Espaço Cidadão: Fragmento a Fragmento, o que a Arqueologia nos Diz!

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Espaço Cidadão: Fragmento a fragmento, o que a Arqueologia nos diz! Os contactos comerciais e culturais. As importações. O conjunto de materiais que apresentamos é ilustrativo da longa história deste Espaço, da sua diversidade cultural e da mundividência das pessoas que, ao longo dos séculos, ocuparam esta casa. A maioria do espólio exumado corresponde a cerâmica comum, cerâmica vidrada, faiança, loiça Malagueira e cerâmica “pó-de-pedra”, mas também a metais e elementos em vidro. Recolheram-se ainda artefactos mais antigos – em pedra lascada e polida -, resquícios milenares da ocupação pré-histórica de Palmela. Fragmento a fragmento, os milhares de artefactos recolhidos e, em estudo informam-nos sobre o quotidiano das pessoas que aqui viveram e sobre a evolução histórica de Palmela, reportando sobretudo a um período próspero (Séculos XV a XIX) em que a vila é sede da Ordem de Santiago. Do período da Época Moderna encontramos bem representadas as importações, materiais com uma proveniência geográfica distinta, passando por Espanha, Itália e Holanda, pela Ásia e pelo continente Africano.

REINO UNIDO

As produções Sevilhanas surgem bem representadas, através das taças e pratos com vidrado melado e manganês, dos esmaltados a branco com decoração a azul e manganês, mas também de outras peças, mais raras em contexto nacional, como o fragmento de prato de Corda Seca e a escudela com fundo em ônfalo, da série verde e branca «Columbia Plain White and Green». Da Península Itálica provêm importantes fragmentos de cerâmica Majólica, representativos da técnica de «Berettino», e as de Montelupo, do tipo «Ovali e Rombi». Da região de Pisa e Val d’ Arno surge-nos o exemplar de cerâmica «Marmorizzatta», raro em contexto arqueológico nacional, datado do século XVI-XVII. Os contactos comerciais com a Ásia (Carreira das Índias) são assinalados pela presença de porcelana chinesa, com um dos fragmentos a pertencer ao reinado de Jiajing, da Dinastia Ming (1521-1567), e de um disco de madrepérola, possível elemento decorativo ou de um embutido, frequente na aplicação de cofres, caixas e tabuleiros de jogo, sobretudo nas produções indianas dos séculos XVI e XVII.

Os especieiros, em “Loiça Malagueira” remetem-nos para um Novo Mundo, de descobertas de sabores e cheiros. A sua presença tornou-se inevitável nas casas e mesas mais abastadas, para condimentar os alimentos, fruto de um comércio transatlântico de substâncias raras e valiosas do Oriente para a Europa, através das naus portuguesas. A par destes recipientes, são também comuns as designadas molheiras ou covilhetes, reflexo de novos hábitos alimentares e de receitas mais diversificadas, doces e salgadas. Uma das peças mais peculiares do Espaço Cidadão, é o fragmento de um paliteiro, representado por uma cabeça feminina, de fácies africana, que integrava uma peça de maiores dimensões. Na Época Contemporânea continuam presentes os contactos além-fronteiras, agora com Inglaterra, de onde provinham os pratos «Shell Edge Pearl Ware» e os de «Davenport», mas também, com o Centro e Norte da Europa através das garrafas de Genebra (tradicionalmente conhecidas como botijas, em resultado da sua utilização posterior).

ALEMANHA ÁUSTRIA

FRANÇA

ITÁLIA ESPANHA CHINA

MALI

ÍNDIA NÍGER

SUDÃO

CHADE GUINÉ

NIGÉRIA

SUDÃO DO SUL

GANA CAMARÕES

ETIÓPIA

UGANDA

SOMÁLIA

GABÃO CONGO TANZÂNIA

ANGOLA ZÂMBIA NAMÍBIA

ZIMBÁBUE BOTSUANA

MOÇAMBIQUE

ÁFRICA DO SUL

Fábrica Davenport (segundo, Nunes, Porfirio e santos, 2018)

Dois objectos, oriundos de França, revelaram um gosto mais cosmopolita e de devoção religiosa. O frasco de perfume da marca «Delettrez», uma prestigiada oficina parisiense fundada em 1835, e a pequena medalha da Imaculada Conceição, produzida a partir de 1830 - data das 3 visões de Catherine Labouré, noviça de um convento de Paris - serão possivelmente resultado de uma oferta especial ou recordação de uma viagem realizada.

Mapa de 1583. Portos de Lisboa e de Setúbal (segundo, Quintas, 2003).

Estas peças, ainda que fragmentadas, retratam uma casa com o mundo dentro, reveladoras de uma Palmela pujante, enquanto sede da Ordem de Santiago entre os séculos XV e XIX, detentora de vastos territórios no Sul de Portugal, monopolista da produção de azeite e sal, riqueza que transpirava para a vila, onde viviam familiares e subordinados. Apesar de fortemente ancorada no mundo rural, situa-se entre dois importantes portos comerciais - Setúbal e Lisboa -, num período de grande florescimento do país e que a interrelacionavam diretamente com os circuitos comerciais mais importantes do mundo de então, contando seguramente com o grande contributo da comunidade cristã-nova residente, hábil nas artes comerciais e detentora de contactos culturais, políticos e sociais além-fronteiras. Já nos alvores da Época Contemporânea, continuamos a vislumbrar pequenos apontamentos de uma elite, que ligava Palmela ao coração da Europa, apesar de uma decadência económica generalizada na sequência do grande terramoto de 1755, bem como da expulsão dos Cristãos-Novos, fortemente perseguidos pelo Santo Ofício e subsequente declínio dos Cristãos-Velhos e da Nobreza dominante, culminando, em 1834, na extinção da Ordem de Santiago.

Perfumaria Delettrez (segundo, Nunes, Porfirio e Santos, 2018)

Distribuição geográficas das importações

Espaço Cidadão Os autores dos textos escrevem ao abrigo do antigo acordo ortográfico.


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