Mini-Prosa musicoteca Pélico

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MINI PROSA MUSICOTECA

PÉLICO FEVEREIRO 2013


MINI PROSA MUSICOTECA

SÓ MAIS UMA IDEIA GOSTOSINHA DA MUSICOTECA

UM BATE-­PAPO DIVERTIDO COM A NOVA MÚSICA

SEGUNDA EDIÇÃO:

PÉLICO

Eu e Pélico nos encontramos em dezembro de 2012, num sábado à tarde. O dia estava nublado e havia uma garoa fina, típica de São Paulo. “A luz está perfeita para as fotos”, foi o que disse Web, que fez questão de registrar esse encontro.

Cristina Chehab

Cenário: Museu Memória do Bixiga. Tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), pouco se sabe do imóvel que abriga o museu, uma casa construída no início do século XX. Aberto em 1981 e concebido pelo “promoter” maior do bairro, o agitador cultural Armandinho Puglisi, o museu possui um acervo composto por inúmeras fotografias e objetos que contam um pouco da história dos imigrantes italianos na região. Entre os itens do acervo, há uma cadeira de dentista dos anos 20, carrinhos de rolimã, uma geladeira quase centenária, sapatos de Carmem Miranda e itens pessoais de Adoniran Barbosa – gravata, chapéu, cachecol e isqueiro –, todos sendo frutos de doações das famílias da região. Atualmente, o museu encontra-­se fechado devido a uma campanha de arrecadação de fundos/patrocínio para sua restauração e a nossa visita foi agendada apenas para esta ocasião. A ideia de prosearmos nesse museu foi do Pélico, indicação de um amigo, e não podia haver lugar mais propício para voltarmos ao tempo. Afinal, es-­ távamos lá para conversar sobre o relançamento de seu disco “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”, de 2008. O papo foi delicioso e mal vimos o tempo passar. Conversamos sobre o início de sua carreira, seus discos, divulgação e assessorias, seus clipes e versões, e sobre a cena paulistana, claro. E o resultado disso vocês verão nas próximas páginas. Espero que gostem!


MUSEU MEMÓRIA DO BIXIGA Cristina – Pélico, quem é esse “homem sem juízo”? Pélico – Esse homem sem juízo? Sou eu, claro! [Risos]. Na verdade, esse disco é um apanhado de canções de vários anos de composição, talvez de uns 4 anos de composição... Cristina – Ele é de 2008, né? Pélico – Isso, de 2008... Eu comecei a compor em 2004, 2005. Havia um monte de canções e, de repente, eu vi que havia uma ligação entre elas, que coinci-­ diam com a minha vida pessoal naquele momento... Claro, né? As coisas que eu estava escrevendo refletiam sobre a minha inquietação, sobre a minha in-­ satisfação com algumas coisas no cenário musical paulista e com minha insa-­ tisfação na vida pessoal, um pouco de cansaço... Esse disco tem várias fases: eu inquieto, querendo me mexer, querendo mostrar o meu trabalho, com a minha insatisfação na vida pessoal e aí, de repente, eu descubro o Cidadão Instigado e o Bazar Pamplona. Esse disco não existiria se não fosse o Bazar Pamplona e o Cidadão Instigado, sabe? Foi no começo da Trama, sabe? Um pouquinho antes do MySpace... Foi quando eu descobri essas duas bandas e eu fiquei de cara e falei: “Eu quero fazer alguma coisa... Eu quero participar disso”, sabe? E eu queria achar um nome que fizesse referência a essa jorna-­ da de um homem... Na mitologia grega, fala-­se da jornada do herói, que é a cartilha dos roteiristas. Há aquela coisa dele estar inquieto, receber o cha-­ mado, aceitar, passar por todas as dificuldades e chegar a algum lugar.

PÉLICO

UM HOMEM SEM JUÍZO

2.


ESSE

HOMEM

SOU EU Cristina – Tem que ter aquela provação, né? Pélico – É. E representa todo um movimento de chegar a algum lugar: o disco pronto. E aí me veio “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”. Compus essa música e o disco ficou com esse nome. Eu queria um nome forte, até mesmo mitológico, e esse homem sou eu. Eu dei toda essa volta pra dizer que esse homem sou eu. [Risos]. Cristina – De qualquer forma, é sempre super autobiográfico, né? Pélico – É... Por exemplo, “Alambrado”, que é a última música, era uma situação em que eu trabalhava num estúdio, estava super insatis-­ feito. Sabe aquela fase em que nada está bom? Eu precisava fazer alguma coisa, eu precisava gravar um disco, mudar de bairro... Cristina – Precisava mudar de vida... Pratica-­ mente uma autoterapia... [Risos]. Pélico – E eu estava muito insatisfeito no traba-­ lho e brincava com os técnicos de som que a gente era a galera do alambrado, sempre le-­ vando porrada e nada... E eu fiz essa música pra isso... Eu falo de uma situação em que eu estava incluído, mas que falava de uma galera ali, de outro contexto, dos funcionários daque la empresa que estavam sempre sendo preju-­ dicados, sempre deixados pra trás. Em “Estri-­ bilho”, eu falo também da insatisfação geral de uma forma mais abrangente, sabe? Nessa época, a gente ainda vivia o final da era das grandes gravadoras. Eu não sabia o que estava acontecendo e também estava muito distante... Aí, começavam a surgir as bandas na internet. Eu estava um pouquinho antes de descobrir tudo isso. Então eu falo do cara com chinelo mudando o canal da televisão... Eu me sentia ocioso, sabe? 3.


Cristina – E era realmente o momento de mudar a vida e compor... mas não foram as suas primeiras composições... Pélico – Não... Eu componho desde os 15/16 anos, mas eu não sabia o que fazer com aquilo. Pra que gravar? É um processo até meio de-­ pressivo... Eu componho porque tenho neces-­ sidade, eu faço isso... Querendo ou não, chega um momento em que você senta e compõe, sabe? Mas daí você entra numa outra fase: “O que eu vou fazer com isso?”. A minha insatisfação vinha disso, de não saber o que eu ia fazer com aquilo. E aí, quando eu desco-­ bri, liguei, comecei a mandar e-­mail pra eles, pro Bazar: “Pô, quero ver um show de vocês, quero participar, quero fazer alguma coisa!”. Cristina – Eles são ótimos! Pélico – É... eles são ótimos! E quando eu fui ver o show do Cidadão, eu falei: “Uau!”. E eu acho que esse disco tem muito da psicodelia do Cidadão... Eu me identifiquei muito com eles por causa do formato de canção. Como eu trabalho há muito tempo em estúdio, eu tinha o olhar analítico, da produção deles. Eu não queria copiá-­los, mas isso é inspirador. Quero também brincar de fazer disco, sabe? [Gargalhadas] Cristina – Brincar de fazer disco? Sei... Não quero nem comentar... [Risos]. Sem querer comentar e já comentando, “Que Isso Fique Entre Nós”, seu disco de 2011, foi considerado por muitos críticos como um dos melhores discos daquele ano. Tulipa Ruiz es-­ creveu sobre o disco, apresentando-­o e dando aval ao lindo trabalho que havia sido feito: “Para nosso desfrute, o Pélico fez um disco novo. Com todas as suas vozes. ‘Menos esqui-­ zofrênico’, diz ele. Duvido. Pélico esquizofre-­ niza o amor no terceiro álbum. As boas lín-­ guas dizem que ele ouviu Ataulfo, Lupicínio, leu Nelson Rodrigues, rasgou o coração e fez um disco. ‘Menos guitarras e outros instru-­ mentos’, anuncia. Vieram tubas, trompetes, trombones, clarinetas e fagotes para firular o nostálgico cenário d’amour. (...) Com vocês, cinquenta minutos do novo Pélico. E que isso não fique apenas entre nós”.

4.


INFLUÊNCIAS Cristina – De fato, como o Bazar e o Cidadão te influenciaram? O que te chamou a atenção? Pélico – Então, no Cidadão, foi pelo formato de canção popular dos anos 70. Eles têm aquela coisa de música romântica dos anos 70. Além da canção, também tem a questão da produção. Conheci o Bazar na Trama Virtual... Talvez o que tenha me chamado a atenção foi o fato de como eles abordam temas, às vezes sérios, de uma forma muito leve, com certa ironia... E tem até uma coisa meio lúdica no trabalho deles, meio infantil, que eu achava demais. Você pode falar de algo sério, mas não precisa ser de uma forma carregada... Eu não tinha desco-­ berto ainda o Rafael Castro nessa época. Logo depois, quando também o conheci, pensei: “Uau! Esse é dos bons! Essa é a minha galera!” [Gargalhadas]. Eu o conheci em 2006 ou 2007, logo que surgiu o MySpace... acho que antes disso, talvez 2005. Cristina – E daí veio sua parceria com o Estêvão [Bertoni, do Bazar Pamplona]... Pélico – É... Eu fui ver um show deles na Vila Madalena, no espaço Aprendiz... Fui lá e me apresentei: “Oi, eu sou o cara que mandou o e-­mail, não sei o quê”... “Pô, que demais”. Vi o show todo, lotaaaado, acho que era uma galera de faculdade, não sei. Aí falei com eles. E, de lá pra cá, eu comecei a fazer música com eles, um participa do show do outro... Cristina – E como é o seu processo de composição? Como funciona? Por exemplo, no “Que Isso Fique Entre Nós”, você se enfurnou lá na Argentina e compôs a maioria das músicas... Pélico – Claro, mas eu já tinha algumas coisas... E aquele foi um momento especial, em que eu compus muita coisa em 40 dias...

5.


Cristina – Mas, agora, estamos voltando no tempo e falando de antes do “Que Isso Fique Entre Nós”... Pélico – Eu ainda não tinha um processo de composição em série, sabe? Não que eu componha em série... Eu ainda não che-­ guei nesse nível de fazer música por enco-­ menda, de virar um compositor killer! [Gargalhadas]. Então eu tinha algumas músicas, falava sobre alguma coisa que eu achava que tinha que falar, compunha duas músicas por mês. É nesse sentido? Você está falando de quantidade ou... Cristina – De quantidade e qualidade... De qualquer forma, você acabou de dizer que o início disso tudo se desencadeou a partir dessa sua insatisfação com o trabalho, etc. Você se pôs no papel do homem sem juízo e depois teve que fazer uma estória, conti-­ nuar uma linha de composição pra juntar tudo e isso ter uma unidade?

Pélico – Uma unidade, sim! E algumas coisas ficaram de fora... Eu me lembro de uma coisa... A partir do momento em que eu compus “O Último Dia de Homem Sem Juízo”, eu comecei a pensar no conceito do disco... Eu peguei as coisas que eu já tinha, que se encaixavam naquele contexto, e comecei a compor algumas coisas que faziam sentido também. Então, tem muito do momento em que eu me separei. E, aí, a brincadeira do homem sem juízo... “Pô, você vai largar tudo isso que está consolidado pra entrar numa aventura em que você não sabe onde vai dar?”

QUE ISSO FIQUE ENTRE NÓS

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DESCONSTRUINDO Cristina – Trocar o certo pelo incerto... Pélico – [Risos]. O nome vem muito do anti-­herói, sabe? Você vai à procura de algo, mas de uma forma talvez não muito convencional. Enfim, o fato de desconstruir algumas coisas para construir outras... Quando você acha um sentido, uma motivação pra gravar um disco, parece que uma porta se abre e isso é motivador. Cristina – Você elimina aquela barreira que estava te impedindo de fazer uma série de coisas, e as coisas fluem... Pélico – Aí você começa a compor bastante, você começa a escolher as músicas que cabem dentro daquele contexto... Eu queria gravar um disco também que, apesar de ser um apanhado de canções, fizesse sentido, claro. Eu queria um disco que tivesse uma nar-­ rativa. E eu acho que consegui, mas aí você não sabe exatamente o que é racional e o que é intuitivo, sabe? Porque você abriu aquela porta e começou a compor! Depois, você só escolhe algumas coisas que estavam ali.

CONSTRUINDO

7.


Cristina – E as músicas que ficaram fora do disco ainda estão na gaveta? Ou você acha que passou o momento? Pélico – Algumas coisas, sim, ficaram de fora e estão na gaveta, enquanto outras... A minha relação com Jesus [Sanchez, produtor de seus dois discos] é muito próxima. Eu: “Putz, ontem eu comecei a fazer uma música, não sei o quê”, ele: “Ah, legal, que massa... Isso faz sentido, manda brasa!”. Aí mostrava outras coisas e ele dizia: “Pô, isso está meio torto”... Era uma época em que eu estava ouvindo muito Tom Zé, Itamar [Assumpção], Mutantes... Então apare-­ ceram algumas coisas que ele falou: “Putz, isso é muito cabeça, bicho. Sei que você está apai-­ xonado por esses compositores, mas cuidado pra não copiá-­los, eles são mestres no que fazem e você precisa encontrar sua dicção”... Aí eu parava... Elas estão lá, faltando letra. Tem algumas coisas terminadas que eu mostrei pra ele e que não entraram. E é um disco que já tem música demais, né? São 15! E o “Que Isso Fique Entre Nós” tem 16! Caramba, como eu sou prolixo!!! [Gargalhadas]. Mas, em geral, eu mesmo faço essa peneira e mostro pro Jesus... A gente bate uma bola, às vezes... Como a música “E Daí?” que ele achava meio bizarra e falava: “Tem um aaaaa, vai pra um lugar, depois tem um final grandioso... Não está muito es-­ quisito?”. Mas eu insisti...

8.


EU ESTAVA QUERENDO MOVIMENTO

Cristina – Até que ponto vocês concordaram ou discor-­ daram nessa escolha de repertório?

Cristina – Algumas músicas foram para o CD?

Pélico – É uma questão de confiança total. Você precisa confiar no seu produtor, senão você vai viver brigando...

Pélico – Foram... várias!

Cristina – E como você conheceu Jesus? Pélico – Eu conheci o Jesus porque eu estava gravando um EP, em 2006, e eu descobri o João Erbetta [guitarrista do Los Pirata]... “Cara, eu quero uma guitarra aqui... e só ele pode fazer!” Aí, eu mandei um e-­mail pra ele e ele: “Claro que topo! Me traga um CD com a música pra eu levar pra casa, a gente aproveita pra se conhecer e eu gravo essas guitarras”. Eu o conheci em um show do Los Pirata, quando entreguei o CD e ele me apresentou ao Jesus [baixista do Los Pirata]. Cristina – Aí você já “roubou” o Loco [Sosa] também... Pélico – É... Verdade, eu fiz a “rapa” no Los Pirata... [Gargalhadas]. E aí, o sanfoneiro, Tony Berchmans, que toca sanfona e piano comigo, saiu da produtora onde eu trabalhava, na Lua Nova, e foi trabalhar no estúdio do Jesus Sanchez, um estúdio que faz fonogramas publicitá-­ rios. E me convidou para ir para lá. Eu estava querendo movimento e pensei: “Bicho, é a hora, é agora”... Aí, eu arrisquei... Eu saí da Lua Nova onde eu estava muito bem financeiramente. Profissionalmente, eu estava insatisfei-­ to, querendo fazer outras coisas... O estúdio pra onde eu fui, apesar de trabalhar com publicidade, tinha essa coisa artística, de todo mundo ter banda, cada um ter o seu projeto e isso era inviável onde eu estava... E isso estava me matando! Arrisquei ir pra um estúdio menor, mas onde eu ia ter mais tempo pra cuidar das minhas coisas e foi esse o trato. Eu meio que virei pro Jesus e disse: “Eu venho trabalhar aqui, mas só se você produzir o disco!” [Risos]. Mostrei algumas coisas, uns EPs, tinha também um clipe que o Didiu Rio Branco [ilustrador] fez. Ele adorou as músicas.

Cristina – Eu sei que você tem um CD anterior ao “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”... Pélico – Tenho... [Risos]. Cristina – Cadê? Pélico – Então, não é desse que a gente está falando??? [Desconversando]. [Muitas gargalhadas] Cristina – Você vai contar porque está escondendo... Pélico – Então, né? Eu gravei esse disco em 2003... Cristina – Nome? Pélico – Melodrama. É um pouco melo-­ dramático... 2013 é ano que vem, né? Então, vou relançá-­lo 20 anos depois! Cristina – Em 2023!?!? [Gargalhadas] Pélico – Estou esperando um tempo... [Risos].

9.


Cristina – Acho que vai rolar uma tera-­ pia pra saber por que você esconde tanto isso... Pélico – Não, eu não tenho vergonha dele. Aliás, a música “Última Canção” [do “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”] foi tirada dele. É uma baladinha, que eu canto com uma voz feminina. Então, na verdade, eu não tenho medo dele... É que “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo” era algo tão diferen-­ te daquilo, que, putz, eu não quero mos-­ trar. Aí as pessoas começam a me per-­ guntar e eu começo a gostar da brinca-­ deira, sabe? Não vou mostrar! [Gargalhadas] Pélico – Na verdade, eu pensava: “Nossa, isso é legal, né? Fazer uma manha, fazer um charme, não querer mostrar... Agora eu não mostro!” [+Gargalhadas] Não é de hoje que o Pélico gosta de deixar as coisas meio “no ar”, brincan-­ do com o que falam dele na imprensa. Ele vê graça nisso. E, para ele, tanto faz chamar o “Que Isso Fique Entre Nós” de segundo ou terceiro disco. A própria imprensa se confunde e o mesmo jorna-­ lista que outrora chamou este disco de terceiro, posteriormente o considera o segundo. Em uma época onde há regis-­ tro para tudo o que acontece, essas in-­ certezas o divertem.

Cristina – E a ideia de relançar... Por quê? Pélico – Eu queria um canal oficial pra ter isso, sabe? Porque o disco foi lançado de uma forma independente, mas eu não fiz um trabalho de divulgação legal. Foi to-­ cando na noite que eu fui mostrando o trabalho. Eu acho legal ter um lugar oficial, como a musicoteca, pras pes-­ soas saberem que meu disco está lá, bonitinho, com um texto, uma entrevista... As pessoas me pedem muito e não tem oficialmente pra baixar... Eu não quero dificul-­ tar o acesso das pessoas a esse disco... É bom pra elas descobrirem o que fiz antes do “Que Isso Fique Entre Nós”. Cristina – Todo mundo sabe que o “Que Isso Fique Entre Nós” foi feito em função do fim do seu casamento. Passou na sua cabeça relançar “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo” porque esse momento já era e que você está ganhando tempo antes de lançar um novo disco? Pélico – Uhummm... [Risos]. Apesar de eu ter falado muito mal das guitarras e do rock em entrevistas de di-­ vulgação do “Que Isso Fique Entre Nós”, dizendo que eu tinha cansado disso, na verdade, não tem nada disso, sabe? Eu tinha cansado naquele momento, eu não queria aquilo, mas não é que eu não goste... E eu também acho legal que as pessoas olhem para os temas de “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”, sua concepção, sua esté-­ tica...

UM HOMEM

SEM JUÍZO 10.


Cristina – De repente, mostrar outro lado do Pélico que as pessoas não conhecem... Pélico – É... Eu vejo algumas pessoas insisti-­ rem que eu sou monotemático, que só falo de amor, de relação... O amor é muito abran-­ gente. Você pode falar de amor por um amigo, por uma cidade... E tem outros temas no “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”. As pessoas tendem a dizer que sou um cantor romântico, que só sei falar sobre amor pas-­ sional... Não! Ouçam lá! Até mesmo no “Que Isso Fique Entre Nós” tem... “Não Corra, Não Mate, Não Morra” é uma música sobre o amor de uma banda. É o amor pela música, uma parceria minha com o Estêvão. “O Menino” é uma conversa minha com meu pai... E mesmo assim as pessoas não ouvem... Você fala isso, mas eles falam: “Ah, não! É sobre a ex-­mulher!”. Cristina – Elas se apegam a “Recado”, “À Beira do Ridículo”... [Risos].

Pélico – Precisa ter uma justificativa, né? As pessoas não falam: “Pô, esse disco é foda, o cara estava feliz!”. As pessoas não valorizam muito isso... É difícil você ver um cara falan-­ do: “Cara, que momento feliz! Ele gravou esse disco maravilhoso, ele estava de bem com o mundo”. Ninguém quer saber disso... [Risos]. Relançar “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo” é mostrar pra mais pesso-­ as esse outro lado, sabe? Voltando ao fato de que as guitarras estavam me enchendo o saco – e, realmente, naquele momento esta-­ vam –, já brinquei com isso, não tenho nenhum problema com isso... Posso voltar a fazer um disco mais roqueiro... mas no final das contas, dando toda essa volta, é pra que as pessoas tenham acesso e ter um lugar ofi-­ cial pra baixar esse disco... Web Mota – Você acha que o relançamento pode fazer com que o disco se torne velho e ultrapassado? Pélico – Não...

Pélico – Acho que é porque todo mundo tem um pouco disso, da coisa da tragédia... Cristina – De rir da desgraça alheia, né? Pélico – É... Um pouco, né? O cara se fudeu, mas gravou um discaço...

É NOVO PARA QUEM FOR OUVIR

11.


O NOVO DISCO

VELHO Web Mota – Ele não deixa de ser uma novidade pra mim, por exemplo... Eu acho que um disco novo é sempre novo pra quem está ouvindo pela primeira vez. Ele pode ser velho pra você, pode ser velho pra um público seu que já o conhece, mas, pra quem só conhece o seu último trabalho, ele ainda é um disco novo. Como foi pra mim também. O “Que Isso Fique Entre Nós” é agora o disco velho... Você concorda ou discorda? Pélico – Concordo plenamente. Eu fiquei na dúvida sobre quando nós pensamos em relançá-­lo... Devo esperar os famosos 10 ou 20 anos? [Gargalhadas, lembrando a estória do “Melodrama”] Pélico – Eu penso exatamente assim, é novo pra quem for ouvir. Várias pessoas me falam: “Pô que legal! Adoro seu disco! Você tem outras coisas?”. Putz, eu já podia dizer que está na musicoteca! E podemos acabar nesse ponto, de o disco virar uma raridade ou virar um disco que ninguém tem... E não é a minha ideia com esse, sabe? Para o outro [“Melodrama”], eu gosto dessa brincadeira, mas “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo” não... Eu já lancei, ele existe... A distribuição foi feita pela Tratore... Não penso em relançá-­lo fisicamente, não... Já é difícil vender, né? Apesar de que, quando eu levo pros shows, vende... Cristina – Vende porque, eventualmente as pessoas que conheceram o “Que Isso Fique Entre Nós”, acabam querendo conhecer mais o seu trabalho. Eu te conheci nessa época quando houve toda aquela repercussão do disco ter entrado nas listas de melhores discos do ano [2011]... 12.


O PÚBLICO VEM ATRÁS Pélico – Na verdade, essas listas são muito legais, né? São legais pra divulgar seu trabalho... Não pelo ranking, né? Cristina – Sem dúvida, mas, de qualquer forma, te oferece uma projeção e uma abrangência muito maior, além de fazer você chegar a lugares que você talvez não alcançasse, se não cir-­ culasse nessas listas. Hoje em dia, essas redes sociais têm um poder inacreditável de impul-­ sionar um artista ou não, entendeu? Há os dois lados... Enfim, você teve um disco elogiado, que fez você chegar num nível, ir pra outro patamar... Pélico – Sim! “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo” estava em um circuito paulista e under-­ ground, dos músicos... Com o “Que Isso Fique Entre Nós”, eu já atingi um público consumi-­ dor, ocasional, que está ali ouvindo, não aquele que está atrás de você, mas aquele que você pega despercebido... e você sai desse universo... Ainda assim, há muito trabalho pela frente, claro... As pessoas me ligavam dizendo que tinham me ouvido na Rádio Eldorado, que tinham visto o Zuza Homem de Mello [musicólogo e jornalista] falando de mim. Atingir esse público é interessante, né? Com “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo” foi o contrário, as pessoas vinham atrás. Você colocava sua música na Trama, no MySpace...

13.


PAIXÃO, AMOR E FETICHE Cristina – As pessoas buscavam ativamente, né?

Pélico – Né? Porque virou o estágio seguinte, do fetiche pelo físico.

Pélico – Com o “Que Isso Fique Entre Nós”, eu consegui o processo inverso... Claro que eu ainda estou muito nesse universo dos “pesquisadores” de música, né?

Web Mota – Eu achei super legal essa sua co-­ locação de que as pessoas estão levando o vinil pro fetiche, né? É uma relação de amor à música. Por mais que os downloads sejam a paixão, que é instantânea, voraz, rápida... O amor é o disco, o CD... E o fetiche...

Cristina – Justamente por isso pensei se você faria uma nova prensagem... A partir do mo-­ mento em que isso for divulgado, as propor-­ ções serão maiores e as pessoas vão querer o CD físico... Nesse novo mundo de downloa-­ ds, autorizados ou não, nós consumimos música dessa maneira... Você baixou e gostou? Vai querer ir num show... Gostou do show? Vai querer aquele CD em casa. Então, as pessoas vão certamente começar a te cobrar o disco físico... Pélico – Pode ser... Ah, mas se isso aconte-­ cer, eu prenso... [Gargalhadas]. E isso real-­ mente acontece muito em show... A pessoa já baixou o disco e gostou. Aí vai haver o está-­ gio seguinte, quando a pessoa gosta tanto que ela quer o LP, né? Aí começa a cobrar: “Pô, você não vai fazer vinil? Você não vai fazer vinil? Você não vai fazer vinil?”. Cristina – E aí, [Gargalhadas].

não

vai

fazer

vinil?

Pélico – A veneração... Web Mota – E o vinil é o fetiche dentro da re-­ lação! Cristina – De quem é a arte da capa do “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”? Pélico – A arte! Binho Miranda. Cristina – Que dirigiu o clipe “Bárbaro” da Trupe [Chá de Boldo]... Pélico – O Binho me conhece praticamente desde quando eu conheci o Jesus, na época daquele EP que foi o embrião desse disco. Quando eu mostrei as músicas pra ele, ele disse que queria fazer a capa, que adorava as músicas e tal... 14.


DISCO É ARTE Pélico – Ah, o desenho é baseado numa arte... O Binho coloca os créditos para o autor desco-­ nhecido desse desenho. Cristina – Dá a impressão de um homenzinho num útero... Pélico – É... O nascimento de um artista... Essa era a ideia mesmo! Arte: Binho Miranda, ba-­ seada na obra de autor anônimo (1680-­1750) [Mostrando o encarte]. Quando eu lancei o disco, eu gostava muito do nome Pélico, por isso tirei o meu primeiro nome: Robson. Pélico deixava uma coisa no ar, sabe? Você não sabe se é banda, se é artista, enfim... Naquele mo-­ mento, eu achei que isso ia despertar uma curiosidade nas pessoas, sabe? Antes eu usava Robson Pélico... Só que, depois, eu comecei a sofrer com isso... Já me disseram: “Pô, que legal, você é o vocalista da banda Pélico”. Cristina – Sério? Pélico – Até hoje! [Gargalhadas] Pélico – Então, eu gostava muito desse desenho e tirei o nome Robson e deixei só Pélico... E o disco tem muito uma sonoridade de banda, né? Cristina – Sim... Pélico – E o “Que Isso Fique Entre Nós” parece muito mais um disco de compositor do que um disco de banda. Então, assim, eu plantei todas essas informações, depois eu saí limpan-­ do, sabe?

BANDA PÉLICO?

15.


[Gargalhadas] Cristina – Você escolheu a cor ou deixou isso tudo pra ele [Binho Miranda]? Pélico – Tudo pra ele... Ele mandou duas ou três opções e eu achei que essa capa tinha muito mais a ver com as músicas, com o disco... Cristina – Quando você lançou o “Que Isso Fique Entre Nós”, você acabou dando um pouco mais de atenção a essa parte de assessoria, de divulgação e tudo mais... Como foi a divulgação do “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”? Você fez muitos shows? Pélico – Fiz... O selo, a Monga Records, que lançou o disco na época, fez um acordo de assessoria, mas ela foi bem leve, talvez tenha sido focada para um artista já consolidado, não para um artista em início de carreira... Mas esse disco acabou caindo em boas mãos. O Marcelo Costa do Scream & Yell ouviu... Também lembro que saíram algumas coisas em blogs e tal...

NOVO

Pélico – Eu sou um ótimo marketeiro!

ARTISTA

Cristina – Marketing é tudo nessa vida!

16.


No lançamento de seu primeiro disco (ou seria o segundo? rs), seu release, ou melhor, seu anti-­release, como ele mesmo brinca, diz o seguinte: “Pélico pensa que compõe, canta e toca guitarra. Lançou um EP em 2007, mas a crítica não se expressou sobre o trabalho. Em 2008, lançou seu pri-­ meiro álbum, ‘O Último Dia De Um Homem Sem Juízo’ (Monga Records), em que é acompanhado pelo baterista Loco Sosa (Los Pirata, Curumim, Gork), pelo baixista Jesus Sanchez (Los Pirata, Gork), Régis Damasce-­ no (Cidadão Instigado) e Wartão da Sanfo-­ na. E agora sim. A crítica começa a se mani festar. Sua música não é revolucionária nem mistura grandes influências. Não é filho de ninguém e não iniciou nenhum estudo musical com alguém especial. Pélico não foi um menino-­prodígio, nunca pertenceu a nenhuma banda e não desen-­ volveu trabalho em parceria com ninguém reconhecido. Nunca foi gravado por nin-­ guém ‘mais ou menos famoso’ nem ganhou nenhum festival. Ainda não fez turnês inter-­ nacionais, nem regionais. Em resumo, Pélico está pronto para o estrelato”. Acho que dá para começar a entender como ele se tornou uma figura-­chave nessa nova ge ração, né? Cristina – Você tem clipe desse disco e nenhum do “Que Isso Fique Entre Nós”... Pélico – É... Eu tenho dois clipes dirigidos pelo Binho. Cristina – “Naquela Casa” com aquele aba-­ jurzão... Pélico – E “Estribilho”...

NAQUELA CASA http://www.youtube.com/watch?v=YPDPcUyVRRk&feature=youtu.be

17.


Cristina – Em que momento esses clipes foram lançados? Você gravou durante os shows do disco ou muito tempo depois? Pélico – Acho que 1 ano depois... Filmamos no mesmo dia, inclusi-­ ve... A gente gravou num galpão, numa escola de circo, [Cia. Cênica] Nau de Ícaros, que era na Lapa... Um lugar enorme onde fizemos dois cenários e gravamos no mesmo dia... Acho que lança-­ mos o “Estribilho” primeiro e, seis meses depois, “Naquela Casa”, mas isso também sem nenhuma estratégia, nada... Eu tenho isso comigo até hoje... Com o “Que Isso Fique Entre Nós”, eu tive que começar a aprender e me atentar um pouco a isso, sabe? Pra mim, sempre aconteceu tudo sem nenhuma estratégia, sem nenhum pla-­ nejamento. E no “Que Isso Fique Entre Nós”, eu fui um pouco força-­ do a pensar nisso. Eu acabo me planejando por conta da situação, não que a situação seja uma questão de sobrevivência, é uma ques-­ tão de demanda mesmo, sabe? As pessoas começam a me chamar pra shows, compromissos, entrevistas e programas. Aos poucos, eu estou vivendo mais de música do que com meu trabalho no estú-­ dio... Eu penso que, conforme a necessidade e a procura pelos shows, quando minha carreira artística for tomando mais o meu tempo do que o estúdio, eu vou arrumando aqui, vou pra lá... É melhor do que simplesmente largar o estúdio e viver de música. Cristina – É, precisa dessa transição... Pélico – E eu deixei essa transição acontecer naturalmente... Então, eu só vou largar o estúdio e viver de música quando o meu trabalho artístico estiver me sustentando. E eu tenho uma relação muito legal com os donos do estúdio onde eu trabalho, pra eu sair em horários aleatórios pra ir a compromissos... A carreira como músico está tomando cada vez mais o meu tempo. Já parei para in-­ vestir nisso uma vez e me dei mal... Parei por dois anos e sem pla-­ nejamento algum, sabe? Dei uma de doido, não deu em nada e eu tive que voltar... Cristina – Em que época foi isso? Pélico – Na época que eu lancei o dito cujo... [Risos]. Cristina – O dito cujo é aquele que a gente não fala o nome? Pélico – É... [Gargalhadas] Pélico – Então, é isso... eu estou deixando as coisas acontecerem naturalmente. Cristina – E também você já tem mais maturidade, já conhece melhor o mercado, já tem mais contato com esse pessoal da mesma geração, aqueles que estão no mesmo estágio que você, batalhan-­ do por espaço...

18.


...

Pélico – E o que é legal dessa galera é que, para alguns, há uma diferença de 10 anos... Os meninos d’O Terno, por exemplo, são muito mais novos... E, hoje, a gente olha pra eles e os vê como se fossem da mesma geração, né? Cristina – Se você pensar na responsabilidade deles no dia da gravação do programa da Roberta [Martinelli] [referi-­me à gravação do Cultura Livre Es-­ pecial de final de ano, exibido dia 31/12 na TV Cultura], foi algo sensacional!

Pélico – Impressionante! Os caras são muito bons! Seguraram umas 20 e poucas músicas e tocando lindamente... um profissionalismo estampado! Cristina – E a Roberta com aquele cuidado, né? “Vocês estão bem? Vocês querem uma água?” [Risos]. Eles não saíram do palco! [Foram mais de 5 horas de gravação]. 19.


Pélico – Chegou uma hora, lá pelas tantas, acho que eles estavam cantando com o Leo [Cavalcanti], que o Tim [Bernardes, d’O Terno] estava dobrando voz... Meu, eles decora-­ ram letra também! Isso já era quase meia-­noite, eu já estava querendo fugir...

Cristina – Eu comentei com a Roberta que ainda bem que a cadeira daquele teatro era muito confortável. Chegamos às 18h e saímos de lá às 23h30! Pélico – Eu acho que eu saí de lá um pouquinho antes do fim... Não consegui conversar com quase ninguém... Teve um momento em que eu fui pra plateia, depois daquele mo-­ mento com todo mundo... 20.


O ARTISTA E A MÍDIA Pélico – Já me habituei, sabe? Eu não sou da era digital, eu sou analógico! Quando eu era moleque, não existia internet... Hoje, eu gosto mais dos artistas que escrevem outras coisas, como a Tulipa [Ruiz] que vem divul-­ gando seu trabalho de uma forma muito “lá em casa”, sabe? Quando a pessoa começa a escrever “Pélico fará um show...”, isso não dá, né? Eu vou mais pra um lado pessoal... Web Mota – Eventualmente, na falta de as-­ suntos mais pessoais, você perde a relação com o artista... De repente, aparece um post e você pensa: “Nossa! Como eu gosta-­ va...”. E eu acho que isso acontece com todo mundo. É muito suave... Há tantas coisas aparecendo que você acaba seguin do pessoas que te cativaram suavemente, de um jeito que nem elas sabem... Sinto falta desse comportamento nas redes so-­ ciais, de pessoas que te contradizem, não em relação à política, mas em relação a opi-­ niões, estilo de vida, o que faz aquele artis-­ ta ser quem é, sabe? Na sua página, Pélico, dá pra perceber como você é como pessoa, você imprime a sua personalidade ali... E eu não falo só nas redes sociais, mas também no palco, na relação com os artis-­ tas, com a imprensa, com as pessoas que estão ouvindo a sua música, os blogs... Isso é bem interessante.

Pélico – Olha, é uma análise bem legal... O facebook está caminhando pra uma coisa burocrática e corporativa. O cara trata a sua página como a sua empresa, aí fica impes-­ soal e, na minha opinião, perde a graça. Por outro lado, no caso dos artistas, os contra-­ tantes começam a levar isso em considera ção e você começa a correr atrás de “likes”. Cristina – Sempre de volta à mesma ques-­ tão: não há mais o peso da indústria [fonográfica], mas as assessorias estão aí... Pélico – Sim! O poder mudou de mãos... O poder não foi descentralizado. Web Mota – A gente que está na música já percebeu esse círculo muito fechado. Há bons artistas, mas não sei o que aconteceu, parece que se fecharam ali e ali ficaram. Define-­se, então, o que é a música brasilei-­ ra, definem-­se as referências musicais bra-­ sileiras... Cristina – Quem vai aparecer no jornal, quem vai tocar no rádio...

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21.


OS NOVOS VALIDADORES Pélico – Também como se esses veículos fossem validadores de alguma coisa, e não são! São ótimos como mais uma vitrine e são importantes como tantos outros canais, sabe? Nós somos curadores e prezamos pelo nosso bom gosto. Então, eu acho que o trabalho de alguns assessores é muito in-­ sensível, às vezes desrespeitoso com a arte. Claro que se você quer que seu trabalho chegue a muitas pessoas, você vai precisar de um profissional pra fazer isso, mas espera lá, né? E também acredito que isso não vá mudar muito, mas acho que muda o comportamento, o meu, o seu... Teve um “boom” e, no fundo, a galera está desco-­ brindo isso muito rápido... Sabe aquela coisa de descobrir que as gravadoras eram manipuladoras? Isso demorou anos e anos pras pessoas sacarem o que era verdade e o que era mentira... Criou-­se o mito do mostro da gravadora... E a galera sacou muito rapidamente o poder desse novo poder das assessorias de imprensa. Eu vejo um monte de gente falando das assessorias, e não estou falando de pessoas que traba-­ lham com música, mas dos fãs... O assunto já não está mais apenas entre produtores e artistas. Agora resta a gente esperar pra ver o que é verdade ou mito. Eu acredito que os talentosos vão ter sempre um espaço e os que foram inventados vão ter que se reinventar.

Cristina – Está transparecendo, né? Web Mota – E sabe o que é pior disso? É que o público não reage, ele desvia... É um desvio natural das pessoas, saca? E aí vai abaixando a bola e isso é ruim porque você nunca vai identificar o motivo... Isso é ruim pra quem faz esse tipo de manipulação, mas é saudável pra música, entendeu? Eu vejo que muitos leitores e muitos músicos já per-­ ceberam isso, mas eles não ficam falando comigo, não falam com você, não geram po-­ lêmica... Eles simplesmente desviam, vão buscar outros veículos, outros canais, outras referências, outros críticos... E os amigos estão virando grandes críticos, né? Essas pessoas que estão ouvindo a música nova estão virando grandes pessoas pra falar de música nova, sabe? São pessoas comuns... Meus amigos são excelentes críti-­ cos musicais. Eu não busco mais uma Folha [de S.Paulo]. Eu uso isso apenas pra saber o que eles estão pensando sobre tudo isso. Pélico – E fora que, hoje em dia, quando sai na Folha, você já ouviu, já te mandaram... Cristina – Com certeza! O novo já não está mais nesses lugares... 22.


E O PRÓXIMO DISCO, PÉLICO? Cristina – Quando a mídia anuncia algo novo, nós já estamos com o acordo fechado pra lançar o disco no mês que vem, por exemplo. Entendeu? [Risos].

Cristina – Vai ressuscitar algumas coisas da gaveta?

Pélico – É... Isso é muito bom!

Pélico – Estou fazendo esse processo de olhar os rascunhos. Na verdade, vira e mexe eu faço isso.

Entre algumas paradas na conversa e trocas de salas dentro do museu, já havia se passa-­ do um tempo considerável. Mal sabia eu que, ao tentar finalizar e voltar ao assunto que motivou essa conversa, o papo se es-­ tenderia um pouco mais para discutir algo de que se fala tanto hoje em São Paulo...

Cristina – Com esse relançamento você acha que vai colocar mais músicas do “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo” no re-­ pertório ou fazer um show desse disco? O que você acha que vai acontecer? Você acha que vai comprar essa ideia no palco também?

Cristina – Bom, e o próximo?

Pélico – Isso tem um lado bom e um lado ruim. As pessoas reclamam que meu show é muito curto. Às vezes, eu quero cantar as músicas do “Que Isso Fique Entre Nós” e al-­ gumas do “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”... e, outras vezes, eu sinto falta de mais coisas do repertório do “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo” no show... Eu também não estou muito a fim de abrir mão das músicas que eu toco do “Que Isso Fique Entre Nós”... Talvez, isso seja legal pra eu estender um pouco mais o meu show, que ele seja um pouco mais longo... 23.

Pélico – Próximo? Cristina – Próximo disco... Pélico – Woooow! Não sei... Eu devo come-­ çar a produzir agora em 2013. Cristina – Já tem as composições? Pélico – Tenho algumas coisas.


Cristina – Difícil deve ser escolher, né? Pélico – Mas sabia que vai acontecendo na-­ turalmente? Pelo menos foi isso que aconte-­ ceu com “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”. Eu fui abandonando algumas músi-­ cas... E, de repente, pensei: “Cara! Eu não toco mais essa música há muito tempo!”... Então, é um pouco disso, de querer colocar mais músicas desse disco no repertório do show... Como já havia acontecido várias vezes du-­ rante nossa conversa, Pélico deu início a uma ideia que ele não concluiu porque o meu raciocínio descaradamente o interrom-­ peu. E acabamos puxando outro assunto e não voltamos à estória que ele ia contar... Não dessa vez... E falando sobre o Mancha [da Casa do Mancha]...

Cristina – No [Centro Cultural] Rio Verde! Não consegui ir! [Risos]. Pélico – Eu quase fui na sexta-­feira anterior! Cristina – Ah, que ótimo! Pélico – Falei pro Jesus: “Jesus, vamos hoje lá no [show do] Leo?”. Web Mota – Eu faço isso sempre! Fiz isso esses dias com o Phill Veras... Chegamos lá na Praça Victor Civita [em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo]... Cristina – Para o show da Tulipa! Uma semana antes também? [Gargalhadas]. Web Mota – Um dia antes! O show era no do-­ mingo e nós fomos no sábado. E eu ainda falei assim: “Nossa, o show acabou!”.

Cristina – Teve um ensaio aberto esses dias, não teve?

Pélico – O show acabou! [Gargalhadas].

Pélico – Do Gui Amabis, né?

Web Mota – E tinha uma aula rolando lá...

Cristina – Não sei... Eu cheguei a ver, mas eu estava com tanta coisa na cabeça que eu não registrei a informação... [Risos].

Pélico – Acontece sempre... Várias vezes, por pouco, eu não fui pro SESC errado...

Pélico – Isso acontece direto, você vê tanta coisa acontecendo... Ah, o show do Leo [Cavalcanti]...

Cristina – Pelo menos não devia ser show seu, né?

24.


Pélico – [Gargalhadas]. Ou então eu confundo Teatro da Vila com Rio Verde, sabe? E aí, vou para o lugar errado... “Putz, não era aqui! Leia o negócio direito, pô!”. Cristina – Aproveitando o assunto, já que falamos de vários lugares, como você acha que estão os lugares para tocar em São Paulo? Pélico – Eu não acho ruim, sabia? Claro que sempre reclamamos, queremos lugares melho-­ res e tal. Eu acho que o que seria ideal, ou próximo do ideal, é ter lugares que paguem bem... Com exceção do SESC, precisaria haver outros lugares que tivessem boas condições de cachê, de som... Web – O músico se profissionaliza e a estrutura não acompanha... Pélico – Não vou citar nomes aqui, mas você vai a muitos lugares onde o lugar é lindo e o som é uma merda...

Cristina – Não precisa dizer... É um desperdício, né? Tenho conversado com algumas pes-­ soas e comentado que determinados lugares são demais, mas quando você chega lá perce-­ be que a casa não tem compromisso, não quer fazer o negócio direito... Lugar legal, estrutu-­ ra bacana, espaços que você pode ocupar de várias formas diferentes e você não consegue fazer o negócio andar ali... Aí você acaba desanimando... Pélico – Eu não acho que São Paulo tenha poucos lugares pra tocar... Dá pra fazer um circui-­ to legal por aqui, mas eu acho que o que pesa são as más condições... Tem casa que podia investir um pouco em equipamento de som... Há algo muito perigoso quando o público vai ver um show: se o som estiver uma merda, ele não vai falar que a banda era ótima, mas que o som estava uma merda... Ele põe tudo dentro do mesmo balaio e tudo acaba sendo uma bosta, sabe? O público não vai sacar que a banda era ótima, mas que a voz estava meio aba-­ fada... Não! O público vai logo pensar que o cara não sabia cantar, que nem aparecia a voz do cara! Cristina – Se for um público que não te conhece, sem dúvida! 25.


O SOM, O PALCO, A CASA Pélico – Você vai queimar o seu filme ali... Então, isso é muito importante! Eu acho que os donos de casas noturnas e espaços para show deviam pensar muito sobre isso, num bom equipamento, num mínimo de luz, sabe? Luz, então, vira uma coisa, afff, prioridade ZERO! Cristina – Aí você também não conse-­ gue, como artista, fazer um registro legal... Você não consegue fazer um re-­ gistro em áudio porque o som está ruim... Você não consegue fazer um re-­ gistro em vídeo porque a iluminação está horrorosa... E como você vai usar aquilo? Às vezes, já conseguiu com muito esforço aquele espaço, que recur-­ sos serão usados para divulgar e fazer sua música se espalhar? Pélico – Fazer um registro bonitinho, né? Não dá. Mas ainda temos alguns luga-­ res, tirando os SESCs e alguns SESIs, que são ótimos... Tem um espaço do Banco do Brasil na [Avenida] Paulista, tem o da Caixa [Econômica Federal]... Cristina – Tem o Itaú Cultural. Pélico – Isso, o Itaú Cultural... Mas sempre esses, de grandes empresas ou da Prefeitura, do Estado, mas seria legal se essas outras casas particulares também tivessem essa estrutura...

26.


PARA SEMPRE

PÉLICO

Assim, foi-­se mais uma mini-­prosa, que nova-­ mente não teve nada de “mini”... rs... Saímos do museu debaixo daquela constante garoa, típica de São Paulo, e acabamos nosso encontro numa daquelas cantinas italianas características do Bixiga. E, obviamente, para encerrar essa mini-­prosa com chave de ouro, eu não poderia deixar passar em branco a repercussão gerada em torno de uma entrevista do Lulu Santos para o caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo [publicada em 14/01/2013]. Ao ser perguntado se ouvia novos nomes da música, Lulu respondeu: “Quem é o Pélico? Ele gravou uma música minha, achei muito interessante a versão”. Ele se referia à versão que Pélico gravou de “Um Pro Outro” [1986]. Para quem acompanha Pélico nas redes sociais, sabe a proporção que esta declaração tomou. No mesmo dia, ele escreveu: “– Oi, Lulu, prazer. Sou muito seu fã!!”. E a pergunta “Quem é Pélico?” ainda circula por aí. O próprio Pélico comenta sobre isso em seus shows e sua versão acabou entrando no repertório. Filipe Catto, que acabou de gravar um DVD ao vivo no Auditório Ibirapuera – no qual incluiu uma versão de “Sem Medida” (do disco “Que Isso Fique Entre Nós”) – também já falou sobre isso. Pois bem, eis a minha resposta: Em seu trabalho artístico, Pélico é o homem das mil vozes e, como a própria Tulipa falou no texto de apresentação do “Que Isso Fique Entre Nós”, é difícil associar seu rosto a todas as suas vozes. No palco, Pélico é inquieto, envolvente, multifa-­ cetado... Seu show é explosivo, emocionante e tempestuoso ao mesmo tempo em que consegue ser delicado e sutil por conta dos belos arranjos de suas músicas e por suas letras. Seu talento em compor e suas vozes o diferenciam e o destacam como um artista único. Como pessoa e amigo, é atencioso, gentil, agregador e um pouco atrapa-­ lhado também... rs... Dificilmente consegue ficar com suas mãos paradas, adora uma boa conver sa, trabalha muito e tem um sorriso lindo, daque-­ les que dá gosto de ver. Estão esperando o quê para conhecê-­lo?

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QUEM É PÉLICO? O ÚLTIMO DIA

DE UM HOMEM

SEM JUÍZO

QUE ISSO FIQUE ENTRE NÓS

BAIXE OS DOIS DISCOS LIVRE:

http://www.amusicoteca.com.br/?file_id=1349

http://www.amusicoteca.com.br/?file_id=1005


REALIZAÇÃO

CRÉDITOS

CRIAÇÃO E FOTOGRAFIA Web Mota ENTREVISTA, TEXTO E EDIÇÃO Cristina Chehab PÉLICO www.pelico.com.br www.facebook.com/pelicomusica www.twitter.com/pelicomusica MUSEU MEMÓRIA DO BIXIGA -­ SÃO PAULO www.museumemoriadobixiga.com/


MINI PROSA MUSICOTECA

WWW.AMUSICOTECA.COM.BR


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