Pintura betâmio

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PINTURA Alfredo Betâmio de Almeida

Coordenação e Introdução de Elisabete Oliveira / Prefácio de Rui Mário Gonçalves

Câmara Municipal de Benavente


PINTURA Alfredo Betâmio de Almeida

Coordenação e Introdução de Elisabete Oliveira / Prefácio de Rui Mário Gonçalves

Câmara Municipal de Benavente


CONTEÚDO

AGRADECIMENTOS Alfredo Betâmio de Almeida deixou-nos um conjunto de obras resultantes do seu saber e talento e da sua paixão pela vida. Este Livro tornou-se realidade graças à dedicação competente e generosa de Elisabete Oliveira que lutou persistentemente por esse objectivo. Acresce que este objectivo foi conseguido através de uma ligação intíma com a terra natal e suas gentes que o meu pai muito amava e respeitava. Em nome da família e dos amigos de A.B.A. o nosso profundo agradecimento a todas as pessoas e instituições que tornaram possível esta edição, nomeadamente aos Srs. Presidente da C.M. de Benavente António José Ganhão; Vereador da Cultura da C.M. de Benavente - Hélio Justino e Chefe da Divisão Municipal de Cultura, Educação e Turismo de Benavente/Directora do Museu Municipal de Benavente - Cristina Gonçalves e, ainda, a Rui Mário Gonçalves que com o seu prefácio enriqueceu esta obra; e a todos os que realizaram as tarefas que a Nota Editorial menciona. António Betâmio de Almeida FICHA TÉCNICA

Ficha Técnica.............................................................................2 Conteúdo...................................................................................3 Nota Editorial. Elisabete da Silva Oliveira......................................5 Prefácio. A visão, o tacto e a memória. Rui Mário Gonçalves .......7 Introdução. A pintura de Betâmio. Elisabete Oliveira ................13 OBRA PLÁSTICA - DESENHO E PINTURA - DE BETÂMIO ............23 EM TORNO DA PINTURA DE NATUREZAS-MORTAS (Notas-Ensaio)77 Alfredo Betâmio de Almeida Preâmbulo ............................................................................78 Introdução.A natureza-morta reflecte uma vivência humana79 1. Linha Histórica da Pintura de Naturezas-Mortas...................82 Séculos XV e XVI ........................................................................82

Almeida, Alfredo Betâmio de. Pintura C.M. Benavente/Museu M. de Benavente

Séculos XVII e XVIII ...................................................................85

Benavente, 2004. Pp 128 Oliveira, Elisabete: Coordenação/Montagem/Nota Editorial /Imagem / Índices

Espanha ....................................................................................86

Introdução; Quadro sinóptico;Índices; Cronologia; Design gráfico/Capa Fotografia/Figuras, excepto as abaixo mencionadas.

França.......................................................................................88

Gonçalves, Rui Mário. Prefácio Imagem: AA DD (Não identificadas): Fig.s 4,5 (Fotos); e 58, 59, 60 e 61

Holanda ....................................................................................90

Almeida, Alfredo Betâmio de. Originais xerocopiados: Capa e Fig.s 2, 3, 6, 9, 11, 12 e 48a

Flandres ....................................................................................92

Almeida, António P.S. Betâmio de: Fig. 1 (Foto) Museu Nacional de Arte Antiga/J.L. Porfírio. Reprodução autorizada (Set 2002) de foto in:

Itália.........................................................................................94

J.L. Porfírio (Coord.). Museu de Arte Antiga. Lisboa. Verbo. Lisboa, 1977 (p. 74): Fig. 62 Rodrigues, Augusto. Original (Colecção de Betâmio) xerocopiado: Fig. 8

2. O Modo Estético de Existência da Natureza-Morta................94

Artes finais e separadores: Sandra Figueiras / Museu Municipal de Benavente Palavras-Chave: Pintura; Natureza-Morta; Estética; Pintores/Betâmio; Expressão Visual; Cultura

3. A Natureza-Morta na Arte do Século XX (Notas) ....................98

Impressão: 1000 - Gráfica Central de Almeirim D.L. 206809/04

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4. A Natureza-Morta na Pintura Portuguesa (Esboço) ..............105 03


Bibliografia ............................................................................108

NOTA EDITORIAL

Quadro Sinóptico. Pintura de natureza-morta Elisabete Oliveira ......................................................................110 Anexo ....................................................................................112 Cronologia (Vida/obra de Alfredo Betâmio de Almeida) Elisabete Oliveira ......................................................................118 Lista das Figuras ....................................................................126

O presente livro compreende a apresentação da obra plástica de Betâmio (Alfredo Betâmio de Almeida, 17.02.1920 - 15.02.1985) e as suas notasensaio “Em torno da pintura de naturezas mortas”. Para a primeira parte, procurámos conhecer as centenas de desenhos e guaches e cerca de 125 óleos do autor, excluídos os pertencentes a colecções particulares/Museu Municipal de Benavente. Seleccionámos as obras - e fotografámo-las - por um critério cronológico de documentação das nuances do percurso expressivo de Betâmio, do nosso ponto-de-vista expresso em “A pintura de Betâmio” - introduzidas com fotos e desenhos que nos pareceram significantes. E, às figuras, anexámos a introdução do Autor à sua exposição de Benavente (1982) e breves excertos da sua obra para publicação,”Textos Inevitáveis”, que julgámos esclarecedores. A apresentação final teve o parecer de Rui Mário Gonçalves, que a prefaciou, na sua qualidade de crítico-de-arte, de ex-aluno de Betâmio no Liceu Normal Pedro Nunes e de amigo. Relativamente às Notas-Ensaio, “Em torno da pintura de naturezas mortas”: O Autor elaborou este estudo nos anos '70 e '80 (notas raramente datadas, de '76, '81 e '84), versões com títulos alternativos ao adoptado - “Notas para um estudo sobre a 'natureza-morta'”, “Natureza-morta, pintura de um retalho da vida quotidiana”, “Breve estudo sobre a natureza-morta”. À data da sua morte, o ensaio ficou incompleto, a introdução e os Capítulos 1 e 2 com notas anexas dispersas e os Capítulos 3 e 4 em esboço. Todavia, entendemos que a forma dos textos, não definitivamente apurada, não seria impeditiva do registo da visão do Autor sobre o tema; e que esta, além de poder ser útil como introdução à “natureza-morta”, apoiaria a compreensão da obra plástica do Autor. Apresentamos o texto na ordem em que o Autor o planeou, na versão mais acabada do original. As alterações da montagem são assinaladas (NM). Seis imagens-referências reunidas pelo Autor, são incluídas em «Anexo». Constituímos dois textos em “Preâmbulo”. Montámos o “Quadro Sinóptico” e a “Bibliografia”; e elaborámos a Introdução, os Índices e a Cronologia.

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A Viúva do Autor, Maria Perpétua S.C.B. de Almeida, (falecida em Dezembro de 2002) preservou as obras e, juntamente com Maria Luisa Vieira, uma das duas dedicadas Secretárias de A.B.A. no Instituto de Tecnologia Educativa e Mariana Freitas da Costa, amiga de família, contribuiu para a reconstituição cronológica. O Filho do Autor, Prof. Engo. António P. S. Betâmio de Almeida, providenciou o processamento do texto - a cargo de Ana Paula Clérigo e deu parecer final sobre a montagem editorial presente. Elisabete da Silva Oliveira. 1986 - 2004.

PREFÁCIO Rui Mário Gonçalves

A visão, o tacto e a memória Eu tinha dez anos de idade e frequentava o primeiro ano do Liceu Passos Manuel. O professor de Desenho era o Pintor Martins Barata. Betâmio de Almeida iniciava nesse mesmo ano lectivo a sua actividade de docente no Liceu Pedro Nunes, com breves passagens pelo Passos Manuel. Foi numa dessas passagens que me cruzei pela primeira vez com Betâmio de Almeida, ou, mais simplesmente, que o vi e ouvi, de modo fugidio. Foi assim. Nas aulas de Desenho eu deixava-me absorver muito na prática dos exercícios propostos, principalmente quando o tema era livre. Em determinado momento, ouvi murmurar nas minhas costas: - Repare na imaginação deste miúdo. Nunca faz duas árvores iguais. As palavras ficaram na minha memória, tal e qual, porque naquele momento, receei que tivessem um sentido que me escapava, para além do significado literal. Porque reparavam eles num desenho com árvores diferentes? Eu sabia que todas as árvores são diferentes. Para quê dizer que eu tinha imaginação? Não tomei as palavras ouvidas (indiscretamente?) como um elogio. Não tinha idade para perceber isso. Pelo contrário, sendo o meu pai e o meu tio, meus educadores em casa, pessoas dedicadas às ciências naturais, eu julgava que caracterizar alguém como miúdo com imaginação era o mesmo que denunciá-lo como mentiroso.

Fig. 1 A.B.A. e o neto, Pedro, na Exposição no Museu Municipal de Benavente, de 1982.

Mas os professores nada acrescentaram e afastaram-se serenamente, para observarem os desenhos dos meus colegas, trocando impressões em voz baixa. Essa serenidade era incompatível com a de alguém que tivesse acabado de descobrir um mentiroso e foi um bálsamo apaziguador dos meus receios. Em Outubro de 1945 fui transferido para o Pedro Nunes, onde fiquei até completar os estudos liceais, tendo sido aluno de Betâmio, António Carreira e Lacerda Ferreira. De todos eles guardo boa recordação. Foi porém tardiamente, já como aluno da Faculdade de Ciências, que se me tornou evidente que os meus gostos mais profundos eram a Literatura e a

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Pintura. Fora da Faculdade, os meus amigos eram poetas e pintores, com quem comentava a vida artística. Fiz-me crítico de arte e comecei a publicar as minhas opiniões devido à insistente solicitação dos meus amigos pintores, em especial o José Escada. A minha inicial actividade jornalística teria sido talvez diferente do que foi, se eu não conhecesse as condições de trabalho (más), as ideias dos pintores (cada cabeça, cada sentença), o desinteresse do público e a hostilidade oficial para com a modernidade. Não havia nenhum museu significativo de arte moderna e as encomendas públicas eram esteticamente retrógradas. Em tal contexto, o ensino não podia avançar com a pressa necessária. Alguns professores faziam o possível e tentavam o impossível, mas não apenas encontravam as resistências do meio social como as da própria legislação. Entre os mais esforçados e lúcidos, deve ser considerado o Professor Betâmio de Almeida. O seu percurso, as suas reflexões e a sua obra contêm ensinamentos úteis para todos os que pugnam pela melhoria da cultura visual básica. O percurso individual de Betâmio pode ser observado de duas maneiras: uma, segundo a sua história exterior, documentada oficialmente, com notáveis momentos de intervenção transformadora e uma não menos notável persistência na sua escrupulosa acção didáctica como metodólogo; outra, segundo a sua história interior, tal como ele próprio a viveu, e que permaneceu (até hoje!) ignorada. Quem quer que se tenha dedicado à historiografia da didáctica do ensino, conhece a história factual da acção de Betâmio e sabe já a sua importância. E graças à iniciativa da Câmara Municipal de Benavente, vai ser conhecida a história interior de Betâmio de Almeida, através da leitura dos seus “Textos Inevitáveis”, longos cadernos que ele foi preenchendo durante muitos anos, como um diário. Estes “Textos Inevitáveis”, que há muito deveriam ter sido publicados, têm agora a publicação à vista. Juntando numerosos e variados apontamentos, neles encontramos impressões colhidas na vida quotidiana, registadas com sensibilidade, vontade de verdade e abertura de espírito, características que também se revelam nas suas poesias; neles encontramos breves reflexões sobre arte e sobre a sua própria prática pictural; neles, finalmente, encontramos, aqui e ali, reacções às intrigas políticas, onde elegantemente ele omitiu os nomes. Em suma, “Textos Inevitáveis” é um honestíssimo testemunho de uma vida e de uma época. Neste catálogo, pode-se ler alguns fragmentos desses “Textos”, escolhidos criteriosamente pela Professora Elisabete Oliveira entre aqueles que mais se

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aproximam da prática artística de Betâmio de Almeida. Ao longo das páginas, apresenta-se reproduções de pinturas, por ordem cronológica: é uma sequência visual significativa por si mesma. A colecção de citações acompanha admiravelmente a vontade de revelar o artista e chega, por vezes, a coincidir de facto com a obra reproduzida. As reflexões de Betâmio sobre a arte e a sua didáctica foram desenvolvidas em textos que merecem também ser reunidos e publicados. São já antigas as edições que de alguns deles as editoras Escolar Editora e Livros Horizonte realizaram. A sua reedição impõe-se, assim como deve ser feita a compilação dos numerosos textos publicados na revista “Palestra” do Liceu de Pedro Nunes. A sua actividade como professor reflecte-se em tudo quanto escreveu, pensou e experimentou como artista. Como pintor, vêmo-lo aparecer nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (1946-1956) da Sociedade Nacional de Belas Artes (Lisboa). Chamavam-se “Gerais”, porque todas as modalidades artísticas eram admitidas. Recitais de poesia e música eram organizados simultaneamente. No catálogo dizia-se: “não deve esquecer-se que está presente um vivo desejo de aproximar a arte do povo”, de levar ao povo “uma mensagem de amizade e de solidariedade”; procurava-se uma “fusão de géneros e de correntes estéticas”, “expressões diferentes mas solidárias de um Homem que tem estado separado, incompleto, despedaçado e busca agora ansiosamente o caminho da sua integração”. Desta época, apresenta-se aqui um pequeno guache de 1947 intitulado “Cavador”. A atenção ao sofrimento dos camponeses fica registada em formas expressionistas, com acentuações anatómicas dos braços e com a representação do instrumento de trabalho, a enxada. Neste mesmo ano de 1947, foi muito lido um livro de Herbert Read, que era então o mais conceituado crítico de arte britânico e forte impulsionador da educação pela arte. O neo-realista Victor Palla já citara este crítico no portuense jornal “A Tarde” (1945), num suplemento cultural dirigido por Júlio Pomar. O livro intitulava-se “A Arte e a Sociedade” e apareceu em tradução portuguesa no final de 1946, editado pela Biblioteca Cosmos, orientada por Bento de Jesus Caraça. A função social da arte é aí apresentada de um modo mais profundo do que o relacionado apenas com os serviços prestados pela ilustração, e afirma que “há uma contradição essencial entre arte e vulgarismo (ou, para nos mantermos dentro de termos estéticos, entre arte e realismo)”. Para Read, os teóricos soviéticos não consideraram o processo dialéctico próprio da arte,

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“uma síntese de contradições de realidade e irrealidade, de razão e imaginação”. Segundo Read, esses teóricos apenas consideraram um reflexo das contradições presentes no organismo social, “uma taxa sobre uma espécie particular de idealismo”. E Read concluía: “Não nos iludamos a nós próprios imaginando que se pode criar uma grande arte em condições que tanto a história da arte como a psicologia do artista mostram ser impossíveis”. O formulário do realismo socialista soviético praticamente nunca existiu na arte portuguesa. Os neo-realistas aproximaram-se mais das intenções dos gravadores e muralistas mexicanos, que todavia Read também não aceitava. Mas Read valorizava os expressionistas, incluindo os alemães da Nova Objectividade (Otto Dix), e Gromaire, Permeke, Rouault, que interessavam aos portugueses. Valorizava também os surrealistas e os abstraccionistas e, mais tarde, os informalistas. Os seus ensaios de psicologia da criação artística inspiraram os estudos sistemáticos do psicanalista Anton Ehrenzweig, cujo livro “The Hidden Order of Art” mereceu a atenção de Betâmio de Almeida, logo após a sua primeira publicação, nos anos 60. O livro de Read que mais converge com as investigações de Ehrenzweig é “Icon and Idea” (1953), principalmente o penúltimo capítulo dedicado ao Informalismo.

e alguns deles são feitos pelos artesãos, como as garrafas, os copos e as mesas. O pintor, por sua vez, pode colocá-los à vontade diante de si, facilitando as exigências compositivas. O que é o acto de ver e o do seu registo? Esta pergunta, que todo e qualquer pintor faz incessantemente a si próprio, ganha uma particular responsabilidade em quem é educador. Olhando as pinturas de Betâmio, pode então dizer-se que elas são produto de quem é professor, empenhado em aprender, por conta própria, as lições dos mestres e reparar nas constantes técnicas que atravessam a História da Arte, mantendo, tanto quanto possível, a elementaridade expressiva que convém ao didactismo. Ver uma mesa é sentir a sua cor e compreender a sua estrutura. A verificação de um contorno, ou de uma textura, pede a confirmação do tacto. A elaboração da convergência dos dados dos diversos sentidos não deixa de ser permeável às intenções do autor e suas associações de imagens. Qual é o espaço da natureza-morta?

Nos anos 60, Betâmio estava seguindo os ensaios mais actualizados de psicologia da arte e interessava-se também pela semiótica, que ele procurou aplicar à arte do desenho, com intenções didácticas. A sua própria pintura oscilava então entre as tendências informalistas (gestual e matérica) e outras mais construídas, por vezes sugerindo pormenores de muros campestres, com sua acumulação de pedras irregulares: entre a agilidade da mancha de cor num espaço indefinido e a fixidez das texturas organizadas no plano frontal, coincidente com o plano do próprio suporte pictural. Essa cor liberta, dos contornos, tem uma tradição moderna no paisagismo de tipo impressionístico. É puramente visual. A textura táctil tem outra tradição moderna: a da natureza-morta cubista. Será esta que será mais aprofundada por Betâmio. Quando, por assim dizer, lhe vêm saudades da cor pura, representa algumas flores viçosas nas suas naturezas-mortas. Betâmio estudou as naturezas-mortas dos grandes mestres: Chardin, Cézanne, Braque, Morandi... A natureza-morta, principalmente a partir do século XVII, tem sido o género que melhor convém à mentalidade científica instaurada durante esse século na civilização europeia. Os objectos representados podem ser minuciosamente observados, quer visualmente, quer tactilmente; as suas cores, texturas e formas são do conhecimento comum, estão presentes na vida quotidiana, como os frutos, os peixes, a caça

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O pintor francês Georges Braque definiu-o em função da tactilidade. O espaço da natureza-morta é então o lugar de tudo o que está ao alcance da mão do pintor. Betâmio socorreu-se do mais antigo modo de representação: o contorno dos objectos. Como os objectos são bem conhecidos, ele pôde alterar-lhes as formas sem que eles deixassem de ser identificáveis. Como nas pinturas de Cézanne e dos cubistas, uma garrafa representada por Betâmio nunca apresenta a sua simetria. Porquê? Porque a forma simétrica impõe-se vigorosamente ao acto perceptivo, sobrepondo-se à percepção das cores do objecto e do fundo. Um certo equilíbrio deve ser, então, encontrado entre o vigor da forma e o da cor, enfraquecendo-se aquele que for excessivo. Utilizando sempre contornos fechados, as composições de Betâmio não são porém meros desenhos coloridos. Há sempre neles uma sensibilidade pictural, com seus jogos de cores abafadas e de valores luminosos intimistas. Diante da sua pintura, a percepção do que se encontra na sua superfície plana revela o pensamento visual do pintor em actos decisórios: equilibrar os poderes da forma com os da cor, a sugestão do espaço real e a virtude expressiva do tratamento da superfície... Muitas vezes predominam as linhas paralelas aos bordos do suporte e algumas passam de contorno a contorno dos

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INTRODUÇÃO diversos objectos representados. O pintor impôs as suas regras, as mais simples, para montar e desmontar à vontade os mecanismos do acto de visão e do seu registo, num processo que se abre para o poder evocativo.

Elisabete Oliveira

A pintura de Betâmio

Escreveu Betâmio: “Uma mesa de pinho, que sempre conheci a um canto da cozinha, e uma cadeira de assento largo que lhe estava junto. Era a mesa dos candeeiros de petróleo e da candeia de azeite que alumiava toda a noite o longo corredor da nossa casa. Algumas naturezas-mortas que muitos anos depois pintei, reflectem o tampo desta mesa” (1977). “A obra de arte é um resumo de mil horas de ver, ouvir e tocar. Ela é uma adivinha de promessas que se abre a quem vive aberto para a vida. A receptividade ao fluir da vida e aos rebates das forças vitais faz da arte um arado, ou coisa parecida, que garante o amanhã melhorado. Quando se diz que a arte é evasão, outra coisa não é de pensar que não seja a vontade de mais viver e de estar na vida com liberdade” (1976). “A minha pintura é pobre e feita para sentir demoradamente as coisas simples e parentes da terra: a garrafa, os frutos, os utensílios de conter, a pequena mesa de pau. Coisas de casas velhas. Coisas cansadas que se apegam à memória e que, para o fim da vida, são as mais importantes” (1980). Repare-se na imaginação de Betâmio de Almeida. Ela manifesta Lisboa, sempre o 2002 sentido do essencial.

Fig. 2 - 08.01.1977 Auto-retrato de Betâmio. Desenho a lápis. 9 x 15 cm. (s/ papel)

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Fig. 3 - 1936 (Paisagem). Primeira obra conhecida de Betâmio. Desenho aguarelado. 20 x 21 cm. (s/ papel)

Betâmio já despertara para o gosto da criação plástica nos seus tempos de juventude em que criava cenários para o teatro amador benaventense e desenhava aspectos locais históricos que pesquisava e a paisagem que respirava - tema do primeiro desenho aguarelado, ingénuo, que dele nos chega datado de 1936 e assinado Aba. Completou o Curso de Desenho da Escola de Belas Artes de Lisboa aos 22 anos, em 1942. E participou nas 1ª e 2ª Exposições Gerais de Artes Plásticas, SNBA, 1946 e 1947, respectivamente com Desenho (182 e 183), em “DesenhoAguarela-Gouache-pastel-Gravura”; e Desenho (6 e 7; 150$00 cada) e Gouache (8; 500$00), em “Desenho-Aguarela-Gouache”. Em '40 e '43, fez numerosos estudos de paisagem em desenho e alguns em guache, estes entre a luminosidade “impressionista” (Fig. 9, onde a natureza morta subtilmente subverte a paisagem) e a alacridade “fauve”, de figuras típicas e formas geométricas, resvalando para o ilustrativo “decorativo”, de nús (em '43 com recurso à cor intensa do lápis-de-cera). Destes, há uma série aguarelada em pequeno formato datada de '46 mas consideramos que o melhor exemplo é o desenho de '48 (Fig. 11), forma cheia nascida da linha ondulante aberta. 14

Fig. 4 - 1941-2 Foto na aula de “Desenho Vivo”, Escola de Belas Artes de Lisboa. Da esquerda para a direita, fila de cima: Vasco da Conceição, Alexandre Bastos, João Frederico Ayres, Francisco de Castro Rodrigues, Sebastião Formosinho Sanches, Hernâni Soares Nunes, Joaquim Correia. Fila de baixo: Alfredo Betâmio, Joana Dulce de Sousa Dias, (Mestre) Leopoldo de Almeida, Maria Isabel da Cunha Ferin Coutinho e Francisco da Conceição Silva.

Outro tipo de desenho que nos parece conseguido, lançamento robusto, linha frágil, é exemplificado na Figura 12 ('48). Contrastantes são a fogosidade imaginativa quase “surrealista” em simultaneidade com crescentes recorte e acentuação “expressionista”, por vezes roçando a angústia, de muitos desenhos e alguns guaches ('44-'49) de figuras do povo - trabalhando, sofrendo, como em “cavador” (Fig. 10, '47) ou de jovens ansiosamente interrogativos, mãos e pés agigantados; surge mesmo um guache do Calvário (Benavente, '44) de céu plúmbeo lancinante … formas plásticas consonantes com poesia de juventude do Autor (vd. “Textos Inevitáveis”). Dir-se-ia que, já então, visionava uma felicidade plena (o seu filho nascera em '47…) e, consciencializando como escasseiam os meios para a alcançar e como para todos ela é fugaz, pressentia a mágoa que em 17.01.'85, a um mês da morte, ao descer o Chiado, o levaria a escrever as últimas palavras dos seus “Textos Inevitáveis”: 15


Fig. 6 Anos 50. (Mãe, de Betâmio). Desenho a tinta-da-china. 12 x 12 cm. (s/ papel). De colecção de desenhos de família, anos '40 e '50.

Fig. 5 - 1946 Foto de expositores da 1ª Exposição Geral de Artes Plásticas, na SNBA: Esquerda para a direita, fila da frente: Castro Rodrigues, Norberto de Ávila, Falcão Trigoso, Maria Barreira, Vasco da Conceição, Keil do Amaral, Alberto Pessoa,Hernâni Nunes, Manuel Pavia, ?, Manuel Mendes. Fila de trás: Betâmio, Cândido Costa Pinto, ?, ?, ?, António Pedro, Vespeira e Vasco Lucena, ?, ?, ?

… “Não encontro a palavra certa para traduzir a estranha mistura do sentimento da morte com a ânsia de querer a Primavera que me tomava a respiração”. Picasso, Bernardo Marques, Pavia e Resende mereciam-lhe grande atenção o penúltimo era seu amigo e, do último, tinha um desenho “expressionista” numa parede do seu escritório.

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Lezíria, alegria serena, muito azul e raro vermelho, garantir o “pão” e o pão vimo-lo ser-lhes dedicado, com terra, família, alunos, colegas, instituições e obra… Daí, talvez, as suas opções: -desejar ardentemente pintar mas dar prioridade e gastar-se desde 1942 (estágio pedagógico, '42-'44) a fazer avançar a Educação Estética Visual e as pessoas e instituições educacionais a si confiadas. Em 07.04.80, escreveu (em “Textos Inevitáveis”): …”Pintar ou escrever emocionado, procurar de modo sincero responder à forma de criar foi em mim uma necessidade forte, um imperativo vindo não sei de onde. Mas para lá do impulso autêntico importa, também, a vida toda entregue à aventura e isto faltou-me”; -não se ter permitido afastar-se, recusando o convite para investigar no Massachussets Institute of Technology;

Querer viver de forma desperta e intensa o real e expressá-lo, julgamos ter sido uma constante de expressão na sua obra plástica. Mas um real sentido por quem tem os pés no chão do possível e caminha emocionado na construção do imaginário desejado; e de evocacionalidade simbólica, como em toda a obra de arte. Ele próprio se situou “entre o realismo e a abstracção lírica” (vd. página da introdução à Exposição de Benavente, no manuscrito).

-ter pintado como quem respira (com o sentido de respiração de quem há muito luta contra a asma); e como um franciscano (… na década desde '65, no gabinete anexo à sala de Desenho, 2ª janela do topo direito da fachada do Liceu Normal de Pedro Nunes; tardes de sábado, em recolhimento que nunca nos atrevemos a interromper, embora partilhássemos a sala de Desenho, de '65 a '69 …);

Sendo a obra de arte uma forma frequentemente integradora de contrastes, na de Betâmio terá havido uma simultaneidade de despojamento do desenho de objectos e frutos; e de esplendor da cor transfigurando o desenho.

-não se dar ao “luxo” de ter “atelier” e expor; aproveitar frequentemente costas de desenhos de antigos alunos para os seus desenhos; e, tendo usado as primeiras telas, a par do cartão prensado, em '65, só em '76 as telas predominarem;

Órfão de pai aos 4 anos, cresceu trabalhando. Mãe e lar, tornaram-se-lhe muito significantes. Julgamos que se propusera avançar nunca sacrificando outrem. Ouvimos-lhe uma vez dizer que, quando alguém avança muito depressa, a outrem em suporte isso poderá estar custando… E desconfiava das coisas demasiado perfeitas…

e, quando em '82, finalmente, decidiu apresentar naturezas mortas recentes, escolhendo para tal o Museu Municipal de Benavente, interrogando-se (ao escrever-nos) se seria justificado um gasto para expor obras suas… 17


Fig.8 - 1955. Retrato caricatural de Betâmio, pelo pintor brasileiro e fundador das “Escolinhas de Arte” do Brasil/América do Sul - Augusto Rodrigues. Caparica. Desenho. 13 x 26 cm. (s/ papel).

Fig. 7 - 1959/60? (Paisagem - Olival e muro, Benavente). Primeiro óleo conhecido de Betâmio. 50 x 40 cm. (s/ cartão prensado).

O primeiro ensaio de pintura a óleo de Betâmio data de '59/'60 - uma mancha vigorosa, plena de matéria e representando o muro e o olival das suas reminiscências de infância. Entre '49 e '65, prossegue a busca formal, predominantemente linear, ora em geometrismo, ora em gestualismo; algumas composições de '64 e '65 são aparentadas aos estudos de forma-fundo “bauhausianos” ou ao traço veloz de Hartung. Esta prática prolonga-se até aos anos '70 e será associada à docência, elaboração de compêndio escolar, metodologia e investigação de Educação Estética Visual, às quais Betâmio então se entregava em posição de vanguarda no contexto português e bem a par do movimento internacional nessa área. Por '65 desenvolve o guache, onde é dominante a pesquisa da cor. E é a partir deste ano que se torna sistemática a pintura a óleo, onde julgamos observável a seguinte evolução: '66 - 7: Se há um ponto de partida, de figuração, esta é dominada pelo movimento enérgico de matéria intensa e luminosa que tudo unifica, como em “Sóis, Girassóis” (Fig. 14).

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gosto que teve em visitar o Museu de Arte Abstracta de Cuenca. E a intencionalidade dos blocos “pétreos” passa a ruptura, criando “gargantas” de abismo onde podem resistir formas, num equilíbrio na eminência de se romper (Fig. 17). '68: É o ano de maior produção de óleos pelo Autor (21 localizados). Um movimento em turbilhão invade as telas, em sóis (Fig. 19) ou em “abstractos” (Fig. 20) ricos de matéria sulcada pelo gesto incisivo do pintor; e irá desagregar a estrutura de blocos (Figs. 21 e 22) a ponto tal de desmaterialização/desconstrução que é atingida uma quase atmosfera de mancha esvoaçante, a recordar o movimento de algumas obras de Vespeira mas mais clara, sem perder intensidade matérica (Fig. 23). Ressurge a figuração: um primeiro óleo de natureza morta, matérico, de azuis delicados (Fig. 24); e um parcelamento de figura humana, como um eco da estrutura de blocos agora transfigurados em fragmentos, composição talvez relacionada com Carrà (Fig. 25). '69:Um percurso de charneira leva aos últimos óleos de figuração humana (uma rara figura completa, em azul, num dos maiores óleos; e presenças desmaterializadas em quadros (Fig. 26).

Surge a mancha rectangular em fundo claro (Fig. 13) que cederá lugar às composições de “pedras” (o Autor era sensível à carga do tempo, evocada pelas pedras…), estruturas rectangulares, também plenas de matéria, humanizadas por marcas (siglas, setas, riscados) por vezes (Figs. 15, 16 e 18).

Um singular momento (da segunda metade dos anos'60) terá originado (Fig. 27) o rosto de matéria arrepanhada e riscada, olhos vazios, boca cosida (duma radicalidade que recorda Klee) … quando vimos essa obra, em '69, disse-nos: “Afaste-se daí … faz mal. Ainda hoje me incomoda (…). O azul: senti que era este o fim… para aqui devia tender, se houvesse tempo”…

Nesta 2ª metade dos anos '60', conhecemos o interesse do Autor por Tapies e Clavé; e o

Por outro lado, a “via da arte abstracta esgotou-se”, segundo palavras do Autor… mais 19


“ordenamente” (Fig. 29) ou explosivamente, numa das raras aparições de vermelho (Fig. 28). … Para finalmente desembocar em “Cozinha Velha” (Fig. 30), apaziguante reminiscência, encontro com raízes. Julgamos que aqui se situa o começo do percurso em que Betâmio criou um modo pessoal de expressão, o seu “estilo”, na via da natureza morta. Esta é a obra que colocará a abrir a sua exposição de naturezas mortas de '82, onde fala da “paz” e “respeito pela natureza”, com “os objectos que, no dia-a-dia, nos servem e nos acompanham”. '70 4: Este terá sido um período de longa encubação, do qual só se conhecem guaches de pesquisa de cor, um deles uma geometrizada e cinzenta “Homenagem a Millares”. Deixado o Liceu Normal de Pedro Nunes para doravante assumir responsabilidades de direcção educacional, o Autor passa a pintar na casa da Costa da Caparica. '75:Isoladamente, surge uma paisagem geometrizada, branca em noite azul, com algo de“aluado” e de “pueblo” que ao Autor eram queridos (Fig. 31). Embora “Giovanni Arnolfinni e sua mulher”, de Van Eyck, o tivesse sempre acompanhado “com a sua serenidade”, no gabinete de Desenho do Liceu Normal de Pedro Nunes, sentia-se mediterrânico, em uníssono com muros brancos caiados como os do Benalmadena sol, oliveiras, azeitonas, pão, vinho, mel, perfume de limoeiro…). Mas é na natureza morta que Betâmio atinge, nesta fase, um ponto de profunda realização: A organização do quadro é equilibrada com massas bem marcadas, em “fundo” cada vez mais despojado, e a envolvência da cor penetra e unifica o total (Figs. 32, 33 e 34). Nesta última obra, particularmente, há uma serenidade arrojada: - a mesa e os objectos, surgem em mancha quase sem sugestão de volume; mas sendo esses objectos, simultaneamente, pesados, de uma estabilidade indestrutível, numa união concentrada contra a forma angular superior direita que é apoio e barreira; e, esse agregado, apenas e equilibrado no quadro pela cor-forma “independente” do limão amarelo. O enrugado da superfície do cartão prensado re-usado confere tactilidade e um sentido de tempo que deixou marca. O Autor entendera colocar a par, no seu quarto conjugal, esta obra (Fig. 33) e uma “Anunciação” de Fra Angelico… diremos que pintava um limão como poderia representar uma presença humana, um fruto, em plenitude; uma trindade de objectos como uma família… e criava uma “atmosfera envolvente” através da cor… assim encontrando o transcendente com o quotidiano. '76-'82:O desenvolvimento da natureza morta pelo Autor prolongar-se-á, no óleo, até '82, quando por limitações de espaço foi forçado aos pequenos guaches; e, nestes, até '84. Se em muitas naturezas mortas de Betâmio se sentem as influências de Cézanne, Eduardo Viana ou Morandi, que apreciava profundamente, o que é próprio no carácter da sua expressão? 20

Julgamos que as naturezas mortas de Betâmio revelam duas acentuações: Uma, em que a construção predomina, próxima das planificações e sobreposições “cubistas”, cujos melhores exemplos serão os documentos nas Figs. 38, 44 (com transparência) e, mais agressivamente, na 50. Outra, em que predominam o despojamento da representação e a plenitude da envolvência da cor, de que salientaremos as obras da Fig. 45 e, com maior rigor da representação, da 49. Talvez a segunda destas acentuações seja mais criativa de um “estilo Betâmio”, que se poderá designar de “realismo vivencial radical ou sensual” ou de “realismo lírico sensual” o cerebral subordinado à vivência fortemente sensual do saboreado ou desejado. Obras de síntese das duas tendências, destacaremos as das Figs. 42, 43 e 51; esta, perpassada de uma luminosidade mais fria, de uma desmaterilização tal que parece irmanar-se à trans-temporalidade da pedra e que poderá ter sido o último óleo do Autor, em '82. Ambos os tipos de acentuação actuam com a representação; e a escolha dos objectos é pessoal no lugar dado à mesa campesina e na preferência de certos objectos de uso comum e frutos. É rara uma composição na vertical, o que será coerente com uma certa busca de expansão de planura e em serenidade do Autor. Estas opções relacionarse-ão, provavelmente, com o desejo de algo capaz de permanecer para além da mudança vital, como as “pedras” que também pintou e onde se poderá encontrar outra afirmação, embora mais fugaz, de uma atmosfera construção de “estilo” Betâmio (Figs. 15-18, 21 e 22). O que encontramos na obra de Betâmio e que não encontramos na frieza da maioria das construções “cubistas”, no recorte forte das naturezas mortas de Viana (à excepção da que Betâmio mais lhe admirava, o inacabado “Relógio sobre mesa” - Fig. 63) ou na austeridade das criações de Morandi, afigura-se-nos ser a envolvência da cor idealmente desejada (a do macio rosa do alvorecer mediterrânico, na Fig. 33); e a intensa sensorialidade transmitida, conduzindo à percepção de que em simultâneo com a sua evocacionalidade do transcendente, as formas permanecem representações de seres que se oferecem ou se gastaram num existir sereno quotidiano, quase telúrico. '83 '5: Em '78, o Autor pintara um óleo isolado de paisagem mediterrânica (Fig. 40). O guache que desenvolve paralelamente à pintura a óleo e, a partir de '83, como meio quase exclusivo de expressão, evoluiu das buscas abstractas de cor da primeira metade dos anos '70 para o apontamento do real (Figs. 52, 53 e 55) ou a construção à base do real (Fig. 52), partindo sobretudo da paisagem; por vezes, com um geometrismo algo “decorativo” (Fig. 54). A última obra, de Janeiro '85, é uma construção de cor intensa, sobre paisagem, casando a densidade com a luz clara de abertura ao espaço (Fig. 57). Com base no modo de ver a natureza-morta que Betâmio revela nas suas presentes 21


Notas-Ensaio, “Em torno da pintura de naturezas mortas”, surge como muito provável que, ao pintar natureza-morta, o Autor experimentava uma “vivência muito livre”, libertadora “para uma realização paralela à obra abstracta”; obra sem “fins para lá de si própria”, vivendo “de um tema humilde que se apaga para dar realce à música suave, alegre ou dramática das cores”. A natureza morta seria também, para o Autor, uma forma de “investigar”, de vivencialmente “VER (distinto de ler)”. Poder-se-á colocar ainda a hipótese de que, quem teve sensibilidade para notar que com Gaddi (1337) a “natureza morta anima-se substancialmente do espírito que às coisas atribui a mensagem franciscana”, e (em “Textos Inevitáveis”) revela uma vertente afim ao despojamento franciscano, terá tido uma motivação ontológica pessoal para se centrar no género da natureza morta, considerado menor. Mas fê-lo com uma visão não redutora da pintura, que conduzisse à plena expressão independentemente do tema (… ou indo à natureza mais profunda das coisas?) … evocando transcendência em obras como as das Figs. 33 e 51. Por outro lado, o Autor, a certa altura, distinguiu duas tendências de n.m.: “nas primeiras, reflecte-se a alegria de viver, especialmente com a representação dos frutos da terra apetitosos e coloridos. Nas segundas, procura-se moralizar a vida, mostrar como é ilusória a felicidade terrena” … e delas resulta uma terceira, que “chega até aos nossos dias com a pintura de Morandi” … “As naturezas mortas são, antes de mais, um arranjo formal, uma organização visual de objectos simples, ligados ao dia-a-dia do homem, que deixam ao pintor total liberdade para 'criar' o seu quadro”. Tendo predominado a sua dedicação aos objectos comuns do quotidiano e aos frutos, diremos que pintar uma n.m. talvez fosse, para o Autor, uma experiência de afirmação do gosto de viver (ser feliz com um quase nada, como referiu nos seus “Textos Inevitáveis”?) mergulhando em raízes quando pintava a cozinha da sua infância e juventude.

OBRA PLÁSTICA - DESENHO E PINTURA - de BETÂMIO (2)

Palavras para um hipotético Catálogo Observou ainda o Autor que “A n.m. reflecte uma visão do mundo. Um objecto inerte, pode, quando nele se projectou a dor e a alegria humana, ser tão rico de vida como um rosto”. Particularmente atento às n.m. de Morandi, caracterizou-se por “a expressão da solidão”… e, ainda, enunciou que “a visão pictórica é uma atmosfera plástica em que os objectos se perdem e se encontram” … “Os objectos reflectem, naquilo que são e na forma do seu tratamento plástico, os sentimentos humanos que a eles associa o homem no seu viver interrogativo, magoado ou feliz”. Interrogando-se sobre o valor da sua pintura, por falta da reacção de outrem que o seu temperamento anti-autoexibição impedia que procurasse teria, todavia, a certeza da correspondência dessa pintura à sua total entrega, à singularidade da sua visão, o que lhe conferiria uma presença no contexto da pintura portuguesa. Em '83 escreveu, sobre os seus quadros: …”Talvez acabe por destruí-los mas são a minha vida. “… Mas nunca os destruiu. E, a nós, cabe descobri-los, fruindo o que esta pintura tem de único.

A minha pintura está animada de uma intenção. Nem sempre, talvez, esta intenção terá sido conseguida, contudo, neste momento, parece-me oportuno procurar iluminar esse rumo da minha acção pictórica. Situa-se, ou ambiciona situar-se, na esfera de uma arte de construção com imagens médias do visível quotidiano ou de objectos comuns recordados. Estruturalmente, portanto, são trabalhos de representação que partilham de um esforço de análise e de síntese. Além disto, que é de ordem da “carpintaria”, pintura que aspira a ser de aparato e para um espaço pessoal. Algo, portanto, de anti-luta.

Em plano de óptica mais vasta, é uma pintura figurativa com a intenção de concretizar uma certa essencialidade, de buscar uma pintura que só é pintura. Silêncio feito de cores. Um “dizer” sem palavras que procuro harmonioso.

(2) In :”Textos Inevitáveis”. 09.09.79 22

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“Abriu em Benavente, no Museu Municipal, a minha exposição de pintura. As palavras que escrevi para o catálogo dizem alguma coisa mas não dizem tudo. Não dizem, particularmente, quanto me é necessária a pintura e quanto tenho sofrido por ser na minha vida uma actividade empurrada para depois de tudo.”

INTRODUÇÃO À EXPOSIÇÃO «Naturezas Mortas de Betâmio»

Cartaz da Exposição 11 de Julho '82

Museu Municipal de Benavente, 11 Jul - 26 Set '82

Não é cómodo para um pintor falar de sua própria pintura. Sempre me conheci a desenhar ou a pintar e, como toda a pessoa que faz um trabalho sob um estado emocional, procuro uma qualidade que, por vezes, parece fugir e, em outros momentos, julgo ter conseguido. A colecção de quadros agora apresentada mostra o meu trabalho como pintor nos últimos anos. A temática dos quadros é a natureza-morta, género pictórico que se limita à representação de objectos da vida quotidiana. Mas, diga-se já, hoje, numa pintura, o mais importante não é o tema, não é a “coisa” representada, é a forma pictórica, o tratamento plástico que o artista dá à composição e cor do quadro. A harmonia cromática, parte essencial, surge como “música” para os olhos. E não é fácil encontrar um equilíbrio emocionante através do jogo das cores. Em 1946 e 1947 era um dos jovens pintores das faladas Exposições Gerais de Artes Plásticas. Durante anos pintei quadros abstractos ou, por outras palavras, quadros sem assunto. Pintura feita apenas de um jogo de formas cromáticas. Pintura que se admite, por não ter funções representativas, ser mais pura. Com o decorrer do tempo esta via da arte abstracta esgotou-se deixando, contudo, um rasto decisivo na arte pictórica. Pessoalmente passei a dar um valor muito grande aos objectos inertes e simples com que vivemos. Os objectos que tocamos diariamente acabam por reflectir algo de humano, digo mesmo: humanizam-se. E essa expressão que as coisas simples para mim desprendem passou a ser o objectivo da minha pintura. Não procuro uma representação extremamente rigorosa, quedo-me por um desenho que não vai muito além da sugestão. Procuro, simultaneamente, introduzir um sentido de liberdade, uma generalidade lírica. A meu ver, é assim a minha pintura. Pintura situada entre o realismo e a abstracção lírica. Ao pintar desejo que o meu trabalho comunique uma sensação de paz, desperte respeito pelo que a natureza dá: os frutos; e, finalmente, anime os objectos que, no dia-a-dia, nos servem e nos acompanham. Verão de 1982 24

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Fig.9 - 1942 (Paisagem - natureza-morta, da casa materna benaventense). Guache. 25 x 35 cm. (s/ cartão).

Fig.10 - 1947 (Cavador). Guache. 35 x 50 cm. (s/ papel).

…”Que voltas dá o Sol e o humus à seiva para que as melancias sejam vermelhas, as abóboras amarelas e doirado o trigo?” (29.12.'71) …”O desenho com a cor conduz à pintura sensual, isto é, em que a cor modela, organiza, o espaço e dá carácter.” (…) “Não é possível com a linha concretizar um desenho cromático, só a visão criadora do pintor o constrói.” (05.01.'75)

“Dizer o que é a Arte não é fácil. Mas sei, tenho a certeza, de que ela me é tão profundamente necessária como o ar.” (11.03.'79)

“Neste mês de Julho, mês de melancias, vai abrir no Museu de Benavente uma exposição da minha pintura. Estou mais preocupado do que satisfeito. Sonhava paredes caiadas e a porta do fundo abrindo para um jardim com tufos de hortências. Escrevi um texto para o catálogo onde procurei sobriedade e transparência.” (03.07.’82) 26

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Fig. 11 - 1948. (Nú). Desenho. 18 x 23 cm. (s/ papel).

Fig. 12 - 1948. (Figura feminina). Desenho. 19 x 26 cm. (s/ papel).

“A mulher como tema”… “… a nossa observação é de natureza terrena. Trata-se de incarnar o signo visual, para iludir a sede das raízes. Duvido que alguém, sem esta visão, afirme admirar profundamente Maillol”. (28.01.'79)

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“A pintura é feita com a mão a acariciar ou a tremer e nunca seguindo uma régua”. (13.06.'82)

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Fig. 14 - 1966. (Sóis. Girassóis). Óleo. 99 x 80 cm. (s/ cartão prensado)

Fig. 13 - 1966? (Pintura). Óleo. 45 x 38 cm. (s/ cartão prensado).

…”desenhar, encher o papel branco de rasgões por onde a alma se evade da vida organizada com horários e códigos. Tal como uma folha de papel que as formas tornaram poesia, assim o ar, espaço que envolve as árvores, se transforma em estrada por onde cavalga a nossa fome de plenitude e arrebatamento, quando as formas musicais rompem, por milagre do homem, dum silêncio preparado. (1961 - 63?) …”A obra de arte deve concretizar a perfeição desejada pelo sentimento humano. Daqui se pode concluir, que a Arte é luta e não fuga recordo alguém que me ensinou isto é um meio de alargar a receptividade do homem à felicidade terrena”.

“Nos Meus cadernos de apontamentos há inúmeros esboços de quadros. A maioria perde-se por falta de valor próprio, ficando, deles, apenas um certo automatismo de formulação. O 'fazer mão' é decisivo pois o quadro deve ser desenhado com a cor. A pintura ganha outra qualidade se não segue o caminho de só colorir um desenho. Não deve dividir-se a feitura entre desenhar e colorir.” (04.12.'75)

(Agosto '69?) 30

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Fig. 16 - 1966. (Pintura). Óleo. 69 x 55 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 15 - 1966? (Pintura). Óleo. 80 x 60 cm. (s/ cartão prensado).

…”E chega a comover a forma marcada, sensível, do tempo, na dureza áspera da pedra”.

…”Os nomes e as pedras são, de facto, monumentos que atravessam os séculos e ligam, como longas raízes, a vida à terra, ao eterno, apetece dizer, mas é exagero.”

(Dia de Natal, '73) (28.08.'78)

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Fig. 17 - 1966. (Pintura). Óleo. 59 x 49 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 18 - 1967. (Pintura). Óleo. 72 x 49 cm. (s/ cartão prensado).

“De facto, a minha pintura não é trabalhada no sentido da redundância mas, pelo contrário, na busca da secura formal, no sentido, digamos, da 'ossatura' do código de representação. Procuro forçar, numa intenção de economia do processo de comunicação, o observador a 'pôr o que falta'!

“A pintura é uma exploração de caminhos de revelação em que o mais importante, o que quase sempre foge, é a música das cores procurada com contido sentimento”. (18.06.'77)

Mas entre o que quero e o que realmente faço pode muito bem existir uma distância que eu não consiga ver.”

“O pintor nunca vê cinzento. E isto reflecte-se na forma de pintar.” (…) “Ver, para os artistas, é não ver, é partir para uma exaltação.”

(30.03.'76) (18.12.'76) 34

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Fig. 20 - 1968. (Pintura). Óleo. 100 x 81 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 19 - 1968. (Sol). Óleo. 73 x 60 cm. (s/ cartão prensado).

“A obra de arte é um resumo de mil horas de ver, ouvir e tocar. Ela é uma adivinha de promessas que se abre a quem vive aberto para a vida. A receptividade ao fluir da vida e aos rebates das forças vitais faz da arte um arado, ou coisa parecida, que garante o amanhã melhorado.

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Quando se diz que a arte é evasão, outra coisa não é de pensar que não seja a vontade de mais viver e de estar na vida com liberdade.”

“Penso que todo o quadro tem uma lógica visual que lhe é própria, que faz do quadro um objecto que se afasta do real aparente. Toda a pintura, mesmo a abstracta, tem algo de correal, e toda a pintura, por suas próprias leis, outra coisa é afastada do real. Parece-me que uma das qualidades visuais que mais relaciona a obra pictórica com o real é a ilusão da espacialidade. A pintura que percepciona esta ilusão tem, por isto mesmo, uma acentuada força comunicativa.”

(27.06.'76)

(10.12.'76)

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Fig. 22 - 1968? (Pintura). Óleo. 71 x 58 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 21 - 1968. (Pintura). Óleo. 73 x 54 cm. (s/ cartão prensado).

“O valor da obra de Arte está na ressonância de um instante pessoal inencontrável duas vezes. A repetição é um fenómeno cultural mas não artístico.” (27.04.'69)

“Em verdadeira pintura a cor, só a cor, deve espacializar, representar, musicalizar o signo visual.” (…) “Se um pintor pintar uma parede branca com branco, silencia toda a música que dela era de esperar.” (29.05.'77) “A música das cores, no meu quadro, desenvolve-se em dois sentidos: o da interrelação de vizinhança e o da percepção de distância ou aprofundamento. Em termos gráficos, um vector no espaço (campo pictórico) e um vector no tempo (memória de caminhada feita ou de desejo de caminhar.” (03.06.'79)

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Fig. 23 - 1968? (Pintura). Óleo. 73 x 60 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 24 - 1968. (Natureza-morta com ervilhas-de-cheiro). Óleo. 73 x 60 cm. (s/ cartão prensado).

“Hoje, de vez em quando, tenho-me interrogado. Para quê pintar? Enfrentar a tela branca e com ela lutar.” (…) “Porque, parafraseando Raul Brandão, se não durmo nas eiras, nem a vida me deixa sonhar acordado pelos caminhos, restame, na solidão e com timidez, lutar com as cores” (…) “envolto na nuvem que me envolve e impregna. Nuvem é aqui a necessidade de encontrar algo de pouco, mas superior, que dá asas ao pensamento.”

“… É a natureza-morta um género pictórico essencialmente burguês. Consome-se na intimidade de portas-pra-dentro, como uma oração de agradecimento.” (01.04.'79)

(25.01.'81)

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Fig. 26 - 1969. (Rostos quadros). Óleo. 60 x 80 cm. (s/ tela).

Fig. 25 - 1968. (Rostos fragmentos). Óleo. 65 x 55 cm. (s/ cartão prensado)

“Uma tela branca é um abismo ou um dealbar. As forças visuais que o pintor vai criar o decidirão. Quando feito, o quadro é um campo de insinuações, é um ponto que desperta sentidos de mensagens.” (25.01.'81)

“Os pintores não vêem como as outras pessoas. A forma cromática, aos seus olhos, é pregnante, é a forma percepcionada dominante. O olhar dos pintores vê “atmosferas” de cor onde se desenham objectos e se entendem planos de distâncias. E, não, o inverso: objectos que têm uma certa cor situados aqui e além.” (08.07.'79)

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Fig. 28 - 1969. (Pintura). Óleo. 65 x 54 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 27 - 2ª metade dos anos '60 (não datado). (Rosto). Óleo. 73 x 60 cm. (s/ cartão prensado).

… “Tenho um quadro no cavalete. Tenho sempre a angústia de não chegar a um momento em que o quadro dependa mais de si próprio do que da minha vontade” (…) “creio mesmo que a aventura própria da arte moderna reside nisto.” (18.04.'69)

“Não é fácil pintar um quadro abstracto. As formas não podem ser copiadas, serão criadas para viverem uma comunhão ainda não conhecida. Essas formas viverão uma comunhão com forças contidas, com tensões de aproximação ou de rotura. As formas não devem ser totalmente bem definidas, algo de elas se deve pulverizar para uma sugestão espontânea de dinamismo e de ambiguidade.” (…) “Num jogo multiforme há que unificar cores abafadas, limpas e luminosas sem esquecer a percepção táctil que provocam determinadas texturas. E tudo oferecendo surpresa e evasão para a alma humana.” (1961-3?)

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Fig. 30 - 1969. “Cozinha velha”. Óleo. 80 x 65 cm. (s/ tela)

Fig. 29 - 1969. (Pintura). Óleo. 60 x 80 cm. (s/ cartão prensado).

“O importante é ter olhos para fazer pintura, coisa de construir com cores um objecto estético.”

… “uma mesa de pinho, que sempre conheci a um canto da cozinha, e uma cadeira de assento largo que lhe estava junto.

(27.04.'80)

Era a mesa dos candeeiros de petróleo e da candeia de azeite que iluminava toda a noite o longo corredor da nossa casa. Algumas naturezas-mortas que muitos anos depois pintei, reflectem o tampo desta mesa. Mas, voltando à minha avó. Enquanto apontava para os dois trastes que sempre a acompanhavam esclarecia mais: para conseguir o resto muitas vezes almocei pão alvo e cebola crua.”

“De um modo geral pode-se afirmar que a 'cor' com que se pinta ou é a atmosfera colorida que se sente ou a que se deseja sentir.” (08.03.'80)

(31.05.'77) 46

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Fig. 31 - 1975. “Saudades do Casario do Sul.” Óleo, 72 x 58 cm. (s/ cartão prensado).

(…) “Senti uma forte vontade de pintar um casario do Sul. Uma vista 'índice' dos pueblos com suas casas de paredes caiadas, arredondadas pelos anos, planos cheios de luz, brilhando entre o azul do céu e o das águas do Mediterrâneo. Podia este quadro chamar-se: 'Saudades do casario do Sul'. Mas não importa o nome. Po simples acaso, e que resultou uma boa lição, utilizei uma tela já pintada, sulcada de grossas pinceladas. Depois de uma rápida raspagem a tinta branca 'pegou' sem escorregadelas, permitindo um trabalho de deslize do pincel que favoreceu em muito a expressividade da pintura, o significado visual da grossura da cal. Fiz umas dezenas de desenhos preparatórios procurando persistentemente uma composição nem excessivamente simples, nem por demais complicada. Devido aos estudos prévios caminhei com segurança na realização do quadro. Não me preocupei com uma lógica racional das sombras mas, antes, com uma coerência de formas visuais. Creio que deste quadro se desprende, de modo impressivo, o gosto que tenho por uma Benalmádena desejada e sempre fugidia.” (23.06.'75) 48

Fig. 32 - 1975. (Natureza-morta com três frutos e dois objectos). Óleo. 60 x 49 cm. (s/ cartão prensado).

“Tenho feito pintura como posso e sei. Ultimamente tenho sido arrastado para a pintura de 'naturezas-mortas' por um desejo de materializar algo de radicalmente simples.” (01.12.'75) “A pintura, a de cada pintor, melhora com a prática sequente na oficina. É preciso que cada pincelada seja animada da firmeza e da decisão cada vez mais experimentadas. A composição é apenas a estrutura primeira de um quadro, depois há outras estruturas ou formas sistemáticas que têm de ser conseguidas. 49


A estrutura da cor deve surgir pessoal, resultado de uma relação pesada, medida e calibrada de todas as dimensões da forma cromática. É fácil fazer valer a presença de cores muito contrastantes mas é, quase sempre, um afastamento da procurada harmonia. A família das cores sem monotonia conduz a soluções mais felizes. Importa, também, a forma da pincelada, ela tem de surgir coerente com as demais formas que organizam o quadro e reforçar, ainda, o seu o valor expressivo. Uma obra de arte é uma organização de coerência absoluta. Sua função é encantar. (22.06.'75) … “Parto da ideia de que pintura é, acima de tudo, música de cor concretizada em forma visual. A definição dita não tem qualquer ambição, ela é, apenas, resultado de mais uma luta de quatro horas frente à superfície branca da tela. Mas explico, ou tento explicar, algumas das palavras que me ocorreram. Duas, música e forma visual, são as palavras chaves da definição afirmada. Música entendo-a como uma organização harmoniosa de formas, algo em que se corporizam formas diferentes, opostas até, mas que se conjugam, se integram sem monotonia e, sugerindo, expressando, iludindo e esclarecendo, através da sua mensagem, dão sentido a momentos do viver. Forma visual é a organização que, de modo eminente, capta o órgão da vista ou, melhor, por ele é entendida. Divido, ainda, a pintura em dois grandes tipos: a abstracta e a figurativa. Mas a primeira, convém repetir, não está divorciada do real. Esconde-o com artifícios. Do real vem-lhe muita da sua consistência pictória. A forma visual vive através de uma percepção e esta não se forma nem do “nada”, nem do plenamente novo. Por seu turno, a pintura figurativa carece de se afastar da formulação vigorosamente mimética, só assim a substância pictória que a fez seguir ganha interesse próprio. O signo icónico ao introduzir-se no texto artístico só o é parcialmente. Algo deste signo tem, forçosamente, de ser simbólico. Quando se pintam maçãs, cachimbos ou garrafas nunca estão em causa a iconicidade destes objectos mas o grau de iconicidade como contributo para a organização viável da forma pictória. A forma icónica, digamos, de uma representação é contributo para a organização da forma pictória. Mas não carece de uma plenitude icónica pois há diversos graus ou qualidade de suficiência representativa. A mim, interessa a mais económica possível em termos de elementos visuais. Chamemos, para prosseguir, a esta forma simplificada, 'telegrama' visual. Algo que dá o seu contributo organizativo para a forma pictória e sustem-se por aí. 50

Depois, abre-se a busca mais difícil, a da conjugação das formas cromáticas que têm de se harmonizar pelos tons de cor e pelos efeitos psicológicos da sua qualidade visual. E tudo se concretiza através de um modo de fazer, de uma técnica de execução que deve plenamente contribuir para a concretização da forma pictória, o objecto 'quadro' aprontado, considerado na sua força de se projectar no campo emotivo de quem o vê com devoção. Consideramos a 'música' da cor o fim que mais foge à procura da sua concretização. Essa 'música' através de uma representação plena do real é quase totalmente iludida. Por meio de um formalismo abstracto cria-se, frequentemente, um bloqueio perceptual de ordem cultural que não é fácil eliminar. E é aqui que a lição de Morandi intriga e perturba. A 'música da cor' tem algo da harmonia que a luz do Sol, ao fim do dia, empresta às coisas, fundamento, talvez, do colorido dos pintores antigos conseguido com a mistura de um pouco de amarelo em todas as cores a usar. Ou aquela harmonia que resulta das cores das coisas 'comidas' pelo Sol, ou pela luz, através do tempo. Esta, creio, foi a que orientou Morandi. Enquanto que um bom exemplo da primeira é a pintura de Heda. Mas há uma afinação de tons cromáticos que responde a um ou a vários tons com justo valor visual limpo. Eu, continuarei a pintar naturezas mortas na esperança de alguma vez me aproximar do silêncio capaz de emocionar que as cores encerram.” (25.06.'77) “A obra de arte não pode ser um panfleto mas, sim, uma janela que abre para dentro de nós uma plenitude de satisfação. Pode alguém defender o contrário; contudo, não creio que a luta certa de um artista possa ser outra que não a de sublimar a vida.” (23.06.'75) “Balanço feito. O que deixo de mim é pouco. E, contudo, o que fiz foi sentido e numa ânsia de profundidade e silêncio. A arte, quando se atinge, paira num mundo de silêncio que germina. A minha pintura desejou sempre uma serenidade, um reflexo de paz como certas tardes de uma aldeia sem dores nem dramas. Nunca devia ter abandonado os fundos de branco sujo e as formas azul-verde e rosa-cinzento.” (25.09.'83) 51


Fig. 34 - 1975. (Natureza-morta com quatro frutos). Óleo. 46 x 38 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 33 - 1975. (Natureza-morta com limão). Óleo. 60 x 45 cm. (s/ cartão prensado).

“Mais um quadro. Mais uma natureza-morta. Maior consciência do valor do desenho progressivo que implica a pintura. Não resulta boa pintura se se colore um desenho. O desenho inicial condiciona o começo da pintura, mas esta, no seu crescendo, vai recriando e afirmando o desenho. Por fim, o desenho não é mais um esquema linear, mas a resultante da ingerência correctiva de múltiplas formas e qualidades de presença. “Um quadro é para mim, o espaço de uma aventura de inventar caminhos. As cores, numa tela, têm peso e força. É preciso encontrar o equilíbrio dos pesos e a paz das forças.” (…)

Continuo a fazer uma pintura simples, directa, de nítida separação de forma e fundo. Algo sem arrogâncias, aspirando ao valor da cor, não digo como emblema, mas como essência de formas reais.

(23.06.'75) Uma pintura, digamos, que aspira a comunicar serenidade, tranquilidade. Manhã de paz ou entardecer de quietude sentida numa veracidade mais pura. A arte é a desocultação de uma verdade pressentida.”… (31.05.'76) 52

53


Fig. 35 - 1976. “Natureza-morta com talhada de melancia”. Óleo. 60 x 50 cm. (s/ tela).

Fig. 36 - 1976. (Pão). Óleo. 65 x 54 cm. (s/ tela).

“A dor que tenho no coração, é a morte que me acaricia; mas eu penso nas coisas naturais, cheias de cor: a talhada de melancia, as flores da charneca, os limões e as blusas das raparigas.” (18.04.'69)

“Gostava de fazer um discurso sobre o pão. Toda a gente, mais simples ou mais erudita, tem uma ideia em relação ao pão, guarda uma sensação a ele associada. É a ideia que se desprende do falar do 'pão de cada dia' de ganho, ' o que o diabo amassou', ou, ainda, de perder o 'pão'. É, por outro lado, uma recordação de pão de outro tempo, animada de uma imagem visual de pão bem forneado ou a forma olfactiva do pão fresco e quente. Por qualquer das sensações o pão surge como a fartura, a fome matada. É o pão um símbolo da vida, uma levedura pela graça de Deus. É, também, um bolo sem atavios. É, finalmente, a paga franciscana ao irmão que nos ajuda.” (16.03.'83) … “Bendito o Sol que amadurece o grão de trigo! Bendito o homem que do grão faz o pão! Bendita a paz que permite em paz comer o pão!” (01.12.'73)

54

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Fig. 37 - 1976. “Flores de cardo”. Óleo. 60 x 50 cm. (s/ tela).

Fig. 38 - 1977. (Natureza-morta com mesa campesina). Óleo. 73 x 53 cm. (s/ tela).

“A minha pintura de hoje partiu de um ramo de flores de cardo que, há precisamente um ano, coloquei numa jarra. Sem água, as folhas e flores do ramo nada perderam da sua agressividade e perenidade. Pintá-las não foi fácil. Foi preciso vê-las na sua totalidade, no seu recorte exterior e, nos pontos mais significativos visualmente, discernir o seu desenho interior. E estas leituras foram feitas, repetidamente, do exterior para o interior e de dentro para fora, tanto em termos de linhas como de manchas e tons. Procurando o domínio principalmente, destes dois últimos elementos. Mas voltando ao meu quadro. Além das flores de cardo entrou na composição uma concha branca e côncava, forma maravilhosa para o homem primitivo beber a água fresca no seu caminho virgem. A fechar um círculo que eu queria subjacente no quadro, coloquei a figura de cerâmica de um pássaro. Precisava da sua cor viva para contrapor às cores frias e neutras dos outros elementos.”

“Com insistência, há um ano que pinto sem mudar o tema, e isto para lhe reduzir a importância. Procuro uma pintura que seja, antes de mais, uma atmosfera de cor não monocromática mas integrada como a montanha ou uma pedra. Pintura simples, primária, de formas cromáticas procuradas e solidárias.” (07.03.'76)

(13.06.'76) 56

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Fig. 39 - 1977. (Natureza-morta com bilha azul). Óleo. 60 x 50 cm. (s/ tela).

Fig. 40 - 1978. (Paisagem mediterrânica). Óleo. 80 x 60 cm. (s/ tela).

“Pintei durante quatro horas seguidas. O quê? Para quê? Não sei responder. O quadro feito é uma natureza-morta de aparato? Talvez. Pintei, dentro de uma organização de formas visuais livres, objectos que me cercam há muito. Todos eles parece-me que exprimem algo de solidão e de ausência. Coisas vivas quando compradas nas feiras cheias de Sol, são hoje coisas à espera de um natural desaparecimento.

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“Há um mundo mediterrâneo. Há um homem mediterrâneo. Isto, em termos menos filosóficos, significa poder ver no fim da rua ou à beira do caminho um mar azul.

Não busco qualquer pintura de vanguarda. Quero apenas algo de amável e recolhido. Pintura, portanto, fora do tempo.”

A paz encontra-se num café à beira-mar. Frente à pequena chávena ou à taça de vinho branco olha-se o azul cintilante do mar, alonga-se a vista como quem espera a chegada de barco. Fica-se na preguiça de imaginar uma partida. Cheira a sal. Os olhos fecham-se com os reverberos argênteos da luz do Sol. O tempo passa, passa como areia no istmo da ampulheta. A luz da tarde alaranja o horizonte. Aos poucos o mar escurece e a colheita de paz começa a angustiar. Frente ao mediterrâneo, sonhar é trabalho.”

(28.05.'79)

(24.11.'78) 59


Fig. 41 - 1978. (Natureza-morta com quadro de casario). Óleo. 65 x 54 cm. (s/ tela).

Fig. 42 - 1979. “Natureza-morta com figos”. Óleo. 46 x 38 cm. (s/ tela).

… ”A cidade, a garrafa ou a maçã, devem ser pintadas com a luz que nos ilumina a alma.” (…) “Enquanto vivo, o olhar é sempre interrogativo.” (16.01.'77)

“Em conversa de fim de dia, na livraria do bairro, voltei inesperadamente à 'vaca fria'. E disse: pinto para dar forma ao desejo de através da representação de coisas simples, estáveis, conseguir, ou procurar conseguir, uma organização de cores. Coisas estáveis como a luz da Grécia ou o azul do seu mar. Formas de paz, de uma grandeza chã como são as coisas próximas da terra. De repente perguntei ao meu interlocutor: já comeu sopa de pão, perfumada de segurelha, com uma colher de pau? Procuro que a minha pintura tenha esse 'sabor' para os olhos.” (16.07.'80)

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Fig. 43 - 1979. “Natureza-morta com bilha”. Óleo. 60 x 49 cm. (s/ tela).

Fig. 44 - 1979. (Natureza-morta com jarro e garrafa com rótulo). Óleo. 73 x 59 cm. (s/tela).

“Há um encanto especial na imperfeição das coisas, pela beleza incriada que elas deixam pressentir. O que lhes falta dá-lhes uma vida invisível e superior. Pode mesmo dizer-se que, numa obra de arte, aquilo que a perpetua na memória está mais nos seus defeitos que nas suas expressões impecáveis. A obra estiliza-se e morre na sua perfeição e irmana-se nos erros à própria Natureza, que é indefinida e imperfeita.” (…) “Hoje, ao ler 'A Beira (Num relâmpago)' de Teixeira de Pascoaes, encontrei o texto que acima transcrevi e que me parece digno de particular atenção.” (…)

“O atrevimento do artista não é um gesto de efeito, mas uma decisão imposta e esclarecida pela aventura de encontrar o caminho mais directo para tornar sensível a sua necessidade de se revelar e tocar alguém.”

“a emoção estética é vivida, apenas, mediante um estímulo de arranque, um motivo.

(1969?)

Muito, ou tudo, está no usufruidor da obra de arte, na sua capacidade ou necessidade de transfigurar, explorar ou se evadir.” (15.02.'81) 62

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Fig. 46 - 1980. (Homenagem a Rosa Ramalho). Óleo. 42 x 46 cm. (s/ tela). Fig. 45 - 1980. (Natureza-morta com um fruto azul). Óleo. 55 x 40 cm. (s/ tela).

“Pintei hoje, de modo rápido, uma homenagem a Rosa Ramalho. Tenho a impressão de que as figuras femininas modeladas por esta barrista popular reflectem o seu rosto de mulher fina e arguta, sensível e trabalhadeira. Foram os arquitectos do Porto que a descobriram e enalteceram seus diabos e crucifixos extra-naturais.

“A minha pintura é pobre e feita para sentir demoradamente as coisas simples e parentes da terra: a garrafa, os frutos, os utensílios de conter a pequena mesa de pau. Coisas das casas velhas. Coisas cansadas que se apegam à memória e que, para o fim da vida, são as mais importantes.”

O quadro que pintei representa a Rainha das rosas e o Rei trovador na visão ingénua e decidida de R.R.. Procurei a cor do verde dos lameiros e do oiro do milho das pequenas eiras dos casais minhotos. Faltou a força dos socos de madeira talhados a golpes certos de enxó.” (…) (16.07.'80)

(27.04.'80) “Não. Hoje não pinto. A pintura deve ser um texto visual de formas cromáticas, superfícies de cor, e hoje por minha infelicidade, só vejo riscos, formas caligráficas.” (14.08.'80) 64

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Fig. 48b - 1982. (Natureza-morta com mesa campesina azul). Óleo. 65 x 54 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 47 - Nov. 1981. (Natureza-morta com jarro amarelo). Óleo. 45 x 38 cm. (s/ tela).

Fig. 48a - 1982. Desenho preparatório.

“Hoje foi dia de encontrar a cor do Outono. Por terras da borda-d'água, entre vinhedos, fui vendo a folhagem queimada pelo estio. Aqui amarelo a embeber-se de tons castanhos. Depois verde desmaiado a contracenar com amarelo de oiro. Lá longe, juncos e canas de um azul diáfano e, em primeiro plano, parras violáceas e rubras como rubis. Deixando os pormenores e olhando grande manchas, a luz ficava de oiro-velho mesclado de terra-violáceo e onde, a perderem-se, despontavam verdes.” (15.11.'81)

“Natureza-morta que já não pintarei. Por palavras é assim: a mesa campina, pequena, e que em tempos foi pintada de azul. Em cima da mesa meio pão cortado (cheira a bolo); uma garrafa verde de presença sem importância; dois frutos amarelos (oiro novo lavado); uma cebola e uma tigela (tudo a cheirar a terra). Qual o interesse plástico de uma tal banalidade? A aventura de achar ou perder a relação visual entre estes objectos vulgares e o branco sujo do fundo. Branco áspero a entornar-se sobre os objectos para tornar a atmosfera, visualmente, algo irreal. Mundo de coisas reencontradas por dentro de um tempo consumido. Talvez, quase fumo de uma recordação de menino.” (16.03.'83)

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Fig. 49 - 1982. (Natureza-morta com louça de barro). Óleo. 55 x 46 cm. (s/ tela).

“Pintei. Pintei durante mais de quatro horas com espontaneidade. Isto significa que o desenho é sumário para dar predomínio à cor e que esta foi considerada em duas dimensões. Uma no sentido da cor local mas mais surda do que vibrante para encontro de um sentimento intimista. E, outra, deixando surgir com valor visual pictórico cores ocasionais, fortuitas, que, por vezes, afectam o envolvimento que nos prende o olhar.

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Fig. 50 - 1982. (Natureza-morta com fruteira). Óleo. 55 x 46 cm. (s/ tela).

É o caso, por exemplo, de uma mesa verde que, raspada aqui ou além, deixa ver a cor encarnada de uma primeira pintura. Ou, outro exemplo, de uma jarra branca que no quadro tem de ser rosa para poder coexistir com outras formas já existentes no campo pictórico.

“Tenho feito uma pintura baseada em naturezas mortas. Faço-a por uma necessidade interior não de copiar o real mas de organizar um todo por meio da cor.

Por teimosa recordação da infância a base de muitas naturezas mortas que pinto é a mesa campina. A pequena mesa usada no campo da Borda-d'Água. Mesa de pinho com uma pequena gaveta e que se comprava nas feiras de Salvaterra ou de Benavente. Traste certo na cabana de um meloeiro ou na casa das cortes da lezíria, para o campino sobre ela comer frugal refeição.”

Uma representação visual tem o seu código que, de modo simples, pode-se dizer que assenta numa síntese incompleta mas suficiente (e não deve ser mais) para gerar um alto de entendimento visual. Um quadro figurativo contém uma representação e resulta de uma organização formal constituída por princípios cristalizados pela cultura e por 'surpresas'” (…) “conjugando-se para um todo despertador da emoção-estética.”

(14.05.'82)

(01.11.'78) 69


Fig. 51 - 1982. (Natureza-morta com uma pêra). Óleo. 60 x 46 cm. (s/ cartão prensado).

Fig. 52 - 1983. (Buganvília) Caparica. Guache. 24 x 18 cm. (s/ papel).

“Debruço-me sobre o campo a pequena lezíria, a horta, o arvoredo escurecem, silenciam seu colorido para entrarem no inverno.”

“Olho de novo a bela buganvília vermelha que, alacre e luminosa, existe frente à minha varanda. É a minha fortuna. São as férias na Jugoslávia. É a cura termal em Andorra.”

(21.10.'78) (14.08.'83) “Sinto uma grande vontade de escrever sobre o que acontece de vulgar, mas que é transparente, revelador do que a vida tem de permanente” (…)

… “Pintei. Com mais rigor: fiz dois pequenos guaches para matar o desejo de 'assobiar' com as cores.”

(17.01.'85) (28.05.'83) 70

71


Fig. 54 - 1984. (Lisboa). Guache. 24 x 18 cm. (s/ papel).

Fig. 53 - 1984. (Canastra de frutos). Guache. 24 x 19 cm. (s/ papel).

“Homem habituado a caminhar só, vagabundo de não sei quê, apaixonado de um pequeno largo de uma terra à beira do Mediterrâneo, pronto a ser feliz com quase nada desde que coisa simples, como pão e azeitonas, ou vinho e mel. E é com esta alma de franciscano que fico fora do tempo, não sei se perdido, se encontrado.” (1972)

“Apetece-me afirmar que pintar é algo de complexo e animado por força interior. Um quadro reflecte um jogo de contrastes quase sem fim. Faz-se e desfaz-se. Recorta-se e adoça-se. Rasga-se e envolve-se. Busca-se espontaneidade e utiliza-se reflexão. A cor limpa-se e suja-se. A composição simplifica-se aqui, complica-se acolá. E por aí fora numa ânsia de integrar direcções, cores, tons, luz e técnica de pincelar. Um trabalho que sempre se faz com paixão e sempre nos deixa derrotados.” (26.08.'84)

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Fig. 55 - 1984. (Festa de objectos). Guache. 25 x 17 cm. (s/ papel).

Fig. 56 - 1984. (Paisagem). Guache. 22 x 18 cm. (s/ papel).

“Quando eu pinto e tenho-o ultimamente feito com insistência alguns frutos, uma tigela ou uma garrafa, procuro representar formas-emblemas de frutos, tigela ou garrafa com as quais crio inevitavelmente uma presença visual de espaço. E isto deixa o campo livre para criar todo um sistema de valores cromáticos que busco ser uno visualmente. A garrafa tanto pode ser verde ou amarela consoante as forças visuais que a cercam. A pintura da garrafa não carece senão de ganhar uma certa força simbólica de garrafa. A ideia de espaço, tem-na o observador ao 'ler' determinadas formas que são inerentes à existência de espaço.”

… “Resta ficar na praia vendo os barcos da aventura voltar.” (Agosto '77) … “os barcos que sempre me lembravam, a lua em quarto crescente ou minguante” … (20.08.'84)

(10.12.'75) 74

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EM TORNO DA PINTURA DE NATUREZAS MORTAS

ALFREDO BETÂMIO DE ALMEIDA (Notas - Ensaio)

Fig. 57 Jan. - 1985. (Paisagem com barcos). Guache. 22 x 16 cm. (s/ papel).

… “Em casa, sem sono, sofro vendo os meus quadros. Passa-me pela cabeça aceitar a sua nulidade e destruí-los. Quando se pinta como eu fiz, sem ambiente, pega-se à obra algo de fruste. Contudo, declaro que a única coisa que fiz com total entrega foi pintar. Os quadros cercam-me, invectivam-me, são um empecilho, uma preocupação. Talvez acabe por destruí-los mas são a minha vida.” (06.08.'83)

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PREÂMBULO O interesse que temos dedicado no nosso trabalho de pintor à n.m. levou-nos a esboçar um estudo sobre este género pictórico que, de um modo geral, é considerado um género menor. Não o foi, como se sabe, na mão de Chardin, Cézanne ou Braque. A pintura de uns objectos inertes é, de facto, um empreendimento ajustado ao principiante (1). Mas, por outro lado, a n.m. liberta o pintor com ofício e força criadora, para uma realização paralela à obra abstracta. Artistas que com êxito, com as mais variadas técnicas, têm pintado n.m., são em número quase ilimitado. O nosso estudo procura, partindo da n.m., tecer considerações sobre a pintura de modo a realçar o género n.m.* sem ambições de exaustão(2). * N.M.(3): A pintura que representa um arranjo de objectos inanimados. Género pictórico apolítico, não religioso mas decorativo, alterador ou intensificador do meio ambiente quotidiano. A nossa(4) tese é, de certo modo, defender um silogismo que, à primeira vista, contém algo de estranho: Se em nosso tempo a arte abstracta é mais pura por dela não se fazer leitura descritiva imediata, é mais pura, por uma razão algo equiparável, no século XVII, a pintura de naturezas mortas. A pintura de n.m. nasce de uma vivência muito livre quando comparada com a que anima o pintor histórico ou de retratos.

Obs. As notas da autoria do Autor seguem-se entre aspas; as da montagem, são assinaladas NM. (1) “(A n.m.) é o género pictórico aconselhável ao pintor principiante por ser um modelo estático e fácil de conseguir. No meu caso pessoal nunca copio um arranjo de objectos, organizo mentalmente o arranjo e interpreto do natural os objectos de que guardo, na mente, uma ideia plástica menos clara”. “A n.m. reflecte uma interioridade atenta às coisas terrenas. Nem glorificações nem exarcebações dramáticas.” (2) Termina neste ponto o 1º texto do Preâmbulo. Em anexo, o Autor observa: “O conjunto de notas que se segue não pode constituir um estudo aprofundado do género pictórico conhecido por n.m.” (…) “ele é apenas um esboço desse estudo, de sentido ordenador e clarificador” (…) “com a nossa experiência e o nosso discernimento”. (NM). (3) (NM). (4)Este texto integrava, originalmente: “minha” em vez de nossa. Situava-se no final do Capítulo 2, onde será retomado. (NM). 78

INTRODUÇÃO A Natureza-Morta Reflecte Uma Vivência Humana É muito provável, em qualquer colectânea de cem obras-primas de Pintura feita com a intenção de muito deslumbrar, não se encontrar um exemplo do género conhecido por natureza-morta. De facto, este género de pintura, a certos espíritos, parece de menor relevância. Comparado com o retrato, a paisagem ou as cenas religiosas ou históricas, a natureza-morta, dentro da linha geral da história da Pintura, parece algo de somenos. Dentro de um estudo sereno, objectivo e aprofundado da história da pintura tem de ser concluir que não há géneros pictóricos superiores a outros. A qualidade pictórica de uma obra não depende, essencialmente, da temática ou género seguido. Não se podem fazer considerações históricas e estéticas sobre a n.m. sem reconhecer que há a n.m. como género pictórico autónomo, independentemente, e a n.m. integrada em obras de outro género. Aqui, a n.m. é um elemento da organização pictórica, ela revela-se num 2º plano de leitura do quadro. Especialmente nos quadros que têm por tema a “Anunciação” surge, com maior frequência, a representação de agrupamentos de objectos de uso comum que constituem por vezes expressivas n.m.. Faremos, na devida altura, referência a Carlo Crivelli (1430-149(5)). Mas note-se já o gosto deste pintor, considerado um fantástico intérprete do real, por nos seus quadros de figuras religiosas utilizar notórios ramos de frutos da terra dependurados ou colocados avulso. Estas n.m. reforçavam, particularmente, a percepção espacial que o pintor queria motivar (5). Destas n.m. integradas em obras de outro género, é célebre a existente na pintura de Gillaume Dombet, mestre do retábulo da Anunciação de Aix (1445), que representa o Profeta Jeremias(6). Sobre a figura do Profeta, o pintor representou uma larga prateleira carregada de muitos objectos perfeitamente pintados e reveladores da vida quotidiana dos meados do século XV.

(5) O Autor anotara no original: “Delacroix: 'A uma certa distância, la touche se funde no conjunto, mas ela dá à pintura uma ênfase que a mistura das tintas não pode produzir'.” E, ainda: “A n.m., género libertador do artista. Dentro da pintura religiosa ou histórica surgem, como organizações formais de 2º plano, verdadeiras ns.ms.. Nestas, o artista surge livre de regras e princípios de iconologia tendo sido predominante, inicialmente, o trompe-l'oeil” (…) “A pintura do género (aborda) temas familiares, anedóticos. (Pode incluir) 4 tipos de pintura: paisagem, retrato, n.m. e interiores.” (NM). (6) (NM). 79


Parece-nos que é de um realismo decorativo(7), neste período de transição da pintura gótica para a pintura da 1ª Renascença que, em boa verdade, nasce a n.m. como género pictórico, uma n.m. que trazia à pintura religiosa a dimensão humana e aos sistema pictórico apoios visuais para a representação eficiente do espaço.

deixam ao pintor total liberdade para criar o seu quadro. A n.m. não tem, agora, fins para lá de si própria. O quadro vive de um tema humilde que se apaga para dar realce à música suave, alegre ou dramática das cores. São assim as n.m. cubistas de Braque ou Juan Gris.

No Painel do Arcebispo, do nosso célebre políptico atribuído a N. Gonçalves, a corda enrolada representada no 1º plano é uma extraordinária n.m. tal como aqui estamos considerando. Mas é no século XVI(8) que surge o género pictórico chamado natureza-morta(9).

Em síntese, respondendo às perguntas sobre a natureza-morta: Como surgiu? E para quê?, poder-se-á notar a seguinte evolução(12):

Considera-se obra primeira a de Jacopo de Barbari (1504). São os séculos XVII e XVIII considerados como os grandes séculos da pintura de n.m.. É a pintura holandesa e flamenga aquela em que este género atingiu uma maior consideração e uma qualidade técnica inultrapassável. Foi determinante para esta valorização da n.m. nos Países Baixos a força religiosa do protestantismo que limitou a temática pictórica inspirada na religião. Passam, então, os objectos inanimados, as coisas da vida corrente e intimamente ligadas ao gosto e às preocupações do homem, a serem tema principal da pintura. se umas ns.ms representam particularmente as virtualhas outras, que constituem até um sector aparte, as chamadas Vanitas ou vanidades (ou MimentoMori), procuram lembrar ao homem que a vida é apenas uma passagem e, não longe, a Morte espera-nos.

(13)1.Mundo antigo

Como elemento decorativo integrando os conceitos de verdade e belo. Dando à ilusão um significado simbólico de realidade. As paredes rompiam-se e animavam-se. Objectivo: “trompe-l'oeil”. 2. Na Idade Média e Renascença As ns.ms. surgem integradas na composição dos quadros para aumentar a ilusão de espaço prateleiras e nichos com objectos.

(10)Assim,

Nesta modalidade de n.m. nunca falta a representação da caveira com a sua simbologia de todos conhecida e alguma ampulheta a indicar que o tempo corre rápido. Nas primeiras, reflecte-se a alegria de viver, especialmente com a representação dos frutos da terra apetitosos e coloridos. Nas segundas, procura-se moralizar a vida, mostrar como é ilusória a felicidade terrena. Destas duas correntes rompe uma terceira para a n.m. que tem em Chardin o seu primeiro cultor e chega até nossos dias com a pintura de Morandi. Chamar-lheemos, com perfeita consciência do nosso atrevimento, uma pintura abstracta avant-la-lettre(11). As ns.ms. são, antes de mais, um arranjo formal, uma organização visual de objectos simples, ligados ao dia-a-dia do homem, que

Objectivo: trompe-l'oeil. 3. Nos séculos XVII e XVIII As ns.ms. reflectem uma reforma religiosa. Nos interiores holandeses surgem como maneira de reconsiderar o valor da vida quotidiana. Algo de contraponto a uma representação de temas religiosos e aristocráticos (considerava o povo, os divertimentos populares e as coisas da vida quotidiana como motivos nobres para a pintura). Como elemento moralizador; e surge o tipo vanitas. A caveira a lembrar que a morte tudo reduz a nada. (Dialéctica do desejo). A n.m. satisfazia o gosto pela contemplação, uma espécie de reflexão quase mística sobre a natureza das coisas. 4. Tempo moderno É a n.m. um meio para libertar a pintura da anedota; serve para provar que ver é diferente de ler. (Cézanne; Matisse). Autonomia da pintura.

(7) (NM). (8) (NM). (9) (NM). (10) (Parágrafo NM). (11) O Autor anota: “Interessando-se o homem pelos efeitos emocionais que as coisas desprendem, a n.m. oferece uma larga margem para um registo emocional. A n.m. é, digamos, a 1ª fase de uma via para o abstraccionismo.” (NM). 80

(12) Entre aspas, o texto original. (NM). (13) O presente final da “Introdução” é um texto integralmente original, datado de 08.09.84. (NM). 81


1.

Linha Histórica da Pintura de Naturezas-Mortas

A História da pintura da realidade requer meios de trabalho que de todo nos faltam. A linha histórica que vamos traçar é, pois, sumária. Reconhece-se que na pintura helenística e romana surge a representação de objectos inanimados com uma organização pictórica que permite já falar, nesse tempo, de naturezas-mortas. Nas decorações de casas de Pompeia e Herculano existem naturezas-mortas pintadas a fresco. Frutas, peças de caça e peixes surgem pintados de modo leve e com toques de pincel de seguro efeito. Dentro da pintura ocidental são estas decorações romanas, do século I antes de Cristo, as primeiras naturezas-mortas(14). Depois entra-se no largo período da arte paleocristã em que domina ainda a técnica vinda da pintura helenística e romana mas em que a temática assenta na representação da figura de mártires, uma pintura de luta. Segue-se uma pintura já dentro da Idade Média cristã, de temática religiosa com fins didácticos e decorativos mas não atenta às coisas que envolvem a vida quotidina do ser humano.

desmantelado, uma pintura de espírito medieval no painel central e característica da Renascença nos volantes. Num destes volantes (conservado no Museu Real de Arte Antiga, em Bruxelas, aquele em que representou o Profeta Jeremias isolado e de pé, figura que pelo estilo muito se assemelha às figuras do nosso políptico de S. Vicente, foi representada por cima da cabeça do Profeta uma larga prateleira carregada de objectos quotidianos. Plasticamente, é esta parcela do quadro uma admirável natureza-morta, além de precioso documento sobre objectos da vida quotidiana da época. A n.m. consta de uma prateleira feita de uma tábua grossa e colocada num canto de um recinto abobadado. A composição das coisas é piramidal, com perfeito equilíbrio estético e técnica pictórica inexcedível que traduz uma visão extremamente realista. Directamente sobre a tábua vê-se um fruto, uma laranja por certo, um saco de seda rosa com a boca fechada por nó que cai para fora da prateleira, um livro embrulhado que tem em cima outros encadernados. A seguir, uma caixa com correia, para ser transportada ao ombro. A caixa tem uma curiosa fechadura de metal e a correia ondula, livre, para fora da tábua. Ao canto apresenta-se uma caixa redonda de madeira fina; eram, geralmente, caixas de bolos. Por cima da caixa preta há um boião verde, tapado com um pano encarnado pregueado, talvez o boião do mel ou do bom xarope. Ao lado deste boião, a cair para a parede, cartas abertas numa perfeita movimentação de planos brancos e suas sombras.

Os olhos voltavam-se para um irreal fundo doirado. Referem as histórias de arte que, em 1337, Taddeo Gaddi pintou a fresco uma garraga, um pão e um copo. Diríamos que a lição de S. Francisco chegava à pintura. A natureza-morta anima-se substancialmente do espírito que às coisas atribui a mensagem franciscana.

SÉCULOS XV E XVI É em meados do século XV, quando já florescem as correntes humanistas da 1ª Renascença, que surgem dentro de quadros religiosos, particularmente nos que representam a Anunciação, pinturas de arranjos de objectos que não podem deixar de ser consideradas verdadeiras ns.ms. (15)Guillaume

Dombet (pintor da Provença, cuja actividade se conhece de 1414 a 1460), mestre do Retábulo da Anunciação de Aix, fez neste tríptico, hoje

(14) O Autor anexa uma reprodução com a seguinte legenda: Stilleben (um 70 u.z.). Wandbild aus Pompeji (Haus der Julia Felix). Neapel, Nationalmuseum. (NM)

Papéis numa pasta de coiro sobre o livro mais alto e, a cair para o outro canto, livros postos obliquamente, num desarrumo fortuito. No plano que representa a grossura da tábua, um prego de ferro, feito manualmente, com a sua sombra. Reconhece-se nesta extraordinária pintura, que hoje se tem por obra francesa, um espírito da pintura flamenga que nasceu com Van Eyck. De naturezas-mortas integradas em pinturas, importa fazer referências às pintadas por Carlo Crivelli (1430-149(5)), pintor fortemente realista mas nada comparável ao mestre da Anunciação de Aix. Crivelli é um pintor que assenta as suas obras num espírito linear e decorativo e tem, frequentemente, reflexos da arte gótica. Na obra de Crivelli, Nossa Senhora com o Menino (National Gallery of Art, Washington) ressalta a pintura de duas pêras, uma maçã e uma cereja, pelo prazer de pintar mesmo estes frutos(16). Mas Crivelli tem a sua obra grande na Anunciação (1486) que está na National Gallery de Londres, uma n.m. que se aproxima da feita pelo Mestre de Aix. O quadro, no seu todo, é uma extraordinária composição arquitectónica onde o artista, aqui e além, pinta objectos que emprestam significado terreno ao ambiente representado. Dentro do seu quarto de dormir a virgem, ajoelhada a ler um missal, recebe a mensagem divina. Na parede do quarto lá surge uma prateleira onde se

(15) - (25) (NM).. 82

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arrumam a caixa redonda, livros, uma garrafa de remédio, um boião, um solitário com uma vela e algo mais.

de Munique. O quadro (Perdiz suspensa)(21) representa uma perdiz e uma luva de ferro suspensas e sobre um fundo de madeira.

Dentro do presente estudo parece-nos importante notar que Crivelli considera, ainda, a sua representação como limitada por hipotética janela. É na área da fronteira do espaço de quem vê e do que é visto que este artista coloca maçãs, pequenas abóboras, uma cereja, frutos pintados realisticamente e que são um artifício para criar uma ilusão, a percepção espacial, quando se faz a leitura da obra (e, neste artista, verdadeira assinatura)(17).

Barbari trabalhou na Alemanha e consta que influenciou Dürer(22).

Esta pintura de Crivelli comunica algo da fronteira do mundo ocidental com o oriental. Algo de próprio de uma Veneza de quatrocentos.

Do século XVI e da escola alemã, distingue-se a obra de Hans Holbein, o Jovem, Os Embaixadores franceses, cuja composição se pode dividir por três zonas. As laterai, ocupadas pela representação dos embaixadores; e a central, por três naturezas mortas assim consideradas: a perspectiva exótica de um crâneo a dominada por um alaúde

Dentro do século XV, surge na escola pictórica dos antigos Países-Baixos toda uma pintura recheada de pormenores que anunciam as grandes n.s. ms. dos séculos seguintes. Chama-se a atenção para Petrus Christus (?-1472/3) e, muito especialmente, para o seu quadro Santo Eloy e os noivos em que a contrabalançar as figuras há toda uma espantosa n.m. que vai da fita enrolada sobre o balcão, balança de pesar ouro, espelho, aos corais e jarros de metal.

a do globo terrestre. Naturezas mortas que se podem ainda considerar integradas num ambiente da vida quotidiana, existem nos quadros: O penhorista e sua mulher (1514), de Quentin Metsys (Louvre);

É com a pintura da Renascença, (no fim do século XVI)(18), e nisto todos os autores são concordantes, que surge o género pictórico natureza-morta tratado com total importância e indiscutível autonomia. (19)Este

fenómeno corresponde ao surgimento de uma burguesia que deseja ter as suas salas decoradas com obras de arte que não são religiosas nem valorizações palacianas. A n.m. no século XVII, o século maior deste género pictórico, oferece aos artistas pintores uma liberdade como nunca existira. Só é comparável à arte abstracta de nossos dias. A arte da Renascença assenta essencialmente no desenho e é no século XVII, como que em contraponto, que a cor torna na pintura um valor equivalente ao do desenho na arte renascentista.

A necessidade de um estrato crescente da sociedade precisar de formas pictóricas decorativas e por os artistas precisarem de jogar mais livremente com cores e tons nas suas criações, leva ao aparecimento e expansão da n.m.. Em Portugal é notável o esforço de Josefa d'Óbidos que através de objectos de confeitaria sobre mesas festivas faz uma pintura rica, sólida, cheia de salpicantes pontos de luz. Noutros países os artistas fixaram genialmente os fins do repasto rico onde vidros e frutos descascados permitiram novas harmonias cromáticas. Outras n.m. focaram a vanidade da vida e, para tal, não esqueciam nunca a caveira terrífica. E, outras, ainda compuseram-se em alegorias aos cinco sentidos surgindo, por vezes, tonalidades claras de cor que só a pintura dos nossos dias voltou a ter. Considera-se obra primeira (da natureza-morta autónoma)(20) o trompe l'oeil de Jacopo de Barbari (c 1440/50-c 1516), veneziano (1504) que se guarda no Museu 84

e Cobrador de impostos, de Marinus Van Reymerswael (1495-1567) (National Gallery, Londres). Giovani de Udine (1487-1564), italiano, é, ao que consta, considerado o iniciador da pintura de flores. No fim do século XVI surge um pintor que morreu jovem mas cuja arte introduz uma nova dimensão à representação pictórica. Talvez, mesmo, se possa afirmar que a sua preocupação dominante de considerar os valores luminosos o fez ver as coisas como que inertes em si. Estamos a referir-nos a Cravaggio, cuja acção inovadora na história da pintura se compara a Giotto e Masaccio. É, pelo espírito inovador e humanizador da pintura(23), um artista já do século XVII.

SÉCULOS XVII E XVIII Os séculos XVII e XVIII são, por excelência, considerados os séculos de oiro da natureza morta. A eles teremos de dedicar mais extensas considerações, mas será impossível evitar que se deixe no esquecimento alguns artistas célebres na pintura de naturezas mortas. Miguel Ângelo Merisi (Caravaggio), 1573-1610, pintor barroco pela luz, pintor realista pelo tratamento dado à representação e grande artista pela harmonia doirada que consegue das suas cores, tem uma grande importância no desenvolvimento do género pictórico natureza morta.

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Ele tomou consciência de que a qualidade pictórica de um quadro nada tinha com o tema. Pintava com forte naturalismo pormenores dos quadros(24). Em sua obra Ceia de Emaús (1596-8) é de notar o pão tostado pelo forno, a galinha assada e, principalmente, a cesta com frutos. Caravaggio demonstrou que uma cesta de fruta (Corbelha de frutos)(25) permite uma significação pictórica não inferior à representação da figura humana. Diz-se que fez escândalo ao afirmar que uma bela n.m. valia para ele tanto como um quadro com figuras. Por isto dizemos que Caravaggio tem uma singular importância na dignificação da pintura de naturezas mortas(26), muito especialmente no sul da Europa.

(30)Temos presente a reprodução a cores de uma curiosa natureza morta de Juan Sanchez Cotán (1561-1627, nascido em Orgaz, que trabalhou em Toledo e depois dos 40 anos se tornou frade cartuxo, pintando quadros religiosos que se encontram no Mosteiro Cartuxo de Granada; autor de bodegones) obra existente na Galeria das Belas Artes de São Diego.

Trata-se de uma pintura de um verismo requintado, que algo segue de Crivelli, e que dá aos frutos da terra um significado para lá do comum.

(27)O

A pintura representa, numa disposição que segue o ângulo de uma janela, e de cima para baixo, um marmelo com duas folhas, uma couve - estes frutos surgem dependurados por um fio - e no parapeito da janela, mas em disposição contínua com os primeiros dois frutos, uma abóbora cortada, uma talhada da mesma, e um pepino que avança, assim como a talhada, para fora da janela, motivando-se assim, ao olhar a percepção espacial.

(28)Caravaggio

Hoje, pode-se dizer que é uma pintura hiper-realista feita numa época recuada. Estava-se ainda numa época de pintura maneirista e Cotán pinta uma n.m. moderna ainda para hoje. Os objectos têm como que uma vida própria e isolada.

Caravaggio no seu quadro Jovem mulher tocando alaúde ou no Tocador de alaúde, respectivamente, no Museu de Leninegrado e Galeria Sabauda de Turim, apresenta para lá das figuras humanas duas preciosas pinturas de naturezas mortas. (De notar, ainda) N.m. à la pastèque et aux fruits, N. Gallery, Washington.

(31)Esta característica surge ainda talvez mais vivamente em Zurbaran, Francisco de Zurbaran (1598-1664), pintor de Badajoz. O seu espírito é menos populista que o do caravaggismo e embebido de uma dignidade monástica. As suas ns.ms. distinguem-se das de Chardin pela ideia de concepção de quadro mas, em ambas, a forma cromática com seus valores matéricos e luminosos evidencia-se.

caravaggismo teve notória influência na pintura de Espanha, onde o rigor posto (por Caravaggio) nas suas n.m. parece ter passado para Sanchez Cotán e Zurbaran que deram à n.m. uma secura exemplar.

afasta-se da pintura maneirista e constrói toda uma arte nova baseada no real e na luz que o toca.

ESPANHA É a Espanha um país de grande pintura e desde muito cedo deu particular relevo a pintura de naturezas mortas, a bodegones, no dizer hespanhol(29).

(26) “A n.m. é definida como género pictórico autónomo no século XVII, por Roger de Piles (1635-1709) e Caravaggio. O primeiro, nos seus escritos e o segundo na sua obra”. (27) (NM). (28) (NM). (29) Redacção do parágrafo, original. Em nota anexa: “Escreveu Gaya Nuño num ensaio, de 1955, sobre 'Pancho Cossio e a tradição pictórica': … 'llegamos al bodegón. A ese perenne, immortal y modesto género pompeyano, helenístico, medieval, renacentista, barroco, neoclássico, cubista y del futuro. Pertence a todas las tradiciones, y, desde luego, a la espanõla; pero, naturalmente, pocos géneros acusam mejor la presencia de un estilo nacional que el bodegón'.” (NM).

Zurbaran pintou algumas naturezas-mortas de um modo singular, sem preocupações de representação espacial, traduzindo pictoricamente, com rara qualidade, os valores tácteis dos objectos. É célebre a que se expõe no Museu do Prado e representa quatro recipientes, numa disposição horizontal, ressaltados de um fundo escuro. De Zurbaran distingue-se, ainda, a n.m. Limões, laranjas e rosa que pertence a uma colecção de Florença. (32)Acerca de Diego Velasquez (1599-1660), afirma-se que começou por pintar bodegones; e isto é facilmente aceite se apreciarmos a sua pintura existente na National Gallery, Edimburgo, que representa a velha cozinheira mulher fritando ovos obra de 1617-1622, cujo 1º plano é uma admirável n.m. (vários objectos em diagonal e várias direcções oblíquas ajudam à percepção espacial.

A este quadro junta-se O aguadeiro de Sevilha (Colecção Wellington-Londres), uma intencional n.m. que representa o grosseiro através da pintura obcessivamente realista de um pote de água e o delicado na figuração de um copo de cristal.

Em “Textos Inevitáveis”, o Autor anexou uma nota que nos parece convergente com a anterior: … “A n.m. é o género de pintura que mais se adapta à força criadora carregada de intimismo. Claro que sabemos que esta pintura nasceu de uma certa 'gulodice' e de uma certa 'festa' que começava nas vitualhas da mesa. Há no ribatejo uma palavra que podia traduzir algo disto: Balhana. Uma Balhana de comidas eram, na fase mais rica e primeira, as ns. ms. Mas Chardin, Bonvin e Morandi criaram as n.s m.s. carregadas de intimismo.” (NM). 86

(30-33) (NM) 87


O contraste grosseiro-delicado está subjacente a muitas obras de Velasquez. Jesus em casa de Marta é outro quadro de Velasquez que vale por ser uma n.m. notável. O tema principal é um almofariz, um prato com peixes e duas cabeças de alho.

harmonia de tons, e que pertence ao Museu do Louvre. De Bauguin conhecem-se apenas (mais duas) naturezas mortas, Barquilhos e N.m. à la chandelle o que, associado à composição rigorosa das suas obras, leva a cognominar-se este pintor - que em 1630 vivia em Paris - de racionalista e misterioso. (39)Á

(33)(De

referir, também), Juan Van der Hamem (1594-1627), filho de pintor flamengo, excelente pintor de n.m. com vidros, capaz de ter influenciado Josefa d'Óbidos com as suas composições horizontais; ele traz a Madrid o estilo da n.m. da Flandres. E Alejandro de Loarte (m. 1626), em n.m. com figura humana (o cozinheiro)(34).

terminar a referência a Espanha, importa mencionar Luis Menández (17161780), nascido e criado em Nápoles, o maior pintor espanhol, do século XVIII, que se dedicou à pintura de naturezas-mortas no grande estilo da pintura deste género - n.m. de seguro naturalismo, algo de caravaggismo. Fez para a Corte espanhola de então, a decoração de um gabinete tendo por temas as Quatro Estações simbolizadas por toda a espécie de virtualhas produzidas pela terra de Espanha.

volta de Bauguin surgem Jacques Linard (1600-1645), pintor de grandes arranjos de flores de intenso colorido; Louise Moillon (1610-1696) com cestos e frutos; Sébastien Stosskopff (1597-1657), pintor de vidros, de copos de cristal; René Nourrison; François Garnier (1600-1648); e Jean-Michel Picart (1600-1682). Conheceram os pintores flamengos nas suas paragens de viajantes para a Itália ou de equipas que constituíam e trabalhavam em França, como sucedeu no tempo de Henrique IV.

(35)A

(36)As

ns.ms de Luis Menández preenchem totalmente de frutos e objectos a superfície da tela, são perfeitas tecnicamente e sóbrias, mais clássicas que barrocas na sua composição; com o recorte de Pompeia. Poucos objectos em grande plano: um tacho de arame, um pote de cobre, um púcaro de barro, uma posta de peixe e um limão; atmosfera rústica, rude (n.m. de 1772 -Prado).

FRANÇA Focar a pintura de n.m. em França, nos séculos XVII e XVIII, é considerar antes de mais a arte de Bauguin e de Chardin.

(40)Na

2ª metade do século XVII, o assunto é rico, faustoso. As naturezas mortas representam objectos preciosos.

(41)(São

de assinalar os pintores) Meiffren Conte (1630-1705), em composições teatrais; Nicolas Mignard (1606-1668); Jacques Hupin, bom artista de Vanidades; Jean Baptiste Monnoyer (1634-1699), o maior pintor de flores do seu tempo; Madeleine Boulogne (1645-1710), com instrumentos de música e livros por tema; e Nicolas Bandesson (1611-1666), mestre de flores.

(42)No

século XVIII, os pintores de n.m. tornam-se mais considerados. Há mesmo páginas de estética em que se afirma que a sua linguagem de pintura pode ser tão boa como a de Giorgione ou de Ticiano(43).

Neste século, surge Jean Baptiste Chardin (1699.1779), o pintor que consegue para a n.m. uma sobriedade e dignidade jamais atingidas. Os objectos de uso quotidiano são pintados de modo paciente e honesto. A composição, a cor e a matéria, pela mão de Chardin, atingem uma rara profundidade. (44)Chardin

A arte de Lubin Bauguin (1610-1663) tem uma contenção no número dos objectos que compõem as suas ns.ms e imprime-lhes uma atmosfera indiscutivelmente daquilo que se tem por espírito francês (elegância, delicadeza tocantes)(37). (38)É

muito conhecida a n.m. de Bauguin denominada Os cinco sentidos, de notória

(34) O Autor anexa ainda referências a António de Pereda (1599-1678), com n.m. de Vanidades; e de quem uma obra, sobre aprestos de cozinha, se encontra no N.M. Arte Antiga, Lisboa. E a Filipe Ramirez, e Camprobin (pintor de frutos). (NM).

não copia só a realidade; ele, antes de mais, organiza um quadro, cria um todo plástico, uma obra, portanto, de valor estético.

(45)Em

Restos de Almoço (1763; museu de Louvre) a n.m. ganha pela primeira vez, valores plásticos para lá de um conjunto de signos visuais icónicos. (E) Caixa de fumador que (também) se encontra no Louvre, é um quadro perfeito e que, feito no século XVIII, satisfaz a estética de hoje.

De gosto menos regrado, distingue-se Alexandre-François Desportes (1661-

(35) (NM).

(37) O Autor admite, em nota, que a pintura de Bauguin se relacione com o geometrismo do italiano Evaristo Baschenis (1617-1677). (NM).

(43) O Autor anexou a seguinte nota: “De François Heim: Antoine Caypel em 'L'Esthétique du peintre' diz ‘le Calfe (Willem Kalf), célebre pintor holandês de n.m., nos objectos que tem imitado fala a linguagem de pintura tão bem como Giorgione e Ticiano, com a diferença que ele não sabe dizer tão grandes coisas como os grandes mestres de a Arte'.” E acrescentou: “Na Exposição da Academia Real, de 1704, Desportes envia 15 quadros.” (NM).

(38-42) (NM).

(44-48) (NM).

(36) (NM).

88

89


1743), pintor de naturezas mortas de arranjo mis opulento, barroco e, por vezes, a anunciar um ar já romântico. Discípulo de mestre flamengo, especializou-se nas naturezas mortas estilo Buffet mas de composição mais ordenada(46), mais próxima, digamos, da arte de Chardin que da arte flamenga. O estilo de buffet da n.m. corresponde ao que em língua espanhola se entende por bodegon. Trata-se, em nosso entender, da n.m. nascida na Holanda e em que se representa, de modo amontoado, as peças de caça, os frutos, os peixes e os mariscos. Ao pintor importava a representação variada de formas matéricas e cromáticas e ao apreciador, antes, talvez, dos valores estéticos, abria-se-lhe uma atraente vista dos prazeres da mesa. (47)(São

ainda de notar) Nicolas de Largillière (1656-1746), que estudou em Antuérpia e em cuja obra há algumas naturezas-mortas de folhagem barroca; Pierre Dupuis (1610-1682), pintor de n.m. pouco conhecido; e Jean-Baptiste Oudry, discípulo de Caspillière.

HOLANDA O rumo quanto à temática, da pintura holandesa é uma consequência do ideário protestante. De facto, a transformação politico-social provocada pela Reforma está na base do surgimento da escola de pintura holandesa em que floresce a natureza morta. Proibida pelo protestantismo a grande pintura religiosa, os artistas voltam-se para as pinturas de género: cozinhas, incêndios, conversações, marinhas, animais e naturezas-mortas. Estes quadros, de dimensões não muito grandes, interessavam a clientela burguesa da Holanda. O holandês do século XVII estimava embelezar os seus lares e (48) que nas suas casas se reflectisse o seu gosto pelos objectos usuais, frutos, copos valiosos, pratos e flores que atestam uma tranquilidade desejada. O holandês explora com prazer a visão dos objectos usuais(49). A longa prática de oficina para conseguir uma representação o mais possível ilusória do real, a qualidade pictórica então mais desejada, levou ao surgimento de grandes pintores de naturezas mortas. Distinguem-se inicialmente Willem Claesz Heda(50) (1594-1680) o autor das mais seguras, faustosas e doiradas naturezas-mortas que já foram feitas. Sua técnica, rigorosa, é insuperável. O quadro A sobremesa, de um raro ritmo de elipses, é peça rica do Museu do Louvre.

90

(51)Durante muito tempo foi mais conhecido Heem, Jan Davidsz de Heem (16061684) que foi discípulo de Heda e se lhe irmanava na qualidade pictórica e no rigor do registo da realidade. (52)Nas ns.ms de Heem, ora maneiristas, ora barrocas, surge sempre uma laranja ou um melão quase descascado por um corte contínuo. A casca assim conseguida encaracola-se e isto, por si só, é um sinal de barroquismo e possui um valor visual notável.

Heda, de quem Rubens possuía dois quadros, é considerado o melhor pintor de naturezas-mortas conhecidas por déjeuners (Os almoços). Neste género, sobre a brancura da toalha de mesa surgem os pratos metálicos com bolos, os grandes copos de cristal ou de ouro, de pé ou deitados a sugerir um procurado dinamismo. (53)De um artista rival de Heda, Pieter Claesz (1597-1661) existe no Museu Soares dos Reis um quadro típico de déjeuners. É Claesz um dos mestres da natureza-morta holandesa (particularmente nos valores luminosos).

Tanto Heda como Claesz pintaram vanidades e, mesmo, estas extraordinárias naturezas-mortas de fim de repasto não deixam em si de conterem algo de intenções moralizadoras: a morte chega após a vida saboreada(54). (55)Outro grande pintor holandês de n.m. foi Willem Kalf (1619-1693) que trabalhou em Paris e seguindo a qualidade pictórica de Heda altera, contudo, os objectos. Introduz panos grossos, como um tapete persa, e pequenos objectos como um relógio de algibeira, corais e frutos; e o esplendor do ouro, da prata e dos cristais. Seu colorido anima-se de cores contrastadas; amarelo e azul, púrpura e verde esmeralda - no sentido da harmonia geral. (56)De Abraham Van Beyeren (1620-1690) também se pode ver, em Amsterdão, n.m. de grande estilo (o copo precioso de grande formato, deitado; o limão meio descascado com a casca retirada suspensa.

Preferindo objectos mais comuns, nada faustosos, tem um lugar especial o pintor Jan Jansz Van de Veld (1620-1662) em cujas naturezas-mortas se dispõem cachimbos e um copo de cerveja. Estamos, à distância de três séculos, perante a temática grata dos pintores cubistas. Importa, ainda, citar Jan Van Huysum (1682-1749) grande pintor de flores, filho de pintor de flores. Os príncipes da Europa de então compraram-lhe os seus brilhantes quadros de flores. Os modelos reais de flores que Van Huysum utilizava tornaramse famosos e deram fama e dinheiro aos floricultores de Harlem e Amsterdão que tais flores produziram.

(49) “O protestantismo queria as paredes das igrejas brancas. Mas os burgueses estimavam ter nas suas salas de jantar largas pinturas com fartas iguarias representadas. Sabe-se que, em 1663, um padeiro comprou obras de Vermeer por seiscentas libras e que numa cervejaria podia haver quadros para sua decoração.”

(54) “Um pintor de 'vanidade' foi Pieter Potter, pai de paul Potter, autor da célebre tela ‘La vache que pisse'.’

(50-53) (NM).

(55) (NM). 91


Este pintor de flores frescas e ricas de cor foi um homem triste e fechado levando alguns historiadores e congeminarem que a arte surge, por vezes, como um contrabalanço de outras forças. Há pinturas que não são naturezas-mortas e, todavia, reflectem a mesma quietude, o mesmo aprofundamento dos objectos que caracteriza este género de pintura. É o caso da pintura de Jan Vermeer (1632-1675) que certos espíritos consideram o maior de todos os pintores. (57)Em

todos os seus quadros há naturezas-mortas e não a uma leitura de 2ª ordem. Na pintura de Vermeer é a figura humana que parece vir completar uma luminosa natureza-morta feita das coisas simples que um canto de uma casa burguesa tem (A leiteira; A oficina do Pintor; Homem e Mulher a beber).

Nem todas as ns.ms. holandesas são faustosas assim. Van Schooten, pintor da 1ª metade do século XVII (activo entre 1605 e 1655), autor da Natureza-morta com presunto, do Museu do Louvre, representa os objectos separados por zonas de silêncio … suas n.m. despertam através de virtualhas uma serenidade espiritual.

presença feita de rigor e silêncio. Ns.ms., portanto, nada barrocas. (59)Mais

organizadora da unidade pictórica é Clara Peeters (1594-1657), pintora cuja vida é pouco conhecida. Existem desta pintora cerca de trinta naturezas-mortas. Nas suas representações surgem refinados cuidados de realce a pormenores. No Prado existe uma das suas naturezas mortas. Pierre Benoit (1590-1639) pintou n.m. e flores no estilo de Clara Peeters.

Outro pintor de naturezas mortas e pintor de flores muito considerado no seu tempo, é A. Bosschaert, o Velho, (1573-1621). (60)Resta

referenciar dois pintores de n.m., Snyders e Fyt. O primeiro, Frans Snyders (1579-1657), discípulo auxiliar de Rubens, é um pintor de ns.ms. barrocas, dominado pela profusão das coisas. Fez fortuna com a sua arte. Criou um estilo de grande efeito decorativo juntando à profusa n.m. algo de vivo, uma figura de vendedora ou criada, um gato ou um cão. Algumas das suas telas atingem 3 metros de comprimento.

(61)Atribuídas a este pintor existem, no Museu do Prado, o quadro A comerciante de (58)De

notar, ainda, as obras de Adrien Coorte, datadas de 1685 a 1723 (frutos e espargos sobre o parapeito de uma janela…).

FLANDRES Toma-se, como é habitual, os Países Baixos do Sul por Flandres, e os seus pintores consideram-se flamengos. Estamos na pátria de Rubens e Jordaens, pintores particularmente atentos às formas vivas. As coisas representam mais valores sensuais que espirituais. Começamos por fazer referência a um pintor do século XVI, Joachim Bueckelaer (1530-1575), autor que ama a profussão das coisas e com perícia representa os seus distintos valores matéricos. Foi um dos melhores pintores de n.m. e suas obras foram particularmente estimadas no século XVII. Consta que, enquanto vivo, não tirou grandes proveitos da sua arte. Ele gostava como posteriormente outros pintores, de poisar um insecto sobre um fruto ou sobre um pano. São artifícios que reforçam a ilusão de real que se desejava conseguir.

frutas, onde a cor vibra de modo saltitante, e, em Portugal, na Secretaria de Estado da Cultura, duas grandes e barrocas ns.ms. chamadas Produtos do Mar e Produtos da Terra. Em algumas obras de Snyders, como a existente no Museu de Colónia, é a figura humana que surge pequena, num canto da tela, enquanto que as aves mortas para um banquete real são as formas dominantes. Protegido de Snyders foi Jan Fyt (1611-1661) autor de ns.ms. barrocas, também, mas preferindo ao efeito decorativo o efeito plástico. Isto é, sua composição é mais rigorosa e sua harmonia cromática mais surda. De Jan Fyt existe no Prado uma grande n.m. com um cão e um gato. Peças de caça e uma grande cesta de fruta enriquecem a composição de claro espírito barroco(62).

É, para muitos, o grande pintor de peixes; com particular êxito, pinta postas de salmão harmonizando o seu vermelho com tons escuros e doirados. Afirma-se, nas suas naturezas mortas, uma sensualidade de vida farta e tranquila. Este artista anuncia Snyders, outro grande pintor flamengo que prefere a profusão dos elementos. Mas de gosto contrário, há que distinguir Osias Beert (1570-1624), artista revelado em 1934 e de quem se conhecem oito quadros assinados. Nas ns.ms. de Beert, os pratos de ostras ou de doces e os frutos isolam-se numa 92

(62) Em notas anexas, o Autor menciona, ainda, os seguintes pintores: Daniel Seghers (1590-1661; pertenceu à Companhia de Jesus): religioso, jardineiro e pintor de flores; barroco”. “Adrien Van Utrecht (1599-1653), entre Snyders e Fyt. (Representado no) Prado”. “Alexandre Adriaenssen (1587-1661); (e) Henri Adriessen (1607-1655): 'Vanidades'. “(E) Alexandre Coosemans (1627-1689)”. (NM). 93


(63)Giuseppe

(64)Digamos que uma obra pictórica oferece uma leitura global e uma outra de nível secundário onde, em certas obras, ressaltam verdadeiras ns.ms.. É o caso da pintura de Jan Vermeer e François Bonvin em que os interiores e a própria figura humana tomam a qualidade visual de algo profundamente estático. Ou de pinturas de Velasquez e Manet (em Bar das Folies - Bergères)(65).

Cristofano Allori (1577-1621), autor de Judite com a cabeça de Holofernes, integra em a Sagrada Família com o Cardeal Fernando de Médicis (Prado) duas curisas ns.ms., especialmente a do segundo plano, constituída por objectos de vidro.

Mas, de facto, n.m. é o género pictórico em que o artista se fixa no registo ou interpretação de uma realidade por ele composta com objectos.

ITÁLIA Arcimbaldo (c1527-1593), (realiza uma obra a notar) - a Primavera, retrato fantástico.

(Há que destacar) Evaristo Baschenis (1617-1677), pintor de Bérgamo, de ns.ms. com instrumentos musicais elegantes. Tratamento rigoroso, carregado de verismo mas onde a cor ganha tonalidades irreais (um antepassado de Morandi?) obra no Museu da Academia de Bérgamo. (E, de Nápoles, assinalar-se-ão) três autores de barrocas ns.ms.: Paolo Porpora (1617-1673) - pintor influenciado por caravaggio e que se tem pelo iniciador da pintura de n.m. em Nápoles, seguido de G.B. Ruoppolo (1620-1685) e Giusseppe Recco (1634-1695) - este especializado em conceber n.m. no ambiente “romântico” de grutas marítimas.

2. O Modo Estético de Existência da Natureza-Morta A pintura abstracta resvala com facilidade para o decorativo, para formas bidimensionais esvaziadas de conteúdo fundamental. Ora a natureza morta sustem este perigo, ela parte de uma investigação emocional de objectos reais, objectos que por serem coisas da vida do homem desprendem algo da essência da vida, do gosto e da dor de viver. Falámos de decorativo, mas temos de distinguir de decoração no sentido visto por Juan Gris e Matisse. Explica D.H. Kahnweiler: a palavra decoração, para Juan Gris, deve ser tomada no sentido de composição autónoma destinada a figurar numa parede, o acento era posto sobre o ritmo do poema pictural. Ora a n.m. permite a busca deste ritmo do poema pictural e facilita a expressão de um sentimento fundo da vida que certos objectos e frutos emitem. A n.m. não nasceu nos Países Baixos, encontrou aqui, por motivo da reforma religiosa, uma boa receptividade no gosto da burguesia.

Podemos, pois, já considerar dois tipos de n.m.. A do registo rigoroso que atinge o trompe-l'oeil. E há muitas deste género em que frequentemente surgem papéis ou pequenos objectos pendurados de modo a criar a ilusão visual de uma situação real. As n.m. holandesas do século XVII não andam longe deste aparato visual. Outro género é a n.m. interpretada por um sentimento artístico com o fim de concretizar uma obra pictórica. Surge, aqui, um jogo de princípios e de qualidades pictóricos convergentes para um efeito formal. É o caso de Chardin que, em boa verdade, inicia a o espírito da n.m. moderna. (66)(Também se podem considerar) dois tipos de n.m., quanto à composição:

- composição amontoada; - composição ordenada. Não se trata de distinguir dois níveis de qualidade, mas duas organizações formais. A primeira é naturalmente de espírito barroco, a segunda, de espírito clássico(67).

(64) (NM). (65) O Autor anotou, relativamente ao assunto em estudo: “N.M. tratadas como assunto de segundo nível, 'aos cantos ‘dos quadros' (obras estrangeiras): 'Mestre de A Anunciação de Aix'. 'Corrégio (1573-1610)'. 'Velasquez (Velha fritando ovos). Carlo Saraceni (Extase de S. Francisco, Veneza); objectos: cadeira pequena de fundo de palha; banco; sandálias; cesto; livros (…) uma vara a garantir a percepção visual de profundidade. Chardin; Quentin Metsys; objectos: prateleira com prato, maçã; rolo de papéis, livro'. Há o encontro das ns.ms., (do espírito), vindas da arte flamenga, que fixam uma visão minuciosa do meio ambiente, particularmente atenta à verdade da matéria. E as ns.ms. provenientes da via romana, colhidas em frescos pompeianos, aparecem na Renascença em 2º plano com maior frequência. ‘James Ensor (Pierrot et squelette); objectos: jarro; garrafa; prato; chávena; caveira; castiçais (vanidades)'.

Antes de surgirem como género autónomo, parece proveitoso considerar as n.m. que surgem pelos cantos dos quadros. Algumas tomam um tal valor visual que se sobrepõem mesmo ao tema do quadro.

(66) (NM).

(63) Todo o texto referente a Itália. (NM).

N.m. depuradas, de uma organização sentidamente simples e de extremos cuidados nos valores matéricos. Neste grupo incluímos, por exemplo, as obras de E. Baschenis, Bauguin, Sanches Cotan, Zurbaran, Chardin,

'Manet (Retrato de Zola …)”. (NM).

(67) O Autor anota, ainda: “Distinguimos dois tipos de n.m. quanto à sua força de expressão.

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Outra divisão será de ordem mais estética:

- A n.m. modesta, de poucos e bem ordenados alimentos ou objectos, que é típica de Espanha.

- pintura da realidade; - pintura da realidade transfigurada. (68)Pode-se estabelecer uma polémica sobre a definição de um pintor de naturezas-

- mortas. É ele um pintor do real, apenas? Ou sobre essa aparência há uma pintura de espírito simbólico(69)? Admite Julian Galego que nas pinturas de natureza-morta espanholas do fim do século XVI, haja uma certa ambiguidade de intenções. Chardin parece ser um pintor do real; mas em Sanchez Cotán que, no tempo, lhe é anterior, já é possível admitir um certo sentido simbólico que, em nossos dias, não deixa de surgir, também, em Morandi. De resto, as naturezas-mortas Vanitas são estereotipias de simbologia mas, a atitude inversa, o registo da sensualidade que as coisas despertam, como é o caso da pintura de Viana, não deixa de algum modo de se imbuir de efeitos simbólicos. Um outro modo de dividir as ns.ms. ocorreu a Gaya Nuño(70): dividia as ns.ms. em dois estilos: - A n.m. repleta de víveres, incitando à gula, que considerava emblemática da pintura flamenga.

Ex: Juan Sanchez Cotán e Francisco de Zurbaran, dos quais distingue, do 1º, a n.m. do cardo, e, do 2º, a da rosa e chávena de chocolate. (E, citando) Romero Brest: Isidoro Nonell, de Barcelona, autor de ns.ms. 'dinâmicas e angustiadas' que serviu para abrir os olhos de Picasso(71). O título deste capítulo surgiu-nos de um texto de Etienne Gilson(72). A n.m. representa um conteúdo formal essencialmente repousado. Esta característica é consoante com a essência da pintura, arte que se desenvolve não no tempo mas num espaço bidimensional estático. É deste ajustamento que, quanto a nós, resulta uma autonomia para a n.m. que permite, antes da arte abstracta, uma pintura - qualidade que a partir de Cézanne se sobrepõe à qualidade de arte decorativa que até então dominava o género pictórico n.m.. Há ainda a considerar a visão pictórica concordante com o espírito da n.m., a que leva um quadro de género a parecer uma n.m.(73). Caso de Vittore Carpaccio (Sonho de Santa Úrsula), Vermeer (Cozinheira: o 1º plano é uma n.m. de valor visual dominante), Bonvin e Eduardo Viana, por exemplo. (74)Na

(Uma linha de desenvolvimento de a n.m. regrada, sóbria e perfeita poderá considerar-se, por Masaccio, Caravaggio e Cézanne). E, em outro grupo, as ns.ms. de estrutura mais barroca, obras que reflectem algo de mais intuitivo: Snyders; Picart (realismo perfeito) - Heda e S. Stosskopff aparte, técnicas inultrapassáveis - Pierre Dupuis (romantismo na composição); Jean-Baptiste Monnoyer (1634-1699), pintor de flores; Meiffren Conte (pintura de peças faustosas, teatral); Nicolas de Largillière. (68) A presente reflexão, “sobre a definição de um pintor de naturezas mortas”, provêm de referência do Autor ao texto de 20.03.77, na sua obra “Textos Inevitáveis”.. (NM). (69) O significado simbólico das naturezas mortas Certos autores dizem que a maioria das ns.ms. constituem homenagens encobertas a Deus e à Virgem Maria. O estranho cardo que aparece em uma n.m. de Cotán seria uma referência ao martírio de Cristo na Cruz e muitas das frutas e flores seriam prova de homenagem à Virgem. O sentido simbólico das ns.ms. é um assunto carregado de dúvidas e ambiguidades. É claro que para um religioso tudo o que vê e a natureza cria é obra de Deus. E muitos dos pintores foram religiosos integrados em Ordens.

(71) (NM). (72) Texto anexado pelo Autor (In: Etienne Gilson. Pintura y Realidad. Madrid. 1961): Para resumir, o modo estético de existência de uma pintura inclui consciência do modo estático de existência do seu objecto, precisamente como, e, de modo contrário, o modo estético de existência da música inclui consciência da existência descontínua e fugaz do seu objecto. E não é de estranhar. Tão difícil é para a pintura mover-se como para a música estar em quietude.

“Quanto ao assunto: faustoso / singelo

Esta especificidade do modo físico de existência própria de a pintura dá razão à crescente importância atribuída na história da arte às naturezas-mortas. Por um lado, a maior parte de os estéticos e pintores que insistem em que há uma hierarquia de géneros pictóricos parece estar de acordo em que aquelas formam o mais humilde destes géneros. Não há nada particularmente nobre na representação de fruta, fatias de pão, garfos, facas, copos e outros objectos cuja vista não evoca mais que os aspectos mais modestos de a vida corrente. Por outro lado, não é possível olhar um dos melhores Chardins, ou qualquer boa natureza-morta de qualquer escola e época, sem sentir que este é um género em que a pintura revela sua própria essência e alcança um dos seus pontos de perfeição. Uma natureza-morta não nos inspira a mesma espécie de admiração que os frescos de Miguel Ângelo da Capela Sixtina, porém obtemos dela um sentimento de satisfação diferente e, em certo sentido, mais total.” (NM).

Quanto à composição: opulenta / regrada-polimorfa”. (NM).

(73-76) Os dois parágrafos finais do Cap. 2 foram destacados no “Preâmbulo” do presente estudo. (NM).

Mas pensemos em Crivelli (fim do século XV):, sempre a representação da Virgem aparece coroada com ramos de frutas mas outros frutos e insectos surgem para percepcionar o espaço tridimensional. Neste pintor surge a solução de objectos suspensos. Ex.; La consegna delle Chiavi (1488)”. (70) In Gaya Nuño (Ibid. 29). A esta classificação da n.m., o Autor anexa as seguintes:

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organização formal de uma n.m., como de resto em todo o quadro, há um equilíbrio de forma-fundo e uma valorização plástica de cada uma destas formas per si. A forma-forma ou forma-tema tem sempre um tratamento mais profundo. Mas a forma-fundo por vezes, resta no seu plano secundário com um tratamento insuficiente.

97


O fundo tem, pois, um papel visual mais difícil de concertar. Não deve sobrepor-se, visualmente, à forma-forma, nem comprometer esta por escessivamente simplificado. O fundo é outra forma que sem anular, antes reforçando, a percepção espacial, deve ter um tratamento de valores plásticos, cromáticos e matéricos, que não dividam, que não quebrem a unidade total. Pode-se anular, pela acumulação de objectos, o valor do fundo mas então a composição resulta avassaladora, excessiva(75). Notou E.H. Gombrich que os pintores especialistas de n.m., sem disso se aperceberem, começaram a demonstrar que o assunto de um quadro é de menor importância do que se julgara. Segundo Gombrich, a n.m. nasceu de um compromisso entre a moda do trompel'oeil, por um lado, e, por outro, o desejo de ganhar, com esta moda, maneira de confundir as tradicionais distinções entre o aqui e o além, entre o pintor e a pintura, entre verdade e ficção…(76) A minha tese é, de outro modo, defender um silogismo que, à primeira vista, contém algo de estranho:

No Romantismo, (notar-se-á) Carl Spitzweg (1808-1885), pintor de costumes humorísticos, mas que no quadro O Poeta Pobre (Nova Pinacoteca, Munique), apresenta notável n.m.. Em França, século XIX, François Bonvin (1817-1887) segue de perto a pintura de Chardin. (Na pintura da época) continua-se pintando muitas flores mas por artistas de segunda ordem. O espírito que animou essencialmente o Impressionismo não é o mais próprio para a vivência da pintura de n.m. É na pintura do ar livre que se reflecte plenamente o problema da representação dos efeitos luminosos em termos de pintura. Monet pinta, cerca de 1860, algumas ns.ms. a que não faltam a faca(78) situada obliquamente e composições de flores ao gosto tradicional. De 1866 conhece-se uma n.m. de Fantin Latour (1836-1904), de cor clara e limpa. E. Manet (realizou ns.ms. tais como) La brioche (1870) mas a sua n.m. está melhor integrada em cantos (de Bar das Folies-Bergères). Em Manet, o desenho resulta da cor.

Se em nosso tempo a arte abstracta é mais pura por dela não se fazer leitura descritiva imediata, é mais pura, por uma razão algo equiparável, no século XVII, a pintura de naturezas-mortas.

O que é o desenho, hoje, em pintura?

A pintura de n.m. nasce de uma vivência muito livre quando comparada com a que anima o pintor histórico ou de retrato.

O desenho já foi a primeira fase de um quadro a que se seguia a pintura pela coloração dos espaços bidimensionais. Mas, hoje, desenho é uma organização que se confunde com a “composição” de todos os elementos, direcções lineares, cores, jogo de claro-escuro e artifícios, da representação espacial. É isto, também, que em Juan Gris é a representação do real(79).

3.

A Natureza-Morta na Arte do Século XX(77) (Notas)

A n.m. é um género de pintura a que se dedicaram artistas, digamos, da segunda fila. Não é espectacular como o quadro histórico nem tem o valor iconográfico do retrato. Da pintura de género, do quotidiano sem dimensão teatral, passa-se à n.m. pela ausência da figura humana. Restam as coisas da vida quotidiana. E isto é vivido por Chardin.

(77) O Cap. 3, intitulado de acordo com o original, resulta de um conjunto de Notas pelo Autor, totalmente, segundo um critério cronológico. (NM).

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O importante na pintura que algo representa não é a coisa representada, é o modo como é feita a representação, é a força criadora revelada no tratamento plástico da coisa que surge. Não importa, ainda, a ilusão do real, mas sim, a vivência de uma emoção estética que toca o usufruidor. A pintura é uma arte de imitação, de interpretação e de transfiguração. As três definições que, temporalmente, fizeram a sua época não são demais todas juntas. O que caracteriza a arte, pelo menos na primeira metade do século XX, é uma busca da expressão pura.

(78) “A faca aparece em Cézanne, Derain, Juan Gris (n.m. de 1912), Braque (1928)”… (79) (NM). 99


A visão pictórica é uma atmosfera plástica em que os objectos se perdem e se encontram.

A maçã, em Cézanne, é uma esfera pintada, em Derain uma cor presa por um contorno negro.

… Qualquer objecto inanimado pode servir para exteriorizar uma visão do mundo …

Chegados a Braque, a natureza-morta torna-se um género de primeira categoria onde o real surge reanalisado através da memória, mas o signo criado sacrifica-se para dar forma ao objecto-quadro.

Félix Schwartzmann(80). No surrealismo não há naturezas-mortas. Assim entenderam Chardin, Cézanne e Morandi, três burgueses que dentro das paredes do seu lar encontraram os motivos suficientes para uma expressão plástica profunda de índole humana.

Depois chega Morandi: As naturezas-mortas deste pintor italiano são a representação misteriosa de objectos vulgares humanizados. A cor, em Morandi, tem a pureza e a frescura de uma manhã que se julga ou deseja ter vivido.

Os objectos reflectem, naquilo que são e na forma do seu tratamento plástico, os sentimentos humanos que a eles associa o homem no seu viver interrogativo, magoado ou feliz.

As ns.ms. de Cézanne têm mais com a sua vida interior do que com a realidade.

(Percursos:)

Chegando-se, por esta linha, a Braque que liberta totalmente a organização da n.m. da realidade visível. Agora é o real “guardado” de forma sensual e emocional que é representado.

Cézanne (visão estrutural) Matisse

(visão da cor pura) Em La Galerie des Arts (Nº 91, 1970), Sonia Delaunay escreveu um dia: Matisse é um muito grande pintor. Quando eu era nova atravessava toda Paris a pé cada vez que ele fazia uma natureza morta: era um acontecimento, que esperava com fervor.

Braque

(a harmonia da organização)

Morandi

(a expressão da solidão)

Cossio

(a poética do difuso)

(81)(…)

Procuro ver a linha pictórica do género natureza morta no século XX. Tudo começa em Cézanne e Bonnard. O primeiro constrói a natureza morta como coisa que, antes de mais, tem de ter um andaime, uma gramática. Não interessa a representação mas o modo de representar.

A pintura de Morandi retoma o real, mas o real pobre, os objectos opostos aos sumptuosos. E exprime, através da sua representação, múltiplos sentimentos. mas de modo mais evidente, a dor da solidão ou do abandono. Sempre que o homem se encontra só com uma realidade adversa, convive com os objectos inanimados e descobre que em tudo se reflecte a alma humana, se adivinham as forças que fazem o instante radiante ou, pelo contrário, a dor que aniquila. Tanto para Chardin, como para Cézanne e Braque, a pintura é uma organização de formas volumétricas e a n.m. respondia melhor a este desejo de investigar do que qualquer outro mais dependente do movimento, interioridade ou da luz, como são os géneros histórico, retrato ou paisagem. Paul Cézanne (1839-1906), ou o fim do primado do desenho na pintura. A cor situa, avoluma, ilumina, define, emociona. Maçãs pintou Cézanne, como quem pinta o próprio segredo da vida

Em Bonnard, a forma dominante é a cor. É a fixação da luz, e do calor das cores que mais importa. As naturezas mortas de Derain não têm esta explosão de cor mas trazem uma forte força formal. Os objectos são representados com força, a sua presença háptica domina visualmente. (80) In: Félix Schwartzmann. Teoria de la Expression (p. 182). (NM).

Mário Dionísio. Transcreve-se da obra de Lionello Venturi, “Para compreender a pintura De Giotto e Chagall” (p. 192): Cézanne deu à natureza morta - género de pintura sem grande importância antes dele - um impulso e um sentido inteiramente novos. A natureza-morta representa coisas inanimadas, como frutos ou móveis. Sem dúvida que as

(81) O presente texto provém da obra do Autor, “Textos Inevitáveis”, (28.05.79). 100

101


coisas inanimadas serviram sempre de assunto e pintura, com o fim de acrescentar um ornamento a uma composição de figuras humanas. Mas raramente coisas inanimadas foram escolhidas como motivo único de uma pintura sem figuras humanas até ao momento em que o realismo moderno fez a sua aparição, pelos fins do século XVI e começos do século XVII. A natureza-morta tornou-se então um novo género de pintura, mas foi muito tempo desdenhada como pura imitação de coisas vulgares, desprovidas de qualquer valor ideal. E, contudo, apesar das objecções e das condenações frequentemente repetidas, a natureza-morta obteve, graças a Cézanne, no decorrer dos últimos anos, uma fama mundial. Quando o interesse pelas narrações em pintura diminuiu ou desapareceu completamente, e a atenção se concentrou no estilo do artista, a natureza morta começou a suscitar um interesse especial, precisamente em virtude da falta de interesse do assunto. Odilon Redon (A Papoila. Museu Jeu de Paume, paris): O que Cézanne conseguiu com as maçãs, Redon atingiu com as flores. No primeiro caso, a gramática da essencialidade do volume; no segundo caso, a essencialidade do ramo de flores. Casorati (1886-1963) e, principalmente Morandi (1890-1964), são os pintores de n.m. de harmonia clássica reduzida a um equilíbrio puro e simples da cor. Isidoro Nonell (Vd. Cap. 2) Picasso é um pintor de obra diversificada que não deixou de pintar n.m.. Há ns.ms. de influência de Cézanne; cubistas das fases analítica, sintética e ornamental (a imitada por Almada Negreiros); e expressionistas. Afirma Gaya Nuño que na n.m. os volumes e qualidades das coisas luzirão tanto mais quanto menor seja seu perfil, quanto mais ampla seja sua categoria de flor aberta(82). Le Corbusier e Ozenfant: a n.m. imbuída de lógica geométrica. A (importância da ) linha. Chega Georges Rohner, em que o toque de realismo precioso joga com a geometrização de outros objectos. Matisse (1869-1954): a taquigrafia da cor. O que mais interessava a Matisse, ele o confessou, não era n.m., nem a paisagem, era a figura. Matisse simplifica e harmoniza. Para ele, a exactidão não é a verdade:

(82) (Ibid 29), p. 146. (NM). 102

Pintar uma n.m. consiste em transpor as relações dos objectos do tema para a inteligência dos diferentes valores de cores e de suas correlações. Na n.m., copiar os objectos não é nada; é preciso exprimir as emoções que eles despertam por si. De: Henri Matisse. Notas de um pintor(83): (…) Logo que meu traço emocionado modelou a luz da minha folha branca, sem lhe tirar sua qualidade de brancura emocionante, eu não posso mais nada lhe juntar, nem nada lhe retirar. A página está escrita; nenhuma correcção é já possível. Nada mais há a fazer que recomeçar se ela está insuficiente (…) Os supérfluos ou os arabescos não sobrecarregam nunca os meus desenhos do natural, porque os supérfluos e arabescos fazem parte da minha orquestração (…) É para libertar a graça, o natural, que eu estudo deste modo antes de fazer um desenho à caneta. Eu não me imponho algo forçando; pelo contrário; sou o bailarino ou o equilibrista que começa seu trabalho por várias horas de numerosos exercícios de flexibilidade, de modo a que todas as partes do seu corpo lhe obedeçam prontamente, diante do seu público, ele deseja traduzir suas emoções por uma sucessão de movimentos de dança, lentos ou vivos ou por uma pirueta elegante. (A propósito de perspectiva; os meus desenhos definitivos a traço têm sempre seu espaço luminoso e os objectos que os constituem estão nos seus diferentes planos; portanto em perspectiva, 'mas em perspectiva de sentimento', em perspectiva sugerida). Considerei sempre o desenho, não como um exercício de habilidade particular, mas antes de mais, como um meio de expressão de sentimentos íntimos e descrições de estado de alma, mais, meios simplificados para dar maior simplicidade, espontaneidade à expressão, a qual deve ir sem dificuldade para o espírito do espectador. (…) Meus signos plásticos exprimem provavelmente o seu (das jovens raparigasmodelos) estado de alma (palavra de que eu não gosto) ao qual eu me ligo inconscientemente ou ao que melhor se possa chamar. Suas formas não são sempre perfeitas, mas elas são sempre expressivas. O interesse emotivo que elas me inspiram não se vê especialmente na representação do seu corpo, mas frequentemente pelas linhas ou os valores especiais que estão distribuídos sobre toda a tela ou sobre o papel e aí formando sua orquestração, sua arquitectura. Mas, nem toda a gente disso se apercebe. É talvez da voluptuosidade sublinhada, aquilo que não é talvez ainda perceptível para toda a gente. (…) (83) Selecção de excertos do longo texto de Henri Matisse anexado pelo Autor. (NM). 103


Eu modulo com meu traço mais ou menos espesso, e sobretudo pelas superfícies que ele delimita sobre o meu papel branco. Altero as diferentes partes do meu papel branco, sem lhes tocar, mas através das vizinhanças. Vê-se isto muito bem nos desenhos de Rembrandt, de Turner e de um modo geral, nos dos coloristas.

O interesse pelo género de pintura chamado n.m. levou-me a Joaquim Peinado, pintor espanhol da idade de Cossio e Clavé. As pinturas de Peinado, as suas n.m., são herdades de muito de Juan Gris; o predomínio da arquitectura do quadro, a feição linear dessa mesma arquitectura. (A par de) Cossio (há que considerar) Pierre Langlois(85).

Em resumo trabalho sem teoria. Tenho somente consciência das forças que emprego e vou, puxado por uma ideia que não conheço verdadeiramente senão à medida que ela se desenvolve pela execução do quadro. Como dizia Chardin: 'Torna-se a pôr (ou retira-se, porque eu raspo muito) até que se faça bem'.

A representação de algo estático, de algo que, essencialmente, vale visualmente pelo que é, ajusta-se como nenhum outro assunto à pintura. A pintura cinética é o género oposto à n.m..

Fazer um quadro parecerá tão lógico como construir uma casa se se proceder com os bons princípios. O lado 'humano' não nos deve preocupar. Ou ele se tem ou não se tem. Se se tem, ele pinta a obra apesar-de-tudo.

4.

Georges Braque (1882-1963) e Gris (1887-1927): No primeiro, a memória dos objectos registada numa harmonia encontrada com liberdade. No segundo, a construção do quadro que chama objectos. Em Braque as ns.ms. são animadas de um particular dinamismo visual. Tudo ondula, distorce-se e reparte-se em valores cromáticos sóbrios que sugerem golpes de luz e envolvimentos de sombra. As suas ns.ms. patenteiam um variado vocabulário plástico dentro de uma segura unidade e um pessoalíssimo modo de organização. Aqui, a representação cede totalmente às forças de organização do quadro. Cubistas ainda nos anos vinte e trinta para, posteriormente, se revelarem mais dentro de um expressionismo da deformação regrada tanto na estrutura linear como na cor. Interseccionismo organizativo de um real pautado. Objectos: jarro, violão …(84) As ns.ms. de Juan Gris situam-se no último período cubista. São dominados por um rigoroso espírito de organização. Não é o real que forma um quadro, é o quadro que sugere o real. Giorgio Morandi (1890-1964) e Braque

A Natureza-Morta na Pintura Portuguesa(86) (Esboço)

Na história da pintura portuguesa a natureza-morta não ocupa um lugar de relevo. É dominante na nossa arte pictórica, talvez como prolongamento dos painéis chamados de Nuno Gonçalves, a figura humana. Integradas em quadros de tema religioso surgem notáveis ns.ms. que emprestam convincentes notas de ilusão da realidade. Do Mestre do Paraíso (Gregório Lopes, c.1490-c. 1550) no Retábulo da Vida da Virgem, surge no quadro Passamento da Virgem uma notável n.m.. Sobre um banco de ilhargas recortadas, o artista pintou: um bolo numa caixa redonda; um púcaro; um copo de vidro tapado com papel franzido e com dizeres (xarope ou mézinha, portanto); um alguidar com uma colher manuelina (em forma de figo, de cabo trabalhado); uma cesta com bolos cobertos de farinha e faca oblíqua a favorecer a percepção espacial. N.m. minuciosamente pintada. Mas as mais notáveis e decorativas ns.ms. da pintura portuguesa surgem no século XVII, com a pintora Josefa d'Óbidos (Sevilha, 1630-Óbidos, 1684). Obras que patenteiam um extraordinário labor e um não inferior sentido decorativo. Importa considerar as grandes n.m. pertencentes à Biblioteca Museu de Braancamp Freire. Sobre um fundo escuro surgem com um tratamento rico de pormenores e cor: bolos, flores e caixas. Há, de certo modo, um pré-anúncio de um espírito pictórico romântico. O tema surge envolvido numa atmosfera poética; o real é, assim, transfigurado em inexplicáveis ressonâncias expressivas.

Em Morandi importa a projecção de uma solidão humana. Em Braque reflecte-se o vistoso de uma recordação rica.

Desta época importa referenciar três pinturas, sobreportas (pintadas como n.m. 1,08 0,48 m) existentes na “Colecção Alfredo Guimarães” da Sala Stº António na sua casa da Cruz dos Poiais(87). Parecem-nos mais, pela secura, na linha das

Morandi é clássico, é helénico. Braque é barroco e cubista. (86) Capítulo 4), segundo critério cronológico, (NM). (84) (NM). 104

(87) (NM). 105


ns.ms. de Zurbaran do que no estilo de Josefa d'Óbidos(88). Uma n.m. muito semelhante, também de Josefa d'Óbidos, existe no Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Romano Esteves (1882-1960) pinta n.m. com sabor espanhol(90).

(…) Exposição de Josefa d'Óbidos. A pintura tenebrista desta mulher possui irregularidades e atrevimentos especialmente na cor que lhe dão um interesse visual singular.

Mário Reis (1894, discípulo do Columbano) e Abel Manta (1888-1982) também pintaram algumas ns.ms. de valor. As do primeiro com um sabor mais académico, enquanto que as do segundo reflectem mais a lição de Cézanne(91).

Interessou-me particularmente ver as naturezas-mortas. Parece-me haver duas linhas neste género de pintura de Josefa d'Óbidos. Uma herança de Sanchez Cotán (1561-1627) e uma representação de um gosto conventual.

Mas é Eduardo Viana (1881-1967), e muito especialmente na última fase da sua vida, quem executa as ns.ms. mais largas, sólidas e de cor forte (veja-se A viola, no M.N. Arte Contemporânea)(92). Com os objectos inanimados organizou valiosas ns.ms. que ficaram seguros exemplos do que se tem por pintura-pintura.

A natureza-morta número 44 é claro exemplo da primeira linha. Cotán utilizou, nas suas depuradas e secas naturezas-mortas, frutos pendurados para criar a ilusão de espaço; isto mesmo fez neste quadro, a pintora de Óbidos. Cotán tem uma natureza morta em que representa apenas um cardo encurvado e quatro cenouras que foi, por certo, motivador deste quadro de Josefa d'Óbidos. A outra linha, talvez a mais sentida pela pintora, resulta das mesas enfeitadas pela confeitura frita criada pela arte de doçaria dos conventos femininos. São exemplo desta faceta as duas preciosas e requintadas naturezas mortas da Biblioteca Municipal Anselmo Braancamp Freire. Depois, talvez, há que distinguir as ns.ms. de José Ferreira Chaves, (1838-1899), mestre da Academia, na 2ª metade do século XIX, n.m. de composição complexa mas de boa feitura técnica. (Pintor de Buffet - Flores e frutos. Do Romantismo). No Grupo de Leão foi Columbano (1857-1929) quem executou as ns.ms. de maior valor. Mas, apegado ao retrato, como era, nas melhores ns.ms. a figura humana está como que em segundo plano (veja-se Chávena de chá, no Museu de Arte Contemporânea, Lisboa)(89). Esta característica continuou-se em Alda Machado Santos (1892) que executou (88) À margem, o Autor anotou: “É de Josefa d'Óbidos”. E referenciou o texto de 06.09.84, na sua obra “Textos Inevitáveis”, em seguida transcrito (sobre a Exposição de Josefa d'Óbidos). Anexou ainda as duas observações seguintes (NM) nestas notas: “A Nota sobre a Exposição de J. d'Óbidos foi escrita em Óbidos e só hoje li, pela vez primeira, o artigo publicado na Revista Colóquio. Há muito que recolho dados sobre o género pictórico chamado n.m., e conhecia portanto as notáveis obras de Cotán. Pergunto: Porque não se juntaram, nesta exposição, os dois quadros com o cardo e que parecem depender de Cotán? Uma coisa parece certa: quem pintou o quadro nº 44 da actual exposição também pintou a n.m. do Museu de Évora. E daqui só se pode concluir que ambos são de J.d'Óbidos, ou ambos não são. A hipótese de estas n.m. estarem carregadas de simbolismo cristão também levanta dúvidas. conventos havia, no século XVII, muitos religiosos pintores, é largamente conhecido”.

106

fortes pinturas com frutos da terra.

(…)(93) Recordo A Aguadeira de Coimbra de Miguel Ângelo Lupi, O Atelier de Silva Porto de Columbano e O Rapaz das Loiças de Eduardo Viana. Uma linha de expressão atenta à coisificação do objecto, um gosto vivo pela sensualidade que a matéria, feita cor, comunica, une estas obras. E, consequentemente, algo irmana estes pintores afastados no tempo, senhores de técnicas bem distintas e de formação estética não comparável. É um sentimento particularmente voltado para os valores hápticos das coisas, em termos pictóricos, que os aproxima. A serenidade que a pintura de Lupi comunica encontra-se, com outros termos, em Columbano e repete-se, dentro de um esquema, cézannesco, em Viana. É uma forma de construir o quadro, lenta e seguramente, lenta e gostosamente, que o anima da serenidade referida. Das obras citadas ressaltam, das coisas, o seu peso, a sua densidade. A linha traduz a graça do mundo enquanto que a cor é o seu esplendor. São aspectos diferentes que só meios distintos revelam. É a querela entre davidianos e rubenistas? Almada e Viana. Eduarda Lapa (n. 1897), que morreu em 1976, quando fazíamos esta nota, foi uma notável pintora de flores, talvez, contudo, não tão inovadora como a infeliz Josefa Greno (Espanha, 1850-1902) que chegou a expor no Grupo de Leão. Notar-se-ão também as ns.ms. de aspecto sereno por Manuel Bentes (18851961), pintor que viveu grande parte da sua vida em Paris; e as de Maria Clementina Carneiro de Moura (1898)(94). A finalizar citamos Celestino Alves (1913), que pintou ns.ms. já tocadas por uma simplicidade e um acinzentado de cor, herança do modernismo pictórico.

Que nos (90) (NM).

“Temos presente a fotografia publicada no Colóquio nº 1 que representa uma n.m. com caixas redondas de bolos, prato com doçaria, uma abóbora em segundo plano, vasilhas de barro e um pequeno pote de boca tapada com pano preso com um fio. Sobre o pano foi escrito: de sumos. É um esquema nitidamente herdado das n.m. integradas em quadros religiosos”. (NM).

(91) O Autor anexa a seguinte nota (invocando Vermeer): “António Ramalho, 'O lanterneiro', quadro de várias ns.ms.”, (NM).

(89) (NM).

(93) Texto de 20.03.77, referenciado pelo Autor, da sua obra “Textos Inevitáveis”. (NM).

(92) (NM).

107


BIBLIOGRAFIA Nota: Referências, por vezes incompletas, pelo Autor ou de materiais por ele anexado ao original. NM = Nota da montagem.

1. ARTUR, Ribeiro. (NM: Arte e Artista Contemporâneos?), Vol. 3 (Sobre Ferreira Chaves) 2. BELLE-JOUFFRAY, Marthe. “La Nature Morte”: “Esprit de la nature morte”, Publications filmées d'Art et d'Histoire. In: La Photo à l'École.Paris (77, R. de Vaugirard): Ed. Ligel. (…) 3. BERENSON (Livro …). (Estampa 9, Vittore Carpaccio, “Sonho de Santa Úrsula”; e sobre Crivelli). 4. BERGER, René. Découverte de la Peinture. Belgique (Verviers): Marabout Université. 1968. Vol. 1: L'art de voir. (Sobre Maria Van Oosterwych (1630-1693) vs. Van Gogh). 5. BLANCHARD, Marc Eli. “Pour une théorie de la désignation en peinture” (In: Revista … pp. 41-60). Université de Californie: Davis, (…) 6. “CHEFS D'OEUVRE”. Paris: Hachette. Nº 93. (Sobre Evaristo Bachenis). 7. “COLÓQUIO” Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. (…). Nº 1 (Sobre Josefa d'Óbidos). 8. (NM: Obra observada pelo Autor, embora não mencionada nem anexada ao original). DAVIS, Martin. Carlo Crivelli. London: The National Gallery. 1972 (Themes and Painters in the National Gallery Nº 4). 9. DÉSHAIRS, Léon. “L'Art des origines à nos jours”. Folheto de divulgação. França: La rousse. (…). (Reproduções de “Nature morte”, Henri de Waroquier, 1942; e “Nature morte”, Georges Rohner, 1950. Col. Marc Vaux).

16. HUYGHE, René. L'Art et l'Âme. Flammarion. Paris 1960 (NM: Existe a tradução “A Arte e a Alma”, Bertrand, Lisboa). pp. 8 (Carlo Saraceni); 147 (James Ensor); 198 (Chardin); 241 (Quentin Metsys). L'Art et l'Homme. Larousse. Paris, 1958. Vol. 2. 17. “JARDIN DES ARTS” (Galerie). 106, Rue de Richelieu 75002 Paris. (…) (Reprodução de “Cozinheira”, de Vermeer). 18. “LE FIGARO MAGAZINE” Nº 18. Berlim. Suplemento. (Referência do Autor: “N.m. com 'livros velhos'. Talvez da Escola Espanhola, século XVII. Equivalente às botas velhas de Van Gogh”). Nº 246, de 5 a 11 de Maio de 1984. (NM: Reprodução de “Nature morte”, de Jean-Claude Chauray 3 peças de metal e frutos comentada por V.P.). 19. MATISSE, Henri. “Notas de um pintor”. (…) 20. MAUPASSAN. Pierre et Jean (“Conseils de Flaubert à Maupassant”). In: La Photo à l'École (Ibid. 2.). 21. NUÑO, Gaya. “Pancho Cossio e a tradição pictórica”. (…) 1955. 22. “PANORAMA” (…) 1961, Nº 23; 1965, Nº 4 23. PIMENTA, João Bentes. “No centenário de Eduardo Viana”. Imprensa diária(…?)

10. DIONÍSIO, Mário (…) (NM: A Paleta e o Mundo?). (Sobre Cézanne).

24. SANTOS, Reynaldo dos. “A Faiança do século XVI nos Primitivos Portugueses”. Panorama, III série, Nº 4. p. 8.

11. “LA GALERIE DES ARTS” (NM: 10, R. Saint-Marc. Paris; e, a partir do Nº 93: 106, R. de Richelieu, Paris. Nº 97, passa a designar-se “La Galerie”).

25. SCHWARTZMANN, Félix. Teoria de la Expression. (…). p. 182.

Nº 91, 1970 (Sobre Matisse, por Sonia Delaunay). Nº 128 (Sobre a natureza morta em Picasso). Nº 134 (Sobre François Bonvin, etc.). 12. GILSON, Etienne. Pintura y Realidad. (…). Madrid, 1961 (NM: 1ª ed., Paris, 1958). 13. GOMBRICH, E.H. (…). (NM: Art and Illusion?). 14. “HISTÓRIA DA ARTE”. Alfa, '72 (Salvat; e Publicações Europa-América, Mem Martins). Nº 7 (Sobre Caravaggio, Allori, Snyders, Heda, Vermeer); e Nº 8.

108

15. HOOG, M.; GIOT, M.; GUICHARNAUD, H. & colaborateurs. “La nature morte et l'object de Delacroix à Picasso”. Cahiers Musée d'Art et d'Essai, Palais de Tokyo. Paris. Nº 11. Ed. de la Réunion des Musées Nationaux, Ministère de la Culture, 27 Mai '83 (Exposition).

In:

26. SOUGEZ, E. Images de Caméra. Hachette. (…) pp. 145-6. (“Composition d'une Nature Morte”. In: La Photo à l' École (IBID. 2). 27. STERLING, Charles. Still life painting (from antiguity to the twentieth century). 1952. Icon Editions. London. 1981 (2nd ed. revised). (Sobre Evaristo Baschenis). 28. VEIGA, João Conde. “Eduardo Viana em Villa do Conde”. In: “Primeiro de Janeiro”, 05.09.84. 29. VENTURI, Lionello. Para compreender a pintura de Giotto e Chagall, Etudios Cor. Lisboa. 1955. p.192. (Sobre Cézanne).

109


QUADRO SINÓPTICO. Pintura de natureza-morta

QUADRO SINÓPTICO.

Autores focados no presente estudo, no século em que predominam; e

Autores focados, não de natureza-morta (---)

Séc.

Alemanha

Espanha

Flandres

França

Grã-Bretanha

Holanda

Itália

Portugal

AC 1

Frescos de Herculano e Pompeia

DC 14

(Giotto), 1266?-1337

Suiça

T.Gaddi,obra de 1337 15 A.Dürer, 1471-1528

V.Eych, c1390-1441

G.Dombet, Mestre da A-

(Masaccio), 1401-1428

H.Holbein, 1497-1542

P.Christus, ?-1472/3

nunciação de Aix, obra

C.Crivelli, 1430-1495

actividade em 1414-60

J.Barbari, c 1440-1516

N.Gonçalves, ?-1471

Caravaggio, 1573-1610

Q.Metsys, 1465-1530

(Carpaccio), 1455-1526 (M.Ângelo), 1475-1561

G.Lopes, Mestre do

& Caravaggismo

M.V.Reymerswael,14951567 J.Bueckelaer, 1530-1575

(Giorgione), 1478?1510 (Ticiano), c 1485-1576

Paraíso, 1550

16

c

1490-

G.Udine, 1487-1564

17

A.Loarte, ?-1626 S.Cotán, 1561-1627

O.Beert, 1570-1624

P.Benoit, 1590-1639 S.Stosskopff, 1597-1657

D.Velasquez, 1599-1650

A.Bosschaert, V., 15731621 (P.-P.Rubens), 15771640 F.Snyders, 1579-1657

A.Pereda, 1599-1678

J.V.D.Hamen, 1594-1627 F.Zurbaran, 1598-1664

D.Seghers, 15901661 W.C.Heda, 1594-1680

G.Arcimboldo, c 152793 (Corrégio), 1573-1610 C.Allori, 1577-1621

R.Mourrison, ?

Pieter Potter, c 15971650 P.Claesz, 1597-1661

J.Linard, 1600-1645

V.Schooten, 1605-55

P.Porpora, 1617-1673

A.Adriaensen, 1587-1661

F.Garnier, 1600-1648

J.Jordaens, 1593-1678

J.M.Picart, 1600-1682

(Rembrandt), 160669 J.D.Heem, 1606-1684

E.Baschenis, 1677 G.B.Ruoppolo,

C.Peters, 1594-1657

N.Mignard, 1606-1668

W.Kalf, 1619-1693

A.V.Utrecht, 1599-1658

L.Bauguin, 1610-1663

J.J.V.Velde, 1620-62

H.Adriessen, 1607-55

P.Dupuis, 1610-1682

A.V.Beyeren, 1620-90

J.Fyt, 1611-1661

J.Hupin, ?

Paul Potter, 1625-54

A.Coosemans, 1627-89

L.Moillon, 1610-1696

(J.Vermeer), 1632-75

J.d’Óbidos, 1684

1630-

C.Saraceni, 1580-1620 1617-

16201685 G.Recco, 1634-1695

N.Bandesson, 1611-66 Caspillière, ? M.Conte, 1630-1705 J.B.Monnoyer, 1634-99 M.Boulogne, 1645-1710 18

19

F.Ramirez, ?

N.Largillière, 1656-1746 A.F.Desportes, 1661-1743

Camprobin, ?

J.-B.Oudry, 1686-1758

L.Menández, 1716-80

J.B.Chardin, 1699-1779

C.Spitzweg, 1808-85

(E.Delacroix), 1798-1863 F.Bonvin, 1817-1887

J.V.Huysum, 16821749 A.Coorte, obra 16851723 (J.M.W.Turner),17751851

M.Â.Lupi, 18261883 J.F.Chaves, 18381899 (G.Leão), incl. a Espanhola J.Greno, 1850-1902

E.Manet, 1832-1883 F.-Latour, 1836-1904

Columbano, 1929 A.Ramalho,

P.Cézanne, 1839-1906 O.Redon, 1840-1916

18571859-

1916

C.Monet, 1840-1926 P.Bonnard, 1867-1947 20

I.Nonnel, (1873-1911) J.Peinado, ?

J.Ensor, 1860-1949 R.Magritte, 1898-1967

H.Matisse, 1869-1954 A.Derain, 1880-1954

Casorati, 1886-1963 G.Morandi, 1890-1964

E.Viana, 1881-1967 R.Esteves, 1960 M.Bentes,

Le Corbusier, 1965

1887-

1882-

P.Picasso, 1881-1973

G.Braque, 1882-1963

J.Gris, 1887-1927

(S.Delaunay), 1885-1979

P.Cossio, 1898-

Ozenfant, 1886-1966

18851961 A.Manta, 1888-1982

S.Dali, 1904

G.Rohner, 1913-

A.M.Santos, 1892-

Clavé, 1913-

P.Langlois, ?

(A.Negreiros), 18931970 M.Reis, 1894E.Lapa, 1897-1976 M.C.C.Moura, 1898C.Alves, 1913-

110

111


ANEXO Imagens - referências reunidas por Betâmio

Fig. 58 - Fresco de Pompeia.

112

Fig. 59 - Crivelli. “Anunciação com S. Emídio”. 1486. (81,5 x 57 3/4 ins). National Gallery, London.

113


Fig. 60 - 1932. Georges Braque. “Natureza-morta com faca”. (38 x 55 cm) Reprodução em peça de correspondência recebida de Elisabete Oliveira que A.B.A. anexou a “Textos Inevitáveis”.

114

Fig. 61 - 1953. Giorgio Morandi. “Still-life with small cups”. Óleo em tela (40 x 36 cm): Frederico Leumann col.

115


Fig. 62 - Josefa d'Ayala ou Josefa d'Óbidos. Natureza-morta (Tela, 053 x 089). In: J. L. Porfírio (Coord.). Museu de Arte Antiga. Lisboa. Lisboa-Verbo. 1977 (p. 74).

116

Fig. 63 - Eduardo Viana. Pintura por acabar (Relógio sobre mesa). Óleo/Tela. 165 x 118,5. Col. Gal. Dominguez Alvarez. Encontrava-se na oficina da residência do pintor, s/assinatura, quando da sua morte.

117


CRONOLOGIA

-“Guache expressionista”, raiando o surrealismo por vezes. - “Poemas de mal-estar” (até Abril 1951).

(Vida/obra de Alfredo Betâmio de Almeida)

Elisabete Oliveira

1948- Instituição do Programa de Desenho Livre para os 1º e 2º anos dos Liceus da autoria de A.B.A.. - Compêndio de Desenho para o 1º Ciclo dos Liceus, 1ª ed.. Lisboa. Sá da Costa.1948 (Ilustrado, alg. cor). Edições sequentes, como livro único; actualização em 1967. -Efectivação no Liceu de Beja, onde não chega a leccionar, transitando ao de Setúbal.

1920- Nascimento, filho de Ana Margarida Torrado de Almeida e Carlos António Betâmio de Almeida; Rua do Paço Benavente, 17 de Fevereiro. 1924- Falecimento do Pai. 1936- Primeiro desenho (aguarelado) conhecido: paisagem. - Colaboração em cenografia do teatro amador benaventense. 1938- Conclusão do curso secundário no Liceu Gil Vicente, Lisboa. (Período em que habitou na casa da sua irmã única)

1940-3 - Desenho e guache de paisagem, por vezes próximos duma luminosidade “impressionista”. 1942- Curso de Desenho da Escola de Belas Artes de Lisboa completado. - Início do estágio pedagógico no Liceu Normal de Pedro Nunes, com António Ribeiro Carreira por metodólogo. 1944- Conclusão do estágio pedagógico “Desenho à vista”, ensaio crítico inédito apresentado a Exame de Estado, Maio 1944. - Início de leccionação de “Desenho” (5º grupo) no Liceu Pedro Nunes, com breves passagens pelos Liceus Passos Manuel (Lisboa) e de Setúbal, no final dos anos '40. - Início dos poemas em apêndice na presente obra. - (Nos anos '40) Colaboração em crítica de arte, no “Jornal do Comércio” entre outros. 1946- Casamento, em Dezembro. - Participação na 1ª Exposição Geral de Artes Plásticas, SNBA, Lisboa: (NM: Em “DesenhoAguarela-Gouache-Pastel-Gravura”: 182 e 183 Desenho (sem preço). - Desenho aguarelado de nús. - Membro da Comissão Organizadora da Cantina dos Indigentes, Benavente, 19.05.'46. 1947- Nascimento do filho, em Novembro.

118

-Desenho de figura e “decorativo” predominantemente a tinta da china. 1949- Fixação no L.N. Pedro Nunes. -(Até 1965). Buscas em desenho linear, geométrico ou gestual. 1950- “Torrente” (até 1957), poemas. 1953- (Nos anos '50) Colaboração em Educação (Desenho), em “Labor”. - “Vida e obra de Marion Richardson”. In “Labor” 131, Ano XVII 1953. - Intensa pesquisa sobre a história de Benavente; correspondência com os Drs. Ruy de Azevedo e Manuel Lopes de Almeida. 1954- Breve História das Casas da Câmara de Benavente. Câmara Municipal de Benavente. 1954 (Ilustrado). 1955- Morte da Mãe. - Convivência com o pintor e educador Augusto Rodrigues, fundador das Escolinhas de Arte do Brasil e da América do Sul (em viagem de estudo a Portugal), num grupo de artistas reunindo na Costa da Caparica. 1956- O Convento de Jenicó. Monografia sobre este convento benaventense, de 1542 a 1834. (NM: Para a publicação desta obra, A.B.A. concebeu, em 1957, uma subscrição entre os interessados na História de Benavente e de Salvaterra de Magos a qual nunca praticou). Publicação póstuma, pela Câmara Municipal de Benavente, 1990 e 2000. 1957- “Notas acerca de Theodoro da Motta e do seu Compêndio de Desenho”. In “Labor” 165, XXI 1957. - “Rua do Arco”; “Um curioso assento de óbito”; desenho do Cruzeiro do Calvário de Benavente; “Memória escrita por Fr. Caetano José da Rocha” (Incl. foto da Lápide do Paço Mestral de Benavente que A.B.A. re-descobriu e conseguiu que fosse integrada na torre da actual igreja matriz de Benavente); “A Feira de Benavente”; “Eusébio de Oliveira, Pintor de perspectivas e quadraturas” e “Uma vista de Benavente de 1862” In: Estudos Benaventinos I. Centro de Estudos Álvaro R. d'Azevedo. 1957 (Ilustrados incluindo desenhos do autor).

- Elaboração do Programa de Desenho Livre para os 1º e 2º anos dos Liceus, em Novembro.

- (Anos '50?) “Frei Boaventura de Valença, frade de Jenicó”. In “Aurora do Ribatejo”. Ano I., nº 27.

- Participação na 2ª Exposição Geral de Artes Plásticas, SNBA, Lisboa: (NM: Em “DesenhoAguarela-Gouache”: 6 e 7 Desenho (150$00 cada); e 8 Gouache (500$00).

- Primeiro texto da tipologia dos “Textos sem nome”, incluídos na compilação posterior de “Textos Inevitáveis”,

119


1957-8 - Metodologia do 5º grupo dos Liceus (até 1972). 1958- Co-organização (com o Reitor Francisco Dias Agudo e o Metodológico António Gomes Ferreira) da Revista Pedagógica “Palestra”. Liceu Normal de Pedro Nunes (Nº 1, Jan.1958). (NM: A partir de Jan.1965, deixa a direcção desta revista, mas mantém-se na sua comissão de redacção até ao final (Nº 42, Jul.1973). -Prosseguimento da organização de exposições escolares, quer de trabalhos de alunos quer de reproduções ou originais de artistas nacionais e estrangeiros, com autoria de texto introdutório constante de “Palestra” nomeadamente, Nº 2, Abr.1958 (Pintura Quinhentista Portuguesa) e Nº 3, Jul.1958 (Francisco Franco).

- Prosseguimento de exposições escolares, nomeadamente: “A Pintura Francesa de 1850 a 1950: (NM: “Para despertar o interesse dos alunos pela exposição de Arte “Um Século de Pintura Francesa” (FCG) segundo A.B.A., naquela “Palestra” Nº 23). - Pesquisa de cor, em guache. Prática sistemática de pintura a óleo (NM: “Atelier” no gabinete anexo à Sala de Desenho, no L.N. Pedro Nunes). 1966- “Notas para uma Didáctica do Desenho Livre”. In “Palestra”, Nº 26, Abr.1966. - (Anos '60) Educação pela Arte na Escola Primária (Guia para Professores). Co-autoriacom J. Plácido dos Santos. Ed. MEIC. - Pintura de enérgico movimento, matérica e luminosa. Estruturas “pétreas”.

Poemas de T. A. (1958? - Natal de 1960) 1959-60- “Elementos para o estudo dos desenhos das crianças de 10-12 anos de idade” In. “Palestra” Nº 4, Jan.1959. - “O Infante D. Luís fundador do Convento de Jenicó” (correspondente ao Cap. II da monografia O Convento de Jenicó, ao tempo inédito). In “Palestra”, Nº 5, Abr.1959; e “O Desenho no Ensino Liceal”, Out.1960. In “Palestra”, Nº 10, Jan.1960. -Introdução a exposições escolares em “Palestra”, tais como: Nº 4, Jan.1959 (Os Painéis de Nuno Gonçalves), Nº 7, Jan.1960 (Evocação de Josefa d'Óbidos) e Nº 9, Jul.1960 (Pinturas da Artista Vieira da Silva). (NM: Note-se que a dinâmica de educação estética no L.N. Pedro Nunes era tal, nesta época, que o pintor Carlos Botelho ali iniciou em Out.1959 um curso de pintura para os alunos). - Primeiro ensaio de pintura a óleo (paisagem). - (Anos '60 e começos de '70). Membro da Junta Nacional de Educação (4ª secção). 1962- “Algumas considerações inerentes a um programa de Desenho”. In “Palestra”, Nº 14, Abr.1962. - (Além do prosseguimento das exposições escolares) Permuta de pinturas de alunos com o Liceu de Bruck a.d. Mur Áustria e exposição das pinturas dos alunos deste no L.N. Pedro Nunes (10.07.62), notícia in “Palestra”, Nº 15, Jul.1962.

- Visita de estudo particularmente marcante ao Museu de Arte Abstracta de Cuenca e a Benalmadena e outros pueblos do sul espanhol (anos '60). 1967- Ensaios para uma Didáctica do Desenho. Livraria Escolar Editora. Lisboa. 1967. - “O Museu como auxiliar do Ensino” In (Anais de Seminário de 1967) Museus e Educação. APOM. Lisboa. 1971. - “Diogo de Carvalho e Sampayo, Cavaleiro Setecentista da Ordem de Malta e Único Português que Meditou sobre a Teoria das Cores”. In “Palestra”, Nº 30, Jul.1967. 1968- “A Educação Estética”. In “Palestra”, Nº 31, Jan.1968; e coordenação/co-autoria de “Curso Básico de Arte, ou um Novo Desenho dos Liceus-Perspectivas Educativas e Programáticas. (NM: Com a equipa de seus ex-estagiários do 5º grupo: Maria Luisa Abelha, Sílvia de Sá Dantas, Maria Eugénia Viola, Elisabete Oliveira, Pedro Sobral e Fernando de Sá Dantas; e o colega do L.N. Pedro Nunes, Lacerda Ferreira), naquela “Palestra”, Nº 31. Este estudo esteve na base da inovação curricular do “Desenho” nos Liceus, em 1970). “Domingos Sequeira Desenhador de retratos e sugestões”. In “Palestra”, Nº 32, Abr.1968; e apresentação do catálogo dos “50 anos de Pintura de Carlos Botelho” (27 Maio 1968). In “Palestra”, Nº 33, Jul.1968. - (Anos '60 e '70) Colaboração na Imprensa Diária, em especial no “Diário de Lisboa”, nomeadamente com “Necessidade real: actualizar”; “Uma Visão Táctil: Eduardo Viana”; e “Capas de Livros” (Suplemento semanal nº 495 do “D.L.”, 25.01.68).

1964- “Mais algumas considerações inerentes a um programa de Desenho”. In “Palestra”, Nº 19, Jan.1964; “Notas sobre os Diálogos de Francisco da Holanda”. In “Palestra”, Nº 20, Abr.1964; e “Miguel Ângelo, o Atormentado e o Divino”. In “Palestra”, Nº 21, Jul.1964.

- (Anos '60 e '70) Organização e introdução a grandes exposições de “Arte Infantil”, tais como “Prémios Guérin de Arte Infantil, 1968”; e “O mar visto pelas crianças”.

- (Por meados dos anos '60) “Carlos Mardel, artista de Lisboa” e “Nicolau Nasoni, artista do Porto”. In “Dicionário de História”, respectivamente Vol. 2 (p. 921) e Vol. 3.

- Pintura (NM: ano de maior produção, em óleos) de atmosferas abstractas e figuração, incluindo uma primeira natureza-morta.

- Estudos de fundo - forma “bauhausianos” (até 1965). prosseguimento de pesquisas formais associáveis à docência.

- Cargo de Vice-Reitor, em acumulação com a metodologia.

E, até aos anos '70,

1969- Início dos “Textos sem nome” propriamente ditos. - Visita de estudo particularmente marcante, à exposição dos 500 anos de Miguel Ângelo, a Assis e à Bienal de Veneza (no ano da morte de Morandi). 1965- “Alguns aspectos formais do Desenho Livre no Exame de Admissão aos Liceus no ano de 1964”. In “Palestra”, Nº 23, Abr.1965 Desenho Livre que substituíra o Desenho-à-Vista nesta prova, em 1964. (NM: A.B.A. investigara uma vasta amostra da prova, demonstrando a sua inadequação ao grau de desenvolvimento dos examinados).

120

- “Amadeo de Sousa Cardoso, Pintor Simultaneista?”. In “Palestra”, Nº 35/6, Jul.1969. - “O Desenho dos Liceus e a Educação Visual”. In “Diário de Lisboa”, 25.02.69 que o Autor incluiu nos presentes “Textos sem nome”. - (Dos anos '50 aos '70) Prosseguimento de inovação curricular no 5º Grupo Liceal, abrindo caminho a um novo programa pelo seu trabalho na Junta de Educação Nacional (31.10.69)

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a implantar com a colaboração de ex-estigiários seus, da sua equipa de programação. Melhoria das condições de trabalho e ambiente a nível nacional: aumento do nº de tempos (50 minutos) semanais por turma, no 5º grupo, que chegara a 1 (!); e na sua escola. (NM: Desde as exposições e equipamento didáctico à coordenação dos seus estagiários a cada novo ano lectivo, na criação de ambiente para os chás de recepção e despedida dos estagiários, pretexto para longos discursos pedagógicos dos responsáveis da escola. Em 29.04.69 confidenciava, sobre tais discursos: “tenho sempre muita pena dos pastéis de nata, nestas coisas …”). 1970- Lançamento de um novo Programa de Desenho para o 2º Ciclo do Ensino Liceal e coordenação de acções de formação dos professores do 5º grupo de todo o País para esse Programa trabalho prolongado para os anos sequentes. - “Esquema de um sistema básico dos elementos das Artes Visuais e das suas interrelações”. In “Palestra”, Nos. 37-8-9, Jul.1970. - Participação e presidência em numerosos Júris no âmbito do 5º Grupo, incluindo os de Exame de Estado já desde os anos '50 com uma marcante ida a Luanda, em serviço, neste 1970.

1976- A Educação Estético-Visual no Ensino Escolar. Livros Horizonte. Lisboa. 1976. - Signos Visuais. Representação do Real. MEIC-SEOP. Lisboa, 1976; (Texto de apoio a Professores, relativamente aos Programas de “Educação Visual” no Ensino Unificado). - Função de gestor da Junta de Investigações Científicas do Ultramar-finda com louvor (D. da República, II Série, 24.05.77, p. 3621) para assumir a presidência do ITE (Instituto de Tecnologia Educativa). - Início de pesquisa e textos sobre pintura de naturezas-mortas. - Prosseguimento de óleos de natureza-morta (até 1982). 1977- “Signos Visuais”. In Educação Visual (I). Didáctica. Lisboa. 1977, co-autoria com Carlos Sardinha, D.S., Elisabete Oliveira, Júlio Tuna, Moreira de Sousa, Pedro Fialho e Rocha de Sousa.

- “Os Novos Programas de Desenho”. In “Palestra”, Nº 41, Jul.1972.

- Nomeação para a presidência do ITE, em comissão de serviço (22.03.77), a qual exercerá até ao seu falecimento. (NM: Desde 1979 com a dedicada Vice-Presidência do Engº José Manuel M. Moreira da Silva. Aqui, reestruturará internamente a instituição. Providenciará o vultoso apoio necessário ao funcionamento da Telescola, do Curso Propedêutico e de Cursos de Reciclagem de Professores vd. nota 2) do nosso texto introdutório, “Betâmio, artista, educador e investigador” . E dinamizará, entre outros recursos, as colecções de diapositivos (“Educação Visual”, “Arte*”, “Ciências”…), os cursos de formação audio-visual de professores e publicações (como “A Era de Emerec”).

- (De entre os efectivos em Lisboa, ao tempo) Indicação de Luís Gonçalves, seu exestagiário, para o substituir na metodologia.

* Com particlar relevo para a cobertura da “17ª Exposição Europeia” e para a qualidade da colecção de “A Escultura Medieval em Portugal/Séc. XV”).

- (Até 1974) Pintura limitada ao guache de pesquisa de cor. 1972- Serviço militar do Filho na Guiné.

- “Linguagem Visual e sua organização”, tema da sua intervenção em uma das reciclagens de professores do 5º grupo que orienta (Set.1972). 1973- “Notas sobre a revolução estética do cubismo”. In “Palestra”, Nº 42 e último, Jul.1973. - Começo dos “Textos Inevitáveis” (prosseguidos até Jan.1985), perto da morte.

1978- “O Professor de Desenho, sua função”. In “Diário de Lisboa”, 29.12.78. 1979- “O Professor de Desenho, sua função”. In “Arte Opinião”, Nº 3, Fev.1979, a convite do seu ex-aluno Pedro Cabrita Reis, director da Revista da ESBAL. - “A Criança e a TV”. Texto de colóquio na “Juventus '79”, 03.05.79 (uma síntese, constante da Folha Informativa ITE, Nº 7, Mai.1979).

- Serviço de Inspecção (MEIC). - (Por 1973) Pesquisa sobre Arte Portuguesa; e organização de uma colecção de diapositivos “Arte Portuguesa”, ed. ITE para as Escolas e de fichas com o mesmo tema (In “Boletim”, MEIC-DGES). - (1ª metade dos anos '70) Coordenação de um grupo de ex-estagiários, da sua equipa de programação, preparando um compêndio para os novos Programas de Desenho. (NM: Luís Gonçalves tendo-se individualizado e publicado compêndios próprios, aquele grupo - ao qual ele pertencera - não chegou a publicar compêndios para estes Programas). 1974- (28.05.74). Pedido de exoneração do cargo directivo no L.N. Pedro Nunes. - (20.06.74). Aceitação do cargo de Director Geral do Ensino Secundário, por nomeação: 22.08.74 (até Jan.1975; sequente nomeação como) Inspector-Geral do MEIC (17.01.75). 1975- Inovação curricular, como membro da equipa do MEIC directamente responsável pelo lançamento do Ensino Secundário Unificado, post 25 Abril 74. - Pintura de natureza-morta. (NM: Período de profunda realização. “Atelier” na sua casa da Costa da Caparica). 122

- Parecer sobre “Princípios Fundamentais de um Sistema Educativo”, 10.03.79 (na qualidade de Presidente do ITE) - Visita ao Pompidou Centre /Set.), quando de uma representação oficial em Paris. 1980- Parecer acerca do “Projecto sobre o Plano Nacional da Educação Artística”, 05.02.80 (na qualidade de Presidente do ITE). - “'Art Education' e o Espírito Europeu” comunicação à NSAE, U.K. 1981- Doutoramento do Filho. - Adenda “Doutor Ruy d'Azevedo, benaventense dos mais ilustres”. In Benavente. Estudo Histórico-Descritivo. Álvaro Rodrigues de Azevedo (1926) obra póstuma, continuada e editada por Ruy d'Azevedo. Reedição da Câmara Municipal de Benavente, 1981. 1982- Exposição de Naturezas-Mortas. Museu Municipal de Benavente (11.07.82) 26.09.82). - Última natureza-morta a óleo; (NM: por carência de espaço de “atelier”). Prosseguimento de guache apontamentos do real, paisagens “abstractizadas” … 123


1983- (07.03.83) Pedido de aposentação do ITE, a qual não chegará a ser-lhe concedida. 1985- (05.01.85) “O conceito de desenho e de pintura em Diderot”. Comunicação ao Congresso Internacional sobre Diderot, F.C.G., 28-29 Jan.1985, da Sociedade Portuguesa de Estudo do Século XVIII. (NM: Ao qual A.B.A. já não pôde estar presente por, em 25/26 Jan.1985, lhe ter sobrevindo um enfarte de miocárdio, recolhendo ao Hospital de Santa Marta). - Último “Texto Inevitável” (17 Jan.1985). Último guache. - Falecimento no Hospital de Santa Marta (madrugada de 15.02.85) repousando no “Campo Santo” de Benavente. (Postumamente) 1987- Designação “Centro de Expressão Alfredo Betâmio de Almeida” (CEABA), atribuída pela Câmara Municipal de Benavente ao centro de trabalho criativo juvenil no Museu Municipal daquela vila (NM: Base de uma proposta dinâmica de realização e investigação da recriação juvenil, em diversas áreas de expressão). 1990- Publicação de O Convento de Jenicó. C.M. de Benavente, Pp. 127. Abril (Montagem editorial de Elisabete Oliveira, 1986). - Edição de 6 postais (5 pr./br., 1 cor) de desenhos de Betâmio, para o Museu Municipal de Benavente. C.M. Benavente (Design de Elisabete Oliveira). 1991- Medalha de Mérito municipal, atribuída pela Câmara Municipal de Benavente. 2000- Publicação de O Convento de Jenicó (2ª Edição). C.M. de Benavente, Pp. 127 Reeditado no âmbito das Comemorações do VIII Centenário da doação do Foral a Benavente. - Medalha destas Comemorações, pela C.M. de Benavente. 2001- Publicação de “Subsídios para a história da aldeia de Santo Estêvão”. In “Terras d'Água. Benavente” - Revista de Cultura, Nº 1, Outº 2001, Pp. 99-103. 2002- Falecimento da viúva do Autor (2002/12/09). 2004- (A Pintura de) “Betâmio”: Exposição Inaugural da Galeria de Arte Municipal de Benavente no Cine-Teatro restaurado (’03/20) Publicação do presente livro “Pintura” pela Câmara Municipal de Benavente. Para publicação pela Câmara Municipal de Benavente: “Textos Inevitáveis”.

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LISTA DAS FIGURAS 1.Sobre o Autor 1.A.B.A.e o neto, Pedro, na Exposição no Museu Municipal de Benavente, '82 .............6 2.Auto-retrato de Betâmio Desenho a lápis..........................................................13 3.(Paisagem). Primeira obra conhecida de Betâmio Desenho aguarelado .................14 4.Foto na aula de “Desenho Vivo”, Escola de Belas Artes de Lisboa (1941-2) .............15 5.Foto de expositores da 1ª Exposição Geral de Artes Plásticas, na SNBA (1946) .......16 6. Mãe, de Betâmio (Anos 50) Desenho a tinta-da-china .......................................17 7.(Paisagem). Primeiro óleo conhecido de Betâmio ................................................18 8. Retrato caricatural de Betâmio, por Augusto Rodrigues.......................................19 (S/ numeração). Reprodução do Cartaz da Exposição por ABA, no Museu Municipal de Benavente, de 1982 ......................................................................27 2.Sobre Obras relacionadas com natureza-morta, seleccionadas pelo Autor 58.Fresco de Pompeia .......................................................................................125 59.Crivelli. “Anunciação com S. Emídio” ..............................................................126 60.Georges Braque. “Natureza morta com faca” ...................................................127 61.Giorgio Morandi. “Still-life with small cups” .....................................................128 62.Josefa d'Ayala ou Josefa d'Óbidos. Natureza-morta...........................................129 63.Eduardo Viana. Pintura por acabar (Relógio sobre mesa)...................................130 3.Obras do Autor CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO DAS OBRAS DE BETÂMIO, inaugural da Galeria Municipal de Arte, no Cine-Teatro de Benavente, 2003 9.(Paisagem-natureza-morta da casa materna benaventense) Guache, '42...28 10.(Cavador) Guache,1947 ..............................................................................29 11.(Nú) Desenho, 1948....................................................................................30 12.(Figura feminina) Desenho, 1948................................................................31 13.(Pintura) Óleo, 1966? .................................................................................32 14.(Sóis, Girassóis) Óleo, 1966 .......................................................................33 15.(Pintura) Óleo, 1966? .................................................................................34 16.(Pintura) Óleo, 1966 ..................................................................................35 17.(Pintura) Óleo, 1966 ..................................................................................36 18.(Pintura) Óleo, 1967 ..................................................................................37 19.(Sol) Óleo, 1968 .........................................................................................38 20.(Pintura) Óleo, 1968 ..................................................................................39 21.(Pintura) - Óleo, 1968 .................................................................................40 22.(Pintura) Óleo, 1968? .................................................................................41

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23.(Pintura) Óleo, 1968? .................................................................................42 24. (Natureza-morta com ervilhas-de-cheiro) Óleo, 1968................................43 25.(Rostos fragmentos)- Óleo, 1968 ................................................................44 26.(Rostos quadros) Óleo, 1969 ......................................................................45 27.(Rosto) Óleo, s/ data (2ª metade dos anos 60) ..............................................46 28.(Pintura) Óleo, 1969 ..................................................................................47 29.(Pintura) Óleo, 1969 ..................................................................................48 30.”Cozinha velha” Óleo, 1969 ........................................................................49 31.”Saudades do casario do sul” Óleo, 1975....................................................50 32.(Natureza-morta com três frutos e dois objectos) Óleo, 1975 ....................51 33.(Natureza-morta com limão) Óleo, 1975 ....................................................54 34.(Natureza-morta com quatro frutos) Óleo, 1975 ........................................55 35.”Natureza-morta com talhada de melancia”- Óleo, 1976 .............................56 36.(Pão) Óleo, 1976 ........................................................................................57 37.”Flores de cardo” Óleo, 1976 ......................................................................58 38.(Natureza-morta com mesa campesina) Óleo, 1977 ...................................59 39.(Natureza-morta com bilha azul) Óleo, 1977 ..............................................60 40.(Paisagem mediterrânica) Óleo, 1978 ........................................................61 41.(Natureza-morta com quadro de casario) Óleo, 1978 .................................62 42.”Natureza-morta com figos” Óleo, 1979 .....................................................63 43.”Natureza-morta com bilha” Óleo, 1979 .....................................................64 44.(Natureza-morta com jarro e garrafa com rótulo) Óleo, 1979.....................65 45.(Natureza-morta com um fruto azul) Óleo, 1980 ........................................66 46.(Homenagem a Rosa Ramalho) Óleo, 1980.................................................67 47.(Natureza-morta com jarro amarelo) Óleo, 1981........................................68 48 a. (Desenho preparatório) Óleo, 1982 .........................................................69 48 b. (Natureza-morta com mesa campesina azul) Óleo, 1982 ........................69 49. (Natureza-morta com louça de barro) Óleo, 1982......................................70 50.(Natureza-morta com fruteira) Óleo, 1982 .................................................71 51.(Natureza-morta com uma pera) Óleo, 1982 ..............................................72 52.(Buganvília) Guache, 1983 .........................................................................73 53.(Canastra de frutos) Guache, 1984 .............................................................74 54.(Lisboa) Guache, 1984................................................................................75 55.(Festa de objectos) Guache, 1984...............................................................76 56.(Paisagem) Guache, 1984...........................................................................77 57.(Paisagem com barcos) Guache, Janeiro 1985 (Última obra concluída) .......... 78

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PINTURA Alfredo Bet창mio de Almeida


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