, em direção aos setores mais internos do estuário. Nos levantamentos florísticos realizados na foz do estuário do rio Mojuim, mais precisamente na ilha Nova, as principais espécies encontradas foram: Rhizophora mangle L.; Avicennia germinans L.; Avicennia schaueriana Staff e Leech e Laguncularia racemosa Gaertn, sendo que a espécie dominante foi a Avicennia germinans L, com dominância relativa de 59.60%, seguida de Rhizophora mangle L com 32,06%. Em zonas mais internas dos bosques mistos foram descritas significativas populações de Achrosticum aureum, indicadoras de baixa salinidade do meio, geralmente desenvolvidas em zonas sombreadas e topograficamente mais elevadas. No entanto, valores de salinidade intersticial registrados nos sedimentos onde esta espécie se desenvolve são bastante elevados (32%o).

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A

B

Figura 2. Barras arenosas formadas na foz dos estuários estudados (A) Ilha do Marinheiro (estuário do rio Mojuim); (B) Barra arenosa em frente à cidade de Marapanim (Estuário do rio Marapanim).


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Estudos granulométricos demonstraram que os setores ocupados por Rhyzophora sp. apresentam substratos mais fluidos e com maior percentual de argila. O denso e intrincado sistema de enraizamento desta espécie está atuando como uma espécie de “rede”, reduzindo a velocidade das correntes quando da inundação do mangue pela maré de enchente, favorecendo a sedimentação. Por outro lado, nas zonas de ocorrência de Avicennia sp. o substrato é mais consolidado, em função do aumento do percentual de silte, do gradiente topográfico em direção ao continente e espessura da zona de oxidação. As análises de embriões e plântulas em diferentes estágios de desenvolvimento evidenciaram características morfológicas e anatômicas que facilitam o estabelecimento das espécies vegetais. A Laguncularia sp., por exemplo, desenvolve-se geralmente como espécie pioneira em substrato argilo-siltoso e submersos em pequena lâmina d’água, de fundamental importância para germinação das sementes e posterior estabelecimento das plântulas. A Rhyzophora sp., apresenta reforçado tecido de sustentação, rico em nutrientes e idioblastos de tanino, necessitando de substrato lamoso de pouca consistência para iniciar o processo de estabelecimento. A Avicennia sp. apresenta hipocótilo recoberto por denso envoltório piloso, que funciona como protetor contra a desidratação e favorece o estabelecimento de plântulas em substrato argiloso.

GRADIENTES DE SUCESSÃO Um bosque de manguezal normalmente mostra distribuição de espécies vegetais em zonas mais ou menos monoespecíficas, definindo uma zonação. Não há tópico na literatura sobre os manguezais mais exaustivamente debatido, mas não há, também, consenso com relação ao porquê dos manguezais usualmente apresentarem-se com essa característica. Baltzer (apud PERILLO, 1995) advoga que a zonação é determinada pela amplitude tidal. Snedeaker (apud PERILLO, op. cit.) propõe que aspectos geomorfológicos, ecologia fisiológica e dinâmica de população são os fatores mais relevantes para o entendimento da zonação. Thom (1982) advoga que o tamanho das árvores adjacentes ao canal seria maior, e este crescimento seria atribuído a solos mais ricos e melhor drenados, que seriam os primeiros a receberem água rica em nutrientes, quando da maré enchente. Com efeito, a esta última citação, nos manguezais estudados, observa-se justamente o contrário, ou seja, a vegetação de borda apresenta-se com tamanho menor, somente ocorrendo na situação preconizada na literatura quando associada a zonas de erosão, onde a franja mais jovem foi completamente removida por ação erosiva das correntes de maré. Segundo Bertrand (1993; 2000) os gradientes de sucessão de comunidades de manguezais estão associados a uma combinação de processos geomorfológicos variáveis, o que foi plenamente verificado no campo. A partir desta abordagem foram identificados nos sítios-piloto estudados três importantes gradientes de sucessão, a saber: • Padrão “Escada” – Associado às zonas de progradação de manguezais. Caracterizado por estratos mais ou menos densos de Spartina brasiliensis, seguido por bosques jovens de Laguncularia sp., bosques mistos de Rhyzophora sp. e Avicennia sp. (Figura 3A); mais para o interior, em áreas topograficamente mais elevadas e com substrato lamoso mais compactado e oxidado, ocorrem bosques adultos de Avicennia sp. Nesse padrão, a Spartina sp. desempenha um papel geomorfológico de retenção de sedimentos finos (areia muito fina e silte) – principalmente nas barras estuarinas – caracterizando-se como uma vegetação precursora do manguezal.

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• Padrão “Paliteiro”– Característico das zonas de erosão decorrentes da ação de fortes correntes de maré. Associado a árvores adultas e bem desenvolvidas de Avicennia sp. e/ou Rhyzophora sp., localizadas em situação de borda (Figura 3B), onde toda a franja de manguezal mais jovem preexistente foi removida pelo ataque erosivo. • Padrão “Cogumelo” (ou “Concêntrico”) – O recobrimento aéreo-fotográfico lateral realizado no estuário do rio Mojuim (região sul e sudoeste da Ilha Nova), revelou um terceiro padrão, caracterizado pela distribuição concêntrica das espécies vegetais a partir de um núcleo vegetacional constituído por Avicennia germinans e/ou Avicennia schaueriana jovens (altura média <5m), circundado por indivíduos menores e, na parte externa, por uma franja de Spartina sp. (Figura 3C). Tais núcleos vegetacionais desempenham um papel ecológico extremamente importante, uma vez que servem de refúgio e/ou abrigo para uma abundante avifauna.

PRODUTIVIDADE DE MANGUEZAIS A interpretação de fotografias aéreas de 1977 revelou que os manguezais da ilha Nova (estuário do rio Mojuim), que atualmente constituem um bosque com árvores de grande porte na parte central da ilha, não estavam ainda formados na data de aquisição das fotografias. Este é um marco cronológico muito importante, que coloca em evidência a capacidade e energia dos manguezais para transformar um antigo banco de areia em um ecossistema ecologicamente positivo, comportando espécies arbóreas com até 20 m de altura, que possibilitaram a criação de uma camada orgânica e onde a avifauna encontra áreas de abrigo, alimentação e condições favoráveis para a nidificação (caso de guarás, espécie incluída na lista de animais em extinção do IBAMA). Estudos preliminares sobre a produtividade das áreas de manguezais foram efetivados em duas parcelas experimentais com diferentes composições florísticas no estuário do rio Mojuim. A espécie Rhyzophora sp. apresentou a menor taxa de decomposição, sendo, portanto, a maior responsável pela formação de húmus, fator importante na liberação de nutrientes. Por outro lado, a Avicennia sp. foi a menos produtiva, com alta taxa de decomposição.

TENSORES AMBIENTAIS Os tensores ambientais atuantes nos estuários estudados são eminentemente naturais, correspondendo aos processos erosivos (ação de correntes de maré – Figura 4A), soterramento de manguezais por bancos arenosos (Figura 4B) e ataque biológico da vegetação (ação da Hyblaea - Figura 4C). Esses tensores têm atuação localizada e a remoção de biomassa é pouco significativa, constituindo-se, portanto, em tensores de baixa intensidade, frequência e magnitude, não afetando os aportes de energia, tampouco, provocando alterações significativas na estrutura e diversidade que levem à regressão no ecossistema manguezal.

USO SOCIAL DOS RECURSOS NATURAIS A população tradicional do Salgado Paraense é formada, sobretudo, por pescadores artesanais e por pequenos agricultores. Os levantamentos censitários realizados definiram o perfil socioantropológico de duas comunidades: a) Camará, no estuário do rio Marapanim; b) Cachoeira, no estuário do rio Mojuim.


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Figura 3. Padrões de sucessão: (A) Escada; (B) Paliteiro e (C) Cogumelo.

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Figura 4. Tensores ambientais naturais atuantes nos manguezais: (A) Ação erosiva das correntes de maré; (B) Soterramento por bancos de areia; (C) Ataque biológico por Hyblaea.


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Em ambos os sítios estudados a construção da identidade dos habitantes está articulada à noção de territorialidade, comunidades que dependem quase que exclusivamente da pesca artesanal em suas mais variadas formas (Figura 5A). No caso de Cachoeira, a captura de caranguejos (Figura 5B) e mexilhões (Figura 5C) dá-se como atividade complementar, salvo para poucos “tiradores profissionais”, encontrados em domicílios dentre os que compuseram a amostra. Em Camará, também se encontram famílias que dependem da exploração desse recurso, mas constituem-se em minoria em relação às famílias de pescadores, sejam curralistas, redeiros ou ambos. O contingente de população masculina é superior. Os dados mostram a frequente saída de jovens mulheres do lar para buscar trabalho na cidade (emprego doméstico), como o motivo mais comum. Dessa feita, essa forma tradicional de êxodo rural na região permanece nas comunidades estudadas. As relações de família funcionam como suporte para as situações do dia a dia, na consecução da sobrevivência. Cerca de 1/3 dos lares, em ambas as comunidades, é formado por famílias compostas, corroborando a conclusão relativa à força social da família em um contexto de quase total ausência de estruturas coletivas de bem-estar. A escolaridade é muito baixa, sendo ligeiramente superior entre as mulheres. Em todos os casos é insuficiente para a necessária busca de alternativas produtivas por essas comunidades, incluindo novos modos de agregar valores aos produtos locais. A baixa qualidade de vida exprime-se, ainda, nas condições de habitação. O saneamento precário e o acúmulo de lixo apontam para a necessidade de educação ambiental e para a busca criativa de técnicas de reciclagem. O pescado é o principal alimento, secundado pela farinha de mandioca, adquirida tanto por compra quanto por troca com produtos da pesca. Um número importante de espécies é coletado nos bosques de manguezais e na terra firme, também com diversas utilizações, desde a moradia e os implementos de pesca, até fins de higiene e lazer. Evidencia-se aí, um potencial para ações no sentido do aprimoramento desses saberes, visando melhorar os meios de subsistência e de cuidados (especialmente de saúde) à disposição da população. A grande maioria dos lares depende basicamente da pesca como fonte de renda monetária. Todavia, as famílias dependem também das atividades dos outros membros, sobretudo das mulheres. Dada a falta de opções, a maioria dedica-se a atividades esporádicas, como conserto de redes ou pequenas vendas, que não as qualificam para o reconhecimento institucional da condição de trabalhadoras e, portanto, excluem-nas de direitos mínimos de cidadania pertinentes. O exame do capital produtivo, sobretudo redes e barcos, revela insuficiência de meios de trabalho para as necessidades dos pescadores. Muitos são proprietários parciais de meios de trabalho, devendo associar-se a outros para compor a unidade de produção. No que diz respeito aos meios de conservação, transporte e comercialização, os produtores locais não têm acesso direto ou exercem qualquer controle. Em razão das modalidades de comercialização vigentes, os volumes produzidos traduzem-se em renda insuficiente, inclusive para a compra e manutenção de equipamentos. O baixo índice de participação no órgão de classe (Colônia de Pescadores) reproduz posturas assistencialistas por parte dos pescadores. Fica-se na expectativa de “ajuda” da entidade e com a alternativa de “deixar de pagar” a mensalidade, em resposta à falta de assistência, refletindo condição de cidadania restrita, em que não se veem como titulares de direitos e deveres.

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Figura 5. Exemplos de uso social dos manguezais: (A) Pesca artesanal; (B) Coleta de caranguejo; (C) Coleta de moluscos (mexilhão, sururu,...).


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A tendência detectada é que há disponibilidade, portanto, para a exploração sem cuidado dos recursos, como ocorre na captura intensiva de caranguejos em outras localidades. A falta de reconhecimento de direitos relativos à cidadania, como é o caso da previdência social e o seguro-desemprego, acentuam essa tendência.

DIFUSÃO DOS RESULTADOS O repasse das informações e produtos gerados pelo projeto foi realizado mediante uma série de atividades pedagógicas junto às comunidades das áreas estudadas. O objetivo fundamental foi despertar no educando a capacidade de observar o ambiente que o cerca, identificando as interações existentes na natureza. A programação educativa constou das seguintes atividades: • Exposição “Por que estudar os manguezais”, onde foram apresentados alguns kits e exemplares da Coleção Didática do Serviço de Educação do Museu Paraense Emílio Goeldi (Figura 6A). • Palestra “Unidades da Paisagem: Zona de Marapanim” - Ministrada ao público formado por professores da rede municipal, diretores de escola e líderes comunitários (Figura 6B). O objetivo fundamental desta atividade foi explicar de forma acessível ao público-alvo, como extrair informações dos mapas e como utilizá-los como um excelente recurso pedagógico. • “Programa Natureza” - Atividade semelhante a um programa de auditório, enfocando o tema em estudo (manguezais), no qual são realizadas brincadeiras e teatro de fantoches (Figura 6C).

INDICADORES PARA A SUSTENTABILIDADE Compreender as interações de fenômenos de natureza e intensidade diversas requer a análise em diferentes níveis de organização estrutural e espacial. Devido a isto, seu estudo exige uma escolha criteriosa de indicadores específicos de funcionamento e de sustentabilidade dos diversos componentes (bióticos e abióticos). Os geoindicadores desempenham papel fundamental no monitoramento ambiental, uma vez que consistem em medidas de magnitude, frequência, taxa ou tendência de processos e/ou fenômenos geológicos e geomorfológicos que ocorrem em 100 anos ou menos e que sofrem variações significativas para a compreensão de mudanças ambientais rápidas (BERGER apud BERGER; IAMS, 1996). Juntamente com os parâmetros hidrológicos, meteorológicos e biológicos apropriados contribuem para o melhor entendimento das mudanças, seja em escala regional ou em nível de ecossistema individual. O atual nível de conhecimento sobre a estrutura e funcionamento do ecossistema manguezal nos estuários estudados nos permite inferir alguns agentes e/ou fatores que são considerados indicadores para a sustentabilidade dos manguezais. São eles: • Aumento na área de abrangência dos manguezais. O mapeamento temático multitemporal com auxílio de cenas satélite LANDSAR TM5 evidenciou que no estuário do rio Mojuim, por exemplo, a distribuição dos manguezais apresentou um crescimento de 8.7 km2 em um espaço de 9 anos. • O padrão vegetacional “escada”, que está diretamente relacionado aos processos hidrodinâmicos e sedimentológicos que ocorrem nos estuários estudados, desempenha um papel geomorfológico importante como fixador de sedimentos finos e, consequentemente, no estabelecimento de zonas de progradação costeira.

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Figura 6. Estratégias para repasse de informações geradas no âmbito do projeto: (A) Exposição “Por que estudar os manguezais”; (B) Treinamento com professores do ensino fundamental e médio; (C) Teatros e brincadeiras infantis enfocando o manguezal.


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• No referente ao estuário misto (onde há interferência de processos marinhos e fluviais), estima-se que a posição da cunha salina (salinidade superficial e intersticial) é provavelmente um dos principais agentes controladores do funcionamento do ecossistema manguezal neste setor estuarino. Sua extensão varia sazonalmente, lateral e verticalmente, desencadeando uma série de transformações nas mais variadas escalas, com reflexos, sobretudo na distribuição e estrutura das espécies.

CONCLUSÃO Os resultados deste trabalho comprovam que até o momento, nos sítios estudados, os ecossistemas estão pouco comprometidos, mantendo suas funções ecológicas para o meio ambiente. As áreas de manguezais sempre foram fonte de recursos para as comunidades tradicionais de Marapanim e São Caetano de Odivelas. Até hoje, o uso social dos recursos naturais constitui a base de vida das populações tradicionais (pesca artesanal, coleta de moluscos, “tiração” de caranguejos, construção de “currais” com madeira de mangues etc.), e, em alguns casos, para a própria economia do município, como é o caso de São Caetano de Odivelas, cuja base econômica está estruturada na coleta de caranguejos. As comunidades tradicionais desempenham um papel ecologicamente correto, conhecendo os recursos naturais e a melhor maneira de usá-los sem destruir, mesmo que do ponto de vista do padrão tecnológico da sociedade envolvente, procurem adotar redes malhadeiras e embarcações a motor, insumos produtivos que hoje predominam numericamente nas localidades. Os indicadores socioantropológicos, ao contrário, revelam que a população litorânea tradicional está se pauperizando, sobretudo devido: (a) à falta de infraestrutura para a comercialização de seus produtos, (b) à rede de intermediários que estocam os maiores lucros em detrimento dos coletores e pescadores artesanais e, sobretudo, (c) às incertezas no futuro de políticas públicas que garantam suas necessidades básicas em termos de comercialização dos produtos da coleta e da pesca artesanal, de educação (alfabetização, conscientização de seus direitos e deveres de cidadania) e de saúde. Os indicadores de deterioração da qualidade de vida dessas populações são: a) baixo nível de escolaridade; b) não desenvolvimento de alternativas de renda para reinvestimento na subsistência; c) migração; d) perda de saberes tradicionais por parte das novas gerações, concernentes às práticas terapêuticas, de manejo tradicional do meio ambiente, através da pesca, de salga e secagem do peixe e aproveitamento dos espaços dos quintais como estratégia de aprovisionamento.

REFERÊNCIAS BARBOSA, G.V.; PINTO, M.N. Geomorfologia da Folha SA – 23 (São Luís) e parte da Folha SA-24 (Fortaleza). In: BRASIL. Projeto RADAM BRASIL. Folha SA – 23 São Luís e parte da Folha SA-24 Fortaleza: Geologia, Geomorfologia, Solos, Vegetação e Uso Potencial da Terra. Rio de Janeiro: [s.n.], 1973. p. 3-37. (Levantamento de Recursos Naturais, 3). BERGER, A R. The geoindicator concept and its application: an introduction. In: BERGER, A R.; IAMS, W. J. (Eds.). Geoindicators: assessing rapid environmental changes in earth systems. Rotterdam: A A Balkema, 1996. p. 1-14. BERTRAND, F. Contribution à l’étude de l’environnement et de la dynamique des mangroves de Guinée. Données de terrain et apport de la télédétection. Paris: ORSTOM, 1993. 201p. (Collection Etudes et Thèse).

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DEGRADAÇÃO AMBIENTAL DE PLANÍCIES DE INUNDAÇÃO E QUALIDADE DE VIDA NA CIDADE DE BELÉM, PARÁ, BRASIL

Carmena Ferreira de França

ABSTRACT The human work produces environmental transformations which, many times, create environmental degradation. Thus, we identified a group of factors that characterize such situation in Belém-Pará (Brazil), especially in some parts of this produced space as, for example, the flood plain of the Tucunduba river: the concentration of “palafitas” (houses made of wood and built above water on sticks) and other urban constructions, the types of performed landfills, the garbage storage and residual water. These factors, articulated with the geomorphohydrologic characteristics of the plain, work as significant indicators of the environmental degradation process and, associated to it, the quality of urban life.

RESUMO O trabalho humano produz transformações ambientais que podem dar origem à degradação do meio natural. Em Belém, Pará (Brasil), identificamos um conjunto de fatores que caracterizam essa situação em determinadas parcelas deste espaço produzido, como, por exemplo, na planície de inundação do rio Tucunduba, caracterizada pela concentração de palafitas, aterros improvisados, lançamento de lixo e presença de águas residuárias provenientes de esgotos domésticos e industriais. Esses fatores, articulados com as características geomorfológicas e hidrológicas da planície, aceleram o processo de degradação e, associado a ele, deterioram a qualidade de vida da população carente.

INTRODUÇÃO Os processos de degradação ambiental em áreas urbanas acompanham o desenvolvimento da cidade e vinculamse ao relacionamento desta com a natureza, na produção do espaço. Sendo a sociedade heterogênea e a natureza diversificada, o espaço produzido também o é, refletindo os variados níveis de mudança, de apropriação, de ocupação e de uso do solo. Em Belém (Pará), metrópole situada no estuário do Amazonas (Baía de Guajará), a produção do espaço urbano (ou a produção social das formas espaciais urbanas) expandiu a cidade, incorporando novas áreas periféricas (CASTELLS, 1983), o que acentua inevitavelmente a divisão territorial e social do trabalho, e transforma as parcelas produzidas em ambientes diferenciados dentro de um mesmo espaço. Tal diferenciação é evidente no padrão habitacional e na infraestrutura instalada entre o centro e a periferia, ou entre periferias. O problema é especialmente agudo nas planícies de inundação, onde há carência de saneamento básico, redução ou perda da capacidade produtiva dos recursos naturais e poluição generalizada, provocando degradação da qualidade de vida da população. Belém possui, hoje, uma população estimada de 1.200.000 habitantes, aproximadamente, que se concentra, em grande parte, nas baixadas inundáveis da cidade. Neste trabalho, tomamos como exemplo a bacia de inundação do rio Tucunduba, na parte sul da cidade de Belém.


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METODOLOGIA Estudo da massa crítica disponível, a saber: • pesquisa no Arquivo Público do Pará e no Arquivo da Santa Casa de Misericórdia; • consultas das escrituras de terras constantes nos cartórios Diniz e Chermont; • depoimentos de técnicos, engenheiros e responsáveis das seguintes entidades: Secretaria de Saneamento (SESAN), Departamento de Resíduos Sólidos (DRS) da Prefeitura Municipal de Belém (PMB), Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA) e Cooperativa dos Servidores da Universidade Federal do Pará; • interpretação, classificação e quantificação das áreas construídas e não construídas, utilizando material aerofotogramétrico, cartográfico e recobrimento aerofotográfico relativos aos anos de 1967, 1978 e 1986. Trabalho de campo no sítio-piloto, com tomada de fotografias e entrevistas com os moradores.

MORFOLOGIA DO SÍTIO URBANO DE BELÉM E SUAS IMPLICAÇÕES Belém, cidade equatorial (1º27’21" lat.S e 48º30’15" long.W.Gr), está localizada a 173 km do Oceano Atlântico, na margem direita do estuário Guajarino, que é parte integrante de uma unidade maior, o Golfão Marajoara, na foz do rio Amazonas. O estuário Guajarino, ambiente fluvial com influências marítimas, forma-se na confluência dos rios Pará, Acará e Guamá, passando à Baía do Guajará e unindo-se, ao norte, com a Baía de Marajó. O município de Belém corresponde a uma área de 505,82 km2 (PMB/Sec. Mun. Coord. Geral do Planej. e Gestão, 1999) dividida em duas regiões: uma continental (com 173,784 km2) e outra insular (cerca de 60 ilhas, cobrindo aproximadamente 332,03 km2) e contava, em 1998, com uma população absoluta de 1.186.443 habitantes. A Região Metropolitana (RMB) ocupa 1.263,42 km2, incluindo os municípios de Ananindeua, Benevides, Marituba e Santa Bárbara do Pará (Figura 1). Por certo, a localização de Belém nesta parte do estuário Guajarino integra a história geopolítica da cidade, testemunhada pela posição estratégica do Forte do Castelo. Mostra igualmente as implicações da ocupação e expansão urbanas em função do modelado: as terras altas (ou terras firmes), livres de inundações e as terras baixas, inundáveis. A tais disposições do relevo ligam-se, igualmente, noções inerentes desde os primórdios da ocupação que estabeleceu a distinção, com ou sem razão, entre “terras altas = ar puro = saúde” e “terras baixas = pântanos, pragas, miasmas e relentos, doenças, insalubridade” ou seja, “senhores x escravos”, “elites x pobreza”. Com o decorrer do tempo e a ocupação da cidade, esses critérios foram sendo modificados, mas não inteiramente. Por certo, os bairros tradicionais de classe média e alta do centro de Belém e as principais avenidas e monumentos estendem-se, sobretudo, nas áreas históricas das terras altas, enquanto as planícies inundáveis são ocupadas por populações de baixa renda (Figura 2). Observa-se, entretanto, uma nova fisionomia urbana, não mais condicionada pelo modelado, mas refletindo o poder socioeconômico em bairros da região metropolitana, onde, lado a lado, existem condomínios de luxo, “ilhas” de conforto e de segurança, protegidos por vigilantes e por altos muros, em ambiente fechado e áreas periféricas, industriais ou não, habitadas pela população de baixo poder aquisitivo, ambas, muitas vezes, próximas às áreas de “invasões. As principais bacias de drenagem da cidade (bacia do Una, das Armas, do Reduto, da Tamandaré, do São José, da Estrada Nova e do Tucunduba) atravessam as duas unidades morfológicas. As chamadas “terras altas”


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Figura 1. Região Metropolitana de Belém (RMB).

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correspondem geomorfologicamente a planaltos costeiros (“tabuleiros”, com até 40 m de altitude) e terraços, enquanto as “terras baixas” (várzeas ou baixadas, com altitudes inferiores a 2 m) constituem as planícies sedimentares de inundação da rede hidrográfica. Face ao aumento populacional e à forma acelerada da ocupação do espaço, procedeu-se a aterros de antigos cursos de igarapés, o que hoje se traduz, na época chuvosa, por inundações frequentes da cidade, qualquer que seja a área morfológica afetada. Naturalmente, as baixadas inundáveis, que constituem o receptáculo natural das águas de escoamento e que sofrem igualmente a influência das marés, são as mais prejudicadas com este problema.

Figura 2. Morfologia da Bacia do Tucunduba (Fonte: Mapa Geomorfológico da Região Metropolitana de Belém – SEPLAN, CODEM, IDESP (1979) – Escala 1:40.000).

DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E QUALIDADE DE VIDA: O CASO DA PLANÍCIE DE INUNDAÇÃO DO TUCUNDUBA A bacia hidrográfica do Tucunduba localiza-se na parte sul da cidade de Belém e possui uma área total de cerca de 10,55 km2, da qual 54,50 % são consideradas como terras alagáveis (5,75 km2). A população da área cresceu rapidamente nas últimas décadas: em 1976 era de 31.224 habitantes (SUDAM/DNOS), e no início dos anos 1990 subiu para 149.075 (COGEP/PMB 1992). Sabendo-se que o crescimento médio anual da população do município de Belém no período de 1980 a 1991 foi de 2,65 %, e que a estimativa para o período 1991-2000 foi de 1,78 %, podemos estimar – apesar da carência de informações demográficas recentes – que, atualmente, a planície inundável do Tucunduba encontra-se totalmente ocupada. Salvo prova do contrário, a planície está situada em um dos setores mais populosos da cidade – como os bairros do Guamá, Marco e Terra Firme – que são igualmente os de maior carência de drenagem, saneamento e instalações urbanas onde, coincidentemente, registram-se altos índices de pobreza, analfabetismo e marginalidade (PMB/ Sec. Mun. Coord. Geral do Planej. e Gestão 1999). No diagnóstico urbano, a baixada do Tucunduba, embora próxima ao centro urbano de Belém, é “periférica” e faz parte dos “bolsões de miséria”, pelas suas características sociais. A sua produção ambiental (e espacial) conduz a diferenciados níveis de transformação e de degradação, resultantes das formas ou tipos de trabalho


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humano. Ou seja, a produção diferenciada do ambiente da planície reflete os graus de intervenção na natureza – que apresenta características diferentes das outras parcelas do espaço de Belém – por meio de trabalhos específicos, que se traduzem nas técnicas empregadas e nas formas de ocupação ou de uso do solo. Estas, materializaram-se (e se materializam) pela retirada da cobertura vegetal, pela instalação de palafitas9 e estivas10 de madeira, pelo aterro fragmentado da planície, pela retificação de canais de drenagem, pela substituição das palafitas por casas de alvenaria e das estivas por ruas aterradas e asfaltadas etc. (Figuras 3 a 5). A produção do espaço urbano na bacia do Tucunduba resultou (e resulta) em uma configuração ambiental que modificou as condições morfológicas originais: os aterros igualaram as cotas topográficas de uma parte da planície às cotas dos terraços mais baixos (4 a 5 m); o rio Tucunduba e seus tributários foram transformados em canais de escoamento dos rejeitos produzidos a montante; as cabeceiras e os leitos dos cursos fluviais foram alterados através do adensamento das construções urbanas, das retificações, da redução da cobertura vegetal e do assoreamento, entre outras causas (Figuras 6 a 8).

PRINCIPAIS RESULTADOS O ambiente que a sociedade constrói é continuamente mutável. O trabalho social introduz transformações em ordem crescente, ampla e intensa, que muitas vezes rompem exponencialmente a cadeia trófica e introduzem componentes altamente concentrados que antes não existiam na natureza. O resultado desse processo expressase pela redução, perda ou desaparecimento de propriedades, como a qualidade ou a capacidade produtiva dos recursos naturais; pelas variadas formas de poluição (do solo, dos cursos fluviais, dos lençóis freáticos etc.); pela formação de um ambiente nocivo, direta ou indiretamente, à saúde ou à segurança das pessoas. O fenômeno da degradação ambiental que ocorre na planície do Tucunduba, produzido historicamente, teve como resultado inevitável o comprometimento da qualidade de vida da população. Nas entrevistas com moradores da área, notou-se a insatisfação da comunidade em relação à sua própria situação socioeconômica, à atuação da Prefeitura Municipal de Belém (PMB) e ao ambiente. Isso quer dizer que as pessoas, embora sem terem a exata consciência das determinações políticas e sociais, sentem profundamente os efeitos da deterioração da qualidade de vida: traduzidos (a) pelo desconforto de morar em terrenos alagáveis aterrados com caroço de açaí, cascas de castanha, ou lixo; (b) pela insegurança por saber que durante o período de chuvas e de marés altas, sua casa ficar total ou parcialmente inundada ou ainda (c) pela angústia de quem não tem recursos para cuidar da proteção e da saúde dos seus familiares, vítimas da insalubridade e da violência urbana. Ao final das entrevistas identificamos tensores atuais, a saber: • A concentração populacional, cada vez maior, contribui para o agravamento das inundações ou alagamentos. Os aterros improvisados, a concentração de palafitas e de lixo no leito do Tucunduba e de seus tributários alteram a topografia, impedem o fluxo habitual do escoamento das águas pluviais e das enchentes e dificultam a drenagem de parte dos esgotos dos terrenos mais elevados (terraços), propiciando a formação de “lagos de quadra”11 (Figura 9).

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Palafitas: casas em geral construídas em madeira e sobre estacas, nas áreas alagadas e alagáveis da Amazônia. Estivas: passarelas de madeira, construídas nas áreas alagadas e alagáveis, com o objetivo de ligar as palafitas e favorecer acirculação dos moradores. 11 Lagos de quadra: designação utilizada pelos técnicos da Prefeitura Municipal de Belém para os trechos de água empoçada ou estagnada que se formam sob palafitas e entre ruas aterradas na planície. 10

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Figura 3. Trecho meridional da planície de inundação do Tucunduba, aterrado com caroço de açaí e ocupado por palafitas e estivas. Foto: Aluízio Figueiredo-fev/1993.

Figura 4. Trecho meridional da planície de inundação do Tucunduba aterrado com lixo, ocupado por palafitas e estivas e que apresenta instalação de postes de iluminação elétrica e tubulação de abastecimento de água em estado precário. Foto: Aluízio Figueiredo-fev/1993.

Figura 5. Trecho setentrional da planície de inundação do Tucunduba, onde as estivas foram substituídas por ruas aterradas, as palafitas por casas de alvenaria e o rio teve seu curso retificado. Foto: Aluízio Figueiredo-fev/ 1993.


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Figura 6. Confluência dos rios Vileta e Tucunduba. Acúmulo de detritos no leito e nas margens dos rios. Foto: Aluízio Figueiredo-fev/1993.

Figura 7. Estâncias madeireiras contribuem para a poluição e assoreamento do rio Tucunduba, lançando restos de madeira e outros rejeitos sólidos no leito e nas margens do rio. Foto: Aluízio Figueiredo-fev/1993.

Figura 8. Trecho da margem direita do rio Tucunduba, próximo a sua desembocadura. Acúmulo de detritos sólidos, principalmente de cascas de açaizeiro, e comercialização de tijolos. Estâncias madeireiras contribuem para a poluição e assoreamento do rio Tucunduba, lançando restos de madeira e outros rejeitos sólidos no leito e nas margens do rio. Foto: Aluízio Figueiredo-fev/ 1993.

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• O desmatamento das margens e a impermeabilização do solo, em função da construção de calçadas, residências e do asfaltamento – seja nas áreas de cabeceiras e terraços, seja nos setores de planície – aceleram o escoamento superficial e o consequente assoreamento do leito dos rios. Há diminuição da profundidade e da competência de transporte dos cursos d’água, que transbordam e se espraiam ameaçando a saúde e a segurança humana, sobretudo quando aumenta a vazão. • As águas estão poluídas. Uma pesquisa feita com base em análises físico-químicas e bacteriológicas da água do Tucunduba, em 1988, pelo Departamento de Operações e Processos Químicos (Centro Tecnológico da Universidade Federal do Pará) comprovou a presença de elementos poluentes em quantidades alarmantes, provenientes de despejos domésticos, sanitários e industriais in natura. A quantidade de coliformes (total e fecal) era cerca de 1.000 vezes superior aos padrões considerados normais, além da presença de produtos químicos como o cromo hexavalente lançado pelo Curtume Santo Antônio, situado às proximidades das margens do Tucunduba e a 3,1 km de sua desembocadura. Enfim, a matéria orgânica proveniente da lavagem das peles de animais causa um mau cheiro insuportável. • Soma-se a isso a grande quantidade de resíduos sólidos (pedaços de madeira, restos de alimentos, tijolos, latas, pneus, cascas de açaizeiros e outros) com consequente aumento da turbidez e redução da luminosidade da coluna d’água, interferindo no processo de fotossíntese. • O principal agente poluente é o despejo doméstico, lançado diretamente nas águas do Tucunduba e de seus afluentes, sem nenhum tratamento (BRAZ, 1988). Em síntese, o uso das águas da bacia do Tucunduba para a utilização doméstica, bem como para a recreação da população que habita a área, é inviável. Outra hipótese preocupante é a degradação da água que abastece Belém, uma vez que o ponto de captação de água do rio Guamá para abastecimento da cidade fica a aproximadamente 5,3 km a montante da foz do Tucunduba.

Figura 9. Trecho central da planície de inundação do Tucunduba. A água da chuva e os rejeitos líquidos ficam estagnados sob as casas e entre as ruas aterradas em função da ausência de drenagem. Foto: Aluízio Figueiredo-fev/1993.


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DISCUSSÃO

a) Lixões de Belém: uma “vocação natural” das baixadas inundáveis? Sabendo-se que a forma de se produzir o espaço em Belém sempre seguiu um modelo contraditório em relação às especificidades naturais de seu sítio, não é surpreendente que os rios e as planícies de inundação da cidade pudessem ser considerados como receptáculos “naturais” das águas residuárias e do lixo da cidade. A planície do Tucunduba, por exemplo, abrigou, entre os anos 1970 e 1980, um dos maiores depósitos de lixo da capital, a “Estiva do Curió”, no bairro de Terra Firme, próximo ao divisor nordeste da bacia-vertente. De acordo com depoimentos de engenheiros do Departamento de Resíduos Sólidos da Prefeitura Municipal de Belém (DRS/PMB), a Estiva do Curió recebeu cerca de 500.000 m3 de lixo. Uma parte foi depositada na área do lixão e a outra sendo utilizada como aterro improvisado. As “ruas” assim criadas resultaram de ramais que iam sendo abertos para dar acesso ao lixão e em seus eixos, ao longo dos quais foram instaladas palafitas. Entre 1974/1980, às margens dos canais de drenagem da Leal Martins, da Terra Firme, da Gentil, da Mundurucus e do Tucunduba, foram construídos cerca de 9.396 m lineares de estivas e 8.000 m de prolongamento de ruas e passagens. A propagação da ocupação urbana e o aumento populacional da planície inundável do Tucunduba foram feitas a partir do lixão.

b) Aterros com lixo: forma econômica e “ecológica” de preparação do terreno para a construção civil? A utilização do lixo como aterro não é primazia da baixada do Tucunduba; foi também usada, com ligeiras modificações, para a preparação de terrenos para a construção civil por uma empresa de transportes urbanos e pela cooperativa de servidores da Universidade Federal do Pará. O terreno da empresa de transportes Guajará, com 120 m de frente por 400 m de fundo, situa-se na Av. Perimetral, em frente do Campus Universitário do Guamá, a cerca de 400 m da margem direita do Tucunduba. Em dezembro de 1994, o lixo começou a ser depositado no local de forma acelerada, numa média de 40 carradas12 por dia. O terreno foi posteriormente recoberto de laterita, pavimentado e hoje abriga a garagem da empresa. Um segundo terreno, pertencente à Cooperativa de 220 sócios servidores da Universidade Federal do Pará encontra-se na mesma área (Av. Perimetral, em frente ao Campus Universitário do Guamá, contíguo à garagem citada), com aproximadamente 200 m de frente por 400 m de fundo, a cerca de 150 m da margem direita do rio Tucunduba. O local serviu como lixão entre 1991 e 1994; foram ali jogados diariamente 90 % do lixo público de Belém (200 a 300 carradas por dia), inclusive resíduos não domiciliares13. A diferença principal é que neste lixão não foram despejados resíduos hospitalares, tendo, portanto, menor potencial de poluição. Cerca de 80 caçambas14 trabalharam diariamente das 8 horas da manhã até 1 hora da madrugada, inclusive durante domingos e feriados. O terreno foi assim aterrado, recoberto de laterita e preparado para a entrega dos lotes aos servidores sócios, em dezembro de 1995, sendo esta solução considerada pelos interessados como mais “ecológica” e econômica, mas estando longe de ser a ideal.

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Uma carrada equivale a 4m3. Proveniente de raspagem, capinação e varrição de ruas e da limpeza de bueiros, valas e canais da cidade. 14 Uma caçamba joga, em média, 4 carradas de lixo por vez.

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c) Coleta alternativa, uma solução? Em 1995, houve uma nova tentativa de sistematizar a coleta de lixo na bacia do Tucunduba, feita 3 vezes por semana, durante o dia (relatórios do DRS/PMB), unicamente nas ruas asfaltadas onde os caminhões podiam trafegar sem grandes problemas. O objetivo foi complementar o trabalho realizado por minitratores que entravam nas ruas não pavimentadas e alagáveis, bem próximas às estivas. Em pontos previamente fixados, os moradores das palafitas depositavam o lixo em caixas coletoras que eram posteriormente recolhidas. O emprego conjunto de minitratores e caminhões asseguraram, por algum tempo, a retirada do lixo em toda a área. Entretanto, foi extinto unicamente pela falta de manutenção dos microtratores. De acordo com o DRS/PMB, quando existia a coleta alternativa, atendia-se 85 % da cidade de Belém, sendo 20 % correspondente às planícies de inundação, onde o lixo era coletado nos locais de difícil acesso aos caminhões. Retiravam-se uma média de 7 toneladas de lixo por dia das baixadas, valor que se somava às 14 a 20 toneladas diárias da coleta regular porta a porta. Na bacia do Tucunduba, 10 a 15 % da área total eram atendidos pela coleta regular, cerca de 50 % pela coleta alternativa. Uma parte dos detritos (35%) não eram coletados (supõe-se que o lixo era jogado nos canais de drenagem ou depositados no solo). Com a extinção do sistema de coleta alternativa, passou-se a atender apenas 65% da cidade (na planície do Tucunduba a coleta caiu para 15%). Houve, portanto, uma séria regressão no sistema de coleta de resíduos sólidos e domésticos da maior parte da planície do Tucunduba que se tornou de regular a ruim (PNUD, 1997).

CONSIDERAÇÕES FINAIS A forma de uso não planificado da baixada do Tucunduba levou a uma situação esperada e praticamente inevitável: a criação de um espaço insalubre e a deterioração da qualidade de vida de seus ocupantes, o que cria problemas enormes para os gestores do espaço urbano. A situação piorou: os alagamentos são hoje frequentes, não apenas causados pelas chuvas e marés, mas também por inúmeros bolsões de retenção da água, por acumulação dos dejetos e pelo aumento do escoamento superficial das vertentes. Sendo uma área deprimida, a planície constituiuse em bacia de recepção dos elementos poluentes vindos das vertentes ocupadas. A concentração de estivas, palafitas e outras estruturas urbanas funcionam também como sistema de ancoramento da sedimentação e concentração de detritos. A maneira como os homens se relacionarem em sociedade determina o tipo de relação com o ambiente, que se reflete, sobretudo, na forma de ocupação e no destino dado a cada parcela ocupada. À planície do Tucunduba foi atribuída a tradição de ser uma área de depósito de lixo e de segregação social, refletido desde e nas primeiras formas de ocupação, pois o Tucunduba já foi espaço de isolamento de leprosos, de loucos, de infeccionados pela epidemia de varíola do início do século; já possuiu cemitérios cuja existência se liga ao fato de os indigentes não serem sepultados nos mesmos cemitérios destinados às classes mais favorecidas de nossa sociedade. E, hoje, é espaço de residência de uma população pobre. Esta é uma “vocação” inerente a estas áreas? Discordamos totalmente: a degradação ambiental gerada pela própria produção espacial, ilustrada pela baixada do Tucunduba, é séria e grave. Trata-se de uma questão de política pública, ou melhor, de vontade política, de cidadania e de respeito à dignidade humana.


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REFERÊNCIAS ARAÚJO, E.C. Situação atual dos destinos de dejetos humanos de Belém. Departamento de Hidráulica e Saneamento. 1986. 25f. Trabalho de Conclusão de Curso. Belém: Universidade Federal do Pará, 1986. BRAZ, V. Avaliação da poluição hídrica do igarapé do Tucunduba (Belém-PA). Relatório Final. Belém: Universidade Federal do Pará, 1988. 20 p. CASTELLS, M. A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1983. 590 p. CODEM-COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E ADMINISTRAÇÃO DA ÁREA URBANA DE BELÉM. Plano de recuperação de baixadas. Belém: Programa de Intervenção na Bacia do Una/Reestruturação espacial, 1987. Mimeografado. COHAB-PA-COOPERATIVA HABITACIONAL DO ESTADO DO PARÁ. Relatório Ambiental da Região Metropolitana de Belém. Belém: PNUB/IPES/FADESP/COHAB, 1997.261 p. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Sinopse Preliminar do Censo Demográfico 1991. Rio de Janeiro: IBGE, 1991. p.1-74. PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM. Plano Diretor de Belém – 1991. Belém: COGEP, 1992. PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM. Indicadores Municipais de Belém. Belém: Secretaria Municipal Coord. Geral do Planej. e Gestão, 1999. 74 p. SUDAM-SUPERINTENDÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA. Monografias das baixadas de Belém. Subsídios para um projeto de recuperação. Belém: Sudam, 1976. 178 p. v.1.

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ANÁLISE DO MEIO FÍSICO PARA GESTÃO AMBIENTAL DAS ILHAS DE ALGODOAL E ATALAIA (NE DO PARÁ)

Amílcar Carvalho Mendes Márcio Sousa Silva Valdenira Ferreira Santos

ABSTRACT Pará coast presents a vast potential for the most varied land use. However, the lack of studies about the characterization, potentialities and, mainly, environmental limitations impede acts in intense way in relative subjects to the planning of the land use and occupation. This work concentrated on two important coastal sections: Atalaia Island, tourist pole that in the last two decades it comes suffering intense process of environmental degradation, and Algodoal Island, since 1990 considered as Area of Environmental Protection. The objective went demonstrate as to geological and geomorphological characterization of the land ally to the effective environmental legislation can culminate in a product of easy understanding (geoenvironmental map) that subsidizes a best territorial planning and correct environmental administration of the natural resources existent.

RESUMO A costa paraense apresenta vasto potencial para os mais variados tipos de uso. Contudo, a falta de estudos sobre a caracterização, potencialidades e limitações do meio físico impedem que o poder público atue de forma mais eficaz no planejamento do uso e ocupação do solo. Este trabalho concentrou-se em dois importantes setores costeiros: ilha do Atalaia, polo turístico que nos últimos 20 anos vem sofrendo intensa degradação ambiental; ilha de Algodoal, regulamentada como Área de Proteção Ambiental. O objetivo é demonstrar que a caracterização geológica-geomorfológica do meio físico aliada à legislação ambiental vigente pode culminar em um produto de fácil compreensão e aplicação no planejamento territorial e correta gestão ambiental.

INTRODUÇÃO As regiões costeiras são áreas transicionais submetidas à interação de processos continentais, marinhos e atmosféricos extremamente dinâmicos, responsáveis pelo estabelecimento de ecossistemas diversificados e com limitações que devem ser respeitadas, sob pena de colocar em risco os recursos naturais ali existentes. Dada a sua localização geográfica e processos hidrodinâmicos, a costa paraense apresenta morfologia peculiar, caracterizada por um complexo sistema de estuários em que coexistem ambientes dominados por marés e ondas, cuja maioria encontra-se isenta de ações antrópicas. Não obstante, o alto potencial para variados tipos de uso, a carência de mapeamento geológico-geomorfológico de detalhe e estudos sobre potencialidades e limitações do meio físico, impedem que o poder público atue de forma mais efetiva em questões relativas ao planejamento urbano e gerenciamento ambiental. Este trabalho foi desenvolvido em dois importantes setores da costa paraense: ilha do Atalaia, polo turístico que vem sofrendo acelerada degradação ambiental, e ilha de Algodoal, Área de Proteção Ambiental (APA) desde 1990. Com base na interseção entre os aspectos geomorfológicos e a legislação ambiental vigente, foi elaborado um produto de fácil compreensão (mapa geoambiental), onde as autoridades jurídicas, legislativas e executivas


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encontram subsídios técnicos para normatização do uso do solo, às suas limitações e preservação de áreas cuja ocupação pode causar danos ao meio ambiente. As áreas estudadas localizam-se na costa NE do estado do Pará (Figura 1), onde a ilha de Algodoal acha-se limitada pelas coordenadas 00º34’35”S, 00º40’00”S, 47º39’35” WGr. e 47º31’25” WGr. A ilha do Atalaia encontra-se delimitada pelas coordenadas 00º35’22”S, 00º38’43”S, 47º15’47” WGr. e 47º21’12” WGr. Objetiva-se, com este trabalho, demonstrar como a análise do meio físico pode contribuir para oplanejamento territorial e gestão ambiental em áreas costeiras. Com isso, espera-se subsidiar o poder público no enfrentamento de questões decorrentes da ocupação desordenada e, se for o caso, replicar a metodologia para outros setores do litoral paraense.

METODOLOGIA • A análise bibliográfica – levantamento de dados cartográficos, aspectos geológicos e geomorfológicos das áreas, bem como relativos à legislação ambiental vigente. • Elaboração da base cartográfica preliminar – composta a partir da interpretação de fotografias aéreas em escala 1:70000 (1978). Após ampliação para a escala 1:10000, foi realizada a análise multitemporal através da comparação entre os dados referentes à fotointerpretação e cenas-satélite LANDSAT TM5 (1988), objetivando cartografar vetores de impacto ambiental e possíveis modificações morfológicas decorrentes de ações antrópicas e naturais. • Trabalhos de Campo – caracterização (mapeamento básico) das unidades geomorfológicas e, através de sobrevôos com ultraleves, registro fotográfico das ações antrópicas que estão causando degradação ambiental. • Confecção do Mapa Temático – a partir da integração dos dados obtidos na análise fotointerpretativa, cenas de satélite e dados coletados nos trabalhos de campo, foram elaborados os mapas geoambientais, onde está representada a compartimentação das áreas estudadas, segundo critérios técnicos e a legislação ambiental vigente.

CENÁRIO FISIOGRÁFICO A costa paraense apresenta configuração extremamente recortada, em função da presença de complexos sistemas estuarinos dominados por macromarés. Esta configuração levou Barbosa e Pinto (1973) a defini-la como “costa de rias”. O clima predominante é do tipo “Awi”, segundo a Classificação de Köppen (VIEIR A; SANTOS, 1987), com precipitação pluviométrica anual de 2500-3000 mm (SUDAM, 1984). A temperatura média anual é de 27ºC, enquanto que a umidade relativa do ar atinge valores médios anuais em torno de 80-85% (MARTORANO et al., 1993). A vegetação é caracterizada por espécies de mangue (Rhyzophora mangle, Avicennia germinans e Laguncularia racemosa), campos naturais (gramíneas e ciperáceas) e restingas (Chrisobalanus icaco, Bulbostylis capibaris etc.). Ribeiro e Senna (1995) ainda definiram várias espécies de várzea e capoeira na ilha de Algodoal.


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Figura 1. Localização das áreas estudadas, destacadas na cena satélite LANDSAT TM5 (julho/1988).

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CENÁRIO GEOLÓGICO-GEOMORFOLÓGICO As formas litorâneas consistem de macrofeições desenvolvidas e/ou em desenvolvimento em dois domínios geomorfológicos: Planície Costeira e Planalto Costeiro. O primeiro corresponde à faixa de sedimentos argilosos e arenosos resultantes da ação construtiva de marés, ondas e ventos, traduzindo-se em um relevo eminentemente plano. O segundo corresponde a uma superfície estruturada em relevo de degradação, com topos levemente ondulados, vertentes suaves e perfis convexos voltados para o mar formando falésias ativas com plataformas de abrasão associadas. Os sistemas de relevo das ilhas do Atalaia (Figura 2) e Algodoal (Figura 3) podem ser subdivididos em várias unidades geomorfológicas descritas em detalhes por Silva (1996) e Santos (1996).

Ilha de Algodoal A Lei Estadual nº 5621, datada de 1990, transformou a ilha de Algodoal em Área de Proteção Ambiental (APA). Esta Lei, teoricamente asseguraria a proteção e manejo dos ecossistemas somente sob pleno domínio dos processos naturais atuantes no seu desenvolvimento. No entanto, esta proteção é incipiente ou até mesmo inexistente, uma vez que ainda não foi elaborado um plano de manejo para essa área, muito embora já existam excelentes contribuições técnicas para subsidiá-lo, como, por exemplo, o levantamento botânico das restingas efetuado por Bastos (1996) ou os estudos desenvolvidos por Santos (1996) sobre o meio físico (caracterização geológica e geomorfológica). Em função do acesso limitado, realizado somente por via marítima, a ilha de Algodoal ainda permanece relativamente bem preservada do ponto de vista ambiental. A grande maioria das modificações registradas ocorre em função dos processos naturais, o que absolutamente não quer dizer que a ilha não venha sofrendo interferências antrópicas que possam vir a incorrer em danos futuros ao meio ambiente. O principal impacto natural observado diz respeito à erosão da linha de costa. Em alguns setores da ilha, o recuo ao longo de uma década foi da ordem de 150 a 200m; em outros, o poder de devastação é ainda maior, principalmente em função da grande retirada de um arenito ferruginoso (popularmente conhecido como “Grés do Pará”), de largo emprego na construção civil, e que ocorre nas plataformas de abrasão associadas às falésias. Tal fato contribui em muito para diminuir a proteção da linha de costa realizada por essas plataformas. Outro impacto ambiental decorrente de atividades antrópicas registradas, diz respeito ao lixo depositado na orla costeira, inclusive nos manguezais, considerados pela legislação ambiental como área de preservação permanente e, como tal, deveriam ser permanentemente protegidos. Este problema tende a agravar-se, principalmente no mês de julho (alta estação), quando há grande fluxo de pessoas, o que acarreta danos à fauna, à flora e à saúde da população nativa. Outro fator é a ocupação desordenada da praia da Princesa, principalmente para fins comerciais (pousadas, pequenos bares e restaurantes), causando prejuízo estético para a praia, uma vez que as barracas foram construídas sem nenhum padrão de ordenamento.

Ilha do Atalaia Nas últimas décadas, a ilha do Atalaia vem passando por profundas agressões ambientais (Figura 4A-E), iniciadas a partir de 1973 com a construção da estrada Salinópolis-Atalaia, que expôs os ambientes naturais a um desordenado processo de ocupação e especulação imobiliária. As várias ações antrópicas registradas na ilha foram:


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Figura 2. Mapa Geomorfológico da ilha do Atalaia (modificado de SILVA, 1996).

Figura 3. Mapa geomorfológico da ilha de Algodoal (modificado de SANTOS, 1996).

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A

B

C

D

E

Figura 4. A) Ações antrópicas danosas na ilha do Atalaia; B) Loteamentos em áreas de dunas; C) Destruição de manguezais; D) Acumulação de lixo em lugar impróprio; E) Erosão costeira.


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• Construção da estrada Salinópolis-Atalaia – desencadeou todo o processo de ocupação errônea, uma vez que não foram tomados cuidados para preservação de ecossistemas de manguezais e dunas. • Implantação de loteamentos e vias de acesso em Reservas Ecológicas – existem três grandes loteamentos licenciados pela Prefeitura Municipal de Salinópolis, sem nenhum estudo prévio de impacto ambiental. Dois deles foram implantados em áreas ocupadas por dunas que, segundo a resolução 004/85 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), constituem-se em Reservas Ecológicas, sendo proibida, portanto, a execução de qualquer obra de engenharia. • Destruição de manguezais – nos limites de implantação de um dos loteamentos houve destruição de uma franja de manguezal (300m de extensão) para a construção de pequenos portos. • Acumulação de lixo em lugar impróprio – o lixo é depositado em área próxima às dunas e lagos. Devido a alta permeabilidade do terreno, pode estar havendo contaminação do lençol freático. O problema se agrava durante a alta estação, quando há aumento populacional e, consequentemente, na produção de resíduos. • Contaminação do lençol freático – a ilha do Atalaia não dispõe de rede de abastecimento de água e saneamento. A maioria das residências utiliza sistema de esgotos por fossas e sumidouros localizados próximos aos poços artesianos, que, por sua vez, situam-se em locais de migração de águas contaminadas. No caso das barracas da praia do Atalaia o problema é ainda mais grave, uma vez que o abastecimento é feito exclusivamente por meio de poços rasos, escavados em areias de dunas e localizados às proximidades das fossas sépticas. • Erosão costeira – a retirada das dunas que funcionavam como obstáculo natural aos efeitos de ondas, ventos e marés, para implantação de loteamentos, foi o fator principal para o desequilíbrio da praia do Atalaia. Como efeito, muitas das residências construídas à beira-mar estão totalmente comprometidas e em risco de desabamento.

UNIDADES GEOAMBIENTAIS A identificação e delimitação de setores apropriados ou não a diferentes tipos de uso permitiram a definição de unidades geoambientais, cujos limites precisam ser constantemente monitorados e atualizados, dada a forte dinâmica do meio físico costeiro. A distribuição espacial dessas unidades acha-se cartografada nos mapas geoambientais das áreas estudadas (Figuras 5 e 6) e descritas a seguir. • Áreas de Preservação Permanente – Reservas Ecológicas, segundo a resolução 004/85 do CONAMA. São áreas de manguezais, sistema de lagos interdunas e campos de dunas. Além dos aspectos ecológicos, são áreas inadequadas à urbanização (áreas de risco). • Áreas Adequadas à Urbanização – Sem Restrições – a necessidade de avaliação de impacto ambiental restringe-se à cobertura vegetal e ao sistema de drenagem.

– Com Restrições – são necessários cuidados especiais para evitar problemas ambientais, geológicos e geotécnicos. Correspondem às faixas marginais das falésias, onde o risco proporcionado pela erosão e/ ou escorregamento do solo é mais pronunciado.

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Figura 5. Mapa geoambiental da ilha do Atalaia.

Figura 6. Mapa geoambiental da ilha de Algodoal.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS A temática ambiental implica na necessidade de uma visão de diferentes temáticas do conhecimento e avaliação de todos os condicionantes ambientais. No planejamento do uso e ocupação do solo, o conhecimento dos aspectos relacionados às geociências e suas subdisciplinas se sobressaem. Nesse contexto, a caracterização geológica e geomorfológica do meio físico é o primeiro passo a ser dado para um melhor planejamento urbano e correta gestão dos recursos naturais. A despeito disso, os aspectos geológicos e geomorfológicos, mesmo sendo de fundamental importância no enfrentamento de questões ambientais, quase sempre são relegados a um plano secundário, se comparados aos processos socioeconômicos e biológicos. Nas duas áreas estudadas, em escalas diferentes de degradação ambiental, o homem atua como um forte “agente geológico” na interação com a natureza. Percebe-se claramente que as interferências antrópicas resultaram em consequências danosas ao meio ambiente e que poderiam ter sido evitadas, mediante a simples obediência à lei. Mesmo nos casos em que a natureza impôs sua força às modificações antrópicas, uma ação preventiva poderia resguardar ou minimizar seus efeitos deletérios. As degradações ambientais somente serão coibidas se as autoridades constituídas e responsáveis pela preservação do patrimônio de uso público e coletivo exercerem a força da lei e poder de fiscalização. A elaboração e adoção de um Plano de Manejo e/ou Plano Diretor sem ingerências políticas e que estabeleça medidas e normas técnicas para a ocupação antrópica, respeitando as limitações dos ecossistemas costeiros, parece ser uma ação eficaz, evidentemente se resguardada por diretrizes e metas para análise, controle e acompanhamento das ações antrópicas. A partir dos mapas geoambientais apresentados, podem ser concebidos cartas de zoneamento ambiental, onde possam ser acrescentadas e/ou associadas informações sobre os aspectos bióticos e socioeconômicos, a fim de que a mesma possa subsidiar de forma mais eficiente e completa o planejamento ambiental e respectivo plano de manejo e gestão dessas áreas.

REFERÊNCIAS BARBOSA, G.V.; PINTO, M.N. Geomorfologia. In: Projeto RADAMBRASIL. Folha SA23 (São Luís) e Parte da Folha SA24 (Fortaleza); geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: DNPM, 1973, p.1-26. (Levantamento de Recursos Naturais, 3). BASTOS, M.N.C. Caracterização das formações vegetais da restinga da Princesa, ilha de Algodoal-Pará. 1996. 261f. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Pará/Centro de Ciências Biológicas, Belém, 1996. MARTORANO, L. G.; PEREIRA, L. C.; CEZAR. E. G. M.; PEREIRA, I. C. B. Estudos climatológicos do Estado do Pará, classificação climática (Köppen) e deficiência hídrica (Thornthwhite, Mather). Belém: SUDAM/EMBRPA, SNLCS, 1993. 53 p. RIBEIRO, C.; SENA, C. Estudo dos subambientes de restinga de Fortalezinha/Ilha de Algodoal - NE do Pará. In: WORKSHOP ECOLAB, 3. Belém, 1995. Resumos... Belém: MPEG/SUDAM/UFPA, 1995. p. 112-114. SANTOS, V.F. Estratigrafia holocênica e morfodinâmica atual da planície costeira da Ilha de Algodoal e Marudá. 1996. 139f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará/Centro de Geociências, Belém, 1996. SILVA, M.S. Morfoestratigrafia e evolução da planície costeira de Salinópolis – NE do Estado do Pará. 1996. 142f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará/Centro de Geociências, Belém, 1996. SUDAM-SUPERINTENDÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA. Atlas Climatológico da Amazônia Brasileira. Belém: SUDAM/PHCA, 1984. 125p. VIEIRA, L.S.; SANTOS, P.C.T.C. Amazônia: seus solos e outros recursos naturais. São Paulo: Agronomia CERES, 1984. 416 p.

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DEGRADAÇÃO DOS MANGUEZAIS NA ILHA DE SÃO LUÍS (MA): PROCESSOS NATURAIS E IMPACTOS ANTRÓPICOS

Flávia Rebelo Mochel Maria Marlúcia Ferreira-Correia Marco Valério Jansen Cutrim Maria do Socorro Rodrigues Ibañez Andréa Cristina Gomes de Azevedo Verônica Maria de Oliveira Célia Regina Dantas Pessoa Diana da Cruz Maia Paula Cilene da Silveira Mariano Oscar Aníbal Ibañez-Rojas Clauber de Moraes Pacheco Clarissa Frota Macatrão Costa Lindanaura Macedo Silva Alexandra Maura Bernal Puiseck

ABSTRACT The importance of mangroves to provide goods and services to populations living in coastal zones has long been recognized. Maranhão State has almost 50% of the Brazilian mangrove cover. The exuberance and complexity of mangrove forests along the Maranhão coast is emphasized by many authors. However a few data are available on mangrove structure and function in natural and man-induced conditions in this part of the Brazilian coast.

RESUMO A importância dos manguezais como prestadores de serviços e fornecedores de diversos bens para as populações que habitam a zona costeira, tem sido amplamente divulgada. O estado do Maranhão possui quase 50% da área de manguezais do Brasil. A exuberância e complexidade dos manguezais maranhenses têm sido enfatizadas por muitos autores. Entretanto, há poucos dados disponíveis sobre a estrutura e o funcionamento desses ecossistemas, tanto em condições naturais quanto em condições de impactos induzidos pelas atividades humanas.

INTRODUÇÃO Neste trabalho, foram estimadas as perdas das áreas de manguezais na ilha de São Luís, utilizando-se dados de sensoriamento remoto e um estudo de caso em um manguezal impactado. A ilha de São Luís perdeu cerca de 7.000 ha de manguezais no período de 1972 a 1993. O estudo de caso mostrou que na área impactada os manguezais são heterogêneos em estrutura, estressados por erosão e assoreamento ativos, provenientes das atividades humanas nos ecossistemas adjacentes. A degradação dos manguezais ocorre, também, pelo corte, manchas de óleo, depósitos de lixo e outros tensores. A composição e a distribuição da fauna e flora revelam diversidade baixa, com espécies que são comumente encontradas em outros manguezais sob impacto. Os manguezais são utilizados tradicionalmente pela população local, mas as estimativas dos estoques atuais das


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espécies dos manguezais indicam que não há sustentabilidade para uma exploração comercial. O presente trabalho recomenda a utilização da área onde foi realizado o estudo de caso como área piloto para restauração dos manguezais na ilha de São Luís e para atividades de educação ambiental. O estado do Maranhão localiza-se na região Nordeste do Brasil; está limitado entre as coordenadas 01º00’ 03º00’ S e 41º48’30” - 46º00’ W e o seu litoral constitui o segundo mais extenso do país, com 640 km. A precipitação anual média é de 2.500 mm, alcançando valores acima de 4.000 mm em alguns municípios das reentrâncias maranhenses (SUDAM). A temperatura do ar varia de 25 a 27ºC. O Maranhão apresenta um regime de macromarés, com alturas máximas acima de 8 m e correntes de marés com velocidade de até 4 m/s. A costa oriental do estado é formada por extensos cordões de dunas arenosas, os Lençóis Maranhenses, com manguezais restritos à desembocaduras dos rios e às diversas baías formadas pelo Delta do Rio Parnaíba. O litoral ocidental é bastante recortado, com inúmeras baías, centenas de ilhas e bancos lodosos, e extensos manguezais margeando a costa e penetrando nos rios e canais até 100 km terra adentro. Dividindo o litoral oriental do ocidental, encontra-se o Golfão Maranhense, onde está situada a ilha de São Luís (Latitude 02º25’-02º35’S e Longitude 44º01’- 44º23’W) . Os manguezais cobrem cerca de 890 km do perímetro do Golfão (MEDEIROS, 1988) e se distribuem, também, pelos estuários da ilha de São Luís. As marés, em São Luís, podem alcançar até 7 m de altura (FERREIRA, 1988). A exuberância e a complexidade dos manguezais maranhenses são reconhecidas por vários autores (KJERFVE; LACERDA, 1993; LACERDA; SCHAEFFER-NOVELLI, 1992; CINTRÓN; SCHAEFFER-NOVELLI, 1983).

No Maranhão, a primeira Unidade de Conservação foi criada em 1942, na ilha de São Luís, incluindo áreas de manguezais. Em 1980, essa Unidade foi transformada no Parque Estadual do Bacanga. Em 1981, o governo brasileiro criou o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, o qual apresenta manguezais em áreas restritas às desembocaduras de rios e pequenos estuários. No período de 1988 a 1991, o governo do Maranhão criou Unidades de Conservação que englobam a totalidade da zona costeira maranhense.

EXTENSÃO E DISTRIBUIÇÃO DOS MANGUEZAIS NA ILHA DE SÃO LUÍS A Tabela 1 mostra a perda da área de manguezais na ilha de São Luís no período de 1972 a 1993, baseada em dados obtidos por sensoriamento remoto. Em 1993, os manguezais cobriam uma área de cerca de 19.000 ha na ilha de São Luís, distribuídos em franjas ao longo da linha de costa, em depressões (bacias) atrás das praias e dunas e nas margens de rios e igarapés, de acordo com os tipos descritos por Lugo e Snedaker (1974). Tabela 1. Mudanças na área de manguezais de 1972 a 1993 em São Luis*. Ano

Estimativa da área de manguezais (ha)

1972 1979 1991 1993 *Adaptado de Rebelo Mochel (1997).

25.800 23.200 20.730 18.900

Imagem Base GMS 1000 LANDSAT MSS SPOT LANDSAT TM


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A degradação dos manguezais parece mais acelerada de 1991 a 1993, a despeito das diferenças entre as escalas das imagens e suas resoluções. Nesse caso, a perda da área de manguezais, em dois anos, foi da ordem de 2.000 ha, contra 5.000 ha em vinte anos. As áreas de manguezais perdidas no período considerado podem ser vistas nas Figuras 1 e 2.

Figura 1. Área de manguezal na ilha de São Luís (1971/1972).

Figura 2. Área de manguezal na ilha de São Luís (1991/1993).

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ESTUDO DE CASO E MAPEAMENTO TEMÁTICO O estudo de caso foi conduzido no manguezal adjacente ao vilarejo de Parnauaçu, sudoeste da ilha de São Luís, entre as coordenadas 2º37’27”S - 2º38’30”S e 44º20’36”W - 44º21’41” W. Nessa área, os manguezais formam, principalmente, bosques mistos de Rhizophora, Avicennia e Laguncularia e uns poucos bosques homogêneos formados por apenas um desses gêneros (Figura 3). Os mapas temáticos foram produzidos com o auxílio de fotografias aéreas em escala 1:8.000, cartas produzidas pelo DSG, Exército brasileiro e trabalhos de campo para checar os temas. Foram utilizados programas computacionais Idrisi 1.1 e Aldus Photostyler. O mangue branco ou tinteira (Laguncularia racemosa) ocorre em bosques homogêneos (L) ou mistos (L/A/R), formando franjas na borda do estuário, enquanto bosques de Rhizophora mangle homogêneos (R) ou mistos com Avicennia (R/A) ocorrem nas áreas mais internas, formando bacias, como descrito por Lugo e Snedaker (1974). Este aspecto fisiográfico representa as novas áreas colonizadas por Laguncularia, onde se verifica a ocorrência de sedimentação ativa.

Figura 3. Mapa temático das espécies de manguezais em Paraguaçu, ilha de São Luís.


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Bosques homogêneos de Laguncularia (L), Rhizophora (R) ou Avicennia (A) são pouco frequentes na área estudada. Geralmente, os bosques homogêneos de manguezais formados por um único gênero ou espécie, representam uma mesma história de colonização, favorecida pela ocorrência de um evento sobre uma determinada área em um determinado período de tempo. Na área estudada, os bosques homogêneos formados por Laguncularia (L) são observados em locais sob a influência do deslizamento de solos, provenientes do desmatamento das encostas adjacentes. O desmatamento do ecossistema terrestre adjacente provoca a erosão dos solos, especialmente na estação chuvosa, aumentando a deposição de sedimentos no manguezal. Durante o estudo, observou-se a frequente mortalidade de árvores, provocada pelo assoreamento. Após o impacto, ocorre a colonização por plântulas de Laguncularia, e as novas condições do solo podem impedir a colonização por outras espécies de manguezais. O vilarejo de Parnauaçu (U) é circundado por áreas desmatadas (TFE) e o corte de árvores é uma prática comum. O ecossistema terrestre (TFD) apresenta uma vegetação densa de palmeiras, principalmente de babaçu (Orbignyia), além de outras espécies arbóreas e arbustivas. As marismas (M), caracterizadas por Spartina alterniflora, ocorrem nas franjas, em locais onde se observam alternância de eventos de erosão e deposição, esta última na entrada da enseada do Arapopaí. Os manguezais de Parnauaçu podem ser considerados áreas impactadas, conforme verificado no campo e pela aparência heterogênea dos bosques no mapa temático. Entre as principais causas do desmatamento dos manguezais na ilha de São Luís, destacam-se os impactos produzidos pelas atividades humanas e o uso das árvores dos manguezais para a extração de madeira, lenha e carvão (REBELO-MOCHEL, 1997).

Estrutura do manguezal Foram realizados levantamentos botânicos nos manguezais e na vegetação de transição. O estudo do plâncton foi realizado nas águas estuarinas adjacentes ao manguezal. A estrutura das árvores foi obtida de acordo com Schaeffer-Novelli e Cintrón (1986), modificando-se o tamanho de cada parcela para 20m x 20m. Foram medidas 20 parcelas, distribuídas em perfis (“transects”) longitudinais à linha de costa. Em cada parcela foram obtidos a altura e o diâmetro à altura do peito (DAP) de todas as árvores com diâmetro maior ou igual a 2,5cm. Foram calculados, para cada espécie de árvore do manguezal, o diâmetro médio, a área basal média, frequência, densidade, valor de importância, número de troncos por indivíduo, além de estimativas do volume e da biomassa de madeira. Foram medidos, também, o comprimento e a largura de folhas verdes e a porcentagem de herbivoria em folhas maduras. Todos os dados foram analisados com programa Statistica 1.0. Os resultados mostram que o manguezal de Parnauaçu é constituído por quatro espécies: Rhizophora mangle, Avicennia schaueriana, Avicennia germinans e Laguncularia racemosa. O mangue-de-botão (Conocarpus erectus) é observado em áreas de transição, mas não foi considerado na análise da estrutura do manguezal.

Laguncularia racemosa é dominante na área de estudo, com mais de 50% das árvores, com frequência de 30%, seguida por Avicennia schaueriana, com dominância de 32% e R. mangle, com dominância de 11%, ambas com frequências de 25%. A. germinans apresenta 7% de dominância e frequência de 20%. A ocorrência de bosques mistos de A. schaueriana e A. germinans nos manguezais do norte do Brasil foi assinalada por Rebelo-Mochel et al. (1991). A densidade de árvores é maior nas franjas do manguezal do que nas áreas mais internas, concordando com Cintrón e Schaeffer-Novelli (1983), sendo que a densidade média do manguezal na área de estudo é de 3.400 ind/ha.

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As árvores do manguezal estudado mostram uma grande variabilidade estrutural. A altura média das três árvores mais altas é de 15 m, mas, considerando-se todas as árvores nas parcelas, a altura média é de 6 m ± 2,5 m. As árvores mais altas do bosque são de R. mangle e A. germinans. Segundo Damázio e Santos (1985b), os manguezais da região onde Parnauaçu está incluído são classificados como medianamente desenvolvidos. A siriúba (A. germinans) apresenta DAP de 10 cm, seguida pelo mangue vermelho (R. mangle), com DAP de 8,6 cm. A tinteira (L. racemosa) apresenta DAP de 4,2 cm e a siriúba (A. schauerian) com DAP de 3,9cm. Em relação ao DAP, quase 60% do total de troncos estão entre 2,5 e 10,0 cm, sendo que mais de 30% possuem DAPs inferiores a 2,5 cm. Esse fato indica uma colonização ativa por árvores jovens, num manguezal constituído por bosques adultos, formando uma área heterogênea em termos estruturais. Possivelmente um dos aspectos mais impressionantes dos manguezais impactados é a aparência heterogênea, conferida pela presença de bosques adultos misturados com bosques jovens, com grande variabilidade estrutural. É importante ressaltar que, na área estudada, os bosques adultos de siriúba são constituídos por uns poucos exemplares de A. germinans, enquanto que os bosques jovens são densamente constituídos por A. schaueriana. Os resultados mostram que as árvores e as folhas (média de 12,5 cm de comprimento por 5,7 cm de largura) mais desenvolvidas pertencem às espécies R. mangle e A. germinans, e provavelmente essas espécies foram dominantes na área estudada há alguns anos. A estimativa para a biomassa do manguezal em Parnauaçu é de 146 t/ha e a área basal é de 15 m²/ha com A. germinans e R. mangle representando 75% do total. A produção de Madeira estimada é de 137 m3, confirmando bosques medianamente desenvolvidos (DAMÁZIO; SANTOS, 1985b). Schaeffer-Novelli e Cintrón (1986) afirmaram que em condições favoráveis os manguezais desenvolvem um tronco por árvore. Em Parnauaçu os manguezais são comumente cortados para diversos usos e muitos indivíduos de L. racemosa e das espécies de Avicennia apresentam regeneração (ou rebrotamento), com média de dois troncos por árvore. Indivíduos de R. mangle não rebrotam, morrendo após o corte. A degradação dos manguezais na área de estudo também é evidenciada pelos danos na área foliar, com valores mais altos para a herbivoria nas folhas de Laguncularia (14%). Segundo Santos (1986), o corte de árvores para a exploração da madeira constitui um dos impactos mais significativos sobre os manguezais da ilha de São Luís. Os resultados obtidos para a área estudada mostram que além dos impactos diretos, como o corte das árvores, os impactos indiretos, como o desmatamento da terra firme, também afetam de forma negativa os manguezais da região.

Macroalgas associadas a vegetação de manguezal As espécies de Rhizophora, Avicennia e Laguncularia produzem vários tipos de troncos e raízes denominadas de raízes escoras e pneumatóforos, localizadas na zona entremarés e que ficam expostas nas marés baixas. Seus ramos folhosos oferecem um sombreamento aos troncos e raízes que, de certa forma, protegem-nos do excessivo calor e da luz durante a maré baixa, tornando-os um substrato ideal para o crescimento de algas. As macroalgas têm uma participação muito importante nos processos biológicos do manguezal (CHIHARA; TANAKA, 1988) e também são consideradas importantes indicadoras deste ecossistema, visto que algumas são exclusivas deste ambiente. Muitos estudos ecológicos de macroalgas de manguezal foram realizados nos mares do Caribe (ALMODOVAR; PAGAN, 1971; KOLEHMAINEN; HILDNER, 1974), na Austrália (BEANLAND; WOELKERLING, 1982; DAVEY; WOELKERLING,

1980; KING; WHEELER, 1985), no Japão (CHIHARA; TANAKA, 1988), na África do Sul (PHILLIPS et al.,1994, 1996) e


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no Quênia (COPPEJANS; GALLIN, 1989). Dados de macroalgas dos manguezais brasileiros são escassos e correspondem a informações florísticas (JOLY, 1954; HADLICH, 1984; HADLICH; BOUZON, 1985; FORTES, 1992; WEST; BRAGA, 1992). A ilha de São Luís apresenta grandes extensões de manguezais ao longo dos rios. Entretanto, poucas informações existem sobre as macroalgas. Este trabalho apresenta resultados de estudos sobre a composição de espécies de macroalgas em troncos e pneumatóforos de Avicennia germinans em um manguezal ao sudoeste da ilha de São Luís. Para o estudo da composição de espécies, foram coletadas algas em raízes de R.mangle, em troncos e pneumatóforos de A. germinans, levadas ao laboratório para subsequentes análises. As algas aderidas foram removidas e examinadas em microscópio. As espécies foram identificadas utilizando trabalhos de King e Puttock (1989), Pedrini (1980) e Joly (1954). Um total de 19 espécies de algas foram identificadas em um estudo preliminar, o qual incluiu cinco Clorofíceas (Enteromorpha lingulata, Cladophoropsis membranacea, Caulerpa fastigiata, Rhizoclonium africanum e R.tortuonsum) e 14 Rhodophyceae (Dawsoniocolax bostrychiae, Catenella caespitosa, Centroceras clavulatum, Caloglossa leprieurii, C. ogasawaraensis, Polysiphonia subtilissima, P. howei, Bostrychia radicans, B.moniliformes, B.calliptera, B.binderi, Murrayella periclados). A lista de espécies não é tão grande para a região, pois o período de coleta e as áreas investigadas foram restritas. A flora de macroalgas de manguezal da ilha de São Luís incluiu o gênero Bostrychia, Caloglossa, Catenella e Murrayella, as quais são típicas para este ecossistema (OLIVEIRA, 1984; LAMBERT et al., 1987; CHIHARA; TANAKA, 1988; ESTON et al., 1991; PHILLIPS et al., 1996). Esta associação foi denominada de Bostrychietum, por Post (1936).

Diatomáceas epífitas associadas a macroalgas de manguezal Os manguezais servem como substrato específico e satisfatório para as macroalgas e microalgas bênticas (NAGUNO; HARA, 1990), as quais são expostas a variações de salinidade da água e/ou dessecação. Neste ambiente, as algas bênticas e epifíticas apresentam uma maior riqueza e mais abundantes. As diatomáceas correspondem ao grupo mais dominante, entre todas as microalgas (RICARD; DELESSALE, 1979). Entretanto, há poucos estudos taxonômicos e florísticos nos manguezais brasileiros. Sendo assim, realizou-se um trabalho sobre a composição de espécies de diatomáceas epifíticas nos manguezais da ilha de São Luís, que representa as primeiras informações sobre essas microalgas nos manguezais do nordeste brasileiro. Na Tabela 2 estão listados os 66 táxons, incluindo as variedades nos 20 gêneros identificados. Três gêneros dominaram em termos de número de táxons identificados: Nitzschia (13), Navicula (8) e Achananthes (4).

Plâncton (Bacillariophyceae) do igarapé Arapopaí Para o estudo do fitoplâncton foram realizados levantamentos bimestrais, de outubro/92 a abril /94. As coletas foram feitas duas vezes ao dia, durante as marés alta e baixa, em quatro estações ao longo do igarapé Arapopaí, o qual percorre o manguezal de Parnauaçu. As estações foram estabelecidas da desembocadura até a porção mais interna do igarapé. Utilizou-se uma rede de plâncton de 65 µm de malha, na posição horizontal. As amostras foram fixadas em formol 4% e foram identificadas em laboratório, com o auxílio de equipamentos ópticos adequados.

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Foram encontrados 43 taxa, distribuídos em 2 subclasses, 5 ordens, 12 famílias, 42 espécies e uma variedade. Algumas espécies como Biddulphia mobiliensis Bailey, Coscinodiscus oculusirides Ehrenberg, Cyclotella stylorum Ehrenberg, Diploneis bombus Ehrenberg, Paralia sulcata Ehrenberg ocorreram tanto em marés altas quanto em marés baixas, perfazendo mais de 50% da frequência das espécies (Tabela 3). Tabela 2. Lista das diatomáceas epifíticas identificadas no manguezal da ilha de São Luís.

Achnanthes brevipes Achnanthes brevipes var. parvula Achnanthes brevipes var. intermedia Achnanthes sp. Amphora exigua Campylodiscus decorus Cocconeis distans Cocconeis placentula var. euglypta Coscinodiscus excentricus Cyclotela stylorum Cyclotela srtiata Denticula subtilis Diploneis gruendleri Diploneis smithii Diploneis interrupta Fragilaria sp. Frustulia rhomboides Grammatophora hamulifera Grammatophora marina Melosira moniliformis Navicula granula Navicula mutica var. undulata Navicula humerosa Navicula pennata

Navicula platyventris Navicula sp1 Navicula sp2 Navicula sp3 Nitzschia amphibia var. amphibia Nitzschia constricta Niotzschia fasciculata Nitzschia granulata Nitzschia laevis Nitzschia littoralis Nitzschia obtusa var. scalpeliformis Nitzschia panduriformis Nitzschia panduriformis var. minor Nitzschia punctata Nitzschia punctata var. coarctata Nitzschia sigma var. rigida Nitzschia sp. Pleurosigma sp. Raphoneis amphiceros Surirella ovata Synedra tabulata Terpsinoe americana Terpsione musica Triceratium favus

Vegetação de Transição Foram realizados levantamentos da vegetação de transição presente na área de estudo, entre o manguezal e os ecossistemas de terra firme. As plantas foram coletadas mensalmente e levadas ao laboratório para identificação. Os resultados encontram-se na Tabela 4. Esta vegetação apresenta diversidade maior do que a vegetação do manguezal estudado, e é caracterizada por espécies que possuem adaptações para ambientes variados, de salinos a terrestres.

Macrobenthos: Endofauna do Manguezal A endofauna macrobêntica do manguezal foi coletada na lama sob as raízes das árvores, com um cilindro coletor apropriada de (1986). A Tabela 5 mostra que em Parnauaçu a endofauna macrobêntica é constituída pela taxocenose Polychaeta-Bivalvia-Crustacea. Os anelídeos poliquetos são o grupo dominate (70%), com espécies escavadoras de substratos móveis, indicadoras de ambientes sujeitos a mudanças nos eventos de erosão e deposição. O poliqueta Isolda pulchella ocorre em ambientes sob sedimentação ativa (Uebelacker; Johnson 1984) e foi encontrado no manguezal de Parnauaçu nas áreas de deposição de sedimentos. A composição e a distribuição


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Tabela 3. Levantamento de plâncton (Bacillariophyceae) do igarapé Arapopaí. Divisão – CHRYSOPHYTA Classe – BACILLARIOPHYCEAE Subclasse – CENTRICAE Ordem – DISCALES Família – COSCINODISCACEAE Coscinodiscus centralis Ehrenberg Coscinodiscus excentricus Ehrenberg Coscinodiscus jonensianus (Greville) Ostenfeld Coscinodiscus lineatus Ehrenberg Coscinodiscus oculusirides Ehrenberg Cyclotella stylorum Ehrenberg Melosira sulcata (Ehrenberg) Kützing] Skeletonema costatum (Greville) Cleve Família – ACTINODISCACEAE Actinoptychus annulatus (Walich) Grunow Actinoptychus splendens (Bailey) Ralfs Actinoptychus undulatus (Shadbolt) Ralfs Polymyxus coronalis Bailey Família – EUPODISCACEAE Actinocyclus ehrenbergii Ralfs Eupodiscus antiquus (Cox) Hanna Ordem – SOLENIALES Família – SOLENIALES Rhizosolenia setigera Brightwell Ordem – BIDDULPHIALES Família – CHAETOCERACEAE Chaetoceros brevis Schütt Chaetoceros coartactus Lauder Chaetoceros lorenzianus Brightwell Família – BIDDULPHIACEAE Biddulphia longicruris Greville

Biddulphia mobiliensis Bailey Biddulphia pulchella Gray Biddulphia tridens Ehrenberg Lithodesmium undulatum Ehrenberg Família – ANAULACEAE Terpsinöe musica Ehrenberg Subclasse – PENNATA Ordem – ARAPHIDALES Família – FRAGILARIACEAE Fragilaria capucina Desmazières Gramatophora hamulifera Kützing Rhaphoneis amphiceros Ehrenberg Synedra ulna (Nitzsch) Ehrenberg Thalassionema nitzschioides (Grunow) van Heurck Thalassiotrix frauenfeldii Grunow Ordem – BIRAPHIDALES Família – NAVICULACEAE Caloneis permagna Bailey Diploneis bombus Ehrenberg Frickea lewisiana (Greville) Ostenfeld Família – AMPHIPRORACEAE Amphiprora alata (Ehrenberg) Kützing Família – NITZSCHIACEAE Bacillaria paradoxa Gmelin Nitzschia granulata Grunow Nitzschia obtusa Wm. Smith Nitzschia pungens Gregory et Müller Nitzschia pungens var atlantica Cleve Nitzschia sigma (Kützing) Wm. Smith Nitzschia vermicularis (Kützing) Hantzsch Família – SURIRELLACEAE Surirella febigerii Lewis

Tabela 4. Vegetação de transição entre os manguezais e os ecossistemas terrestres em Parnauaçu, sudoeste da ilha de São Luís. CRYPTOGAMAE

Família

Espécies

Nome vulgar

Hábito

Briophyta

Calymperaceae Lejeuneaceae

Calimperes palisotii Cheilolejeunia cf rigidula

Musgo Hepatica

Epífita Epífita

Pteridophyta

Polypodiaceae

Acrostichum aureum

Samambaia do mangue

Arbusto

Dycotyledoneae

Bataceae Amaranthaceae Aizoaceae Combretaceae Cyperaceae Cyperaceae

Batis maritima Blutaparon portulacoides Sesuvium portulacastrum Conocarpus erectus Eleocharis sp. Fimbristylis sp.

Beldroega Beldroega Beldroega Mangue-de-botão

Rasteiro Rasteiro Rasteiro Arbusto Rasteiro Rasteiro

Monocotyledoneae

Gramineae/Poaceae Gramineae/Poaceae

Spartina alterniflora Spoprobolus virginicus

Capim praturá Capim barba-de-bode

Rasteiro Rasteiro

PHANEROGAMAE

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das espécies tubícolas e filtradoras (Polychaeta e Bivalvia) indicam ambientes de baixa energia, sedimentos compostos principalmente por lama ou lama arenosa, com elevados teores de matéria orgânica. Os resultados encontrados neste trabalho assemelham-se à endofauna encontrada em outros manguezais (NAVAJAS, 1990; CAPEHART; HACTNEY, 1989; REBELO, 1987; RUEDA; MORENO, 1985) nos quais a taxocenose Polychaeta – Crustacea – Bivalvia é dominante, ocorrendo desde a superfície até 20 cm de profundidade. Segundo Guelorget et al. (1990), Lucina pectinata é uma espécie que alcança tamanho comercial para a exploração econômica, mas em Parnauaçu, no ambiente estressado do manguezal, essa espécie apresenta estoques muito baixos e raramente é consumida. Tabela 5. Endofauna macrobêntica do manguezal em Parnauaçu. Espécies

Nº. Ind./ 0,25 m2

POLYCHAETA

Espécies

Nº. Ind./ 0,25 m2

GASTROPODA

Nereis oligohalina Isolda pulchella Notomastus lobatus Perinereis vancaurica Scoloplos texana Marphysa sanguinea Namalycastis abiuma Sigambra grubii Arabella iricolor Syllis cornuta Vitrinella semisculpta Anaitides mucosa Nephtys fluviatilis

153 58 30 26 17 9 6 6 4 2 1 1 1

CRUSTACEA Crustacea spp.

65

BIVALVIA Lucina pectinata

36

Soloriorbis schumoi Littorina flava Glypteuthria meridionais Ceratia rustica

3 2 1 1

INSECTA Insecta sp. A Isoptera Hymnoptera Coleoptera Pupa de Diptera

3 2 2 1 1

NEMERTINEA sp. A

3

OLIGOCHAETA sp. A

1

TOTAL

435

Macrobenthos: Epifauna do Manguezal A epifauna do manguezal em Parnauaçu é representada principalmente por caranguejos “chamamarés” Ocypodidae (Uca thayeri) e caranguejos da família Grapsidae. O “chama-maré” (Uca thayeri) possui hábito detritívoro (FRANCISCO et al., 1996) e é a espécie dominate da epifauna em Parnauaçu, vivendo em tocas situadas entre as raízes da vegetação do manguezal. Observou-se o recrutamento das espécies ao longo de todo o período de estudo (1992 a 1994). Foi encontrado um grande número de caranguejos jovens, tanto de Ocypodidade, como de Grapsidae e essa pode ser uma estratégia biológica para a manutenção das populações em um ambiente dinâmico. As espécies encontradas no presente estudo estão listadas na Tabela 6. Dos caranguejos conhecidos como “chama-marés”, Uca thayeri foi a única espécie encontrada no susbtrato lamoso entre as raízes das árvores do manguezal em Parnauaçu, embora outras espécies ocorram nas planícies lamosas e nos apicuns adjacentes.


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A distribuição das espécies da epifauna na área de estudo não se correlaciona com o teor de matéria orgânica, salinidade nem granulometria dos sedimentos nos do manguezal, uma vez que a área como um todo é bastante semelhante, no tocante às características dos sedimentos. No entanto, observou-se que as espécies de caranguejos pequenos não ocorrem com as espécies de caranguejos mais robustos como Ucides cordatus, sugerindo competição interespecífica. Em Parnauaçu, a diversidade e o número de indivíduos das espécies são baixos, provavelmente pelo manguezal impactado apresentar uma dinâmica muito rápida de mudanças nos eventos de erosão e deposição de sedimentos. Tabela 6. Epifauna do manguezal em Parnauaçu. Grupos

Ind./10 m2

Uca thayeri

143

ALPHEIDAE

3

Aratus pisonii

13

Eurytium limosum

7

Sesarma crassipes

77

Total

243

Nutrientes e algumas variáveis físicas e químicas das águas estuarinas do igarapé Arapopaí Algumas variáveis físicas e químicas e nutrientes inorgânicos da superfície da água foram analisados em três locais do igarapé Arapopaí, a fim de investigar sua distribuição horizontal e variação durante o período chuvoso, de dezembro de 1994 a junho de 1995. A transparência da água foi determinada com disco de Secchi e a temperatura, pH e condutividade elétrica foram medidos com um sensor HORIBA UV-10. Para a análise dos nutrientes, foram utilizados os seguintes métodos: nitrato (MACKERETH et al., 1978); nitrito (GOLTERMAN et al., 1978); amônia (KOROLEFF,1976); silicato (GOLTERMAN et al., 1978), fósforo inorgânico (MACKERETH et al., 1978) e fósforo total dissolvido (MENZEL et al., 1965). A profundidade da água dos locais amostrados variou de 1,80 a 6,28m. Profundidades maiores foram registradas em maio e junho, quando a intensidade da precipitação foi alta (3.000mm/mês). A temperatura da água mostrou valores elevados, entre 27,7 e 29,6 ºC, típico de áreas costeiras tropicais. A transparência da água raramente excedeu 0,5m, devido ao escoamento de sólidos da área de captação. O pH variou entre 7,57 a 9,78, indicando alta capacidade de tamponamento das águas. A condutividade elétrica não diferiu muito durante o ciclo sazonal (42,2 a 59,3 mS/cm), exceto em junho, quando os resultados variaram de 281,9 a 299,43 mS/cm (Tabela 7). Os resultados altos observados em junho estão provavelmente relacionados à influência das marés. A salinidade variou de 2,74 a 3,41‰, com valores mais altos no início da estação chuvosa. Na Tabela 8 são apresentados os resultados dos nutrientes em meses diferentes no igarapé Arapopaí. As concentrações de nitrato foram de até 400 mg/l; nitrito de até 17,52 mg/l. A amônia apresentou concentrações de 9,15 ao final da estação chuvosa, em junho, a 80,62 mg/l em maio. As mais elevadas concentrações de fósforo foram registradas para o fósforo total (frações orgânicas e inorgânicas), principalmente em maio (101,73mg/l). Nos outros meses as concentrações caíram para 24,29 a 53,63 mg/l.

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Tabela 7. Características físicas e químicas das águas superficiais do igarapé Arapopaí em diferentes períodos da estação chuvosa. Período

Estação Profundidade

Transparência

Temperatura (ºC)

p[H]

Turbidez (NTU)

Cond. Elet. (mS/cm)

Salinidade (‰)

Dezembro/94

I III

3,90 1,90

0,30 0,14

28,7 29,0

7,92 7,76

765

51,9 49,3

3,41 3,23

Fevereiro/95

I II III

2,90 1,80 2,10

0,18 0,22 0,31

29,2 27,7 28,1

7,87 7,79 7,86

380 253 -

45,8 42,2 45,4

2,99 2,74 2,95

Maio/95

I II III

6,82 4,93 4,42

0,20 0,19 0,18

26,8 -

9,78 8,50

641 664 681

45,2 59,2 59,3

-

Junho/95

I II III

5,10 4,00 2,90

0,25 0,35 0,52

29,4 29,5 29,6

-

-

299,4 286,3 281,9

-

Tabela 8. Nutrientes inorgânicos das águas de superfície do igarapé Arapopaí em diferentes períodos da estação chuvosa. Período

Estação

Nitrato (mg/L)

Nitrito (mg/L)

Amônia (mg/L)

Fósforo Total (mg/L)

Fósforo Inorgânico (mg/L)

Silicato (mg/L)

Dezembro/94

I III

624,03 528,30

22,66 4,22

37,74 20,59

53,63 52,24

37,73 33,08

0,86 0,47

Fevereiro/95

I II III

695,55 596,52 659,24

37,15 40,18 31,88

38,88 38,88 33,74

42,35 31,06 40,44

19,69 8,63 20,93

0,80 0,69 0,56

Maio/95

I II III

505,19 487,59 497,49

37,02 86,02 17,525

78,33 80,62 49,75

61,97 101,73 41,65

58,62 96,62 38,39

5,69 6,97 5,13

Junho/95

I II III

410,56 534,90 507,39

17,39 20,81 30,17

21,73 9,72 9,15

24,29 36,79 35,06

25,45 29,97 28,72

4,42 4,70 5,79

Comportamento similar foi observado para o fósforo inorgânico: altas concentrações em maio (58,62 a 96,62 mg/l) e valores intermediários nos outros meses (8,63 a 37,13 mg/l). As concentrações de silicato mostraram baixos valores no início da estação chuvosa em dezembro e fevereiro (0,47 a 0,86 mg/l) e mais elevados em maio e junho, entre seis a nove ordens de magnitude. Em geral, as variáveis físicas e químicas e nutrientes não variaram entre as estações amostradas, uma vez que as mesmas são rasas e estão sujeitas à isotermia (IBAÑEZ, comunicação pessoal). As águas investigadas mostraram altas concentrações de fósforo e estes resultados sugerem contribuições naturais mais do que antrópicas, uma vez que a área não está altamente impactada por atividades humanas.


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Usos do manguezal e implicações socioeconômicas. Em Parnauaçu, a fauna do manguezal com importância socioeconômica é dominada pelo caranguejo Ucides cordatus em 83% do total das espécies coletadas. Esse caranguejo é consumido pela população local e frequentemente vendido nos mercados da cidade de São Luís. A importância de Ucides cordatus como um recurso valioso dos manguezais da costa norte e nordeste do Brasil é enfatizada por diversos autores (COELHO, 1962; FAUSTO-FILHO, 1968; PAIVA, 1970). Outras espécies de importância socioeconômica na área de estudo são os siris-azuis, principalmente Callinectes boucourti (12%) e o marisco Lucina pectinata (5%) (Figura 4). Esses valores concordam com estudos realizados em outros manguezais do Brasil (REBELO et al., 1984; CORBISIER,1981). Neste trabalho, observou-se Ucides cordatus reproduzindo de fevereiro a maio. Medidas biométricas revelam que os machos são maiores (em média 43,0 mm comprimento, 60,0 mm largura) e mais pesados (média de 104 g) do que as fêmeas (29,0 mm comprimento, 53,0 mm largura e 69 g de peso). Machos de U. cordatus maiores que as fêmeas foram também relatados por outros autores (CASTRO, 1986; FERNANDES et al., 1982). Parcelas sob as árvores de R. mangle apresentaram caranguejos maiores que as parcelas sob Avicennia ou Laguncularia. O relatório do encontro do Grupo de Estudo sobre U. cordatus, realizado em 1994, apontou que as folhas de R. mangle são uma importante fonte alimentar para este caranguejo. No manguezal de Parnauaçu, a maioria dos caranguejos coletados foi encontrada em parcelas com altos teores de água (superiores a 60%) sob as árvores de mangue vermelho (R. mangle). A produção local de U. cordatus em Parnauaçu foi estimada em 0.6 t/ha, mas é muito superior em outros manguezais do estado do Maranhão, alcançando de 3,5 até 6,0 t/ha (REBELO-MOCHEL, 1995; CASTRO, 1986; BARROS et al., 1976). Considerando-se a média para o total das espécies, a produção estimada é de menos de 0.3 t/ha e, portanto, o recurso deve ser considerado escasso na área estudada, somente servindo de subsistência para a população local. Os processos de erosão e sedimentação devem desempenhar um papel fundamental, impedindo que as comunidades aumentem. Durante a estação chuvosa, a sedimentação ativa (assoreamento), devido à erosão das áreas terrestres adjacentes é comumente observada no manguezal de Parnauaçu e podem levar à mortalidade das espécies, mantendo os estoques muito baixos durante todo o ano.

Figura 4. Fauna do manguezal com importância socioeconômica em Parnauaçu.

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Na área estudada, os manguezais têm sido tradicionalmente usados pela população local. Parnauaçu é um pequeno povoado rural de 200 famílias que vivem na região há mais de 50 anos. Não há energia elétrica.Os questionários aplicados revelaram que a população é composta principalmente por pescadores e agricultores (Figura 5).

Figura 5. Ocupação dos residentes em Parnauaçu.

Foram feitas entrevistas aleatórias com as famílias residentes de Parnauaçu, buscando-se levantar se a população local usa ou não os manguezais para qualquer finalidade e quais são esses usos. Os principais produtos do manguezal utilizados pela população local encontram-se na Tabela 9. A totalidade dos produtos extraídos do manguezal é vendida por quase 80% dos usuários do manguezal. Os agricultores constituem 30% das pessoas entrevistadas e 10% deles nem mesmo conhecem o manguezal adjacente, sobrevivendo exclusivamente das práticas agrícolas e da caça. Tabela 9. Porcentagem da população que extrai produtos do manguezal em Parnauaçu. Produtos / quant. diária

Unidades

Extração até 50unid.

Extração acima 50unid.

Não utiliza*

Madeira Caranguejos Siris Camarões Peixes

Troncos Unidades Unidades kg kg

40% 40% 20% 70% 80%

20% 30% 5% 15% 10%

40% 30% 75% 15% 10%

* Porcentagem dos entrevistados que não utiliza o recurso especificado.

O tráfego marítimo intenso na baía de São Marcos, devido à proximidade da principal área portuária do Maranhão, leva a eventuais despejos de óleo, que atingem o manguezal pelas marés.


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Do ponto de vista econômico, o presente estudo sugere que os atuais estoques de espécies não são sustentáveis e poderiam não resistir a um aumento na exploração comercial, a menos que o manguezal fosse restaurado e suas espécies cultivadas. A restauração dos manguezais em Parnauaçu também implica a diminuição da erosão provocada pelas práticas de desmatamento dos ecossistemas terrestres adjacentes. As entrevistas revelam que a população local conhece os bens fornecidos, mas nem todos os serviços prestados pelo manguezal. É necessária a educação ambiental para conscientizar as pessoas das ligações que existem entre os manguezais, as águas estuarinas e os sistemas terrestres. O manejo tradicional pode e deve ser melhorado, com a introdução de novas técnicas para a restauração do manguezal, o cultivo de espécies e a diminuição dos impactos diretos e indiretos na região.

CONCLUSÕES A ilha de São Luís perdeu cerca de 7.000 ha de manguezais nos últimos 20 anos. As perdas são quatro vezes mais rápidas nos anos 1990 do que nas décadas de 1970 e 1980; O estudo de caso mostrou que os manguezais em Parnauaçu são estruturalmente heterogêneos e apresentam aspectos fisiográficos incomuns, geralmente relacionados com a intervenção humana no ambiente; O manguezal em Parnauaçu é impactado por erosão e assoreamento provenientes das atividades humanas nos ecossistemas adjacentes. A degradação dos manguezais também é provocada pelo corte de árvores, despejos de óleo, depósitos de lixo e outros tensores; A composição e a distribuição da fauna e flora mostram uma baixa diversidade, comumente encontrada em manguezais sob impactos ambientais. Observa-se o recrutamento dinâmico das espécies, sugerindo uma estratégia de sobrevivência num ambiente impactado; A tinteira (Laguncularia racemosa) ocorre com maior frequência nas áreas onde o corte de árvores e o assoreamento são os impactos principais; Os usos tradicionais do manguezal em Parnauaçu são importantes para a subsistência da população local; Os estoques atuais das espécies de importância socioeconômica não são sustentáveis e podem não resistir a uma exploração comercial, sendo vistos apenas como meio de subsistência para a população local; Recomenda-se a utilização de Parnauaçu como área-piloto para a restauração dos manguezais e a realização de atividades de educação ambiental nessa região.

AGRADECIMENTOS Ao apoio da Fundação ALCOA, em especial ao Sr. Maurício Macedo da ALUMAR, do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/Programa PIBIC), do Governo do Estado do Maranhão/ Secretaria de Meio Ambiente (SEMA), do Gerenciamento Costeiro (GERCO/MA), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (FAPEMA); e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Os autores são especialmente gratos a todos os colaboradores, que são muitos para serem listados e cujo apoio foi fundamental para a realização deste trabalho.

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DINÂMICA NATURAL E IMPACTOS ANTRÓPICOS NO USO DE ÁREAS COSTEIRAS DA PLANÍCIE BRAGANTINA, NORDESTE DO PARÁ, BRASIL

Pedro Walfir Martins e Souza Filho

ABSTRACT The impact of the natural dynamics and anthropogenic activities in the Bragança Coastal Plain has made fast and dramatic changes in the landscape. The erosion and accretion of the shoreline are affecting both the mangroves and daylife of the local population. The anthropogenic impacts are most related to the opening of roads to the beaches and unplanned coastal land use, as well as the drops of solid wastes and groundwater contamination. The integration of the several parameters studied here allowed to suggest some important rules to the future coastal land use. This was also based on the concepts of geo-environmental units. It is suggested that a strong coastal management directed to the sustainable development of this area represents one of the main point that could allow the future reduction of the anthropogenetic impacts.

RESUMO O impacto da dinâmica natural e das atividades antrópicas na Planície Costeira Bragantina vem proporcionando rápidas e intensas modificações na paisagem. Os processos de erosão e acreção da linha de costa estão afetando os manguezais e a vida dos moradores locais, enquanto os impactos das atividades antrópicas estão relacionados à construção de estradas de acesso às praias, ocupação desordenada, deposição de resíduos sólidos (lixo) nas áreas costeiras e contaminação do lençol freático. A integração dos vários parâmetros estudados permitiu o estabelecimento de uma estratégia de ocupação da área costeira, a partir da definição de unidades geoambientais. As recomendações para redução da vulnerabilidade das áreas costeiras perpassa pela implementação de uma política de gerenciamento costeiro, que vise no futuro, reduzir os impactos antrópicos desse setor do litoral do estado do Pará

INTRODUÇÃO As áreas litorâneas possuem uma riqueza significativa de recursos naturais, que apresentam um grande potencial turístico. Contudo, a intensidade de ocupação desordenada vem colocando em risco este frágil ecossistema costeiro. Os ambientes costeiros na área de Bragança vêm sofrendo constantes modificações naturais, como a migração de barras arenosas e canais de maré, formação de novas áreas costeiras devido à progradação de depósitos de manguezais, desenvolvimento de áreas pantanosas colonizadas por gramíneas e erosão e acreção de praias. Atualmente, o homem está continuamente interagindo com o ambiente natural, produzindo modificações no sistema costeiro, como, por exemplo, a degradação de manguezais através da construção de estradas de acesso às praias; utilização de areias de dunas na construção civil; construção de casas sobre os campos de dunas e o pós-praia, entre outras formas de agressão. Portanto, tentar entender a relação entre as atividades antrópicas e os processos naturais nos ecossistemas costeiros é importante para planejar um desenvolvimento sustentável. Conhecer melhor a dinâmica de funcionamento dos ambientes costeiros e estuarinos permitirá trazer novos dados científicos e tecnológicos necessários para o monitoramento e manejo dessas áreas, uma vez que não se


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pode conservar adequadamente ambientes sem conhecê-los e sem entender a relação que existe entre eles e o homem. Assim, este trabalho tem como objetivo fornecer informações sobre a região costeira de Bragança, relacionadas às modificações causadas por fatores naturais e antrópicos, além de utilizar tais informações com o intuito de propor um melhor uso das áreas costeiras, baseado em um planejamento geoambiental.

CENÁRIO REGIONAL O embasanento da planície costeira é formado por sedimentos terciários do Grupo Barreiras que constitui o Planalto Costeiro, que apresenta uma superfície plana arrasada, suavemente ondulada e fortemente dissecada, com cotas entre 50 e 60m, que diminuem progressivamente em direção à planície costeira, a norte. Este contato é marcado por uma mudança litológica (sedimentos areno-argilosos avermelhados do Grupo Barreiras e lamosos da planície costeira), vegetacional (floresta secundária e mangue) e morfológica brusca (falésias mortas de até 1m de altura) (SOUZA FILHO; EL-ROBRINI, 1996; 1997). A Planície Costeira Bragantina, no nordeste do estado do Pará, apresenta cerca de 40 km de linha de costa, estendendo-se desde a Ponta do Maiaú até a foz do rio Caeté (Figura 1). Está inserida em uma costa embaiada transgressiva dominada por macromaré, cuja compartimentação geomorfológica apresenta três domínios (SOUZA FILHO, 1995): (1) Planície Aluvial, com canal fluvial, diques marginais e planície de inundação; (2) Planície Estuarina, com um canal estuarino subdividido em funil estuarino, segmento reto, segmento meandrante e canal de curso superior, canal de maré e planície de inundação; e (3) Planície Costeira, com os ambientes de pântanos salinos (interno e externo), planície de maré (manguezais de supramaré e intermaré e planície arenosa com baixios de maré), cheniers, dunas costeiras e praias (Figura 1). A vegetação da Planície Costeira Bragantina é caracterizada pela ocorrência de mangues, que ocupam 95% de toda a área costeira. Os gêneros dominantes são Rhyzophora, Avicenia e Lagunculária. Associada a esta vegetação, ocorrem Spartina sp. e Conocarpus L. A vegetação de campo nos pântanos salinos é predominantemente de Aleucharias sp. (juncos), enquanto que nos cheniers e campos de dunas observa-se vegetação arbustiva (SOUZA FILHO; EL-ROBRINI, 1996). O clima da área é equatorial quente e úmido (Amw, de acordo com a classificação de Köppen), com uma estação muito chuvosa de dezembro a maio e precipitação anual em torno de 3.000 mm; a umidade relativa do ar oscila entre 80 e 91% (MARTORANO et al., 1993).

METODOLOGIA Os métodos e equipamentos utilizados durante a realização deste trabalho incluíram sensoriamento remoto, geoprocessamento, testemunhagem a vibração, perfis de praia e caracterização dos parâmetros oceanográficos. As cenas de satélite (TM do LANDSAT-5 datada de 24/07/1991, órbita-ponto 222-61) foram processadas digitalmente, obtendo-se a composição colorida 5R 4G 3B, definida como a melhor composição para o estudo da área costeira. Deste modo, foram cartografados os diferentes ambientes de sedimentação, sendo elaborado o mapa geológico-geomorfológico. Além do mais, foram cartografados os vetores de impactos ambientais instalados (p. ex. ocupação urbana e estradas, áreas desmatadas) e as alterações morfológicas e da cobertura vegetal ocorridas ao longo do tempo.


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Figura 1. Mapa de localização e dos ambientes sedimentares da Planície Costeira Bragantina

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Os levantamentos de campo foram realizados para identificação da vegetação, ambientes de sedimentação, processos costeiros naturais, além de um levantamento completo da ocupação e uso do solo, localização, descrição e registro das ações antrópicas causadoras da degradação ambiental. A partir da integração dos dados obtidos nas etapas anteriores, foi elaborada a carta temática geoambiental, cujos objetivos básicos, segundo Mendes et al. (1997), são: (1) registrar as unidades geológicas-geomorfológicas que retratam o meio físico; (2) registrar o quadro atual da ocupação antrópica e sua influência sobre o ambiente natural; e (3) apresentar as áreas para as mais diferentes formas de ocupação, respeitando suas particularidades geológicas, geomorfológicas, botânicas e processos costeiros atuantes, além da legislação ambiental vigente.

IMPACTO DOS PROCESSOS NATURAIS NA ZONA COSTEIRA BRAGANTINA Os processos naturais atuantes na zona costeira bragantina são extremamente energéticos, o que vem propiciando intensas modificações na paisagem costeira. Segundo Souza Filho (1995), a posição geográfica do NE do estado do Pará (0o–1o S), aliada a seus embaiamentos costeiros e grande extensão da Plataforma Continental do Pará/ Maranhão, proporciona o desenvolvimento de um ambiente de alta energia, dominado por macromarés semidiurnas, com amplitudes variando de 4 a 6 m (DHN, 1997), com ondas de até 2 m de altura geradas pelos ventos alíseos de NE, correntes de maré vazante no sentido de SE para NW e de enchente de NW para SE (DHN, 1986). Estes fatores são, em grande parte, responsáveis pelo transporte de sedimentos, assim como pela orientação dos canais estuarinos do litoral norte do Brasil. Tais condições hidrodinâmicas influenciam consideravelmente a sedimentação e a dinâmica das áreas costeiras, tornando-as incomparáveis com os demais setores da costa brasileira.

Erosão da linha de costa Embora o monitoramento das áreas costeiras através da utilização de perfis de praia não esteja sendo realizado em todas as praias da área de estudo, pode-se afirmar, com segurança, que todas as praias têm sido afetadas por processos erosivos, decorrentes, principalmente, da ação das marés de sizígia de equinócios, que têm provocado o recuo da linha de costa da ordem de até 50 m em um ano de observação (março/1998 a março/1999). Na praia dos Pescadores, eventos erosivos sucessivos vêm afetando constantemente a vida dos moradores locais. Nos últimos cinco anos, cerca de 500 m da Vila dos Pescadores voltada para o canal estuarino foram erodidos, sendo os moradores deslocados para outra área mais segura e livre da ação dos processos costeiros. Na área da praia voltada para o mar, a taxa de erosão é mais lenta, devido ao perfil de praia dissipativo e o ângulo de incidência das ondas ser aproximadamente paralelo à linha de costa, com ondas com alturas nunca superiores a 1 metro. Na praia de Ajuruteua, seu setor NW vem sendo submetido a um forte processo erosivo, devido sua posição às margens de um canal de maré, ângulo de incidência de ondas em torno de 7º com a linha de costa, alturas próximas a 2 m e amplitude de maré variando de 4 a 6,5 m durante os meses de março e abril. Tais condições propiciaram o recuo de 22 m da linha de costa no último ano, expondo as casas de veraneio e pousadas à erosão na zona de intermaré (Figura 2A). Nas praias do Farol e Buçucanga, a ação de ondas e correntes de maré provocam também o recuo da linha de costa, desenvolvendo escarpas de praia de até 10 m de altura, esculpidas em dunas costeiras longitudinais, onde ainda é possível observar linhas de deixa formadas por troncos de árvores de 10 m de altura, que evidenciam a grande energia hidrodinâmica do ambiente (Figura 2B).


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A

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Figura 2. (A) Setor NW da praia de Ajuruteua submetido a erosão, expondo as casas na zona de estirâncio; (B) Processo natural de erosão na praia do Buçucanga e o impacto na vegetação costeira.

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Acreção da linha de costa Enquanto a maioria das praias vem sendo submetida à erosão, um pequeno setor da linha de costa, com cerca de 1,5 km de extensão, acresce, devido ao seu posicionamento às margens de um canal de maré, onde um amplo delta de maré vazante funciona como uma barreira hídrica e sedimentar, propiciando a progradação da praia em direção ao mar. Deste modo, graças ao processo deposicional relacionado ao retrabalhamento de areias da zona de intermaré da praia pelo vento durante a maré baixa, observa-se a formação de pequenas dunas na base da escarpa de praia, provocando o alargamento do berma praial e, por conseguinte, a acreção da linha de costa.

Mudanças na vegetação costeira Com a ação dos fortes processos hidrodinâmicos na zona litorânea, o efeito na vegetação costeira tem sido significante. Mediante a ação de processos deposicionais associados à migração de bancos de areia sobre depósitos de manguezais, observa-se a destruição da floresta de mangues que, mesmo morta por asfixia de suas raízes, permanece em posição de vida, formando bosques de paliteiros com até 10 m de altura, que em seguida são derrubados pela ação energética de ondas e correntes de maré, propiciando assim o recuo da linha de costa (Figura 2B). Em áreas onde predominam os processos de progradação lamosa, a vegetação de mangue expande-se sobre o substrato lamoso, inicialmente colonizado por Spartina sp., gerando uma clara zonação da vegetação costeira.

IMPACTO DAS ATIVIDADES ANTRÓPICAS NA ZONA COSTEIRA BRAGANTINA Segundo Nichols e Corbim (1997), para se entender como as áreas costeiras têm sido afetadas por atividades antrópicas, é necessário saber primeiro qual é a origem dos sedimentos costeiros, que por sua vez está relacionada à erosão de áreas continentais e ao transporte fluvial destes sedimentos, e quais são as fontes de sedimentos marinhos que suprem as áreas costeiras. Portanto, quando analisamos os impactos antrópicos em processos costeiros, faz-se necessário saber que os ambientes costeiros da Planície Bragantina constituem um sistema dinâmico e, assim, qualquer impacto antrópico que modifique a dinâmica natural, como a construção de estradas, residências, hotéis e pousadas afetará os processos costeiros atuantes.

Construção de estradas de acesso às praias Até o final da década de 1970, a falta de acesso às praias da Planície Costeira Bragantina era visto como um sério problema ao desenvolvimento do turismo na região. No entanto, no início da década de 1980 foi construída a estrada que liga a cidade de Bragança à praia de Ajuruteua, o que, sem dúvida alguma, deu um grande impulso ao turismo, além de facilitar a vida dos pescadores locais. Contudo, esta estrada foi construída sobre extensos depósitos da planície de intermaré lamosa, densamente colonizada por mangue seccionando, deste modo, 25 km de manguezais. Assim, veio a constituir a maior obra de impacto antrópico em áreas costeiras do norte do país, cujos danos ainda não foram quantificados. Ao longo dessa estrada, observam-se áreas cuja vegetação de mangue já foi completamente removida, estando o solo lamoso exposto à incidência direta dos raios solares, que provocam a formação de gretas de contração, além de desencadear modificações das condições físico-químicas do solo, que geram, certamente, prejuízos à atividade biológica (Figura 3A).


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Outro problema observado está relacionado à desestruturação de parte da rede de drenagem, uma vez que diversos canais de maré, responsáveis pela circulação dos nutrientes no ambiente de manguezal, foram cortados pela estrada, que em alguns trechos funciona como barragem ao fluxo das marés, gerando enormes áreas com água represada (Figura 3B). Tal modificação tem gerado novas condições ambientais que alteram o funcionamento do ecossistema de manguezal, desde o processo de sedimentação, condições físico-químicas das águas até a fauna e flora vivente. As demais praias da área de estudo (Farol, Chavascal, Buçucanga, Pilão, Picanço, Canela e Maiaú) encontramse completamente preservadas, sendo o acesso feito somente por meio fluvial ou a pé, durante a maré baixas.

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Figura 3. (A) Impacto antrópico causado pela construção da estrada sobre o manguezal. Notar a área em que a floresta foi completamente removida e o solo encontra-se exposto; (B) Barragem de um canal de maré causado pela construção da estrada.

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Ocupação desordenada das praias Os 535 km2 de áreas costeiras em estudo estão pouco ocupados pelo homem. A ocupação se dá, na maioria das vezes, sobre “ilhas” de terrenos terciários aflorantes em meio à planície de intermaré lamosa (manguezais). Nas praias ela é desordenada, exceto na Vila dos Pescadores, onde a grande maioria das casas localiza-se atrás do cordão de dunas fixo e apenas uma minoria encontra-se sobre a escarpa de praia, sujeita à ação erosiva de ondas e marés, o que leva os moradores a desmontarem suas casas, construindo-as posteriormente em áreas mais protegidas, não influenciadas pela dinâmica praial. Na praia de Ajuruteua, a forma de uso é inversa, uma vez que toda a linha de escarpa de praia do setor NW está ocupada por casas e pousadas. Para conter a erosão, alguns moradores construíram muros de madeira que vêm afetando a dinâmica morfo-sedimentar, influindo na evolução natural do ambiente praial (Figura 4). Entretanto, o setor SE, submetido a um processo de acreção da linha de costa, apresenta todas as construções situadas a pelo menos 10 m da escarpa de praia. Estudos de monitoramento realizados nestas praias permitirão em breve quantificar exatamente a relação destas formas de ocupação com os processos erosivos e deposicionais ocorrentes em todas as praias da Planície Costeira Bragantina.

Figura 4. Ocupação desordenada da praia de Ajuruteua.

IMPACTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NO AMBIENTE COSTEIRO O volume de lixo sólido depositado no ambiente costeiro constitui uma séria ameaça ao ambiente praial e ao manguezal da Planície Costeira Bragantina. Ao longo dos 25 km da planície costeira, não existe nenhum sistema de coleta de lixo, sendo este depositado regularmente nos campos de dunas. Seus impactos variam desde a poluição da linha de costa até influências na saúde da população, e problemas estéticos e econômicos que abalam o turismo da área. Alguns destes impactos foram muito bem descritos por Simmons (1997), como:


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Impactos na fauna e flora Estima-se que os resíduos plásticos constituem 60% dos detritos inorgânicos que entram no ambiente marinho. A degradação deste produto é muito lenta, permanecendo em suspensão no mar ou retido no fundo, por um longo período de tempo. Estes resíduos representam uma ameaça aos animais marinhos, como pássaros, tartarugas, peixes, crustáceos etc.

Degradação física O grande depósito e a lenta degradação de plásticos (400 anos), vidros (200 anos), borracha (100 anos), metais (2 anos) e alumínio (não degrada) proporcionam a acumulação dos resíduos sólidos nos estuários e praias, que são posteriormente retrabalhados e depositados juntamente com os sedimentos, formando camadas de lixo intercaladas a camadas sedimentares recentes, marcando períodos de grande acumulação de resíduos (Figura 5).

Figura 5. Impacto dos resíduos sólidos na praia de Ajuruteua. Depósitos de lixo (lata, plástico, tijolo) intercalados à camadas de sedimentos arenosos, que constituem os campos de dunas costeiras próximo à linha de maré alta.

Impactos estéticos e econômicos A presença de lixo em áreas costeiras, principalmente nas praias, não é bem visto, particularmente em áreas onde o turismo é altamente dependente da beleza da praia e de um ambiente saudável. Logo, um aumento no acúmulo de lixo poderá diminuir a qualidade e beleza do ambiente e, por conseguinte, diminuir o fluxo de turistas, visitantes e usuários da praia, sendo isto traduzido em perdas econômicas para pousadas e empresas de turismo, sem contar com os prejuízos de moradores, pescadores e donos de embarcações

Impactos na saúde Garrafas, copos e latas lançadas nas praias e estuários constituem uma ameaça a banhistas e demais usuários, que sofrem constantes acidentes. O conteúdo destes detritos em contato com a pele ou se ingerido acidentalmente

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representam um perigo real se tratados de forma imprópria e inadequada pelos usuários das praias. Além do mais, o lixo e as fossas contaminam os lençóis freáticos, tornando a água utilizada pela população imprópria ao consumo. Devido à forte erosão costeira, diversas fossas são encontradas na zona de intermarés das praias (Figura 6).

Figura 6. Impacto dos resíduos sólidos na praia de Ajuruteua. Fossas de antigas residências (seta) expostas na zona de intermaré, devido a forte erosão responsável pelo recuo da linha de costa. Estas fossas representam um perigo real a saúde dos banhistas, além de contaminarem os lençóis freáticos superficiais, cuja água é uitilizada pelos moradores locais.

ESTRATÉGIA DE OCUPAÇÃO DA ÁREA COSTEIRA A partir da integração dos mapas geológico-geomorfológicos com os processos naturais e antrópicos observados na área costeira, foi possível identificar e caracterizar áreas apropriadas ou não ao uso e ocupação do solo, as quais Mendes et al. (1997) denominaram de Unidades Geoambientais. Com base no mapa geoambiental (Figura 7) elaborado para a área de estudo, é proposta uma forma de uso e ocupação da zona costeira, baseado em um planejamento que permita um desenvolvimento sustentável, conforme descrito a seguir.

Áreas de Preservação Permanente De acordo com a Resolução nº 004/85 do CONAMA, essas áreas são consideradas Reservas Ecológicas, sendo representadas na Planície Costeira Bragantina pelos ecossistemas de manguezal, pântanos salinos, dunas costeiras incluindo os cheniers, planícies arenosas e praias e os ecossistemas estuarinos (canal estuarino e planície


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de inundação). Além das características ecológicas peculiares destes ecossistemas, essas áreas são inadequadas à urbanização por estarem sujeitas a processos naturais como erosão, deposição, inundação, marés, ondas, ação eólica etc., os quais dificultam sobremaneira a construção de obras de engenharia.

Áreas adequadas à ocupação Representam áreas cujas características geológicas-geomorfológicas e ambientais atuais (a floresta nativa já foi destruída nos primórdios da década de 1960) favorecem sua urbanização, principalmente por estarem localizadas sobre o Planalto Costeiro, sustentado por sedimentos terciários do Grupo Barreiras. Há a necessidade de avaliação do impacto sobre a cobertura vegetal e rede de drenagem a ser atingida.

Figura 7. Mapa geoambiental da Planície Costeira Bragantina.

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Áreas de risco à ocupação Correspondem às áreas que apresentam restrições ao uso do meio físico, dispondo apenas de condições parciais de suporte à projetos de urbanização. São necessários cuidados especiais, a fim de se evitar problemas ambientais, geológicos e geotécnicos que possam ocorrer nas áreas de risco, como as margens das paleofalésias, dos rios e estuários. Existe ainda a preocupação com a emissão dos efluentes nos sistemas estuarinos e costeiros, devido a sua proximidade,

Áreas degradadas Constituem áreas situadas na unidade geoambiental de preservação permanente, submetidas a impactos antrópicos que degradaram o meio físico. Essas áreas são representadas pela ocupação desordenada das praias, devastação de florestas de mangue, formação de novos ambientes (lagos) e estradas que seccionam os manguezais. Entretanto, caso essas ações tivessem sido planejadas, seus impactos ambientais poderiam ser minimizados.

RECOMENDAÇÕES PARA REDUZIR A VULNERABILIDADE DA ÁREA COSTEIRA Para se reduzir a vulnerabilidade das áreas costeiras sujeitas tanto a processos naturais quanto os antrópicos, fazse necessária a tomada de decisões, cujas atribuições são do setor público (órgãos municipal, estadual e federal), responsável pela preservação do patrimônio de uso público e coletivo. Portanto, para reduzir o impacto ambiental nas áreas costeiras, é preciso a implantação de alguns programas, como: • monitoramento dos processos costeiros para constituir um banco de dados, a fim de predizer a dinâmica costeira; • priorizar a proteção dos manguezais, dunas costeiras e praias; • regenerar áreas costeiras já destruídas pela ação antrópica; • estabelecimento de uma linha de recuo (“setback”) para o uso e desenvolvimento de áreas costeiras. Esta linha de recuo será definida como a distância prescrita da linha de maré baixa para uma feição costeira, preferencialmente a linha de vegetação do campo de dunas, na qual todos ou certos tipos de desenvolvimento serão proibidos; • determinação de uma zona entre a linha de maré baixa e a faixa de ocupação costeira, na qual a zona de praia pode acrecer ou recuar naturalmente; • controlar a emissão de efluentes domésticos e industriais nos rios, estuários e linha de costa; • estabelecimento de um programa de coleta de resíduos sólidos adequado ao ambiente costeiro, com a finalidade de reciclar o lixo quando possível. Estas medidas devem ser tomadas o quanto antes, uma vez que a grande maioria dos impactos antrópicos responsáveis pela vulnerabilidade das áreas costeiras ainda são reversíveis. Deste modo, planejar, neste momento, um desenvolvimento sustentável para a região é bastante pertinente, sendo possível evitar danos ambientais irreparáveis, como aqueles observados na área de Salinópolis (MENDES et al., 1997), também localizada no litoral do estado do Pará.


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CONCLUSÕES Este artigo representa uma tentativa de se abordar os muitos problemas envolvidos no gerenciamento de áreas costeiras, com o intuito de planejar um desenvolvimento sustentável para a Planície Costeira Bragantina. A implementação de uma política de gerenciamento deve ser de longo período, iniciando-se com o reconhecimento das características do meio abiótico e biótico, para que se possa então monitorar e, em seguida, gerenciar o ambiente. Os principais problemas ambientais na Planície Costeira Bragantina estão relacionados à erosão costeira e à ocupação desordenada de áreas de preservação permanente, sem que haja nenhum estudo prévio dos impactos ambientais decorrentes de tal ação. Deste modo, o primeiro passo é reconhecermos a erosão costeira como um problema que vem afetando a população local, causando sérios prejuízos econômicos e sociais. Em seguida, é necessário se rever a forma de ocupação atual da planície costeira e adequá-la à proposta geoambiental de uso e ocupação do solo, a fim de que se possa reduzir a vulnerabilidade das áreas costeiras aos processos naturais atuantes. Vale ressaltar, ainda, a necessidade de estabelecimento de uma política de gerenciamento costeiro, em que o planejamento do meio físico seja de responsabilidade de órgãos ambientais, que juntamente com a comunidade, a iniciativa privada e organizações não governamentais fomentem e incentivem o turismo e o desenvolvimento da região de modo efetivo. Portanto, ainda há tempo de evitarmos problemas ambientais mais graves na Planície Costeira Bragantina, que só passam a existir quando o homem ocupa de forma desordenada e irracional o ambiente em que vive.

AGRADECIMENTOS O autor agradece à CAPES, pela concessão da bolsa de doutorado e pelo financiamento das etapas de campo; ao Curso de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica da Universidade Federal do Pará (CPGG/UFPA), pela utilização dos laboratórios do Centro de Geociências; ao pesquisador Msc. Amilcar Carvalho Mendes (CNPq/ Museu Paraense Emílio Goeldi) e ao Prof. Dr. Werner Trukenbrodt, pelas discussões, sugestões e revisão crítica do artigo.

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ESTUDO DO IMPACTO POR DERRAMAMENTO DE ÓLEO E PROSPECÇÃO SÍSMICA PROVOCADO PELA PETROBRAS EM MANGUEZAIS DO LITORAL DO ESTADO DE SERGIPE NORDESTE DO BRASIL

Solange Alves Nascimento

ABSTRACT The impacts of seismic work and oil spill on mangrove of Cotinguiba river (oil spill) and Vasa-Barris river (seismic work) were studied by ADEMA during six years. This paper discusses about detonation effects on flora (Laguncularia racemosa, Rhizophora mangle and Avicennia schaueriana ) and fauna (Ucides cordatus).

RESUMO Os impactos da prospecção sísmica e do derramamento de óleo no manguezal do estuário dos rios Cotinguiba (derramamento de óleo) e Vasa-Barris rio (sísmica) foram estudados pela Administração Estadual do Meio Ambiente (ADEMA) durante seis anos. Este trabalho discute os efeitos de derrames de óleo e detonação sobre a flora (Laguncularia racemosa, Rhizophora mangle e Avicennia schaueriana) e fauna (Ucides cordatus).

INTRODUÇÃO O estado de Sergipe encontra-se no trecho do litoral brasileiro compreendido entre o Cabo Calcanhar e o Recôncavo Baiano. Está caracterizado por uma costa de relevos baixos (restos de tabuleiros formados sobre depósitos do Terciário – Formação Barreiras - cotas de 10m) e carência de acidentes geográficos significativos (raros morros arredondados esculpidos ou rochas sedimentares do Mesozóico), sendo a planície costeira formada por depósitos do Quaternário. Seu litoral, ocupando uma área de 1.200 km2 e 163 km de linha de praia, fica sujeito a intensas colmatagens e apresenta numerosos canais e rios – São Francisco, Japaratuba, Sergipe, Vasa-Barris, Piauí e Real – que dão origem a um grande número de ilhas antes de lançarem suas águas no Atlântico. Estas ilhas, aliadas ao clima marítimo quente, à pequena amplitude térmica diária e anual e as águas calmas e tépidas, permitem o desenvolvimento do mangue em grande parte do litoral. Representando um percentual de aproximadamente 25% da região costeira do estado, o ecossistema manguezal vem sofrendo ocupação e utilização as mais variadas, causando em algumas áreas sua total erradicação. Vários tensores, de graus e origens diferenciados, foram identificados ao longo da costa sergipana, os quais comprometem aproximadamente ¼ dos manguezais do Estado. Nascimento (1996) constatou a interrelação existente entre a biologia do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e o tipo de bosque de mangue, e a influência desses tensores no comportamento biológico e ecológico desta espécie, bem como a necessidade de se manter os manguezais, não somente como condicionante de sobrevivência do caranguejo, mas, também, como garantia de uma das faunas mais rica e diversificada do ambiente estuarino e marinho.


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A resposta do ecossistema manguezal a uma variedade de tensores vem sendo muito estudada ultimamente em todo o mundo. Porém, dentre eles, poucas são referentes a derrame de óleo e nenhuma diz respeito à detonação dentro desses ambientes. O tensor é um tipo de situação que força o sistema a mobilizar seus recursos e gastar mais energia para manter a homeostase. O efeito do tensor provoca uma simplificação na estrutura e redução da diversidade, operando de tal forma que pode ocasionar uma regressão do ecossistema, inibindo completamente suas funções como a capacidade de produção, produtividade e estabilidade. A extração do petróleo depende de uma série de processos nos trabalhos de campo, sendo, dentre eles, os mais importantes a prospecção sísmica, a perfuração e, finalmente, a produção; todos rovocando, em menor ou maior escala, impactos ao meio onde estão sendo realizados. Ecossistemas de manguezal são distribuídos por todas as áreas tropicais e subtropicais, comumente adjacentes às principais rotas de transporte de óleo nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. Os danos ocasionados aos manguezais pelos acidentes com petroleiros e oleodutos têm causado graves prejuízos ao meio ambiente. Esses ecossistemas são particularmente sensíveis aos derrames de óleo, por possuírem baixas condições aeróbicas. O mangue, para arejar suas raízes e absorver água, conta com um sistema de poros ou aberturas, propensos a serem cobertos ou obstruídos pelo petróleo. O óleo causa o entupimento mecânico das lenticelas das raízes aéreas e dos pneumatóforos, causando morte por asfixia. A prospecção sísmica é o trabalho efetuado através de explosões subterrâneas, para detecção de bacias petrolíferas. A realização de trabalho desse tipo no manguezal promove uma série de impactos, danificando sobremaneira o ecossistema. Os tensores mais marcantes são: desmatamento, através de desfolhamento, desgalhamento ou mesmo corte das árvores para abertura das picadas; durante algumas semanas, um elevado número de operários (equipe sísmica) se movimentará dentro do sistema, ocasionando uma série de problemas ao mesmo; as ondas de choque (ondas sonoras) provocadas pela explosão acarretam mortandade em grande parte da fauna que ali reside; as crateras decorrentes da detonação formam pequenos lagos, modificando a ciclagem hídrica e de nutrientes no ecossistema. Em Sergipe, nordeste do Brasil, a Petrobras atua há mais de 30 anos, deixando, portanto, um saldo negativo de problemas ambientais, seja em terra firme, nos rios, praias etc. Nossas pesquisas, desenvolvidas através de dois projetos: “Derramamento de óleo em manguezal “(1982-1992) e “Identificação e análise de impacto por detonação” (1988 - 1996), objetivaram o monitoramento biológico, procurando-se determinar os parâmetros indispensáveis à garantia de uma análise segura das possíveis alterações ocorridas na biota do manguezal, quando submetido a impactos desta natureza. Convem frisar que o sistema de transferência de óleo dos campos petrolíferos – oleodutos – até o Terminal da Atalaia em Aracaju, capital do estado, atravessa extensas áreas de estuário e manguezal, com sérios riscos de acidentes para os ecossistemas. O estudo em pauta deveu-se ao rompimento de um oleoduto da Petrobrás na Fazenda Santa Cruz, município de N.Sª do Socorro, quando um trator, ao melhorar o acesso para o canavial, rompeu-o com sua lâmina, em uma zona próxima ao manguezal do rio Cotinguiba. Neste acidente houve vazamento de cerca de 79,5 m3 de óleo (dados da Petrobras), atingindo uma área de aproximadamente 1,5 ha, posteriormente ampliada pela ação da maré (Figura 1).


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Figura 1. Mapa de localização do estado de Sergipe, mostrando o local atingido pelo derramamento de óleo.

CARACTERÍSTICAS DA ÁREA O estudo foi desenvolvido na bacia vertente dos rios Sergipe e Cotinguiba, município de N.Sª do Socorro. Situase a 10º 09’ 05" a 10º 10’ 03” Sul e 37º 07’ 08” a 37º 08’ 02” Oeste, na margem esquerda do rio, próximo a ponte da BR-101, em terras da fazenda Santa Cruz. O relevo circunvizinho caracteriza-se por formas originárias de deposição fluviomarinha e marinha; predominam os solos holomórficos indiscriminados de mangue. A temperatura média da área e de 26ºC e a precipitação pluviométrica média de 1200 a 1400 mm (dados da cidade de N.Sª do Socorro). O manguezal apresenta uma cobertura vegetal onde predomina a espécie Laguncularia racemosa, sendo encontradas também a Rhizophora mangle e Avicennia schaueriana. Este ecossistema termina numa aclividade do terreno onde se encontram manchas de restinga e, logo após, imensas plantações de cana-de-açúcar.

OBSERVAÇÕES Os trabalhos foram iniciados em fevereiro de 1982. Durante os quatro primeiros anos, foram realizadas coletas mensais na área. A partir de 1986, as coletas e observações foram efetuadas trimestralmente no ambiente aquático (estuário e riachos) e terrestre (manguezal). Por ocasião do acidente (rompimento do oleoduto), a equipe da Petrobras que trabalhava na recuperação do óleo, provocou outros impactos no ecossistema: aterro, queimada e corte da vegetação do manguezal. Para um

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estudo dos vários tipos de impactos, o sistema foi dividido em subáreas: subárea 1 - controle, sem impacto; subárea 2 - com óleo e vegetação cortada; subárea 3 - com óleo e vegetação queimada; subárea 4 - com óleo e aterrada e a subárea 5 - com óleo, mas sem aterro e sem corte (Figura 2). Decorridos cinco anos e meio do acidente, observou-se uma série de transformações pelo qual passou todo o ecossistema atingido. Em agosto de 1987, realizou-se um trabalho de coletas e observações (“varredura”). A área controle, local não afetado pelo óleo, embora dentro do ecossistema (subárea 1), situa-se a aproximadamente 90 m de distância do rio. É circundada por um canal e um dique do antigo viveiro de 1,8 m de altura, que funcionou como barreira de proteção contra o óleo por ocasião do desastre. O solo argiloso encontrava-se mesclado com emaranhado de raízes. O bosque composto principalmente pela espécie Laguncularia racemosa, estruturalmente bem desenvolvido, apresentava, porém, uma taxa de pastejo muito elevada. A fauna visualizada foi essencialmente de crustáceos das espécies Goniopsis cruentata, Aratus pisonii (aratus) e Ucides cordatus (caranguejo-uçá) de médio tamanho. Os cirripedes (cracas) aparecem colonizando troncos das árvores até altura de 60 cm do solo. Também muito expressiva é a população de Littorina angulifera sobre as árvores. Nos troncos, convivendo com as cracas, as algas alcançavam a altura de 1 m; sobre os pneumatóforos e rizóforos, também ocorrem diversas espécie de algas, sendo mais abundantes as dos gêneros Bostrychia e

Figura 2. Localização do ponto de derramamento de óleo em Sergipe, com as cinco subáreas.


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Enteromorpha. No solo, em maré baixa, o molusco Mellampus coffeus forma um verdadeiro “tapete”, juntamente com várias espécies de ucas. A subárea 2 recebeu óleo e suas árvores foram cortadas. Cinco anos após o acidente, a vegetação que nasceu nesse espaço de tempo (Laguncularia racemosa) não apresentou desenvolvimento estrutural. As plantas apresentavam-se estressadas, com altura média de 1,5 m e densidade de 4 indivíduos por metro quadrado. A área de vegetação cortada foi de 2.100m, sendo 70 m linear perpendicular ao rio e 30 m de largura paralelo à margem. O solo de textura areno-argilosa; a fauna observada no local era composta por algumas ucas localizadas na margem do rio e Littorinas sobre a vegetação. Apesar de ocorrerem algumas tocas, não foi visualizado nenhum Ucides cordatus, mesmo quando em maré baixa, período em que esses animais estão fora das tocas recolhendo folhas para sua alimentação. A subárea 3 recebeu óleo e a vegetação foi queimada. Em 1984 começou o desenvolvimento de plântulas de Laguncularia, porém poucas conseguiram sobreviver. A faixa às margens do rio apresentava uma vegetação consorciada de Rhizophora, Laguncularia e Avicennia, em uma média de duas árvores por metro quadrado e altura média de 1,3 m. Distando 30 m do rio, as Laguncularias que nasceram no ano de 1986 encontravam-se aglomeradas, em uma média de 45 plantas por metro quadrado, sendo do tipo arbustivo e apresentando diâmetro reduzido. Com exceção de insetos e algumas ucas na margem do rio, nenhuma outra espécie animal foi visualizada. A subárea 4 recebeu óleo e foi completamente aterrada. Durante os dois primeiros anos subsequentes ao derrame do óleo, esta área permaneceu seca sem condições de desenvolvimento de qualquer espécie vegetal. Em 1984, começaram a surgir plântulas de Laguncularia, que em pouco tempo foram cortadas por pescadores. Em 1986, novas plântulas nasceram na área e, em agosto de 1987, alcançavam altura de 2,5m e densidade de nove plantas por metro quadrado, surgindo também aratus e uma média de duas tocas de Ucides cordatus por metro quadrado. A quinta subárea recebeu óleo formando uma grande poça, a qual depois de cinco anos, ao cavar-se até 40 cm de profundidade, ainda aflorava óleo no solo, em perfeito estado de viscosidade e cheiro característico. O local foi colonizado por gramíneas, desenvolvendo-se apenas uma Laguncularia com aspecto anatômico curioso de um vegetal rastejante. As folhas apresentavam tamanho normal, porém a morfologia da árvore era diferente, não possuindo tronco e sim ramificações rasteiras sobre o solo.

RESULTADOS Nos primeiros dias após o acidente, o impacto mais evidente ocorreu com a população de crustáceos, principalmente da espécie Ucides cordatus. No manguezal, a quantidade de caranguejos mortos tornou-se incontável, constatando-se também expressivo número de caranguejos vivos perambulando pelo manguezal, completamente encharcados de óleo, apáticos e que morreram posteriormente. Estudos efetuados na anatomia interna desses animais revelaram que seu aparelho respiratório (brânquias) encontrava-se impregnado de óleo, interrompendo as trocas gasosas e ocasionando-lhes a morte por asfixia. A vegetação sofreu de maneira mais lenta a ação do petróleo. Seis meses depois, a desolação era total. As árvores que foram atingidas diretamente pelo óleo, pouco a pouco perderam suas folhas, murcharam e morreram. No decorrer do primeiro ano, observou-se uma tentativa de recuperação do manguezal, com o nascimento de plantas do gênero Laguncularia, mas sem prosseguimento. A morte dessas plântulas deu-se provavelmente pela combinação de dois fatores, não tendo sido, entretanto, mensurado com exatidão o peso de cada um sobre este

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processo. O primeiro fator decorreu destas terem nascido sobre a área aterrada, que se tornou extremamente ressecada, por se apresentar num nível inatingível pela maré alta. O segundo decorreu do próprio petróleo, pois assim que as raízes alcançavam a região do subsolo saturado de óleo, rompia-se o desenvolvimento da planta pela carência de nutriente. Observou-se, ainda, que as folhas que brotavam das árvores menos atigidas ou atingidas indiretamente pelo óleo, apresentavam anomalias, que as tornavam enrugadas e 30% menores que as folhas normais. Também com relação às folhas marcescentes, com processo de abcisão completo e frutos de Laguncularia e Rhizophora, mesmo ressecados e deformados, continuavam presos aos galhos. Nos testes realizados em laboratório para reprodução do Ucides cordatus da área afetada, todas as fêmeas ovadas apresentaram anormalidades. Algumas não conseguiram liberar as larvas, havendo degeneração da massa ovígera presa aos pleópodos, enquanto em outras aconteceu a eclosão dos ovos, porém as larvas eclodidas viveram apenas durante seis horas. O pH das águas do rio e riacho apresentou-se quase sempre alcalino durante os anos de estudo, exceto nos meses subsequentes ao derramamento do óleo, quando seu valor esteve sempre ácido. A salinidade das águas apresentou grandes oscilações em seus valores, sendo a máxima de 42%o e a mínima 0.5%o. O OD (oxigênio dissolvido), no primeiro ano após o acidente, demonstrou valores críticos para sobrevivência da vida aquática (0.5 a 3.7 ml/l), sofrendo oscilações marcantes nos anos subsequentes, com valores de 1.0 a 7.0 ml/l. As temperaturas sempre estiveram com valores acima do normal para a área, sendo o ano de 1984 o que apresentou os maiores valores tanto para o ar quanto para água. Todos os fenômenos observados e mensurados durante o período de estudo, indicam que a vegetação e a fauna afetadas pelo óleo passaram a apresentar respostas instáveis. No estudo do impacto por prospecção sísmica, das áreas escolhidas para “laboratório-vivo”, a que melhor resposta apresentou a pesquisa foi a localizada no estuário do rio Vasa-Barris, manguezal Pulga, município de São Cristóvão. O estuário do Vasa-Barris abrange aproximadamente 40 km2 de superfície de água, caracterizando-se por apresentar inúmeras ilhas e canais de tamanhos variados, perpendiculares ao seu eixo. As ilhas originadas das condições geomorfológicas deste estuário encontram-se circundadas por bosques de mangue estruturalmente bem desenvolvidos, onde os rizóforos das Rhizophoras constituem-se em verdadeiros “nichos”, densamente povoados por moluscos (gastrópodes, ostras, sururus e outros bivalves) e crustáceos (anfípodas, aratus, caranguejos, cracas), essencialmente importantes para manter a vida estuarina e marinha. Na franja se faz presente uma diversificada população zooplanctônica, assegurando, desta forma, o equilíbrio morfogenético nessa região. A utilização desse estuário, mais precisamente às bordas do manguezal, tem-se voltado para piscicultura. As ameaças com afluentes poluidores sobre a natureza são mínimas, entretanto, é marcante a presença da ação antrópica, visualizada principalmente no corte de mangue, condicionando, a curto ou longo prazo, forte comprometimento da produtividade estuarina, mediante desequilíbrio de uma das mais complexas interações trófica do globo terrestre: mar-estuário-manguezal.


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O monitoramento dos impactos constou de levantamento em branco, mensalmente realizados em manguezais da ilha do Veiga (teste) e ilha Caramindó (controle), no período de 1991/1992, e no manguezal Pulga, de 1994/ 1995, todos no estuário do rio Vasa-Barris. A pesquisa foi dividida em três etapas: 1ª. Levantamento em branco de todo o sistema; 2ª. Detonação; 3ª. Acompanhamento/monitoramento dos possíveis impactos. Na primeira etapa, o manguezal foi zoneado em 17 pontos de coleta, tomando-se como referência a LT (linha de tiro), entre os PTs (pontos de tiro) 219 a 233. Os coletores foram distribuídos na LT acompanhando os PTs, e a distância de 50 m e 25 m paralelo a esta linha. Os coletores compostos de cestas coletoras de serapilheira (estudo da produção), tubos coletores de água (salinidade intersticial – enterrados a 80 cm no solo) e sedimento para determinações físico-químicas, permaneceram no ecossistema durante todo o período estudado. A segunda etapa teve início em novembro de 1994, com a detonação da linha 27.RL.1748. O explosivo, uma emulsão gelatinosa à base de sais de nitrato, de caráter biodegradável e isento de nitroglicerina ou nitroglicol (POWERGEL). A sua detonação somente é possível através de corrente elétrica, que aciona uma espoleta, sendo que essas ligações somente são feitas após o carregamento do furo e tamponamento do mesmo. Em seguida à detonação, foi iniciado um trabalho de “varredura” em toda extensão da linha, inclusive para observação da existência de crateras que pudessem ter ocorrido em locais de sedimento mais seco e duro, como os adjacentes ao apicum.

CONCLUSÃO O ecossistema manguezal que serviu como laboratório para o estudo experimental das detonações suportou muito bem, sem grande variações, os choques provocados pelas explosões provenientes dos estudos sísmicos. Há de se levar em consideração que somente uma linha foi detonada, representando para o universo do sistema estudado, o equivalente a 0,01% da área. Provavelmente, por esse motivo, é que não foram detectadas mudanças comportamentais nos indivíduos que formam a fauna e flora local. As mudanças observadas, sempre pontuais e de curta duração, não ultrapassaram as semanas subsequentes às detonações. A distorção que perdurou por mais tempo foi a picada. Em faixas de Rhizophora, as picadas quase não são perceptíveis, em virtude de ser processado apenas o desfolhamento ou, algumas vezes, o desgalhamento para a passagem da linha, quase nunca ocorrendo o corte da árvore. Já nas faixas de Laguncularia e Avicennia, os cortes alcançaram larguras de 1m a 1,5m e necessitam de longo tempo para recomposição. A macrofauna não apresentou nenhuma modificação comportamental após as detonações, como também não foram visualizados indivíduos mortos pela explosão. Uma exceção deve ser feita a infauna, localizada na linha de tiro. Esta foi atingida, sendo mais afetada a que se encontrava no raio de ação ou exatamente a vivente no local onde se implantou o PT, ocorrendo destruição da infauna e fauna séssil adjacente.

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Convém salientar, que cada manguezal responde diferentemente às variações a que forem submetidos, porque cada um tem a sua própria identidade. Assim sendo, não se pode extrapolar os resultados obtidos nesses manguezais, para qualquer outro. As crateras provocadas pelas detonações, quando em áreas lodosas de sedimento inconsolidado, recompõem-se imediatamente e, na próxima maré alta, não mais se verifica vestígios do que ali se processou; em áreas mais compactas, onde o sedimento é mais duro ou arenoso (no chamado alto manguezal ou apicum), é necessária a efetuação de tamponamento posterior. Analisando todos os resultados e observações obtidos nessa pesquisa, conclui-se a impossibilidade de trabalhos sísmicos, que não oferecesse perigo de impactos destrutivos ao manguezal. Portanto, sabendo-se que estudos sísmicos efetuados pela Petrobras para prospecção de petróleo em ecossistema de manguezal requer uma série de etapas (abertura de picadas com corte e desgalhamento da vegetação, movimentação da equipe dentro do sistema, detonação que provoca mortandade da fauna e crateras que modificam a circulação hídrica e de nutrientes – atentar para o número de linhas necessárias), é impossível a execução desses trabalhos sem ocasionar impacto de grande porte com destruição de parte relevante do ecossistema.

REFERÊNCIAS NASCIMENTO, S. A. Estudo de impacto do derramamento de óleo em áreas de manguezal do Estado de Sergipe – Nordeste do Brasil. In: SEMINÁRIO SOBRE MEIO AMBIENTE. 1993. Rio de Janeiro. Trabalhos Técnicos. Sergipe: Instituto Brasileiro de Petróleo, 1993. p. 152-163. NASCIMENTO, S.A. Identificação e análise do impacto por detonação no meio biótico no estuário do rio Vasa-Barris – Estado de Sergipe. Aracaju: ADEMA/SE, 1996. p. 128.


NÍVEL DE CONTAMINAÇÃO POR ÓLEO NOS SEDIMENTOS DE FUNDO E ÁGUA NO RIO PARÁ, DECORRENTE DO ACIDENTE COM A BALSA MISS RONDÔNIA

José Francisco Berrêdo Amilcar Carvalho Mendes Maria Emília da Cruz Sales José Paulo Sarmento

ABSTRACT This study presents procedures, methods and results gotten for the definition of the molecular identity of the A1 fuel oil spilled in the accident with ferry Miss Rondônia, in the Pará river, near to the Port of Vila do Conde, Barcarena-PA. Chromatographic analysis performed in bottom sediments in some samples had show that hydrocarbons had been detected, whose geochemical features are quite similar to those defined in the spilled oil. However, concentrations of PAH and TPH are low, showing no significant changes in the abiotics and biotics characteristics of the aquatic ecosystem, evidenced by the chemical quality of the waters and comparisons of the results with reference ecologicalindices.

RESUMO Este estudo apresenta os procedimentos, métodos e resultados obtidos na definição da identidade molecular do óleo combustível tipo A1, derramado no acidente com a balsa Miss Rondônia, no rio Pará, àsproximidades do Porto de Vila do Conde, Barcarena-PA. As análises cromatográficas reslizadas em sedimentos de fundo mostraram que em algumas amostras foram detectados teores de hidrorbonetos, cujas características geoquímicas são bastante semelhantes àquelas definidas no óleo derramado. No entanto, as concentrações de PAH e TPH são baixas, não evidenciando alterações significativas nas características abióticas e bióticas do ecossistema aquático, comprovado pela qualidade química das águas e comparações dos resultados obtidos com índices ecológicos de referência.

INTRODUÇÃO Derrames de petróleo e seus derivados em rios, estuários e oceanos do mundo inteiro são causados por acidentes envolvendo navios, balsas, dutos, refinarias e terminais de armazenamento. Esses acidentes normalmente estão associados à falha humana, má conservação de equipamentos ou fenômenos meteorológicos. Dependendo das circunstâncias ambientais e do volume de óleo, o derrame pode causar danos à biota e às atividades socioeconômicas em sua área de abrangência. Assim, a rapidez e a habilidade para caracterizar a fonte de um derramamento de óleo são fundamentais para a plena execução de procedimentos de contingenciamento de desatres ecológicos e, sobretudo, para acionar judicialmente os responsáveis por danos ambientais. Neste trabalho são apresentados os procedimentos, métodos e resultados das análises geoquímicas realizadas para caracterização da magnitude do impacto na coluna d’água e sedimentos de fundo da área de abrangência do acidente ocorrido com a Balsa Miss Rondônia, no rio Pará, às proximidades do Porto de Vila do Conde (PA), quando estava carregada com cerca de 1.900 toneladas de óleo A1.


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METODOLOGIA

Análise bibliográfica e cartográfica Levantamento de dados cartográficos (cartas náuticas, imagens de satélite, fotografias aéreas, mapas planialtimétricos) e bibliográficos sobre aspectos fisiográficos, geológicos e geoquímicos da região do acidente e adjacências, bem como da bibliografia de apoio aos procedimentos de campo e laboratório.

Estabelecimento e malha de amostragem Elaborada de acordo com o grau hipotético de impacto, definido pelas características hidrodinâmicas e na provável área de dispersão do óleo, sendo dividida em setores assim denominados: • Área de Impacto Agudo – local do naufrágio da balsa, incluindo a barreira de contenção e a área de manobra de embarcações no Porto de Vila do Conde (até a cota batimétrica de 20 m) – amostras 1, 2, 3, 20 e 21 • Área de Impacto Potencial – radial em torno e 5 km do local do naufrágio da balsa – amostras 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 22, 26 e 27. • Área de Background – zona teoricamente sem influência do impacto do vazamento. Localizada na margem esquerda do rio Pará (às margens da ilha do Marajó) – amostras 15, 16, 18, 19, 23, 24 e 25. • Área de Referência – zona localizada a montante e a jusante do local do naufrágio – amostras 14 e 17. Foram definidos vinte e sete (27) pontos de amostragem para sedimentos de fundo e dezoito (18) estações para coleta na coluna d’água (Figura 1). As amostras de água foram coletadas no topo e base, durante marés de enchente e vazante.

Trabalhos de campo Foram realizadas etapas de campo durante os meses de março e abril, período de maior índice pluviométrico regional. A primeira, para coleta de água e sedimentos de fundo; e a segunda, para realização de perfis longitudinais e transversais de amostragem nas praias de Vila do Conde, Beja e Caripi. Os pontos de amostragem em ambas as etapas tiveram as coordenadas geográficas definidas pelo Sistema de Posicionamento Global por Satélite (GPS) e, posteriormente, plotadas em base cartográfica de referência. Para o deslocamento em campo, foram utilizados o Navio de Pesquisas Almirante Paulo Moreira (IBAMA) e um barco de alumínio com motor de popa. Os sedimentos de fundo foram coletados com draga-mandíbula e acondicionados em recipientes de vidro envoltos em papel alumínio, para impedir efeitos da oxidação fotoquímica. A amostragem da coluna d’água foi efetuada em superfície, com garrafa Beta e, em profundidade, com garrafa Nansen. As amostras foram mantidas sob refrigeração, para posterior envio aos laboratórios do Centro de Pesquisa da Petrobras (CENPES), Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Defesa do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (CETESB) e Universidade Federal do Pará (UFPA).


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Figura 1. Mapa de localização dos pontos de amostragem (Mapa de base – Carta Náutica 304 – Atualizada em 2009 – DHN, Marinha do Brasil).

Trabalhos de laboratório O conjunto de substâncias poliaromáticas (PAHs) presentes em óleos combustíveis é fundamental na diagnose da impressão digital desses compostos, mesmo que estejam em proporções inferiores a ppb (partes por bilhão). Sedimentos de fundo e de praia foram submetidos à cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (CG/EM), para detectar a presença de hidrocarbonetos poliaromáticos (PAH), naftalenos alquilados (análise quantitativa) e biomarcadores. O óleo coletado na balsa foi analisado por cromatografia líquida (MPLC), cromatografia gasosa tipo whole oil, cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (CG/EM) e espectrometria de massas para razão de isótopos estáveis de carbono (EM/RI). Ainda no campo, parte das amostras de água foi analisada para pH, temperatura e oxigênio dissolvido (Método Winkler), enquanto que outra foi acondicionada sob refrigeração, em recipientes de vidro âmbar e polietileno, para análises de óleos e graxas e DQO (STANDARD METHODS, 1998).

LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A área de trabalho está limitada entre as coordenadas 01º25’00”S, 01º40’00”S, 48º44’00”W e 48º57’00”W, abrangendo o canal de navegação do rio Pará, no setor compreendido entre o Furo do Capim, ao Sul, e o Furo do Arrozal, ao norte (Figura 2).

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Figura 2. Mapa de localização da área estudada, destacando o local de naufrágio da balsa Miss Rondônia.

CARACTERIZAÇÃO FISIOGRÁFICA A região de Barcarena-PA é representativa da típica paisagem da planície amazônica, constituída por terrenos sedimentares, vegetação tipo Hileia, rios, furos e igarapés, que se interligam e se comunicam com a baía de Marajó. O clima é tropical úmido, com temperaturas médias anuais em torno de 27º C. A umidade relativa do ar é elevada (>80%). O período chuvoso inicia-se em dezembro, estendendo-se até o final de junho, com médias de precipitação anual próximo a 3000 mm (LIMA; KOBAYASHI, 1988). As principais massas de água são constituídas pela baía de Marajó, rio Pará e diversos rios menores, interligados pelos “furos” e igarapés. O canal de navegação do rio Pará, na área de estudo, apresenta orientação NE-SW, profundidades máximas atingindo 47m e largura, variando entre 1.3 a 1.7 km. Segundo dados da Companhia das Docas do Pará, as características hidrológicas encontradas na área de estudo estão contidas na Tabela 1.


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Tabela 1. Condições hidrodinâmicas encontradas na área estudada (Fonte: www.cdp.com.br). PARÂMETROS HIDRODINÂMICOS

VALORES

Nível médio das marés Nível médio das preamares de sizígia Nível médio das baixa-mares de sizígia Nível médio das preamares de quadratura Nível médio das baixa-mares de quadratura Nível médio de redução Altura máxima das ondas Período de ondas Ventos

2.36m 3.04m 0.30m 2.48m 0.78m 0.69m 0.85m 3.6 segundos Ventos dominantes sopram de nordeste. Com maior intensidade verificada em 9.26m/s (33 km/h)

A vegetação tipo Hileia é caracterizada por floresta de terra firme alterada e capoeiras; nas proximidades de rios, furos e igarapés ocorre abundantemente vegetação de várzea, ocorrendo também palmeiras tipo açaizeiro, buritizeiros etc. Os terrenos sedimentares apresentam modelado de costas baixas e inclinação moderada, com “falésias” em depósitos síltico-argilosos, bem como terrenos baixos, inundáveis e praias com expressivas faixas de areias. A litologia é caracterizada por areias, siltes, argilas e concreções lateríticas (SCHÄLLER et al., 1971; RESENDE; FERRADAES, 1971).

RESULTADOS E DISCUSSÕES Nos trabalhos de campo foram registradas ocorrências visuais de óleo nas amostras de sedimento de fundo, incluindo amostras na barreira de contenção e a jusante desta, conforme demonstrado na Figura 3. Em decorrência da presença de óleo em pontos fora da barreira de contenção, principalmente em amostras coletadas próximo à praia de Vila do Conde, foram realizadas, em uma segunda etapa, coletas nessa e nas praias de Beja e Caripi. Não foi registrada ocorrência de óleo na praia do Caripi, no entanto, dada a baixa declividade e a extensa zona de estirâncio na praia de Beja, foi possível realizar o mapeamento longitudinal e transversal durante a baixamar, onde foram detectadas manchas de óleo centimétricas associadas aos sedimentos argilosos, notadamente no setor central e esquerdo da praia. A identidade molecular do óleo encontrado nos sedimentos foi comparada àquela do óleo BPF coletado na balsa, visando a correlação geoquímica entre ambos. A interpretação dos resultados obtidos da análise do óleo coletado na balsa indica tratar-se de um óleo combustível tipo A-1, que apresenta uma variação de hidrocarbonetos de C8 a C30, com predominância dos compostos aromáticos metil e dimetil-naftalenos (Figura 4). A composição química do óleo por classe de compostos, e a razão de isótopos estáveis de carbono é apresentada na Tabela 2. Tabela 2. Composição química do óleo coletado na balsa. AMOSTRA

CEGEQ #

SAT (%)

ARO (%)

NOS (%)

PERDA (%)

d13C %o

Óleo (Balsa)

000263775

16

48

36

35

-24.47

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Figura 3. Esquema ilustrativo da distribuição dos pontos onde foi detectada a presença visual de óleo em sedimentos de fundo.

Figura 4. Perfil cromatográfico do óleo coletado na balsa, apresentando como compostos principais os metil-naftalenos e dimetil-naftalenos.


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O óleo combustível apresenta alta porcentagem de compostos aromáticos e compostos NOS, além de alta porcentagem de perda, devido aos compostos que ficam retidos na pré-coluna durante o processo de separação cromatográfica. Dentre os biomarcadores, observa-se a presença dos hopanos demetilados (Figura 5), que são indicativos do grau de biodegradação do óleo. O valor da razão de isótopos estáveis de carbono é de –24.47%o e encontra-se na faixa dos valores dos óleos produzidos na Bacia de Campos/RJ (-24 a –25.5%o). Comparando-se os resultados obtidos com cada amostra coletada e o óleo derramado, verifica-se que estas podem ser agrupadas em duas categorias: as amostras que contêm naftalenos e as que não os contêm. As amostras que não contêm estes compostos, apresentam distribuição de PAH similar a hidrocarbonetos naturais (principalmente provenientes de vegetais superiores); por outro lado, as amostras que contêm naftalenos apresentam a distribuição de PAH bastante similar a do óleo coletado na balsa (Figura 6).

Figura 5. Cromatogramas de massas referentes aos terpanos, m/z 191, e hopanos demetilados, m/z 177, do óleo combustível. A = C2825-nor17á(H)-hopano; B = C2925-nor17á(H)-hopano (Fonte: CT CEGEQ 071/2000).

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Figura 6. PAH no óleo original e nas amostras de sedimento de fundo.

Corroborando os resultados mencionados, as correlações entre as impressões digitais (“fringer print”) do óleo encontrado nas amostras de sedimento e a do óleo coletado na balsa, foi constatado que em pelo menos cinco estações de coleta a influência dominante é do óleo tipo A1, semelhante ao coletado na balsa. Dentre as amostras enviadas para análises de PAH e TPH, várias apresentaram características para os hidrocarbonetos dominantes similares à distribuição do óleo derramado, mas, também, características de hidrocarbonetos naturais ou uma mistura destes. Os teores de TPH nos sedimentos variaram entre 0,5 e 2,0 µg/g, e os de PAH entre 1 e 4214 µg/Kg. As amostras coletadas nas praias de Beja e de Conde apresentaram as concentrações mais elevadas de PAH; nos sedimentos de fundo, a maior concentração de PAH-TPH foi encontrada na amostra coletada no pier do Porto de Vila do Conde. A Tabela 3 apresenta os parâmetros e resultados analíticos nas águas. O pH manteve-se fracamente ácido em marés de vazante, variando entre neutro a fracamente alcalino nas marés de enchente, com pequenas variações entre as amostras coletadas em profundidades e horários diferenciados. Os valores de oxigênio mantiveram-se


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rigorosamente em torno dos valores médios obtidos nas marés de enchente e vazante (levemente mais baixos), sem, contudo, demonstrar tendências fortes de variações entre amostras coletadas em diferentes profundidades e horários de amostragem. Estes resultados são compatíveis com águas agitadas e quimicamente equilibradas encontradas na Amazônia, em período semelhante de amostragem. A exceção foi o ponto de amostragem utilizado como referência, localizado em frente ao Terminal de Miramar (Belém), que apresentou águas ligeiramente ácidas e teor de OD em torno de 4,9 mg/l, associado à degradação de matéria orgânica em maré de vazante. Tabela 3. Parâmetros e valores máximos, mínimos e médias dos valores em marés de enchente e vazante analisados na coluna d’água. Parâmetros Temperatura (°C) PH Oxigênio Dissolvido (mg/l) Óleos e Graxas (mg/l) DQO(mg/l )

Valores Mínimos

Valores Máximos

Média Enchente

Média Vazante

26,9 6,15 4,9 0,3 5

30 7,43 7,65 72,2 30

28,4 7,06 6,74 1,96 12

27,6 6,91 6,37 1,34 13

Os teores de Óleos e Graxas (OG) são mais elevados nas marés de enchente, com valores médios entre 1,34 e 1,96 mg/l, excluindo-se destas médias, os altos teores encontrados nos pontos 4, 6, 8 e 16, durante a maré de enchente. Com relação ao DQO, os padrões brasileiros não estabelecem limite de referência. No entanto, resultados anteriores, obtidos por Lima e Kobayashi (1988) na área, em seu estado “teoricamente zero”, ou seja, sem a presença de fontes poluidoras potenciais, sugerem que os teores encontrados nas amostras analisadas acham-se compatíveis com os valores naturais. Os resultados das análises em sedimentos e água foram comparados a valores ecológicos de referência propostos por Long et al. (1995) para avaliar o potencial de efeitos adversos que a presença de PAHs totais produzem em sedimentos e organismos bênticos. A Figura 7 apresenta a comparação gráfica dos valores de PAH encontrados nas amostras com o limite acima mencionado, onde se observa que somente a amostra CDD4, coletada na praia de Vila do Conde, ultrapassou o limite de referência, ou seja, pode ser considerada como indicativa de possíveis efeitos adversos ao meio. Dada a inexistência de índices de referência para TPH em ecossistemas aquáticos foram utilizados os dados de toxicidade de óleo combustível nº 6, grau API7, dada sua semelhança geoquímica com o óleo A1. De acordo com a literatura internacional (HOLLISTER et al.; FALK-PETERSEN apud ENTRIX-NATRONTEC, 2000) o valor de concentração de TPH sem efeito tóxico para a biota aquática é de 3000 µg/l. Os resultados obtidos por EntrixNatrontec (op. cit.) na área estudada (Figura 8), indicam que em nenhuma das amostras coletadas foram encontradas concentrações que ultrapassassem este índice de referência.

CONCLUSÕES Os resultados obtidos nas análises efetuadas nas amostras de sedimentos de fundo e na coluna d’água não foram suficientes para afirmar com significativo nível de precisão que o óleo nela contido possui relação direta com aquele derramado, quando do acidente com a balsa Miss Rondônia.

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Figura 7. Concentrações totais de PAH comparadas com valores de referência.

Figura 8. Concentração total de TPHs na água comparadas com índice de referência de concentração tóxica mínima para biota aquática (Modificado de ENTRIX-NANONTREC, 2000).


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Em algumas amostras, foi detectada a presença de óleo com perfil geoquímico (“finger print”) bastante semelhante ao apresentado pelo óleo A1, originário da balsa. Contudo, a presença de alguns componentes da família de PAHs, encontrados no óleo A1 nos sedimentos, não pode ser tomada como prova inequívoca da contaminação dos mesmos pelo óleo derramado, quando do acidente com a balsa, a não ser que grande parte ou toda a série de PAHs contidas no óleo coletado na balsa estivesse presente nos sedimentos. Outro fato a ser considerado na interpretação da procedência do óleo encontrado nos sedimentos é que a área onde ocorreu o acidente com a balsa Miss Rondônia possui todo um histórico de intensa atividade marítima e portuária, inclusive com operações de carga e descarga de combustíveis A1. Segundo Entrix-Natrontec (2000), cerca de 20.000 toneladas de óleo tipo A1 são movimentadas no porto de Vila do Conde todos os meses. De um modo geral, os resultados encontrados na coluna d’água não comprovam alterações nas características do meio aquoso, como decorrência direta do derramamento do óleo A1. Entretanto, a presença de óleos e graxas em todas as amostras coletadas ressalta o comprometimento ambiental deste setor do rio Pará, em decorrência da intensa atividade marítima e portuária, o que inclusive impede que essa água seja classificada como uma das Classes Especiais (1, 2 e 3) da Resolução CONAMA 20/86. As concentrações de poluentes potencialmente tóxicos, que poderiam estar relacionados com o óleo BPF oriundo da balsa Miss Rondônia, situaram-se bem abaixo daqueles considerados como referência internacional. Contudo, em função da natureza bioacumuladora desses poluentes nos sedimentos e, por conseguinte, na cadeia trófica, é necessário o monitoramento constante desses compostos na área em questão, até porque trata-se de uma área com intensa atividade portuária e industrial e, consequentemente, de alto potencial de impacto.

REFERÊNCIAS COMPANHIA DAS DOCAS DO PARÁ–CDP. Condições meteorológicas e hidrográficas do Porto de Vila do Conde. Disponível em: <www.cdp.com.br>. Acesso em: 23 ago. 2001. ENTRIX-NATRONTEC. Avaliação ambiental do incidente com a balsa Miss Rondônia. Relatório Técnico-Pericial. Belém: ENTRIX-NATRONTEC, 2000. 56 p. LIMA, W.N.; KOBAYASHI, C.N. Sobre o quimismo predominante nas águas do sistema flúvio-estuarino de Barcarena, Pa. Geochimica Brasiliensis, v. 2, n. 1, p. 53-71, 1988. LONG, E.R.; MACDONALD, D.D.; SMITH, S.L.; CALDER, F.D. Incidence of adverse biological effects of chemical concentrations in marine and estuarine sediments. Environ. Manage., v.19, p.81-97, 1995. RESENDE, W.M.; FERRADAES, J. Integração geológica da bacia sedimentar da foz do rio Amazonas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 25. 1971. São Paulo. Anais... São Paulo, 1971. p. 203-214. SCHÄLLER, H.; VASCONCELOS, D.; CASTRO, J. Estratigrafia preliminar da Bacia Sedimentar da Foz do rio Amazonas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 25. 1971. São Paulo. Anais... São Paulo, 1971. p. 189-202. STANDARD. Methods For The Examinantion of Water and Wastewater. 20. ed. [s.l.]: APHA-AWWA-WPCF, 1998.

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PROCESSOS SOCIAIS E ESTRATÉGIAS DE VIDA



OCUPAÇÃO HUMANA DO LITORAL AMAZÔNICO Lourdes Gonçalves Furtado

ABSTRACT This paper emphasizes the process of occupation in the Amazon coast, particularly in the coastal zone of the state of Para. The reflections retake the prehistoric occupation of the region, pointing to the man kept balanced relationship with the marine environment, where results of the social reproduction of these groups. Part of that inheritance passed to people later, and still found residually in the traditional system of contemporary inhabitants in this region. However the pressure and other demographic factors and economic order and social policy, this relationship has affected drastically, causing impacts that deserve shared solution between government, scientist and native community. Draws attention to the need for practical actions in the short and medium term, aiming at solving the problems caused by this impact the traditional people of this region and similar, reinforcing the recommendation of the Expert Meeting, held by UNESCO in November 1996, Paris.

RESUMO Enfatiza o processo de ocupação no litoral amazônico, particularmente na zona costeira do estado do Pará. As reflexões contidas nessa conferência remontam ao período pré-histórico da ocupação dessa região, assinalando para a relação equilibrada mantida pelo homem com o ambiente marinho, de onde resulta a reprodução social desses grupos. Parte dessa herança passada aos povos posteriores, e ainda encontrada residualmente no sistema tradicional dos habitantes contemporâneos nessa região. Entretanto, a pressão demográfica e de outros fatores de ordem econômica, social e política vêm afetando drasticamente essa relação, causando impactos que merecem solução partilhada entre governo, cientista e comunidade nativa. A conferência chama a atenção para a necessidade de ações práticas a curto e médio prazo, visando a solução dos problemas causados por esse impacto as populações tradicionais dessa região e congêneres, reforçando a recomendação da Reunião de Especialistas, realizada pela UNESCO, em novembro de 1996, em Paris.

APRESENTAÇÃO Decorridos mais de duas décadas de pesquisas e estudos antropológicos entre populações haliêuticas da Amazônia, no Departamento de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi, trazemos aqui alguns dados sobre a ocupação do litoral amazônico, resultantes da convivência prolongada com diversas “comunidades” pesqueiras dessa região, em sucessivos anos de trabalho de campo e de análises bibliográfica e documental, onde se incluem trabalhos de colegas de outras instituições parceiras ou não. Essa convivência nos permitiu transitar em categorias de conhecimentos muitas vezes não traduzíveis, pela simples quantificação de dados, mas, sobretudo, pela observação direta e ação interpretativista. Nestes anos de pesquisa antropológica, associada a outras ciências afins, deparamo-nos com um cenário socioambiental real, no qual se identificam especificidades socioculturais na relação homem-meio ambiente, que devem ser levadas em conta nas análises para o planejamento e gestão regionais; e no qual aparecem também problemas e conflitos, cuja solução está na base das expectativas da população. Este cenário é o da região costeira, entendida aqui como habitat de segmentos da chamada população cabocla ou tradicional da Amazônia (Figura 1).


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Figura 1. Corte do Mapa Etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes (adaptado de Curt Nimuendaju, 1944).

A área de estudo compreende uma faixa litorânea que vai desde a costa do Amapá até o Golfão Maranhense, onde a pesca é praticada com intensidade, principalmente por pescadores “artesanais”. No Amapá, o litoral perfaz 598 km e, no Pará, 562 km, aproximadamente. Grandes e pequenos estuários enriquecem essa grande área, cuja territorialidade tem sua construção histórica. “Estuários e manguezais constituem refúgio e berçário de inúmeras espécies de animais” (ISAAC, 1997). O maior estuário é formado pelas desembocaduras dos rios Amazonas e Tocantins, que apresenta uma riqueza em fitoplâncton, a qual responde pela principal fonte trófica para a comunidade aquática, tornando- se alvo, portanto, da demanda social. Segundo Isaac e Barthem (1996) “a corrente equatorial desvia grande parte da descarga da bacia Amazônica para NW, ao longo da costa do Amapá”. Esse fenômeno, associado aos diferentes tipos de sedimentos da foz e plataforma amazônica, propicia a formação de ambientes que podem ser categorizados em quatro regiões pesqueiras distintas: Salgado, baía e ilha do Marajó, foz amazônica propriamente dita e Região Norte. Com tais características, a pesca, enquanto manifestação dos usos dos recursos pela população costeira e de fora, encontra um campo propício para seu desenvolvimento. Assim, praticam-se a pesca de subsistência, a pesca comercial e a pesca industrial.


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A sazonalidade das chuvas e, principalmente, do nível das águas do rio Amazonas, influenciam na morfologia social, na mobilidade espacial e nas estratégias de vida na região, de modo tal que é necessário que se invista esforços e recursos para seu conhecimento, tendo em vista programas e políticas que venham atender às demandas das diversas comunidades localizadas nas diferentes áreas ecológicas da atividade pesqueira. Pensar as relações das comunidades pesqueiras é atentar para essas variáveis. A exemplo, ao se observar a realidade enfocada, nota-se que o regime de vazão do rio Amazonas e seus sazonais níveis de enchente, associamse a diferentes realidades sociais: (1) concentração comunitária no tempo das cheias e dispersão comunitária na vazante, nas regiões do Médio e Baixo Amazonas; (2) dinâmica da territorialidade da região do Médio e Baixo Amazonas, modificando os aspectos das propriedades físicas dos moradores ribeirinhos nos dois tempos; (3) movimentação de pescadores costeiros nos sentidos norte (no tempo da menor vazão, no verão amazônico, estação seca) e sul (no tempo da maior vazão, na cheia, no inverno amazônico). No verão, as águas estão mais salgadas, os peixes dessa estação correm para a costa, diminuindo o circuito de pescaria; no inverno os pescadores costeiros descem o litoral do Pará no sentido sul, em busca do peixe que migra (FURTADO, 1987). Se contabilizarmos o número de pessoas envolvidas nesta atividade, constata-se que na Amazônia ele assume um papel relevante. Segundo dados de associações de pescadores, entidades de classe e da antiga Superintendência de Desenvolvimento do Pescado (SUDEPE), existem no Pará 78.850 pescadores artesanais. Destes, 30.000 (45%) dedicam-se à pesca interior; no Acre registraram-se 1.020; no Amazonas, 18.234; em Porto Velho e Guajará Mirim (Rondônia) 750 e no Amapá, 5.500; somados registram 55.000 pescadores atuando em águas interiores. Segundo Isaac et al. (no prelo), no Médio Amazonas, em áreas marginais aos lagos, em cada cinco ribeirinhos (incluindo homens, mulheres e crianças), um (01) exerce a atividade pesqueira, sendo 40% deles pescadores comerciais e 60% pescadores de subsistência. Para a Amazônia como um todo se estimaria cerca de 300.000 pescadores tradicionais atuantes, fornecendo aproximadamente 90% do pescado para abastecimento interno. Além destes valores materiais, não menos conhecido é o patrimônio sociocultural e histórico presente nestes diferentes ambientes, cujo construtor é o homem da região, que, em diferentes tempos, cria e recria seu ambiente, que o constrói e o modifica numa relação dialética com a natureza, imemorialmente ocupando a terra, já rumo ao terceiro milênio. Falar, portanto, de ocupação do litoral é não ficar apenas no presente, mas remontar os tempos primeros da história da Amazônia, ou seja, através das evidências arqueológicas, passando pela história colonial, de par com documentos manuscritos e dados diversos de pesquisa básica. Assim, conseguimos entender o ser e o estar da gente do mar que ocupa a orla costeira amazônica.

A GENTE DO MAR Quem são estas pessoas que dependem do mar no litoral norte do Brasil? Quero reportar-me àqueles que historicamente habitam às beiras dos rios costeiros, de baías, de praias, enseadas, em pequenas unidades sociais chamadas sítios, povoados, lugares e/ou pequenas vilas e cidades, perto ou um pouco distantes da orla marítima. Onde estão estas pequenas unidades sociais? No Pará, para dar exemplos, estão na costa das ilhas Mexiana e Caviana; são representadas por cidades como Colares, Vigia, São Caetano de Odivelas, Curuçá, Marapanim, Maracanã, Salinópolis, Pirabas, Bragança, Augusto Corrêa e Vizeu, pelas pequenas vilas de Marudá, Camará,

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Fortalezinha, Mocooca, Cachoeira, ilhas Barreta, Romana, Canelas, Maciel, Tamaruteua, Sacaiteua, Algodoal, Pilão, Picanço, Felipa e outras. No Amapá, ao longo da orla marítima desse estado. Algumas dessas unidades sociais tiveram seu povoamento originado de pequenos pontos de baldeação das rotas de navegação entre Belém e São Luís do Maranhão, no período colonial, sobretudo no tempo da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, atuante entre 1755 e 1778, no século XVIII. Dentre estas estão Salinópolis, Maracanã e Bragança. O fomento mercantilista dessa Companhia de Comércio contribuiu deveras para ocupação humana e utilização econômica das Capitanias do norte, como ação colonizadora (NUNES DIAS, 1970). O sistema de Capitanias Hereditárias precedente, no século XVII, em caráter de juro e herdade, contribui também para a ocupação humana do litoral amazônico, resultando daí as possessões de Souza do Caeté, em 1622, hoje Bragança, dada por Carta Régia, de maio de 1622, a Gaspar de Souza; do Cabo Norte, da ilha de Joanes em Carta Régia de 23 de dezembro de 1665 (NUNES DIAS, 1970, p. 56). Importante mesmo na história da ocupação humana dessa região é a presença de índios Tupinambás ao longo da costa, à chegada dos colonizadores portugueses à região amazônica. Segundo Curt Nimuendaju (Mapa, 1944), no século XVII (1619) estes índios já habitaram ao longo da costa, às proximidades de São Luís, entre os rios Turiaçu e Mearim e Caeté. Assinala que passaram pelo rio Maracanã, seguindo em curva para as regiões que mediam os rios Moju e Tocantins (Figura 1). Estes índios, que aos poucos foram absorvidos pelo avanço da sociedade nacional sobre suas terras e pelos descimentos indígenas, deixaram como legado cultural à posteridade, um modo de ser e de viver em relação ao meio ambiente, presentes na cultura que se formou nesta região e amalgamados com a contribuição de outros contingentes humanos para cá deslocados. A política da metrópole portuguesa e, mais tarde, a imperial, desde o século XVII até final do século XIX, foi a de viabilizar as comunicações entre Belém e São Luís do Maranhão, ao longo da costa, evitando assim o caminho tortuoso e difícil através da floresta, inaugurado por Pedro Teixeira. Pela orla marítima, aproveitando os rios, estabeleciam portos seguros para baldeações (DIAS; VALVERDE, 1967). Em geral ficavam nas embocaduras dos rios, no canal, pois ficavam abrigados dos encalhes e das vagas que incidem obliquamente sobre a costa. A montante da foz, instalavam-se esses portos: Vizeu, Urumajó (atual Augusto Corrêa), Quatipuru, Primavera, Salinópolis, Maracanã, Curuçá, São Caetano de Odivelas e Vigia estão em sítios dessa natureza. Recuando mais no tempo, ressalto, também, que dos povos pré-históricos que habitaram a costa do Pará e Amapá, têm hábitos ainda hoje presentes na cultura das comunidades pesqueiras do litoral desses estados. Há registros arqueológicos da presença humana nessa região, realizados por arqueólogos do Museu Goeldi. Instrumentos líticos, resíduos de alimentos e de fogueiras, instrumentos de trabalho, raladores, moedores, restos de panelas, carimbos corporais, ossadas humanas em enterramentos cerimoniais, grandes depósitos de conchas e valvas de moluscos, conhecidos como sambaquis; espinhas de peixe, atestam, através de datações a partir do C14, a milenaridade da presença de povos pescadores-coletores no litoral paraense. É aí que aparece uma importante fase arqueológica no Pará, a Fase Mina, que remonta a 3.000 anos antes do presente. Retornemos agora ao o presente, se olharmos para essas populações no seu cotidiano. A expressão do mar é a mesma em termos de seus valores, com redefinições a partir da dinamicidade que é inerente à sociedade humana. A dialética, entretanto, entre homem, terra e mar, entre homem e natureza, permanece, se reproduz na linha do tempo, com redefinições históricas que lhe são inerentes.


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A vida dessas populações, portanto, tem sua base de sustentação social e econômica nas relações com o mar, através da pesca tradicional, da coleta e do extrativismo, com métodos e técnicas de trabalho eminentemente simples. Sua economia é simples, com base na mão de obra familiar. A comercialização dos produtos naturais obtidos por essas práticas visa adquirir bens que não produzem, sendo, por isso, uma estratégia de subsistência. Suas unidades sociais são part-societies de um todo mais amplo, para quem as relações de mercado ganham uma expressão necessária e relevante. Em consequência, estão sujeitas às pressões do mercado, que lhes levam a pressionar o recurso face às demandas. Terra e água, portanto, são polos dessa relação, em cujos intervalos transitam ou circulam a busca de bens materiais e sociais, e onde se desenvolvem relações que permitem sua continuidade, sua reprodução social; são ambientes crucialmente construídos na vida desse povo, tanto do ponto de vista prático quanto simbólico. A propósito disto, memorizo aqui expressões dos pescadores, recolhidas por minha colega Maldonado (1986): “O mar é terra liberta: não tem patrão nem cerca de ninguém...” (Mestre Cacau, pescador de Cabedelo-PB) e “Terra de mar é como terra de índio: é do pescador” (Pescador autônomo do litoral Fluminense). “Quem vai ao mar se avia em terra”, diz um velho adágio popular bastante conhecido na Amazônia. Remete-nos à relação homem-terra-mar que permeia a vida dos habitantes desses quase 562 km de costa paraense. Terra, local de moradia. Água, o mar, rios e igarapés, locais de trabalho permeados de valores culturais – duas realidades indissociáveis, que se fundem, diferentemente das unidades sociais de base exclusivamente agrícola. Antropólogos brasileiros têm dado especial atenção à vida da gente do mar, pressupondo que “a especificidade do mar, enquanto meio arriscado, indivisível e inapropriável juridicamente” (tal como revela a expressão do citado pescador), resulta em um tipo específico de trabalhador, cuja relação com a natureza seja estruturalmente diversa dos demais tipos (MALDONADO, 1986). Analisando-se aqui a importância do mar para os habitantes da zona costeira e das pequenas Ilhas, deve-se destacar dois pontos importantes: o mar enquanto fonte de alimento e trabalho/um valor pratico, e enquanto espaço de construção e reprodução sociocultural/um valor simbólico. São pontos recorrentes em outras áreas costeiras do Brasil (MALDONADO, 1996; GRANKOW, 1996; LEITÃO, 1997). Da costa do Amapá à costa do Maranhão, no colar de vilazinhas pesqueiras, estes valores estão presentes de forma evidente, fazendo do mar, portanto, um espaço de vida, trabalho, realização profissional e espaço simbólico do qual fluem valores que permeiam o seu imaginário. O uso do mar como fonte de vida é acessado pelos seus instrumentos de trabalho: redes malhadeiras, barcos de pequeno calado que variam de 6 a 30 hp, canoas a velas ou a motor, botes que não têm autonomia para alcançar a competitividade com os barcos da indústria pesqueira que, sabemos todos, entram nas águas reservadas à pesca tradicional na costa e estuário do Pará. O manguezal ou mangal, enquanto ambiente associado ao mar, é também alvo da intervenção antrópica da população costeira para retirada de moluscos, crustáceos, madeira para feitura de currais, pesca com currais, viveiros de peixe, moirões para ancoragem de barcos, e para construção de ranchos de pesca e moradia de pescadores. Nas ilhas de Tamaruteua (na costa de Marapanim), Canelas e Ajuruteua (na costa de Bragança) encontram-se exemplos desse tipo. Não obstante essa intervenção, possuem representações simbólicas que atuam como mecanismos de preservação ambiental, através de suas crenças e mitos, vistos, entretanto, erroneamente como meras crendices ou simples invenções. Evidentemente que com instrumentos desse tipo, frágeis, face aos riscos e incertezas que o mar impõe, os pescadores costeiros não podem se fazer ao largo, para explorar mais qualitativamente os recursos pesqueiros

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disponíveis nas águas oceânicas. Não é por limites de saber ou de capacidade intelectual – como se possa falsamente imaginar – que os pescadores tradicionais da região não se lançam ao mar alto, além da conhecida pesca costeira, mas por falta de condições objetivas para tal. Os de Marapanim, por exemplo, quando muito, chegam ao Canal do Navio, denominação local para a área marítima onde os navios de grande calado navegam. Seus equipamentos não lhe permitem ir além. O problema é de outra ordem. Isto é, faltam-lhes subsídios para a pesca, crédito para aquisição de frota qualificada, manutenção e reposição de peças; infraestrutura em frio, armazenamento, estocagem, comercialização, que lhes garantam dignidade nas condições de trabalho, preço e reinvestimento em sua subsistência. Faltam-lhes parcerias no processo produtivo, que lhes permitam acesso ao crédito de maneira correta e não como aconteceu com o processo do FNO, que não lhes possibilitou uma continuidade institucional e sim participação individual, pouco eficaz para o desenvolvimento econômico esperado pelos pescadores. Do ponto de vista intragrupal, faltam às comunidades costeiras de base pesqueira a consolidação de uma organização de classe mais forte politicamente e mais interativa com as especificidades sociais e ambientais para, vis-à-vis os desafios da modernidade, acessarem o objetivamente ao mar, garantindo-lhes condições objetivas de trabalho sob todas as formas: desenvolvimento e qualidade das pescarias, estratégias alternativas de renda para os habitantes das comunidades pesqueiras do litoral, tal como exploração do ecoturismo no mar etc. Ainda carecem de uma política pesqueira efetiva, adequada e de base, para assegurar os direitos de cidadania da gente do mar em todos os sentidos: 1) que possibilite acesso ao crédito, para acesso ao mar, através das condições objetivas de trabalho; 2) que proceda, de fato e de direito, uma revisão do ordenamento e estabelecimento de gestão duráveis e participativas, para garantir os espaços construídos nas águas atlânticas, a fim de que possam explorar mais os recursos sem depredar; 3) monitoramento dos recursos; 4) que estimule pesquisas científicas para definir potencialidades dos estoques pesqueiros, instrumentos, áreas e níveis sustentáveis de captura; 5) que reative as pesquisas estatísticas para acompanhamento da dinâmica dos estoques; 6) que estimule e dê apoio às atividades de educação ambiental vis-à-vis a celeridade da mudança na região, aproveitando esforços já localizados, assim como recursos humanos capacitados. O Pará, pode-se dizer que ainda não tem uma política pesqueira efetiva, que leve em conta as especificidades sociais e ambientais da região. No governo atual do estado do Pará, prepara-se um documento referente a esse aspecto, particularmente sobre gerenciamento de pesca e aquicultura, de modo a dotar o estado de uma política que vá ao encontro dos anseios da classe pescadora, em cuja faina se integram, além dos homens, as mulheres e as crianças. Em 1996, a equipe do Projeto RENAS teve a oportunidade de colaborar com a Comissão de Elaboração da Política Pesqueira do Estado do Pará, no Governo Almir Gabriel, na qualidade de consultoria. Animou-nos bastante saber dessa intenção do Governo do Estado. Todavia, ainda aguardamos o produto desse trabalho. Nesta oportunidade, quero trazer à reflexão algumas considerações feitas por um grupo de especialistas, na Reunião d’Experts da UNESCO, em Paris, em novembro de 1996, para a qual fui convidada, referente a problemas que envolvem a gente e ambientes costeiros. Por julgá-las extensivas ao nosso meio costeiro, apresento: a) “é indispensável compreender que a zona costeira é um meio dotado de recursos múltiplos. Mais que explorar ao máximo um elemento único de recursos de um sistema, é conveniente alcançar, por uma gestão rigorosa, a otimização dos usos compatíveis dos diversos recursos, facilitando a tomada de decisão, que implica a escolha da sociedade concernente”.


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b) “a compreensão de processo de atuação nas zonas costeiras passa por uma abordagem sistêmica, integrando fatores sociais e ecológicos”. A extrema complexidade destes processos exige abordagens que vão além da modelização quantitativa invocando também os modelos socioculturais. “A alternativa que responde parcialmente a este problema consiste em se tirar o maior proveito dos conhecimentos locais que fornecem a base de dados específicos e complementares sobre a localidade.” c) “... nós devemos nos esforçar para compreender as representações e os modos de vida correspondentes às realidades socioculturais locais.” d) uma compreensão maior da teoria econômica indígena, levando em conta os valores locais, relativos ao meio ambiente, poderá melhorar consideravelmente o grau de sucesso dos esforços de desenvolvimento levados em contextos sociais e culturais marcadamente diferentes. e) “todos estão convencidos que as regiões costeiras devem ser geridas de modo integrado. Essa integração deve ser procurada não apenas no plano científico, mas no plano político também”. A milenaridade da relação dialética entre gente e ambiente na zona costeira amazônica atesta a necessidade inequívoca de se evidenciar esforços, criar estratégias e gestões exequíveis e adequadas, de modo a manter a perenidade do equilíbrio entre uso e reprodução das formas e unidades sociais presentes nessa região costeira e de seus ambientes, enquanto fonte de vida. Para falar da ocupação histórica é preciso mergulhar na história da Amazônia, em busca do caminho das pedras.

REFERÊNCIAS DIAS, M. N. Fomento e mercantilismo: a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778). Belém: Universidade Federal do Pará, 1970. 2v. FURTADO, L. G. Curralistas e redeiros de Marudá: pescadores do litoral do Pará. Belém: Museu Paraense Emílio GoeldiCNPq, 1987. 366p. GRANKOW, M. Os caçadores da “Barba de Ouro”: mudança e continuidade na sociedade pesqueira. 1996. 222f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade de Brasília, Programa de Antropologia Social, Brasília, 1996. ISAAC, V.; BARTHEM, R. Os recursos pesqueiros da Amazônia brasileira. Bol. Museu Paraense Emílio Goeldi, Nova Série Antropologia, Belém, n.11, p. 295-339, 1995. ISAAC, V. A Pesca nos ecossistemas costeiros da Amazônia. In: WORKSHOP DO PROGRAMA INSTITUCIONAL DE ESTUDOS COSTEIROS, 1. 1997. Salinópolis. Programa e Resumo... Salinópolis, 1997. LEITÃO, W. M. O pescador mesmo. Um estudo sobre o pescador e as políticas da pesca no Brasil. 1997. 181f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal do Pará, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Belém, 1997. MALDONADO, S. C. Pescadores do Mar. São Paulo: Ática, 1986. 77p. (Sér. Princípios). UNESCO. REUNIÃO DE ESPECIALISTAS EM AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO EM ZONAS COSTEIRAS E PEQUENAS ILHAS. Paris: Programa CSI, 1996. VALVERDE, O.; DIAS, C. V. A Rodovia Belém Brasília. Rio de Janeiro: IBGE, 1967. 350p.

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FORMAS ORGANIZATIVAS E ESTRATÉGIAS DE VIDA NO LITORAL PARAENSE

Graça Santana

ABSTRACT This text is a set of information about changes accured on the coast area caused by the naturaland antropogenic facts, observed by the author during the field work in fishery communities in the littoral of Pará State. In addition to a personal experience, others aspects were important to this work, such as: studies made by other researchers about the social and environmental problems which worry the fishery communities in Amazon. In an anthropological perspective, the work draws attention to the problem mentioned above and it tempta other researchers to do an approach based on other subjects, showing this way the inseparable nature from the relation man and environmemt and the role of the “ new” manners that fishermen are organizing themselves in this context, where they develop strategies in dealing with the natural resources, alternative groups, political understanding, being a way of reaction against the social and environmental changes they are subjected too.

RESUMO Este texto é um conjunto de informações sobre as mudanças ocorridas nas áreas costeiras, causadas por fatores naturais e humanos, que foram observados pela autora durante a pesquisa de campo realizada nas comunidades pesqueiras do litoral paraense. Além de sua experiência pessoal, outros aspectos foram importantes para este trabalho, tais como estudos feitos por outros pesquisadores sobre os problemas sociais e ambientais que preocupam as comunidades pesqueiras na Amazônia. Em uma perspectiva antropológica, o trabalho chama a atenção para o problema mencionado acima e instiga outros pesquisadores a fazerem uma abordagem baseada em outras disciplinas, mostrando, desta maneira, a natureza inseparável da relação entre o homem e meio ambiente, e o papel das novas maneiras que os pescadores estão utilizando neste contexto, em que eles desenvolvem estratégias para lidar com recursos naturais, grupos alternativos e compreensão política, que são um modo de reação contra as mudanças sociais e ambientais a que estão sujeitos.

INTRODUÇÃO No I Workshop realizado pelo Programa de Estudos Costeiros do Museu Paraense Emílio Goeldi, no município de Salinópolis, estado do Pará, em dezembro de 1997, pesquisadores brasileiros e estrangeiros enfatizaram a importância dos estudos interdisciplinares entre as áreas de conhecimentos científicos e o saber tradicional, na compreensão dos problemas sociais e ambientais no mundo. Nesta oportunidade, explanaram sobre as mudanças que vêm ocorrendo nas regiões costeiras, causadas pelos fatores naturais e antrópicos e suas consequências para o equilíbrio dos ecossistemas litorâneos e das populações que tradicionalmente manejam os recursos naturais ali existentes, como fonte de vida e de trabalho Este texto trata de um conjunto de considerações sobre as mudanças ocorridas nos ambientes costeiros, causadas pelos fatores naturais e antrópicos observados pela autora durante pesquisas de campo em comunidades de pescadores localizadas em pequenos povoados no litoral paraense, enquanto integrante da equipe do Projeto RENAS, do Departamento de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi, que desde 1970 realiza estudos nesta região em Antropologia Pesqueira, tendo a interdisciplinariedade como uma das suas metas.


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Além das experiências pessoais oriundas de trabalho de campo, servem de fonte para este texto estudos de pesquisadores que analisam os problemas que afligem as populações pesqueiras na Amazônia. Em uma perspectiva antropológica, o texto constitui-se em um ensaio e procura chamar a atenção para o problema acima mencionado e instigar outros pesquisadores para uma abordagem interdisciplinar, que permita mostrar o caráter indissociável da relação entre o homem e a natureza, ou seja, que levem em consideração a interrelação entre os aspectos sociais e ambientais na região. Só para citar um exemplo da relevância de estudos desta natureza, durante um dos seminários do Projeto RENAS, pesquisadores em biologia e ecologia pesqueira do Museu Goeldi, que adotam o modelo bioeconômico ou modelo de produção geral em suas análises para avaliar o potencial pesqueiro da região amazônica, dizem que para o modelo funcionar satisfatoriamente, não basta levar em consideração somente o esforço de pesca, a biologia dos peixes, mas, também, outras variáveis que estão inter-relacionadas, como, por exemplo, as condições ambientais e sociais, ou seja, estudos mais complexos e que logicamente vão requerer informações de outras áreas do conhecimento, para tentar resolver o problema. Para a antropóloga Lourdes Furtado (1997), o cenário litorâneo apresenta especificidades socioculturais na relação homem-meio ambiente e que devem ser levadas em conta nas análises científicas e estudos voltados para o planejamento e gestões regionais. Nesta perspectiva, o texto apresenta alguns aspectos da ocupação humana no litoral paraense, que vem enfrentado mudanças de ordem social que estão inter-relacionadas também com a dinâmica costeira, que interferem nos espaços de trabalho e de moradia. Estas transformações sociais e ambientais alteram os modos de vida, a reprodução social dos grupos de pescadores que vivem em diferentes ambientes e contextos culturais na região costeira do estado do Pará. Esta população, no intuito de enfrentar estas mudanças, vem se organizando em centros comunitários, associações e grupos de trabalhos. Criam espaços de discussões, formam lideranças dentro dos parâmetros comunitários, enfim, surgem no seio da comunidade formas organizativas “novas”, que procuram intercambiar conhecimentos com pesquisadores, órgãos do governo e ONGs, no sentido de esclarecer e resolver seus problemas referentes ao trabalho, ao exercício da cidadania e aspectos da vida cotidiana.

ALGUNS ASPECTOS RECENTES DA OCUPAÇÃO HUMANA NO LITORAL PARAENSE Segundo Furtado (1997), a partir da década de 1970, com a consolidação do eixo rodoviário regional, estas populações entraram em contato mais efetivo com outros mercados, com uma rede de comercialização complexa e exigente e com estilos de consumo próprios do mundo moderno. Estimula-se, portanto, a produção mercantil e os produtos haliêuticos tornam-se alvo de intensa exploração. Esta corrida em busca dos recursos marinhos determina a modernização do setor pesqueiro, com a mecanização das embarcações e a introdução de certos elementos simples, porém considerados pelos pescadores como mais predatórios, em comparação a seus implementos anteriores, como é o caso da rede malhadeira, do “gancho” e do “laço”. Estes dois são utilizados na captura de caranguejos (MANESCHY, 1993). Com a ampliação da malha rodoviária, o turismo e a especulação imobiliária assentaram suas bases de exploração no litoral paraense, devido ao seu potencial natural e também social. Os ecossistemas começaram, então, a conviver com a presença do lixo urbano, resíduos sólidos (plásticos, vidros, latas) levados pela população flutuante. O lixo passou, então, a constituir um problema que se agrava e para cujo manejo as comunidades não estão preparadas. Este problema vem assumindo proporções consideráveis e dignas de atenção em quaisquer programas de gerenciamento.


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Neste processo, a população local assimilou novos comportamentos, influenciando na sua relação com o meio ambiente costeiro. Para atender um mercado cada vez mais sofisticado e dependente dos produtos do mar, hoje, as comunidades retiram dos manguezais as “conduruas” ou “condessas” (fêmeas do caranguejo) para a comercialização. Retiram madeira para construção civil, para cercados e para os fornos de padarias e olarias, sem a devida seletividade, colocando em risco a vida dos ecossistemas de manguezais. Por outro lado, não são só as comunidades vêm agindo de forma negativa em relação aos ambientes costeiros. Os pescadores denunciam, também, projetos particulares que vêm alterando os mangues, com objetivos específicos, como, por exemplo, a construção da rodovia de Bragança-Ajuruteua, que passou por cima do manguezal, causando, no momento de sua construção, na metade da década de 1970, inúmeras críticas por parte da população local, conforme Maneschy (1995). Em 1996 e 1997, quando estávamos realizando pesquisas pelo projeto MADAM15 , ainda ouvíamos relatos da população local dizendo que as áreas degradadas do mangue neste percurso tinham como principal responsável a construção da estrada. Os pescadores, pressionados pela especulação imobiliária, vendem suas casas, principalmente para os turistas e passam a fixar residências em áreas de manguezal, como é o caso dos assentamentos observados pela autora no bairro do Agreste, no município de Pirabas; e Camambá, na ilha de Algodoal, no litoral de Maracanã. Outro aspecto considerado nesse contexto são as construções e a retirada de areia das dunas pela população, formando enormes crateras em sua base, para atender interesses de pessoas (turistas e especuladores externos) que desejam construir casas, restaurantes e bares na orla marítima. Para citar um exemplo, temos o caso de um senhor na ilha de Algodoal, que construiu sua casa na região de dunas, retirando a vegetação (elemento importante na sua fixação). Passado algum tempo, esta construção foi soterrada. Este exemplo não é um caso isolado. Em Salinópolis, também município do litoral paraense, tivemos notícias de outras residências que foram soterradas em áreas de dunas. O pior de tudo isto é que esta prática vem se estendendo pelo litoral. A população que até então tinha no barro e na madeira o material básico para construção de suas casas, hoje, paulatinamente, vem preferindo o tijolo (sendo a areia em sua maioria retirada das dunas próximas) e, juntamente com o cimento, a areia é o principal componente no processo da mistura da massa para o assentamento do tijolo. O que podemos analisar diante deste quadro é que nas áreas litorâneas há um jogo de interesses de grupos particulares, com objetivos específicos no manejo dos ecossistemas, atrelados aos interesses por vezes divergentes, de populações de fora e das comunidades locais. As mudanças sociais e ambientais na Amazônia ampliaram-se, alterando completamente o contexto litorâneo manejado pelas populações de forma tradicional. As alterações nos ambientes costeiros causadas pelos fatores antrópicos e naturais são reconhecidas pela população como responsáveis pela fisionomia que hoje o litoral apresenta, o que pode ser exemplificado neste relato: “a Terra está mudando, que a natureza está mudando, ora um banco de areia ali, agora não está mais, antes tínhamos praias de areias brancas e hoje praias de pedras, praias de lixo. O córrego que passava distante da comunidade hoje está mais próximo”, assim falou um pescador de Fortalezinha, uma das comunidades pesqueiras do litoral paraense. Neste depoimento, podemos observar que os pescadores pontuam com precisão os agentes de transformações: a natureza e o homem. Nos depoimentos, dizem ainda, que a “sujeira” nos ambientes (mar, rios, praias, manguezal) e nas comunidades, antigamente era constituída pelos restos de comida que se misturavam com os detritos da natureza nas áreas de residências, trabalho e lazer.

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Projeto Mangrove Dynanics and Management.

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Os impactos naturais causados pela ação marinha e eólica, por vezes, contribuem com a diminuição dos espaços de trabalho dos pescadores artesanais, que instalam seus “ranchos” de pesca na praia, próximos à linha d’água. Estes “ranchos” são, muitas vezes, a única residência do pescador que vive com seus familiares. Estas áreas de praia são invadidas pela maré, tendo como consequência a destruição das casas e estaleiros, impedindo o desembarque de peixe e levando os pescadores a migrarem para outras localidades. Em l996, quando realizávamos uma pesquisa de campo na Vila de Ajuruteua (antiga vila de pescadores), no município de Bragança, bastante afetada pela erosão marinha, um dos pescadores entrevistados, resistindo a este fenômeno, nos deu o seguinte depoimento: “enquanto houver espaços na praia, a gente fica na praia, pois o meu trabalho é aqui e não vou mudar para a terra firme, porque todos os lugares já tem dono, e o que resta é longe do meu trabalho”. Outro mais desafiador, falou: “fico aqui enquanto o mar determinar”. O local de terra firme que os pescadores referem neste relato é a Vila de Bonifácio, fundada próximo à rodovia Bragança-Ajuruteua, pelas famílias de pescadores que abandonaram suas antigas casas na Vila de Ajuruteua, fixando-se nessa localidade. Nesta nova moradia as famílias de pescadores tiveram que se organizar em forma de “mutirão”, onde a reciprocidade foi um fator determinante durante as atividades que tiveram que empreender na construção de poços, de casas, aberturas de caminhos, ruas para o tráfego de transporte desta população para a sede do município e localidades vizinhas. Nesta reorganização, as famílias atingidas pela erosão, através de suas lideranças internas, pleitearam junto aos políticos da área para que pudessem ter o direito de um saneamento mais estruturado, com instalação de posto de saúde e outros serviços. Outro exemplo observado é o que vem acontecendo com a Vila de Tamaruteua, município de Marapanim. Devido à localização geográfica, a comunidade vem passando por um processo semelhante a outras comunidades. O mar invadiu a praia, fazendo com que seus habitantes se deslocassem para o centro da vila. Há muitos anos, o casario localizava-se de tal forma que na parte fronteiriça havia um trapiche que servia de ancoradouro para as embarcações de pesca e uma arborização de coqueiros, que foram soterrados pela areia das dunas circundantes, deixando os pescadores desolados diante dos “ditames da natureza”. Em Mocooca, município de Maracanã, quando visitei esta comunidade pela primeira vez, em 1989, existia uma enorme praia, cheia de coqueiros e muitos “ranchos” de pescadores, que com o avanço do mar, foram recuando a cada vez, até onde puderam. Alguns se mudaram para a praia de Fortalezinha, outros foram para a localidade de Quarenta do Mocooca, povoados mais próximo; outros foram para a localidade de Camará, em Marapanim. O mar avançou e soterrou as casas; a praia foi coberta pelas pedras, causando problemas à navegação e desaparecendo das praias as atividades de consertos de barcos, salga e desembarque de peixes e as atividades de lazer, principalmente o jogo de bola que era realizado pelos pescadores nesta área. Vê-se, pois, que o ambiente costeiro paraense apresenta um forte dinamismo, em que a erosão de praia, movimentação de dunas e assoreamento de estuários são fenômenos frequentes. Todavia, os moradores passaram a associar manifestações mais radicais dessa dinâmica ambiental à ação predatória dos homens, descaracterizando a orla marítima. Dizem os pescadores de Fortalezinha e da Vila de Algodoal “que a culpa não é só da natureza, mas também do homem que sem nenhuma orientação técnica retira areia, pedras das praias e desmata o mangue, facilitando a entrada do mar e trazendo problemas para os pescadores que realizam suas atividades na beira da praia.” A erosão marinha, para os pescadores de Camará que moram na beira da praia, é um dos fatores que impedem a criação de animais domésticos e os plantios de hortaliças utilizadas no cozimento de peixes e canteiros de plantas medicinais. Estes espaços de trabalho são de fundamental importância. Como diz Castro (1997) “o espaço não é apenas o território, mas os significados construídos socialmente e registrados nas fases da vida desses grupos, na concepção


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de mundo que dão sentido ao seu modo de vida, organizando a memória enquanto lembrança do lugar. A memória alimenta a continuidade e religa o passado de forma dinâmica ao presente.” Portanto, estas mudanças causadas pelos fatores naturais e sociais desarticulam a relação que os pescadores têm com a natureza e entre si, na constituição e permanência de suas comunidades.

ALGUMAS ESTRATÉGIAS ADOTADAS PELOS PESCADORES FRENTE AOS PROBLEMAS SOCIAIS E AMBIENTAIS O que podemos perceber é que as comunidades têm seus mecanismos de reação diante das intempéries da natureza e das mudanças sociais, a partir de suas estratégias de sobrevivência. Na falta do peixe, fazem roça, onde a mão de obra familiar é muito importante no processo de fabricação da farinha; coletam moluscos e crustáceos nas praias e nos manguezais; nas regiões de dunas, frutos silvestres; na mata, plantas medicinais e nos quintais cultivam árvores frutíferas, hortaliças e plantas para remédios caseiros e, ainda, fazem carvão. Para aumentar a renda familiar, empregam-se nos trabalhos de construção civil, nos bares, restaurantes e como caseiros de casas de turistas, principalmente no período de férias ou feriados prolongados. Investem também na capacidade de lideranças, constroem ou idealizam outras formas organizativas, tais como: associações de pescadores, de produtores rurais, clubes de mães, clube de jovens, grupos de trabalho, clubes de futebol, grupos que vêm lutando pela educação e causas ambientais, grupos que lutam pela qualidade básica da saúde, fabricando remédios naturais e contribuindo com a renda familiar. De forma ainda embrionária, sob uma égide comunitária, estas “novas” formas organizativas, com interesses próprios de cada comunidade, vêm se ampliando no litoral paraense. Em uma tentativa de fortalecer o grupo, representantes ou líderes dessas comunidades procuram apoio do MONAPE16 e suas ramificações estaduais, os trabalhos da Igreja Católica, dos técnicos e pesquisadores de diversas instituições, inclusive do Museu Goeldi, e de outros parceiros que reconhecem o potencial desses grupos nas tomadas de decisão para o desenvolvimento sustentável da região. Essas instituições, além das pesquisas, têm assistido às comunidades com assessorias, cursos, palestras, seminários, exposições, encontros, enfim, subsidiam com instrumentos políticos que lhes permitam enfrentar os problemas internos e as transformações causadas pelos fatores econômicos, sociais e ambientais. A participação das comunidades nestes eventos é de fundamental importância, pois enriquece suas experiências e aprendem a lidar com os trâmites das instituições, discutem os interesses da pesca, da comunidade e das alterações no meio ambiente, requisitos importantes para os acordos e políticas de gestão pesqueira na Amazônia. Estas iniciativas demonstram o grau de maturidade política das comunidades, o reconhecimento das competências locais e o desempenho de pesquisadores e técnicos de instituições que ao longo dos anos vêm trabalhando nesta área, apoiando suas lutas e produzindo conhecimentos científicos politicamente comprometidos com os interesses das comunidades, conforme evidenciado por Leitão (1992). Esta resposta das comunidades, segundo Mello (1995), está no desafio dos pescadores que procuram conquistar a cidadania em nosso país, participando de um projeto político que lhes garanta melhores condições de trabalho e qualidade de vida.

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Movimento Nacional dos Pescadores.

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REFERÊNCIAS CASTRO, E. Território, biodiversidade e saberes de populações tradicionais. In: CASTRO, E.; PINTON, F. (Orgs.). Faces do trópico úmido: conceitos e questões sobre desenvolvimento e meio-ambiente. Belém: Cejup, 1997, p. 263- 283. FURTADO, L. G. Problemas ambientais e pesca tradicional na qualidade de vida na Amazônia. In: FURTADO, L.G. (Org.). Amazônia: desenvolvimento sócio diversidade e qualidade de vida. Belém: UFPA; NUMA, 1997. p. 143-163. FURTADO, L G. Ocupação histórica do litoral amazônico In: WORKSHOP DO PROGAMA INSTITUCIONAL DE ESTUDOS COSTEIROS. 1. 1997. Salinospólis. Resumos... Salinospólis, 1997. LEITÃO, W. Participação social e manejo dos recursos pesqueiros. In: ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E O MAR NO BRASIL, 4. 1992. São Paulo. Coletânea. São Paulo: PPCAUB/USP, 1992. p. 172-178. MANESCHY, M. C. Ajuruteua, uma comunidade pesqueira ameaçada. Belém: UFPA, 1995. 167 p. v. 1. MANESCHY, M.C. Pescadores nos manguezais: estratégias técnicas e relações sociais de produção na captura de caranguejo. In: FURTADO, L.G.; LEITÃO, W.; FIÚZA, A., Povos das águas: realidade e perspectivas na Amazônia. Belém: MPEG, 1993. p. 19-62.


DINÂMICA COSTEIRA, OCUPAÇÃO HUMANA E MIGRAÇÃO: O CASO DE TAMARUTEUA

Ivete Nascimento

ABSTRACT This paper analyzed the relationship between coastal dynamics and human occupation on the coast of northeastern Para. One aspect of this occupation is that the migration has been going inside to coast, the measure that fishing activity becomes exclusive to the decay of agriculture activity. The research is based upon fieldwork data collected from 1981 to 1996, at Tamaruteua Village, Marapanim Municipality, where the migratory process is accentuated. The inhabitants of the village raise the possibility again be a “ranch fishing”, before the problems they face as a result of the installation of the community in an area of intense coastal dynamics, which is impeding their reproduction as a community. This process has been happening in Tamaruteua recurs on the coast of Pará, such as the municipalities of Maracanã and Bragança, allowing insight into how coastal dynamics and migration are linked to the configuration of the coastal settlement of Para.

RESUMO Neste trabalho é analisada a relação entre dinâmica costeira e ocupação humana no litoral do nordeste do Pará. Um dos aspectos desta ocupação é a migração que vem se dando do interior para a costa, à medida que a pesca se torna atividade exclusiva, com a decadência da área agrícola. A pesquisa se baseou em trabalho de campo, com dados acumulados de 1981 a 1996, na vila de Tamaruteua, município de Marapanim, onde o processo migratório é acentuado. Os habitantes levantam a possibilidade da vila voltar a ser um “rancho de pesca”, diante dos problemas que enfrentam em consequência da instalação da comunidade em uma área de intensa dinâmica costeira, que vem inviabilizando sua reprodução enquanto comunidade. Este processo que vem ocorrendo em Tamaruteua é recorrente no litoral do Pará, como é o caso dos municípios de Maracanã e Bragança, permitindo a visão de como dinâmica costeira e migração se articulam na configuração do povoamento do litoral do Pará.

INTRODUÇÃO Este artigo é uma reflexão sobre um dos aspectos da ocupação humana do nordeste paraense – a Migração – e sua articulação com a dinâmica costeira. A base destas reflexões é o caso da vila de Tamaruteua, localizada no município de Marapanim, nordeste do estado do Pará. O contato inicial que vêm se mantendo de forma intermitente data de 1978, tendo a viagem mais recente ocorrida em 1996. Este fato nos permitiu observar as transformações que vêm ocorrendo no modo de vida da comunidade. Por outro lado, a convivência no litoral em vários municípios da região do Salgado, onde se observa a recorrência dos problemas enfrentados por Tamaruteua, vem possibilitando se pensar a migração não só no contexto local, mas sim como fenômeno mais amplo, ligado ao conjunto de fatores que configuram a ocupação do litoral. A preocupação com o tema migração está presente desde o início da articulação do grupo que vem se dedicando aos estudos sobre a pesca artesanal no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Coordenação de Ciências


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Humanas (CCH), nos vários desdobramentos que se iniciaram com o projeto Marapanim, até o RENAS17 . Este projeto contempla, como um de seus eixos temáticos, a questão da migração, diante da importância deste fenômeno que vem afetando, em muitos casos, a reprodução social das comunidades pesqueiras artesanais18. A literatura produzida pelas Ciências Sociais sobre e em comunidades pesqueiras avolumou-se a partir da década de 1970, momento em que as áreas de pesca se integraram à economia de mercado, com as demandas dos produtos do mar, a expansão da rede viária, a especulação imobiliária que se articula com a intensificação do turismo e vem impactando no modo de vida tradicional dos estabelecimentos pesqueiros no litoral do Pará. Nos últimos anos, as abordagens das Ciências Sociais articulam-se às contribuições das Ciências Naturais, perseguindo uma visão mais holística dos fenômenos sociais. É no bojo destas preocupações que o PEC19 se coloca, buscando a interdisciplinariedade, articulando homem e natureza no litoral da Amazônia

MIGRAÇÃO E POVOAMENTO NO LITORAL – PESCA E AGRICULTURA A migração teve historicamente um papel importante na configuração dos estabelecimentos humanos no litoral do Pará. Nas microrregiões homogêneas do Salgado e Bragantina, onde se encontram os principais núcleos pesqueiros, este fenômeno tem particular relevância. A agricultura foi uma das bases da ocupação desta área: A mais famosa experiência colonizatória foi a empreendida por anos na zona bragantina do Pará e tirante uns poucos resultados positivos em que se realça o medíocre abastecimento da capital paraense, ela constitui um erro agronômico e ecológico, assim como a estrada de ferro ali implantada logo se revelaria um erro econômico: com solos, culturas e colonos mal escolhidos, o saldo histórico dessa colonização é uma vasta região mais pobre e cheia de problemas na atualidade (SANTOS, 1980, p. 117).

Ao longo das últimas décadas, a diminuição da produtividade com esgotamento dos solos, aliada às regras de herança e partilha, vem inviabilizando a agricultura e levando a um movimento em direção à atividade pesqueira. Esta tendência vem sendo apontada na literatura que se dedica à temática pesqueira (FURTADO, 1987; MELLO, 1985). Vimos que tanto a literatura quanto o trabalho de campo atestam a mobilidade da população nesta região, inicialmente das áreas agrícolas para a pesqueira e, igualmente, de uma comunidade pesqueira para outra. Registra-se, também, um movimento sazonal de pescadores, em função das safras que se ligam à enchente e à vazão do rio Amazonas, ao “rodízio” que ocorre na “subida” e “descida” das espécies de peixes que têm maior valor comercial, conforme Furtado (1987). Nos últimos anos, observa-se um movimento sazonal mais intenso para a ilha do Marajó, onde reúnem-se pescadores de vários municípios da Zona do Salgado nos períodos de escassez em suas comunidades. A atividade pesqueira no litoral do Pará é marcada pela mobilidade: [...] por temperamentos nômades, levam a estas expedições que duram uma semana e mais, toda a família, mulheres, crianças, cachorro, algum xerimbabo de estimação, e a vigilenga, assim carregada, leva além dos apetrechos da pesca os paneiros de sal, com que hão de salgar o pescado... Pronta a canoa, desfraldadas as velas, em geral, tintas também de muruci, vermelho

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Recursos Naturais e Antropologia das Populações Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas da Amazônia: estudo da relação do homem com seu meio ambiente. 18 Potiguar e Marinho, bolsistas do RENAS, estão desenvolvendo estudos nesta temática. O primeiro na Vila de Marudá e a segunda na zona metropolitana de Belém. 19 Programa de Estudos Costeiros (PEC), com o projeto “Manguezal do Litoral Paraense: recursos naturais, uso social e indicadores para sustentabilidade”.


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escuro, saem da Vigia, de Cintra, de Soure, de Marapanim, de todos os pontos daquelas costas, em direção dos “viveiros”, ou pontos deles já conhecidos em que sabem mais abundantes as gurijubas. (VERÍSSIMO, 1970, p. 62).

Este era o tempo dos pescadores polivalentes (FURTADO, 1990), onde a pesca não era atividade exclusiva, e a agricultura, coleta e artesanato, consorciados no pluralismo econômico, segundo Maldonado (1991), garantia a sobrevivência. Nos locais mais propícios a pesca, os “pontos de pesca”, surgiram os “ranchos”, espécie de moradia temporária para os períodos de safra. Eles são característicos da ocupação humana do litoral, estando na origem de muitas vilas pesqueiras. O processo inverso vem ocorrendo quando as dificuldades de assentamento, como, por exemplo, as áreas de intensa modificação ambiental, levam as comunidades a desagregarem-se. Neste caso, quando a moradia permanente é inviável e o espaço é um “ponto de pesca” privilegiado, ele volta muitas vezes a ser um “rancho”, onde só permanecerão os homens pescando. Em vários municípios da Zona do Salgado este processo está em curso. O fluxo migratório da área agrícola para a pesqueira se mantém20 e vem aumentando a mobilidade entre as áreas de pesca, com a perda e ganho de população, modificando a fisionomia das vilas ao longo do litoral. No padrão de povoamento do litoral nordeste do Pará, tradicionalmente denominado Zona do Salgado, as comunidades se estabeleceram às margens dos rios, na maioria dos casos em baías, em áreas protegidas da ação do mar. Tomemos como exemplo o município de Marapanim, cuja sede fica às margens do rio Marapanim, que tem sua foz na baía homônima. Os principais aglomerados humanos, até os anos 1950, situavam-se em áreas de terra firme, ao longo do rio Marapanim, incluindo a sede municipal. Ao longo da orla marítima, na “área das praias”, o povoamento era mais rarefeito, com a predominância de ranchos de pesca e pequenas vilas. A pesca era a atividade sazonal e a agricultura era a atividade principal. Com as modificações que se intensificaram nas décadas de 1960/70, associadas às dificuldades de reprodução de pequenos agricultores, a “área da água doce” (FURTADO, 1987) passou a fornecer um fluxo migratório, que contribuiu para o crescimento e/ou surgimento de núcleos humanos no litoral. A agricultura historicamente praticada na área foi baseada na derrubada e queimada da cobertura vegetal, em um sistema extensivo de produção, que exige a incorporação de novas áreas, associadas aos problemas fundiários e ao sistema de partilha vigente na região, que é acentuado pelo fato dos solos sem reposição de elementos terem sua produtividade diminuída, vem levando ao enfraquecimento da produção agrícola. A partir dos anos 1960/70, a pesca cada vez mais se coloca como atividade exclusiva. As vilas pesqueiras do litoral vão assumindo maior importância na produção, com a perda da área agrícola. Vale ressaltar que estes aglomerados muitas vezes se instalaram em locais que têm como fator de atração a produtividade da pesca; são “pontos de pesca”, mas que estão assentados em áreas de intensa dinâmica costeira, característica do litoral do Pará: A costa paraense apresenta particularidades de processos e formas que denotam à mesma um caráter singular no contexto costeiro brasileiro. Destaca-se a morfologia costeira recortada em forma de rias (vales fluviais afogados) pela ação combinada de ondas e marés, resultando no desenvolvimento de sistemas estuarinos e seus ecossistemas associados (MENDES, 1997)21.

No passado eram utilizados apenas para “ranchos de pesca”, depois passam a receber moradores permanentes.

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Depoimentos na reunião de pescadores organizada pela CPP (Comissão Pastoral da Pesca) em Belém (1998) e o trabalho de campo em Camará, Município de Marapanim. 21 MENDES, Amilcar Carvalho. Projeto “Caracterização Hidrodinâmica e Geoambiental do Estuário do Rio Marapanim e Baía de Urindeua e Adjacências (NE do Estado do Pará)”. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, Departamento de Ecologia (DEL), 1997.

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impactos e gestão ambiental

Furtado (1987), ao chamar atenção para a existência na área do Salgado, das duas microáreas ecológicas, a “água doce” e a “praiana”, enfatizou a complementariedade entre elas. Podemos observar no município de Maracanã esta articulação (NASCIMENTO, 1993). Esta relação homem x natureza, no passado ocorria mais harmonicamente e a complementariedade entre as duas áreas era a mais efetiva. Vale ressaltar que esta relação se expressa em um modo de vida específico e em variados aspectos do cotidiano, como padrão de construção, hábitos alimentares etc. Na “água doce”, o padrão de assentamento é rarefeito, com grandes distâncias entre as casas, cercadas por amplas áreas em frente e aos fundos. Nos “terreiros” plantam-se espécies decorativas e medicinais; nos quintais, as árvores frutíferas, o “sítio” e, mais distante, os roçados. O abastecimento de água vem de poços ou igarapés. As construções são de sapé ou alvenaria. As “casas de farinha” fazem parte desse padrão. A criação de pequenos animais, como galinhas e porcos é característica marcante, sendo parte importante do suprimento de proteínas. No litoral, muitas vezes as habitações estão em áreas de dunas cercadas pelos manguezais. O padrão de construção é tipo palafita, com pequena distância entre as casas, em geral de madeira (Figura 1). O abastecimento de água é problemático, havendo casos em que não há água potável na comunidade, sendo necessário buscá-la a longas distâncias, em embarcações, transportando em tonéis, como é o caso da Sauaá, no município de Marapanim.

Figura 1. Casa de madeira com jirau, em Tamaruteua.


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Neste caso “as plantações” não são viáveis, e só se encontram em pequenos jiraus, sendo mais comuns as plantas medicinais ou de culinária, como pimenta e temperos utilizados no acompanhamento do peixe, moluscos e crustáceos, principais fontes de proteínas. A criação de pequenos animais é problemática, pois em muitos casos a área é inundada pelas marés. A farinha de mandioca (Manihot sculenta) deve ser obtida fora da comunidade, pois, juntamente com o peixe, são a base de sobrevivência. No modo de vida anterior, a alimentação é mais variada, com o suprimento das roças, hortas e quintais. No segundo caso, ela se limita basicamente ao peixe e outros produtos do mar e à farinha. Entre as duas áreas, a base da troca é o peixe seco/salgado, que tem um mercado consumidor na zona interiorana, e a farinha, que é item básico na zona costeira. A necessidade de acesso a este produto ocasiona o uso de mecanismos, onde o parentesco é acionado, quando as famílias que têm indivíduos nas áreas propícias aos roçados associam-se aos seus parentes e dividem o produto. Na comunidade de Camará, município de Marapanim, por exemplo, há pessoas que se juntam aos parentes em Bacuriteua para “botá roçado”.

DINÂMICA COSTEIRA E MIGRAÇÃO – TAMARUTEUA, APENAS UM CASO Tamaruteua está situada na ilha de Cajutuba, litoral do município de Marapanim. O rio Cajutuba é a principal via de acesso à comunidade, que dista cerca de duas horas em lancha motorizada da sede municipal. A comunicação com a vila atualmente vem apresentando maiores dificuldades, com o enfraquecimento da atividade pesqueira e a intensificação da migração; as “lanchas de linha” deixaram de circular e o transporte de passageiros e cargas depende dos atravessadores (marreteiros) que frequentam o local. A principal atividade econômica é a pesca artesanal, que ocupa quase a totalidade dos homens. O espinhel ou tiradeira é o instrumento mais utilizado; as embarcações (montarias pesqueiras) têm propulsão à vela (Figura 2). A organização do trabalho é em tripulações de três pescadores. O produto é vendido aos marreteiros, depois de retirado o necessário ao consumo da família (FURTADO; NASCIMENTO, 1982). Tamaruteua vem apresentando fluxo migratório constante nas últimas décadas, como mostra o Quadro 1. Quadro 1. Fluxo migratório em Tamaruteua. Anos

Casas

Habitantes

1976

71

426

1981

59

233

1996

30

180

Fonte: Trabalho de campo.

Segundo Nascimento (1981), as motivações da tomada de decisão para a migração são as penosas condições de vida no local, que passavam pelo abastecimento de água, invasão do mar, dificuldades de desenvolver criação de animais e cultivo de plantas, ao lado da busca da educação formal, que se interrompia na 4ª série do ensino fundamental22, colocavam-se como as mais presentes no discurso dos informantes.

22

ABREU, Caetana Regina. O Sistema Educacional Formal e o Êxodo Rural em uma Área Pesqueira, 1982. Inédito.

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Em 1982, a população mudou-se para o Furo do Breu, próximo aos dois poços, únicas fontes de água potável da área. As casas foram desarmadas e transferidas, um trapiche foi construído e a vila passou a se chamar Nova Tamaruteua. A mudança, em princípio, deveria solucionar os principais problemas enfrentados pela população. A distância entre as fontes de água e o casario, uma das dificuldades que afetava principalmente as mulheres, pois cabia a elas a tarefa de transportar água para o consumo da casa, foi superada, pois estas ficaram próximas aos poços. O trapiche resolveu a questão das embarcações, que ficaram mais protegidas, facilitando igualmente o transporte de cargas e passageiros. A povoação estava fora do alcance do mar, que antes, nas grandes marés de sizígia, obrigava o uso de embarcações para a locomoção dentro da vila. Quando o contato foi retomado, em 199623, a Nova Tamaruteua continuava com os velhos problemas. O abastecimento de água estava mais precário, pois só um poço apresentava condições de uso e, mesmo assim, tanto a quantidade, que no verão desce a níveis críticos, quanto a qualidade, deixavam a desejar. O Trapiche ruiu e os problemas de embarque e desembarque continuam. A energia elétrica, anseio dos moradores, teve curta duração, com um pequeno motor, que funcionou precariamente por problemas de manutenção e combustível, cujas flutuações da política local não o mantiveram. A área onde as moradias foram instaladas continua com problemas de inundação e algumas casas correm o risco de soterramento pelas dunas.

Figura 2. Pesca de espinhel – embarcações – Tamaruteua.

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Por ocasião das tomadas de cenas para o vídeo “Tamaruteua, 17 anos depois”, com a participação de Ivete Nascimento, Lourdes Furtado e Helder Messias.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS Há uma presença constante nos discursos sobre o passado e o presente – em Tamaruteua – a noção de que a vida era melhor: “Era influído, entrava bem umas 180 montaria aqui”. A atividade pesqueira era intensa e grande o movimento de pescadores de outras comunidades. A descrição sobre o ambiente enfatiza as diferenças atuais; havia árvores, um trapiche e um poço em frente à comunidade. No trabalho de Furtado e Nascimento (1982, p. 4) foi apresentado um croqui da área, com base nestas descrições. Para Nascimento (1981), era uma paisagem bem diferente que se apresentava; a ruína do antigo poço era coberta pela água a cada maré e a única vegetação existente era a típica dos manguezais, à esquerda e à direita da vila. No contato mais recente (NASCIMENTO, 1996), depois da mudança para a nova área, o mar avançou e a ruína do poço não está mais a vista. Tamaruteua exemplifica uma situação recorrente no litoral onde estamos trabalhando. No município de Maracanã, os depoimentos dos habitantes mais idosos nos falam do povoamento da Vila do Quarenta, quando os pescadores migraram da praia do Mocooca (NASCIMENTO, 1993). Desde o meu primeiro contato com a área (1985) até hoje, foi possível observar as modificações ambientais, como o surgimento e desaparecimento de praias e manguezais e a articulação entre a dinâmica costeira e o comportamento da população. Há exemplos deste processo em vários pontos do litoral. No município de Bragança, a vila de Ajuruteua vem enfrentando o mesmo gênero de problemas – uma nova comunidade surgiu, o Bonifácio. No município de Marapanim, a praia do Crispim, um dos polos turísticos, no período das “águas grandes” (março/abril de 1998), vários bares e pequenas pousadas ruíram, outros estão sendo soterrados pela movimentação das dunas. Em Marudá, ponto turístico do município de Marapanim, a implantação de um manguezal vem diminuindo a área de praia, preocupando o poder público, já que ela é a principal motivação do turismo nesta área. Estes casos exemplificam como vem se dando a relação homem e ambiente no litoral e chamam a atenção para a necessidade de estudos interdisciplinares, que deem conta da articulação entre mudança natural e antrópica, em busca tanto da proteção da natureza quanto da qualidade de vida da sua população.

REFERÊNCIAS MELLO, A. F. A Pesca sob o capital: a tecnologia a serviço da dominação. Belém: Edufpa, 1985. 296 p. FURTADO, L. G.; NASCIMENTO, M. I. Pescadores de linha no litoral paraense: uma contribuição aos estudos de campesinato na Amazônia. Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi, nova ser. Antrop., nova sér. Antrop., Belém, 1982. FURTADO, L. G. Pesca Artesanal: um delineamento de sua história no Pará. Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi, nova sér. Antrop., Belém, n. 79, p.1-50, 1984. FURTADO, L. G. Curralistas e redeiros de Marudá: pescadores do litoral do Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1987. 366 p. FURTADO, L. G. Pescadores do Rio Amazonas. 1990. 905f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade de São Paulo, 1990. MALDONADO, S.C. Pescadores do Mar. São Paulo: Ática, 1986. 77 p. MALDONADO, S.C. Em dois meios em dois Mundos: a experiência pesqueira marítima. 1991. 209f. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, 1991. MENDES, A.C. Projeto Caracterização Hidrodinâmica e Geoambiental do Estuário do Rio Marapanim e Baía de Urindeua e Adjacências (NE do Estado do Pará). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Departamento de Ecologia, 1997. NASCIMENTO, I. Homens e peixes: o tempo da pesca artesanal. 1995. Dissertação (Mestrado) – Universidade da Paraíba, 1995. NASCIMENTO, I. Êxodo rural em uma comunidade pesqueira. In: ENCONTRO DE PESCADORES ARTESANAIS, 1. 1981. Belém. Anais... Belém: IDESP, 1981

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COMUNIDADES ESTUARINAS DA COSTA AMAZÔNICA: MANGUES PARA A VIDA E PARA VIVER

Henrique de Barros

ABSTRACT Building strategies for balancing both long term-sustainable and short term-quick-profit interests is becoming an urgent question for social and environmental sciences. Understanding the rationale behind the relationship between communities and their adjacent environment : empirical knowledge are made necessary, in particular oriented for the following aspects: (i) the degree of interdependence between local people and the natural resources, (ii) the way local people understand the territorial and biological limitations of the natural environment, and, overall, (iii) their ability to dealing with the conflict of interests associated with environmental conservation issues.

RESUMO Construir estratégias para equilibrar tanto a sustentabilidade a longo prazo, quanto fins lucrativos de curto prazo, interessa e está se tornando uma questão urgente para as ciências sociais e ambientais. Entender a lógica por trás da relação entre comunidades e seu ambiente adjacente: conhecimentos empíricos tornam-se necessários, em especial orientado para os seguintes aspectos: (i) o grau de interdependência entre as populações locais e os recursos naturais, (ii) a forma como as populações locais entendem as limitações territoriais e biológicas do meio ambiente, e, sobretudo, (iii) a sua capacidade de lidar com o conflito de interesses relacionados com questões de conservação ambiental.

INTRODUÇÃO

Conhecimento local e de gestão ambiental Nesta seção, discute-se a necessidade de uma melhor compreensão das reais demandas da população local em relação à utilização do meio ambiente e dos recursos naturais. Isso parece um passo fundamental para se chegar a uma estratégia realista para lidar com o desafio da conservação ambiental. Como alguns dos mais importantes ecossistemas para a conservação estão sob pressão crescente dos sistemas locais de produção, a construção de estratégias para equilibrar tanto a sustentabilidade a longo prazo, quanto fins lucrativos de curto prazo, está se tornando uma questão urgente para as ciências sociais e ambientais. Trabalhar sob essa orientação pode ser o instrumental para a definição do projeto e apoio financeiro a iniciativas locais do setor privado. Coerente com esta perspectiva, este capítulo aborda a lógica da relação entre comunidades e seu ambiente adjacente. Para se chegar a esse entendimento, conhecimentos empíricos foram orientados para os seguintes aspectos: (i) o grau de interdependência entre as populações locais e os recursos naturais; (ii) a forma como as populações locais entendem as limitações territoriais e biológicas do meio ambiente, e, em geral; (iii) a sua capacidade de lidar com o conflito de interesses relacionados com questões de conservação ambiental.


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Este artigo apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa realizada durante o período de outubro 1996 a março de 1997, entre as comunidades estuarinas da costa nordeste do Pará, um estado importante da Amazônia brasileira. A análise foi elaborada, em primeiro lugar, sobre questões relacionadas com a estrutura do ambiente estuarino; em segundo lugar, vamos explorar o entendimento local das conexões entre o ecossistema manguezal e da produtividade da costa adjacente. Em terceiro lugar, a percepção local dos problemas ambientais é discutida, complementada por sugestões oferecidas pela população para guiar a intervenção desenvolvimento na área.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Critérios para inclusão da comunidade no inquérito baseado em questionário Comunidades foram escolhidas por seu envolvimento com os principais sistemas de produção encontrados no estuário na área de Bragança. A cidade está localizada às margens do rio Caeté, e apresenta um trecho de 13 milhas de largura de manguezais, que respondem pela produção de peixes e caranguejos, fazendo do município um dos principais portos de pesca do litoral nordeste do Pará. Devido à alta mobilidade da população costeira nesta área (MANESCHY, 1995) e a troca de produtos entre manguezais e campos adjcentes, uma boa compreensão da situação socieconômica característica da área é considerada como um instrumento para futuras recomendações de gestão ambiental e para a conservação do ecossistema manguezal. Para os fins deste capítulo, a família é tida como o principal foco de análise. A família é definida como um grupo social vivendo sob o mesmo teto. Os membros da família que vivem em suas próprias casas não foram incluídos nos dados domésticos, embora suas contribuições para a renda familiar tenham sido consideradas entre as estratégias de sobrevivência empreendidas por seus membros. O levantamento baseado em questionários foi complementado por entrevistas abertas com lideranças comunitárias, que forneceram informações úteis sobre as tendências e perspectivas de projetos comunitários, em face das recentes mudanças na liderança política local. Uma visão geral da ocupação da região Bragantina, onde a área de estudo se situa, será dada mais adiante, nas seções 2 e 3. Elas são seguidos por uma caracterização das principais áreas de interesse ecológico, em termos de suas atividades socioeconômicas, que é o tema da seção 4. A identificação dos sistemas de produção na área costeira de Bragança é feita na seção 5, seguida de uma análise da organização econômica da família, com base nas respostas dadas ao questionário. Finalmente, a seção 7 discute respostas a perguntas específicas sobre o funcionamento do ambiente estuarino e as soluções esperadas na percepção dos residentes locais.

O desenvolvimento da costa Bragantina em uma perspectiva histórica Durante o período de ouro da exportação da borracha, nas últimas décadas do século XIX, o fornecimento de bens de subsistência tornou-se um problema principal para os seringueiros e coletores de castanhas do Brasil que trabalhavam em locais distantes, no coração da Amazônia Ocidental. Peixe e farinha de mandioca não eram fáceis de conseguir na floresta. No entanto, eles eram abundantes ao longo da costa fértil da região Bragantina. Isso levou o governo brasileiro a atrair imigrantes europeus para viver na região Bragantina. Programas de colonização agrícola foram implementados e mantidos por subsídios do governo. Uma via férrea seria construída para tornar a área acessível e para permitir que produtos alcançassem a Amazônia Ocidental.


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No entanto, um certo número de fatores imprevisíveis foram responsáveis pelo fracasso do programa de colonização europeia. Em primeiro lugar, alguns dos contratantes europeus foram capazes de cumprir as cotas de imigração, resultando em perdas substanciais para o Estado. Em segundo lugar, um número significativo de imigrantes recusou-se a se estabelecer nas áreas de colonização recém-abertas e, assim, muitos deles decidiram pelo retorno imediato aos seus países ou migraram para Belém. Em 1955, uma revisão da política de colonização da Zona Bragantina ofereceu algumas figuras sobre a origem dos imigrantes e o tamanho relativo do pograma de colonização. Um resumo desses dados é mostrado nas Tabelas 1 e 2. Tabela 1. País de origem dos colonos estrangeiros. Origem dos colonos estrangeiros Espanha Italia Portugal Cuba Estados Unidos Bélgica Suécia

1.582 69 50 16 5 3 1

TOTAL

1.726

Fonte: Cruz, Ernesto. A estrada de ferro de Bragança: visão social, econômica e política, 1955.

Entre os estrangeiros, os espanhóis constituiram o maior grupo dos programas de colonização. Muitos deles estabeleceram-se no “Núcleo” Benjamin Constant, perto da cidade de Bragança. Entre os brasileiros, a quem o política foi destinada após o encerramento dos incentivos de imigração, a região Nordeste tornou-se de longe a maior contribuidora de contingente de imigrantes. Isto é consistente, com a tendência histórica da população em migrar, em decorrência das secas periódicas e das duras condições de trabalho da agricultura do Nordeste. Tabela 2. Estados de origem dos colonos brasileiros. Estado de origem dos colonos brasileiros Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Piauí Maranhão Região Nordeste Pará Outros Estados

5.924 1.266 125 114 32 16 7.477 909 10

TOTAL

8.396

Fonte: Cruz , Ernesto. A estrada de ferro de Bragança: visão social, econômica e política,1955.

Traços de herança de colonização ainda estão visíveis na arquitetura da cidade de Bragança. Descendentes de colonos espanhóis são facilmente encontrados nas famílias de classe média locais. Influência cultural específica na organização da produção e técnicas ainda está para ser entendida, o que pode ser aqui sugerido como um assunto para pesquisa a nível de pós-graduação.

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AS COMUNIDADES ESTUARINAS DE BRAGANÇA: ESTRUTURA SOCIAL DAS PRINCIPAIS ATIVIDADES ECONÔMICAS

Panorama da economia da região de Bragança A política de colonização foi a principal fonte de incentivos públicos que trouxeram algum dinamismo à Região Bragantina durante as primeiras décadas do século XX. A partir dos anos 1940, com a estagnação da agricultura costeira tornando-se evidente, o litoral começou a perder os investimentos públicos para a fronteira ocidental recém-aberta da região Bragantina. A abertura da rodovia Belém-Brasília nos anos 1960, 100 km a oeste de Bragança, contribuiu para mover interessees privados e públicos além do mar. Posteriormente, a abertura de estradas federais ligando Belém com o estado vizinho, o Maranhão, na fronteira da Amazônia Oriental, contribuiu para agravar a situação. O posicionamento dessas estradas na parte sul da região selou o desenvolvimento padrão típico da década de 1970. As políticas de desenvolvimento para a Amazônia seriam baseadas no tripé agricultura-pecuária-mineração, que se tornou o foco dos incentivos governamentais para as duas décadas seguintes (MANESCHY, 1995). Marginalizado pelos investimentos públicos em crédito e infraestrutura, a costa nordeste foi forçada a voltar à sua especialização tradicional: a exploração de seus ricos manguezais e recursos pesqueiros. Esta visão da costa para investimentos que tragam lucros rápidos tem sido uma das principais razões para a sua relativa preservação ambiental. Em comparação, pode-se trazer o caso do setor sul da zona bragantina, de base florestal, que teve seus recursos naturais praticamente devastados pela substituição da antiga economia extrativista, tanto pela agricultura de exportação – principalmente pimenta-do-reino e “açafrão” – quanto pelas fazendas de pecuária extensiva. Mais recentemente, a valorização da terra e a estabilização monetária trouxeram de volta os interesses agrícolas para o cultivo semi-intensivo de alguns produtos capitais como a laranja e cocos, um mercado interno em expansão.

A produção nas principais regiões ecológicas: uma caracterização econômica dos campos abertos e os manguezais Algumas palavras foram mencionadas na introdução sobre a diversidade ecológica da área estuarina de Bragança. Tem-se definido, de modo a incluir não só a área de mangue, mas também um segundo grande ecossistema de Bragança: os campos abertos (“campos”). Os campos são grandes planícies de inundação bordejadas por manguezais. As pobres condições de drenagem contribuem para torná-los uma área inundada na maioria do tempo. Pequenas comunidades agrícolas ocupam pequenas ilhas e bordas do campo, trabalhando principalmente no cultivo de mandioca, milho, feijão e fumo24. Peixe é suprido pelos campos inundáveis durante a estação de inverno, enquanto que no verão é encontrado em pequenas depressões formadas nas áreas mais rebaixadas25.

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Cultivo do tabaco foi introduzido na área por um empresário local, há cerca de 10 anos. As folhas são secas e processadas de forma artesanal pelos agricultores locais e a produção é vendida nos mercados abertos para a confecção de cigarretes de palha. 25 Durante o veraneio e temporada de outubro a dezembro diferentes espécies de gramíneas geram uma paisagem particularmente bonita e colorida, criando um cenário potencialmente atraente, ainda a ser explorado para o turismo.


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As recentes mudanças na ecologia dos campos abertos têm sido relatadas por moradores locais, e são discutidas mais adiante neste trabalho. São consequências da introdução de búfalos na área por alguns proprietários de terras. As mudanças ecológicas provocadas por búfalos estão se tornando uma preocupação ambiental para os moradores do campo. A área de manguezal está situada nas partes norte e leste do município de Bragança, estendendo-se a leste para os estados do Maranhão e Piauí. Para o oeste, os manguezais estão distribuídos ao longo do Delta do Rio Amazonas, em direção ao extremo norte do continente. A amostra Bragantina dos manguezais amazônicos impressiona pela altura e densidade da vegetação, quando comparada com outras áreas de mangue, como aqueles de Pernambuco (região Nordeste). A produtividade de mariscos e peixes estuarinos também tende a ser maior, embora dados confiáveis não estejam disponíveis. Bordas e ilhas a salvo de marés altas são ocupadas pela população local, que trabalha em uma rica combinação de agricultura, coleta de mariscos e pesca.

A identificação de sistemas tradicionais de produção costeira Evidências teóricas e empíricas sugerem que o sistema de produção baseado em recursos naturais é normalemnte altamente vulnerável às incertezas do mercado, inerentes às comodities primárias. Na ausência de incentivos extra-mercados específicos, o reforço da capacidade de comodities da agricultura para manter a sua capacidade de produção será amplamente dependente da existência de múltiplas fontes de entrada de capital26. A importância relativa das atividades domésticas podem trocar de domicílios situados em manguezais ou nos campos abertos. Famílias do campo têm a agricultura como a sua principal fonte de renda, enquanto no manguezal predomina uma combinação de coleta, de pesca e caranguejo. Além disso, instalações de comercialização têm promovido a especialização de duas comunidades – Caratateua e Treme – no processamento de carne de caranguejo. A atividade envolve um número substancial de famílias e seus membros, especialmente as mulheres. Apesar da baixa remuneração, a ausência de alternativas e da relativa estabilidade do mercado de carne de caranguejo, a atividade tem atraído um crescente interesse. Para a área como um todo, com exceção das comunidades situadas nas praias, a pequena agricultura está sempre presente no suporte da subsistência da família, reforçando o padrão encontrado em outras comunidades ao longo do litoral. A agricultura do arroz também é encontrada, mas restrita às áreas subtraídas dos bosques de manguezais, como na comunidade de Acarajó. Uma variedade de frutas tropicais está normalmente presente nos jardins e quintais das comunidades estuarinas. Uma combinação de palmeiras nativas, como açaí, murici e pupunha supre os domicílios com valiosa fonte de subsistência e renda extra. Entre as frutas destacam-se o cupuaçu e bacuri, ambas fortemente demandadas no mercado de frutas regionais para sucos e sorvetes. Fibra de malva é outro comoditie encontrado na área estuarina, utilizada para confeccionar sacos para estocagem de grãos. Apesar da concorrência com a fibra importada da Índia, a malva fez cair os preços locais na última década, graças aos custos de produção – a planta se reproduz livremente na estação chuvosa – parece explicar a marginal, embora persistente, posição retida pela produção de malva na área.

26

O principal apoio para esta proposta é encontrado na literatura sobre a agricultura de commodities, gerada sob uma perspectiva pós-marxista, de meados dos anos 1980. Ilustres representantes desta corrente são Harriet Friedman, Henry Bernstain, e Gibbon e Neocosmos.

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Atividades domésticas secundárias, seja nos campos ou nos manguezais, não estão limitadas à venda de frutas e farinha de mandioca ou mesmo pesca de subsistência ou coleta de caranguejos. O manguezal tem sido a fonte principal para madeira e carvão consumidos em padarias locais, domicílios e até mesmo em escolas públicas. Restrições legais para a exploração de madeira do manguezal têm contribuído para aumentar o risco e, portanto, os preços para a atividade. A extração de madeira é uma entre outras questões ambientais na área, que será beneficiada quando for atingido o equilíbrio entre a conservação ambiental e as necessidades das comunidades27. Comunidades estuarinas são sistemas de produção de base familiar, em muitos casos formadas por famílias originadas a partir de poucos grupos familiares. Isto cria direitos especiais de uso e facilita o compartilhamento dos recursos naturais adjacentes em base comunitária. Isto também promove suporte mútuo e reciprocidade, no caso de necessidades especiais das famílias. Condições especiais extra-mercado são não raramente adotadas na remuneração do trabalho entre os pescadores da região (MANESCHY, 1995)28. A diversidade de atividades estuarinas efetuadas pelos membros do agrupamento familiar não tem sido suficiente para impedir a migração de parte de seus membros, em busca de oportunidades de emprego em Belém e outras cidades maiores. Remessas de dinheiro efetuadas por este contingente tem se tornado uma fonte de estabilidade para as famílias locais, conforme evidenciado nos trabalhos de campo. Este resultado é consistente com estudos realizados em famílias rurais de áreas vizinhas da região nordeste durante os anos 1980 (DE BARROS, 1991).

EDUCAÇÃO COMO UMA FONTE FUTURA DE DIFERENCIAÇÃO A escolaridade dos membros da família tem sido medida pelo número de anos de educação. Uma comparação entre a média do grau de escolaridade dos pais e dos filhos indica uma maior valorização da educação formal hoje, comparando com a geração passada. Melhor fornecimento de facilidades da educação básica, facilmente encontradas hoje na maioria das comunidades, juntamente com uma menor dependência de creches, podem certamente explicar esta tendência.

ESPOSAS EM MANGUE E CAMPOS O envolvimento das esposas nas atividades domésticas principais torna-se mais evidente nas áreas de mangue. Os dados sugerem que as mulheres estão cada vez mais envolvidas com atividades não domésticas, especialmente o ensino ou trabalho como agentes comunitárias de saúde. Nas comunidades dedicadas à captura e processamento de caranguejos – Caratateua e Treme –, as mulheres são altamente envolvidas na organização e operação de extração da carne. Homens são normalmente utilizados na coleta de caranguejos e comercialização do caranguejo processado.

27

Na questão da exploração de madeira de mangue, uma alternativa ainda a ser avaliada é a de permitir o corte de algumas espécies, escolhidas por sua capacidade de se regenerar em curto espaço de tempo. 28 Conforme relatado por Maneschy em seu estudo sobre os pescadores de Ajuruteua (Bragança), as necessidades imediatas de um trabalhador podem ser um determinante do salário, em vez do preço de mercado. Outro exemplo mostrado por esta pesquisa, é a regra da praia, que estabelece que para qualquer pessoa em necessidade é permitido obter o peixe necessário para a sua sobrevivência.


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A ATIVIDADE DE PROCESSAMENTO DA CARNE DE CARANGUEJO A extração de carne de caranguejo está se tornando cada vez mais relevante na área de mangue, tanto pelo número de pessoas envolvidas, como também por suas implicações ambientais diretas. O processamento permite às comunidades manterem uma fonte adicional de renda. O valor efetivamente apropriado dependerá do tamanho da cadeia de comercialização para um fornecedor específico. Moradores da comunidade estão cada vez mais envolvidos na distribuição de carne de caranguejo diretamente para o principal mercado consumidor, em Belém. Em um futuro próximo, a concorrência provavelmente vai contribuir para a concentração da atividade em locais “patrões” (proprietários). Para esta atividade específica, o papel do “patrão” está limitado à compra de caranguejos dos “tiradores” (apanhadores de caranguejo) e o pagamento de famílias para a extração da carne. Uma atividade intermediária é a quebra de caranguejos, para a separação das partes não comestíveis. As patas e o restante do corpo são então cozidos em cestas de palha em formato cônico – os “paneiros”. De acordo com os catadores de Caratateua, cada paneiro pode suportar até 35 (trinta e cinco) caranguejos de tamanho médio. Em média, os catadores são capazes de processar quatro paneiros em sete horas de trabalho, começando às seis horas da manhã. Os quatro paneiros podem render 4 kg de carne e 1 kg de patas de caranguejo. O trabalho é pago de acordo com a quantidade de carne produzida, em média, segundo dados de março de 1997, entre US$ 0,70 e US$ 0,80 por quilograma, o que resulta em remuneração em torno de US$ 2,80 a US$ 3,20 por dia de trabalho para cada membro da família envolvido. Para elevar a margem de remuneração, as famílias grandes estão aumentando a participação de seus membros na atividade de processamento. Os homens dedicam-se às atividades tipicamente masculinas, como a captura, enquanto as mulheres e crianças (embora não exclusivamente) concentram-se na monótona atividade de quebra das patas de caranguejo. A atividade está sendo alvo de preocupações ambientais locais, pois não raro ocorre a captura de fêmeas de caranguejo – as conduruas, o que ameaça a reprodução das espécies. Esta preocupação também tem sido evidenciada pela redução do tamanho médio dos caranguejos capturados em outras áreas do Pará. Recentes campanhas de educação ambiental realizadas em Bragança focalizam a necessidade de entender e proteger o ciclo de reprodução dos caranguejos, como uma forma de garantir a conservação da espécie29.

SAZONALIDADE DAS ATIVIDADES ESTUARINAS As atividades das famílias que habitam áreas estuarinas não são severamente restringidas pelas estações chuvosa (inverno) ou seca. Em vez disso, a diferenciação ocorre no volume e na qualidade da captura de peixes e caranguejo. Mexilhões são os mais sensíveis às variações sazonais, sendo abundantes somente durante a temporada de inverno. A agricultura é naturalmente favorecida pela estação das chuvas, para o preparo da terra e plantio de feijão, milho e mandioca. A colheita é realizada normalmente de outubro a dezembro – para as culturas anuais, enquanto as perenes, principalmente frutas, ocorre de dezembro a fevereiro.

29

Folhetos pedindo a preservação do manguezal foram produzidos localmente, como parte de uma campanha de apoio às atividades das mulheres de comunidades estuarinas. (SANTOS, C. Cartilha sobre Educação Ambiental. O manguezal é nosso berçário, volumes 1, 2, 3, Bragança, 1996).

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A pouca influência das estações nas atividades das famílias que habitam as regiões estuarinas pode ser avaliada pela baixa proporção – 20% – de residentes que responderam positivamente de que mudam sazonalmente de atividade. Nas áreas de campos abertos, o verão é tipicamente dedicado à agricultura, para a colheita e preparação de tabaco e farinha de mandioca. Por outro lado, para muitas famílias a subsistência durante a estação chuvosa será altamente dependente da pesca. Nas áreas de mangue, as atividades domésticas podem alternar entre a pesca ou a agricultura no inverno, e captura de caranguejo no verão. No entanto, os dados de campo indicam uma variedade de fontes alternativas de rendimento, que minam a importância da sazonalidade, como uma explicação para as variações significativas de rendimento.

RENDA DAS POPULAÇÕES ESTUARINAS: COMPOSIÇÃO E VARIAÇÃO Uma variedade de atividades compõe a renda familiar nas áreas estuarinas. Liderada pela pesca, as atividades dependentes dos manguezais predominam como a principal fonte econômica, seguido da agricultura e do comércio. Outras fontes incluem pensões por aposentadoria e emprego público como professor ou agente de saúde da comunidade. Particularmente, é notável a contribuição dos membros da família que vivem fora da área estuarina, que foi mencionado por uma proporção de 17% dos entrevistados. Isto é consistente com os estudos de composição rendimento em áreas das regiões norte e nordeste, o que indica um papel significativo de atividades extra-domésticas para apoiar a renda familiar. Embora esta situação possa ser vista como positiva, pois diminui a pressão sobre os recursos naturais, ela pode ameaçar a estabilidade e a permanência das famílias em si.

CONDIÇÕES ATUAIS DA ATIVIDADE DE PESCA A pesca é, em grande parte, a principal atividade econômica para as famílias estuarinas. Capitalização e modernização de barcos e equipamentos de pesca foram restritos a poucos e curtos programas de crédito durante as décadas de 1970 e 1980, beneficiando um pequeno número de empresários locais30. A produtividade relativamente baixa dos pescadores artesanais locais geralmente está associada à falta do equipamento de pesca. Isso também é verdade para a área de Bragança, onde barcos a motor são propriedades de menos de 20% dos domicílios, enquanto as redes, de 30% deles. Perguntas específicas sobre a situação geral da atividade pesqueira atual e as perspectivas para o futuro próximo foram propostas para membros da família. Comparando com a época de sua infância, as condições de pesca são vistas geralmente como melhores hoje, por pouco mais de dois terços dos entrevistados. A metade das razões dadas é relacionada com a maior disponibilidade de recursos hoje, em comparação com o tempo em que os pais atuavam na atividade. Para 30% dos entrevistados, as melhores condições estão associadas com melhores instalações de comercialização, especialmente a existência de fábricas de gelo na área (Bacuriteua e Bragança) e de uma crescente rede de intermediários, juntamente com o aumento relativo dos preços do pescado. Maior experiência em técnicas de pesca e o trabalho por conta própria também foram citados entre as razões.

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O impacto limitado de programas de crédito para a pesca é discutido no Governo do Pará.Instituto de Desenvolvimento EconômicoSocial do Pará. Caracterização Sócio-Econômica da Região Nordeste do Pará (IDESP, 1977) e em Maneschy (1995).


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O agravamento das condições de pesca é altamente concentrado em um único argumento: a cada temporada, o peixe de valor comercial está sendo encontrado cada vez mais longe da costa. Os trajetos das comunidades estuarinas para a pesca estão ficando mais longos, em comparação àqueles de 20 ou 30 anos atrás, com as naturais implicações sobre os custos operacionais. Para o futuro próximo, as perspectivas são variáveis. Pouco mais da metade dos inquiridos acham que um futuro melhor depende principalmente da disponibilidade de “recursos” relacionados com crédito e apoio do governo. A ajuda de membros da família e a valorização provável de peixe foram mencionados por um menor número de entrevistados. O agravamento das condições no futuro parece inevitável para a outra metade das famílias. A crescente pressão demográfica sobre os recursos locais (peixe e mariscos) é percebida como o principal motivo de preocupação. Além disso, uma crescente concorrência liderada por alguns interesses de pesca industrial contra pequenos pescadores também foi mencionada como um corolário indesejado da pressão sobre a base de recursos. As condições necessárias para melhorar a pesca local e os meios para alcançá-la se concentram na compra de um barco a motor, que permitirá aos pescadores chegar a melhores zonas de pesca comercial. Artes de pesca aparecem como a segunda preferência, seguido por melhores preços para os peixes e uma ajuda do governo. Os meios para alcançar melhoria na pesca estuarina são, principalmente, através das cooperativas e crédito. Ajuda do governo vem bem atrás, enquanto o tradicional “patrão” vai ser uma solução para apenas 4 dos 43 entrevistados. Os resultados apresentados sublinham o interesse das comunidades locais para a modernização, como a melhor forma de melhorar as condições de vida. Para um número significativo de famílias, a canalização de fundos para a atividade de pesca depende (i) da criação de uma cooperativa ou (ii) em um papel mais ativo a ser desempenhado pela Colônia de Pesca.

O ENTENDIMENTO LOCAL E PROBLEMAS DO AMBIENTE ESTUARINO O papel do mangue para a pesca local, como expresso por quase 50% dos entrevistados, é essencial no fornecimento de nutrientes necessários para a alimentação de peixes e mariscos. Para outro grupo, de cerca de 10% dos entrevistados, as marés ou as “águas” são responsáveis por trazer o peixe para o mangue. Por outro lado, um contingente de 27% dos entrevistados não veem relação entre os manguezais e a pesca. Estes resultados indicam um longo trabalho a ser feito com a população local, para uma melhor compreensão das características do ecossistema estuarino e suas conexões com a produtividade da pesca. Este entendimento vai ser um passo necessário para a obtenção de apoio local para futuras iniciativas de gerenciamento ambiental. Ao contrário das autoridades ambientais, as comunidades locais devem estar preparadas para o envolvimento futuro na proteção e gestão do seu ambiente adjacente. Mudanças no ambiente local estão conectadas com a destruição de manguezais, segundo quase a metade dos inquiridos. Outro grupo significativo (18%) associa as mudanças com o crescimento da população e sua consequente pressão sobre as florestas. Significativa é também a percepção da mudança ambiental em termos de sua implicação para reduzir a captura de peixes e mariscos (11%). Para os residentes em campos abertos, a presença de búfalos tem que ser um motivo de grande preocupação (8% do total e 30% dos residentes em áreas de campos). Búfalos são considerados como agente de impacto sobre o solo e destruição dos diques de terra, danificando o sistema de drenagem de algumas áreas.

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De particular interesse são as respostas que ligam a destruição da floresta às mudanças climáticas locais (7%). Para este grupo, o atraso relativo para o início da estação das chuvas é tomado como um indicador dessas alterações. Outro grupo de entrevistados (8%) afirma que as mudanças ambientais são minimizadas pela capacidade da floresta de mangue de se regenerar. As soluções propostas para as principais preocupações ambientais estão ligadas à necessidade de preservar manguezais. Outras respostas sugerem a necessidade de proteger as fêmeas de caranguejos e replantio da floresta. Outras sugestões apontam para o uso do poder do governo, a obtenção de crédito e de plantas industriais para a criação de empregos locais. Entre as respostas dadas à pergunta, duas são particularmente sugestivas. Eles chamam o governo por conhecer melhor a realidade local, a extensão real e as condições da degradação ambiental. A última pergunta consulta os participantes sobre a sua vontade de ajudar com eventuais iniciativas ambientais. Os dados indicam que “conscientização” e “fiscalização” têm atraído a maior parte dos entrevistados (58%). Outras respostas retóricas foram “não permitindo a destruição da floresta” ou “não permitindo a captura de caranguejos fêmeas” (13%). O fornecimento de meios de trabalho ou material foi limitado a apenas 13% dos entrevistados. A interpretação dos resultados acima está ligada à surpresa relativa de pessoas locais, quando foram solicitadas contribuições, em vez de apenas opiniões sobre questões fundamentais, tais como o que “você pode fazer” para o meio ambiente. Esta falta de experiência em lidar com decisões práticas sobre questões públicas deve ser objeto de maior atenção, como condição para um bom envolvimento da população local em futuras decisões de gestão ambiental.

CONCLUSÕES Dados fornecidos por um questionário de pesquisa direta sugerem a importância de múltiplas fontes de atividades para a economia das comunidades estuarinas. Pesca e captura de caranguejo representam uma atividade principal para famílias da área de mangue, que está sendo cada vez mais combinada com fontes de renda não oriundas da pesca. A destruição do manguezal é, em grande parte, o principal problema ambiental percebido por comunitários na área de mangue, com implicações para a produtividade do ecossistema e do clima na área. Soluções propostas para os problemas ambientais estão concentradas principalmente na organização das próprias comunidades e na proteção do manguezal. Como proposto por comunitários, o papel que se espera do governo para resolver os problemas ambientais está relacionado com o aumento de empregos e investimentos na área, como forma de aliviar a pressão sobre o meio ambiente.


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REFERÊNCIAS DE BARROS, H. Small commodity agriculture in north-east Brasil: the case of horticultural farming in Pernambuco brejos. 1991. (Ph.D. Thesis) – University College London, London, 1991. FURTADO, L. G. Curralistas e redeiros de Marudá: pescadores do litoral do Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1987. 366 p. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico. resultados do universo relativo às características da população e dos domicílios, Pará. Rio de Janeiro: IBGE,1994. 224p. n. 7. IDESP. Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará. Caracterização sócio-econômica da região nordeste do Pará. Belém: Governo do Estado do Pará, 1977. 683 p. MANESCHY, M. C. Ajuruteua, uma comunidade pesqueira ameaçada. Belém: Universidade Federal do Pará, 1995. 167p PARATUR. Companhia Paraense de Turismo. Inventário turístico do município de Bragança. Belém: Governo do Estado do Pará, 1994. SANTOS, C. A luta da mulher rural pela cidadania: o caso de Acarajó, Bragança, PA, 1980-1990. 1992. 143f. Trabalho (Conclusão de Curso) – Universidade Federal do Pará Belém, 1992.

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SABERES TRADICIONAIS: USO E MANEJO DE RECURSOS MEDICINAIS EM UMA VILA PESQUEIRA

Márlia Coelho Ferreira

ABSTRACT For traditional peoples of Amazonia, knowledge and use of natural resources for remedies is linked to an holistic health perpective. In the fishing village of Marudá, situated in the northeast coastal region of Pará state, Brazil, traditional knowledge persists in spite of acculturative pressures from mainstream society, which come primarily from tourism. This article approaches traditional knowledge from an ethnobotanical perspective, concerning the use and management of plant medicinal resources. We also examine the role that these resources represent from a health perspective.

RESUMO Para os povos tradicionais da Amazônia, o conhecimento e o uso dos recursos naturais como fonte de remédios integram-se dentro de uma visão holística da saúde. Na vila pesqueira de Marudá, situada no litoral nordeste do estado do Pará, estes saberes sobrevivem, apesar das forças aculturativas da sociedade maior, representadas principalmente pelo turismo. Assim, neste artigo de cunho etnobotânico, são abordados os saberes tradicionais concernentes ao uso e manejo dos recursos vegetais medicinais, bem como a posição que assumem na busca pela saúde.

INTRODUÇÃO Enquanto a Amazônia representa para índios e caboclos o seu bem conhecido e explorado local de moradia e sustento, para aqueles que não compartilham dos mesmos valores, ela representa, segundo Diegues (1997), um obstáculo a ser vencido. Isto, aliás, evidenciado ao longo da história de ocupação da região, cujo processo foi amplamente descrito e analisado por Oliveira (1983). No entanto, Schultes (1994) alertou para o fato de que devido ao rápido e crescente processo de aculturação e ocidentalização na região, o conhecimento detido por índios e caboclos estaria condenado à extinção. Ressaltava ainda que, em consequência disto, a busca de novas drogas vegetais estaria comprometida (já que se considera a Amazônia como um extraordinário laboratório químico), assim como os esforços de conservação de todo o ecossistema amazônico. Este grito de alerta tem suscitado, mais que nunca, a atenção de etnobotânicos quanto à importância daqueles povos para o entendimento, a utilização e a proteção da diversidade vegetal (PLOTKIN, 1988; POSEY, 1987; PRANCE, 1987; BIRD, 1991). Assim, estudos etnobotânicos pertinentes às plantas medicinais, em especial, vêm sendo realizados, muitos dos quais não se ocupando apenas da identificação e documentação daquelas, mas visando também o seu manejo e as suas potencialidades bioativas (SCHULTES, 1979; ELISABETSKY, 1986; AMOROZO; GÉLY, 1988; AMOROZO, 1993; ELISABETSKY et al., 1995a; ELISABETSKY et al.,1995b). Na Amazônia, estes estudos estão voltados, sobretudo, para as áreas de florestas tropicais (terra firme, várzea, igapó e capoeiras). Da zona costeira amazônica, pouco tem-se falado. No entanto, o litoral do estado do Pará, a leste da desembocadura do rio Amazonas, vem sofrendo grandes transformações. Caracterizado por manguezais


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e restingas, constitui-se em um importante centro de migração e turismo, devido à abundância em recursos alimentares e belezas naturais. Desta microrregião, existem apenas dois estudos enfocando os saberes tradicionais sobre o mundo vegetal: Furtado et al. (1978), pioneiramente, descrevem a utilização das plantas medicinais no município de Marapanim; mais recentemente, Bastos (1995) documentou o uso cotidiano da vegetação por três comunidades pesqueiras. Assim, com este artigo pretende-se contribuir para um maior conhecimento da área costeira amazônica no domínio da etnobotânica, destacando-se alguns saberes tradicionais relativos ao uso e manejo de recursos vegetais medicinais da vila pesqueira de Marudá. O mesmo reflete dados preliminares de pesquisa em andamento, a qual está inserida no quadro do Programa RENAS31. Os dados referentes aos informantes e plantas foram coletados através de entrevistas semiestruturadas e observação participante. A coleta do material botânico realizou-se nos quintais, praias, manguezal, capoeiras e campos de uma área adjacente. As plantas coletadas foram identificadas e depositadas no Herbário João Murça Pires do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém-Pará. A fim de esclarecer as palavras ou expressões locais encontradas neste texto, organizou-se um glossário no final deste.

A Vila de Marudá A vila pesqueira de Marudá, situada no litoral do município de Marapanim – Zona do Salgado paraense, limita-se ao norte com a baía de Marapanim, a leste com a foz do rio homônimo, a oeste com o igarapé Marudá e ao sul com o igarapé Sumaúma e partes dos povoados do Cafezal e Recreio (Figura 1). Marudá possui 2.617 habitantes, contando em sua área geográfica 1694 casas, cuja maioria pertence a veranistas. A vila é formada basicamente por três bairros: Alegre, Sossego e Vila Nova ou Areal. É interessante observar que cada um destes traz em sua denominação a sua principal característica, o que é frequentemente ressaltado pelos próprios moradores. O primeiro é um antigo bairro de pescadores, onde se concentram atualmente os empreendimentos turísticos, tais como hotéis, bares e casas de veranistas, sendo considerado o bairro nobre da vila; o segundo, abriga grande parte dos pescadores, cujas moradias deslocaram-se da beira da praia para o interior da vila, à medida em que os veranistas foram estabelecendo suas vivendas; do último, mais recentemente formado, não se tem ainda uma definição de seu perfil populacional. De acordo com Furtado (1987, p. 94), duas categorias populacionais estão representadas em Marudá: A categoria permanente, constituída de pessoas com longo tempo de moradia no local, está relacionada a um aspecto que eu chamaria de econômico, por estar engajada numa atividade de subsistência com base nos recursos oferecidos pelo contexto geográfico da área [...] destinados não somente ao consumo local, mas também ao atendimento das solicitações do mercado extra-local [...] A categoria flutuante reflete o aspecto de lazer que emerge das condições físicas do contexto geográfico de Marudá. A extensa praia de águas salgadas, o clima ameno, a abundância em peixes...

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Recursos Naturais e Antropologia das Populações Marítimas, Ribeirinhas e Lacustres da Amazônia: estudo da relação do homem com seu meio ambiente.


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Figura 1. Localização da vila de Marudá, município de Marapanim-PA.

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No contexto atual, a categoria permanente sofreu alterações: antes composta essencialmente por pescadores, inclui agora, além destes, comerciantes, empresários do setor turístico e pessoas exercendo atividades informais diversas. Os marudaenses vivem predominantemente da pesca artesanal, a qual Furtado (1978, 1997) caracteriza pelo manejo sazonal e por tecnologias simples, com predomínio de redes em barcos à vela e armadilhas fixas – currais, na maioria; produção em pequena escala, assentada principalmente no sistema de parceria. Nesta modalidade de pesca, o saber empírico dos pescadores funciona como bússola e detector de cardumes. O turismo presente na vila desde a década de 1960, vem crescendo e transformando a pacata vila de pescadores. Esta atividade, até então apresenta-se de maneira contraditória. Por um lado, representa alternativa de renda, ou melhor, possibilidades de aumento do orçamento familiar para os nativos. No período de baixa temporada, por exemplo, o carvão produzido nas caieiras e destinado ao preparo da alimentação familiar, é então estocado para atender a demanda dos visitantes, para os quais, aliás, cultivam os cheiros-verdes. Na alta temporada (julho e feriados prolongados), as mulheres se empregam nas casas dos veranistas como domésticas ou lavadeiras; os homens tornam-se pedreiros e capinadores. Tais ocupações são a priori economicamente viáveis, mas não deixam de ser responsáveis por certo transtorno no modus vivendi da comunidade em questão, dado que a pesca, enquanto principal atividade de subsistência, desestrutura-se. Esta exige uma dedicação praticamente exclusiva. Além da pesca propriamente dita, Furtado (1987, p. 87) ressalta estar nela incluída todas as fases preparatórias e as transações comerciais atreladas ao sistema da pesca. A fim de atender as necessidades do turismo, os pescadores deixam de pescar, ficando esta atividade em segundo plano. Por outro lado, porém, os marudaenses, embora reconhecendo vantagens e gostando do que veio renovar, enxergam e sentem a sua pouca importância ao comentarem, por exemplo, a capina das ruas visando o bem-estar de veranistas, assim como a presença diária de ambulâncias e médicos no Posto de Saúde apenas durante a temporada estival. Segundo o depoimento de alguns informantes, é também nesta época que ocorre um aumento da população de moscas, ocasionado pelo acúmulo de lixo, bem como o alastramento de doenças sexualmente transmissíveis.

A questão da saúde Sá et al. (1997) descrevem o ambiente como uma unidade integrada pelos planos físico, biótico e antrópico, e que a harmonia destes gera a saúde. Assinalam, ainda, que no contexto de um processo de desenvolvimento dirigido para atender necessidades alheias às da população envolvida, ocorre alteração do plano físico, depredação do plano biótico e graves consequências para o plano antrópico. No caso de Marudá, com a atividade turística se expandindo, estaria a vila passando por esta degeneração ambiental? Ou ainda: estaria a exploração dos recursos naturais contribuindo para este processo? Estas questões, até então, não foram respondidas; para tanto, seria necessário uma pesquisa mais direcionada. O saneamento básico é praticamente inexistente. Os dados disponíveis são relativos ao Censo Demográfico de 1991 (IBGE) e revelam a situação não tão confortável da vila. Dos 347 domicílios particulares permanentes, apenas 24 possuem canalização interna de água ligada à rede geral; dos 323 restantes, 219 abastecem-se em poços artesianos e 104 da rede geral, de maneira irregular. A água proveniente desta não sofre qualquer tipo de tratamento. Quanto ao escoamento da instalação sanitária, a grande maioria (287) faz uso de fossas rudimentares; para outros (24), as valas são a solução. Em relação ao destino do lixo, de modo geral, abre-se um buraco no quintal, onde os entulhos são despejados e queimados; mais frequentemente, porém, são simplesmente jogados nos fundos de quintais, alguns dos quais se estendendo até o manguezal, o qual, por sua vez, sendo invadido periodicamente pelas marés, oferece-os às águas. Em determinadas localidades, o lixo é francamente lançado no rio. Com o crescente consumo de alimentos industrializados, o acúmulo de embalagens não degradáveis vem afetar o equilíbrio do meio ambiente.


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Um levantamento preliminar, conduzido entre os habitantes e reforçado pelos dados do Posto Médico local, acusou como doenças mais ocorrentes a diarreia, a disenteria, as infecções repiratórias agudas, o reumatismo, a hipertensão, a anemia, as picadas de arraia e miquim, as doenças sexualmente transmissíveis e os problemas dermatológicos. A diarreia é geralmente causada pela presença de parasitas intestinais (Entamoeba hystolitica, Ancilostoma duodenale, Giardia lamblia, Ascaris lumbricoides), os quais, por sua vez, estão correlacionados com anemia, desnutrição e baixa resistência a outras doenças. Este quadro é bastante comum em crianças, principalmente durante o longo período de estiagem. Convém lembrar aqui a análise sobre a relação desenvolvimento-doenças no Brasil, realizada por Nations e Rebhun (1996), onde mostram que a gravidade da diarreia infantil entre as comunidades carentes deve-se à contribuição de fatores físicos, biológicos e sociais, entre os quais as condições insalubres em que vivem, especialmente a falta de acesso à água limpa. Já o reumatismo é bastante incidente nos pescadores e pessoas idosas, que ao Posto de Saúde recorrem somente quando todas as práticas tradicionais de tratamento tiverem sido esgostadas. Parece haver uma maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis durante a estação de veraneio. No caso destas, as medidas de prevenção não são consideradas e desconhecem-se as informações, sobretudo referentes ao seu tratamento. Enfim, constata-se, de maneira geral, que este quadro converge para aquele citado por Escouto (1993), onde doenças de pele e anexos, infecções respiratórias agudas e doenças do aparelho digestivo são algumas das principais patologias encontradas entre populações indígenas e caboclas amazônicas.

Os recursos da medicina ocidental Conhecida também por medicina oficial, medicina científica e biomedicina, a medicina ocidental compreende o conjunto de conhecimentos e experiências técnico-científicos, aceitos e legalizados pelo Estado. Em seu âmbito, excetuando-se as grandes cidades, onde estão instaladas importantes estruturas hospitalares, a região amazônica conta basicamente com serviços de nível primário, os quais são constituídos pelas unidades de saúde prestadoras de serviços ambulatoriais, educacionais e informativos (ESTRELLA, 1995). No contexto de Marudá, estes serviços estão disponibilizados no Posto de Saúde fundado na década de 1970, sob a direção da Fundação Nacional de Saúde (FNS). Como em toda a região, este tipo de atenção mostra-se deficiente em qualidade, já que o seu funcionamento é bastante irregular, oscilando muito em função do momento político e da presença de veranistas. Em geral, um médico da Unidade Hospitalar de Marapanim faz a visita a cada sexta-feira, no período matinal. Hoje, a equipe de saúde é integrada por uma auxiliar de enfermagem e três agentes comunitários. A primeira, responsável pelo funcionamento do Posto, tem como principal trunfo, além dos seus 11 anos de prática, ser moradora da vila e, portanto, conhecedora dos problemas locais. Se por um lado é identificada nas entrelinhas de alguns relatos como “uma igual”, isto é, pertencente à comunidade, por outro, conhece e tem acesso aos recursos terapêuticos oferecidos pela medicina ocidental, dos quais os marudaenses visam essencialmente os medicamentos industrializados. Nota-se que existe confiança para com ela falar dos seus “sofrimentos”, especificamente daqueles considerados passíveis de serem tratados por esta alternativa terapêutica, cuja escolha é feita a partir de um diagnóstico previamente estabelecido no domínio familiar. Já aos três agentes de saúde, cabe-lhes atender e visitar doentes impossibilitados de se deslocar, respondendo, desta forma, cada um por um bairro. Os medicamentos industrializados são procurados na única farmácia existente, instalada há praticamente dois anos; contudo, alguns antibióticos, analgésicos e antitérmicos podem ser adquiridos nas boticas e bares, onde nem sempre os seus prazos de validade são considerados.

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Até então, enfocaram-se as medidas curativas, as mais enfatizadas, inclusive, pelo sistema médico do país. No entanto, no que diz respeito às preventivas, a equipe de saúde cumpre, quando possível, um cronograma anual de vacinação (febre amarela, BCG, antitetânica e antirrábica). Quanto à vigilância epidemiológica, os Guardas de Endemias, funcionários da FNS, são os agentes responsáveis, atuando através da coleta de sangue e confecção de lâminas, em casos de suspeita de malária e borrifação de DDT. Nos últimos meses, o exame preventivo para a detecção de câncer no colo do útero tem sido incentivado, com encaminhamento das mulheres e controle mensal. Entretanto, percebe-se que um longo trabalho de conscientização da importância deste procedimento está por ser feito.

A medicina tradicional Em Marudá, a medicina tradicional representa todo um conjunto de conhecimentos e práticas fundamentadas em saberes médicos ameríndios ancestrais, que ao longo dos tempos foram se modificando através da inclusão adaptativa de influências europeias e africanas, tanto no uso de recursos naturais quanto na religião. A medicina ocidental constitui-se em outro fator que vem contribuir para a diversificação desta prática tradicional, através da incorporação de seus produtos farmacêuticos mais popularizados. Muito embora a introdução destes venha acontecendo gradualmente, ainda que de maneira irregular, as práticas terapêuticas tradicionais continuam vivas na memória e no cotidiano da comunidade marudaense. Para a cura e prevenção de seus males, utilizamse, de maneira diversificada, de todas as terapias, fazendo uso dos recursos naturais, muitas vezes associados a fatores místicos e religiosos. Entre estes recursos, destacam-se aqueles de origem vegetal, pela sua grande contribuição e diversidade. A grosso modo, os adultos – homens e mulheres – possuem um conhecimento geral sobre os recursos naturais integrantes da farmacopeia tradicional. Porém, as mulheres dominam os conhecimentos sobre a manipulação e uso daqueles, destacando, entre estas, as especialistas tradicionais, cujos perfis serão comentados adiante. Entre os jovens, aqueles saberes se restringem às jovens mães de família, que assumindo o papel de administradoras da vida familiar e, desde então, responsáveis pela qualidade de vida de suas familias, induzemse nos caminhos ancestrais, considerando os tratamentos, as recomendações e os remédios dos antigos. Quanto aos celibatários de ambos os sexos, mais influenciáveis pelos valores culturais trazidos pelos veranistas, denunciam certo descaso ao comentarem as práticas médicas tradicionais, às quais, na necessidade, consciente ou inconscientemente, recorrem. Movimentos comunitários preocupados com a falta de assistência médica surgiram nos meados desta década. Formados por mães de família, em sua maioria mulheres de pescadores, esses movimentos tomaram fôlego e resistem às dificuldades encontradas ao longo de seu percurso. Estão representados pelo Grupo Erva-Vida e pela Associação das Mulheres da Área Pesqueira de Marudá, os quais têm como principal atividade a manipulação de remédios caseiros, cujos constituintes são recursos vegetais e animais coletados na própria comunidade, ao lado daqueles adquiridos nos ervanários em Belém. Enquanto um foi inicialmente apoiado pela Igreja Luterana da capital, o outro o é pela Pastoral da Saúde, através do Centro Pastoral do Pescador (CPP), criado pela Igreja Católica. Observa-se, porém, que as especialistas tradicionais estão às margens destes movimentos e supõe-se que isto deva estar relacionado às suas práticas, criticadas e mal vistas por aqueles que não comungam nas suas percepções de doença e na eficácia de seus remédios. Embora este aspecto seja de relevância, por estar diretamente implicado na questão da saúde, o mesmo não será aqui analisado. Ainda não se tem dados suficientes para fazê-lo.


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As especialistas tradicionais As especialistas da medicina tradicional atuam ativamente na vida cotidiana desta comunidade, onde são respeitadas e assiduamente procuradas. Dependendo do aspecto em que atuam, são classificadas como curandeiras ou pajés, rezadeiras ou benzedeiras e parteiras. Os poderes de cada uma destas são revelados ou adquiridos diversamente. Nas curandeiras, também denominadas pajés, o poder se manifesta em duas ocasiões: precocemente, através do choro ainda no útero materno e/ou também durante a infância, ao serem escolhidas e levadas para as profundezas das águas pelas entidades que lá habitam. Explicam que aquelas que conseguem retornar transformam-se em respeitáveis pajés; se o contrário ocorre, passam a integrar o mundo das encantarias. Em seu trabalho utilizam-se de cigarros, penas, maracá, cachaça e mirra. Enquanto os quatro primeiros elementos são característicos da pajelança ameríndia, o uso da mirra foi posteriormente introduzido neste ritual. Destinada à defumação e conhecida desde a Antiguidade, a mirra adquirida no mercado Ver-o-Peso ou casas de umbanda em Belém, é geralmente substituída pelas resinas odorantes do breu (Protium heptaphyllum) ou do umiri (Humiria balsamifera), duas espécies nativas. Na falta destas resinas, empregam-se as suas cascas em defumação. As curandeiras diferenciam-se das macumbeiras, com as quais são confundidas pelos leigos, por terem recebido de Deus o dom da cura, ao passo que àquelas o mesmo não foi concedido. O aprendizado das macumbeiras se dá através de livros, entre estes o de São Cipriano, bastante temido pelas curandeiras. Segundo estas, mesmo que o quisessem, não poderiam acedê-lo, já que são iletradas. Além do mais, as curandeiras são da linha branca, que é a linha de cura e trabalham com caboclos, enquanto as macumbeiras fazem malinêza e trabalham com sangue de bicho... na magia negra, prá negociar com a vida dos outros. Em relação às benzedeiras, aquelas têm uma mais ampla atuação: toda curandeira pode ser rezadeira, mas nem toda rezadeira é curandeira, afirma uma curandeira entrevistada. As benzedeiras são dotadas de poderes distintos, os quais se manifestam através de sonhos. Esta manifestação ocorre, portanto, como já havia assinalado Wagley (1957) no seu estudo sobre uma comunidade amazônica, de maneira mais branda que os poderes das pajés. Desta forma, tratam doenças específicas, tais como quebranto, mau-olhado, isipla, espinhela caída, rasgadura e dismintidura, através de orações do catolicismo popular e de recursos medicinais. As parteiras, por sua vez, são as grandes conhecedoras dos problemas femininos, para os quais sempre apresentam soluções. Conhecem bem as plantas indicadas para limpar, fortalecer e assim propiciar o útero para a concepção. Com este objetivo, preparam com maestria as famosas garrafadas, das quais são grandes conhecedoras. Em geral, acompanham as mulheres em todas as fases marcantes de sua vida, principalmente durante o período de gestação e o pós-parto. Fazem puxações, a fim de bem acomodar o bebê no útero materno ou de expulsar as bolas de sangue que persistem naquele órgão após o parto; emplastram e aquietam a mãe-do-corpo. Se por um lado, as especialistas da medicina tradicional, através de seus saberes, representam um conforto para os marudaenses; por outro, suas práticas são francamente reprimidas pelas igrejas Católicas e Evangélicas presentes na vila. Ressalta-se, porém, que a repressão é particularmente direcionada às curandeiras, cuja fé católica não impede, no entanto, o exercício de seu dom.

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Interpretação das doenças Considera-se, neste artigo, a classificação de Maués (1977) para as doenças, baseada na causalidade destas. De acordo com a mesma, existem então em Marudá doenças “naturais” e doenças “não naturais”. As “naturais” são em parte explicadas pela síndrome quente-frio32 (reumatismo, gripe, isipla, curuba etc.), mas podem ser provocadas em casos de transgressão de regras alimentares (diarreia, dor de estômago, feridas que não cicatrizam etc.), ou causadas pelo vento que penetra no corpo através da respiração (vento encausado, baques) ou pelos acidentes (ferrada de arraia, picada de miquim, rasgadura, dismintidura, peito aberto e espinhela caída). As “não naturais” estão relacionadas a agentes causais que atuam motivados pela maldade, inveja ou raiva que sentem em relação à vítima (panemice, feitiço, mau-olhado) ou pela admiração (quebranto). Enquanto as primeiras podem ser tratadas tanto pelos remédios caseiros e/ou especialistas da comunidade, quanto pelos médicos; as segundas exigem a intervenção de especialistas tradicionais para que o tratamento seja eficaz.

Recursos vegetais medicinais: uso e manejo Todos os recursos possuidores de um poder curativo para a população em questão são medicinais; no entanto, obedecendo a abordagem etnobotânica proposta, restringem-se, neste artigo, ao mundo vegetal. De acordo com a percepção do mundo vegetal pelos marudaenses, os vegetais são classificados em duas categorias: 1) os que se encontram na natureza sem influência antrópica, denominados “pau” ou “mato”: um, em referência ao porte arbóreo ou lenhoso; e o outro, mais abrangente, engloba outros hábitos vegetativos; 2) os que são selecionados e submetidos às mãos do homem, então, considerados “plantas”. Através de entrevistas semidiretivas, discussões informais e observação participante, foram levantadas aproximadamente 162 espécies botânicas, distribuídas em 63 famílias botânicas distintas, das quais se evidenciam por ordem de importância: Lamiaceae (Labiatae), Asteraceae (Compositae), Euphorbiaceae, Fabaceae (Leg. Papi.), Caesalpiniaceae (Leg. Caesa), Piperaceae, Rutaceae e Zingiberaceae. Souza Brito e Souza Brito (1993) mostram que as cinco primeiras famílias estão entre as mais frequentemente pesquisadas no Brasil e esclarecem que isto se explicaria pelo fato de serem abundantes na natureza, além de bastante utilizadas popularmente. Este último fator tem sido responsável pela escolha e seleção de espécies botânicas em pesquisas farmacológicas, com comprovadas atividades. Cronquist (1981) ressalta que a importância da família Asteraceae, por exemplo, está relacionada aos seus constituintes químicos, tais como os óleos essenciais, os poliacetilenos e as lactonas sesquiterpênicas. Schultes (1990), pioneiro no estudo etnobotânico de plantas medicinais e tóxicas amazônicas, comenta que devido às propriedades aromáticas das Piperaceae, várias espécies entram na medicina ‘folk’ da América Tropical. Observa, ainda, que as Rutaceae são especialmente ricas em metabólitos secundários, representados pelas classes de alcaloides, flavonoides, taninos, triterpenos e cumarinas, entre outros com potencialidade bioativa. A grande maioria (130) das espécies levantadas é cultivada, do restante, 32 são espontâneas e 23 podem ser encontradas nos dois estágios ou, poder-se-ia dizer, em processo de domesticação. A propósito, Caballero (1986)

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Sua origem se encontra na medicina hipocrática dos antigos gregos, a qual concebia o corpo humano saudável como o resultado do equilíbrio entre os humores ou fluídos corporais, compostos por uma combinação do quente e do frio com o úmido e o seco. Estas ideias foram trazidas da Europa para a América Latina pelos colonizadores... permanecendo vivas, porém, as ideias a respeito da saúde como resultado do equilíbrio entre o quente e o frio corpóreo. (MAUÉS, 1977, p. 20).


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observa que a interação homem/planta não está limitada à domesticação das plantas cultivadas conhecidas e que grande número de espécies se sujeita a diversas situações de manejo pelo homem, que vão desde a sua proteção consciente até a sua domesticação. Este gradiente de interação homem/planta é, inclusive, observado em Marudá. Nos quintais, domínio doméstico das espécies cultivadas, as plantas estão, à primeira vista, espalhadas de maneira desordenada; no entanto, quando de uma observação mais minuciosa, a lógica de sua disposição metódica emerge claramente. Muitas são arbóreas frutíferas, mas com reconhecidas propriedades medicinais. Neste caso estão os abacateiros (Persea americana Mill.), laranjeiras (Citrus sinensis Osbeck), limoeiros (Citruslimon (L.) Burn.f.), gravioleiras (Annona muricata Linn.), coqueiros (Coccos nucifera L.), bananeiras (Musa sp), cajueiros (Anacardium occidentale L.) e goiabeiras (Psidium guajava L.). As plantas herbáceas distribuem-se principalmente em canteiros suspensos ou cercados – visando a sua proteção contra os animais domésticos (galinhas, patos, cachorros, gatos etc.) – ou ainda em latas e panelas velhas, paneiros e cascos de canoa em desuso. Incluem-se aqui as plantas introduzidas e que, portanto, requerem mais cuidados, como arruda (Ruta graveolens L.), catingade-mulata (Aeollanthus suaveolens G. Don), hortelã grande (Plectranthus barbatus Andr.), malva cheirosa (Pelargonium zonale) e gengibre (Zingiber officinalis Rosc.). Apesar de ser um espaço manejado, muitos dos quintais visitados abrigam espécies espontâneas, as quais sempre apresentam alguma utilidade. As espécies nativas como o apuí (Ficus maxima) e o caratepê (Tabernaemontana angulata C. Martius ex Muell. Arg.) ilustram bem esta situação. Reparados em vários quintais, seus latexes são empregados em emplastros; além disto, o fruto do caratepê, sob a forma de chá, combate a tosse e o catarro. Da mesma forma, a vassourinha (Scoparia dulcis L.) e o mastruz (Chenopodium ambrosioides L.) tidos como mato que brota no quintal, são protegidos quando da capina deste. Juntamente com algumas orações conhecidas pelas benzedeiras, a vassourinha compõe o remédio por excelência para se tratar o quebranto, ao passo que o mastruz é uma vitamina para o corpo da pessoa. Quanto às espécies espontâneas, estas são procuradas nos diversos ambientes vegetacionais, tanto na própria vila como em seus arredores. Nas areias da praia coletam o capim-da-beira-da-praia (Spartina alterniflora Loisel), espécie nativa, de cuja raiz seca preparam um chá indicado para asma. Já nas beiras de rua crescem a vassourinhade-botão (Borreria verticilata G.F.W.Mey), mussambê (Cleome spinosa Jacq.), pecaconha (Hybanthus calceolaria (L.) Schultze) e gergelim (Sesamum indicum DC), entre outras. O gergelim, apesar de ser uma planta introduzida, cultivada em quase todos os quintais, brota espontaneamente nas áreas que sofrem pressão antrópica. O manguezal, cuja vegetação enriquece e mantém a produtividade das águas costeiras, é importante fonte de remédios: mangueiro (Rhyzophora mangle L.), mangue-de-botão (Conocarpus erectus L.) e tinteiro (Laguncularia racemosa (L.) Gaertner) têm raiz, fruto e caule respectivamente coletados para o preparo de chás antidiarreicos. Os campos do Crispim – uma comunidade vizinha – contituem-se outras áreas de exploração de inúmeros produtos medicinais. Identificados como locais abertos, arenosos, com uma vegetação baixa, permeada de bolas de mata, estes campos corresponderiam a 3 das 6 formações vegetais descritas por Bastos (1995), as quais compõem a restinga. É neste ecossistema que coletam o breu e o umiri, anteriormente citados, assim como a cebola brava (Clusia grandiflora Splitg.), de cuja flor ou fruto preparam um xarope para tosse, e a sucuúba (Himatanthus articulata (Vahl.) Wood), considerada excelente remédio para combater os problemas úteroovarianos, evitar filhos (chá da casca), além da indicação de seu látex nos casos de tosse (xarope) e espinhela caída (emplastro). As velhas capoeiras situadas nos arredores da vila são frequentemente visitadas, pois além de fornecerem madeira para a produção do carvão e construção de casas, fornecem frutos e remédios. Entre estes últimos, o denominado barbatimão da capoeira (Connarus perrotteti (DC) Planchon var. angustifolius Radlk.) é amplamente referenciado e utilizado por sua propriedade anti-inflamatória, principalmente nos problemas

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femininos. Relevantes no tratamento das diarreias e do diabetes, a camembeca (Polygala spectabilis DC) e angélica (Guettarda angélica Mart.), respectivamente, são também aí coletadas. Bastos et al. (1995) citam a presença destas duas espécies em mata de restinga, ao passo que a angélica ocorre também em dunas, tendo, desta forma, um maior espectro de ocorrência. Muitos dos recursos vegetais conhecidos e empregados no passado, sempre descrito como tempo de abundância, já não são mais encontrados localmente nos tempos de hoje. A mata ficou muito distante!, afirma uma informante. A sua obtenção se dá, então, através: a) da rede de amigos e parentes habitando a região de água doce; b) do caminhão das colônias rurais que trazem seus produtos agrícolas nos fins de semana; c) de longas caminhadas e d) excursões de canoas pelos igarapés. Outra ocasião profícua é o início da estiagem, durante o mês de maio, quando os pescadores adentram as terras interiores à procura de madeira usada na construção de seus currais, no retoque de seus barcos e de suas casas. Segundo alguns curralistas, durante as suas incursões pelo mato, ao avistarem espécies medicinais conhecidas, coletam os elementos que certamente serão de serventia imediata ou poderão ser estocados para necessidades futuras. No tempo em que as famílias se dedicavam às roças de subsistência, estas abrigavam plantas medicinais. As transformações acarretadas principalmente pelo acesso ao mercado de consumo, facilitado pela abertura de rodovias, fizeram com que muitas roças fossem abandonadas, com consequente rareamento daquelas plantas lá existentes. Naquelas poucas que resistem, não é raro serem encontradas o carrapato (Ricinus communis L.) e o batatão (Operculina alata (Harm.) Hub.). O óleo das sementes do carrapato ou mamona, com suas propriedades purgativas, fora bastante usado tempos atrás, para limpar o intestino e o útero após o parto, bem como para secar o umbigo de recém-nascido e assear os cabelos; nos dias de hoje, porém, a sua importância diminuiu. Talvez por isto mesmo, a técnica de extração do óleo parece ser praticada por apenas uma mulher, quem, aliás, mantém a sua roça. A raiz do batatão, no entanto, continua tendo um lugar privilegiado neste aspecto da medicina tradicional, haja vista que para consegui-la percorrem longas distâncias. O crescimento das águas durante o inverno amazônico contribui, por sua vez, na diversificação dos recursos medicinais utilizados. É o caso da andiroba (Carapa guianensis Aubl.) e da fava-do-igapó (Vatairea guianensis Aubl.), cujas sementes aportam na praia de Marudá trazidas pelas marés, principalmente durante o mês de abril. A coleta das sementes de andiroba, em particular, é feita por mulheres e crianças, mas a técnica de obtenção do seu óleo é dominada por poucas. Em Marudá, este óleo está para a terapêutica como a farinha de mandioca e o peixe estão para a dieta. Trata-se de um produto amplamente empregado, principalmente de grande serventia para as benzedeiras e parteiras, cujas práticas exigem massagens e fricções. Acondicionado em pequenas garrafas, este óleo é estocado, constituindo-se em fonte de renda para quem o produz.

Escolha dos remédios Existe toda uma fase de observação e de experimentos no processo de busca dos remédios provenientes da natureza. Assim, um remédio pode ser escolhido por ter uma qualidade oposta àquela da doença que se deve tratar ou prevenir. Considerada uma doença quente, a isipla deve ser tratada com plantas tidas como refrescantes, tais como a babosa (Aloe barbadensis Mill.) e o pirarucu (Bryophyllum calicinum Salisb.), cujas folhas quando esfregadas exsudam um sumo. A fim de reforçar o efeito refrescante destas plantas, é prática comum adicionar cachaça, considerada fria. Além do seu sumo aplicado diretamente sobre o local, as folhas são também colocadas em emplastro, procedimento este que conduz ao equilíbrio térmico desejado. O ressecamento da folha, sucessivamente substituída por outra até o desaparecimento do mal, sugere a absorção de sua frialdade pela quentura da isipla.


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Outra maneira de selecionar plantas específicas baseia-se em suas características organolépticas, tais como cor, cheiro, sabor etc. Esta seleção corresponde à Teoria das Assinaturas, atribuída à Paracelso, onde preconizava que tudo que a natureza cria recebe a imagem da virtude que ela pretende esconder ali (DI STASI, 1996, p. 20). É o caso do sumo, chá ou macerado das folhas vermelhas do pariri (Arrabidaea chica Verl.), indicadas para anemia e fraqueza; “doenças” estas evidenciadas pela cor amarela da pele. Aproveitam-se da propriedade adstringente do leite da ucuúba (Virola surinamensis Warb.) para combater inflamações em geral. Por outro lado, pela mesma razão, o chá ou lambedor da casca do jutaí (Hymenaea courbaril L.), indicado para combater a tosse, deve ser evitado, em se tratando de asma, devido ao fato de arrochar demais. A forma de lança das folhas do tajá-de-cobra e da espada-de-São Jorge, duas espécies do gênero Sansevieria Thunb., evoca carcterísticas agressivas e protetoras. São cultivadas nas entradas das casas ou em cruz atrás da porta de entrada, a fim de afastar o mau-olhado de terceiros. Estes poucos exemplos vêm ilustrar a maneira como os marudaenses pensam e praticam a seleção de seus remédios. As razões que a justificam, embora difiram de uma explicação causal “científica”, não excluem a possibilidade de uma ação farmacológica da planta (AMOROZO; GÉLY 1988, p. 72). Nestes termos, quase nada se conhece sobre a maioria das espécies nativas amazônicas. Porém, outras amplamente empregadas – não apenas na comunidade em questão, mas também em outras regiões do país e do mundo, tiveram alguns de seus usos tradicionais validados cientificamente (CARRICONDE et al., 1996; CATOS, 1997; FARMACOPEA, 1997). Entre estas destacam-se babosa, pirarucu, mastruz, hortelã grande, cajueiro e goiabeira.

CONCLUSÃO Apesar do seu caráter preliminar, este artigo pretende registrar a importância dos saberes tradicionais concernentes ao uso dos recursos vegetais medicinais em uma comunidade costeira amazônica em transformação. As influências urbanas relativas à percepção das doenças e do tratamento destas não conseguiram apagar o modelo tradicional existente, fruto de um sincretismo semelhante àquele relatado em outras comunidades regionais. A instalação de um Posto de Saúde e de uma farmácia em Marudá não provocou a substituição de seus remédios caseiros. Além do funcionamento precário de um e do alto custo dos produtos oferecidos pela outra, desfavorecendo o consumo destes, constata-se grande cumplicidade entre especialistas tradicionais e pacientes, bem como confiança nos remédios da terra. Diferentes ambientes são explorados e o manejo das plantas se dá em função da sua utilidade ou abundância, com destaque para as espécies cultivadas. Alguns recursos, embora conhecidos e úteis, tornaram-se de difícil acesso, já que no entorno da vila a vegetação vem sendo devastada para fins imobiliários. Muitas vezes esta lacuna é sanada pelos laços familiares e pelas possibilidades de aquisição junto aos moradores das terras interiores, através da compra ou troca de produtos. Enfim, os conhecimentos constatados, somados à situação sanitária e ambiental atual da vila de Marudá, agravada pela atividade turística nem sempre planejada, só vêm incentivar a continuidade de estudos desta natureza, os quais serão certamente de grande valia para a saúde de sua população.

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GLOSSÁRIO Curuba

Dismintidura Encantaria

“coceira que dá nos pés, nas mãos, entre os dedos e nas juntas. Vai fazendo uns camininhos e no final dá um piolhinho. O bicho tem um micróbio danado!” “um jeito que dá quando, por exemplo, tá jogando bola. O osso sai do lugar”. Luxação. “fundo do mar, onde moram os encantados (entidades)”.

Espinhela caída ou peito-aberto

“afastamento da espinhela (apêndice xifóideo do externo), às vezes por que carregou muito peso. Quando não tratado pode virar tuberculose”.

Garrafadas

fórmulas de uso interno, utilizadas a longo prazo; têm como veículo um produto alcoólico, que pode ser cachaça ou vinho tinto, no qual folhas, raízes, cascas, sementes, lenho etc. são deixados em maceração.

Isipla

“vermelhidão que dá no corpo da pessoa. Geralmente dá aquela ferida e inchaço, por causa da quentura do sangue”. Corruptela de erisipela.

Mãe-do-corpo

“localiza-se normalmente no umbigo. Quando tá espalhada pela barriga, tá atacada. É a sustância da pessoa... se a gente não tivesse, a gente não vivia”.

Mau-olhado

“difere do quebranto por ser mais forte”.

Panemice

“quando o curral não dá peixe... a pessoa vai pescar e não traz peixe, não traz nada. No comércio é a mesma coisa”. Falta de sorte em qualquer atividade, atingindo tanto a pessoa como seus objetos.

Quebranto

“provocado pelo olhar firme e admirado sobre uma criança. A criança morfina, tem vômitos, febre e diarreia”.

Rasgadura

“a carne rasga por dentro...não bole com o osso... a pelia não abre”.

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SIGLAS

ADEMA

Administração Estadual do Meio Ambiente

ALUMAR

Consórcio de Alumínio do Maranhão

ANEEL

Agência Nacional de Energia

APA

Área de Proteção Ambiental

CAPES

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CENPES

Centro de Pesquisa da Petrobras

CETESB

Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Defesa do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

COGEP

Coordenadoria de Gestão de Pessoas

CONAMA

Conselho Nacional de Meio Ambiente

COSANPA

Companhia de Saneamento do Pará

CPP

Centro Pastoral do Pescador

DAP

Diâmetro à Altura do Peito

DDT

Diclorodifeniltricloroetano (pesticida)

DHN

Diretoria de Hidrografia e Navegação

DNOS

Departamento Nacional de Obras de Saneamento

DQO

Demanda Química de Oxigênio

DRS

Departamento de Resíduos Sólidos

DSG

Diretoria de Serviço Geográfico

ECOLAB

Programa de Estudos de Ecossistemas Costeiros Tropicais

FNO

Fundo Constitucional de Financiamento do Norte

FNS

Fundação Nacional de Saúde

FUNTEC GERCO/MA GPS IBAMA

Linha Fundo Tecnológico Gerenciamento Costeiro do Maranhão Sistema de Posicionamento Global por Satélite Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

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IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IRD

International Road Dynamics Inc.

MCTI

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

MPEG

Museu Paraense Emílio Goeldi

MPLC

Motion Picture Licensing Corporation

PAH

Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos

PEC

Programa de Estudos Costeiros

PIBIC

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

PMB

Prefeitura Municipal de Belém

RENAS

Projeto Recursos Naturais e Antropologia das Populações Marítimas, Ribeirinhas e Lacustres da Amazônia: estudo do Homem e seu Meio Ambiente

RMB

Região Metropolitana de Belém

SDA

Système de Dispersion Amazonien

SECTAM

Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente

SESAN

Secretaria Municipal de Saneamento

SUDAM

Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

TPH

Hidrocarbonetos Totais de Petróleo

UAS

Unidade de Análises Espaciais

UFPA

Universidade Federal do Pará

UNESCO

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICAMP

Universidade Estadual de Campinas


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AUTORES

Alexsandra Maura Costa Bernal Martin Núcleo de Educação Ambientalna Secretaria Municipal de Educação de São Luís. São Luís-MA (bernalmartin@ifma.edu.br) Amilcar Carvalho Mendes Pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia. Belém-PA (amendes@museu-goeldi.br) Andréa Cristina Gomes de Azevedo Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências e da Saúde, Departamento de Oceanografia e Limnologia. São Luís-MA (labhidro@elo.com.br) Antoine Gardel Institut de Recherche pour le Développement (IRD Cayenne), Laboratoire Regional de Teledeteccion. Caiena, Guiana Francesa (gardel@cayenne.ird.fr) Carmena Ferreira de França Universidade Federal do Pará, Faculdade de Geografia e Cartografia. Belém-PA (carmena@ufpa.br) Célia Regina Dantas Pessoa Fundação de Amparo à Pesquisa ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico-FAPEMA. São Luís-MA. Christophe Charron Institut de Recherche pour le Développement (IRD Cayenne), Laboratoire Regional de Teledeteccion. Caiena, Guiana Francesa (charron@ird.cayenne.ird.fr; christophe.charron@ird.fr) Clarissa Frota Macatrão Costa Universidade Federal do Maranhão, Divisão do Laboratório Forense de Biologia Molecular. São Luís-MA (portalcodo@hotmail.com) Clauber de Moraes Pacheco 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (4ºCCR/MPF). Brasília-DF (claubermp@pgr.mpf.gov.br) Clea Araújo da Silva Bolsista Pós-Doc da Universidade Federal do Pará;Instituto de Geociências. Belém-PA (clea@ufpa.br) Dário Dantas do Amaral Pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Botânica. Belém-PA (dario@museu-goeldi.br) Denis Loubry Pesquisador colaborador do Institut de Recherche pour le Développement (IRD Cayenne). Caiena, Guiana Francesa (loubry,d@wanadoo.fr) Diana da Cruz Maia Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. São Luís-MA.

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Flávia Rebelo Mochel Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências e da Saúde, Departamento de Oceanografia e Limnologia. São Luís-MA (fmochel@pobox.com.br; fmochel@ufma.br) Frank Timouk Centre National de Etudes Spatiales. Toulouse Cedex 9, France (franck.timouk@cesbio.cnes.fr) Fréderic Huynh Director ESPACE Unit. Institut de Recherche pour le Développement (IRD France). Paris – França (frederic.huynh@ird.fr) Henrique de Barros Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Letras e Ciencias Humanas. Recife-PE (hdbarros@terra.com.br) Inocêncio Gorayeb Pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Zoologia. Belém-PA (gorayeb@museu-goeldi.br) Ivete Nascimento Pesqusadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências Humanas, área de Antropologia. Belém-PA (ivete@museu-goeldi.br) Jean François Faure Institut de Recherche pour le Development (IRD France). Paris, França (jean-francois.faure@ird.fr) João Ubiratan Moreira dos Santos Universidade Federal Rural da Amazônia, Instituto de Ciências Agrárias. Belém-PA (bira@museu-goeldi.br) José Francisco Berrêdo Pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia (berredo@museu-goeldi.br) José Paulo Sarmento Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia. Belém-PA (sarmento@museu-goeldi.br) Kathy Panechou Observatoire Régional de l’Air de Guyane. Caiena, Guiana Francesa (kppguyane@wanadoo.fr) Linda Naura Macedo Silva Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Biociências, Centro de Ecologia. Porto Alegre-RS. Lourdes Gonçalves Furtado Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências Humanas, área de Antropologia. Belém-PA (lgfurtado@museu-goeldi.br) Luziane Mesquita da Luz Universidade Federal do Pará, Faculdade de Geografia e Cartografia. Belém-PA (luzianeluz@hotmail.com)


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Márcio Sousa Silva Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá, Centro de Pesquisas Aquáticas. Macapá-AP (marciosousa@bol.com.br) Marco Valério Jansen Cutrim Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências e da Saúde, Departamento de Oceanografia e Limnologia. São Luís-MA (cutrim@ufma.br) Maria das Graças Santana da Silva Tecnologista do Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências Humanas, área de Antropologia. Belém-PA (santana@museu-goeldi.br) Maria de Nazaré do Carmo Bastos Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Botânica. Belém-PA (nazir@museu-goeldi.br) Maria do Socorro Rodrigues Ibañez Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Ecologia. Brasília-DF (ibanez@unb.br) Maria Emília da Cruz Sales Coordenadora de Planejamento e Acompanhamento/Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém-PA (bia@museu-goeldi.br) Maria Filomena Videira Secco Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Museologia. Belém-PA (fsecco@museu-goeldi.br) Maria Marlúcia Ferreira-Correia Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências e da Saúde, Departamento de Oceanografia e Limnologia. São Luís-MA (mmarlucia@superig.com.br) Maria Thereza Prost Pesquisadora colaboradora do Institut de Recherche pour le Développement (IRD-Cayenne). Caiena, Guiana Francesa (prost.maria@orange.fr) Mariano Oscar Aníbal Ibañez-Rojas Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão, Campus Codó. Codó-MA (ibanez@ifma.edu.br) Márlia Coelho-Ferreira Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi; Coordenação de Botânica. Belém-PA (mcoelho@museu-goeldi.br) Paula Cilene da Silveira Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências e da Saúde, Departamento de Oceanografia e Limnologia. São Luís-MA (pcasilveira@ufma.br) Pedro Walfir Martins e Souza Filho Universidade Federal do Pará, Instituto de Geociências. Belém-PA (walfir@ufpa.br)

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Salustiano Vilar da Costa Neto Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá, Centro de Pesquisas Aquáticas/Unidade de Dinâmica Biótica. Macapa-AP (salucosta@zipmail.com.br) Solange Alves Nascimento Administração Estadual do Meio Ambiente – Sergipe. Aracaju-SE. Valdenira Ferreira Santos Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá/Centro de Pesquisas Aquáticas. Macapá-AP (valdeniraferreira@yahoo.com) Verônica Maria de Oliveira Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Biológicas, Departamento de Zoologia. Pontal do Paraná-PR. (veronica@ufpr.br)


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