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Sábado/Domingo, 2/3 Junho 2012 // Ano 4 // Número 963 // www.ionline.pt // Director: Eduardo Oliveira e Silva // Directores-adjuntos: Ana Sá Lopes e Luís Rosa

1€

Edição fim-de-semana 80 págs.

Entrevista a Medina Carreira

“Sem reforma do Estado social temos o caos e a desordem no nosso país” “O QUE SE DIZ SOBRE POLÍTICAS DE EMPREGO DESTINA-SE A ANESTESIAR A SOCIEDADE” “SOFRER JÁ É MUITO DURO. NÃO SABER PORQUE SE SOFRE É DE MAIS”

Eduardo Martins

// PÁGS. 24-27

LiV + 24 págs.

Portugal, uma paixão vista de fora // 10 museus muito estranhos

Serviço da mama é o primeiro a fechar na Maternidade Alfredo da Costa

Habitação. Saiba como os partidos vão enfrentar a banca para renegociar dívidas

// PÁG. 6

// PÁGS. 28-29

GANHE M UMA VIAGET E E H IL COM B AO IR T IS S S A PARA O G JO VIVO AO LPORTUGA DINAMARCoA Saiba com na pág. 11

Funcionários da Segurança Social obrigados a devolver horas extraordinárias // PÁG. 30 PUB


EDITORIAL

O embuste das PPP

A Radar

O presidente da CGD assumiu ontem que o BPN foi alvo de uma gestão ruinosa RODRIGO CABRITA

Voltar à contratação clássica seria bem melhor seja, também empresas de advocacia, consultoria e sabe-se lá que mais, permitindo uma completa promiscuidade. Ora não é aceitável que o Estado, os portugueses, a nação, a pátria, não tenha tido um corpo de servidores Eduardo Oliveira que o representasse condige Silva namente. O caso das PPP rodoviárias Os dias noticiosos têm sido (das outras se cuidará em largamente ocupados pela tempo oportuno) é excessivaquestão das PPP, nomeadamente grave para não ter mente rodoviárias. consequências. Não estamos Uma coisa se tornou evidente: o modelo seguido nas Scut em tempos de andar com panos quentes e aceitar que foi um verdadeiro embuste haja contratos invioláveis para os contribuintes. com as grandes empresas, ao Quem pensava que estávamos perante o ovo de Colom- mesmo tempo que os contratos com cada cidadão podem bo acabou por ficar perante o que, em bom rigor, deveria ser rasgados ou alterados à medida das necessidades ser um caso de polícia. imediatas, com a maior preHoje em dia não há argumentos para validar sequer o potência. princípio em que assentaram O ministro Álvaro Santos Pereira apontou esta semana os pressupostos das PPP para 30% de corte nos conrodoviárias. tratos. Não deve conseguir. É de resto de assinalar que na Europa comunitária ape- Mas se for o caso é bom que nas meia dúzia de países uti- se diga que o negócio continuará ser ruinoso para o lizaram esta engenharia. depauperado contribuinte. A lógica do sistema consiste em alguém assumir o finan- Há ainda outro aspecto importante que era melhor ciamento da obra e a sua construção (ganhando desde considerar. Quando não havia esta modernice das logo ali) para recuperar parcerias, os desvios nas depois o investimento com adjudicações eram também base na retribuição pelo um facto, mas há estudos Estado, que se substitui ao utilizador que não paga por- recentes que indicam que se situavam em cerca de 32%. tagem no acto de utilização. Ou seja, o Estado financiava, Com as PPP já nem a conta se consegue fazer, mas os cobrando a todos os contrimesmos estudos chegam a buintes, quer usassem quer apontar alterações às previnão usassem aquelas vias, e ainda por cima com base em sões na ordem dos 80%. Este assunto e o das secretas expectativas de circulação são casos de regime, que inflacionadas. corroem os alicerces da Esta descrição necessariademocracia. Tudo tem de mente primária comporta a ser esclarecido, para não serprimeira parte do embuste. Mas há mais. Para fechar os mos um país de fachada, contratos, o Estado negociou desacreditado e ridículo aos com os fazedores, que se fize- olhos da comunidade democrática mundial. ram acompanhar de batalhões de juristas e consultoNota final. Já estamos em res. Junho e nada quanto à resoSimplesmente, como tinha visto desertar os seus melho- lução da circulação nas Scut res quadros dos ministérios e para estrangeiros e emigrantes. O escândalo mantém-se. das empresas públicas, esse Ninguém se demite ou é mesmo Estado contratou demitido. Lindo! quem o representasse, ou

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BPN. Nacionalização custa 250 euros a cada contribuinte O presidente da CGD revelou ontem que a factura da nacionalização do BPN para o erário público deverá rondar 2700 milhões de euros. Faria de Oliveira foi ontem ouvido na Assembleia, numa audição marcada pela polémica em torno da remuneração extra dos administradores da Caixa nomeados para a liderança do BPN nacionalizado

SANDRA ALMEIDA SIMÕES

sandra.simoes@ionline.pt Não restam dúvidas de que a nacionalização do Banco Português de Negócios terá um custo para os contribuintes. O valor total da factura para o erário público não pode ainda ser apurado. No entanto, há uma estimativa provisória: cerca de 2700 milhões de euros. Feitas as contas, a nacionalização do BPN vai custar, no mínimo, cerca de 250 euros a cada português. O cálculo foi apresentado ontem pelo presidente do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, Faria de Oliveira, na comissão de inquérito parlamentar à nacionalização, gestão e privatização do BPN. “O custo para o Estado andará à volta dos 2700 milhões de euros”, revelou o banqueiro. Este montante inclui 1800 milhões de euros em imparidades dos SPV [veículos financeiros especiais], 600 milhões relativos ao aumento de capital e o provável agravamento de imparidades, que poderá situar-se entre

200 e 300 milhões de euros. O encargo da nacionalização para os cofres estatais pode, na melhor das hipóteses, ser inferior a esta previsão. “O reverso da medalha passa pela recuperação de activos das Pars [veículos financeiros – Parups, Parvalorem e Parparticipações]”, explicou. Contudo, “pode recuperar-se mais ou menos, vai depender da recuperação dos activos e do momento da sua venda”. Faria de Oliveira defendeu que o custo da nacionalização será sempre inferior ao encargo que o Estado teria de assumir perante um cenário de liquidação do BPN, a opção inicialmente defendida pela troika. Sem querer fazer avaliações políticas, o banqueiro admitiu que “a nacionalização foi a melhor opção”, alertando para a gravidade do risco sistémico. Na primeira audição desta comissão, realizada a 11 de Maio, a secretária de Estado do Tesouro e das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afirmou que os cálculos da factura a pagar pelos contribuintes estavam a ser fei-


Citações

tos e seriam apresentados à troika, no âmbito da quarta revisão do Memorando de entendimento, cuja avaliação será revelada segunda-feira. O valor provisório dado a conhecer à troika deverá então rondar os 2700 milhões de euros. EMPRÉSTIMOS Os empréstimos

da CGD ao BPN fixam-se actualmente em 4895 milhões de euros, dos quais 3100 milhões de euros em obrigações e mil milhões em papel comercial, com o carimbo da garantia estatal. Já os restantes 795 milhões de euros referem-se a crédito sem garantia pública de reembolso. Faria de Oliveira referiu que “as obrigações têm maturidade de dez anos, mas a CGD espera receber muito antes”.

Empréstimos

4895 milhões é o montante total do financiamento dado pela Caixa Geral de Depósitos ao BPN.

3100 milhões Montante de exposição em obrigações emitidas pelos veículos criados para recuperar activos.

1000 milhões valor detido em papel comercial do BPN. As obrigações e o papel têm garantia estatal.

REMUNERAÇÕES O salário dos

gestores da CGD nomeados para liderar o BPN nacionalizado foi um dos temas a suscitar mais polémica na audição a Faria de Oliveira. Em causa estiveram as contradições encontradas entre o discurso do banqueiro e o ex-

795 milhões Valor de crédito puro concedido pela CGD ao banco nacionalizado. Não tem aval estatal.

-ministro das Finanças Teixeira dos Santos. O suplemento remuneratório concedido aos administradores da CGD que acumularam cargos no BPN foi decidido pelas Finanças e não pela CGD, como tinha referido o antigo ministro. Faria de Oliveira chegou mesmo a admitir as declarações de Teixeira dos Santos como “um lapso”. A administração do BPN nacionalizado era composta por sete elementos, dos quais três estavam em regime de acumulação com o exercício de funções executivas na administração da CGD: Francisco Bandeira, Norberto Rosa e Paulo Cardoso. O vencimento extra atribuído a estes administradores correspondia a 20% da remuneração que auferiam na CGD. Faria de Oliveira assegurou que a decisão de atribuir um suplemento a estes três administradores “foi do accionista”. O banqueiro distribuiu aos deputados uma cópia da primeira acta da assembleia-geral do BPN após a nacionalização, onde se define a remuneração dos gestores.

Por sua vez, no que se refere aos administradores a tempo inteiro no BPN, Faria de Oliveira afirmou que o salário auferido “representava menos de um terço da remuneração dos administradores do BPN antes da nacionalização”. INTEGRAÇÃO Faria de Oliveira

foi questionado sobre a venda do BPN ao BIC (por 40 milhões de euros), assumindo que foi o “preço possível, considerando a falta de interessados credíveis”. O presidente do banco estatal acabou também por assumir que “ainda bem que a CGD não comprou o BPN. A integração na CGD seria o último dos cenários, devido à destruição de valor da Caixa”, justificou. Faria de Oliveira revelou que a intenção inicial de comprar o BPN tinha como único intuito “recuperar para vender”. Para ontem estava ainda marcada a audição a Norberto Rosa, mas, devido ao atraso do arranque dos trabalhos da comissão e ao demorado inquérito de cada partido, foi adiada para dia 12.

“Ainda bem que a CGD não comprou o BPN” “A integração na CGD seria o último dos cenários” “Criar mais dificuldades ao maior banco português seria uma aberração” “Custo do BPN para o Estado rondará 2700 milhões de euros” “O preço de venda do BPN ao BIC [40 milhões de euros] foi o possível, porque não havia outro comprador credível” “Só por milagre teria sido possível evitar maior saída de depósitos” “Nunca os administradores da CGD decidiriam o aumento dos próprios salários” Fernando Faria de Oliveira PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BPN

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Radar Portugal

O “silêncio é de ouro”, lembra o CDS a António Borges LISBOA O conselheiro do governo para as privatizações António Borges defendeu a “urgente” redução dos salários, em entrevista à “Económico TV”. Em resposta, ouviu do CDS, parceiro de coligação: “Em todos os momentos, mas ainda mais em momentos de dificuldade, todos temos de ter exacta noção da dimensão das palavras e, por vezes, seguir o sábio e velho conselho de que o silêncio é de ouro”. A frase é do líder parlamentar, Nuno Magalhães.

Pinto Monteiro termina o mandato em Outubro deste ano

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Parcerias público-privadas. PSD só não responde a Pinto Monteiro “por temperança” Pinto Monteiro diz que as perguntas enviadas à Procuradoria são “repetidas”. Mendes Bota diz que tinha vontade de responder “à letra”

CATARINA FALCÃO

catarina.falcao@ionline.pt Os contratos das parcerias público-privadas (PPP) são o novo ponto de arremesso entre procurador-geral da República e PSD. Os sociais-democratas pediram formalmente à Procuradoria informações sobre a abertura de uma investigação, na sequência do relatório do Tribunal de Contas sobre a renegociação das concessões rodoviárias do anterior governo, e Pinto Monteiro respondeu ontem em público que “alguém anda distraído”. O PSD avisa que só não responde “à letra” por “temperança”. “As perguntas são sempre repetidas”, queixou-se ainda o procurador. Mas o PSD quer acreditar que Pinto Monteiro ainda não recebeu o seu requerimento. Quanto à “distracção” de que falou Pinto Monteiro, em declarações ao i, o deputado do PSD Mendes Bota reage assim: “Tinha muita vontade de responder à letra, mas temos temperança”. “A única carta que recebemos do Procurador foi uma resposta à questão colocada pela Presidente da Assembleia aquando da abertura da comissão de inqué-

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rito às PPP”, diz ainda o deputado. No entanto, Mendes Bota alega que o requerimento do PSD coloca novas questões. “Essa resposta não é coincidente com o nosso requerimento que incide sobre as subconcessões das PPP e a auditoria agora divulgada pelo Tribunal de Contas”, argumenta. Na semana passada, Pinto Monteiro já se tinha pronunciado sobre esta matéria afirmando não precisar de recados dos partidos para agir. Numa nota, a Procuradoria mostrou-se mesmo surpreendida pela “ligeireza como o assunto foi tratado por alguns”.

Pinto Monteiro queixa-se que “as perguntas são repetidas, alguém anda distraído” “Tinha vontade de responder à letra, mas temos temperança”, diz Mendes Bota

Na altura, o PSD considerou as afirmações “menos felizes”.

IVA na restauração. Governo vai estudar impacto LISBOA A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) disse ontem que o governo se comprometeu a estudar o impacto que o aumento do IVA está a ter no emprego e nas receitas do sector. À saída de uma reunião com o primeiro-ministro, o secretário-geral da AHRESP garantiu que Passos mostrou “sensibilidade e disponibilidade” perante as preocupações do sector.

DEFESA DE CAMPOS Anteontem à

noite, Paulo Campos, ex-secretário de Estado das Obras Públicas, falou pela primeira vez sobre as negociações que liderou na altura. Em entrevista à RTP, o exgovernante revelou que tenciona processar o presidente do Instituto Nacional de Infraestruturas Rodoviárias (INIR), desmentido que tenha dado qualquer indicação para que fosse omitida informação ao Tribunal de Contas, para a auditoria ao modelo de gestão, financiamento e regulação do sector rodoviário. Já sobre as compensações às concessionárias das ex-Scut – que o Tribunal de Contas considerou terem encargos agravados para o Estado – Paulo Campos disse que “esta questão de dizer que há agora uma nova derrapagem ou novo buraco não corresponde à verdade”. O i noticiou ontem que Paulo Campos e Almerindo Marques (ex-presidente das Estradas de Portugal) serão investigados pela Procuradoria, na sequência do envio do relatório do Tribunal de Contas para o DCIAP.

Passos prometeu à troika acelerar ritmo das reformas LISBOA O primeiro-ministro revelou ter assumido ontem, numa reunião com a troika, a prioridade de acelerar “o ritmo de execução das reformas estruturais”. O primeiro-ministro falou no congresso da Associação Cristã de Empresários e Gestores, que tem por lema “amor ao próximo como critério de gestão”, e disse que para o governo é também essencial “mobilizar cada vez mais os portugueses”. Passos acredita que “Portugal está muito próximo do caminho do crescimento”, mas avisa: “Não podemos retardar e abrandar o ritmo das mudanças que estamos a introduzir.”

Secretas. Audições ao SIRP deixaram PSD e CDS “tranquilos” Conselho de fiscalização diz que cumpriu o seu papel Só duas coisas foram reveladas nas mais de seis horas de audições à porta fechada a vários membros do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP): uma foi que o conselho de fiscalização do SIRP, liderado por Marques Júnior, garantiu aos deputados ter cumprido o seu papel; a outra foi que os deputados da maioria PSD/CDS saíram mais “tranquilos” destas audições, a que chegou a ser chamado o secretário-geral do SIRP. Júlio Pereira negou em absoluto que o SIRP tenha feito relatórios sobre figuras públicas. Marques Júnior terá dito aos deputados que foram feitos vários alertas sobre um dos serviços das secretas, o Serviço de Informação Estratégicas de Defesa (SIED), e recordou que a 30 de Setembro detectou indícios de relevância criminal por elementos do SIED. Teresa Leal Coelho, do PSD, afirmou depois aos jornalistas que “são necessários novos instrumentos para a selecção de funcionários, para que tenham o perfil adequado às funções que desempenham”. Reconheceu ainda que “foi a primeira vez que a fiscalização actuou no momento”, recordando que já há um despacho de acusação. Para o PSD, “o SIRP tem condições para continuar a funcionar”. Da parte do CDS, Telmo Correia garantiu ter recebido “informação muito relevante de que, do ponto de vista da lei, foi tudo feito em conformidade e que os abusos e desmandos não se repetem”. Ainda que “tranquilo” depois destas audições, admitiu que as melhorias na fiscalização “têm de ser pensadas e trabalhadas”, alinhando pela posição de Teresa Leal Coelho, que sugeriu ainda que devia haver nas secretas um “maior controlo na operacionalização e o recato adequado”. Ricardo Paz Barroso

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Radar // Portugal

Centro de Saúde do Bairro da Boavista de portas fechadas LISBOA Concluídas há três meses as obras de construção, o centro de saúde do bairro lisboeta continua sem atendimento aos utentes, situação que está a deixar a população “indignada”, assegura a presidente da Junta de Freguesia de Benfica. O centro representou um investimento de um milhão de euros e pretendia-se que servisse 7500 utentes. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo disse que “aguarda vistorias que não dependem” de si.

Um terço de menores de 4 anos: peso a mais e sono a menos LISBOA O estudo “Geração XXI”,

apresentado esta sexta-feira, aponta o tabagismo na gravidez, a obesidade das mulheres após terem filhos, o sedentarismo e o excesso de peso das crianças (até aos quatro anos) como as principais preocupações na saúde materno-infantil. Promovido pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, o estudo observou 8647 crianças nascidas nos hospitais públicos da Área Metropolitana do Porto, entre Abril de 2005 e Agosto de 2006.

Nos últimos dias, três médicos abandonaram os quadros da maternidade

Restruturação. Serviço da mama é o primeiro a fechar na MAC Cirurgias vão passar a ser feitas no Hospital de São José e transferência será gradual. Equipas já estão a desmembrar-se, avisa médico MARTA F. REIS

Guilherme Páscoa ouvido em Évora pela morte da irmã ÉVORA Após ter morto a irmã Ana Cristina Bívar – mulher do deputado do PSD António Prôa –, na terça-feira, Guilherme Páscoa entregou-se às autoridades na quarta-feira, tendo sido ouvido em tribunal na sexta-feira. Descontente com a revogação da procuração para representar a mãe em questões de heranças, Páscoa atropelou e esfaqueou ambas as irmãs. Uma das irmãs sofreu ferimentos ligeiros, mas Ana Cristina Bívar não resistiu aos ferimentos.

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marta.reis@ionline.pt Quase dois meses depois do ministro Paulo Macedo ter lembrado a “morte anunciada” da Maternidade Alfredo da Costa, o serviço de senologia é o primeiro a receber o veredicto. Esta semana os médicos foram informados de que as cirurgias relacionadas com cancro da mama, mastectomias e reconstruções, passarão para o Hospital de São José. A curto prazo será feita a transferência, mantendo-se as consultas na maternidade, disse ao i o coordenador do serviço, Pedro Sereno. A última reunião sobre a transferência decorreu na quinta-fei-

ra e ontem o Centro Hospitalar de Lisboa Central, onde a MAC está integrada desde Março, não esclareceu se esta implicará recolocar pessoal ou como serão geridas as listas de espera. O desmembramento deste serviço começou em Março, com o fim do contrato do cirurgião que fazia as reconstruções mamárias. Pedro Sereno e Sara Valadares, os dois cirurgiões da equipa, continuaram a garantir as cirurgias de remoção dos tumores. Agora, disse ao i o médico que fundou o serviço há 22 anos, não perceberam ainda bem o seu destino: são especialistas em senologia, obstetrícia e ginecologia, sendo que em S. José esta unidade está situada na cirurgia geral.

Pedro Sereno considera pouco realista a transferência deste serviço para São José. Hoje, dentro do Centro Hospitalar de Lisboa Central, há senologia na MAC, São José, Capuchos e Estefânia. “O nosso serviço tem metade da actividade, no ano passado foram 150 casos”, explicou o médico. Transferir todas estas doentes para São José implica duplicar a resposta no bloco operatório, que até aqui só tinha uma manhã e uma tarde dedicada a estas cirurgias. “Não há uma data em concreto e terá de ser gradual porque já se percebeu que não é linear. Envolve radiologistas e outras especialidades.” No caso das reconstruções mamárias, a saída do cirurgião oncoplástico da MAC levou

NUNO VEIGA/LUSA

40 doentes para S. José. Até ontem só uma tinha sido operada. DESMEMBRAMENTO Sereno expli-

ca que esta mudança insere-se na lógica de evitar redundâncias e reduzir o número de camas, embora neste caso o serviço use as camas de ginecologia. Ao todo o centro hospitalar tem 1600, adianta o médico, e prevê-se que o futuro hospital de Lisboa oriental, cuja construção em regime de parceria público-privada está dependente da autorização da troika, tenha apenas 750. “O objectivo será redimensionar o centro hospitalar para quando houver essa integração.” O médico está, contudo, do lado dos profissionais que defendem que a MAC só deveria encerrar com este hospital pronto. Ontem fizeram uma nova acção com balões por cada uma das 2 mil crianças que nasceram na MAC este ano. O governo diz que seria mais importante preservar as pessoas do que as paredes mas Sereno avisa que as equipas já estão a desmantelar-se. Nos últimos dias, três médicos especialistas deixaram a maternidade para integrar o Hospital de Loures. “O quadro está a ser reduzido. Perante a indefinição e o mal-estar as pessoas saem quando têm oportunidade.”


Caso Feteira

Duarte Lima vê queixa ser arquivada ARQUIVAMENTO O Ministério Público arquivou a queixa apresentada pela filha de Tomé Feteira a Duarte Lima. A ProcuradoriaGeral Distrital de Lisboa justificou a decisão com o facto de o processo que corre no Brasil ter sido instaurado antes da queixa em Portugal e de, por essa razão, estar mais avançado. NOTIFICAÇÃO Duarte Lima não esteve presente na primeira sessão do julgamento, em Sacuarema, em que o juiz requereu a notificação do ex-deputado para conhecimento do despacho de acusação.

Fusão. Dos 152 novos agrupamentos 22 têm mais de três mil alunos Em Alcobaça fica o maior, com 4156 alunos. Sintra concentra os mais populosos O processo de fusão de escolas está concluído. Os cerca de 343 mil alunos que antes frequentavam 314 escolas ou agrupamentos ficam agora reorganizados em 152 novas unidades de gestão escolar. O novo mapa da rede escolar, ontem anunciado pelo Ministério da Educação, fica reduzido para metade com 20 agrupamentos acima dos três mil alunos e dois a ultrapassar os quatro mil. Após divulgar em meados de Maio a conclusão da primeira fase do processo com 115 novas unidades, a tutela acrescentou ontem mais 35 fusões concluídas. O maior agrupamento do país está em Alcobaça – a junção de três agrupamentos com uma secundária deu origem a uma

nova unidade com 4156 alunos. Em Sintra estão concentrados os agrupamentos mais populosos. Dos sete novos agrupamentos do concelho só um está abaixo dos três mil alunos. Os outros seis variam entre 4104 e 3050 alunos. A região Norte viu reduzida a rede de 131 para 65 agrupamentos que concentram quase 155 mil alunos. A dimensão das novas unidades varia agora entre 3545 e 1278 alunos. Em Lisboa e Vale do Tejo a rede escolar encolheu para mais de metade. Os 84 agrupamentos ou escolas ficam a partir de Setembro redimensionados para 40 novas unidades, agrupando cerca de 104 mil alunos. É na região de Lisboa que estão os maiores agrupamentos com oito deles a ultrapassar os três mil alunos e dois com dimensão superior a quatro mil. Na região Centro, o maior agrupamento está em Ovar com 3060 alunos. A rede escolar com quase 50 mil alunos foi reduzida de 59 para 26 agrupamentos. Algar-

ve e Alentejo são as duas regiões com os agrupamentos menos povoados. A rede escolar algarvia com um total de 26 mil alunos passou de 26 para 12 novos agrupamentos que variam entre 2594 e 1770 estudantes. Os quase nove mil alunos alentejanos, que antes frequentavam 14 escolas ou agrupamentos passam a ter, no próximo ano lectivo, sete novas unidades de gestão escolar. Serpa é o concelho com o agrupamento mais reduzido do país (888 alunos). Após mais de 400 reuniões, o processo chegou ao fim, esclareceu a tutela em comunicado, tendo dado na quinta-feira instruções para as direcções regionais de Educação transmitirem as decisões às escolas e autarquias. Em alguns casos, o ministério justifica que aceitou as propostas das câmaras para ultrapassar o limite de alunos previamente definido. A última fase da fusão só ficará concluída em 2013-2014. K. C.

Presidente de Baião quer impedir fecho do tribunal BAIÃO O autarca José Carneiro admite recorrer a instâncias europeias para impedir o encerramento do tribunal da comarca – o mais interior do distrito do Porto –, caso o governo avance com essa intenção. A revisão da reforma do mapa judiciário passou a incluir o tribunal de Baião na lista de encerramentos, obrigando a deslocações de 80 km para idas a tribunal.

Atrasos nos julgamentos vão constar das actas LISBOA A ministra da Justiça

explicou que os atrasos no início dos julgamentos vão passar a constar das actas de cada sessão. Paula Teixeira da Cruz diz tratar-se de “uma questão de clarificação e de responsabilidade de todas as partes”, motivada pela frequência de atrasos constatada. “Não há culpas de nenhuma classe profissional em particular”, conclui. PUB

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Radar Dinheiro Franceses da Altice querem comprar posição na Zon LISBOA O grupo francês vai entrar

Gasolina e gasóleo voltam a baixar na segunda-feira PORTUGAL O preço do gasóleo

e da gasolina deve descer, menos de um cêntimo, a partir de segunda-feira, reflectindo as cotações médias da gasolina e do gasóleo nos mercados internacionais. Depois da subida da semana passada, que interrompeu seis descidas consecutivas, as cotações da gasolina voltaram a recuar esta semana, o que permite prever uma descida ligeira, inferior a um cêntimo, do preço final deste combustível.

Venda de carros desce menos acentuadamente LISBOA O número de viaturas

comercializadas baixou 27,5% em Maio face ao mesmo mês de 2011. As vendas de novos ligeiros de passageiros estavam em queda livre desde o início do ano e chegavam aos 50%. Apesar da queda registada, Maio foi o melhor mês de 2012. Um quarto dos carros vendidos este ano foi comercializado neste mesmo mês. Os dados foram ontem divulgados pela ACAP.

na corrida a uma posição relevante da Zon. A Altice adquiriu a Cabovisão aos canadianos da Cogeco Cable por 45 milhões de euros em Março de 2012. Com esta decisão, o grupo quer disputar com Isabel dos Santos uma posição importante na operadora de telecomunicações nacional. O Banco Espírito Santo e a Caixa Geral de Depósitos já tornaram pública a sua intenção de vender as participações de 12,66% e 10,88%, respectivamente, que possuem na Zon.

Economia brasileira cresce menos que o previsto BRASÍLIA O ministro brasileiro

da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que “ficou mais difícil” atingir o crescimento anual de 4% previsto pelo governo e disse que ficará “satisfeito” se conseguir superar o resultado de 2011. No ano passado, o resultado do PIB brasileiro foi positivo 2,7%, 1,3 pontos percentuais a menos que o previsto para esse ano. O reconhecimento aconteceu após a divulgação do crescimento do PIB para o primeiro trimestre do ano, 0,2% acima do trimestre anterior.

Volvo Ocean Race com 8,6 milhões de apoios públicos Instituto doTurismo de Portugal e Administração do Porto de Lisboa financiaram a regata O valor dos apoios públicos para recebermos a regata Volvo Ocean Race em Lisboa foram de 8,6 milhões de euros, dos quais 4,6 milhões saíram dos cofres da Administração do Porto de Lisboa e 4 milhões do Instituto do Turismo de Portugal, por decisão da Secretaria de Estado do Turismo. A organização deste evento na capital portuguesa decorre de uma decisão do governo de José Sócrates. João Lagos, o organizador, que também investiu 2,5 milhões de euros no projecto de dez dias que hoje tem início na Doca de Pedrouços, estima o seu impacto na economia nacional em 60 milhões de euros.

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O projecto Volvo Ocean Race (VOR) esteve sempre ligado a um negócio que vale mais de 100 milhões de euros: a requalificação dos terrenos da antiga Docapesca, em Pedrouços. A intenção inicial da Administração do Porto de Lisboa (APL) era construir uma nova marina de raiz nas docas de Pedrouços para receber a VOR, ficando o concessionário da futura Marina do Tejo, responsável pela urbanização dos terrenos envolventes. A APL acabou por não conseguir lançar o concurso público internacional, inicialmente previsto para Março de 2010, tendo avançado apenas para obras superficiais. Inicialmente, o Turismo de Lisboa, através da autarquia, também esteve para apoiar a regata, mas a responsabilidade financeira acabou por recair apenas no Turismo de Portugal. M.B.S

Angela Merkel mostra-se mais flexível com a tarefa pesada do governo de Mariano Rajoy

Alemanha muda e apoia decisão de dar mais tempo a Espanha Suavização da exigência é sinal das dificuldades que o governo de Madrid enfrenta. Em Dublin os eleitores aprovam oTratado Orçamental BRUNO FARIA LOPES

bruno.lopes@ionline.pt O governo alemão flexibilizou ontem a sua posição e apoiou a proposta da Comissão Europeia de dar mais um ano a Espanha para corrigir o défice orçamental. Até este ponto a Alemanha tinha reagido friamente a qualquer proposta de suavização no ritmo de austeridade – a tolerância mostrada com Espanha ilustra as enormes dificuldades sociais e económicas que o país enfrenta. “Apoiamos Espanha nos seus esforços para implementar as medidas necessárias, mas também reconhecemos que devido aos desenvolvimentos económicos negativos será difícil para

Espanha cumprir os objectivos”, afirmou o porta-voz do Ministério das Finanças alemão, Johannes Blakenheim, citado pela Reuters. Depois da pergunta sobre se a afirmação significava concordância com a proposta de mais um ano para a Espanha, o representante admitiu que sim. O sinal de Berlim foi uma de duas notícias positivas para Espanha ontem. A outra veio das regiões autónomas que, segundo o governo central, apresentaram contas equilibradas no primeiro trimestre. As regiões são um dos pontos centrais de preocupação na derrapagem das finanças públicas espanholas – há dois dias a agência de notação financeira Fitch baixou a classificação atribuída às oito

regiões, alertando o governo central de que mais cortes podem estar na calha caso não haja novas medidas de controlo das contas. Em reacção às raras notícias positivas, a taxa de juro implícita para a dívida pública de Espanha caiu ligeiramente para 6,5%, ainda assim muito próxima da barreira de 7% que levou Grécia, Irlanda e Portugal a pedirem assistência externa. As notícias favoráveis, contudo, são pálidas ao lado dos sinais de pressão acumulada sobre o maior parceiro comercial de Portugal. O Banco de Espanha divulgou ontem que mais de 66 mil milhões de euros foram transferidos do sistema bancário do país para o exterior, o valor mais


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Banco de Portugal conclui acusações ao BPP

PSI 20 -1,34%

Mercados

REUTERS

alto desde o arranque dos registos em 1990 – um sinal de dificuldades de financiamento dos bancos (menos dinheiro a entrar) e de receio dos depositantes (mais dinheiro a sair). O governo de Mariano Rajoy tenta equilibrar as contas públicas com um sistema financeiro arrasado pelo colapso da bolha imobiliária e de construção e regiões com autonomia que escapa ao controlo de Madrid – tudo tendo como pano de fundo uma taxa de desemprego de 24,3%. A expectativa sobre um eventual resgate a Espanha – centrado no sistema bancário – e a incerteza quanto às eleições na Grécia mantêm a turbulência nos mercados de dívida da zona euro. A melhor prova continua a ser o mergulho nos juros da dívida alemã, que a dois anos já são negativos – os investidores pagam pela segurança Em Dublin, os eleitores irlandeses aprovaram como esperado o Tratado Orçamental europeu, com uma votação de 60% a favor. O primeiro-ministro Enda Kenny aproveitou para dizer que o sucesso no referendo fortalece a posição da Irlanda a favor de medidas para o crescimento económico na Europa e para a limpeza da dívida bancária na Irlanda.

PSI 20 -1,34%

Euro Stoxx 50 -2,37%

Índice 4453,01 Variação em % Ano -18,95

Índice 2068,66 Variação em % Ano -10,70

FTSE -0,88%

IBEX 35 -0,40%

Índice 5260,19 Variação em % Ano -5,60

Índice 6065,00 Variação em % Ano -29,20

S&P500 -1,54%

DAX -3,42%

Índice 1289,48 Variação em % Ano +2,40

Índice 6050,29 Variação em % Ano +2,58

Melhores do PSI20 1. BPI

Var. em % +2,97%

2. Portucel

+2,44%

3. Portugal Telecom

+2,42%

4. ESFG

+0,59%

5. EDP Renováveis

+0,32%

Piores do PSI20

Var. em %

1. Galp Energia

-5,45%

2. Brisa

-3,53%

3. BES

-3,07%

4. Sonae SGPS

-2,63%

5. Sonae Indústria

-2,50%

PSI-20 30 dias 5800 5620 5440 5260 5080 4900 4720 4540 4360 4180 4000

5177,12

4453,01 -13,98%

12/04/12

01/06/12

Euro vs. dólar

1,240 1 euro

0,8076 libras esterlinas

1 euro

1,2010 francos suíços

Os processos de contra-ordenação em curso resultam de factos ocorridos no universo do BPP O Banco de Portugal concluiu as acusações a “diversas pessoas colectivas e singulares” do universo do Banco Privado Português (BPP). As acusações decorrem no âmbito de processos de contra-ordenação em curso no regulador, liderado por Carlos Costa, e em que se apura a eventual responsabilidade contra-ordenacional pela prática de factos ocorridos no “universo do Banco Privado Português”, “susceptíveis de consubstanciar infracção de Crédito e Sociedade Financeiras e puníveis nos termos dos artigos 210.o e 211.o do mesmo Regime Geral”. Todos os arguidos dispõem de um prazo para a apresentação de defesa e o processo continua em segredo de justiça até que seja proferida decisão final. O Banco de Portugal não identifica os alvos de acusação. O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) prepara-se para concluir, até ao final de Julho, o primeiro processo que envolve este banco. Segundo o “Diário Económico”, o resultado deve ser provavelmente a acusação. Em causa podem estar crimes de má-fé e falsificação de documentos. João Rendeiro é um dos arguidos do processo, que está em investigação no Ministério Público. Foi no final de 2008 que o caso do BPP veio a público. Na Comissão do Mercado de Valor Mobiliários (CMVM) já houve uma acusação e espera-se que daí resulte uma condenação. No caso do DIAP, os factos são anteriores a 2009 e envolvem a Privado Financeira. Este foi um dos veículos financeiros criados por Rendeiro para captar fundos a aplicar na tomada de participações financeiras. A Privado Financeira foi constituída com o objectivo de investir no sector financeiro, mas o único investimento feito foi no Banco Comercial Português (BCP). Rita Dantas Ferreira

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A

Radar Mundo

ONU diz que massacre em Houla pode constituir crime contra a humanidade Navi Pillay quer que o Conselho de Segurança da ONU leve o caso do massacre de Houla aoTribunal Penal Internacional CHEILA TAVARES

cheila.tavares@ionline.pt O Conselho dos Direitos Humanos da ONU, presidido por Navi Pillay, aprovou ontem uma resolução que pede que o caso do massacre de Houla, na Síria, seja levado ao Tribunal Penal Internacional (TPI). Pillay reiterou a necessidade de “assegurar a responsabilização dos perpetradores de tais atrocidades”. Dos 47 membros do Conselho de Segurança, 41 aprovaram a resolução, enquanto que China, Rússia e Cuba votaram contra. O Uganda e o Equador abstiveram-se. Numa sessão de emergência do Conselho dos Direitos Humanos, a quarta desde Março de 2011, a alta comissária da ONU disse que o massacre de Houla pode ser declarado como um crime contra a humanidade. A comissária apelou aos 47 membros do Conselho de Segurança para fazerem “todos os esforços para acabar com a impunidade” na Síria. Na acta lida ao Conselho de Segurança, a comissão dos direitos humanos sublinha a neces-

sidade de “fazer um inquérito internacional, transparente, independente e rápido sobre as violações dos direitos humanos”. LIBERDADE No mesmo dia em

que foi decidido levar o massacre de Houla ao TPI, 223 pessoas que estavam detidas em prisões sírias foram libertadas. Sob a supervisão de observadores da ONU, 210 presos políticos foram libertados em Damasco e outros 13 na cidade de Deraa. A libertação de pessoas detidas na revolta popular contra o regi-

Vladimir Putin negou estar a fornecer armas a qualquer dos lados do conflito Devem fazer-se todos os esforços para acabar com a impunidade, apelou Navi Pillay

me de Bashar al-Assad era um dos pontos do plano de paz de Kofi-Annan. O documento apresentado pelo enviado das Nações Unidas a 12 de Abril foi aceite por ambas as partes envolvidas no conflito, mas até agora não foi respeitado.

Presidente sérvio diz que Srebrenica não foi genocídio PODGORICA O novo presidente sérvio, Tomislav Nikolic, afirmou que o massacre de Srebrenica não foi um genocídio, mas um crime de guerra grave, numa entrevista à televisão estatal do Montenegro. “Não houve genocídio em Srebrenica”, disse Nikolic, que tomou posse na quinta-feira. O massacre de Srebrenica foi declarado genocídio tanto pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia como pelo Tribunal Internacional de Justiça.

ATAQUES Ontem, os activistas

do Observatório dos Direitos Humanos revelaram que houve mais um ataque no país, agora na cidade de Qusair, onde 13 empregados fabris foram forçados a sair de um autocarro e terão sido executados por elementos do exército sírio. Vários vídeos disponíveis na internet mostravam os corpos ensanguentados das vítimas, com feridas de bala na cabeça e no abdómen. As últimas declarações são consistentes com as conclusões de um relatório emitido pelo gabinete de Navi Pillay na terça-feira, onde investigadores das Nações Unidas afirmam que as vítimas estão a ser assassinadas à queima-roupa, demonstrando uma “clara violação dos direitos humanos” no conflito que começou em Março de 2011.

Merkel considera “sim” dos irlandeses “boa notícia” BERLIM A chanceler alemã, Ange-

la Merkel, considerou ontem a vitória do “sim” no referendo irlandês sobre o pacto orçamental uma boa notícia para a Irlanda e para a Europa. Merkel lembrou que a estabilidade duradoura nos países da moeda única “não pode ser alcançada do dia para a noite, e que os programas de consolidação orçamental têm de andar de mãos dadas com o reforço do crescimento”.

Sudanesa condenada a lapidação por adultério

Pillay diz ser necessário responsabilizar os perpetradores 10

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MARTIAL TREZZINI/EPA

CARTUM Uma jovem mulher sudanesa foi condenada a ser apedrejada até à morte por adultério, um caso raro sob o regime islâmico no Sudão. Segundo a Human Rights Watch (HRW), Intissar Sharif Abdallah, provavelmente com menos de 18 anos, foi condenada em Abril por um juiz da região de Cartum e está presa com o seu bebé. O juiz baseou-se apenas na confissão da mulher que falou depois de ter sido espancada por um membro da sua família. Não tinha advogado, nem intérprete, apesar de o árabe não ser a sua língua materna.

Alto funcionário chinês detido por crime de espionagem Suspeito terá recebido centenas de milhares de dólares da CIA Na China, foi detido um alto funcionário do Estado que estava sob suspeita de fornecer informações aos Estados Unidos sobre actividades de espionagem de Pequim noutros países. O caso foi encoberto pelos dois países para evitar um novo escândalo. O suspeito terá sido detido entre Janeiro e Março deste ano e era assistente de um vice-ministro chinês da Segurança do Estado. A acusação é de que foi recrutado pela CIA e há vários anos que andava a fornecer informação “política, económica e estratégica” aos Estados Unidos, em troca de milhares de dólares, disse uma fonte chinesa à agência Reuters. A fuga de informação surge numa altura em que as relações entre os dois países estão tensas devido aos escândalos políticos na China nos últimos meses. O primeiro surgiu em Fevereiro, quando o chefe da polícia da região de Chongqing, Wang Lijun, esteve sob protecção do consulado norte-americano durante 24 horas. O líder do partido comunista da região, Bo Xilai, foi mais tarde suspenso depois de se saber que a polícia estava a investigar o envolvimento da sua mulher no homicídio de um empresário britânico, Neil Heywood. Washington manteve o silêncio sobre o caso de espionagem até Abril, quando a fuga da prisão domiciliária do activista Chen Guangcheng encheu as páginas da imprensa internacional, dando início a uma crise diplomática entre Washington e Pequim. O novo caso vem aumentar a pressão sobre o responsável chinês pela pasta da Segurança, Zhou Yongkang, que está a ser questionado na China sobre a eficácia do seu ministério. Yongkang, membro do Politburo, é ainda acusado de má gestão financeira da sua pasta. Cheila Tavares



Opiniões

B

NO FIO DA NAVALHA

ÂNGULO MORTO

A boa austeridade VÍTOR CUNHA

A par da austeridade má que prejudica as pessoas, existe uma boa que recai sobre o Estado e o reduz à sua essência. Esta última é a que devemos exigir

André Abrantes Amaral Nos últimos tempos não temos distinguido entre dois tipos possíveis de austeridade: uma primeira imposta pelo governo à economia privada, aquela que paga os serviços públicos, e uma segunda que recai sobre o próprio Estado e o governo. Foi por não termos feito esta distinção que têm surgido políticos que se auto-titulam contra a austeridade que implica impostos altos e cortes nos salários, ao mesmo tempo que defendem uma política de crescimento económico, baseada num crescimento da actividade do Estado. Apostando precisamente naquela entidade que está a gastar mais do que devia e que, por se ter endividado acima das suas capacidades, tem levado a que nos emprestem dinheiro a juros que só conseguimos pagar com os elevados impostos que o governo nos está a cobrar. De acordo com o artigo de um ex-assessor do presidente Reagan, David Malpass, publicado no “Wall Street Journal” em 25 de Maio último, apesar da austeridade que está a ser aplicada na Itália, a despesa do Estado crescerá de 50% do PIB em 2011, para 50,7% em 2012. Na Grécia, onde agoi informação www.ionline.pt

PROPRIETÁRIA/EDITORA Sojormedia Capital, SA Sede: Tagus Park, Edifício Tecnologia I, Corpo I, 2740-257 Oeiras NIPC: 508 707 730. CRC Lisboa sob o n.º 508 707 730 Capital Social: €1 000 000 Detentores de mais de 10% do capital: Top Produções – Comunicação e Eventos Lda. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Manuel Cruz (Presidente), Pedro Costa, Francisco Tavares

DIRECTOR Eduardo Oliveira e Silva DIRECTORES-ADJUNTOS Ana Sá Lopes Luís Rosa EDITORES-EXECUTIVOS Ana Kotowicz Nuno Ramos de Almeida Sérgio Soares

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—2 Junho 2012

ra se afirma ser preciso menos austeridade e mais investimento público para incentivar a economia, a despesa do Estado passou de 49,6% do PIB em 2010, para 49,7% em 2011. Ou seja, apesar da dita austeridade, o Estado cresceu, gastou mais e tem pedido mais dinheiro emprestado. Dinheiro que, para ser pago, obriga a que se exija mais impostos aos cidadãos. Ou seja, mais austeridade. Estes dados mostram-nos como é indispensável distinguir entre a austeridade que é imposta pelo governo às pessoas e a que governo impõe ao Estado. Só se fizermos esta distinção, escaparemos ao truque dos que pretendem aumentar o poder do Estado para fazer crescer a economia. Só dessa forma evitaremos o círculo vicioso de carregar na austeridade, pagando mais impostos de forma a que o Estado tenha mais dinheiro para nos dar e, assim, reduzir a dita austeridade. Algo tão incongruente que me espanta que ainda haja quem acredite neste tipo de milagres. De acordo com o mesmo artigo, os governos estão a impor demasiada austeridade aos cidadãos ao mesmo tempo que fogem dela. Um exemplo muito simples é este: quando há menos dinheiro, qualquer pessoa no seu perfeito juízo, reduz as despesas. Gasta menos, compra menos. Corta nas férias e, sempre que necessário, nas viagens. No entanto, e ao contrário de qualquer cidadão, o que fez o presidente da República? Viajou à Indonésia, Timor e à Austrália. Será que uma viagem com estas características justifica o gasto envolvido? O mesmo se diga sobre as reformas estru-

REDACTOR PRINCIPAL António Ribeiro Ferreira GRANDE REPÓRTER Bruno Faria Lopes EDITORES Rita Tavares Política António Rodrigues Internacional Filipe Morais Sociedade António Ribeiro Ferreira Economia Pedro Fernandes Grafismo António Pedro Santos Fotografia Carlos Monteiro Infografia Tiago Pereira Mais Rui Miguel Tovar Desporto Sonia Peres Pinto Online COORDENADORES Liliana Valente Política Rui Pedro Silva Desporto Vanda Marques Mais Ana Soares Grafismo Rodrigo Cabrita Fotografia REDACÇÃO Ana Tomás, Beatriz Silva, Catarina Correia Rocha, Clara Silva, Cláudia Reis, Diana Garrido, Filipe Paiva Cardoso, Isabel Tavares, Joana Azevedo Viana, Kátia Catulo, Luís Claro, Maria Espírito Santo, Maria Ramos Silva, Margarida Bon de Sousa, Marta Cerqueira, Marta F. Reis, Nelson Pereira, Ricardo Paz Barroso, Rosa Ramos, Rui Catalão, Sandra Almeida Simões, Sara Sanz Pinto, Sílvia Caneco, Solange Sousa Mendes, Sónia Cerdeira REVISÃO Helena Ramos DESIGN GRÁFICO João Paulo Rego, Ricardo Esteves, Ivone Ralha PÓS-PRODUÇÃO DE IMAGEM Fátima Albuquerque, Sérgio Mateus MULTIMÉDIA Daniel Marinho DIRECÇÕES FUNCIONAIS Carlos Galamba Director-Adjunto da Administração Duarte Vicente Director Comercial, Marketing e Distribuição

turais do Estado que ainda não foram feitas. Quantos serviços públicos já foram extintos? Quantos institutos, organismos públicos, cuja actividade não justifica o custo e prejudica os privados na prossecução dos seus negócios, se mantêm em actividade? Todos sabemos que o país não tem capacidade de pagar tantos funcionários públicos que, por muito bons que sejam, não são necessários em tão grande número. A pergunta é: quantos já foram despedidos? Nenhum. Porquê? Porque o governo não tem coragem de se incompatibilizar com quem raramente falha uma eleição, votando. É esta falta de coragem aliada a uma vontade de ter um Estado gastador que permita o exercício de um poder forte a que o detém, que nos quer convencer que só há uma austeridade possível: aquela que é imposta às pessoas. Que nos quer fazer crer existirem apenas duas alternativas: ou mais impostos ou mais Estado. Nunca, entre mais Estado e menos impostos. É este dogma ideológico que faz os nossos políticos defenderem o crescimento, não baseado na redução da despesa pública e, naturalmente, dos impostos, mas no incremento da actividade do Estado. Simplificando: os governantes não querem emagrecer o Estado porque não querem perder poder. Os tempos de crise exigem que questionemos o que nos dizem e o que pretendem de nós. Compreender é melhor que aceitar. Porque no meio da incerteza há muita gente a querer levar a água ao seu moinho. Advogado Escreve ao sábado

Rui Gomes Director de Sistemas de Informação DEPARTAMENTO ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO João Gonçalves Tesouraria e Contabilidade Marta Salgueiro Recursos Humanos servicosadministrativos@ionline.pt DEPARTAMENTO COMERCIAL, MARKETING E PRODUÇÃO Duarte Guerreiro e Sónia Almeida Iara Costa Key Account Ricardo João Assistente de Produção comercial@ionline.pt DEPARTAMENTO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO Eduardo Saraiva e Nuno Rodrigues dsi@ionline.pt CONTACTOS informação. Tagus Park, Edifício Tecnologia I, corpo I, 2740-257 Oeiras Tel: 210 434 000 Fax: 210 434 011 agenda@ionline.pt; correio.leitores@ionline.pt; radar@ionline.pt; zoom@ionline.pt; mais@ionline.pt; desporto@ionline.pt; ASSINATURAS assinaturas@ionline.pt SERVIÇO DE APOIO AO LEITOR Tel: 210 434 000 correio.leitores@ionline.pt

Membro da

IMPRESSÃO Sogapal DISTRIBUIÇÃO Vasp TIRAGEM MÉDIA 27.259 exemplares DEP. LEGAL 293 616/09 REGISTO ERC 125 624

Penas Em Portugal há mais condenações de ‘white collars’ feitas por jornalistas do que por juízes. A ideia de que só há pobres, pilha galinhas e palermas presos faz caminho. Ricos e poderosos passeiam-se calmamente pelas ruas da candura e da inocência – até porque já perderam a noção mais elementar de “vergonha”. A passagem do poder das magistraturas para os média tem sido feita perante a passividade do Estado e com a colaboração activa de legisladores, governantes, advogados, juízes, investigadores e, naturalmente, jornalistas. No tempo tecnológico – nunca foi tão fácil recolher elementos de prova como hoje –, os órgãos de investigação criminal e magistrados foram-se demitindo das suas funções e entregaram a terceiros a possibilidade de sentenciar e executar penas. A própria “pena” mudou de configuração: uma prisão preventiva de 3 meses, meia dúzia de manchetes e a abertura de uns jornais televisivos substituiu a saudosa e irrecorrível “pena de prisão efectiva” do tempo dos nossos pais e avós. Assistimos com frequência à absolvição em última instância e à prescrição de crimes presuntivamente praticados por famosos, mas nunca ouvi falar de recurso interposto por ‘blue collar’ para o Tribunal Constitucional. A justiça mediática impõe-se porque é eficaz e rápida e porque a comunidade começa a interiorizar que o ‘headline’ é suficiente como sanção (e assim se privatizou o poder judicial); a justiça de Estado é burocrática, lenta e injusta. Nenhuma democracia resiste muito tempo a um teste de esforço como este. PS: Recebi um anormal número de reacções ao texto que aqui escrevi na semana passada. Lamento informar que não vou mudar. Consultor de comunicação Escreve ao sábado


CRÓNICAS MODERNAS

FILOSOFIAS

Passos à beira do abismo A semanas de cumprir um ano de liderança no governo, Passos Coelho ficará para sempre associado à sua paralisia em relação ao descontrolo nos serviços de informações

Rui Costa Pinto O primeiro-ministro continua a dar cobertura política a um ministro que mentiu no parlamento e a um alto funcionário que não tem condições nem credibilidade para continuar a liderar as secretas. Ao desistir de assumir uma atitude transparente e firme em relação à nebulosa que invadiu os serviços de informações, Passos Coelho revelou uma enorme falta de sentido de Estado, para a qual, aliás, contribuiu o calculismo político de três cúmplices. O primeiro chama-se Aníbal Cavaco Silva. Quando o Presidente da República considera um dos momentos mais graves da história dos serviços de informações como uma “questão políticopartidária”, então temos de concordar que institucionalmente o país bateu no fundo. O segundo chama-se Paulo Portas. O alheamento público do ministro dos Negócios Estrangeiros contrasta com a sua expedita decisão de contribuir para o afastamento de Bramão Ramos e Heitor Romana do então SIEDM, em 2002, por causa de notícias sobre a vigilância ilegal a personalidades da vida política portuguesa. O terceiro chama-se António José Seguro. A reacção de indignação mole e formal é a melhor prova da má consciência dos socialistas em relação ao que se passou nas secretas nos últimos dois governos de Sócrates. A um par de semanas de cumprir um ano de liderança no governo, Passos Coelho ficará para sempre associado à sua paralisia em relação ao descontrolo nos serviços de informações, que continua a enxovalhar o país. E a procissão ainda vai no adro. Passos Coelho desperdiçou uma grande parte do capital de credibilidade política que lhe tinha permitido marcar a diferença com o seu antecessor, não obstante algumas explicações tão esfor-

çadas quanto pífias, sempre a reboque dos acontecimentos e das notícias. Por isso a governação entrou numa nova fase em que se impõem duas questões: quem pode continuar a acreditar num líder do governo que segura um ministro apesar de todas as evidências? Quem pode continuar a confiar num primeiro-ministro que renova a confiança política no chefe dos serviços de informações e ao mesmo tempo confessa a necessidade de reforçar a sua fiscalização? Quem adia uma urgente reestruturação, para não lhe chamar limpeza geral, até pode dizer que não cedeu a quaisquer pressões, mas corre o risco de ser acusado de não o ter feito por estar condicionado ou por não estar à altura das responsabilidades. De hesitação em hesitação, e contrariamente ao que apregoou em Janeiro de 2011, quando pediu a demissão imediata de Rui Pereira por causa das trapalhadas eleitorais nas presidenciais, o mais grave é que Passos Coelho deu uma machadada num dos pila-

res da democracia: a responsabilidade política dos titulares de cargos públicos. O agravamento da desconfiança dos cidadãos nas instituições é um desastre para Portugal. E não há selecção de futebol, por mais êxitos esperados e desejados, capaz de disfarçar o actual pântano e a enorme descrença que graça pelo país, de norte a sul, da direita à esquerda. Os serviços de informações estão moribundos, interna e externamente. Ou a nebulosa vence, pelo que é de esperar a recusa do direito de defesa aos três arguidos constituídos pelo Ministério Público, ou então Passos Coelho, o primeiro responsável pelos serviços, enfrenta o problema, doa a quem doer, e assume os custos políticos e as consequências de dez meses de gestão desastrada de um escândalo com proporções ainda desconhecidas. O levantamento do segredo de Estado é a última saída para dissipar as dúvidas sobre a actividade das secretas. Escreve ao sábado

Passos desperdiçou credibilidade política

JOSÉ COELHO/LUSA

JOSÉ LUÍS NUNES MARTINS

Padre João Resina Meu grande amigo, Pouco tempo depois da sua morte senti que o meu mundo era mais pobre e que havia passado a depender ainda mais de mim. Não o tendo a si por aqui, foram-me animando as memórias e os princípios que me foi ajudando a moldar. Explicou-me muita Filosofia e alguma Física, ensinou-me o que é importante saber-se da vida e da Vida. Tenho precisado de si. Muito. Nas alturas mais críticas, já não há o seu olhar, conselho ou ajuda. É uma ausência que se faz presente numa espécie de saudade que não o é, porque, no fundo, bem sei que está aqui, sentado junto à fonte por onde penso e sinto. Amanhã, dia 3 de junho, terá a Terra completado a sua segunda volta em torno do Sol depois da sua morte. Amanhã mesmo, tentarei honrá-lo cumprindo o seu insistente pedido: “não tenha medo de ser feliz”. Empenhar-me-ei no limite do que sou capaz para que seja um dia muito especial. Conto oferecer-lho. Sinto-me Obrigado a agradecerlhe pela paciência e sabedoria com que lidou com as minhas centenas de perguntas; pela alegria tão sincera com que acolhia cada pequeno sucesso meu; pela confiança que sempre, mas sempre, depositou em mim e que é, ainda hoje, uma das forças que mais me encorajam a caminhar para diante. Obrigado por gostar de mim. Não consigo evitar que as lágrimas me encham os olhos quando penso em si e estou só. A minha saudade de si é funda. Mas a morte que o levou também me há-de levar a mim, será uma mera questão de tempo até lhe conseguir dar o abraço forte, que tanto, mas tanto, gostava de lhe dar agora... a-Deus, Pe. João. Investigador Escreve ao sábado

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Opiniões

A BICICLETA DE RUSSEL

PONTOS NO I

A Doce e oTouro de Cartago A realidade onde se desenrola esta história é, mais uma vez, uma realidade paralela. Cidades arte nova ou art déco monumental, onde cresce um mal inominável

Luís Januário O grupo belga SNCB anunciou o projecto de abrir em Bruxelas, na estação depósito de Schaerbeek, um Museu dos Caminhos de Ferro. A cenografia foi entregue a François Schuiten, criador de banda desenhada e, com Benoit Peeters, autor da série Cidades Obscuras. Inspirado na locomotiva a vapor 12, uma das seis Tipo 12 Atlântico que rolaram pelos trilhos da Europa desde 1939 até 1962, Schuiten desenha uma narrativa fantástica a que chamou 12, La Douce (1), e que é o ponto de partida para a celebração do transporte a vapor terrestre. A 12, diz a literatura que acompanha o livro, era sofisticada e vanguardista, aerodinâmica e poderosa. Construída por um engenheiro belga, Raoul Notesse, tinha um ar agressivo com uma estreita fenda central separando dois olhos de insecto e uma arrojada carenagem lateral. A grelha da caldeira tinha uma superfície de 3,6 m2, o diâmetro das rodas motrizes era de 2,10 m. Logo nas primeiras viagens bateu um record de velocidade, quando cobriu a distância entre Bruxelas e Ostende a uma velocidade média de 121 kms/h, tendo atingido velocidades de ponta de 165 km/h. Quase cem anos antes, em França, Alfred de Vigny , um poeta melancólico, chamaria à locomotiva o “Touro de Cartago”, uma besta movida pela “inveja dos mercadores” que, obcecados em “chegar mais depressa, nos entregaram a um destino incerto”. E advertia: Nous nous sommes joués à plus fort que nous tous. (2) Em La Douce, o tempo já era outro. No fim da guerra a electricidade substituira o vapor. O cenário é apocalítico, como nas Cidades Obscuras. Os ferroviários são despedidos e sucumbem sem luta. Postes altíssimos estendem cabos de teleférico sobre um país nocturno, onde as águas das barragens sobem, isolam os povoados, sepultam

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um mundo que soçobra. Ainda, cem anos antes, o poeta reacionário: “Está traçado à volta da terra um caminho estreito e triste.” Um homem só persiste. É o velho Van Bel. Os pulmões são uma estátua de carvão, tosse e a sua tosse infiltra todas as páginas. Theu, Theu. É assim que se tosse no francês da BD belga, assim tosse Van Bel nas reuniões com os ferroviários, isolado, marcado a ferro por uma opção energética obsoleta, sem teoria revolucionária nem estratégia alternativa aos planos de reconversão da Companhia Ferroviária. Na prisão para onde é atirado, quando os juízes e os administradores delegados percebem o perigo que lhe brilha nos olhos, no teleférico sobre as águas, na cidade de Altaville inundada, Theu, Theu, a pérola do país, um bidonville percorrido por multidões sem face nem destino. Uau, o velho tem uma aliada. É Elya, a jovem ladra, que seminua , na capa deste livro lindíssimo, olha o horizonte no dorso da Doce.

Um homem só persiste. É o velhoVan Bel. Os pulmões são uma estátua de carvão e a sua tosse infiltra todas as páginas O mundo de Schuiten, em La Douce, é o mundo sem cor de onde deus se tivesse retirado

A realidade onde se desenrola esta história é, mais uma vez, uma realidade paralela. Cidades arte nova ou art déco monumental, onde cresce um mal inominável que ora é a imprevisível expansão de uma figura geométrica, uma doença que atinge o centro do equilíbrio, uma missão impossível, uma inundação. Um mundo distópico, gerido por um poder distante onde os déspotas não se avistam. O mundo de Schuiten, em La Douce, é o mundo sem cor de onde deus se tivesse retirado, num momento em que as multidões não se tivessem disso ainda apercebido. Não há produção, nem troca. Não há alimentação, nem sono. Theu, THEU. É a tosse de Van Bel. Deus levou tudo com ele. Levou os mercadores e os conselhos de administração, urgh, a luz e o frio, o vinho e os juros dos empréstimos salvadores, grrr. Levou o alumínio e o chumbo, os metais nobres arrancados das composições e carruagens, o aço dos rails e das caldeiras. Pode ser preciso material para a construção civil, nesse novo mundo cujo Big Bang em breve soará, onde de novo uma raça de eleitos procurará novos mundos, fará filhos e escravos, construirá torres, escreverá poemas e baladas que glorificarão estes feitos e mais tarde outros poemas, de uma gente diversa, melancólica e vencida. Nessa altura, outra vez (e outra vez o reaça Vigny) Chacun glissera sur sa ligne, Immobile au seul rang que le départ assigne, Plongé dans un calcul silencieux et froid. (3) E talvez, em Schaerbeek, uma jovem mulher puxando pela mão um fogueiro, Theu,Theu!, RRrrr, consigam acordar a Doce para outra viagem.

(1) François Schuiten, La Douce, Casterman (2) Jogamos uma partida acima das nossas possibilidades (3) Cada um deslizará para o seu lugar na fila/ Imóvel na única posição que a partida lhe reserva/mergulhado num cálculo frio e silencioso. Alfred deVigny, Les Destinées. Pediatra Escreve ao sábado

NUNO AMARAL JERÓNIMO

Anatomia de Groo Há vários livros publicados sobre a diferença entre homens e mulheres, mas ainda não tive tempo de ler nenhum porque tenho andado ocupado a escrever sobre eles. Ainda assim, li numa contracapa que os homens não estão geneticamente preparados para as limpezas domésticas. Aparentemente temos uma fraca percepção sensorial para o detalhe. Não é sermos incapazes de limpar. É não conseguirmos ver a sujidade. Um homem só acha que um quarto precisa de ser varrido quando a camada de terra já permite plantar batatas. Esta descoberta é revolucionária. Os homens não são preguiçosos. São apenas cegos. Se houver um párachoques de jipe no chão da sala um tipo só dá conta quando alguém elogia a originalidade da decoração. É assim em casa e na política. “Almoços com quem? Mensagens de quem? Ah! Ainda bem que me avisou! Nem tinha dado conta.” A típica resposta masculina “ahn… hum…” gerou a ideia errada de que os homens têm pouca capacidade de comunicar os seus pensamentos. Nada pode estar mais distante da verdade. Se um homem responde “ahn… hum…” é porque é isso que está a pensar. A crença comum de que um homem não é capaz de expressar sentimentos e de entender situações complexas é totalmente contrariada pela reacção a um fora-de-jogo mal assinalado. Os cérebros masculinos e femininos são diferentes, dizem os estudos. Armazenam diferentes tipos de informação. Os das mulheres guardam quantidades gigantescas de informação complexa sobre séculos de relações humanas. Os dos homens assemelham-se a um arquivo com resumos das jornadas do campeonato e capas da “Playboy”. Mas não somos uns alienados. Embora o zapping consista em mudar de canal de meio em meio segundo, conseguimos parar sempre que as imagens envolvam perseguições, golos ou seios. Assistente da Universidade da Beira Interior


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À ESQUINA DO IMPOSSÍVEL

TIAGO MOTA SARAIVA

“Não quero vingança, quero justiça” 26 DE MAIO Era 1h00 da manhã. Tony

esperava que a sua companheira terminasse a limpeza do café onde trabalha. A polícia chegou. Passados poucos minutos iniciaram-se as agressões. Foi para a esquadra. Às 5h30 foi transportado para o Hospital Garcia de Orta. Tinha líquido nos pulmões, hematomas por todo o corpo e as costelas partidas. À saída do hospital terá dito: “Não quero vingança, quero justiça!” 26 DE MAIO Às 7h00, Benedita Machado

regressava a casa com alguns amigos. No comboio terá sido interpelada para retirar os pés do assento, ordem que cumpriu. Ao sair do comboio, na gare de Oeiras, um dos seus amigos terá começado a ser agredido por agentes. Saiu em sua defesa. De acordo com o seu relato foi arrastada pela gare e espancada na esquadra. 28 DE MAIO Passa-se em plena luz do dia

na R. Morais Soares. Na versão da PSP o cidadão estaria a falar ao telemóvel enquanto conduzia, na versão de testemunhas presenciais, o cidadão estaria a falar ao telemóvel dentro de um carro estacionado. Os primeiros afirmam que o cidadão injuriou o agente, os segundos terão visto o cidadão dirigir-se a um multibanco para pagar a multa afirmando que o ambiente só aqueceu quando o agente se recusou a devolver-lhe os documentos. O que aconteceu de seguida pode ser visto num vídeo que circula pela internet. Um desproporcionado número de agentes chega ao local, retira violentamente uma criança dos braços do pai e detém-no. Tudo isto passou-se em 72 horas, na área da Grande Lisboa, o que torna difícil de sustentar a tese da excepcionalidade. Das duas uma; ou há uma ordem política para que os agentes carreguem na população ao mínimo sinal de protesto ou as esquadras foram tomadas por milícias de extrema direita. Só o ministro Miguel Macedo pode esclarecer esta dúvida.

Escreve ao sábado —2 Junho 2012

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Reportagem

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ZOOM // OS DEUSE DO OLIMPO DEVEM MESMO LOUCOS


ES M ESTAR

O nosso colunista Luís Rainha foi à Grécia descobrir o que dizem os oráculos sobre o futuro de Portugal. A Grécia voltou a ser misteriosamente o berço de uma outra “civilização”: a da falência do programa da troika, seja a culpa de quem for Luís Rainha FOTOGRAFIA John Kolesidis/Reuters TEXTOS

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C

Zoom // Reportagem

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Grécia. E se os deuses não voltam? A Grécia é o oráculo em que todos adivinham o futuro imediato, o país transladado para a aflição dos noticiários LUÍS RAINHA

zoom@ionline.pt Chega-se à Grécia com muitas outras Grécias na bagagem. Levamos a ânsia de conhecer a raiz daquilo que somos, a esperança de ainda apanhar ecos dos gigantes que criaram epopeias, deuses, pedras ilustres e toneladas de mitos. Murmuramos nomes tremendos, clássicos que um dia ainda leremos, heróis que encarnam todas as virtudes que nunca teremos. Atenas vibra logo na toponímia: Acrópole, ágora, Areópago – quando descobrirmos por fim o “z” deste directório sem par, que assombros teremos já habitado? Mas há mais tralha, menos feliz, a pesar-nos à chegada, além das recordações de mármores emigrados à força para as névoas de Londres, supostamente para

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evitar o seu uso como material de construção: os dias da queda. Desembarca-se hoje aqui à procura de um povo a quem os seus deuses viraram as costas, decadente ao ponto de se ver de cócoras, de gamela na mão, de rastos ante a caridade da Europa próspera e desdenhosa. Agora, com este país transladado para a aflição dos nossos noticiários, é de novo a Grécia fantástica, povoada de mitos assustadores, que se agiganta; o oráculo em que todos adivinham o futuro imediato do nosso Portugal. A tragédia que é deles em breve ocupará as vidas desta terra também de respiração suspensa. George Lazarou, de 48 anos, é um vigilante florestal dedicado à prevenção de incêndios e à defesa da fauna da Macedónia Ocidental. Queixa-se da míngua de fundos, europeus e não só, que atasca cada

vez mais projectos já em andamento; acima de tudo deplora a erosão que a crise tem vindo a causar à frágil herança natural grega. Votou no Laos, o partido de extrema-direita que fez parte do anterior governo e agora se viu excluído do parlamento. Mas não se imagina capaz de votar na Aurora Dourada, o partido dos skinheads, pois “a religião é importante para a política, para a noção de pátria”. Este grego macedónio vê o seu país de forma pouco caridosa: “A Grécia é como uma dona de casa que passa a vida a beber. Claro que os vizinhos pensam mal dela. O povo tem culpa, pois votou nos que alimentaram as suas clientelas, a promiscuidade de interesses, a corrupção.” E o futuro também não se lhe apresenta radioso: “Depois das próximas eleições ninguém vai conseguir formar governo. Até um gol-

pe será possível; é pouco provável, mas também quem diria antes que o Syriza teria tantos votos? Esta chantagem, a propósito de reterem a ajuda e pedirem referendos, tem grupos por trás, gente que ganhará ao empurrar a Grécia para a miséria.” Miséria. Eis o programa anunciado desta viagem. A visão de um país inteiro seguindo o exemplo ibérico de Jerez de la Frontera: o colapso do Estado, a caridade como último refúgio de multidões de desempregados, um pesadelo prestes a alastrar por todo o Sul europeu. Da Grécia não vem bom vento: notícias, relatos, boatos, tudo nos fala de um país em dissolução, na indigência mais abjecta, uma nação suicida que, depois de gastar o que tinha e o que não tinha, se prepara para se eximir à expiação esperada, votando em extremistas, em vez de continuar agarrada aos partidos que a levaram até ao abismo. Mas a Grécia também não é só isto. Antes do mais, Salónica. Outras paragens míticas, como Hong Kong ou o Cairo, satisfazem-nos de imediato a sede de exótico, enchendo o olho do turista, que se quer arregalado: as feições, os sons invulgares, tudo é estrangeiro como convém. Mas pouca é a estranheza que nos recebe aqui. Estes homens e mulheres passariam bem por portugueses. Mesmo a sua fala nos sobressalta de quando em vez com sonoridades a modos que familiares. O aeroporto rústico, quase ascético, os profissionais pouco apressados, a sujidade que se vai acumulando pelos cantos... eis-nos em casa.


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Na estrada é impossível não reparar nas construções inacabadas. Grandes, modestas, espampanantes ou recolhidas; todas de tijolo, todas a aguardar soalhos, vidro, tinta, habitantes – dinheiro, em suma. Em diferentes estágios de edificação, o grande bairro de esqueletos é uma imensa necrópole de sonhos interrompidos. No país das memórias pétreas, visitamos assim mais um parque arqueológico de ruínas; não oriundas do passado mas sim do futuro, dos dias prósperos que supostamente aguardavam a Grécia. Até que chegou a crise e o betão deixou de fluir nas veias da nação helénica. Assinalando cada trecho perigoso das rodovias gregas estão outros monumentos à alma única do país: os auto-santuários. De metal ou de pedra, servem para que os sobreviventes de acidentes rodoviários agradeçam aos poderes superiores que os terão salvo. Muitos, talvez por se ter exaurido a gratidão dos miraculados (ou pela sua reincidência no acidente), vão caindo na entropia da ferrugem e do abandono. Mas lá permanecem, estações de uma paixão colectiva no altar da velocidade e do progresso. Devoções de um povo que continua a acreditar no poder das soluções ex-machina, mesmo enquanto se vai esvaindo num ranger de obras paradas e ferros de construção erguidos em vão para o céu, como raízes em busca de alimentos há muito esgotados. Chegamos a Grevena, uma cidade do Noroeste grego com as dimensões físicas e humanas de Trancoso. Um pesadelo urbanístico: impulsionado por leis que

facilitavam a construção, irrompeu aqui um caos de pequenos prédios revestidos de alumínios, tinta escamada e mau gosto generalizado. Na praça central, que rodeia um charco de fundo de cimento azul, quase coberto por uma maré de lixo, muitos adultos fazem companhia aos ranchos de crianças que aqui passam o dia; são o primeiro sinal óbvio do desemprego crescente. Mas Grevena não apresenta sintomas de depressão profunda: bares e restaurantes, nada baratos para os nossos padrões, têm clientela abundante todas as noites da semana. Yorgos Iliopoulos é um biólogo de 42 anos que trabalha na conservação do urso e do lobo no Noroeste da Grécia. Inquirido sobre as notícias de ameaças de sequestro de fundos até à tomada de posse de um governo que se responsabilize pela continuação da austeridade, é peremptório: “Reter parte da ajuda como resposta à nossa crise política é chantagem. Estamos num momento histórico incrivelmente difícil. Não nos empurrem! Reconhecemos as nossas responsabilidades, mas não podem mudar uma situação que demorou dez anos a criar sem causar

O panorama geral das ruas de Atenas será talvez chocante para um alemão, mas não para um lisboeta

milhares de vítimas.” E as urnas parecem-lhe apenas fonte de mais dúvidas: “A maioria dos gregos não sabe o que decidir. Não têm a certeza das causas. Acham que é uma crise europeia. Ainda acham que não vai piorar, quando na realidade vão cair no abismo. Todos querem ficar no euro menos os extremistas. Mas com um novo contrato, sem tantos sacrifícios. O que é consensual é que assim não aguentarão mais.” Os gregos sabem-se escrutinados ao telescópio, vistos como exemplos deploráveis: “Portugal, Irlanda, Itália, Espanha, todos os PIIGS estão tão mal como nós, são é mais obedientes. Mas todos queremos mudar, só não sabemos como. Precisamos de impostos justos, de uma política de esquerda. E, claro, exigimos castigo para os políticos que nos deixaram neste estado.” Crime sem castigo? Já em Atenas o panorama geral nas ruas será talvez chocante para um alemão, mas não para um lisboeta. Toxicodependentes armazenados às claras na Avenida 3 de Setembro; homens e mulheres que remexem em caixotes de lixo; refeições comunitárias a matar a fome de quem ainda há pouco a desconhecia; a louca ocasional que no metro protesta para o vazio, descalça mas ainda agarrada a uma bolsa de marca – de tudo isto os gregos se queixam com variações sobre uma só frase: “Antes não havia disto.” Mas um português que vagueie por esta capital cedo começa a suspeitar que afinal os gregos não estão muito à nossa frente na

01 Uma lua em quarto crescente por cima do Parténon, no topo da Acrópole de Atenas RS

02 As ruas de Atenas, sujas e cheias de graffitis D. R.

03 E ainda mais graffitis, uma marca da civilização grega moderna D. R.

04 Um lisboeta sente-se em casa em Atenas D. R.

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>> continuação da pág. anterior

estrada para o Inferno; mesmo os suicídios quotidianos que não param de se acumular em estatísticas desesperadas parecem ecos de notícias que por cá também lemos. Muito na Grécia, começando pelo estado geral das suas feias cidades, faz-nos rever o Portugal de há dez anos; a enxurrada de fundos que elevou o nível de vida dos gregos não deixou sedimentos visíveis, para lá do verniz mais superficial. Para onde terá ido o dinheiro? Todos já ouvimos o mantra dos seus gastos incomportáveis, do seu elevadíssimo salário mínimo, empurrando-nos para a crença na preguiça endémica do país e a inevitável urgência de mais e mais cortes, até que eles ganhem apenas o que merecem – mesmo que os dados do Employment Outlook da OCDE relativos a 2010 nos provem que os gregos trabalharam em média mais horas que os esforçados cidadãos de países de bom nome na praça, incluindo a Áustria, a Alemanha, o Reino Unido, a Islândia... e até Portugal. Seja como for, em 2009 chegou o choque com a realidade de uma dívida tremenda, camuflada pelo governo de então, com a ajuda de técnicos da Goldman Sachs. Yorgos dá voz ao espanto consensual: “Ninguém sabia da situação grega; esconderam-nos a dívida. A troika veio sem aviso nem consulta. As pessoas querem pagar a dívida, mas não desta maneira.” As imprecações contra muitos culpados ocultos vão da vox populi, certa de que ninguém paga impostos na Grécia, ao empresário hoteleiro de Kalambaka, que nos assevera que a fórmula fiscal mais em voga no seu país é o “2+4+4”: 20% para o Estado, 40% para o próprio e 40% para os inspectores das Finanças. Mas também o “International Herald Tribune” denunciou há dias as culpas dos oligarcas: os super-ricos (começando pelos armadores, tradicionalmente isentos de impostos) que se recusam sequer a financiar as instituições de solidariedade, quanto mais a ajudar o seu governo a lidar com a crise. Sim, os gregos sabem que há milhões dos seus que não conhecem as angústias amargas da crise. Em zonas atenienses como Plaka, há ruas inteiras que se animam todas as noites com álcool a preços de extorsão e música estridente, numa recriação em grande do gosto duvidoso de uma qualquer marina algarvia. Anda por ali dinheiro e boa disposição a rodos. Junto ao bairro estudantil de Exarchia, epicentro de muitos distúrbios recentes, um silo de estacionamento guarda fileiras de Porsches e Mercedes, tesouros made in Germany que não convém deixar na rua – isto apesar de ser rara a motocicleta acautelada com a prevenção de um cadeado. O luxo desconfia e prefere o recato. A insegurança parece omnipresente; pelo menos a abundância de polícias em toda a cidade pode fazer-nos acreditar nisso: de mota, automóvel, autocarro ou a pé, as forças policiais aglutinam-se em ominosos ajuntamentos sem razão aparente. Junto à famosa Praça Syntagma, nem sinal de concentrações sediciosas;

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alguns agentes em motorizadas japonesas reluzentes mantêm debaixo de olho uns poucos turistas que fotografam os passos de ganso da guarda de honra e nada mais. Muita da popularidade da Aurora Dourada ficou a dever-se aos seus serviços de “segurança”, oferecidos como solução às vizinhanças onde os imigrantes são espantalho para todos os medos e bodes expiatórios sempre à mão. De resto, esta organização neonazi recebeu votos que representam castigos para os partidos estabelecidos; literalmente, como admitiu a ateniense Iliana Bousiaki, de 28 anos, licenciada em Ciências Políticas e profissional de comunicação: “Conheço quem tenha votado neles e agora apresente as desculpas mais estúpidas, como quererem que os seus deputados vão para o parlamento bater nos outros. Bater a sério, ao estilo do que vemos acontecer na Coreia.” Exarchia. O enclave estudantil, anarquista, revolucionário. Em 1973, a revol-

05 Um sem-abrigo a dormir nas grelhas de ar do metro, na praça Omnia, uma das mais centrais de Atenas YANNIS BEHRAKIS/REUTERS

06 A sopa dos pobres à porta de uma igreja ortodoxa da capital grega JOHN KOLESIDIS/REUTERS

Muita da popularidade da Aurora Dourada ficou a dever-se aos seus serviços de “segurança” oferecidos às vizinhanças

ta do Politécnico de Atenas começou aqui. Em 2008, o assassinato do activista adolescente Alexandros Grigoropoulos levou ondas de choque destas ruas a todo o país – os dois polícias responsáveis foram entretanto condenados a pesadas penas de prisão. Hoje o bairro é vigiado 24 horas por dia; o governo decidiu mudar para perto do Museu de Arqueologia a sede do Ministério da Cultura, porque, segundo nos diz Andreas, um jovem que trabalha a poucos metros dali como recepcionista num hotel – e que até fala um excelente português, produto de um ano passado no Brasil –, queria uma desculpa para vigiar este bairro, em que os agentes policiais só entram à paisana, talvez receosos das nuvens de canabinóides que compõem 50% da atmosfera local. Os polícias couraçados a montar guarda aos acessos da Praça Exarchia são muito jovens, como a generalidade dos agentes atenienses; basta imaginar o estudante anarquista médio bem escanhoado e lavado para termos o seu negativo: o odiado chui antimotins. “ACAB” — All Cops Are Bastards, eis o mote repetido por mil paredes das redondezas. Em plena rua Boumpoulinas, um destes operacionais de choque, decorado com armas e granadas de gás lacrimogéneo como uma árvore de Natal belicosa, garantenos que não sabe por que motivo ali jaz de atalaia. Ele e os seus camaradas lá ficam, manhã, dia e noite; dir-se-iam sentinelas às portas de Tróia, aguardando hordas invasoras de bárbaros tatuados que talvez nunca apareçam. Algumas ruas acima, no Clube Da Da, todos parecem bastante mais embrenhados em jogos de gamão, copos de cerveja e conversas do que na organização do próximo motim. Os graffiti dão nas vistas como os militantes mais firmes, sempre de guarda às suas esquinas: das máscaras de gás de “Sidron” ao stencil do já famoso dentista Petros, que assina “Mapet”.


As parecenças com a situação portuguesa são mais do que seria conveniente para o nosso conforto. Maria Petridou, uma jovem engenheira agrónoma ateniense, aponta um curioso ângulo morto: “Não me lembro de anedotas sobre a crise. Há sempre anedotas sobre tudo, mas sobre isto não…” Um sentido de humor atordoado, incapaz de se rir da sua própria desgraça, bem à imagem do que se ouve em Portugal: quem replica chistes sobre a crise que nos pode enterrar vivos a todos? Mas os gregos parecem dotados de um optimismo inquebrantável, pelo menos os que mantêm os seus empregos e não são funcionários públicos nem pensionistas; Andreas assevera-nos que a maioria ainda não viu os seus rendimentos afectados pela austeridade. O paralelo com a conhecida fábula do grego Esopo, do miúdo que tantas vezes gritou avisos sobre a presença do lobo que a páginas tantas ninguém acreditava nele, é evidente. Anuncia-se para breve, de novo, a bancarrota do Estado grego, sem dinheiro para mandar cantar o proverbial cego. Parece que desta feita o executivo até já lançou mão dos fundos para reconstrução em caso de catástrofe natural; mas o alarme de catástrofe iminente não basta para assustar a população. A ideia de que “mais uma vez o dinheiro vai aparecer a tempo” impera na rua. Andreas desistiu de ver noticiários na TV. “Parecemos todos envolvidos por uma nuvem de más notícias, de números pessimistas e previsões apocalípticas. Saio de casa todos os dias a perguntar-me: será que logo à noite ainda vou ter emprego?” Isto mesmo sabendo que o seu sector será, pelo menos de acordo com Paul Krugman, uma das bóias de salvação da economia grega uma vez fora do euro, a par da marinha mercante. Yorgos sente a mesma neblina de mau agouro a pairar sobre o seu país: “Sair do euro? Não sei, mas acho que não ia ser bom para a Europa. Para a Grécia talvez não fosse má ideia, mas nunca no meio de uma crise assim. O Syriza não vai querer sair do euro. Mas estas condições são insuportáveis. É preciso mudar.” A Grécia é assim um país dilacerado entre o desejo e o medo da mudança. Entre a busca de redenção e as orações para que afinal o pior não chegue. Entre o negrume dos bas-fonds de Atenas e a electricidade dionisíaca ali mesmo ao lado. Talvez sejam parecidos connosco. Mas muito nos separa dos gregos, pelo menos por enquanto. Em Portugal vamonos encolhendo e esperando que o pior aconteça ao vizinho do lado mas não a nós; deixamos a maçada das manifestações para os comunistas e continuamos a compensar com o nosso voto quem nos trouxe até ao precipício. Há gregos convencidos de que somos “mais obedientes”; talvez por educação, ninguém usou o epíteto que Franco nos lançou há umas décadas: “Cobardes.” Em breve teremos ocasião de ver se eles levam o seu desafio até ao fim; e se nós continuamos de cabeça baixa na rota do matadouro, “custe o que custar”. Pois não consta que os deuses estejam na iminência de regressar ao Olimpo e ao desvelo com os seus filhos caídos.

O urso na armadilha Quando encontrámos o formidável animal já ele jazia anestesiado, com um círculo de biólogos e veterinários a pôr-lhe uma coleira GPS ●●● Calisto terá sido uma ninfa que, alvo dos ciúmes da esposa de Zeus, se viu transformada em urso. Desejosa de manter a sua dignidade, mesmo na desgraça, começou a caminhar erecta, coisa até então nunca vista no reino animal. No entanto, de pouco lhe valeu a penosa habilidade; reduzida a grunhidos, a ninfa não conseguiu evitar a tragédia, vendo-se na mira do seu próprio filho, de flecha assestada em busca mais um troféu para o seu palácio. Ambos acabaram imortalizados, pela piedade de Zeus, em constelações nos nossos céus: a Ursa Maior e a Ursa Menor Como tantos mitos didácticos com origem nestas partes do mundo, este talvez tenha escassa utilidade; mas sempre podemos imaginá-lo com um símile da Grécia actual, condenada a penar num duro equilíbrio entre o desespero e o orgulho no seu genoma milenar. Incapaz de se fazer entender pelos predadores estrangeiros, antes tão amigos. Em Grevena, uma conversa

num bar luminoso e cromado viu-se interrompida pela agitação dos biólogos envolvidos num projecto LIFE para a minimização da mortalidade de ursos nas autoestradas do país. Uma das suas armadilhas acabara de dar sinal; havia ali mais um urso a recensear. Quando encontrámos o formidável animal, entre lameiros e caminhos bem próximos das actividades dos humanos, já ele jazia anestesiado, com um círculo de biólogos e veterinários a por-lhe uma coleira GPS e tatuagens identificativas. O bicho foi pesado e privado de alguns mililitros de sangue, para posterior análise. Os técnicos da ONG Callisto, irrepreensíveis na sua economia de gestos e energias, fizeram daquela massa mais negra do que a noite uma quantidade conhecida, amansando mais um pouco da Natureza, coligindo mais uma presença num mapa, numa folha de excel onde os hábitos selvagens passam a equações e gráficos reluzentes de conhecimento. Pouco depois, o urso foi à sua vida; mas

seguiu mais civilizado, menos ignoto, com número de série e até nome de gente. Um urso de coleira. Selvagem como antes mas já com um lugar na sociedade do saber. Tudo isto ocorreu a um passo dos montes pontilhados a aldeias luminosas, da estrada debruada a embalagens de snacks e bebidas gasosas. Não sei se mais alguém ali sorriu com a ironia. Ao fim e ao cabo, o que quer a “nossa” Europa da Grécia? Ficar descansada, tê-la num qualquer mapa de GPS que lhe dê a ilusão de estar na presença de um ser já “parametrizável”, não mais uma mancha de escuridão e dentes a vogar algures pela noite. Primeiro afagaram-lhe o apetite com mel, depois… deixaram-na cair, derrubada pela astúcia, força bruta da Natureza por fim admitida no mundo dos fenómenos domesticados. Ainda alvitrei que chamassem ao urso agora de coleira “Portugal”. Acho que a sugestão acabou por não ser aceite; mas a metáfora parecia-me excelente. Já não sei bem porquê.

Gregos que sonham com Otelo ●●● Periklis Tzovlas e Spyros

Psaroudas são dois amigos na casa dos 50, unidos por um mestrado feito no Reino Unido. O primeiro coordena programas de preservação da vida selvagem no Norte grego, o segundo é um homem de negócios, dono de várias escolas de formação profissional nos arredores de Atenas. Hoje, irmana-os uma cola nova, que antes não suporiam possível: a aposta em soluções que rompam com o passado, através do voto reiterado no Syriza. Num dos bares que pontuam a animada vida nocturna de Grevena, a conversa flui com a liberdade do whisky: PT — Os partidos que criaram a crise dizem agora que o Estado deve ser diminuído; mas não o apetite das suas clientelas. Estas sondagens que dão a vitória à Nova Democracia e ao PASOK tentam causar medo aos gregos. Os governos, os media, a Alemanha, os interesses... todos orquestrados para que não repitamos o voto.

SP — E talvez consigam. As pessoas têm medo, votaram já contra os culpados; repetirão o voto? A maioria do povo sente-se ligada ao sistema europeu. Mas há uma posição nacionalista; muitos gregos pensam que podem ser independentes e que ficarão melhor. PT — Por outro lado, há gente no Syriza que espera tudo do Estado. Mas como pagar? Aumentando os impostos, claro. Há gente ali a falar em impostos às empresas de 75%. Por agora, pagamos 30% nas empresas e 20% enquanto contribuintes individuais. Mas os serviços que recebemos não correspondem. E eles desistiram de cobrar a sério os impostos, pois dependem da clientela e essa não está interessada em pagar. SP — Seria louco pedir aos gregos que votassem nos responsáveis pela crise… para nos tirar dessa mesma crise. Eles são o problema, não são a solução. PT — Os dois partidos corrom-

pem tudo. O meu filho tem 9 anos e foi a Atenas numa visita escolar. Ao descrever a sua passagem pelo Parlamento, usou um gesto ofensivo, que nunca lhe vira. Não se respeita o Parlamento. SP — As pessoas estão desesperadas, mas ainda há quem esteja a fazer dinheiro com a crise. Há protestos em quatro ou cinco cidades, poucos nas vilas e aldeias. Nas cidades as pessoas passam pior. No campo há mais redes de apoios entre elas. PT — Ainda estamos à espera da nova revolução do Otelo Saraiva de Carvalho (sorrindo), lá em Portugal... SP — Sim; deveria eclodir uma revolta no Sul da Europa. As “praças”, as ocupações, de Espanha aos EUA, começaram diálogos entre os povos, pois as coisas estão a mudar para todos. O que as praças têm em comum é a exigência de accountability; de obrigar os políticos a responder pelas suas acções.

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Nove meses depois, o governo prevê mais 188 mil desempregados em 2013 RAZÕES DE PERDA DE EMPREGO

BRUNO FARIA LOPES

1.º T2012 EM MILHARES DE INDIVÍDUOS

bruno.lopes@ionline.pt

290,3

229,8 1

2

735,9 TOTAL

3 4 5

21,1

12 20,2

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130,1 1. DESPEDIMENTO INDIVIDUAL/COLECTIVO 2. TRABALHO DE DURAÇÃO LIMITADA 3. DOENÇA OU INCAPACIDADE 4. ESTUDO OU FORMAÇÃO 5. OUTRAS RAZÕES PESSOAIS OU FAMILIARES 6. OUTRA RAZÃO FONTE: INE

BOLA DE CRISTAL TURVA PREVISÕES DO GOVERNO DO NÚMERO DE DESEMPREGADOS EM MILHARES DE INDIVÍDUOS 2012

2013

720,6 698,4

803,7 781,5

AGOSTO 2011

MAIO 2012

859,1 886,9

JUNHO 2012

FONTE: GOVERNO

O desemprego aumenta mais do que previsto devido à percepção de que o choque na economia é permanente Revisão tão forte das previsões tem impacto nos números em que se baseia a estratégia orçamental do governo 22

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O ministro das Finanças já tinha admitido a surpresa perante a subida muito rápida do desemprego – ontem vestiu a surpresa com novas previsões. O governo reviu a taxa de desemprego este ano de 14,5% para 15,5% e no próximo de 14,1% para 16%, numa confirmação de que a sangria recorde de postos de trabalho não só será mais forte, mas também mais prolongada do que o previsto. Para se perceber melhor como a magnitude do abalo apanhou o executivo de surpresa basta recuar até Agosto de 2011, data em que Vítor Gaspar apresentou as primeiras previsões: 13% para este ano e 12,6% para 2013. A enorme diferença face às projecções actuais significa que, grosso modo, em nove meses o governo passou a prever mais 139 mil desempregados este ano e mais 188 mil no próximo (tendo em conta a estimativa mais recente para a população activa em Portugal). A revisão comunicada por Vítor Gaspar à saída de uma reunião com associações patronais e sindicais coincidiu com a divulgação por parte do Eurostat de uma nova subida mensal do desemprego em Portugal, para 15,2% em Abril (mais uma décima face a Março), com a taxa para os jovens a saltar para um novo máximo de 36,6%. Portugal tem a terceira maior taxa de desemprego, global e jovem, a seguir à Grécia e a Espanha. A degradação acelerada do desemprego é explicada por um conjunto de factores que tornam esta recessão diferente das anteriores: empregadores e consumidores percebem o ajustamento da economia como sendo permanente (caso fosse temporário, os empresários tenderiam a reter trabalhadores), as empresas estão a ser muito pressionadas em várias frentes (recuo do financiamento, recuo da procura, atrasos nos pagamentos) e a zona euro continua mergulhada em incerteza. A análise das razões da perda do posto de trabalho, dados fornecidos ao i pelo Instituto Nacional de Estatística, confirma o efeito das falências e reestruturações empresariais: nos primeiros três meses do ano, 290 mil pessoas foram alvo de despedimento individual e colectivo (ver gráficos). Os dados mostram também que a sangria laboral está a afectar muito os trabalhadores com vínculos mais frágeis: cerca de 230 mil pessoas entraram no desemprego porque o contrato a prazo não foi renovado. Além do impacto social, uma revisão

tão grande das taxas de desemprego constantes no Documento de Estratégia Orçamental até 2016 sugere que os números em que se baseia a estratégia de contenção do governo estão desactualizados. Por outras palavras, a dificuldade para cumprir os objectivos de Bruxelas e da troika será maior tendo em conta as medidas conhecidas hoje. “Que a revisão tem um impacto nas contas é evidente, desde a despesa com subsídios de desemprego à receita perdida em IRS, IVA ou contribuições sociais”, afirma o economista Miguel Beleza. “A revisão pode significar também um valor diferente, mais baixo, para o Produto Interno Bruto”, acrescenta. APOIO A JOVENS TEM POUCO IMPACTO.

Perante o avolumar inédito de pessoas

sem emprego, o governo pondera algumas medidas de recurso, como o corte da Taxa Social Única suportada pelas empresas, caso contratem jovens. O ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, confirmou ontem que está a estudar a medida (como noticiado pelo “Jornal de Negócios”), aplicada apenas a jovens, no âmbito do programa Impulso Jovem. As medidas terão um impacto limitado no combate ao desemprego global – os jovens têm uma taxa muito alta de desemprego, mas representam menos de um quinto do total oficial de desempregados. O impacto no segmento jovem será sempre positivo, mas há dúvidas quanto à sua expressão. “À partida pode ter um efeito benéfico, porque cria oportunidades de primeiro emprego ou para desempregados há já


Há cada vez mais gente com formação que ninguém quer

Governo revê previsões do desemprego, que subirá para 16% no próximo ano e reage com estudo de corte da TSU para incentivar a contratação de jovens. Mas o impacto real será curto. Citações

“Que a revisão tem um impacto nas contas é evidente, desde a despesa com subsídios de desemprego à receita perdida em IRS, IVA ou contribuições sociais” Miguel Beleza ECONOMISTA

“Tenho defendido que o salário mínimo, que é baixo, tem de ser aumentado mas não levando às empresas uma carga salarial que as mesmas não possam suportar” António Saraiva PRESIDENTE DA CIP

“Os incentivos não podem ser ligados aos baixos salários” João Proença SECRETÁRIO-GERAL DA UGT

algum tempo”, aponta Ricardo Paes Mamede, professor de Economia Política no ISCTE, em Lisboa. “Mas os efeitos serão menores caso não haja mínima estabilidade contratual”, junta. Os jovens entre 15 e 24 anos são o segmento da população activa com maior peso de contratos a prazo, mais de 50%. A combinação entre o peso de vínculos precários e o carácter temporário da medida (que é financiada pela reorientação de fundos comunitários) tipicamente leva os empregadores a contratarem e despedirem para aproveitarem o incentivo, explica ao i um economista que preferiu o anonimato. “Políticas activas de emprego temporárias não funcionam”, comenta. “É como o ditado: pode levar-se o burro à fonte, mas não se pode obrigar a beber”.

Vítor Gaspar crê que o desemprego deixe de crescer só depois de 2013 JOÃO RELVAS/LUSA

“Não aceitamos qualquer redução de taxa social única, porque isso é pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social Arménio Carlos COORDENADOR DA CGTP

Desemprego estrutural duplicou em dez anos. Pressão para compressão dos salários sobe A taxa de desemprego estrutural mais que duplicou em Portugal nos últimos 20 anos, de acordo com as estimativas do governo ontem anunciadas pelo ministro das Finanças, Vítor Gaspar. Falando aos jornalistas no final da reunião com associações sindicais e patronais – marcada para informar os parceiros sobre as novas previsões para o desemprego – o ministro destacou que de cerca de 5,5% da população ativa, em média, na década de 1990, o desemprego estrutural terá aumentado nos últimos anos para “valores na ordem dos 11,5%”. A taxa de desemprego estrutural representa a massa de pessoas sem emprego cujas qualificações estão desajustadas das competências que os empregadores procuram. O desemprego estrutural aumenta, por exemplo, quando um sector entra em declínio tornando desadequadas as competências dos seus trabalhadores – como é o caso da construção em Portugal, que só entre 2010 e o final deste ano deverá empregar menos 350 mil pessoas. Outra explicação para o agravamento em Portugal pode estar na desadequação entre as qualificações em que os jovens investem e as necessidades dos empregadores. A taxa de desemprego estrutural está ligada ao desemprego de longa duração, que afecta em Portugal mais de 50% do número oficial de desempregados. O excesso de oferta de mãode-obra – seja medido pelo desemprego estrutural ou pela taxa global de desemprego – é um dos factores que mais pressiona a formação de salários. Sob este ponto de vista, o aumento do desemprego acaba por ser uma força a favor da descida dos custos laborais, uma tendência já visível nos novos contratos no último ano, cujo valor médio já caiu cerca de 4%. Bruno Faria Lopes, com Lusa

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Zoom // Entrevista

Nos últimos 20 anos a nossa economia registou uma taxa de crescimento médio anual de 1,8%. E entre 2005 e 2010 ela quedou-se pelos 0,3%. Medina Carreira não é optimista na análise de Portugal e critica o governo por explicar mal a crise aos portugueses e não dar mais gás às reformas

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Medina Carreira. O problema de fundo não é o euro mas a desindustrialização MARGARIDA BON DE SOUSA

margarida.bondesousa@email.pt EDUARDO MARTINS (Fotografia)

fotografia@ionline.pt Medina Carreira não gosta de se deixar fotografar mas acedeu ao fim de muita insistência e com a promessa de que a sessão iria durar apenas alguns minutos. O ex-ministro das Finanças de Mário Soares admite que se exercesse hoje o mesmo cargo não faria muito diferente de Vítor Gaspar. Lembra-se que no seu tempo os portugueses também perderem poder de compra, mas como os aumentos eram significativos as pessoas não tinham a noção de que ganhavam menos por causa da inflação. O economista considera que o grande problema da Europa não é o euro mas a desindustrialização e o preço do petróleo. Duas realidades que também afectam os Estados Unidos. Situa as origens da actual crise portuguesa há sete ou oito anos atrás. Pode ser mais explícito? Nos últimos 20 anos a nossa economia registou uma taxa de crescimento médio anual de 1,8%. E entre 2005 e 2010 ela quedou-se nos 0,3%. A tendência geral das duas últimas décadas é decepcionante, mas nos cinco últimos a economia portuguesa afundou-se dramaticamente. Creio que a sua pergunta tem em vista afirmações minhas neste sentido. Com uma taxa de 1,8% e, pior, uma de 0,3%, o nosso nível de vida só pôde manter-se, ou mesmo melhorar, à custa de enormes e insuportáveis endividamentos do Estado, das famílias e das empresas. Foi portanto o recurso ao crédito, para conservar níveis de bem-estar sem correspondência na produção de riqueza, mas também para realizar obras públicas faraónicas, que desencadeou a situação de grande crise que vivemos. A fragilidade económica explica em boa parte o volume do endividamento nacional. E é nesta situação de pré-bancarrota que nos encontramos. Pode explicar porque é que acha que vivemos de uma esmola periódica e ainda por cima a juros... Em termos globais e simplificados, o endividamento externo bruto de Portugal teve uma expansão galopante que se expressa no salto de 342 mil milhões de euros em 2005 para 506 mil milhões em 2010. Qualquer coisa como 33 mil milhões de euros/ano, 90 milhões/dia ou quase 4 milhões/hora! Com uma economia ras-

tejante, como referi, e um tal valor do endividamento externo, os credores perceberam depressa que não poderíamos pagar as nossas dívidas. Surgiu então a troika com a solução das esmolas periódicas, sob condição de bom comportamento e de sujeição a juros elevados. Apesar de tudo, esta foi a solução que evitou a cessação de pagamentos pelo Estado português em 2011. Se fosse ministro das Finanças hoje, faria muito diferente de Vítor Gaspar? No essencial não. A austeridade é inevitável e não é muita nem pouca, apenas aquela que os défices anuais acordados com a troika impõem. Com o acordo que subscrevemos, ninguém poderia agir de modo muito diferente quanto ao grau dessa austeridade: o dinheiro de que dispomos para gastar é apenas o que a troika assegura. Esta sujeição não dispensa o governo de uma explicação simples e entendível pela grande maioria. Na sua

ticas activas de emprego destina-se a anestesiar a sociedade, como há muitos anos se sabe. Será muito longo o tempo que teremos de esperar até que a economia cresça o suficiente para criar empregos em número satisfatório. Não imagino quando chegará esse tempo. A austeridade é imprescindível? E é a solução para a crise? É uma condição necessária mas não suficiente. Existe porque não há dinheiro para que o Estado provoque défices mais altos e gaste mais. E também porque sem ordem nas contas públicas, com dívidas brutais, com impostos selvagens e com juros demolidores, não se investirá em Portugal. Sem se investir na produção de bens exportáveis ou que evitem as importações, o que vamos dizendo destina-se apenas a ludibriar-nos uns aos outros. O congelamento das reformas antecipadas resolve o problema de fundo da Segurança Social? Ou é preciso ir-se muito mais longe? Creio que não passa de um expediente de tesouraria. A sustentabilidade tem muito mais que se diga e exige um trabalho sério, ainda não iniciado. Quer isto dizer que é indispensável uma reforma global do social e não apenas cortes de circunstância aqui e ali. Preocupante é que nenhum responsável político, que se saiba, tenha feito qualquer alusão a esta tarefa, essencial e urgente. E a sucessiva utilização dos fundos de pensões para pagar despesa corrente e amortizar dívida pública, ao invés de a transferirem para a Caixa Geral de Aposentações ou a Segurança Social? São apenas expedientes. É precisa uma reforma. Quanto a isso, e como já disse, deploro a passividade do governo. O problema das políticas sociais será, talvez antes de 2020, explosivo. Na verdade, só a preservação do Estado social – adaptado às novas realidades económicas, financeiras e demográficas – poderá evitar uma situação ainda mais dramática em Portugal. Critica muito os políticos por só olharem para as folhas em vez de para a floresta. Quais são os verdadeiros problemas de Portugal? Tenho para mim como certo que a ori-

“A austeridade é uma condição necessária mas não é uma solução para a crise que Portugal atravessa”

“Sem se investir na produção de bens exportáveis, o que dizemos serve apenas para nos ludibriarmos” “Deploro a passividade do governo na reforma que é preciso fazer na área das políticas sociais” falta, a nossa sociedade interroga-se quanto ao porquê dos sacrifícios a que está a ser submetida. E é legítimo que o faça. Sofrer já é muito duro. Não se saber porque se sofre é de mais. As metas de crescimento do governo adiam para as calendas gregas a criação de emprego. Há outro tipo de resposta? Não são as metas do governo. São as que resultam da situação de penúria e de desorganização a que fomos conduzidos. Não temos acesso ao financiamento externo, não dispomos de poupança que se veja e ninguém no seu perfeito juízo vem investir em Portugal. O melhor que se consegue é vender partes de capital em empresas monopolistas, ou quase, onde o lucro é seguro e muito alto. Sem investimentos novos e adequados não haverá crescimento suficiente nem criação de empregos. O que por aí se diz das polí-

O problema das políticas sociais será explosivo antes de 2020. Se a crise persistir e o governo se limitar a cortar em vez de reformar, tudo pode acontecer em Portugal

gem da presente crise do Ocidente emerge da sua desindustrialização e da dependência energética, com custos crescentes. Foi isso que afundou as economias e foi esse afundamento que motivou os endividamentos já referidos, destinados a evitar uma quebra acentuada do padrão de vida ocidental. Entre nós, sentem-se também os efeitos da incompetência e da irresponsabilidade governativa vigente nos últimos anos. A fragilidade económica ocidental gerou os endividamentos e foram estes que originaram o subprime americano, tanto quanto a chamada crise das dívidas soberanas na Europa. A crise da zona euro surge na sequência desses factos. Sem se enfrentar esta realidade mais ampla, os esforços em curso na Europa do euro, mesmo que bem sucedidos, não evitarão a progressiva decadência do Ocidente. Neste emaranhado de circunstâncias, de que ainda não se fala em Portugal, as árvores são a austeridade, a falta de crescimento e o desemprego. Estão na orla da floresta e por isso são visíveis por todos. Mas a reviravolta do mundo, que é tudo o resto que a liberalização económica provocou, ultrapassa a Europa e o euro, e constitui a verdadeira floresta em que avançamos, desorientados. Na sua opinião, este governo fez ou mediatizou as reformas? Das muito urgentes e decisivas, creio que pouco. Talvez distracção minha! É altamente preocupante a lentidão na execução dessas reformas. E sem explicações públicas para este arrastamento de pés. Concorda com o novo Código do Trabalho ou ainda estamos longe dos nossos mais directos concorrentes, que neste momento são os ex-países de Leste? Há muitos anos que não trabalho nessa área. Tenho por isso dificuldade em me pronunciar acerca da adequação das soluções a introduzir no Código do Trabalho. Nunca escutei uma palavra acerca do ponto de referência que foi escolhido, por isso tenho a convicção de que o método tenderá a falhar. Portugal precisa de atrair investimentos, para o que se impõe escolher medidas competitivas como as adoptadas, nestas e noutras áreas, pelos países europeus que nos têm roubado os investimentos. De facto, se é essencial sermos competitivos em relação ao que produzimos, é indispensável que o sejamos também no que toca ao que se investe. Trata-se de uma consequência inexorável do funcionamento continua na página seguinte >>

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Zoom // Entrevista

Se se mantiverem as tendências da subida do petróleo e da deslocalização da indústria para o Oriente, a decadência do euro e da Europa será rápida e irreversível”, considera Medina Carreira

>> continuação da página anterior

dos mercados abertos. Se o governo não está a proceder assim, comparativamente com o que se passa na Europa Central e do Leste, de pouco servirão as reformas que estão a ser estudadas. Repito: falamos de reformas sem as quais não teremos um crescimento razoável e continuado, susceptível de combater o desemprego. Como vê a actual crise da Europa? Já mencionei há pouco as causas situadas fora da Europa. Pela sua importância decisiva, volto a sublinhar que são, primeiro, a instalação das indústrias transformadoras nos países de mão-de-obra muito barata, em geral no Oriente; segundo, os custos crescentes do petróleo. Por isso ficaram connosco: o desemprego industrial, que não diminui; os empregos mal pagos nos serviços pouco qualificados; a obrigatoriedade de importar o que antes produzíamos e agora já não produzimos, provocando desequilíbrios, que não existiam, nas nossas balanças comerciais; a cada vez mais pesada factura do petróleo. São estas as causas essenciais do afundamento das nossas economias. Iludimos esta realidade com os “endividamentos” destinados a manter um nível de bem-estar que já não estava, nem está, ao alcance do que produzimos. As sociedades desta parte do mundo estão a ser enganadas, todos os dias, por um número excessivo de irresponsáveis. A actual crise é mais política ou mais económica? É económica na sua génese e política pela incapacidade de correcto diagnóstico dos estados. E sem um diagnóstico acertado não haverá políticas adequadas. E que papel tem a Alemanha neste contexto? Como vê a actuação da senhora Merkel? A Alemanha também sofre as consequências. Atenuadamente, porque as suas indústrias de exportação ainda não fugiram e porque se aproveita muito dos países vizinhos aos quais compra o que ali se produz muito mais barato. A Alemanha também beneficia muito da credibilidade da sua economia e da sua organização, pelo que se financia a taxas de juros impensáveis para os outros países. Além de tudo isso cuida com muito rigor da sua competitividade, com políticas salariais muito contidas. Porém, que ninguém se engane: a economia da Alemanha também rasteja, a um ritmo médio

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anual, entre 2000 e 2010, de 0,9%. Nós, portugueses, registámos 0,7%! Ainda há diferenças entre uma governação de esquerda e de direita no actual contexto da zona euro? Cada vez menos. Entenda-se que aos estados da actual zona euro foram sendo subtraídos poderes de intervenção económica de relevância decisiva, relativos às tarifas aduaneiras, à emissão de moeda e à definição da sua quantidade em circulação, à fixação das taxas de juros, às taxas de câmbios, à fixação autónoma dos défices orçamentais e ao controlo da circulação de capitais. Impõe-se ainda recordar os efeitos da internacionalização económica, que permite que as empresas se movam no âmbito global, ficando a soberania dos estados amarrada dentro dos seus territórios. Há também o afundamento das economias desde há 30 anos. A considerar, igualmente, o envelhecimento demográfico, só por si inviabilizador das políticas sociais tais como foram instituídas. Tudo isto condiciona decisivamente a prática de políticas económicas mais à esquerda ou menos à direita, como aliás se verifica em toda a Europa. A social-democracia está confinada ao pretenso monopólio da sensibilidade social, que não passa de um discurso vazio. O sindicalismo tornou-se ineficaz porque não vale a pena reivindicar, face a falidos, como estão hoje o patronato e também o Estado. Vivemos assim num mundo novo em que os modelos de há 30 anos já não cabem e só são defendidos por alguns distraídos que se recusam a abrir os olhos e a descortinar a realidade que os cerca. Quando era ministro as pessoas não reivindicavam como hoje quando os salários desvalorizavam? É certo que não havia cortes como agora mas a

“A Alemanha também sofre as consequências. Atenuadamente, porque as suas indústrias ainda não fugiram” “Temo que a Grécia esteja a caminhar para um regime totalitário. As pessoas gostam de segurança”

inflação absorvia os aumentos provocando cortes muito maiores que os actuais... Não havia uma noção rigorosa do fenómeno. A grande massa não tinha a noção da erosão provocada pela inflação. Ou seja, os salários cresciam por hipótese 15% com uma inflação de 25%, o aumento nominal criava a ilusão de que estavam a ganhar mais. Em seis meses, um ano, a crise passava. Hoje não há nada disso. A capacidade de adaptação às novas circunstâncias é muito mais difícil hoje. Os mercados são mundiais e as nossas leis são locais. Há mais de duas décadas que se fala do declínio dos Estados Unidos e da emergência da China. Afinal quem está a ir ao fundo é a Europa. Porquê? Nos últimos dez anos – de 2001 em diante – todas as economias desenvolvidas do Ocidente registaram desacelerações muito acentuadas, na zona euro como nos Estados Unidos. Compreende-se. Foi neste período que as deslocalizações e os investimentos industriais directos procuraram o Oriente, com saliência para

a China. Foi nesse tempo também que os preços do petróleo mais subiram e mais altos se mantiveram. Estes factos explicam muito, a meu ver, as crises dos endividamentos, que nos trouxeram até à dificílima situação actual. Se se mantiverem estas tendências, a decadência do euro e da Europa será rápida e irreversível. Não receia que o fim do Estado social, tal como ele é hoje percepcionado pelos europeus, e o desemprego abram caminho à extrema-direita na Europa? Se nada for feito, ajustando o regime do Estado social às novas realidades financeiras, económicas e demográficas, são previsíveis rupturas sociais com consequências inimagináveis. É por pensar assim que há muito tempo insisto na necessidade, absoluta e urgente, da reforma do Estado social. De outro modo, poderemos ter o caos e a desordem no nosso país. A democracia está em perigo? Se a crise que atravessamos persistir e o governo se limitar à política dos cor-


tes, em vez de à reforma do Estado social, tudo poderá acontecer. Como vê a França depois da vitória de François Hollande? Vive-se um tempo de fantasia, agora animado pelo novo presidente francês. Só por cegueira ou por estupidez se pode pensar que há quem não queira o crescimento e o emprego. Para tanto é porém essencial criar fontes de financiamento e definir o destino dos meios conseguidos, em termos de assegurar o êxito da sua aplicação. Quanto ao primeiro problema levanta-se a dificuldade da sua obtenção: a palavra alemã, que é fundamental, não vai ser favorável a esquemas de facilidade – como o dos eurobonds – porque o eleitorado não estará disposto a suportar os riscos e encargos, conhecida que é a irresponsabilidade na gestão dos dinheiros públicos, em alguns países. Quanto ao segundo problema, fala-se em aplicar o dinheiro em infraestruturas, em energias verdes, em grandes projectos, etc... Nós, portugueses, sabemos muito bem o que é tudo isto, através da pré-bancarrota e da desgra-

çada situação para que nos arrastaram. Vítimas do excesso do endividamento e da má aplicação dos dinheiros, iremos repetir a solução que nos desgraçou? A receita dos impostos indirectos agravou a tendência de queda em Abril e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental já alertou para um buraco potencial de 800 milhões de euros na

Do Conselho de Finanças Públicas espero apenas, e é muito, a apresentação de números rigorosos Os eurobonds só podem avançar depois de haver rigor orçamental em todos os estados da moeda única

receita no final do ano (0,5 pontos do PIB). À medida que for percebendo que a meta do défice orçamental está em risco o governo deve lançar mais medidas ou procurar tolerância por parte da troika? O governo tem afirmado que só se falharmos por razões que nos sejam estranhas se promoverá uma alteração das condições da troika. Aliás, como também o disse o ministro das Finanças alemão. Creio que o assunto está esclarecido. O Conselho para as Finanças Públicas alertou para a continuação de erros clássicos no processo orçamental: dependência de medidas transitórias e de cortes cegos na despesa, cortes excessivos no investimento público e previsões futuras demasiado optimistas. O que lhe parece a qualidade do ajustamento orçamental português? Poderia ser outra dada a urgência da situação? Desse Conselho espero apenas, e é muito, a apresentação de números rigorosos e completos.

Como vê as próximas eleições na Grécia? A situação na Grécia é muito complexa. Não possuímos elementos que nos permitam discernir com muita segurança a respeito da evolução no país. Pessoalmente temo que esteja a caminhar para um regime autoritário. Se houver um colapso financeiro, não é de excluir que surjam problemas de rua. Quando é assim, os países temem em entregar-se a alguém que de volta tranquilidade. E vê o país a sair do euro? Alguma Europa, a que tem dinheiro, começa a cansar-se do problema grego. Já houve dois acordos de assistência e não se vê as necessidades gregas chegarem ao fim. Não se percebe o que está feito ou não está. Sabe-se que precisa de dinheiro todos os dias. Se a Grécia tem o direito de democraticamente escolher o seu próprio rumo, é preciso perceber também que os países ricos também podem democraticamente fazer as suas opções. E a situação em Espanha? A Europa rica vai fazer tudo para evitar problemas muito grandes na Espanha. Primeiro, porque não se encontra em estado de desagregação política e social como a Grécia. Segundo, porque a Espanha tem um peso na Europa em relação ao qual não deve haver descuidos. Qualquer dos países que se encontram em grave crise precisa de financiamentos, que naturalmente passam pelo sistema bancário. E esses financiamentos que muitos querem que se faça pelos eurobonds dificilmente avançarão. Por um lado, os países que se financiam a baixos juros, como a Alemanha. Pela via dos eurobonds, irão sofrer um agravamento das taxas de juro. Por outro lado porque se os países necessitados vierem a falhar os seus compromissos serão os países ricos a suportar as dívidas destes. Tudo isto leva a crer que os eleitorados europeus vejam com maus olhos essa figura dos eurobonds. Creio que só serão viáveis quando os países necessitados se submeterem a uma disciplina financeira que não deixe receio aos países do centro da Europa que vão ter de pagar ainda mais pelo não cumprimento das regras por alguns estados-membros. Ou seja, primeiro a disciplina e depois os eurobonds. É essa a posição implícita da Alemanha... Sim. Se põem dinheiro a circular sem se instalar uma rigorosa disciplina financeira na Europa, num prazo muito curto corre-se o risco de voltarmos ao ponto de partida.

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Zoom // Crédito à habitação

Soluções para a dívida das famílias. O que une e o que divide os partidos

Antes doVerão, os partidos querem acertar as medidas para a renegociação da dívida privada. E se no geral todos estão de acordo, nos detalhes dividem-se. Da direita à esquerda todos querem obrigar a banca a renegociar contratos e a aceitar casas como pagamento da dívida, mas os partidos da maioria são mais contidos na concessão de perdões de dívida e moratórias LILIANA VALENTE

liliana.valente@ionline.pt

Regime especial. Quem pode aceder?

Banca obrigada a renegociar

Moratórias e perdões de dívida

Devolver casa para pagar empréstimo

●●● Todos os partidos querem criar

●●● A renegociação dos contratos de

um regime especial para famílias em maiores dificuldades, mas os desentendimentos começam logo no início: o que é uma família em dificuldades? Durante quanto tempo dura este regime de excepção? Numa ideia todos concordam: podem recorrer a este regime os agregados familiares que tenham sofrido uma quebra acentuada do rendimento ou em que pelo menos um dos membros esteja desempregado. Já não se entendem quanto à taxa de esforço que cada família pode suportar, ou seja, quanto pesa o crédito nos rendimentos totais. BE, PS e PCP propõem que as famílias (sem dependentes) que vejam a prestação da casa consumir 50% do rendimento sejam incluídas no regime especial; já o PSD aumenta para os 55% a taxa de esforço a partir da qual as famílias podem entrar no regime, o que reduz o leque de beneficiários. Os partidos criam, no entanto, taxas diferenciadas para quem tem pessoas a cargo: o PSD quer 50% para um dependente e 45% para dois e o PS sugere 40% para dois dependentes e 45% para um. O BE não define taxa de esforço, o PCP cria uma de 40% para todas as famílias com dependentes e o CDS não especifica, apenas determina que acede ao regime especial quem tenha uma taxa de esforço entre 40% e 50%. Os partidos da maioria são mais moderados que a oposição quanto ao valor de um crédito à habitação que possa ser candidato a renegociação. Para os sociais-democratas, o empréstimo não pode ser superior a 175 mil euros, para os centristas o limite é 100 mil. O PCP quer 200 mil e o PS 300 mil. Nenhum partido fez propostas iguais quanto ao período de vigência. O BE nada diz e o PS cola a proposta ao período de vigência da ajuda externa (meados de 2014). Já o PSD e o CDS estabelecem o final de 2015 como o tempo máximo. Os comunistas vão mais longe e pedem um período de vigência de cinco anos.

crédito à habitação foi o ponto de encontro entre todas as propostas. Tudo começou com um projecto do Bloco de Esquerda, em Março, a que se juntaram os restantes partidos. Todos pretendem chamar a banca a partilhar o esforço das famílias, obrigando-a a renegociar os contratos para que concedam mais tempo a quem tenha um orçamento apertado e cumpra os critérios de acesso ao regime excepcional. A renegociação (ou reestruturação da dívida) é o primeiro passo para evitar o incumprimento. E aquele que os partidos querem que seja obrigatório. O PSD e o CDS propõem como medidas, por exemplo, um alargamento do prazo do empréstimo, no máximo até aos 75 anos do devedor. Os centristas acrescentam ainda uma redução do spread durante o período de vigência do regime excepcional, o que implicaria também uma redução do valor do empréstimo. Os comunistas também pretendem que seja dado mais tempo às famílias, mas não especificam quanto. Para evitar ainda mais casos de incumprimento, todos os partidos defendem que os bancos não agravem as condições dos créditos à habitação sempre que haja renegociações dos contratos por divórcio ou viuvez. Nestes casos, os partidos querem que a banca não possa aumentar o spread do empréstimo. O PSD acrescenta a este ponto os casos em que haja renegociação para arrendamento. Ou seja, uma família que tenha de mudar de casa e queira arrendar a habitação sujeita ao crédito não pode ver as condições do empréstimo serem agravadas. Estas medidas podem ser adoptadas pelos bancos para a reestruturação da dívida todas juntas ou separadamente, dependendo da negociação do devedor com a sua instituição bancária.

●●● Para os casos graves, os partidos sugerem várias medidas para evitar o incumprimento das famílias. Numa primeira fase, propõem períodos de carência de pagamento, mas, caso as situações se agravem, os bancos podem optar por perdoar parte da dívida (o que é negociado entre a instituição e o devedor). E é aqui que se notam as maiores diferenças entre a esquerda e a direita. Se o PSD cria a possibilidade de as famílias estarem até ano e meio sem pagar a prestação da casa, o PCP e o BE pedem uma moratória total do pagamento durante dois anos. Já se a banca optar por uma redução parcial da prestação, PSD, CDS e PCP estão de acordo num período de carência máximo até 48 meses (quatro anos), mas desentendem-se quanto à percentagem de redução mínima da prestação a aplicar. O CDS propõe a partir de 30% de redução da prestação mensal, o PCP quer a partir de 50%. Depois da carência total ou parcial, é consensual que o devedor possa retomar o pagamento das prestações sem ver agravadas as condições do seu crédito à habitação. Para os casos em que o problema se mantenha, os bancos podem optar por perdões parciais de dívida. Os dois partidos que especificam esta modalidade, PSD e PCP, estabelecem um perdão até 25%, mas dividem-se quanto à obrigatoriedade de a banca adoptar este regime. Os sociais-democratas defendem que esta medida seja complementar e opcional para os bancos; já os comunistas querem que seja obrigatória para casos mais graves. Diz o projecto do PCP que o banco é obrigado a perdoar parte da dívida sempre que tenham falhado as medidas de renegociação e o agregado familiar continue em dificuldades – ou seja, continue com uma taxa de esforço de 60% no crédito à habitação, tenha amortizado 75% do capital e não tenha rendimentos acima de 25 mil euros por ano.

●●● O cenário da devolução da casa aos bancos para saldar a dívida é o que os partidos querem evitar, mas nos casos mais graves, em que as famílias deixam de ter hipótese de cumprir com os pagamentos das prestações, são criadas condições para que o banco seja obrigado a receber a casa como pagamento do empréstimo (dação). Mas não para todos. Esta solução é gerida com pinças pelos partidos da maioria, que limitam a opção a situações muito graves. Os sociais-democratas só incluem nesta possibilidade as casas com valor até 250 mil euros e, tal como os centristas, aplicam a medida aos casos em que a soma do valor da avaliação da casa e do valor já pago pelo devedor seja igual ou superior ao empréstimo pedido ao banco. Mesmo assim, tanto o PSD como o CDS vão mais longe que os socialistas, que limitam a aplicação desta medida pela situação económica da família e pela taxa de esforço do crédito no rendimento mensal do agregado familiar. Também propõem um valor máximo da casa mais baixo: 200 mil euros. O PS aproximou-se da solução já prevista em Espanha, em que a entidade bancária é obrigada a aceitar a casa como pagamento, desde que o valor da habitação no momento do incumprimento seja superior a 60% do capital em dívida. Os partidos da esquerda, PCP e BE, vão mais longe e querem que a casa seja sempre a garantia do empréstimo, ou seja, que em casos de incumprimento, independentemente do valor da habitação, esta possa ser devolvida e o devedor fique livre de encargos. PSD, CDS e PCP criam ainda a possibilidade de estas famílias permanecerem na casa com contratos de arrendamento. Os bancos ficam com as casas e propõem, durante um certo período, um contrato de arrendamento com um valor mais baixo que o da prestação.

A taxa de esforço das famílias e o valor total do empréstimo pedido ao banco são principais critérios 28

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PSD e CDS querem alargar prazo para pagamento dos empréstimos até aos 75 anos do devedor.

Até quanto se deve perdoar a dívida de uma família? É aqui que mais se dividem esquerda e direita

250

mil euros. Os bancos podem não aceitar como dação casas com valor superior, na proposta do PSD.


“É evidente que os bancos não se vão tornar imobiliárias”, diz CDS

PCP e CDS apresentaram ontem propostas para famílias com dificuldades no crédito à habitação O CDS confia que o sector bancário vá acolher favoravelmente as suas propostas para resolver as situações de incumprimento do crédito à habitação. Já o PCP diz que o ponto central do debate é a criação de regras que não dependam da aceitação da banca. Ontem foram apresentadas as duas soluções políticas que faltavam para esta questão. O líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, mostrou-se receptivo a aprovar outras propostas que “não ponham em causa o acesso ao crédito”. Adolfo Mesquita Nunes, autor do projecto, afirmou: “Medimos bem cada palavra das propostas.” O resultado, segundo o deputado do CDS, é “promover a conciliação entre a banca e aqueles que estão em pré-incumprimento dos créditos”, revelando que as propostas tiveram o acompanhamento “de um grupo de trabalho que incluiu a banca”. De acordo com Nuno Magalhães, “a banca não se vai transformar numa imobiliária”. Já o PCP quer ver as suas propostas aplicadas sem negociação prévia com a banca. Bernardino Soares, líder parlamentar dos comunistas, lembrou que “as famílias não acorreram ao crédito em massa por acaso”, concluindo que “não é verdade

que tenham sido irresponsáveis”. Bernardino Soares explicou que, caso os bancos concordassem, “já teriam aplicado muitas das medidas apresentadas”. EM DETALHE O CDS propõe um regime extraordinário da reestruturação da dívida em que os spreads não sejam agravados. Para tal, terá de haver um desempregado no casal. Outra das propostas é a criação de um sistema de acompanhamento do crédito em que credor e devedor se reúnam para discutir alternativas, sem que daí advenham mais comissões ou se agravem as condições do empréstimo. Para os centristas, se não houver acordo entre credor e devedor ou o devedor falhe quatro prestações acordadas, o empréstimo acaba, com a entrega da casa. Também o PCP quer que seja o banco a apresentar um plano de reestruturação da dívida. E com um período de carência de quatro anos, que inclua a redução dos juros. Se a dívida ao banco estiver nas prestações finais, o PCP quer o perdão parcial. E defende a proibição das penhoras por falta de pagamento do IMI (imposto municipal sobre imóveis) ou por incumprimento de outros créditos de valor inferior. Ricardo Paz Barroso

Nuno André Ferreira/Lusa

D. R.

Nos primeiros três meses do ano, 98 famílias por dia entraram em incumprimento

Adolfo Mesquita Nunes foi o autor do projecto do CDS —2 Junho 2012

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Zoom // Trabalho

Ministério diz que irregularidade foi detectada numa auditoria interna

MÁRIO CRUZ/LUSA

Segurança Social. Funcionários obrigados a devolver dinheiro de horas extra desde 2007 Na semana passada foram notificados 233 trabalhadores, que vão ter de devolver dinheiro por causa de um erro do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social LILIANA VALENTE

liliana.valente@ionline.pt Durante três anos, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagou acima da tabela aos seus trabalhadores por cada hora extraordinária feita aos sábados. As irregularidades registaram--se desde 2007 e agora pelo menos os 233 trabalhadores do instituto foram notificados e vão ter de devolver o dinheiro pago a mais. Os funcionários receberam as notificações na última semana, por carta registada, juntamente com o recibo de ordenado. E se há casos em que os valores em causa são de poucas dezenas de euros, há outros em que ultrapassam as centenas. “Há situações complicadas”, explicou ao i um dos trabalhadores, que preferiu o anonimato.

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A história começou com uma auditoria da Inspecção-Geral do Ministério da Solidariedade e Segurança Social realizada em Janeiro, confirmou ao i o gabinete do ministro Pedro Mota Soares. O relatório da inspecção concluiu que houve dois tipos de irregularidades nos pagamentos das horas extraordinárias por trabalho aos sábados, entre Março de 2007 e Abril de 2010, cometidas pelo instituto que gere o dinheiro e as aplicações da Segurança Social. O organismo utilizou as tabelas remuneratórias antigas, que entretanto tinham sido congeladas, para calcular o valor por hora extra. Foi “entendido que não foi dado cumprimento ao disposto na Lei 43/2005, de 29 de Agosto”, ou seja, ao “congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os fun-

O instituto que gere as verbas da Segurança Social fez mal as contas ao valor das horas extra a pagar aos funcionários Trabalhadores vão ter de devolver o dinheiro que foi pago a mais de uma só vez ou em várias prestações

cionários, agentes e demais servidores do Estado”, explica o Ministério da Segurança Social. Além desta irregularidade, a inspecção detectou que os serviços incluíram ainda nos cálculos do valor por hora o suplemento da isenção de horário, o que fez aumentar ainda mais o dinheiro a pagar. Apesar de a decisão de seguir esta fórmula de cálculo ter sido tomada pela direcção do instituto, agora são os trabalhadores que vão ter de devolver o dinheiro: “Não vão ser responsabilizados. Passaram a bola aos colaboradores”, explica o mesmo funcionário. Os trabalhadores não tomaram a decisão de avançar com um processo na justiça, apesar de acreditarem que a direcção do instituto tem de ser responsabilizada pelo sucedido. Questionado pelo i sobre a situação, o Ministério da Solidariedade e da Segurança Social confirmou que terão de ser os trabalhadores a devolver o dinheiro, mas não especificou qual o montante global em causa. “Todos os funcionários do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social abrangidos por esta disposição podem, caso o solicitem, efectuar a reposição dos valores respectivos através de pagamentos prestacionais, tal como definido por lei”, explica o ministério. Alguns dos funcionários, apurou o i, receberam notificações em que era pedida a devolução apenas de uma vez, ou em duas prestações. Os casos mais graves podem agora recorrer a mais de duas prestações.


Príncipes das Astúrias

Felipe de Borbón y Grécia. “Espanhóis e portugueses precisam uns dos outros”

O sucessor de Juan Carlos acredita que Espanha conseguirá sair da crise e FMI garante que não existe qualquer plano de contingência SARA SANZ PINTO

sara.pinto@ionline.pt Numa altura em que se diz que o Fundo Monetário Internacional (FMI) está a estudar um empréstimo de emergência a Espanha – caso o governo de Mariano Rajoy não consiga salvar, com 19 mil milhões de euros, o Bankia, terceiro maior banco do país –, Felipe de Borbón y Grécia afirmou, em Lisboa, que os dois países devem aproveitar “as oportunidades de entendimento e cooperação, assim como delinear uma estratégia comum para se aproximarem”. Na quinta-feira o “Wall Street Journal” (WSJ) avançou, citando fontes do FMI, que o resgate a Espanha poderá atingir os 300 milhões de euros, embora os valores fiquem mais claros após a “revisão da economia espanhola”, que começará

segunda-feira. “Alguns dizem que um resgate a Espanha é inconcebível, mas também é inconcebível não fazermos preparações para este caso”, explicou ainda uma das fontes ao WSJ, sublinhando que é frequente a elaboração de planos de contingência nestas circunstâncias. Pouco tempo depois, Christine Lagarde, directora-geral da instituição, desmentia a notícia. “Esse plano não existe. Não recebemos qualquer pedido nesse sentido e não estamos a trabalhar em relação a qualquer apoio financeiro”, disse, citada num comunicado do FMI, depois de se ter reunido com a vice-presidente do governo espanhol, Soraya Saénz de Santamaría. No entanto, segundo as mesmas fontes, foram elaborados planos semelhantes para países como Portugal e Grécia, antes de o pedido de resgate ter sido oficializado. O

mesmo pode estar a acontecer com Itália. No dia em que a notícia do WSJ deixou a zona euro ainda mais ansiosa, o futuro herdeiro da coroa espanhola (também ela fragilizada pelas recentes polémicas) pediu, no encontro na residência do embaixador em Lisboa, união para os tempos que se avizinham. “Devemos pôr de lado o fatalismo e o derrotismo para enfrentar com coragem, com determinação e com agilidade os desafios do momento e abordar os problemas com inteligência e o olhar em direcção ao futuro”, afirmou Felipe de Borbón. “Não me resta a menor dúvida de que seremos capazes de superar os obstáculos do momento presente. Nas piores horas e nos maiores apuros em que já estivemos, portugueses e espanhóis sempre souberam encontrar uma saída”, acrescentou ainda.

Mais tarde, durante o banquete oferecido por Cavaco Silva no Palácio de Queluz, o príncipe falou no estreitamento das relações entre Portugal e Espanha nos últimos anos, reconhecendo que ainda existe muito “por fazer”. “Espanhóis e portugueses precisam uns dos outros. Espanha deseja um Portugal próspero, que enfrente o futuro com confiança, da mesma maneira que Portugal gosta de uma Espanha próxima e forte”, sublinhou, acrescentando que “a dimensão ibérica dará às duas nações mais força e maior capacidade perante um futuro complexo” ao desafio que têm pela frente. Com Espanha a liderar com 24,3% a taxa de desemprego na zona euro no mês de Abril, segundo dados divulgados ontem pelo Eurostat, o sucessor do rei Juan Carlos sublinhou ainda que o aprofundamento das relações entre portugueses e espanhóis nas últimas décadas permitiu “romper com muitos estereótipos” e descobrir que os problemas e as necessidades são semelhantes. Sem esconder a gravidade da situação, o ministro espanhol da Economia, Luis de Guindos, afirmou que a notícia avançada pelo WSJ não passa de mais um “rumor sem sentido”. “O futuro do euro vai ser jogado nas próximas semanas em Itália e em Espanha”, explicou, acrescentando estar confiante que “nos próximos dias ou semanas” será criado um mecanismo para injectar dinheiro nos bancos da zona euro. Alvo de grande cobertura mediática, a visita de três dias dos príncipes das Astúrias terminou ontem com um encontro com empresários portugueses e espanhóis, um almoço com o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e a entrega do prémio Europa Nostra, no Mosteiro dos Jerónimos.

Citações

“O futuro do euro vai ser jogado nas próximas semanas em Itália e Espanha” Luis de Guindos MINISTRO ESPANHOL DA ECONOMIA

“Espanha deseja um Portugal próspero que enfrente o futuro com confiança, da mesma maneira que Portugal gosta de uma Espanha próxima e forte” Felipe de Borbón y Grécia HERDEIRO DA COROA ESPANHOLA

O sucessor de Juan Carlos com a mulher, Letizia Ortiz Rocasolano, e Pedro Passos Coelho

TIAGO PETINGA/LUSA

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Zoom // Lazer

Quiz

Saiba se é aficionado de mão-cheia Expressões tauromáquicas 1. Investidura formal de um cavaleiro praticante (aprendiz) a cavaleiro profissional. Uma cerimónia cheia de significado, marcada pela tradição.

5. Pega feita por dois forcados em que um se agarra ao dorso do touro e o outro ao rabo do animal. Cernelha

Alternativa

Rabejada

Apartado

Meia-pega

Andarilho 6. Chapéu do cavaleiro. 2. Passe com capa, assim denominado por esta ser segurada com as duas mãos, da forma como aparece nas imagens religiosas a santa que lhe dá nome. Mónica Verónica Guadalupe

Fedora Borsalino Tricórnio

7. Somatório do trabalho executado pelo cavaleiro. No campo refere-se também a qualquer trabalho executado na criação de touros. Faena

3. Atrair a atenção do touro para provocar a investida.

Fiesta Faina

Citar Gritar Chamar

4. Esconderijo – tábuas ligeiramente adiantadas – destinado aos toureiros, para estes saírem ou voltarem à arena sem saltar a trincheira. Chulo

8. Instrumento de pano vermelho com forma de coração dobrado ou enrolado num pau com ponta de aço aguçada e paga com entalhes na larga.

Algumas praças de touros estão a ser fechadas e transformadas

Corridas de toiros. Pegar a economia pelos cornos

Mozo Muleta Bandarilha

O negócio das touradas vale 9 milhões de euros, mas gera muito mais do que esse dinheiro: para o Estado, a agricultura e o comércio local

Callejón Burladero

9. Local onde se encontram os touros na praça. Arena Redondo Touril

Soluções 1. Alternativa. 2. Verónica. 3. Citar. 4. Burladero. 5. Cernelha. 6. Tricórnio. 7. Faena. 8. Muleta. 9. Touril. 32

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ISABEL TAVARES

isabel.tavares@ionline.pt Numa corrida de touros é fácil ganhar 50 mil euros. Mas também é fácil perdê-los. E se os toureiros arriscam a vida, o risco financeiro fica quase todo do lado do empresário. Em Portugal realizam-se, em média, cerca de 300 espectáculos deste género por ano, uma actividade controlada pela IGAC – Inspecção-Geral das Actividades Culturais, sob a alçada do Ministério da Cultura. Cada um deles rende, em média 30 mil euros, o que dá um valor de 9 milhões de euros. As cerca de 66 praças de touros existentes no país pertencem, na sua maioria, não aos municípios mas às Misericórdias portuguesas. A Santa Casa concessiona a

exploração a privados por períodos de mais ou menos três anos, findos os quais lança novo concurso público. Os valores em causa dependem, por exemplo, da localização da praça, da sua dimensão e das próprias condições do edifício. Apenas a praça de touros do Campo Pequeno, em Lisboa, tem condições especiais e está concessionada por 100 anos, já que implicou a realização de todas as obras envolventes e os custos inerentes. O empresário Ricardo Levezinho, que explora a praça de touros de Vila Franca de Xira, outra das mais emblemáticas do país, diz que é um negócio de “gestão apertada”, mas rentável. A sua empresa, que explora também a praça de touros de Arruda dos Vinhos e tem sinergias com a de Salvaterra de Magos, facturou 500 mil euros em 2011. Mas não se ganha


Corrida passo a passo

Da ganadaria ao matadouro geram-se vários negócios GANADEIRO A criação de touros bravos não é uma actividade lucrativa. Grande parte dos produtores fá-lo por gosto ou tradição. Não há subsídios para toiros de lide, ao contrário do que diz uma lista que circula na internet. Uma corrida precisa, em média, de seis touros bravos, que podem custar entre 6 mil e 30 mil euros. Em Portugal é famosa a Ganadaria Palha, mas muitas vezes as reses vêm de Espanha.

MARCELO DEL POZO/REUTERS

sempre da mesma maneira, depende tudo da estrutura de custos fixa e da capacidade de negociação com ganadeiros e cavaleiros, por exemplo (ver caixa). O número de lugares em cada recinto e o preço dos bilhetes também pode ser determinante nesta equação. A praça de Vila Franca de Xira, uma das principais do país depois de Lisboa – tal como a de Santarém, Montemor, Alcochete ou Montijo –, tem 3500 lugares. O empresário Ricardo Levezinho tem a exploração da praça de Vila Franca de Xira desde 2008 – dois anos mais um de opção. Em 2011 voltou a ganhar e espera ficar, pelo menos, até 2013. Paga anualmente 39 mil euros à Santa Casa da Misericórdia. E é quem explora o espaço que tem de tomar conta dele e pagar as contas da água, da luz, a limpeza e garantir a qualidade da arena. Assistir a uma corrida de touros pode custar tanto como assistir a um jogo de futebol. O preço dos bilhetes varia entre 10 e 50 euros, mais coisa menos coisa. De resto, a recente subida do IVA de 6% para 13% no preço de bilheteira também veio afectar negativamente o negócio. Regra geral, as empresas promotoras e organizadoras das corridas de touros tentaram não reflectir esse aumento nos preços, que em muitos casos se têm mantido constantes nos últimos anos. Em tempo de crise os vícios são os primeiros a ser cortados e a quebra do número de espectadores já é visível. Ao contrário do que possa pensar-se, esta actividade está cheia de regras e envolve muito mais gente do que parece. No entanto, “a regulamentação é caduca e devia ser alterada”, explica Ricardo Levezinho, acrescentando que “há aspectos técnicos e exigências que estão des-

QUANTO CUSTA MONTAR A FESTA BRAVA Valores Organizar e promover

uma corrida de toiros não é barato. Cada espectáculo rende, em média, perto de 30 mil euros. Mas implica gastos, todos a cargo do empresário. PREÇO €

ENTIDADE

Praça de toiros Reses Cavaleiros Forcados Sindicato dos toureiros Licenças IGAC Transporte Bandarilhas/embolação Banda Bombeiros Polícia

4000,00 10 000,00 5000,00 1000,00 350,00 1000,00 1,00/km 400,00 500,00 400,00 350,00 TOTAL

(perto de) 24 000,00

fasados do tempo”. O secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, parece estar ciente disso e já tirou da gaveta o projecto que será levado a discussão. As corridas de touros não mexem apenas com ganadeiros e toureiros e, apesar de a época abrir depois da Páscoa e terminar lá para Outubro, a preparação começa no Inverno. À volta da festa brava desenvolve-se todo um conjunto de negócios paralelos que ajudam ao crescimento da economia regional (ver coluna lateral). Vão da alfaiataria à produção de bandarilhas, passando pelos emboladores, pelos matadouros, pelas associações locais, pela restauração, pela criação e impressão de cartazes, etc. O Estado também ganha em impostos.

PRAÇA DE TOUROS Existem praças de 1.ª, de 2.ª e de 3.ª categoria, atribuída de acordo com as próprias condições do edifício. São necessárias casas de banho, enfermarias e outro tipo de instalações. Disso depende também o valor da concessão e o preço cobrado pelos bilhetes. VESTES Já não são muitos os alfaiates que fazem este trabalho. O mais afamado é talvez o Sr. Manuel Marques, no Biscainho, em Coruche. Com mais de 70 anos de idade e 50 de profissão, continua empenhado na arte. Um fato completo pode custar 700 contos, diz, mas faz a conta e emenda para 3500 euros. O tricórnio e as botas mais 700 euros, metade para cada item. Mas fica a faltar o cavalo: 1250 euros para os arreios de cortesia. CAVALOS E CAVALEIROS Os cavaleiros mais carismáticos estão a reformar-se. Os mais novos começam a não ter vida para touradas. Comprar e manter um cavalo não é barato e hoje sabe-se que muitas famílias de renome atravessam dificuldades financeiras. Um cavalo que ainda não esteja treinado para tourear a sério pode custar entre 10 mil e 15 mil euros. No caso de ser um animal treinado o preço pode subir para 30 mil a 50 mil euros. Depois há que mantê-lo: perto de 140

euros por mês em alimentação, mas é preciso ter espaço para ele ou pagar o aluguer a quem tenha. LICENÇAS IGAC A Inspecção-Geral das Actividades Culturais é a entidade que contrata os directores de corrida e os veterinários, sem os quais nenhuma corrida pode realizar-se. Em Vila Franca de Xira realizam-se por ano entre oito e dez corridas, o que representa 8 mil a 10 mil euros para a IGAC. Lisboa, por exemplo, pagou o ano passado cerca de 17 mil euros. DIRECTOR DE CORRIDA Funcionam um pouco como os árbitros de futebol. Nunca foram muitos, mas actualmente são apenas cinco. Foram agora pré-seleccionados 16, mas depois da formação nem todos serão seleccionados. Esta profissão é um hobby pago pelo Estado e a recibo verde. Cabe ao director de corrida, entre outras funções, verificar os dados do touro (peso, lesões, proveniência, etc.), avisar os hospitais mais próximos, bem como as restantes autoridades, da realização do espectáculo, supervisionar o sorteio dos touros atribuídos a cada cavaleiro, afixar em bilheteira o resultado do sorteio (ordem de lide), garantir a embolação do touro (protecção dos cornos para não furar o cavalo) e o bom estado da arena (se a areia tem ou não demasiada água, por exemplo). Têm ainda de estar na abertura de porta, junto com o médico de serviço e as forças policiais. MATADOURO Grande parte dos touros acabam no matadouro. Mas nem todos. Alguns são espécimes tão especiais que são levados de volta para a exploração agrícola, para servir de reprodutores. No entanto, têm de recuperar dos ferimentos e das febres provocadas pelos ferros.

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Zoom // Secretas

A novela de espiões e maçons que pelo meio até meteu um panda

Ex-superespião quer ir já para julgamento e pediu mesmo para ser desvinculado do segredo de Estado

SÍLVIA CANECO

silvia.caneco@ionline.pt Nas declarações que prestou à procuradora Teresa Almeida, em Agosto de 2011, Júlio Pereira, secretário-geral do SIRP (a cúpula do SIS e do SIED), admitiu que os serviços de informações mantêm contactos com empresas nacionais na área da energia, banca e telecomunicações para as alertar para “oportunidades e riscos” de certos negócios. Essas informações, esclareceu o chefe máximo das secretas, são passadas informalmente e não através de relatórios internos dos serviços – como o que Silva Carvalho terá enviado à Ongoing sobre os russos envolvidos num negócio no porto de Astakos, na Grécia, e levou a 9ª secção do DIAP de Lisboa a acusar o ex-superespião de violação do segredo de Estado. Embora o chefe máximo das secretas revele abertamente ser essa uma das funções dos serviços, o Ministério Público defende, no despacho de acusação do

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Tiago Petinga/Lusa

Silva Carvalho foi nomeado director do SIED em 2008. Em 2010 negociou um lugar na Ongoing com Nuno Vasconcellos

processo que ficou conhecido como o caso das secretas, que ninguém, de fora dos serviços, pode obter informação classificada e que a revelação de informação dos serviços a empresas privadas “põe em causa a segurança do Estado”. No final de Abril de 2012, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, voltou a receber um email que denunciava que o SIED fazia “favores” a empresas privadas ou com participação do Estado como a Galp, o Bes, a PT ou o Millenium BCP. COMO TUDO COMEÇOU A 23 de Junho de

2011, o “Expresso” levantava as suspeitas, ao revelar que Silva Carvalho teria passado informações à Ongoing antes de abandonar a direcção do SIED. Mas foi um requerimento de Júlio Pereira, enviado ao procurador-geral da República, Pinto Monteiro, a 28 de Julho de 2011, que desencadeou a investigação do Ministério Público. Nessa carta, o secretário-geral do SIRP

apresentava como motivo para abrir uma investigação criminal as declarações de Silva Carvalho ao “Diário de Notícias”. Numa entrevista publicada nesse mesmo dia, o ex-espião confirmava ter transmitido informação a entidades privadas, ainda enquanto director do SIED, através do seu email pessoal. Mas negava ter alguma vez violado o segredo de Estado. Nessa altura já o inquérito interno para apurar responsabilidades sobre a alegada fuga de informações decorria. Júlio Pereira escolheu F.T., funcionária do SIED que o ex-espião viria a propor para adjunta da secreta externa na lista envia-

Investigação arrancou em Julho de 2011, depois de um requerimento de Júlio Pereira enviado à PGR

da a Miguel Relvas, para liderar o processo de averiguações. Os sms trocados entre F.T. e Silva Carvalho mostram que teriam proximidade a ponto de admitirem sentir saudades e a denúncia que chegou ao DIAP em Abril de 2012 apontava F.T. como uma das fontes de Silva Carvalho dentro dos serviços. Mas F.T. permanece até hoje nos serviços. Luciano de Oliveira, que entretanto chegou a número dois do SIS, também foi nomeado instrutor num dos processos. A 19 de Maio, enviava um sms ao ex-espião com em que fazia referência ao “grande arquitecto”: os dois eram da Loja Mozart, da Grande Loja Legal de Portugal (GJLP). Além de ter nomeado para os inquéritos internos agentes que seriam próximos de Silva Carvalho, Júlio Pereira, nas declarações que prestou ao DIAP, a 22 de Agosto de 2011, tanto atacou como defendeu o ex-espião, fazendo notar que o primeiro email teria sido enviado pelo ex-espião quando este ainda estava no SIED, mas “de férias” e “demissionário”.


As ligações entre secretas, Ongoing e maçonaria

SECRETAS LUÍS MONTENEGRO

LÍDER PARLAMENTAR DO PSD SILVA CARVALHO MANDA-LHE INFORMAÇÕES SOBRE UM VÍTOR, QUE SERIA BOM ECONOMISTA

MAÇONARIA

JOSÉ LUCIANO DE OLIVEIRA NÚMERO 2 DO SIS

ENVIA SMS A SILVA CARVALHO EM QUE O TRATA POR GRANDE ARQUITECTO

PAULO NOGUÊS

FUNDADOR DA MOZART 49 (GLLP) E VICE-PRESIDENTE DO INSTITUTO LUSO-ÁRABE

FRANCISCO RODRIGUES EX-DIRECTOR DE SEGURANÇA (FOI EXONERADO EM MAIO)

LEOPOLDO GUIMARÃES

ANTIGO REITOR DA UNIVERSIDADE NOVA E CHEFE DA MOZART 49 RECEBE UM SMS DE SILVA CARVALHO A PEDIR UMA OPINIÃO SOBRE ENTREVISTA AO DN

SILVA CARVALHO

ANTÓNIO REIS

JOÃO ALFARO

EX-SIS E EX-ONGOING NA AGENDA, O ESPIÃO DESCREVE-O COMO MESTRE A 01/10/2007

VASCO RATO

ADMINISTRADOR DA ONGOING NO BRASIL

PROFESSOR/HISTORIADOR À DATA GRÃO-MESTRE DO GOL (MAÇONARIA IRREGULAR) SILVA CARVALHO PEDE-LHE AJUDA PARA DESBLOQUEAR JUNTO DO IGESPAR OBRAS NA SEDE DA ONGOING

NUNO VASCONCELLOS PAULO SANTOS

ADMINISTRADOR DA ONGOING ÁFRICA

PRESIDENTE DA ONGOING

NUM DOS SMS DAS NEGOCIAÇÕES PARA A ONGOING, O ESPIÃO FAZ REFERÊNCIA AO FACTO DE LHE TER PASSADO O MALHETE (SÍMBOLO MAÇÓNICO)

RAFAEL MORA VICE-PRESIDENTE DA ONGOING

ONGOING

E o segundo num momento em que “já não exercia funções públicas”. A 5 de Agosto, João Luís, director operacional do SIED, e terceiro arguido no processo acusado de acesso indevido a dados pessoais, foi exonerado do cargo. A público já tinham vindo as notícias de que Silva Carvalho teria espiado a facturação detalhada do então jornalista do Público, Nuno Simas, para saber quem eram as suas fontes. Instado a obter essa informação, João Luís terá pedido a um funcionário do SIS responsável pela frota automóvel, casado com uma funcionária da Optimus, para obter a facturação detalhada do jornalista. Nem o agente Nuno Dias, nem a mulher Gisela Teixeira, foram acusados: o Ministério Público concluiu que Dias estava apenas a cumprir ordens superiores. Gisela foi demitida da Optimus. ROMANCE A novela das secretas não envolve só espiões pouco cautelosos, membros de obediências maçónicas e

interesses de uma empresa privada. Tem também uma pitada de romance e de traições. Em vários sms que trocou com pessoas de dentro e fora dos serviços, Silva Carvalho mostra estar convencido de que existia um plano interno para o aniquilar, perpetrado por G.V., o agente do SIS casado com a sua ex-namorada, H.R., também agente na secreta interna. Silva Carvalho chega mesmo a partilhar com Miguel Relvas, num sms enviado na ressaca das eleições, que H.R. teria tanto de bela como de desequilibrada. Apesar do tom confidente do sms, o ministro adjunto repetiu por duas vezes na I Comissão parlamentar que não tinha uma relação próxima com o espião contratado pela Ongoing. Na agenda e nos sms encontrados nos telemóveis apreendidos a Silva Carvalho, ficaram registados três encontros e nove sms trocados com Relvas. Ao romance das secretas junta-se ainda uma cobrança de dívidas, perpetrada pela mãe de Vasconcellos e principal

accionista da Ongoing. Beluxa, como é conhecida entre os amigos, usou Silva Carvalho para mandar cobrar uma dívida de quatro mil euros de um aspirador. De acordo com o processo, um dos homens de confiança de Silva Carvalho terá usado o estatuto de PJ para assustar a devedora, mas os investigadores não conseguiram descobrir quem foi. A 5 de Novembro, a unidade anticorrupção da PJ entrou na casa do ex-espião para fazer buscas. Apreendeu três telemóveis, oito pens, um iPad, um cartão SIM, um portátil, um computador de bolso e uma agenda com a designação SIED (encontrada na arrecadação) e um envelope com a palavra “Secreto”. Consigo, Jorge Silva Carvalho guardava três listas com contactos dos serviços. No telemóvel milhares de contactos, a que acrescentava informações como matrículas e orientação sexual – e que o Ministério Público mandou destruir. Na agenda do outlook uma descrição detalhada de todos os seus passos – dos almoços, com gen-

te do PSD, como Relvas, a gente do PS, como o deputado João Portugal – ao shiatsu e às aulas de salsa. A confirmar que o caso tem tudo para ser uma novela, junta-se ainda a mexeriquice e a devassa. Além de ter encomendado um relatório sobre a Finertec, a ex-empresa de Relvas, Silva Carvalho também guardava um relatório com um tom difamatório sobre Francisco Pinto Balsemão e outro sobre Ricardo Costa, director do Expresso e irmão do presidente da Câmara de Lisboa. A luta para chegar à Ongoing, numa curta volta até chegar a secretário-geral do SIRP ou a ministro, como ambicionava, começou em Outubro de 2010, quando perguntou directamente a Nuno Vasconcellos, irmão da Loja Mozart, quanto poderia valer, por mês, líquido. Nos sms das negociações, o ex-espião que chegou a fazer uma analogia com a história do Panda do Kung-Fu no seu Facebook, acrescentava que não era ambicioso.

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Os Sacanas como n Lei terminam do. a próximo sáb Não perca o especial

Zoom // Crónica

SACANAS COM LEI

POR SÍLVIA CANECO

Crimes de café. Entre mulher e amante... não se mete a chávena Jennifer, a oficiosa, alegadamente deixou entornar um café e um abatanado na cara de Lurdes, a oficial, e queimou-a. Minutos depois sobrou para o homem que trocou a mulher no Natal: ameaça de linchamento popular de um lado, polícias e mulher irada do outro Já na última crónica discorremos sobre a propensão para o crime dos homens que ficam solteiros. Veio o último episódio na Pequena Instância Criminal de Lisboa mostrar que não é só isso: os indivíduos que se separam têm também uma enorme propensão para as infantilidades. E para as burrices. Que só se fazem, como sabemos, quando as pessoas estão apaixonadas, porque as dopaminas e as norepinefrinas são químicos e os químicos não podem fazer bem às pessoas. Que o diga o Vitó, de 52 anos, que armou um 31 por ter abandonado a mulher na noite das rabanadas e do peru, e agora está a ser enxovalhado na praça pública e, se não se mete a pau, sai dali em picadinhos. E que o diga a Jennifer, a nova namorada, que antes até tinha umas poupanças como empregada interna, e agora não tem nada porque optou por ir com o Vitó vender ferro-velho para as feiras. As paixonetas queimam mesmo os neurónios às pessoas: Ela sem um tusto. Ele a ter de alimentar várias bocas e o negócio pela hora da morte. Diz ele que continua a pagar a internet à filha – “90 ou 100 euros por mês” e 520 euros de renda. E isto tudo apenas com 3 mil euros anuais de rendimentos. “Como é que com 3 mil euros anuais consegue pagar 520 euros de renda mais a internet e ainda comer?” Pergunta pertinente da juíza. “Sou um homem de negócios. Vendo na internet, no ebay.” “Chega ao fim do mês e pede a alguém?” “Sim, também tenho dívidas.” Vitó está como o país: endividado. Mas, como qualquer bom sacana, já aprendeu como se faz o milagre da multiplicação. Vitó e Jennifer estão na sala de audiências acusados do crime de injúria agravada. Diz o auto de notícia que num dia de sol, pelas 12h, cha-

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Oficial e oficiosa à luta com café quente pelo meio: alguém tinha de sair queimado GETTY IMAGES

mados a um café onde havia uma briga, os agentes da PSP foram agredidos verbalmente pelo casal. Mas o Vitó, que é arguido, e como arguido que é não foge à regra, tem uma versão diferente dos acontecimentos: “O que aconteceu, meritíssima, foi que o agente Heitor, um dia antes, devido a umas desavenças entre mim e a minha mulher (não explica se a oficial se a oficiosa), foi chamado ao local e agarrou-se à minha filha. Eu, como é óbvio, não gostei daquilo que vi. Disse para ele se afastar, que não permitia que ele fosse ama seca.” “E o que é que isso tem a ver com os acontecimentos deste dia?” “Eu e a Jennifer estávamos no café

quando chegou a minha esposa, ou ex-esposa, digamos assim, que eu deixei-a no Natal. Só que ela chegou lá e atirou um copo de água à cara desta. E atirou-se aos cabelos dela. Eu para tentar desapertá-las meti-me no meio. Havia um café e um abatanado em cima da mesa que se entornaram e queimaram a cara da minha ex-mulher. A briga continuou na rua, e quando vi um polícia a sair de um prédio, fui logo a correr atrás dele. Dirigiu-se à minha mulher que estava a fazer a propaganda dela ali a uns 100 metros. E à nossa volta estavam pessoas a querer agredir-nos porque pensavam que tínhamos queimado de propósito a cara da minha exmulher.” E pelo meio a Jennifer acrescentará que foi um acidente. E que já não fora a primeira vez que a ex-mulher do Vitó lhe tinha ido pedir satisfações, partindo para a porrada. Mas o pior, o mais humilhante, na perspectiva de Vitó, o acusado de injuriar que afinal diz ter sido injuriado, foi já na esquadra. “Fui humilhado de todas as maneiras. Tenho quatro filhos homens e uma filha menor mas não tolero que ele mande beijinhos para mim. Ele,

o agente Heitor, esteve uma hora consecutiva a mandar beijos para o ar. Não tenho nada a ver com a sensibilidade dele. Mas isso eu não tolero. E é tudo, meritíssima.” O Vitó explicará ainda que ficou com medo, que temeu pela sua vida e pela vida da nova amada, quando viu uma roda de gente a chamar-lhe nomes, e a tentar agredi-los com chapéus de chuva, e só pediu à polícia que fizesse o seu trabalho. Sobre esse pedido, o agente Heitor esclarece: “Estavam ali 20 ou 30 pessoas. E o sr. Vitó queria que eu identificasse toda a gente. Se eu deixasse aquilo desenrolar, o sr. Vitó hoje não estava assim. Se calhar tinha algum membro partido. As pessoas queriam agredi-lo porque ele deixou a Jennifer queimar a cara da mulher dele.” “Então se ele lhe pediu ajuda foi porque estava com receio”, lança a juíza. “Mas foram eles que causaram a confusão. E eu não podia pôr em risco a minha segurança.” No final, é um diz que disse que já ninguém se entende. O procurador reconhece que os agentes testemunhas ou não estiveram no mesmo local ou não viram o mesmo filme. Mas também “uma postura de ingenuidade relativamente aos acontecimentos da vida” por parte dos arguidos. Dias depois, chamados de novo à barra do tribunal, vinga o in dubio pro reo e Vitó e Jennifer são absolvidos. Vitó agarra na mão da nova mulher e promete ao tribunal que nunca mais se volta a meter no meio de brigas do mulherio. Muito menos quando há cafés e abatanados pelo meio. Mas essas são outras histórias e outro processo que ainda os há-de trazer de volta ao banco dos réus. Mais uma prova de que demasiada produção de dopamina pós-50 não faz bem às pessoas nem ao andamento da justiça.


Saúde

Caso Bial. Denúncia partiu da Associação Nacional de Farmácias

Ordem dos Médicos avança com providência cautelar

Infarmed e laboratório foram alvo de buscas esta semana. Farmácias vêem aumento da coima anunciado por JorgeTorgal como retaliação

Bastonário considera nova lei exemplo de insensibilidade social

MARTA F. REIS

marta.reis@ionline.pt A denúncia sobre alegados favorecimentos da farmacêutica Bial na comparticipação do antiepiléptico Zebinix partiu da Associação Nacional de Farmácias. João Cordeiro confirmou ao i que a queixa foi apresentada junto da Procuradoria-Geral da República no ano passado. Em 2010 o presidente da ANF criticou a comparticipação deste medicamento, defendendo que o Zebinix só tinha sido considerado inovador em Portugal. A investigação veio a público esta semana, depois de Infarmed e Bial serem alvo de buscas pela PJ. O presidente do Infarmed, Jorge Torgal, que no dia das buscas foi ouvido na comissão parlamentar de saúde, disse estar “tranquilo”, sublinhando que o medicamento está aprovado em 17 países. Em causa estará o alegado não cumprimento dos trâmites para comparticipação do medicamento e rapidez da decisão, beneficiando a empresa. O Zebinix (acetato de eslicarbazepina) recebeu autorização europeia em Abril de 2009. Começaria a ser comercializado em Portugal em Abril de 2010, com uma comparticipação de 95%.

Hoje o medicamento está comparticipado em cinco países mas o processo tem sido variável. Na Dinamarca, teve comparticipação total em Setembro de 2009. Em França só em Abril deste ano e na Suécia no mês passado. Segundo um estudo da Apifarma, em Portugal os medicamentos para venda nas farmácias demoram em média 9,9 meses a ser comparticipados. RETALIAÇÃO Na audição parlamentar de quarta-feira Jorge Torgal anunciou que as farmácias que não cumpram a regra de ter sempre três dos cinco medicamentos mais baratos para cada grupo – imposta pela lei da prescrição por substância que entrou em vigor ontem – passarão a ter a coima máxima prevista na lei, 44 mil euros. Esta sanção até aqui era aplicada apenas nas infracções graves como

Torgal disse no parlamento que o aumento da coima foi aprovado em Conselho de Ministros

a exportação que põe em causa o abastecimento do mercado nacional. Entre os farmacêuticos discute-se que esta é uma retaliação do Infarmed ao processo da ANF, que não vincula todas as farmácias, disse ao i um farmacêutico. Cordeiro não quis fazer comentários. Os farmâceuticos questionam o aplicar da coima mais grave quando os preços que definem que medicamentos estão neste pacote dos cinco mais baratos estão sempre a variar, por baixas voluntárias e administrativas. Trata-se de vigiar todos os dias os preços de 168 substâncias hoje com genéricos, a maioria com mais do que uma apresentação. Há ainda as dificuldades geradas pela exportação paralela. As farmácias têm dificuldade em abastecer-se de cerca de 1400 remédios, temporariamente esgotados na distribuição porque alguns agentes os exportam e os laboratórios tendem por isso a limitar as quantidades vendidas. Torgal disse no parlamento que o aumento da coima foi aprovado no Conselho de Ministros da semana passada. No comunicado do governo não há referência a este aspecto. Contactado pelo i, o gabinete do ministro Paulo Macedo não esclareceu se consta do diploma aprovado.

A Ordem dos Médicos vai avançar com um pedido de providência cautelar para travar a prescrição por substância activa, que entrou ontem em vigor. A lei que prevê que os médicos deixem de receitar por marca quando há genéricos disponíveis – excepto na medicação para mais de 28 dias, medicamentos com uma margem de eficácia estreita ou em que se possam esperar efeitos adversos – foi publicada em Março. Médicos e farmácias têm agora três meses de adaptação. O bastonário José Manuel Silva, citado pela Lusa, criticou a insensibilidade social e a frieza do ministro da Saúde. A Ordem vai reunir-se na próxima semana com o sindicato dos médicos para concertar posições. Ontem as farmácias começaram a receber as primeiras receitas destrancadas, passíveis de substituição dentro da substância indicada pelo médico, enquanto não ficam disponíveis os novos modelos. As farmácias passam a estar obrigadas a informar os utentes sobre os remédios mais baratos. O site do Infarmed actualizará diariamente os preços de todas as apresentações disponíveis para cada substância.

-9,69

No caso do medicamento para o estômago omeprazol (56 unidades), a diferença entre o medicamento de marca (que até aqui os médicos podiam prescrever sem hipótese de substituição) e o genérico mais barato é de 9,69 euros para o doente.

-11,52 Farmácias estão desde ontem obrigadas a informar sobre os remédios mais baratos

RODRIGO CABRITA

No clopidogrel, usado na prevenção de enfarte e AVC, a diferença entre o remédio de marca e o genérico mais barato é de 11,52 euros para o doente. Mesmo optando pelo genérico mais caro paga menos oito euros. —2 Junho 2012

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Efeméride

D Mais

Onda Choc. Há 25 anos eles eram os reis da miudagem “Ser artista não é fácil”, já dizia o primeiro single do grupo. Mas depois da estreia, em 1987, tornaram-se um sucesso e coleccionaram discos de ouro e platina, com Ana Faria a liderar DIANA GARRIDO

diana.garrido@ionline.pt Tempos houve em que os Onda Choc eram a banda mais fixe que existia. Todos os miúdos queriam roupas da Cenoura e dos Porfírios, e mais tarde da Uniform e El Charro, que os membros do grupo usavam. Outros suspiravam com as letras de primeiros amores escritas por Ana Faria em cima de êxitos estrangeiros como “Tous les garçons et les filles”. Era qualquer coisa como “Na minha idade os rapazes e as raparigas já sabem tão bem… o que é sentir a emoção de um amor…” e a coisa continuava. As miúdas sonhavam alto com uma cara-metade com quem pudessem andar na rua “de olhos nos olhos e de mão na mão”. Se hoje ainda existissem fariam 25 anos. Alguns dos seus ex-membros, como Micaela, Manuel Melo, Pedro Camilo, Marisa Pinto, dos Amor Electro, ou a actriz Joana Seixas, fizeram do espectáculo carreira, seja a cantar seja a representar. Mas nem todos conseguiram ou quiseram. Há jornalistas e empregados de lojas. Profissões para todas os gostos e alguns arrependimentos por não terem seguido a música. É o caso de Rita Rolo. Mas já lá vamos. “SER ARTISTA NÃO É FÁCIL” Os Onda Choc

nasceram em 1987 pela mão de Ana Faria e Heduíno Gomes, os pais dos também famosos Queijinhos Frescos. A primeira leva de miúdos veio dos Jovens Cantores de Lisboa, também criados por Faria. Depois da primeira formação começaram os castings à séria, no edifício do clube de

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Benfica, em Lisboa, conhecido como Fofó, onde as filas ultrapassavam os portões. Chegaram a ter 300 a 400 crianças desejosas de fazer parte da banda. Enchiam salas de concerto e chegaram a esgotar um estádio em Moura, no Alentejo, com toda a gente a cantar “Na Minha Idade” ou “Biquíni Pequenino às Bolinhas Amarelas”. Rita Rolo, hoje com 30 anos, um filho pequeno, e gerente de uma loja de roupa, foi uma delas. Em 1990 foi a um casting mas não passou. “Não tinha jeito para dançar, mas gostava muito de cantar. Era um bocado pé de chumbo e envergonhada. Mas da segunda vez consegui”, conta. Tinha 10 anos quando entrou, em 1991, e 16 quando saiu. Teve de cantar três canções dos Onda Choc e dançar uma coreografia criada por Teresa Costa, a coreógrafa de serviço. Correu tão bem que Rita Rolo chegou a ser solista dos Onda Choc no álbum de 1993 “Ele é o Rei” (versão de “What’s Up”, dos 4 Non Blondes), em canções como “A Primeira História de Amor”, versão de Ana Faria de “Heaven”, de Brian Adams. “Foi uma fase giríssima. Os meus amigos todos queriam ir para os Onda Choc. Na escola era um espectáculo, a malta via-me na televisão, toda a gente me conhecia. Eu adorava”, diz Rita. “Tenho pena de não ter seguido a música porque é o que eu gosto mesmo de fazer, desde pequena. Ainda estive numa girl band, as Teenagers, mas desisti. Fiz mal, podia ter-me aberto mais portas”, confessa. Para Bruno Ferreira, 34 anos, a parte de ser conhecido na escola trouxe-lhe alguns dissabores. “Levava tareia quase todos os dias e muita gente gozava na escola. Acha-

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vam giro bater nos putos que apareciam na televisão e chamavam-nos maricas.” No entanto, garante: “Vivi dos melhores anos da minha vida.” Apesar de ter estudado para técnico de farmácia, ramo em que trabalhou alguns anos com boas perspectivas de carreira, largou tudo em nome da música. A paixão falou mais alto e no passado mês de Março conseguiu gravar o primeiro álbum, “Unconditional”. Nos Onda Choc, diz com orgulho, foi sempre solista e “o único rapaz que fez participação especial num dos álbuns”. O que acontecia era que quem já não tinha idade para fazer parte da banda (começou por ser aos 14 e depois aumentou até aos 16) podia gravar um álbum como participação especial. Rita Guedes, que estudou Teatro com Tozé Martinho e apresentava o programa “Dance TV” na SIC Radical, tinha 12 anos quando entrou nos Onda Choc, em 1994. Já pertencia aos Jovens Cantores de Lisboa e foi acompanhar a irmã ao casting mas ficou tanto tempo na fila que apren-

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deu as músicas e decidiu experimentar. O casting correu bem e Rita Guedes ficou. “Naquela altura pertencer aos Onda Choc era como entrar na ‘Casa dos Segredos’, toda a gente queria”, brinca. “Foi a melhor fase da minha vida e não podia ter tido uma infância melhor. Aprendi muito, diverti-me e dávamo-nos todos muito bem.” Para o actor Manuel Melo, que agora está no programa da TVI “A Tua Cara não Me é Estranha”, a experiência foi inesquecível, apesar de só ter estado dez meses nos Onda Choc. “Era uma oportunidade de estar ao pé das meninas bonitas e tanto a Ana Faria como o Heduíno nos tratavam com um carinho extremo.” A saída de Manuel deve-se unicamente a “incompatibilidades da puberdade”. “Deixei de ter paciência para ir aos ensaios, que eram feitos ao domingo”, confessa. Teresa Costa tinha 16 anos quando entrou para os Onda Choc. Não para cantar, mas para coreografar os miúdos. “Era fã do grupo e um dia li numa revista que eles estavam sem coreógrafa e enviei uma car-


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01 Rita Guedes está a fazer uma peça chamada “Pijama para Seis”, com Tozé Martinho

BAÚ DE DISCOS

ANTÓNIO PEDRO SANTOS

02 Rita Rolo entrou para os Onda Choc com 10 anos RODRIGO CABRITA

03 Bruno Ferreira era fã dos Onda Choc e conseguiu fazer parte do grupo aos 10 anos ANTÓNIO PEDRO SANTOS

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04 Numa das viagens dos Onda Choc, Bruno D. R.

05 Rita Rolo à esquerda com mais duas meninas do grupo D. R.

06 Nas filmagens do primeiro teledisco com um par amoroso, para o álbum “Ele é o Rei”, do qual fazia parte Rita Rolo D. R.

07 Onda Choc de Bruno Ferreira (o rapaz da direita com camisa azul) e o resto da banda D. R.

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08 08 Além de cantar, Bruno dava uma mãozinha nas coreografias

O nome Onda Choc, segundo Bruno Ferreira, vem de duas coisas distintas: uma onda, que leva tudo à frente, no bom sentido, claro, e Choc por causa do anúncio do gel para o cabelo Shockwave. Ana Faria gostou do som de “shock”. Ficou Onda Choc. Ao longo de 12 anos de vida o grupo editou 24 álbuns. Em 2006 voltaram com o álbum “Olha a Onda, Está de Volta!”, mas sem Ana Faria e Heduíno Gomes e sem o sucesso de outrora. 1987 “Onda Choc” e “Namoro” 1988 “Na minha Idade” 1989 “Será Que Ele Pensa em Mim” e “A mais Bonita” 1990 “Cantando pela Praia”, “20 Êxitos” e “Feira Popular” 1991 “Férias Grandes” e “Ela só Quer só Pensa em Namorar” 1992 “Não tenho Idade para Amar-te” e “Cabecinha no Ombro” 1993 “Viva o Verão!” e “Ele é o Rei”

D. R.

1994 “Comboio sem Volta” e “Doces pr’o meu Doce” 1995 “Carinha de Santo” e “Final Feliz” ta a oferecer-me. Eles responderam-me, mostrei-lhes umas coreografias que tinha criado e fiquei.” Entrou em 1990 e saiu em 1999, quando o grupo acabou. A experiência não só lhe deu a certeza de querer ser professora de dança, profissão que hoje tem, como a fez crescer. “Ensinou-me a ser responsável, por ter de tomar conta deles, e a tomar decisões muito cedo. Não saía à noite aos fins-de-semana porque tinha de trabalhar. Mas era o que eu gostava”, conta. COMO GENTE GRANDE “Muita gente dizia que os Onda Choc era uma exploração, tipo trabalho infantil”, diz Bruno. “Mas não era. Foi o maior sonho tornado realidade na altura. Era mais uma formação que um trabalho. E nunca trabalhámos no duro.” Foram muitas as formações dos Onda Choc. Os miúdos iam e vinham assim que a idade avançava e quando os muitos concertos assim o pediam. No Verão e no Natal, altura de maior azáfama artística,

era normal dividir solistas e coro por vários programas de televisão e concertos para que pudessem ir a vários locais ao mesmo tempo. Os membros do grupo não eram pagos em dinheiro mas em géneros. “Quando acabávamos de gravar um álbum davam-nos 20 discos à nossa escolha, das bandas que quiséssemos, quando eram vinis, e dez se fosse em CD. Por cada concerto em Lisboa recebíamos o equivalente a cinco contos, dez se fosse fora da capital. No Verão era tudo somado e esse valor era-nos dado em roupa daquelas marcas fixes que usávamos no grupo, e em instrumentos musicais”, explica Bruno. O FIM Os Onda Choc acabaram em 1999

sem que Teresa Costa tenha sido avisada. “Normalmente começávamos a ensaiar em Setembro, Outubro, para o disco que saía no Natal. Mas nunca mais me disseram nada. Foi assim que percebi que tinha acabado. Não sei exactamente o que se passou mas sei que foi uma situação com-

plicada para a Ana [Faria].” Rita Guedes e Rita Rolo também não sabem dizer o que provocou o fim do grupo. Bruno Ferreira, que só percebeu que já não fazia parte do grupo quando deixaram de lhe marcar concertos, arrisca uma explicação. “Falei com a Ana Faria alguns anos depois e percebi que ela se tinha ido muito abaixo. Era uma grande responsabilidade lidar com três grupos de miúdos. Ela precisava de se desligar.” E a verdade é que Ana Faria saiu de vez de baixo dos holofotes, tornou-se incontactável, e dedica-se agora à pintura e à ilustração de livros infantis. Para Bruno, que guarda toda a roupa que usou no grupo, hoje o projecto ainda faria sentido. “Adorava pegar nos Onda Choc outra vez. Há muitos miúdos a cantar bem. Só era preciso uma editora que quisesse agarrar. Teria todo o prazer em ficar à frente do grupo e tenho muita gente que gostaria de trabalhar nisso.” Quem sabe se a nova geração dos Onda Choc não está quase a chegar?

1996 “O Rádio Sempre a Tocar” e “Estou Apaixonada” 1997 “Um Sonho a Dois” e “Confia em Mim” 1998 “Tudo bem!” e “30 Grandes Êxitos” 1999 “Mais Uma Vez”

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Mais // Discos

É FAVOR AUMENTAR O SOM

O disco da última noite ●●● Fazer discos como se depois disso (já dizia o outro)

não houvesse mais nada. Ainda não é regra e ainda bem, caso contrário tudo o que fosse fruto de raciocínio abençoado – e demorado – não nos chegava aos ouvidos. Mas correr contra o tempo em cima de uma bateria e de uma guitarra é uma das imagens mais românticas do rock’n’roll. Os Japandroids vivem-na como poucos neste segundo álbum. Clichés punk mas com mais de quatro minutos por tema, sem contestação e a favor de tudo o que aparecer pelo caminho. “Celebration Rock” explica-nos tudo à primeira, a começar pelo título, com as canções que aplaudem as maiores conquistas do período “pós-adolescênciaidade-adulta-ainda-não-obrigado” e o fogo-de-artifício, que abre e fecha o disco. É a banda-sonora do último dia de aulas, da passagem de ano, da sexta à noite de celebração, do festival de Verão bem regado. Como os próprios cantam: é claro que eles têm algo por que viver, mas até que isso se concretize eles fazem isto. T. P.

Japandroids

JAPANDROIDS “Celebration Roc”

(Polyvinyl) ★★★★★

Já vimos estes vulcões gelados antes ●●● Não há melhor gente que esta a fazer muralhas sono-

ras que dão em universos paralelos. Em “Valtari” lá estão outra vez os Sigur Rós a desenhar filmes sonoros sem enredos. As histórias são as de quem ouve estes islandeses, de quem fica perdido e desconcentrado no meio de tanta paisagem. Mas é preciso ter argumentos para construir uma narrativa enquanto se escuta esta música nada social. E já o fizemos, quase da mesma forma, quando “Agaetis Byrjun” (1999) e “()” (2002) nos apanharam desprevenidos. Desta vez já não nos perguntamos “mas afinal de onde vem tudo isto” e aqui, quando dependemos da nossa melancolia para viver a dos outros (que nos escapa em parte, porque também se faz das palavras que não compreendemos, escritas e cantadas no Hopelandic que só à banda pertence), se a sintonia não for a ideal, o efeito possível fica pelo caminho. T. P.

SIGUR RÓS “Valtari”

(EMI) ★★★★★

Sigur Rós

Um mapa de arraiais ●●● Festa com todos, bailarico com as modas a trocar de ritmo sem causar desatino nem desalinho. Gaitas, batuques e coros afinados, traçados, assados e o vasilhame num monte. Gaiteiros de Lisboa, no aguardado regresso com “Avis Rara”, é tudo isto, só podia, mas não se fica pela iguaria, pela curiosa farra vinda de todo o lado para chegar à cidade e deslumbrar. É um exercício de detalhe, das rimas às melodias que as amparam, geradas por sabe-se lá quem mas com moradas bem seguras numa enfiada de códigos postais que vai de Trás-os-Montes ao Pico. E a certeza de que para juntar todas estas danças no mesmo palco é preciso mais do que técnica amestrada. Melhor mesmo conhecer o chão que se pisa. E do assunto “palmilhar terreno” estes Gaiteiros sabem coisa que chegue para não deixar nenhum lugar por conhecer, que é como quem diz cantar. T. P.

Gaiteiros de Lisboa 40

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GAITEIROS DE LISBOA “Avis Rara”

(d’Eurídice) ★★★★★


Arte

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03 01 Grande parte das fotografias de Jessica Lange são tiradas no estado do Minnesota (EUA), onde nasceu, no dia 20 de Abril de 1949 02 Lange começou por fotografar a sua família, passando depois para a rua e os “pequenos momentos que se cristalizam no tempo” 03 A primeira exposição pública de Lange foi uma série fotográfica no México

JESSICA LANGE. ANTES DO CINEMA A FOTOGRAFIA

O Centro Cultural de Cascais recebe a exposição fotográfica “Unseen”, até dia 19 Agosto. O i esteve na conferência de imprensa de apresentação e ouviu as explicações da actriz

LUIS DE FREITAS BRANCO

luis.branco@ionline.pt Na Universidade de Minnesota, uma rapariga da pacata cidade de Cloquet estava a tirar o curso de fotografia. Nascida numa cidade de 12 mil habitantes, a vida de Jessica Lange estava prestes a mudar com a chegada do primeiro período de pausa dos estudos. “Conheci uns fotógrafos jovens e percorri a Europa com eles a fazer documentários e nunca mais regressei”, conta a actriz ao i. Jessica Lange não voltou para a faculdade, mas regressou a Nova Iorque, onde um agente de casting a escolheu para fazer de donzela perdida em “King Kong” (1976). Nunca mais voltaria a ser a desconhecida estudante de fotografia. Numa carreira de 36 anos, com dois Óscares na bagagem, muitas imagens ficaram de Jessica Lange na nossa mente, desde cozinhar com Dustin Hoffman, em versão travesti (“Tootsie”, 1982) a estar estendida na mesa com Jack Nicholson (“O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, 1981). Mas a sua exposição no Centro Cultural de Cascais retracta outra vida desconhecida de Lange, a fotográfica. “Naquela viagem à Europa, eles foram fundamentais no meu interesse pela fotografia. Coleccionei imagens durante muitos anos, mas por alguma razão nunca

fotografei”, diz a actriz. A sua viagem quase cliché hippie numa carrinha, levou ao casamento com o fotógrafo Francisco “Paco” Grande, que se dedicou a explicar a Lange tudo o que nas aulas não chegou a absorver. “Conheci muitos fotógrafos como Robert Frank e Bresson. Eles eram os verdadeiros fotógrafos de rua.” Passadas décadas dessa viagem, no início dos anos 90, o então seu marido Sam Shepard ofereceu a Lange uma máquina fotográfica, a semente adormecida enraizou-se finalmente. A exposição, inaugurada ontem, divide-se entre uma série exclusivamente tirada no México e outra mais diversa. “Quando comecei a tirar fotografia fiquei fascinada com o México, a luz naquele local parece carregar toda a emoção do momento, tudo se conjuga com natura-

Jessica Lange

lidade.” O trabalho fotográfico da actriz demonstra um tratamento tradicional e instintivo. A preto e branco capta os momentos familiares, assim como pessoas que se passeiam nas ruas de Minnesota. “Procuro sempre apanhar um gesto, uma fracção de segundo que me atinge emocionalmente, qualquer coisa que transcenda o ordinário, e transforma o que vivemos todos os dias em sombras e luz.” Depois de uma longa carreira na ribalta seria de esperar que Lange estivesse habituada a estar sobre o foco das cameras. “Não gosto de ser fotografada. Como actriz não me importo, mas no dia-a-dia, isso rompe a linha do que é considerado privado. Vejo a imprensa de hoje e penso ainda bem que não era assim.” O sentido oposto a Hollywood parece ser onde se sente mais confortável, passadas décadas em frente à objectiva, teve de procurar algo mais intimista, mais pessoal. “Fotografar é muito mais solitário e privado em comparação com actuar. Nos filmes temos uma equipa enorme e estamos dependentes de imensas pessoas, como artista somos limitados por isto, não trabalhamos sozinhos.” No final da conferência, a actriz concluiu que o que gosta é de captar a pessoa afável e carinhosa da pequena cidade de Cloquet. “O que mais gosto na fotografia é ser o contraste do cinema.”

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Mais // Entrevista

Joana Santos. “Já me senti complexada porsersó actriz de novelas e não terformação” A vilã de “Laços de Sangue” regressa esta segunda-feira ao pequeno ecrã com o remake do sucesso brasileiro dos anos 70 “Dancin’ Days” na SIC MARIA ESPÍRITO SANTO

maria.espiritosanto@ionline.pt Os sorrisos, que se atropelam, não nos deixam cair em falso. Joana Santos, 26 anos, pode ter sido uma assassina impiedosa. Mas isso foi noutra vida. A transformação em Diana Silva aconteceu em 2010, quando deu o salto decisivo como protagonista em “Laços de Sangue”. Foi a novela, premiada com um Emmy, que a projectou para os lares portugueses como a maior vilã de sempre. Esta segunda-feira regressa como protagonista lado a lado com Soraia Chaves num remake do sucesso brasileiro “Dancin’ Days”, na SIC. Como um teatro da escola pode trocar as voltas à vida: Joana passa a explicar. A poucos dias da estreia, qual é o balanço da nova experiência? Começámos mais ou menos há dois meses. Quando estamos a gravar há uns ecrãs onde os maquilhadores, os cabeleireiros e a equipa visionam as cenas. Mas eu prefiro ver quando está tudo editado, pronto. Até porque passo de 18 anos para 34 de repente, quero ver essa evolução. Esta novela tem sido um desafio maior, depois dos “Laços de Sangue”? Não comecei nos “Laços de Sangue”, mas foi a novela que me lançou por ter sido a protagonista e a história ter girado muito à volta desta personagem, a Diana. É óbvio que há uma grande expectativa com “Dancin’ Days”, tanto da parte do público como minha, porque estou mais exigente com aquilo que faço. Isto não é uma peça de teatro, não é cinema, em que tens um ano ou mais para preparar. É uma roda-viva tanto para os autores como para os actores, para a equipa, a produção. É difícil fazer com que as coisas resultem. Como surgiu a proposta? Praticamente na altura em que acabou os “Laços de Sangue”, a TV Globo disse-me que queria que eu fizesse o papel de Júlia do “Dancin’ Days”. E foi preparada pela Lais Corrêa, conhecida por trabalhar com a Globo. A Lais foi contratada pela TV Globo mas é preparadora de elenco em cinema e tem formação em teatro. A preparação que ela faz não é normalmente para televisão. Porque, lá está, em televisão não temos muito tempo para preparar as coisas. Desta vez fui privilegiada, estive seis meses

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no Brasil, dos quais dois a preparar a personagem. Isto é um bocado raro na televisão. É tudo tão rápido, o tempo urge. O que foi mais difícil de aprender? É um trabalho muito intimista, que ela não deixa ser gravado. Então fala-te exactamente do que trabalhamos… posso dizer que são essencialmente as emoções. As emoções como? O que estamos ali a fazer é uma viagem. Trabalhamos muito a improvisação, porque não agarramos logo no texto. Trabalhamos coisas da personagem, por exemplo o seu passado. Bloqueava um bocado porque não tenho assim tanta técnica, tanta escola, e às vezes baralhava-me. Antes de os “Laços de Sangue” arrancarem, tinha noção de que poderia atingir aquele nível de sucesso? Não. Já acontecia conhecerem-me na rua, mas não tinha noção do boom que iam ser os “Laços de Sangue”. Não imaginava que as pessoas ainda hoje me falassem daquela personagem. O que é que dizem? O que normalmente acontece é que as pessoas tratam mal os vilões. O estranho foi gostarem, gostaram tanto daquela personagem. Vinham ter comigo na rua e diziam que era horrível e como era capaz de fazer tanto mal, mas ao mesmo tempo mostravam admiração. Agarravam-se à personagem, à novela. E também aconteceu crianças de três ou quatro anos virem ter comigo e chamarem-me Diana. Custou ou deu gozo matar tanta gente na sua pele?

“Se calhar, se tivesse mergulhado assim tanto na Diana, não estava aqui a falar contigo, mas num hospício” “É estranho para mim ser o centro das atenções. Coro com muita facilidade, sinto-me constrangida”

No início da trama acreditava que ela era uma injustiçada da vida. Mas às tantas pensei: “Esta miúda é uma psicopata infiltrada na sociedade, não há muita justificação para os actos dela.” Mas dava um gozo tão grande... São coisas que normalmente não fazemos no dia-a-dia, como pegar numa arma. É um processo catártico? Sim. Realmente dava gozo. É difícil explicar porque é uma adrenalina, são coisas que estão no nosso inconsciente mas que ali posso fazer, as pessoas podem acreditar que sou má. E eu própria posso acreditar que naquele momento me vai dar gozo olhar para a minha mãe e dizer “vou-te matar”. Fartou-se da personagem? Houve momentos. Ainda por cima numa novela podes chegar a gravar 12 horas por dia. Às vezes torna-se desgastante. Porque depois ainda vamos ler o texto para o dia seguinte. Mas tenho trabalho, estou a fazer coisas de que gosto e até agora não me arrependo de nada do que fiz. Mas quero fazer outras coisas. Já fiz cinema, não muito, mas quero fazer mais e também quero muito fazer teatro. O que é mais difícil em representar? Por exemplo, quando a minha personagem tem de chorar. É obvio que existem técnicas de choro mas… Por exemplo? A respiração, o controlo da respiração. Tenho uma facilidade enorme não é em chorar, mas em verter lágrimas. Por exemplo, quando saio para a rua se estiver vento começo a chorar. Agora sentir o choro não é sempre. Há situações em que estou tão entregue àquela cena que podem dar-me o corta e ainda estou a chorar. Depois é preciso acalmar. Mas ainda bem que não acontece isso sempre, senão ficava maluca. O difícil é sentir. E pode falhar? Tenho situações que é como se a personagem não tivesse descido, sinto-a pairar à minha volta, sinto-me uma canastrona e que não consigo… É como se estivesse a ouvir a minha voz e sentisse que não estou a ser autêntica e isso mete medo. Sente esses bloqueios muitas vezes? Às vezes. Por exemplo à sexta-feira, quando já passou uma semana inteira de gravações. Sentir sempre também é difícil, por isso é que existem técnicas. Se eu sentisse tudo também andava a magoar-me


Foi no jardim do Torel, em Lisboa, que Joana falou sobre as câmaras e o título de actriz, com que ainda aprende a lidar. À vontade diante da câmara, num instante transforma a expressão séria a que nos habituou ANTÓNIO PEDRO SANTOS

constantemente. Às vezes tenho de criar uma barreira entre mim e a personagem. Se calhar se tivesse mergulhado assim tanto na Diana não estava aqui a falar contigo, mas num hospício. Como se salta de Economia para a representação? Estive em Economia até ao 12.o ano e o que ia fazer era seguir Gestão de Empresas. Onde é que eu estava com a cabeça? Senti-me completamente perdida. Queria Artes mas diziam-me que não tinha saídas e então pronto, fui para Economia. Não tinha uma ideia do que queria ser? Não. Andava a viajar na maionese. E entretanto percebi que não estava contente e, aliás, no 12.o ano chumbei. Fui estudar à noite para substituir as Matemáticas e essas coisas. De repente tive Psicologia e apaixonei-me. Pensei que era o que queria seguir e ir para a faculdade. O que aconteceu pelo caminho? Houve um teatro na escola no final do 12.o em que imitámos os professores. À última hora deram-me um papel e pelos vistos a coisa correu bem. Gostei, os meus colegas também, e houve professores a vir ter comigo dizer: “Joana, já pensaste ser actriz?” E, realmente, aos 15 anos, quando entrei para a agência Elite, já me mandavam bocas sobre a representação. Porquê ser manequim? Propuseram-me. Na altura era alta para a minha idade e tinha uma carinha bonita. Entretanto, aí com 19 anos, fiz um casting para a novela “Fala-me de Amor”. A primeira vez diante das câmaras, qual foi a sensação? Era tão ingénua, estava tão na minha... Não ligava a nada. Estava ali para fazer o meu trabalho e conhecer pessoas novas. Não se sentia constrangida por estar ao lado de grandes actores? Nem era constrangida, era: “O que é isto? Estou com as pessoas que vejo na televisão, a conversar com elas.” Era estranho, de repente ver-me a falar com o Pedro Lima, a Sofia Alves. E de repente sentir que faço parte desse mundo. Não estudou Teatro nem andou no Conservatório. Sente-se menos actriz por isso? Já senti. Não por causa dos outros mas eu própria sentir-me complexada. Em todas as profissões tens de estudar, tens de ter formação. E eu de repente estou a dizer que sou actriz porque faço novelas?

Já tive um grande complexo em relação a isto. Agora vejo a coisa de outra maneira. Realmente acho que não sou má naquilo que faço e acho que já consegui algum respeito. Porque também não sou uma deslumbrada da vida. Mas nunca é tarde para voltar a estudar, vou fazendo os meus cursos e workshops. O que não quer dizer que agora tenha de ir para o Conservatório aprender tudo. Mas também não quer dizer que não vá. Quero estar constantemente a aprender. Incomoda-a ser o centro das atenções? Estou a lidar melhor com isso. É um bocadinho estranho. Coro com muita facilidade e de repente sinto-me completamente constrangida e não sei onde vou pôr as mãos, se vou andar com o pé direito ou com o esquerdo, porque tenho as pessoas a olhar para mim. Agora sei lidar melhor com isso. Desde a “Laços de Sangue” sinto que conquistei respeito, que as pessoas gostam do meu trabalho. Agora tem mais cuidado com o visual? Sempre fui um bocadinho descuidada tanto com a alimentação como na maneira de vestir. Sou como sou, quem gosta gosta, quem não gosta não gosta. Neste momento sou nova, mas de repente o corpo começa a mudar e nós não temos controlo sobre isso. Tenho de ter mais cuidado. E as revistas cor-de-rosa causam-lhe dores de cabeça? Não muito. Se calhar porque não sou assim tão interessante a esse nível. Sou uma pessoa tão pacata... E preservo a minha privacidade, não me exponho. Tem medo de partilhar a sua vida, namoros, família? Não é medo. Sou eu que... Vá, vamos pôr as coisas a este nível: eu é que sou figura pública, não são eles. Portanto não os vou expor. Tenho de vender o meu trabalho não a minha vida. O que poderia ser se não fosse actriz? Abria um restaurante. Uma coisa ecléctica, adoro cozinhar. Com quem aprendeu? Sozinha, foi quando saí de casa dos meus pais. Tinha de me desenrascar e ia à internet pesquisar receitas, acabou por ser quase uma terapia. Chego a casa e não me importo de cozinhar só para mim. De repente estou sozinha mesmo em silêncio, só a ouvir a comida a fervilhar na panela. Fico ali com os meus tachos e as minhas colheres de pau. Gosto mesmo muito.

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Mais Media&Televisão

A crise em Portugal é o tema que mais interessa à comunicação social estrangeira principalmente “os efeitos na vida das pessoas com os cortes no orçamento”

ELENA PONCINI, REPÓRTER DA AGÊNCIA NOTICIOSA “IMAGO PRESS” E DO “EL MUNDO”

PEDRO BASSAN, CORRESPONDENTE DA “TV GLOBO”

Nacho Doce/Reuters

RAQUEL TORIBIO, JORNALISTA DA AGÊNCIA NOTICIOSA “EUROPA PRESS” E DO “EL PERIÓDICO DE CATALUNYA”

O que escrevem os jornalistas estrangeiros de Portugal? Na sua grande maioria, passam os dias a escrever sobre política e economia portuguesa MÁRCIA OLIVEIRA

marcia.oliveira@ionline.pt Faltavam poucos dias para a cimeira da NATO, quando Raquel Toribio chegou a Portugal, em 2010. “Foi a primeira e a última cobertura informativa sem conteúdo económico que fiz até agora”, explica ao i a jornalista espanhola que trabalha para a agência noticiosa “Europa Press” e para o “El Periódico de Catalunya”. Segundo Raquel Toribio, ao longo do último ano e meio, a Espanha tem visto no nosso país um precedente das consequências da crise económica e financeira. Por isso, os meios de comunicação social espanhóis têm seguido com atenção o “resgate financeiro”, “a resposta na rua às medidas de austeridade” e, principalmente, “os efeitos na vida das pessoas com os cortes no orçamento”. “Infelizmente, as notícias que os correspondentes costumam enviar para as redac-

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ções estrangeiras não costumam ser positivas. Daí, o nosso esforço para destacar a solidariedade que existe na sociedade portuguesa que, no meu entender, é um exemplo para Europa”, reforça a jornalista. Também o único repórter da TV Globo em Portugal, Pedro Bassan, admite que embora faça todo o tipo de reportagens para o Brasil, ultimamente, “a crise é um dos temas principais”. “Sem dúvida que a crise deixou os portugueses um pouco mais cabisbaixos mas, para quem vem de fora, vale ressaltar que

Os jornalistas estrangeiros são unânimes: Portugal tem potencial mas não sabe demonstrá-lo lá fora

a crise encontrou o país num patamar muito alto, com bons indicadores sociais e uma riqueza per capita muito significativa e maior que a do Brasil”, afirma o jornalista natural de Tupã, estado de São Paulo. No estrangeiro, Portugal parece ser mencionado apenas como sinónimo de crise económica e financeira. Mas, eis que o i conhece Olivier Bonamici. Entre outros órgãos de comunicação social, o jornalista de origem franco-monegasca trabalha para as rádios públicas francesa, suíça e belga. E, segundo o profissional, o que interessa aos seus editores não é propriamente a crise mas sim saber como são os hábitos dos portugueses. “Raramente faço política pura e economia. Para isso, os meus editores contentam-se com as agências noticiosas. Eles gostam muito mais de peças originais que mostram como é o país e como são as pessoas”, explica o profissional de 39 anos. Porque é que em Portugal a televisão está sempre ligada nos restaurantes? E porque é que nesses mesmos locais de estabelecimento há muito mais pessoas que se sentam frente a frente e não lado a lado? Este é apenas um exemplo do género de reportagens que Olivier Bonamici já fez sobre o nosso país. O quotidiano dos jornalistas estrangeiros, na sua grande maioria, é passado a escrever sobre a política e a economia portuguesa. Mas, Portugal, não é só isso. Quem o defende são os próprios profissionais que afirmam que o nosso país tem muito potencial mas que não sabe demonstrá-lo lá fora. “Nunca tinha vindo a Portugal e fiquei muito surpreendida pela gastronomia, vinhos, paisagens e praias. Acho que se devia trabalhar mais em dar a conhecer tudo o que o país tem de bom para oferecer aos turistas e facilitar o desenvolvimento no sector que continua a funcio-

nar apesar da crise. Às vezes, sinto um bocado de raiva quando vejo que nem se aproveita nem se investe no talento e nos recursos portugueses”, afirma a jornalista espanhola, Elena Poncini, que está há um ano e meio em Lisboa. “O país é lindíssimo e muito acolhedor mas não sabe valorizar a sua cultura. Para além disso, possui uma sociedade muito materialista. Apesar de algumas coisas de que não gosto, não trocaria este país por mais nenhum. Sou muito feliz aqui”, sublinha Oliver Bonamici. Já para Pedro Bassan, falar de Portugal torna-se num momento nostálgico, visto que, depois de três anos como correspondente da TV Globo em terras lusas, em Julho regressa ao Brasil. “Vou ter muitas saudades de Portugal. Na realidade, sinto-me meio alentejano, talvez pelas semelhanças da paisagem com o interior do estado de São Paulo de onde venho.” Mas não é só das paisagens que Bassan vai sentir falta. “Engordei uns cinco quilos durante todos estes anos que vivi em Portugal. Gosto particularmente da doçaria conventual. Nunca fui muito ligado a doces ou chocolates mas os doces de ovos acertaram em cheio no ponto mais frágil da minha gula”, realça. Para além disso, o brasileiro confessa-se um apaixonado pela “nova geração de fado” como a Carminho e o Pedro Castro. Contudo, o rock português é uma paixão ainda mais antiga. “Na minha adolescência, no Brasil, já ouvia Xutos e Pontapés, GNR, Delfins e até Toranja.”

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Portugal é visto como um dos melhores destinos turísticos por vários meios de comunicação internacionais, do “The New York Times” à revista “Traveller”. Saiba mais nesta edição do suplemento LiV.


JANELA INDISCRETA

BOM BOM

REQUIEM PARA UMA EMPRESA RTP2

BOM BOM

PRESENTE NO FUTURO TVI24

SÁBADO

JOSÉ COUTO NOGUEIRA

■ Fundada em 1920, com instalações em Olho de Boi, em Almada, a Companhia Portuguesa de Pesca chegou a ter 25 navios e 700 trabalhadores. Era a maior empresa pesqueira nacional, relativamente moderna, regularmente equipada e bem administrada. Depois do 25 de Abril entrou em decadência, foi nacionalizada, e acabou por falir em 1984. Este magnífico doc analisa sobriamente o que se passou, com material de épo-

■ Interessante debate sobre os fenómenos relacionados com o envelhecimento da nossa população com Manuel Vilaverde Cabral (na qualidade de presidente do Instituto do Envelhecimento), Pedro Pita Barros (Faculdade de Economia da Universidade Nova) e Maria João Valente Rosa, autora do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que deu origem a esta conversa. Desfizeram-se alguns mitos, como o de

RTP1 06.07 06.30 08.00 10.00 13.00 14.14 19.00 19.37 21.59 22.14 23.58 01.09 02.23

RTP1 06.04 06.30 08.00 10.15 11.15 12.15 12.30 13.00 14.15 15.30 16.00 18.15 19.00 20.00 21.00 21.45 22.25 22.30

que o envelhecimento da população está relacionado com a produtividade, ou que está ligado à longevidade – de facto tem a ver com a baixa taxa de natalidade, que a imigração mal compensa. As questões etárias, que funcionam a longo prazo e portanto são difíceis de modificar a curto prazo, são uma das maiores causas da destruição do país como nação autosuficiente e como conjunto produtor de riqueza.

RTP2 Prova Dos 3 Brinca Comigo Bom Dia Portugal Fim De Semana Portugal Sem Fronteiras Jornal Da Tarde Eu Sou Portugal Telejornal Portugal vs Turquia Voz Do Cidadão Com Amor Se Paga Herman 2012 Planeta Música Janela Indiscreta Com Mário Augusto

05.21 Clara 05.30 07.00 07.30 08.00 14.00 15.00 19.00 19.30 20.00 20.30 21.00 22.00 22.37 00.30 02.30

DOMINGO

Hasta la vista

ca e depoimentos dos poucos intervenientes que ainda estão vivos. Ao narrar o processo de destruição da CPC descreve os erros cometidos durante o chamado Processo Revolucionário – a má gestão dos trabalhadores e a incompetência e descaso das autoridades, num cenário de mudanças mundiais das pescas que a empresa não soube acompanhar. A gestão, de cima para baixo ou de baixo para cima, não é um dos nossos pontos fortes.

Prova Dos 3 Brinca Comigo Bom Dia Portugal Fim De Semana Eucaristia Dominical Bbc Terra Tintim Por Tintim Eu Sou Portugal Jornal Da Tarde Cinco Sentidos Nikita Um Golpe De Sorte Sagrada Família Pai à Força Telejornal Euro 2012 - Eu Sou Portugal Estado De Graça Sorteio Do Joker Sherlock Holmes

01.15 03.00

SIC Diário Câmara Sociedade Civil Fórum áfrica África 7 Dias Zig Zag Parlamento Desporto 2 Arte & Emoção Feitos Em Portugal A História De áfrica Do Sul Futurama Bastidores Das Marchas De Lisboa Hoje Sem Destino Os Quatrocentos Golpes Desporto 2

Scoop Cinco Sentidos

RTP2 06.35 07.30 08.00 09.00 09.30 10.00 10.45 13.15 13.45 14.00 19.00 19.30 20.00 20.30 21.00

Mar De Letras Áfric@global Músicas De áfrica Caminhos 70x7 Nós Zig Zag Janela Indiscreta Com Mário Augusto A Voz Do Cidadão Desporto 2 Big Kahuna Ingrediente Secreto Os Simpsons A Verde E A Cores Bastidores Das Marchas De Lisboa

06.00 06.45 08.15 09.45 11.00 12.00 13.00 14.15 14.45 15.30

TVI 06.30 10.12 13.00 14.45

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Etnias Lol! Disney Kids Floribella Tower Prep Nosso Mundo Primeiro Jornal Alta Definição E - Especial Investigação Criminal. Los Angeles Franklin & Bash Cinema Jornal da Noite Vamos Lá, Portugal! Gosto Disto! Rosa Fogo Euro 2012. Os Protagonistas Cinema

22.00 22.30 23.30 00.30 01.40

Hoje Câmara Clara Britcom Onda-curta Desporto 2

TVI

16.30 17.30 20.00 21.30 21.45 22.45 23.45

SIC 06.30 08.15 09.45 11.00 12.00 13.00 14.15 15.00 16.30 18.15 20.00 21.30 21.45 00.45

Lol! Disney Kids Floribella As Surfistas do Outro Mundo Vida Selvagem Primeiro Jornal Fama Show Cinema Cinema Cinema Jornal da Noite Vamos Lá, Portugal! Ídolos Cinema

20.00 21.35 22.45 23.48 00.15 02.00 03.52

06.15 06.30 06.45 07.00 08.30 08.45 09.30 11.15 13.00 14.00 20.00 21.45 01.00 01.15

Diário da Manhã Você na TV! Jornal da Uma Todos com Portugal – Óbidos Jornal das 8 - Euromilhões Louco Amor Doce Tentação Remédio Santo Casos da Vida Casos da Vida Filha do Mar

Neste número do i termina a minha colaboração com o jornal, iniciada logo no número um. Durante mais de três anos – 161 semanas, exactamente – fiz esta coluna diariariamente, sem falhar um dia, 132 crónicas “Coluna Vertical” e algumas dezenas de artigos sortidos, assinados ou não. Não é um mau balanço quantitativo; quanto à qualidade, só os leitores poderão dizer se lhes acrescentou alguma coisa ou foi mera perda de tempo. Por mim, só espero que tenham gostado tanto de ler como gostei de escrever. Termina, porque tudo na vida tem um fim, menos a fé clubística e o pagamento de impostos. A partir de segunda-feira retomo o blogue pessoal, o Perplexo, que aliás foi um dos blogues recomendados pelo i, e que ultimamente andava votado ao abandono. Depois, não se sabe; não há nada mais aliciante do que o futuro, porque todas as possibilidades estão em aberto.

Batanetes Kai-Lan O Pica Pau Winx Pop Pixie Detective Maravilhas Inspector Max Missa + Oitavo Dia Jornal da Uma Somos Portugal Jornal das 8 A Tua Cara não me é Estranha Operação Portugal Ficheiros Secretos. Quero Acreditar

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FC PORTO

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BÉTIS

1

OSASUNA

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GOLOS JOGO A JOGO

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1

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ATHLETIC BILBAU

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ESPANYOL

MUNDIAL DE CLUBES

MALAGA

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PEQUENA ÁREA

SARAGOÇA

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MILAN

ATHLETIC BILBAU

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GRANDE ÁREA

GRANADA

LIGA DOS CAMPEÕES

SEVILHA

BAYER LEVERKUSEN

LIGA

RACING SANTANDER

ATLÉTICO MADRID

PENALTIS

BAYER LEVERKUSEN

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REAL SOCIEDAD

MÁLAGA

SUPERTAÇA EUROPEIA

SANTOS

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FORA DA ÁREA

SARAGOÇA

SUPERTAÇA DE ESPANHA

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RACING SANTANDER

ATLÉTICO MADRID

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ATHLETIC BILBAU

1

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BATE BORISOV

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OSASUNA

VILLARREAL

REAL MADRID

REAL MADRID

Infografia

MAIS// MESSI & RO RELATÓRIO E CON Messi

73 GOLOS

PENALTIS

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TAÇA DO REI

TOTAIS POR COMPETIÇÃO

PENÁLTI

5 14

POR ZONA DO CAMPO

4

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ONALDO, NTAS

São os melhores do mundo. Juntos assinaram um Tratado de Tordesilhas para dividir o futebol ao meio. Juntos marcaram 133 vezes pelos seus clubes em 2011/12. Os golos passaram na televisão; veja-os agora, um por um, no papel TEXTOS

Rui Catalão INFOGRAFIA Carlos Monteiro

Ronaldo

60 GOLOS

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PENALTIS

2

PENALTIS

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1 LIGA DOS CAMPEÕES

LIGA

SUPERTAÇA DE ESPANHA

TAÇA DO REI

TOTAIS POR COMPETIÇÃO

FORA DA ÁREA

GRANDE ÁREA

PEQUENA ÁREA

PENÁLTI

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SEVILHA

ATHLETIC BILBAU

GRANADA

MAIORCA

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1

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BARCELONA

1

BAYERN MUNIQUE

SP. GIJÓN

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2

APOEL

2

ATLÉTICO MADRID OSASUNA

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REAL SOCIEDAD

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VILLARREAL

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CSKA MOSCOVO

ESPANYOL

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BÉTIS

CSKA MOSCOVO

1

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RACING SANTANDER

1

LEVANTE SARAGOÇA

1

3 BARCELONA

1

BARCELONA

1

ATHLETIC BILBAU

GRANADA

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SEVILHA PONFERRADINA

1

3 SP. GIJÓN

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VALÊNCIA

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ATLÉTICO MADRID

AJAX

1

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OSASUNA

GETAFE

1

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BARCELONA

1

LYON

3

MÁLAGA

3

3

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SARAGOÇA

RAYO VALLECANO

POR ZONA DO CAMPO

GOLOS JOGO A JOGO

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Mais // Infografia

Messi. Mapa de golos 1.ª PARTE

É UM CLÁSSICO DO ARGENTINO. MESSI RECEBE A BOLA À ENTRADA DA ÁREA, DESCAÍDO PARA A DIREITA, E VEM PARA O MEIO À PROCURA DE UM ESPAÇO. DEPOIS É SIMPLES, BASTA DESVIAR A BOLA DO GUARDA-REDES

PENÁLTIS

17 20 25 57 58 66

73

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55

10 28 1

15

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2 69

40

13 18

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49 34 8 19 64

61

7 21

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4

59 44

1, 2, 3 REAL MADRID 4 FC PORTO 5, 6 VILLARREAL 7, 8, 9 OSASUNA 10, 11, 12 ATLÉTICO MADRID 13, 14 BATE BORISOV 15, 16 RACING SANTANDER 17, 18, 19 MAIORCA 20, 21, 22 PLZEN 23 ATHLETIC BILBAU 24 SARAGOÇA 25 MILAN 49, 50 RACING SANTANDER 51 SEVILHA 52, 53, 54 GRANADA 55 MAIORCA 56 ATHLETIC BILBAU 57, 58 MILAN 59, 60 SARAGOÇA 61 GETAFE 62, 63 LEVANTE 64, 65 RAYO VALLECANO 66, 67, 68 MÁLAGA 69, 70, 71, 72 ESPANYOL 73 ATH

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REMATES

CORRIDA

PASSES

LIGA

LIGA DOS CAMPEÕES

TAÇA DO REI

SUPERTAÇA DE ESPANHA

SUPERTAÇA EUROPEIA

MUNDIAL DE CLUBES

COLEGA DE EQUIPA

2.ª PARTE

PENÁLTIS

33 50 56 60 63 A MAGIA DE MESSI TAMBÉM É ISTO: ARRANCA NO MEIO-CAMPO, ACELERA E SÓ PÁRA QUANDO FAZ GOLO. A COMBINAÇÃO ENTRE VELOCIDADE E DRIBLE TORNA-O IMPARÁVEL. CADA TOQUE NA BOLA É UM DESAFIO À OUSADIA DOS DEFESAS

67 70 72

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71 12 51

36

11

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41 62 42

14

6

9

35

3

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16

31 5

O BARCELONA É COMO UM EXÉRCITO À CONQUISTA DE UM CASTELO INIMIGO. CERCA-O E ATACA-O ATÉ À EXAUSTÃO. MESSI PROCURA MUITO JOGO À ENTRADA DA ÁREA, PARA DEPOIS DECIDIR O DESTINO DA BOLA. E A TENDÊNCIA INTENSIFICA-SE NAS SEGUNDAS PARTES

54 26

46 27

26 RAYO VALLECANO 27 LEVANTE 28, 29 SANTOS 30, 31 OSASUNA 32, 33 BÉTIS 34, 35, 36 MÁLAGA 37 REAL SOCIEDAD 38 BAYER LEVERKUSEN 39, 40, 41, 42 VALÊNCIA 43 ATLÉTICO MADRID 44, 45, 46, 47, 48 BAYER LEVERKUSEN HLETIC BILBAU

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Mais // Infografia

Cristiano Ronaldo. Mapa de golos 1.ª PARTE

PENÁLTIS

19 32 55

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60 48 13 1

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24

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56 39 50 57

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44 6

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27

O GOLO AO BARÇA (COM A AJUDA DE PINTO), NA TAÇA DO REI, MOSTRA QUE OS ATAQUES RÁPIDOS DO REAL MADRID TÊM UMA GRANDE PROBABILIDADE DE CASTIGAR OS ADVERSÁRIOS. RONALDO É UMA SETA DISPARADA EM DIRECÇÃO À BALIZA. A CAPACIDADE FINALIZADORA DO PORTUGUÊS TRATA DO RESTO

1 BARCELONA 2, 3, 4 SARAGOÇA 5 GETAFE 6, 7, 8 RAYO VALLECANO 9 AJAX 10, 11, 12 MÁLAGA 13, 14 LYON 15, 16, 17 OSASUNA 18 VALÊNCIA 19, 20 ATLÉTICO MADRID 21 SP. GIJÓN 22 PONFERRADINA 23, 24, 25 SEVILHA 26 GRAN 44, 45 REAL SOCIEDAD 46, 47 OSASUNA 48, 49 APOEL 50, 51, 52 ATLÉTICO MADRID 53 SP. GIJÓN 54 BARCELONA 55, 56 BAYERN MUNIQUE 57 SEVILHA 58 ATHLETIC BILBAU 59 GRANADA 60 MAIORCA

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REMATES

2.ª PARTE

CORRIDA

PASSES

LIGA

LIGA DOS CAMPEÕES

TAÇA DO REI

SUPERTAÇA DE ESPANHA

COLEGA DE EQUIPA

PENÁLTIS AO LONGO DOS ANOS, RONALDO TEM TRABALHADO A POTÊNCIA E A COLOCAÇÃO DO REMATE. ESTE GOLO AO LEVANTE, UM DOS DEZ FORA DA ÁREA QUE MARCOU ESTA ÉPOCA, É UMA OBRA DE ARTE IMPOSSÍVEL DE DESTRUIR

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8 14 16

20 25 28 29 52

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59 51

34 18 É RARO, MAS DE VEZ EM QUANDO RONALDO TAMBÉM MARCA GOLOS MAIS AO ESTILO DO BARCELONA. A TABELINHA COM ÖZIL – QUE DEVOLVE DE CALCANHAR – ENQUANTO O AVANÇADO SERPENTEIA PELO MEIO DOS JOGADORES DO VILLARREAL É UM EXEMPLO DISSO

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DE CALCANHAR

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ADA 27 BARCELONA 28, 29 ATHLETIC BILBAU 30 BARCELONA 31 SARAGOÇA 32, 33, 34 LEVANTE 35 RACING SANTANDER 36 CSKA MOSCOVO 37 RAYO VALLECANO 38 ESPANYOL 39, 40 BÉTIS 41, 42 CSKA MOSCOVO 43 VILLAREAL

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Mais // Euro-2012

Portugal. Antes dos Euros, a vitória será nossa

Bate-boca

Ao duplo 0-0 com Polónia e Macedónia, a selecção nacional fecha a onda de particulares com aTurquia.Todos para o Estádio da Luz RUI MIGUEL TOVAR

rui.tovar@ionline.pt Zerozero.pt é um site de base de dados sobre todos os campeonatos portugueses. Zerozero é também a mais recente base de dados da selecção portuguesa, a avaliar pelos resultados dos dois particulares entre a fase de qualificação para o Europeu e o Euro propriamente dito. Zerozero com a Polónia, zerozero com a Macedónia. Hoje é a vez da Turquia, na Luz, no terceiro e último particular antes de 9 de Junho, com a Alemanha. Ora bem, aos dois empates segue-se o quê? A história diz vitória. Sempre que a selecção nacional se prepara para uma fase final de um Europeu, o último particular é um enorme sorriso português. 1984 À derrota 3-2 com a Jugoslávia de

Ivkovic, segue-se o Luxemburgo no Luxemburgo. Com o apoio de nove mil emigrantes, está 1-0 ao intervalo obra da sinfonia de Wagner. Na segunda parte, Eurico e Diamantino viram o resultado em seis minutos apenas. 1996 Inglaterra (1-1), França (2-3) e Alemanha (1-1) travam a euforia. Seguem-

se Grécia (1-0) e República da Irlanda. Em Dublin, um golo fortuito de Folha no último minuto resulta na vitória e no primeiro beijo à bandeira portuguesa. “Antes do jogo, combinámos que quem fizesse um golo tinha esse gesto. Eu fui o primeiro”, reage o esquerdino. Quem também está feliz é Mick McCarthy, seleccionador irlandês: “Gostava que jogássemos como Portugal, com a mesma capacidade para fazer circular a bola, com a mesma técnica superior e com a magia no passe.” 2000 Empate (1-1 vs. Bélgica), vitória (21 vs. Dinamarca) e derrota (2-0 vs. Itália). O último teste é com o País de Gales, sem Ryan Giggs, em Chaves. Com Paulo Bento no onze, Portugal ganha 3-0 golos de Figo, Sá Pinto e Capucho. No final, um facto insólito com o árbitro bel-

ga Frank de Bleeckere a pedir a camisola de Rui Costa. 2008 Em estágio desde 19 de Maio, uma

semana após a divulgação dos 23 para o Europeu 2008, Portugal (9.o no ranking da FIFA) despede-se de Viseu com uma vitória, a primeira dos particulares depois de 1-3 com Itália e 1-2 com Grécia. A escolha da Geórgia (81.o) recai pelas características de jogo similiares à congenere da Turquia (16.o), primeira adversária na fase final. Já com Ronaldo, que chegara de Moscovo na véspera laureado com o título de campeão europeu por clubes no Manchester United, a selecção portuguesa arruma a questão na primeira parte com golos de Moutinho e Simão, este de penálti. 2012 Afastada do Europeu pela Croácia

no play-off, a Turquia apresenta-se na Luz e estará assim presente no acto da entrega da maior bandeira assinada do mundo (25 mil assinaturas), ideia dos estudantes universitários Rafael Antunes, Gonçalo Viegas e Salvador Mira.

Portugal perde sempre um jogo entre a qualificação e a fase final. Em 2012, isso está ●❚ por acontecer Hoje Portugal-Turquia às 19h45 na RTP1 ●

“Disseram-me que oVítor Baía não estava mais nos planos do FC Porto, estava em conflito com o seu treinador e com a direcção. Foi o presidente do FC Porto que me disse isto. A partir daí passei a olhar com outros olhos para o Vítor Baía” Luiz Felipe Scolari EX-SELECCIONADOR DE PORTUGAL (29 DE MAIO DE 2012)

“Há má-fé e maldade. É a única explicação que encontro para a minha ausência da Seleção naquela altura. A maldade encontro-a nas declarações proferidas desde que Scolari saiu da seleção e a disparidade de justificações que foram dadas” Vítor Baía EX-GUARDA-REDES DA SELECÇÃO (1 DE JUNHO DE 2012)

“Não sei o que aconteceu com Scolari. Já nem jogava. A única coisa que exijo é a liberdade total para fazer as minhas escolhas, sem qualquer tipo de pressão, sem ninguém a intrometer-se no meu trabalho” Paulo Bento SELECCIONADOR DE PORTUGAL (1 DE JUNHO DE 2012)

Paulo Bento festeja golo de Figo no 3-0 ao País de Gales, no último particular de 2000 52

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REUTERS


Mercado

Antonio Cotrim/Lusa

José Manuel Ribeiro/Reuters

A BANDA DESENHADA DO FUTEBOL PORTUGUÊS

Avançado vai jogar no novo campeão europeu

Extremo feito lateral, Luisinho foi uma revelação da Liga

Hulk. O super-herói para proteger a taça de Stamford Bridge

Luisinho, Luís e Luisão. A nova geração de sobrinhos do Pato Donald

Depois de Hazard (perto de 40 milhões) Abramovich compra mais uma edição especial do futebol, por 47 milhões de euros

Com a contratação do lateral esquerdo ao Paços de Ferreira, o plantel do Benfica passa a ter três defesas gémeos de nome

RUI CATALÃO

rui.catalao@ionline.pt As obras raras são as mais valiosas. É assim na pintura ou na escultura, nos automóveis ou na joalharia. E na banda desenhada. Nas edições menos comuns o preço multiplica-se, duas, três, quatro, até dez, 50 ou 100 vezes. Hulk é um herói de BD, publicado pela Marvel depois de nascer na cabeça de Stan Lee e Jack Kirby. Hulk é um super-herói do futebol, publicado pelo FC Porto depois de nascer no Brasil e no Vilanovense. Roman Abramovich é um fã de raridades. Pouco lhe interessam as figuras que se compram em qualquer banca de qualquer país. O milionário russo tem um gosto requintado, tão elitista quanto a conta bancária permite. Por isso gastou mais de 850 milhões de euros em contratações desde 2003. Por isso investiu, ao todo, mais de dois mil milhões de euros no Chelsea. Foi o preço da con-

quista da Liga dos Campeões, a obra rara que Abramovich sempre quis no museu. Agora quer protegê-la a todo o custo, ao mesmo tempo que prepara um ataque às edições que lhe falta. Para isso precisa de heróis. Mais, precisa de superheróis. O primeiro é Eden Hazard, belga do Lille, cuja criatividade permitirá à equipa encontrar soluções dentro de campo. Mas a qualidade tem um preço, que neste caso fica muito perto dos 40 milhões de euros. A segunda personagem é Hulk, o tal publicado pelo FC Porto. O preço de capa está nos 100 milhões de euros, mas o mercado nem sempre funciona como o vendedor quer. Quando chega a feira do livro, a editora de Pinto da Costa é obrigada a fazer concessões para concretizar o negócio. Na verdade, conta o “Guardian”, a cláusula de rescisão até é inferior – 60 milhões. O FC Porto ainda faz um desconto, com portes de envio incluídos, e vende-o por 47 milhões de euros. A dupla vai formar um trio quando se juntar a Fernando Torres, um superherói em fim de crise, que já lá está há um ano e meio a troco de 62 milhões de euros. Só que Abramovich não controla o desfecho da história.

Luís Carlos Correia Pinto. Luís Carlos Ramos Martins. [Anderson] Luís da Silva. Vamos simplificar, que isto assim é muito complicado. Fica Luisinho, Luís e Luisão. O primeiro acabou de chegar, o segundo fez a formação no Benfica, o terceiro é o capitão. São gémeos de nome, ainda bem que os aumentativos e diminutivos resolvem o problema. Imagine como seria, com o treinador a gritar por Luís e os três a olhar ao mesmo tempo – uma confusão. É como numa secção de desporto de um jornal com três Ruis: cada vez que alguém chama por um há três cabeças a rodar. Na maioria das vezes o destinatário é um quarto Rui, que nem sequer escreve. Luisinho, Luís Martins e Luisão. É mais ou menos como os sobrinhos do Pato Donald. Mas quem é quem aqui? Luisinho é Luisinho, o pato vestido de verde, o mais criativo da geração. O Benfica espera ter nele uma espécie de novo Fábio Coentrão, um extremo feito lateral gra-

ças às necessidades do Paços de Ferreira. A diferença está na idade. Enquanto Coentrão assentou de vez no Benfica com 21 anos, Luisinho vem mais tarde, já com 27. Luís Martins, perdão, Zezinho, é o mais esperto dos três, de camisola e boné azul (só para enganar). Subiu a pulso nas camadas jovens do Benfica, dos juvenis até aos seniores. Entretanto até já jogou na Liga dos Campeões, frente ao Basileia, quando Jorge Jesus não teve medo de apostar nele. Mas nem sempre os espertos se aguentam. E se os encarnados contratarem mais algum lateral esquerdo o mais provável é Luís Martins, perdão, Zezinho, acabar emprestado ou no Benfica B. Luís da Silva, perdão, Luisão, perdão, Huguinho. É o líder do grupo – não só dos irmãos, mas de todo o o plantel do Benfica. Tem a cor do clube na roupa e, neste caso, junta a criatividade de Luisinho e a esperteza de Zezinho na altura das novelas anuais de renovação do contrato. Primeiro diz que quer ir embora, depois aceita ficar porque lhe propõem melhores condições – que é como quem diz um salário mais vantajoso. É a banda desenhada do Benfica, com assinatura de Luís Filipe Vieira e Jorge Jesus.

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Mais // Futebol internacional

Ruanda. O sonho do Mundial afasta o pesadelo do genocídio Em 1994, o país foi arrasado pelo extermínio de 800 mil pessoas. O futebol também desapareceu, mas tem renascido nos últimos 18 anos RUI CATALÃO

rui.catalao@ionline.pt Patrick Mutesa Mafisango tinha 32 anos. Jogava no Simba, campeão nacional da Tanzânia. Era médio defensivo, influente e trabalhador, um dos melhores da sua equipa. Há duas semanas, morreu num acidente de carro em Dar es Salaam. Voltara dias antes do Sudão, onde o Simba tinha sido eliminado da Taça das Confederações Africanas – o equivalente à Liga Europa – pelo Al-Ahli Shendi. A morte de Mafisango deixou marcas no clube, mas também na selecção. “Quando um trinco marca 11 golos no campeonato, torna-se o melhor marcador da liga tanzaniana e joga muito bem na Taça das Confederações, então tem lugar garantido”, explicou Milutin Sredrojevic, seleccionador do Ruanda desde Novembro. A perda de um talento é dura, sobretudo num país com muito a crescer no futebol. Mas está longe de se aproximar da dor provocada pelo período mais negro da história do Ruanda. Em Abril de 1994, o assassinato do presidente

Juvénal Habyarimana serviu de ponto de partida para o genocídio de 800 mil pessoas. O massacre durou 100 dias e resultou da tensão entre as duas principais etnias do país. Foi conduzido pelos Akazu, um grupo de extremistas hutu (a maioria étnica no país), contra os tutsi e até mesmo outros hutu – mais moderados, a favor da paz, que foram considerados traidores. A maioria dos futebolistas ruandeses morreu ou desapareceu. O campeonato parou. O estádio Amahoro, na capital Quigali, transformou-se um campo de refugiados controlado pelas Nações Unidas. Com capacidade para 30 mil espectadores nas bancadas, passou a ter 12 mil pessoas a viver em permanência no recinto, em condições miseráveis. O processo de reconstrução foi lento e o futebol não escapou. A selecção ruandesa, que nunca tinha participado numa Taça das Nações ou num Mundial, estava ainda mais longe de chegar a uma fase final. Nem sequer entrou na qualificação para a CAN-1996 e acabou eliminada na primeira ronda do apuramen-

to para os Mundiais de 1998 e 2002. Pelo meio viveu um momento de felicidade, na Taça CECAFA (Conselho de Federações do Este e Centro de África), um torneio regional que é o mais antigo do continente – existe desde 1926. Em 1999, o Ruanda participou com duas selecções – A e B. Mas enquanto a equipa principal ficou pelo terceiro lugar (00 com o Burundi, 3-2 nos penáltis), a secundária ganhou 3-1 ao Quénia no último jogo. De qualquer forma, a taça ia para o Ruanda. Ainda hoje é o único título oficial dos Amavubi (em português, as Vespas), como são conhecidos. Mas mais saborosa ainda terá sido a qualificação para a CAN2004, a estreia numa competição de topo. No grupo A, com a Tunísia, a Guiné e a República Democrática do Congo, o Ruanda ficou a apenas um ponto da passagem aos quartos-de-final. Perdeu o jogo de abertura do torneio (2-1 com a Tunísia, país organizador), empatou na segunda jornada (1-1 com a Guiné) e ganhou na despedida (1-0 com os congoleses). O primeiro salto estava dado.

A selecção ruandesa já esteve na CAN-2004. Agora quer qualificar-se para o Mundial-2014 54

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Nesta altura o estádio Amahoro já estava novamente aberto para o futebol. Além dos jogos da selecção, era também casa dos dois maiores clubes do país – o APR (Armée Patriotique Rwandaise), com 13 títulos nacionais, e o Rayon Sport, com seis – e recebia a final da Taça do Ruanda. Mas o verdadeiro sinal de que as memórias do massacre estão a ficar de vez para trás aconteceu em Junho de 2011. A selecção ruandesa de sub-17, composta por jogadores do pós-genocídio, apurou-se para o Mundial do México. Apesar das derrotas com Inglaterra e Uruguai, ainda conseguiu um empate com o Canadá. O feito serviu de rampa de lançamento para outro objectivo: ir a um Mundial de seniores. O presidente da federação não tem dúvidas quanto a isso. Celestin Ntagungira, antigo árbitro (esteve, como assistente, nos Mundiais de 2006 e 2010), acredita que o Ruanda pode fazer história já em 2014. “Assim as pessoas falariam apenas da nossa selecção, em vez de se concentrarem nas coisas más e no genocídio.” Durante algumas semanas, pelo menos, o mundo esqueceria que o regime do presidente Paul Kagame também tem características repressivas, condiciona a liberdade de imprensa – é 156.º (em 179 países) no índice dos Repórteres Sem Fronteiras – e é acusado de fazer desaparecer a oposição. Hoje, às 20h30, o Ruanda defronta a Argélia na primeira jornada da segunda fase de qualificação para o Mundial2014. No grupo H estão ainda Mali e Benim e só o vencedor passa à terceira fase. O sonho ruandês ainda tem obstáculos pela frente. Mas pelo menos já não parece um pesadelo.

CHRISTOPHER HERWIG/REUTERS


Automobilismo

Roland Garros. A série de Federer está para durar

Será Uhlenhaut ou Fangio? Huuum, assim parado só pode ser Fangio

REUTERS

Rudolf Uhlenhaut. Mais rápido que o próprio Fangio O engenheiro da Mercedes-Benz criava motores, mas também sabia fazer bom uso deles. A ironia? Nunca comprou um carro CÁTIA BRUNO

catia.bruno@ionline.pt O circuito tem o nome de Nürburgring e é o local escolhido para acolher o Grande Prémio da Alemanha há 85 anos, mas com a Segunda Guerra Mundial o circuito perdeu a corrida e o seu encanto. Só depois, nos anos 50, foi ressuscitado e viu uma época em que os Ringmeisters dominavam a corrida alemã: John Surtees, Jacky Ickx, Alberto Ascari e, claro, Juan Manuel Fangio, todos eles foram vencedores em Nürburgring. Vamos então até 1954, ano em que Fangio se muda para a Mercedes, depois do segundo lugar no campeonato do ano anterior com a Maserati. Em Nürburgring faz uma sessão de testes que não lhe agrada. “O carro não está bem”, terá dito aos técnicos. Fangio e a Mercedes decidem adiar o trabalho e seguem para uma almoçarada. Já de volta à pista, um engenheiro de fato e gravata aproxima-se do carro, o W196. Entra e põe-se em marcha. Dá uma volta ao circuito e o cronómetro não engana: foi três segundos mais rápido que o próprio Fangio! O engenheiro sai do carro, aproxima-se do piloto e tenta não o preocupar: “Não é nada que um pouco de treino não resolva”,

diz-lhe amigavelmente. Quem é afinal este engenheiro? O seu nome é difícil de pronunciar, mas vale a pena o esforço: Rudolf Uhlenhaut, o criador do W196. O nome parece germânico, mas a nacionalidade é mista. O pai alemão trabalhava no Deutsche Bank em Londres, o que foi meio caminho andado para que a mãe do engenheiro fosse britânica e para que o pequeno Rudolf nascesse em Londres, no ano de 1906. A família assenta casa em vários países depois do Reino Unido, o que acaba por levar Rudolf a estudar em Munique, onde se forma. Aos 25 anos, o jovem entra na Mercedes-Benz, casa de onde não sairá até se reformar, em 1972. Pelo meio torna-se rapidamente o responsável pelo desenvolvimento dos carros de corridas. “Consigo conduzir depressa.” Foi o único comentário que alguma vez alguém ouviu da boca de Rudolf acerca do episódio com Fangio. Para os que trabalharam com ele, isso explica-se pela humildade que o caracterizava, entre outras qualidades. “Ele era completamente leal, um homem com um comportamento educado, culto e com uma personalidade verdadeira.” As palavras são de Karl Kling, o piloto alemão que beneficiou do

trabalho de Rudolf. Não foi o único, é claro: juntam-se a ele e a Fangio nomes como Stirling Moss e Hans Herrmann. “Ele era o verdadeiro director da corrida”, acrescenta Kling. A rapidez de Uhlenhaut não se manifestou apenas naquele episódio esporádico. Também no autódromo de Monza foi o engenheiro que fez o teste mais rápido da época. E reza a lenda que uma vez, atrasado para uma reunião, aproveitou para testar o Uhlenhaut Coupé, a versão adaptada à estrada do Mercedes-Benz 300 SLR, um dos carros de corrida criados por ele. Pegou no coupé, meteu-se na Autobahn e parece que fez a viagem de duas horas e meia de Munique a Estugarda em apenas uma hora. Uns dizem que nunca se tornou piloto pelos receios da mulher, outros porque a Mercedes não queria perder um criador de carros tão talentoso. O que é certo é que até à sua morte, em 1989, nunca teve um carro próprio. Quanto a Fangio, nada de preocupações. Ganhou o GP da Alemanha nesse ano de 1954, bem como o campeonato. Em Nürburgring só um homem foi mais rápido que ele, mas esse não era piloto de Fórmula 1.

Federer avança para a 4.ª ronda e estica o recorde de maior número de vitórias em torneios de Grand Slam 230, 231, 232, 233, 234, 235. Roger Federer é como um relógio suíço e não falha. Ao vencer o francês Nicolas Mahut por 3-1 com 6-3, 4-6, 6-2 e 7-5, o número 3 do ranking avança para a quarta ronda do Roland Garros e estica o recorde de maior número de vitórias em torneios de Grand Slam (Austrália, Roland Garros, Wimbledon e US Open), desde 1968. Já recordista de títulos de Grand Slam (16), Federer contabiliza agora 235 vitórias (contra 233 do norte-americano Jim Connors) e 35 derrotas. Stanislas Wawrinka, o outro suíço do torneio, também sorri numa apertada vitória decidida ao quinto set sobre o (outro) francês, Gilles Simon (5-7, 7-6, 7-6, 3-6 e 6-2), e joga agora com o francês (mais um...) Jo-Wilfriend Tsonga. No quadro feminino, o dia começa com a derrota da belíssima sérvia Ana Ivanovic (2-1 com a italiana Sara Errani) e continua com as vitórias das russas Maria Sharapova (2-0 à japonesa Ayumi Morita) e Svetlana Kuznetsova (2-0 à polaca Agnieszka Radwanska).

Roger Federer

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A FECHAR

JÁ NÃO DIGO NADA

2 e 3/6/2012

POR FERNANDO ALVIM

SEMÁFORO

O rancor é noite escura As pessoas falam muito na vingança mas ninguém fala no rancor. Pois bem, alguém tinha que o fazer. O rancor é muito pior que a vingança porque se guarda, porque remói como alguém que dá voltas na cama sem pregar olho. A vingança nisso é muito mais prática e por isso mesmo é adjectivável. Quem quer vingança vinga-se, quem quer rancor não se ranque ou lá o que é. A vingança sai de casa, entra no café e mata o homem à queimaroupa para seguir a sua vida; o rancor não, prefere matar de forma mais lenta, agoniante mesmo, primeiro polvilhando tudo à volta e depois acendendo o fósforo que incendiará a aldeia. Daí que a vingança seja muito mais popular que o rancor, porque este último é mesquinho e torpe e a vingança é directa e frontal, como se deve ser. Daí tantos filmes. Existe a vingança da Pantera Cor-de-Rosa, não existe o rancor da Pantera Cor-de-Rosa, existem os Vingadores, não existem os rancorosos. E porquê? Porque a vingança tem o coração ao pé da boca provando assim que o tem, enquanto o rancor nem isso nos garante. A vingança quer resolver o que houver para resolver mesmo que para isso tenha de haver chapada e pólvora em formato de cápsula a sair de um cano metalizado; o rancor quer ficar ali, onde tudo aconteceu, remexendo o passado, revolvendo a terra, burocratizando o processo, metendo papéis e mais papéis para que a vida não ande. E é isso que tanto nos distingue, saber os que querem andar para a frente e os que teimam em impedir o avanço. A vingança é Verão e por isso se serve a frio, o rancor é Inver-

no rigoroso, é noite escura e alimenta-se de bolorentas entranhas do passado. Por isso é que Paulo Bento devia ter convocado Ricardo Carvalho e Bosingwa – sim era aqui que eu queria chegar –, porque ao fazê-lo estaria a provar que não lhes guardaria qualquer rancor (mesmo que de facto guardasse) e que o interesse nacional para estarmos estarmos representados na máxima força se sobrepunha a tudo e seria infinitamente superior a qualquer quezília, mesmo séria e grave. O que Bento não percebeu é que essa poderia ser a sua doce vingança, obrigando-os não a ver o encontro no sofá, mas justamente interrompendo-lhes as férias no Algarve.

Onze novos cronistas renovam opinião do i Constança Cunha e Sá e Luís Marinho passam a escrever semanalmente

Medina Carreira O ex-ministro que dá hoje uma grande entrevista ao i é um dos homens mais populares do país porque põe o dedo em algumas feridas. Por exemplo, prevê que, a manter-se esta tendência, “a decadência do euro e da Europa será rápida e irreversível”. PP. 24-27

Paulo Macedo A sobrevivência do Serviço Nacional de Saúde depende da boa gestão, nomeadamente da não sobreposição de serviços. Mas o fecho de unidades de total confiança, como a da mama da Maternidade Alfredo da Costa, é um rombo psicológico de alto risco. P. 06

Vítor Gaspar É um erro de principiante para um economista não ter percebido em Agosto que o programa da troika faria disparar o desemprego. A dúvida é se foi o técnico a errar ou o político a tentar ludibriar. Nenhuma das duas opções é satisfatória. PP. 22-23 A.S.L.

O jornal i vai renovar a sua equipa de cronistas já a partir da próxima edição. Carlos Moreno, juiz-conselheiro do Tribunal de Contas, a jornalista Constança Cunha e Sá, os criminalistas Rui Patrício e Paulo Saragoça da Matta, o deputado Adolfo Mesquita Nunes e o dirigente socialista João Ribeiro – são algumas das novidades das páginas de opinião do i. Alexandre Homem Cristo, colaborador do blogue Cachimbo de Magritte, será o primeiro elemento da nova equipa a estrear-se. Conhecido pela análise de temas ligados à educação, irá escrever semanalmente à segunda-feira. No dia seguinte será a vez de João Assunção Ribeiro, porta-voz do secretariado nacional do PS. É actualmente doutorando em Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde investiga o fenómeno da corrupção, em particular, a acção de favorecimento (a “cunha”). Carlos Moreno escreverá quinzenalmente às quartas. Responsável pela secção de auditoria do Tribunal de Contas durante mais de dez anos, é o maior especialista nacional em parcerias público-privadas e profundo conhecedor de finanças públicas. O advogado Paulo Saragoça da Matta, habitual comentador de temas jurídicos, escreverá todas as quarta-feiras. Adolfo Mesquita Nunes, deputado do CDS, vai estrear um espaço semanal intitulado “Liberdade Individual” na quinta-feira. Luís Marinho, director-geral da RTP, será outra nova cara das quintas. Na sexta-feira será a vez de se estrear José Diogo Madeira, fundador do “Jornal de Negócios”, actualmente gestor de empresas. No sábado verificar-se-ão as maiores mudanças. Entram Constança Cunha e Sá, jornalista e comentadora política da TVI, o advogado Rui Patrício, Carla Hilário Quevedo, cronista do “Sol” e do blogue Bomba Inteligente, e a jornalista Fernanda Mestrinho. A direcção editorial do i deixa uma palavra especial de agradecimento pela sua dedicação aos cronistas que agora terminam a sua colaboração com o jornal.


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