camilla barreto myczkowski
arte urbana
o graffiti como símbolo de uma época
são paulo 2014
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
arte urbana o graffiti como símbolo de uma época
Camilla Barreto Myczkowski
São Paulo 2014
CAMILLA BARRETO MYCZKOWSKI
arte urbana o graffiti como símbolo de uma época
Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para obtenção do título de Arquiteta e Urbanista.
Orientador: Prof. Dr. Celso Lomonte Minozzi
São Paulo 2014
CAMILLA BARRETO MYCZKOWSKI
arte urbana o graffiti como símbolo de uma época Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para obtenção do título de Arquiteta e Urbanista. Aprovada em: ___/___/___
Prof° Dr° Celso Lomonte Minozzi Universidade Presbiteriana Mackenzie
À minha avó Eliet, por seu amor incondicional, por estar sempre junto a mim e sempre colocar minha formação acadêmica em primeiro lugar. À minha família, pelo constante incentivo e apoio em mais uma etapa da minha vida.
Agradeço...
…a Deus por sempre iluminar meu caminho e me dar forças para perseverar; ...à minha família, em especial, a minha avó Eliet, a minha mãe Dinah e a minha tia Denise, por todo amor e dedicação. Pelos exemplos de força, responsabilidade, coragem e fé; ...aos amigos, Mariana Tiemi, Renato Katsumi, Mariana Barth, Andréia Scaglione, Maria Lídia Vick, Paula Linares, entre muitos outros que me ajudaram e incentivaram, compartilhando momentos de alegria e tristeza em todos esses anos; ...ao meu namorado por me apoiar, me amar nos momentos mais difíceis e acreditar em mim; ...ao meu orientador, Prof. Dr. Celso Minozzi, pela paciência, inspiração e grande sabedoria.
A arte é a linguagem das sensações, que faz entrar nas palavras, nas cores, nos sons ou nas pedras. Gilles Deleuze
resumo
Este trabalho aborda o graffiti como expressão artística contemporânea pre-
sente nas grandes metrópoles, relacionando o mesmo com a arquitetura, focando o estudo em São Paulo. Busca através dos conceitos de territorialidade, arte, cidade, contracultura e paisagem urbana, entender o graffiti como forma de apropriação do espaço urbano. Relata o contexto histórico tendo como base o início nos Estados Unidos, e depois, sua expanção mundial, chegando em São Paulo. Cita brevemente alguns pólos de graffiti na cidade de São Paulo e os principais grafiteiros paulistas na atualidade, exemplificando as principais técnicas gráficas utilizadas pelos mesmos.
Palavras-chave: Arquitetura, graffiti, arte, arte urbana, paisagem urbana, cidade, territorialidade, identidade.
abstract
This work deals with the graffiti as contemporary artistic expression present
in large cities, relating the same with architecture, focusing on the study in São Paulo. Search through the territorial concepts, art, city, counterculture and urban landscape, understanding graffiti as a form of appropriation of urban space. Reports the historical context based on the beginning in the United States, and later, his world expansion, arriving in Sao Paulo. Briefly mentions some graffiti focus in São Paulo and the main São Paulo’s graffiti artists today, exemplifying the main graphic techniques they use.
Keywords: Architecture, graffiti, art, urban art, urban landscape, city, territoriality, identity.
lista de imagens Figura 1 - Quadro Retirantes (1944), de Cândido Portinari ................................ 34 Figura 2 - Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro RJ ......................... 58 Figura 3 - MES - Mural no Térreo ....................................................................... 60 Figura 4 - MES - Gabinete do Ministro ................................................................ 60 Figura 5 - MES - Paisagismo de Burle Marx ....................................................... 60 Figura 6 - MES - Escultura na sala de espera ................................................... 60 Figura 7 - Muros da Memória (1) ........................................................................ 62 Figura 8 - Muros da Memória (2) ........................................................................ 62 Figura 9 - Panteras Negras na Corte Criminal de Nova Iorque (11 de Abril de 1969) .................................................................................................................. 69 Figura 10 - Militante na frente de uma reunião .................................................. 70 Figura 11 - “Como pensar livremente sob a sombra de uma capela?” - pichação em um muro de Sorbonne, Paris. ................................................................ 74 Figura 12 - Muro de Berlim. ................................................................................ 74 Figura 13 - Jean-Micahel Basquiat ..................................................................... 78 Figura 14 - Keith Haring ...................................................................................... 79 Figura 15 - Daim ................................................................................................. 80 Figura 16 - Banksy .............................................................................................. 81
Figura 17 - King Robbo ....................................................................................... 82 Figura 18 - Belin .................................................................................................. 83 Figura 19 - Edgar Mueller ................................................................................... 84 Figura 20 - Smug ................................................................................................ 85 Figura 21 - Eric Grohe ......................................................................................... 86 Figura 22 - Kurt Wenner ...................................................................................... 87 Figura 23 - Dondi ................................................................................................ 88 Figura 24 - Aryz ................................................................................................... 89 Figura 25 - Roteiro de Arte Urbana ..................................................................... 95 Figura 26 - Roteiro Arte Urbana 2 ....................................................................... 96 Figura 27 - Centro da Cidade .............................................................................. 97 Figura 28 - Bairro da Liberdade .......................................................................... 98 Figura 29 - Avenida Paulista ............................................................................... 99 Figura 30 - Vila Mariana e Vila Madalena ........................................................... 100 Figura 31 - Avenida Cruzeiro do Sul ................................................................... 101 Figura 32 - Beco do Batman e Beco do Aprendiz ............................................... 102 Figura 33 - MinhocĂŁo .......................................................................................... 103 Figura 34 -Cambuci ............................................................................................. 104 Figura 35 -Rio TietĂŞ ............................................................................................. 105 Figura 36 - Avenida 23 de Maio .......................................................................... 106
Figura 37 - Barrs Funda ...................................................................................... 107 Figura 38 - Alex Vallauri ...................................................................................... 109 Figura 39 - Boleta ................................................................................................ 111 Figura 40 - Chivitz ............................................................................................... 113 Figura 41 - Crânio ............................................................................................... 115 Figura 42 - Finok ................................................................................................. 117 Figura 43 - Os Gêmeos ....................................................................................... 119 Figura 44 - Herbert Baglione ............................................................................... 121 Figura 45 - Kobra ................................................................................................ 123 Figura 46 - Nina .................................................................................................. 125 Figura 47 - Minhau .............................................................................................. 127 Figura 48 - Nunca ............................................................................................... 129 Figura 49 - Onesto .............................................................................................. 131 Figura 50 - Tikka ................................................................................................. 133 Figura 51 - Titi Freak ........................................................................................... 135 Figura 52 - Vitché ................................................................................................ 137 Figura 53 - Zezão ................................................................................................ 139 Figura 54 - Graffiti ............................................................................................... 142 Figura 55 - Graffiti 3D .......................................................................................... 144 Figura 56 - Lightgraff ........................................................................................... 146
Figura 57 - Aerografia ......................................................................................... 148 Figura 58 - Estêncil ............................................................................................. 150 Figura 59 - Lambe-lambe .................................................................................... 152 Figura 60 - Sticker ............................................................................................... 154 Figura 61 - Pixo Protesto .................................................................................... 156 Figura 62 - MAAU ............................................................................................... 159 Figura 63 - MAAU 2 ............................................................................................ 159 Figura 64 - Painel Preto ...................................................................................... 172 Figura 65 - Inside outside .................................................................................... 172 Figura 66 - Inside outside 2 ................................................................................. 172 Figura 67 - Inside outside 3 ................................................................................. 173 Figura 68 - Inside outside 4 ................................................................................. 173 Figura 69 - Inside outside 5 ................................................................................. 173 Figura 70 - Pátio exposição ................................................................................ 176 Figura 71 - Galo .................................................................................................. 176 Figura 72 - Vende-se ........................................................................................... 177 Figura 73 - Mural ................................................................................................. 177 Figura 74 - São Paulo Street Art ......................................................................... 179 Figura 75 - São Paulo Street Art 2 ...................................................................... 179 Figura 76 - Color + City ....................................................................................... 181
Figura 77 - Ossário ............................................................................................. 183 Figura 78 - Ossário 2 .......................................................................................... 183 Figura 79 - Ossário 3 .......................................................................................... 183 Figura 80 - Hotel ................................................................................................. 185 Figura 81 - Vídeo ................................................................................................ 185 Figura 82 - Arte ................................................................................................... 185 Figura 83 - Percurso ........................................................................................... 185 Figura 84 - Game Over ....................................................................................... 187 Figura 85 - Balloon .............................................................................................. 187 Figura 86 - Game ................................................................................................ 187 Figura 87 - Gêmeos ............................................................................................ 189 Figura 88 - Hashtag ............................................................................................ 189 Figura 89 - Capa ................................................................................................. 189 Figura 90 - Cinza ................................................................................................. 189
sumário Introdução .......................................................................................................... 27 1. Conceitos de arte e arte urbana .................................................................. 33 1.1. Arte ............................................................................................................... 35 1.2. Arte urbana ................................................................................................... 36 2. Cidade e paisagem urbana ........................................................................... 41 2.1. Paisagem urbana ......................................................................................... 42 2.2. Cidade construída X Cidade vivenciada ...................................................... 43 2.3. Apropriação territorial e identidade .............................................................. 45 3. Globalização e mudança de valores ........................................................... 51 4. Graffiti e arquitetura ...................................................................................... 55 5. Contexto histórico ........................................................................................ 67 5.1. No mundo ..................................................................................................... 75 5.2. No Brasil ....................................................................................................... 90 5.3. Principais polos em são Paulo ..................................................................... 94 5.4. Principais artistas em São Paulo na atualidade ........................................... 108 5.4.1. Alex Vallauri .............................................................................................. 108 5.4.2. Boleta ........................................................................................................ 110 5.4.3. Chivitz ....................................................................................................... 112
5.4.4. Crânio ........................................................................................................ 114 5.4.5. Finok ......................................................................................................... 116 5.4.6. Os Gêmeos ............................................................................................... 118 5.4.7. Herbert Baglione ....................................................................................... 120 5.4.8. Kobra ......................................................................................................... 122 5.4.9. Nina ........................................................................................................... 124 5.4.10. Minhau .................................................................................................... 126 5.4.11. Nunca ...................................................................................................... 128 5.4.12. Onesto ..................................................................................................... 130 5.4.13. Tikka ........................................................................................................ 132 5.4.14. Titi Freak ................................................................................................. 134 5.4.15. Vitché ...................................................................................................... 136 5.4.16. Zezão ...................................................................................................... 138 6. Técnicas de arte urbana ............................................................................... 141 6.1. Graffiti ........................................................................................................... 143 6.2. Graffiti 3D ..................................................................................................... 145 6.3. Lightgraff ...................................................................................................... 147 6.4. Aerografia .................................................................................................... 149 6.5. Estêncil ......................................................................................................... 151 6.6. Lambe-lambe ............................................................................................... 153
6.7. Sticker .......................................................................................................... 155 6.8. Pichação ...................................................................................................... 157 7. Graffiti – da marginalidade à valorização artística .................................... 159 7.1. Da pichação ao graffiti ................................................................................. 162 7.2. Da legalidade ............................................................................................... 164 7.3. Das ruas às galerias .................................................................................... 166 7.3.1. MAAU – Museu Aberto de Arte Urbana – São Paulo ................................ 166 7.3.2. Exposição “De dentro para fora e de fora para dentro” – MASP .............. 170 7.3.3. Bienal Internacional de Graffiti – MUBE .................................................... 174 7.3.4. Google Art Project ..................................................................................... 178 7.3.5. Color City ................................................................................................. 180 7.3.6. Ossário – Alexandre Orion ........................................................................ 182 7.3.7. Vídeo Guerrilha ......................................................................................... 184 7.3.8. FIESP – SP Urban Digital Festival ............................................................ 186 7.3.9. Cidade Cinza – O Filme ............................................................................ 188 Conclusão .......................................................................................................... 191 Bibliografia ........................................................................................................ 195 Anexos ...............................................................................................................
introdução
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As cidades não são definidas apenas pelas suas construções, pelo
concreto dos prédios, viadutos, ruas e avenidas, gerando a ideia de “cidade cinza” ou “selva de pedra”. A paisagem urbana é também o reflexo do contínuo processo de transformações resultante da vivência de seus habitantes, das dinâmicas sociais, econômicas e culturais, acrescidos dos símbolos de uma cidade por eles desejada ou idealizada, que vão projetando espacialmente os problemas e características arquitetônicas de cada época.
O cotidiano dos usuários da cidade faz com que lentamente estes passem a
se identificar entre si, por sua origem, características ou ideais comuns, materializando símbolos próprios de sua cultura.
Nesse contexto, surgem as práticas artísticas realizadas em espaços públi-
cos ou privados da cidade, realizadas por aqueles que sentem a necessidade de se expressar, visando atingir a percepção do espectador com questionamentos e críticas e transformando os aspectos da vida urbana sob o enfoque ideológico, político ou social.
A arte urbana teve sua origem nos grupos menos favorecidos, que se utiliza-
vam das ruas para disseminar suas ideias e expressões, uma vez que não tinham acesso aos veículos de comunicação, tampouco eram notados pelos organismos sociais.
Desta forma, o graffiti veio representar não apenas a voz silenciada da 31
comunidade, mas um meio de identificação desta com a cidade, elo este até então inexistente. Através deste registro artístico, o indivíduo apropria-se do território que o cerca, o que lhe traz o sentimento de pertencimento e notoriedade.
Conhecendo seu contexto histórico, verifica-se que inicialmente seus
seguidores eram criticados pela sociedade por seu aspecto marginal advindo das pichações, porém gradualmente vão sendo reconhecidos pelo povo e pela mídia como artistas devido ao desenvolvimento das técnicas por eles utilizadas, e aos poucos vão espalhando pela cidade novas cores, desenhos e ideias, atingindo também galerias e exposições.
Optou-se por focar mais atentamente o graffiti dentre as diversas artes
urbanas, pois este, disputando a visibilidade pública com suas representações significativas no cenário urbano, nas paredes e muros dos prédios públicos ew privados, pode dar aos urbanistas subsídios para entender as tendências, problemas e desejos da cidade em constante transformação, possibilitando uma reflexão mais aprofundada sobre o imaginário da cidade. O graffiti foi comparado ao muralismo na arquitetura moderna para exemplificar a relação entre arquitetura e as artes plásticas.
O presente trabalho teve como metodologia identificar os conceitos pertinen-
tes ao tema, como de arte, paisagem urbana e territorialidade, além de reconhecer o desenvolvimento histórico do graffiti, priorizando seu surgimento nos Estados 32
Unidos e no Brasil.
Foram estudadas também as técnicas de grafismo e como as mesmas
propiciaram a seus seguidores caminhar da marginalidade à valorização e reconhecimento artísticos. Além disso, foram apresentados registros fotográficos, uma vez que essas intervenções urbanas, por sua característica dinâmica, podem ser admiradas por um período limitado e ao mesmo tempo indeterminado, mas podem ser imortalizadas com as fotos que de tempos em tempos são expostas em galerias e outros espaços culturais.
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1. conceitos de arte e arte urbana
Figura 1- Quadro Retirantes (1944), de C창ndido Portinari Fonte: Yvanize, 2014.
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1.1. arte
Ao longo da história, o conceito de arte vem sofrendo alterações de acordo
com as mudanças de valores de cada época. Segundo Giulio Carlo Argan , pode-se aceitar que a arte engloba as criações humanas feitas com a intenção de expressar uma visão sensível do mundo, seja ele real ou fruto da imaginação. Ela permite a transmissão de idéias, emoções e sensações através de diferentes recursos plásticos, sonoros e linguísticos.
No período Clássico, haviam seis ramificações artísticas, sendo elas a
arquitetura, a dança, a escultura, a música, a pintura e a poesia. Com o surgimento de novas técnicas contemporâneas, como a cinematografia, novos ramos foram sendo incorporados, como por exemplo, a fotografia.
De acordo com Jorge Coli, a arte possui uma característica crítica, podendo
nos levar a uma reflexão sobre determinado assunto.
Utilizando o quadro de Cândido Portinari (1903 – 1962) chamado Retirantes
é possível ver que o artista retratou o sofrimento do povo nordestino afetado pelos problemas da seca, como desnutrição, mortalidade infantil, precariedade, fome e miséria. Utilizou texturas e cores que deixaram transparecer a morbidez do cenário a fim de atingir o espectador, fazendo-o refletir sobre esta dura realidade.
Outro tema que podemos abordar sobre o entendimento da arte é sua 37
efemeridade ou permanência. Antigamente os artistas almejavam criar obras artísticas que perdurassem por muitos séculos. Segundo Argan, de certa forma, até hoje vemos a necessidade de preservar as obras do passado, de assegurar sua continuidade. Mas em contrapartida, também temos obras efêmeras, que têm como princípio a duração de dias, talvez horas, e neste caso encontram-se as esculturas de areia, a arte urbana, espetáculos de dança, que mesmo sendo efêmeros não perdem a sua importância e qualidade.
Para Cássia Correa Pereira, as práticas artísticas também são transforma-
doras na medida em que enfrentam a imobilidade, são inconformistas, desafiam a realidade e agregam as pessoas,criando espaços e oportunidades para que se pronunciem vozes silenciosas ou silenciadas, em ações movidas pela energia humana e não obrigatoriamente dependentes do dinheiro para acontecer. São práticas capazes de alterar a nossa maneira de ver e compreender o mundo, provocando-nos a assumir o nosso papel como participantes ativos da história, atuando no sentido de modificar a estrutura da sociedade.
1.2. arte urbana
Para Vera Pallamin, arte urbana ou street art são manifestações artísticas
que têm como principal aspecto a cidade como plano de fundo, tela ou inspira38
ção. É uma arte contemporânea, que se utiliza dos espaços públicos e até mesmo privados da cidade, adquirindo assim o aspecto transgressor.
O arquiteto Luiz B. Telles aponta sua origem em grupos menos favorecidos
economicamente, mas estende-se pelas diferentes camadas sociais, isto porque é feita por aqueles que sentem a necessidade de se expressar e serem reconhecidos, vistos pela sociedade. A respeito da arte, Argan explica sua importância no cenário social. “(...) o que a produz é a necessidade, para quem vive e opera no espaço, de representar para si de uma forma autêntica ou distorcida a situação espacial em que opera” (ARGAN, 2005, pg. 74) “(...) o significado [urbano] não surge de estruturas econômicas objetivas, mas do uso da cidade na vida cotidiana” (DEUTSCHE, 1991, pg. 56 apud PALLAMIN, 2000, pg.46)
Pallamin cita Deutsche para explicar o entendimento da formação da
questão urbana da arte. Como dito anteriormente, engloba todo o tipo de arte expressada na rua e normalmente descreve o trabalho de pessoas que desenvolveram um modo de expressão artística mediante o uso de diversas técnicas alternativas como moldes, pôsteres, adesivos, murais e graffiti, além da dança e música herdadas do movimento Hip Hop.
É um tipo de intervenção urbana na medida em que cria uma interação com 39
um espaço ou objeto pré-existente na cidade, visando atingir o espectador a fim de modificar ou acentuar sua percepção. Neste contexto, a arte urbana tem como foco principal questionar, criticar e transformar os aspectos da vida urbana, sob o ponto de vista ideológico, político ou social, incitando toda população à discussão. Vera Pallamin aponta que a arte urbana utiliza-se das práticas cotidianas, “uma vez que aquelas podem se mostrar através desta (arte urbana), modificando os espaços públicos com apropriações inusitadas e, com isto, alterando sua carga simbólica” (PALLAMIN, 2000, pg. 41).
Também expande os questionamentos para o conceito de arte, pois, se
uma frase pintada num muro, uma bóia salva vidas colocada num momumento e um homem andando de saia na avenida Paulista são exemplos de manifestações artísticas, então o que (não) seria arte? “Na condição atual da cultura se permite até mesmo que (...) um objeto possa ser contemporaneamente arte e não -arte, a qualificá-lo ou não qualificá-lo como arte bastando a intencionalidade e a atitude do artista e também do espectador.” (ARGAN, 2005,pg. 27)
Para Vera Pallamin, “a arte urbana é, enquanto modo de construção social dos espaços públicos, uma via de produção simbólica da cidade, expondo e mediando suas relações sociais”.
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O conceito de arte urbana possui duas raízes, sendo elas, a arte (do latim,
ars) e a cidade (do latim, urbi). Assim como Argan entende a evolução da produção artística como expressão da própria evolução da cidade, o conceito de arte aqui abordado não enfatiza o âmbito da qualidade artística, e sim as questões sócio-culturais, como um produto, uma forma de expressão temporal da sociedade e/ou um grupo social.
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2. cidade e paisagem urbana
2.1. paisagem urbana
O conceito de paisagem, do ponto de vista geográfico, designa uma
continuidade no território. Porém, de forma mais ampla e complexa, a paisagem pode ser definida por um conjunto de elementos naturais e pelas ações do homem ao longo do tempo, assim, podendo-se afirmar que a mesma é modificada culturalmente, sendo a manifestação cultural de uma sociedade. Segundo Carl Sauer, a paisagem pode ser “definida como uma área composta por uma associação distinta de formas, ao mesmo tempo físicas e culturais.” (SAUER, Carl, apud Corrêa & Zeny, 1998, p.9; apud ORTIGOZA, 2010, p.83).
Nas reflexões de Luiz Telles sobre a paisagem urbana, esta é o contínuo
processo de transformações resultante das ações da vida de seus cidadãos, de seus valores humanos, no tempo, em determinados espaços da cidade.
Assim, pode-se entender que a paisagem urbana também expressa espa-
cialmente os problemas e as características arquitetônicas de sua época. Em São Paulo, por exemplo, a paisagem caracteriza-se por diversas segregações espaciais e culturais e por concentrar poucos espaços vazios ou de áreas verdes, fatores que mostram diretamente a vida de seus habitantes.
Abordando-se a materialidade da cidade, é predominante a rigidez do
concreto e sua cor acinzentada. Denominada popularmente como “selva de 44
pedra”, a metrópole tornou-se um habitat muito hostil para o ser humano, com sua poluição, violência e a perda de escala com o homem.
A cidade cinza é representada pela cidade construída, pelo concreto dos
prédios, viadutos, ruas e avenidas, que se contrapõe ao imaginário urbano, que a modifica.
2.2. cidade construída x cidade vivenciada
Para Pallamin, a cidade não é formada apenas pelas construções mas
também pelo imaginário urbano, ou seja, pela forma como as pessoas vivenciam a cidade, incluindo-se aí as características históricas que nela vão se sedimentando e o futuro imaginário projetado através de signos de uma cidade desejada na cidade atual (PALLAMIN, 2000).
Nesse sentido, a cidade é a sobreposição irregular da cidade existente acres-
cida das alterações produzidas por seus habitantes e usuários, que nela projetam seus desejos advindos de estímulos ou imagens.
Existe, assim, uma interdependência entre o espaço urbano construído e o
espaço simbólico. Desta forma, na cidade presente, aquela que é vivenciada cotidianamente, onde desloca-se, onde são estabelecidas relações pessoais, também vão sendo inseridos símbolos da imagem de uma cidade desejada, de modo que se enxergue e viva a cidade que ainda não está lá. É o uso futuro da cidade que busca
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se inserir na cidade presente para já formá-la no imaginário urbano.
Segundo Kevin Lynch, em “A imagem da cidade”, a cidade é percebida de
diversas maneiras e cada cidadão constrói múltiplas associações com a mesma, decorrentes de lembranças e significados. “Nada é vivenciado em si mesmo, mas sempre em relação aos seus arredores, às sequências de elementos que a ele conduzem, à lembrança de experiências passadas” (LYNCH, 2006, pg. 1).
O homem utiliza-se de todos os sentidos para identificar o ambiente a seu
redor, desde sensações visuais, como cores e formatos, até os demais sentidos, como audição, olfato e tato. Ao mesmo tempo, como a imagem é obtida não só através da observação, mas do processamento e filtro das informações percebidas, “a imagem de uma determinada realidade pode variar significativamente entre observadores diferentes” (LYNCH, 2006, pg. 7).
Outro fator importante para a percepção da cidade, além das associações
por significados, é a criação de imagens por grupos, sejam eles unidos por idade, sexo, cultura. Essas imagens criadas por grupos é que são levadas em conta nos estudos de planejamento urbano.
Continuando, Lynch identifica que a percepção de um ambiente, principal-
mente complexo como o de uma cidade, ocorre de forma seriada.
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“Organizavam-se (grupos de imagens) numa série de níveis aproximadamente segundo a escala da área em questão, de tal modo que, quando necessário, o observador passasse de uma imagem da rua a uma do bairro, da cidade ou da região metropolitana” (LYNCH, 2006, pg. 95).
2.3. apropriação territorial e identidade
As definições sobre cidade construída e cidade vivenciada nos remetem aos
conceitos de apropriação territorial e identidade.
Segundo Milton Santos, com a globalização, passa-se a enxergar os
conceitos de território e de lugar de forma diferente. O conceito de território agora é compreendido no sentido de horizontalidade, ou seja, uma continuidade espacial de terra, e também por verticalidades, que ele classifica como lugares distantes, que se interligam por questões sócio econômicas. Para o autor, o território assemelha-se a um palco, onde os homens se relacionam e exercem suas características culturais. “A configuração territorial é dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou numa dada área e pelos acréscimos que os homens super impuseram a esses sistemas naturais. A configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade vem de sua materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima.” (SANTOS, 2006, p.51).
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Assim, entende-se por espaço, a união entre a materialidade do território, as
dinâmicas sociais, econômicas e culturais, e também, as impressões temporais.
De acordo com Vera Pallamin, “A cultura é socialmente situada e espa-
cialmente vivida” (PALLAMIN, 2000, p.29), concordando com Milton Santos na constatação de que o espaço é mutável e está diretamente relacionado à cultura, onde esta dita o modo e a intensidade da relação entre o indivíduo e o espaço em que se insere.
Além disso, sendo o território não necessariamente somente um espaço
físico, mas passível de ter múltiplas relações, o mesmo assume as características de um fenômeno multidimensional. Considerando-se que a territorialidade se manifesta através de grupos sociais, podem lhe ser atribuídos os sentidos coletivo, econômico e geográfico. Como fenômeno psicológico, a identidade territorial está relacionada com a sensação de se reconhecer e pertencer a um determinado espaço, inserindo-se em sua classificação. (PALLAMIN, 2000).
Segundo Coelho, com o compartilhamento das experiências individuais e
o reconhecimento das carências comuns, os indivíduos passam a solidarizar-se e apoiar-se, tornando o cotidiano um espaço significativo para a ampliação do sentido de identidade. Essa identificação acontece lentamente, inserindo-se no cotidiano, no qual os usuários passam a se sentir pertencentes àquele espaço, criando com o mesmo um forte vínculo. “A noção de identidades territoriais nasce da história do 48
lugar, do papel dos sujeitos identificados com a especificidade da construção do território” (COELHO, 1992, p. 286).
Cabe aqui colocar que essa identidade coletiva, construída no cotidiano, dá
ao indivíduo o sentido de pertencimento a uma cidade, o que é um atributo de qualidade de vida fundamental.
Essa identificação surge a partir do reconhecimento de uma origem, ou
características, ou ideais comuns.
Nesse sentido, a identidade urbana seria a capacidade de uma determinada
área da cidade se distinguir de outra através da materialização, no espaço físico, de símbolos (quer sejam novas realizações ou permanências históricas) característicos da cultura de um povo de determinado lugar.
A concepção de territorialidade é compreendida como: “fenômeno de comportamento associado à organização do espaço em esferas de influências em territórios claramente delimitados, que apresentam caracteres distintos e podem ser considerados ao menos parcialmente como exclusivos por seus ocupantes e aqueles que o definem” (Soja apud Roncayolo, 1990, p.182 apud PALLAMIN, 2000, p.30).
Para entender como a identidade dos indivíduos está relacionada com o
meio em que vivem, cita-se a passagem de Bronislaw Baczko: “(...)toda cidade é uma projeção dos imaginários sociais sobre o espaço. Sua organização espacial lhe outorga um lugar privilegiado ao poder, ao explorar a carga simbólica
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das formas (o centro oposto à periferia, o “alto” oposto ao “baixo”, etc.)” (BACZKO, 1991, p.31 apud PALLAMIN, 2000, p.56).
Se o homem molda a cidade com seus desejos, ela está sujeita a qualquer
mudança de valores, sejam eles segregadores ou não. Pode-se dizer então, que o homem cria seu habitat, desde sua concepção física, materialidade, mas principalmente sua acessibilidade. O termo aqui empregado não se refere às necessidades especiais fisiológicas, e sim às barreiras invisíveis, que se mostram enraizadas culturalmente em quaisquer formas de segregação.
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3. globalização e mudança de valores
Retomando a questão da globalização e seus efeitos na sociedade, é visto
que sua influência foi mais além do que fatores econômicos e políticos. Segundo Stuart Hall (2006), com a mudança no panorama mundial, nas formas comerciais e de produção, foram derrubadas barreiras espaciais e modificados os valores culturais. Com a perda de determinados valores não somente os bens de consumo se tornaram substituíveis, como o homem em si.
Com a aceleração da produção e a imensa quantidade de informações e
imagens recebidas diariamente, que em grande parte estimulam o consumismo, o homem se vê quase “obrigado” a possuir sempre o último modelo de um celular, um carro, uma determinada roupa, etc.
Nesta sociedade de consumo, o indivíduo é estimulado a lutar pelo seu
espaço e reconhecimento de forma competitiva e individualista, e como em uma fábrica, torna-se padronizado. A sociedade estipula estes padrões, que são constantemente alterados, de acordo com as “inovações” produzidas. E o indivíduo, afim de pertencer, ou melhor, de não ser excluído ou discriminado, busca construir sua personalidade acompanhando os novos padrões e estilos da época.
O conceito de identidade é abordado nas reflexões de Stuart Hall (2006),
que analisa três concepções distintas da mudança deste conceito ao longo da história. • “O sujeito do iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado,
54
unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior...” • A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e autosuficiente... • O sujeito pós- moderno é conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente...” (HALL, Stuart, 2006, p.10).
A terceira concepção vai ao encontro da ideia já exposta de que o indivíduo
contemporâneo é mutável e não necessariamente fundamental.
Aliando-se a este fato um panorama de desigualdades, violência, discrimina-
ção e desvalorização, vivido por grande parte da sociedade, surge um sentimento único de ter sua voz ouvida, de ser reconhecida, dando início a diferentes grupos, cada qual com sua ideologia, reivindicações e visão de mundo.
55
4. graffiti e arquitetura
Para relacionar o graffiti com a arquitetura é preciso inicialmente se enten-
der a relação entre arte e arquitetura. Como citado anteriormente, a arte sempre exerceu grande influência sociocultural, assim como a arquitetura materializa os símbolos e valores culturais de cada época.
Usando como exemplo, Luiz Telles cita o mural de Di Cavalcanti (1897-
1976), que foi criado como acabamento superior da fachada principal curva do Teatro Cultura Artística na década de 50. Telles ainda disserta sobre outras expressões artísticas como a escultura, que foram incorporadas na arquitetura paulista no decorrer dos anos. Sobre as décadas de 1960 a 70, caracterizadas pela ditadura militar escreve: “A visão e preocupação social e cultural dos artistas de vanguarda dos anos 1960 e 70 – pressionados pela ditadura militar e enfocando com grande seriedade os processos de criação (não à ingenuidade) – contribuíram para que o sistema de galerias e museus apressasse sua reformulação de posturas. Os artistas fizeram reação ao fechamento, controle e às imposições estética, financeira e de marketing vigentes, distanciando-se dos projetos artísticos compatíveis com os espaços internos convencionais de exposição, buscando o meio urbano como suporte de seus trabalhos.” (TELLES, 2010, p. 113).
A respeito das esculturas, principalmente as contemporâneas, Telles explica
que estas, diferentemente das feitas em épocas passadas, passaram a interagir com o observador e com a paisagem urbana, dialogando com seu lugar de inser58
ção. Como exemplo desta interação, cita a Praça da Sé e a estação do metrô da região, onde foram instalados murais, painéis e esculturas, e que no decorrer dos anos foram sofrendo alterações, tanto pela arquitetura, quanto pelas obras de arte expostas.
Uma forte relação entre a arquitetura e as artes plásticas aparece com o
muralismo na arquitetura moderna brasileira.
Segundo Rafael Rosa, a arquitetura moderna buscava integrar-se com a
arte, estabelecendo relação entre artes plásticas e arquitetura, “de forma a tornar os elementos artísticos parte integrante da composição arquitetônica, mantendo sua independência e seus valores estéticos” (ROSA, 2005, p. 3).
Em sua dissertação, Rafael Rosa comenta os diversos discursos realizados
sobre o assunto, tanto os da década de 30, com o início do pensamento, quanto os da década de 50. É possível ver a evolução das críticas, que depois de anos passam a enxergar as dificuldades de se fundir as artes plásticas à arquitetura e ao mesmo tempo manter a qualidade e representatividade de ambas. Em um dos trechos Rosa cita uma passagem de Rino Levi: “Muitos edifícios do passado constituem-se em bons exemplos desta síntese das artes plásticas. Nestas obras, pintura e escultura se integram e fundem-se na arquitetura. Não tem fundamento a crença que a arquitetura moderna não admite pintura e escultura. Ao contrário, arquitetos modernos se esforçam por completar suas obras com murais, cerâmicas, baixos-relevos e estátuas.
59
Figura 2- Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro RJ. Fonte: Nelson Kon, 2014.
60
... Mas, infelizmente, não se chegou ainda a uma compreensão clara do assunto. As tentativas feitas são mal compreendidas ou incompletas. Nisto, evidentemente concorre o ambiente, ainda não suficientemente preparado para uma solução integral do problema.” (LEVI, Rino apud ROSA, Rafael, 2005, p.27)
Rafael Rosa cita um dos exemplos marcantes desse movimento, o antigo Ministério da Educação e Saúde, atual Edifício Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, projetado por uma equipe composta por Lúcio Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos e Jorge Machado Moreira, além da consultoria de Le Corbusier. De acordo com Rafael Rosa, o edifício demonstra sua importância não somente por seu valor como “protótipo da arquitetura moderna brasileira ou monumento simbólico”, mas também pela inclusão das artes plásticas, como “paradigma na aproximação entre arte e arquitetura deste período.” (ROSA, 2005, p.41)
Através das imagens é possível ver a preocupação com a inserção das obras
artísticas, seja pelo uso de murais, pela presença de esculturas em destaque e até no paisagismo artístico de Burle Marx.
Para Rafael Rosa foi através das artes plásticas no edifício que foi possível
estabelecer conexões com o passado, o que o autor demonstra citando uma passagem de Le Corbusier: 61
Figura 3- MES - Mural no TĂŠrreo. Fonte: Nelson Kon, 2014.
Figura 4- MES - Gabinete do Ministro. Fonte: Nelson Kon, 2014.
Figura 5- MES - Paisagismo de Burle Marx. Fonte: Nelson Kon, 2014.
Figura 6- MES - Escultura na sala de espera. Fonte: Nelson Kon, 2014.
62
“Pinturas murais nos salões de conferências e recepção, baixos-relevos na entrada principal e duas grandes figuras em granito nas fachadas norte e sul retomarão, naturalmente, o lugar que lhes compete no conjunto, e o ministério a cujo cargo se acham os destinos da arte no país terá dado, assim – na construção da própria casa – o exemplo a seguir, restituindo à arquitetura, depois de mais de um século de desnorteio, o verdadeiro rumo – fiel em seu espírito aos princípios tradicionais.” (CORBUSIER, Le apud ROSA, Rafael, 2005)
Atualmente, nos deparamos com uma arquitetura funcionalista e padroniza-
da, com suas exceções. E neste padrão é raro vislumbrarmos a presença de uma obra de arte incorporada na arquitetura. A fim de realizar-se um edifício eficiente com as mais novas tecnologias e materiais, acaba-se por vezes por não projetar a relação do objeto com a cidade. É o caso de diversos edifícios na Avenida Luiz Carlos Berrini, em São Paulo, muitos revestidos em vidro refletor e sem nenhuma interação urbanística, que não proporcionam nada de interessante para a população.
Neste sentido o graffiti surge como uma releitura dos murais modernistas,
que, mesmo que de forma espontânea por parte dos artistas, passa a compor esteticamente os edifícios e a agregar novamente o valor artístico aos mesmos. Como exemplo, utilizo o grafiteiro Eduardo Kobra e seu projeto “Muro de Memórias” onde retrata cenas antigas, a memória da cidade. 63
Figura 7- Muros da Mem贸ria (1) Fonte: Eduardo Kobra, 2014.
64
Figura 8- Muros da Mem贸ria (2) Fonte: Eduardo Kobra, 2014.
65
Mas não somente os murais autorizados de Kobra demonstram o valor
artístico do graffiti. Muitos muros e empenas são preenchidos diariamente de forma transgressora, mas acabam por revitalizar, agregar valor e visibilidade urbana.
Outra relação possível entre o graffiti e a arquitetura é a de ambos
constituírem, de certa forma, contraculturas.
Segundo Ken Goffman, embora diferentes entre si, os movimentos contra-
culturais possuem os mesmos princípios e valores. Elenca como características principais da contracultura, a individualidade, o desafio ao autoritarismo e a defesa de mudanças sociais e individuais. (GOFFMAN, Ken, 2007, p.50)
A respeito dos contraculturalistas Goffman diz: “No nível individual, os contraculturalistas demonstram mutabilidade: um processo fluido, camaleônico de perpétua transformação na identidade pessoal, nos interesses e nos objetivos almejados. Os contraculturalistas realizam apaixonadamente aquilo que Nietzsche chamou de “transposição de valores” – uma filosofia e um estilo de vida que implica uma contínua transformação, com sistemas de valores, percepções e crenças mutáveis, como um objetivo em si.” (GOFFMAN, Ken, 2007, p.53)
Goffman explica que esses princípios são expressos de acordo com os
parâmetros históricos de cada época, mas tendem a manter características como a ruptura e inovações radicais em arte, ciência, filosofia e estilo de vida. Além disso, entende as contraculturas como movimentos de vanguarda transgressivos, bus66
cando a mudança e a experimentação, e consequentemente, levando à ampliação dos limites da estética e das visões aceitas. (GOFFMAN, Ken, 2007, p.54)
Utilizando a arquitetura moderna como exemplo, é possível notar o rompi-
mento com os padrões estéticos e ideológicos da época. Assim como o graffiti, a arquitetura passou por fases transgressoras que iam de encontro com os padrões sociais.
67
5. contexto hist贸rico
Para entendermos o surgimento do graffiti e da arte urbana, é preciso antes
observar o panorama sócio cultural em que se encontrava a cidade de Nova Iorque em meados de 1970, que serviria de incubadora para o movimento.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, a população nova-ior-
quina sentia as consequências do pós guerra e do processo da Guerra Fria, com a polarização dos países entre comunistas e não-comunistas, ao mesmo tempo em que lidava com o crescimento das cidades, da globalização e do consumismo acentuado. A cidade se deparava com muitos problemas de infraestrutura urbana como transporte e habitação, com problemas de violência, de criminalidade e também de discriminação e segregação raciais, que eram refletidos territorialmente.
O cenário urbano era composto por muitos edifícios abandonados e terrenos
baldios, que ao longo dos anos abriu espaço para o tráfico de drogas. Também por causa da segregação racial, a cidade foi constituindo-se por guetos, caracterizados por serem bairros onde viviam membros de uma etnia ou grupo social, formados neste caso, por imigrantes, negros e porto-riquenhos, e onde seus habitantes construíam sua identificação.
Os jovens criados nestes guetos sofriam com a discriminação, a precarieda-
de cultural da cidade e a falta de perspectivas futuras, já não possuíam uma identificação com a cidade, a não ser em seus grupos, dando origem a grupos juvenis e gangues. 70
Com uma forte intensificação em 1966 e anos seguintes, não somente Nova
Iorque, como outras cidades americanas e pelo mundo começaram a sofrer com as recorrentes revoltas, protestos e conflitos raciais.
Também em 1966 tem início o movimento “Black Panthers”, os Panteras
Negras, um partido negro revolucionário da Califórnia, nos Estados Unidos, fundado por Huey Newton e Bobby Seale. O objetivo primário do movimento era a formação de milícias nos guetos habitados por negros, para a defesa destes contra policiais racistas. Já em âmbito político, defendiam a liberação do uso de armas para os negros, a isenção de impostos e compensação financeira do que chamavam de “América Branca”, pelos séculos de escravidão e exploração.
Figura 9- Panteras Negras na Corte Criminal de Nova Iorque (11 de Abril de 1969). Fonte: Nahan, 2014.
71
Figura 10- Militante na frente de uma reuni達o Fonte: Francisco Garcia, 2014.
72
Eles promoviam encontros e festas para a disseminação de sua ideologia,
espalhando o movimento pelo país. Um dos principais lemas do movimento era: “Nós acreditamos que o povo negro não estará livre enquanto não formos capazes de determinar nosso próprio destino”.
Porém, como suas ações e reinvindicações tornaram-se muito radicais e até
mesmo a população negra deixou de apoiá-los, em 1970 passaram a auxiliar as comunidades negras com serviços sociais.
Com a consolidação dos ativismos sociais ligados a grupos étnicos, prin-
cipalmente dos negros, emergem movimentos importantes de contestação e de expressão artística, sendo um dos mais fortes, o Hip Hop.
Para Jean Baudrillard (1979), os graffitis surgiram em 1972, após a repres-
são das revoltas urbanas de 66/70. Eles seriam tão ofensivos quanto as revoltas, porém com outro conteúdo e “terreno”, um novo tipo de intervenção na cidade, uma nova maneira de pertencer à cidade.
Começaram nas paredes e muros dos guetos e se expandiram pela cidade,
atingindo trens, ônibus e até monumentos.
Nessas intervenções não havia a defesa do indivíduo como um só, mas sim
o nome de um grupo, uma gangue a que se pertencia, muitas vezes retirados de histórias em quadrinhos como cita Baudrillard. “... cobrindo-os totalmente de grafismos rudimentares ou
73
sofisticados, cujo conteúdo não é nem político nem pornográfico: apenas nomes, sobrenomes tirados dos quadrinhos underground: DUKE SPIRIT SUPERKOOL KOOLKILLER ACE VIPERE SPIDER EDDIE KOLA, etc., seguidos do número da sua rua: EDDIE 135 WOODIE 110 SHADOW 137, etc.” (BAUDRILLARD, 1979)
As raízes da arte urbana e do graffiti não se encontram apenas nos elemen-
tos transgressores, mas também no movimento Hip-Hop. Através da consolidação dos movimentos sociais, em especial os étnicos no final da década de 60, surgem intervenções de contestação e de expressão artística.
O movimento Hip-Hop por sua vez, surge efetivamente com a organização
de “bailes Black”, voltados para a comunidade negra, que agregavam dança (break -dance) e música realizada por um DJ (disque-joquei), que remixava as batidas enquanto um MC (mestre de cerimônia) cantava rimas de protesto e os grafiteiros pintavam o ambiente.
Conforme o graffiti foi se alastrando pelos centros urbanos, quase que na
mesma intensidade, o movimento passou a sofrer com a repressão institucional e policial, forçando os artistas a inventarem novas formas de expressão e técnicas, como por exemplo os adesivos, que podem ser transportados de forma discreta e são colocados de forma rápida.
Nos Estados Unidos, a primeira grande exposição de graffiti ocorreu em
1975, com trabalhos de Peter Schejeldah, no Artist’s Space. Porém o graffiti só ga74
nhou notoriedade em 1981, na mostra New York/New Wave, organizada por Diego Cortez. Posteriormente Keith Haring e Jean Michel Basquiat ganham visibilidade, e Haring torna-se um dos artistas mais conhecidos da década de 80, de uma Bienal de São Paulo.
Ainda nos Estados Unidos pode-se citar uma outra vertente, denominada
“estilo americano” e caracterizada por letras e frases muito coloridas e realizadas com spray. Este estilo data de antes da década de 70 e surgiu como uma forma de mídia alternativa para os grupos sociais que não dispunham de espaço na mídia, principalmente nas rádios, e utilizavam muros e o metrô para divulgar idéias, comunicados e até óbitos. Iniciou-se a partir de uma pichação onde o autor assinava seu nome e o número de sua rua (tag) como Taki183, um dos precursores do movimento. Além disso, este estilo serviu como forma de comunicação, demarcação de território entre as gangues suburbanas da época. Neste sentido, pode-se entender este estilo como uma forma de pichação, pois atualmente as pichações são caracterizadas por marcarem um territórioe identificarem grupos específicos.
75
Figura 11- "Como pensar livremente sob a sombra de uma capela?" - pichação em um muro de Sorbonne, Paris. Fonte: AFP, 2014.
Figura 12- Muro de Berlim. Fonte: Beto Lemela, 2014.
76
5.1. no mundo
Na Europa, a explosão desta manifestação cultural teve como epicentro a
França de 1968, onde a massa popular, constituída majoritariamente por estudantes e trabalhadores revoltados com a situação socioeconômica do país, utilizou-se do graffiti como dispositivo simbólico daquele momento histórico, transformando os muros de Paris em suportes para inscrições de caráter poético-político, atribuindolhes poder e difusão. “Durante a revolta dos estudantes iniciada em maio de 1968 em Paris, vimos como o spray viabilizou que as mesmas reivindicações que eram gritadas nas ruas, fossem rapidamente registradas nos muros da cidade”. (GITAHY, 1999, p. 21).
A partir do movimento contracultural de maio de 1968, a prática do grafitti
generalizou-se pelo mundo, em diferentes contextos, tipos e estilos, que vão de simples rabiscos ou tags repetidas como uma espécie de demarcação territorial até grandes murais executados em espaços especialmente designados para tal, ganhando status de verdadeiras obras de arte.
Assim como Paris e Nova York, Berlim também está na vanguarda do grafite.
A cultura da grafitagem surgiu no lado ocidental da capital alemã no início dos anos 1980, ainda sob o clima de tensão da Guerra Fria. Com mais de 150 quilômetros de espaço em branco e pouca vigilância policial, o Muro de Berlim foi o alvo das 77
primeiras manifestações do gênero, com pinturas que incitavam reflexões através da arte.
Com a queda do referido muro em 1989, o movimento dos artistas do spray
ganhou força pelas ruas e construções, sobretudo na parte oriental (leste) da cidade, que estava velha e abandonada. Algumas ruínas do muro existentes até hoje logo serviram de tela para os grafiteiros. Um exemplo disso é o trecho turístico de 1,3 km conhecido como East Side Gallery. A fim de criar um memorial da liberdade, sua parede foi coberta com mais de 100 grafites feitos em 1990 por artistas de 20 países. Assim, o lugar virou uma grande galeria de arte a céu aberto do mundo.
Atualmente, Berlim vangloria-se por ser a cidade mais grafitada da Europa.
E as intervenções coloridas no cenário urbano não se limitam somente ao muro. Os desenhos espalham-se por muitos bairros, prédios antigos ou vazios, fábricas abandonadas, semáforos, estações, trilhos elevados de trem e muitos outros espaços públicos. Há trabalhos reconhecidos e expostos em dezenas de galerias e ateliês de arte contemporânea, sem falar nas inúmeras lojas especializadas lá existentes.
Em diferentes países, a exemplo da Bélgica, Canadá, China, Cuba, Espa-
nha, EUA, França, Perú e Senegal, a escritura de rua mantém forte presença nos subúrbios, em contraposição a uma menor participação nos centros urbanos. Diferente do que acontece no Rio de Janeiro, onde os graffitis são extremamente 78
numerosos no centro da cidade, com menor ocorrência nos subúrbios e periferias. É consenso, contudo, que em todos os lugares os escritores de rua transcendem dos subúrbios, periferias e favelas. A arte sai dos guetos. Todavia, uma diferença marcante que distingue a intervenção carioca da maioria dos graffitis estrangeiros é que nela os sujeitos se deslocam de seu ambiente, privilegiando a maior visibilidade que proporciona o centro da Cidade.
Para vislumbrar melhor o graffiti mundial, destaca-se a seguir, alguns dos
principais nomes da cena mundial.
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Jean-Micahel Basquiat Época: 1977 Local: Brooklyn (Nova York)
Figura 13- Jean-Micahel Basquiat Fonte: Casa Park, 2014
80
keith haring Época: 1978 Local: Nova York
Figura 14- Keith Haring Fonte: Casa Park, 2014
81
daim Época: 1992 Local: Alemanha
Figura 15- Daim Fonte: Casa Park, 2014
82
banksy Época: 1980 Local: Bristol e Londres
Figura 16- Banksy Fonte: Casa Park, 2014
83
king robbo Época: 1980 Local: Londres
Figura 17- King Robbo Fonte: Casa Park, 2014
84
belin Época: 1995 Local: Linares (Espanha)
Figura 18- Belin Fonte: Casa Park, 2014
85
edgar mueller Época: 1984 Local: Mülheim (Alemanha)
Figura 19- Edgar Mueller Fonte: Casa Park, 2014
86
smug Época: 1996 Local: Glasgow (Escócia)
Figura 20- Smug Fonte: Casa Park, 2014
87
eric grohe Época: 1973 Local: Washington (Estados Unidos)
Figura 21- Eric Grohe Fonte: Casa Park, 2014
88
kurt wenner Época: 1984 Local: Michigan (Estados Unidos)
Figura 22- Kurt Wenner Fonte: Casa Park, 2014
89
dondi Época: 1970 Local: Brooklyn (Nova York)
Figura 23- Dondi Fonte: Casa Park, 2014
90
aryz Época: 2004 Local: Barcelona (Espanha)
Figura 24- Aryz Fonte: Casa Park, 2014
91
5.2. no brasil
Paralelamente ao movimento que despontava em Nova Iorque, o graffiti
surge no Brasil na década de 60, mais precisamente na cidade de São Paulo, numa época conturbada da história do Brasil, silenciada pela censura com a chegada dos militares no poder, sendo considerado uma arte transgressora, a linguagem da rua, da marginalidade, que não pede licença e que grita nas paredes da cidade os incômodos de uma geração. As mensagens com frases contra a censura, a tortura e o imperialismo norte americano incitavam à luta armada e eram pintadas sobre muros e fachadas de prédios públicos e privados.
Com o enfraquecimento da ditadura militar nos anos 70, as manifestações
políticas também perdem a força e as manifestações artísticas e culturais passam a ter uma natureza mais poética e lúdica.
Com a expansão da população nos centros urbanos, as inscrições urbanas
se tornam cada vez mais crescentes.
A partir da segunda metade dos anos 70 surgem nomes expressivos na
Arte Urbana, como Alex Vallauri, Carlos Matuk, John Howard, Waldemar Zaidler, Hudinilson Júnior, entre outros. Estes artistas faziam seus trabalhos a partir de graffitis de estilo livre ou através de moldes vazados a partir de uma máscara recortada. Tinham como referência para sua produção o estilo da Arte Pop norte-americana e 92
outras referências da vida cotidiana e popular, como personagens de histórias em quadrinhos e símbolos da cultura popular. As ruas ficavam cheias de jogos lúdicos de palavras e imagens como: “Ah Ah BEIJE-ME” ou “Cão Fila” ou ainda uma bota preta com salto agulha.
No final dos anos 70, Hudinilson Júnior, Mário Ramiro e Rafael França
formam um coletivo chamado 3nós3 realizando intervenções na cidade de São Paulo. Em 1982 o grupo se desfaz. Hudinilson também produziu trabalhos com a linguagem da arte xérox e colagem, sendo um dos precursores desta linguagem no Brasil, influenciando outros artistas das gerações posteriores da Arte Urbana que trabalhavam com cartazes e adesivos.
Também no final dos anos 1970 Alex Vallauri começa a se destacar na pro-
dução artística feita nas ruas. Ele cria uma série de figuras feitas em estêncil que vão sendo aos poucos aprimoradas, começando com a bota citada acima e acrescentando uma série de elementos de adereços femininos. Cria-se uma atmosfera de curiosidade por parte da população e da imprensa. Com o reconhecimento do trabalho desenvolvido, Alex Vallauri participa de três Bienais de Arte e de muitas exposições em galerias. Ele, Carlos Matuck e Waldemar Zaidler foram os primeiros a serem reconhecidos como artistas da linguagem do graffiti brasileiro.
Intervenções de grande porte na cidade de São Paulo são realizadas nos
anos 80 pelo grupo TupinãoDá, constituído por Jaime Prades, Milton Sogabe, José 93
Carratu, Carlos Delfino e Rui Amaral, que se tornam símbolos para a história das artes urbanas no país.
A partir desta década o graffiti e demais técnicas, como estêncil, lambe-lam-
be e stickers, começam a ser cada vez mais reconhecidos. Os artistas mais expoentes desta primeira geração sempre eram chamados a participar de grandes eventos de artes, como Bienais por exemplo, onde se destaca a Mostra Paulista de Graffiti, que teve três edições e se realizou a partir de 1990 no MIS.
Em 1988, artistas reconhecidos pelo público e pela mídia, como Rui Amaral, John Howard, Maurício Villaça, entre outros, foram presos no centro da cidade quando graffitavam o túnel da Praça Roosevelt, em comemoração ao aniversário da cidade.
Este fato demonstra claramente quanto é contraditória, desde o início, a
atividade da Arte Urbana, sendo por uma lado reconhecida e legitimada pelas instituições sociais e por outro sempre reprimida, pois carrega em si o ato transgressor. Assim se dá a história da arte urbana no Brasil, que em comparação a outros países ainda é um tanto permissiva, motivo pelo qual se desenvolveu muito e alcançou um grande destaque internacional.
Depois dos anos 80 a linguagem do graffiti e das artes urbanas no Brasil se
modificou devido ao Hip Hop, trazido dos EUA para o país, primeiramente para São Paulo. Este movimento cultural explora a música, comandada pela figura do DJ, a 94
poesia, falada/cantada pelo MC, a dança, executada pelo break-girl ou break-boy e finalmente o visual, que é feito pela figura do graffiteiro. Os graffitis do Hip Hop são particularmente coloridos, trabalham muito com a escrita estilizada, denominada de throwm up, e usam muito o 3D como recurso para sofisticar esta escrita.
Nos anos 80, no centro, mais propriamente na Estação São Bento do Me-
trô, jovens da periferia paulistana se reuniram para traçar experiências e fazer sua arte, lá se encontrando artistas das quatro linguagens que constituem o Hip-Hop. Do graffiti estavam presentes artistas que marcariam a arte urbana daí para frente, como Os Gêmeos, Speto e Binho, entre outros.
Esta cultura se expandiu no Brasil por suas características de contestação
social e por dar vazão a expressões artísticas de comunidades da periferia.
Hoje o graffiti brasileiro é reconhecido internacionalmente por sua qualida-
de, tendo como alguns nomes no cenário nacional e internacional: Eduardo Kobra, Alex Hornest, Alessandro Vallauri, Ramon Martins, Gustavo e Otávio Pandolfo (os gêmeos), Nina, Nunca, Minhau entre outro.
95
5.3. principais pólos em são paulo
São Paulo pode ser considerado o berço do graffiti no Brasil e andando
pelas ruas e bairros da cidade facilmente podem ser encontradas diversas pinturas a céu aberto, desenhadas por seguidores da arte, desde aqueles anônimos ou pouco conhecidos até artistas renomados.
Nesse sentido, a Prefeitura do Município de São Paulo, bem como a mídia,
costumam divulgar roteiros para que os amantes dessa arte urbana possam conhecer as principais obras grafitadas pela cidade.
Os polos mais conhecidos de São Paulo encontram-se nos bairros da Zona
Norte, Vila Madalena, Cambuci, Liberdade e grandes avenidas e viadutos, como 23 de Maio, Paulista, Cruzeiro do Sul e Minhocão, onde a arquitetura clássica se mistura à arte contemporânea do graffiti, intervindo na paisagem urbana.
Essas intervenções acontecem em pontos que ajudam a construir o cenário
urbano, não apenas em qualquer muro liso de uma rua qualquer, mas também em lugares geralmente esquecidos, como bueiros, postes e tampas de esgoto.
A ideia dos artistas é mostrar que a arte não precisa estar em galerias e mu-
seus, mas pode ser estampada em locais do quotidiano da cidade, interagindo com a população.
96
Figura 25- Roteiro Arte Urbana Fonte: Turismo da cidade de S達o Paulo, 2014
97
Figura 26- Roteiro Arte Urbana 2 Fonte: Turismo da cidade de S達o Paulo, 2014
98
centro da cidade
Na área central de São Paulo, a arquitetura clássica mistura-se às inter-
venções de artistas com influências da pop art. Um dos grandes destaques é uma grande pintura de Os Gêmeos na lateral de um edifício, além dos trabalhos de Binho, Chivitz, Eduardo Kobra e Minhau.
Figura 27- Centro da Cidade Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
99
bairro da liberdade
Titi Freak e Whip são alguns dos artistas que estampam os muros do bairro
oriental. São diversos graffitis espalhados pela região, sendo que a maioria leva traços mais finos, que rementem às linhas dos mangás japoneses. Podem ser encontrados na Rua Galvão Bueno e Rua da Gloria.
Figura 28- Bairro da Liberdade Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
100
avenida paulista
O túnel que liga a Avenida Paulista à Avenida Rebouças é um trecho usado
por milhares de carros diariamente e também abriga painéis de vários artistas. Impossível não lembrar do mural feito pelo Kobra em homenagem ao arquiteto Oscar Niemeyer e do painel de 36 metros de altura do artista plástico Rui Amaral.
Figura 29- Avenida Paulista Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
101
vila mariana e vila madalena
O artista Kobra tem graffitis espalhados por toda a cidade, principalmente
entre Vila Mariana e Vila Madalena.
Figura 30- Vila Mariana e Vila Madalena Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
102
avenida cruzeiro do sul
Ao longo dessa avenida, entre as estações Santana e Portuguesa-Tietê,
as colunas que sustentam o trecho elevado da Linha Azul do Metrô ganharam 66 painéis de graffiti, sendo o primeiro Museu Aberto de Arte Urbana do Brasil e do mundo.
Figura 31- Avenida Cruzeiro do Sul Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
103
BECO DO BATMAN E BECO DO APRENDIZ
Descendo a Rua Cardeal Arco Verde, de Pinheiros até a Vila Madalena,
depara-se com uma diversidade de graffitis por todos os lados. Um dos destaques é o painel do Studio Kobra, localizado ao lado da Igreja do Calvário, e o Beco do Batman, que reúne inúmeros painéis e desenhos de diversos artistas.
Figura 32- Beco do Batman e Beco do Aprendiz Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
104
minhocão
As pilastras que sustentam o elevado também servem de telas para os artis-
tas do graffiti e às vezes funciona como galeria de arte.
Figura 33- Minhocão Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
105
cambuci
Os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, OsGemeos, grafitaram muito pelo
Cambuci, bairro onde os dois cresceram. Por lá também se encontram trabalhos de outros artistas, como no muro da esquina da Rua Lavapés com Justo Azambuja.
Figura 34-Cambuci Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
106
rio tietê
Com seus ‘flops’, Zezão traz vida para as margens do Rio Tiête. O artista é
expert em grafitar os tubos de canalização de esgoto do rio, havendo pinturas suas dentro dos canais.
Figura 35-Rio Tietê Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
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avenida 23 de maio
Em 2002 os graffitis feitos pelos OsGemeos, Nunca, Nina Pandolfo, Vitché e
Herbert Baglione na alça de acesso da Avenida 23 de Maio para o Minhocão foram apagados e, depois de muita confusão, repintados, como é possível ver no documentário “Cidade Cinza”.
Figura 36- Avenida 23 de Maio Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
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barra funda
Projeto dos artistas Anderson Augusto e Leonardo Delafuente, o 6emeia,
transformou as bocas de lobo de algumas ruas em retratos, como os de Carmem Miranda e da dupla Mario Bros e Luigi.
Figura 37- Barrs Funda Fonte: Anna Thereza de Almeida, 2014
109
5.4. principais artistas em são paulo
5.4.1. alex vallauri
Foi um dos primeiros artistas do grafitti no Brasil. Para Vallauri, o grafitti é
uma arte para todos. Sem se limitar aos muros, ele criou adesivos, camisetas e bottons com técnicas que usam o estêncil, imagens criadas a partir de um molde vazado e muita tinta spray. Um de seus trabalhos mais simbólicos foi feito a partir do grafitti de uma bota preta, de salto fino e cano longo. O desenho ficou no anonimato, pois ele não assinou a obra. Depois, enviou para amigos e artistas postais manufaturados, cópias de catões postais com edifícios históricos da cidade e um carimbo da bota sobreposto com frases sobre a invasão da cidade pela grande bota. Participou de duas bienais de São Paulo, sempre com trabalhos relacionados às intervenções urbanas por meio do grafite. Vallauri morreu em 1988.
110
Figura 38- Alex Vallauri Fonte: Casa Park, 2014
111
5.4.2. boleta
Daniel de Medeiros nasceu e foi criado em São Paulo, iniciando sua carreira
como pichador na década de 90. Em 1994 iniciou no graffiti tornando-se reconhecido por seu estilo único que transmite através de muitas cores a pisicodelia dos anos 60 e 70, a religião e elementos da natureza. Além disso, aborda temas como o comportamento humano e experiências vividas.
112
Figura 39- Boleta Fonte: Boleta, 2014
113
5.4.3. chivitz
O artista marcou seu nome no cenário artístico-underground de São Paulo
através de seus graffitis e tatuagens. Seus trabalhos são característicos pelo uso predominante das cores lilás, cinza, preta, branca e magenta. A temática de suas obras retrata dois tipos de realidade, assim como Os Gêmeos, Chivitz trata do caráter fantasioso de alguns personagens, e também, ilustra cenários mundanos, cercados de elementos concretos do cotidiano.
114
Figura 40- Chivitz Fonte: Chivitz, 2014
115
5.4.4. crânio
Fábio Oliveira nasceu em 1982 e cresceu na zona norte de São Paulo. Ini-
ciou no graffiti em 1998 e criou sua identidade artística nos índios brasileiros. Utilizando a cor azul em seus personagens, Crânio instiga o observador a refletir sobre questões contemporâneas como consumismo, identidade e meio ambiente.
116
Figura 41- Cr창nio Fonte: Cr창nio, 2014
117
5.4.5. finok
Raphael Sagarra nasceu em 1985 e reside em São Paulo. Ao longo da últi-
ma década estabeleceu-se na cultura graffiti. Assim como outros grafiteiros de São Paulo como Chivitz, Finok mantem a tradição de escolher um esquema de cores para o seus graffitis. É conhecido por sua paleta de cores verdes e suas ilustrações densamente estampadas, com elementos folclóricos como pipa e balões.
118
Figura 42- Finok Fonte: Finok, 2014
119
5.4.6. os gêmeos
Os gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo cresceram no bairro do Cambuci, em
São Paulo e desde pequenos se envolveram com a arte. Na década de 80, com a chegada do movimento Hip Hop no Brasil os gêmeos encontraram novas maneiras de se expressar artisticamente.
Em suas obras os artistas retratam personagens do cotidiano urbano, muitas
vezes pichadores escrevendo frases de protestos, ilustram os problemas de miséria e pobreza do país, mas em contraponto, criam também um mundo imaginário com personagens fantásticos.
120
Figura 43- Os Gêmeos Fonte: Os Gêmeos, 2014
121
5.4.7. herbert baglione
Da cidade de São Paulo, Herbert Baglione esteve presente desde o início
do movimento do graffiti na cidade. O artista possui um estilo distinto e pesado, e é reconhecido por utilizar não somente os muros, mas as ruas, calçadas, telhados e gramados.
Em sua temática encontram-se a morte, o caos e o individualismo presentes
na cidade. Ele descreve a cidade como o “berço do confronto”, um lugar onde o individualismo e o caos prevalecem e exigem que as pessoas renasçam diariamente com uma nova máscara.
122
Figura 44- Herbert Baglione Fonte: Herbert Baglione, 2014
123
5.4.8. kobra
Eduardo Kobra iniciou seu trabalho na periferia de São Paulo em meados de
1987 e desde então vem ganhando notoriedade por suas obras. O artista é mais reconhecido por seu projeto “Muros da Memória” onde busca transformar a paisagem urbana com cenas e personagens das primeiras décadas do século XX, reavivando a identidade dos cidadãos com a cidade em que vivem.
124
Figura 45- Kobra Fonte: Kobra, 2014
125
5.4.9. nina
Nina Pandolfo nasceu no interior de São Paulo e retrata em suas obras ima-
gens que resgata da infância com suas irmãs. Com traços suaves e cores vibrantes seus graffitis se destacam no cinza urbano.
126
Figura 46- Nina Fonte: Nina, 2014
127
5.4.10. minhau
Camilla Pavanelli iniciou seu trabalho na arte urbana em 2004 fazendo lam-
be-lambes de suas pinturas e dois anos depois passou a grafitá-las em conjunto com seu marido Chivitz.
Seu trabalho é de fácil reconhecimento nas ruas de São Paulo, gatos muito
coloridos que expressão muitas personalidades diferentes, estas que por vezes são inspiradas em pessoas do cotidiano.
128
Figura 47- Minhau Fonte: Minhau, 2014
129
5.4.11. nunca
Francisco Rodrigues da Silva começou sua carreira como pichador aos 12
anos e adotou a “tag” (assinatura) Nunca para significar uma afronta as restrições psicológicas e culturais que passou.
Posteriormente se envolveu com o graffiti, ganhando visibilidade por suas
figuras inspiradas na cultura indígena brasileira.
130
Figura 48- Nunca Fonte: Nunca, 2014
131
5.4.12. onesto
Alex Hornest, mais conhecido como Onesto, nasceu em 1972 em São Paulo.
Em seus graffitis o artista retrata os habitantes da cidade e cenas de seu cotidiano na metrópole, criando uma forte identificação entre público e obra.
132
Figura 49- Onesto Fonte: Onesto, 2014
133
5.4.13. tikka
Ana Carolina começou a grafitar em 2002 e encantou-se com a possibilidade
de interação com a cidade e o cotidiano das pessoas. Sua obra é reconhecida através de suas bonecas, personagens que chamam a atenção por fortes expressões faciais e gestuais. A artista busca transmitir em seus desenhos todos os sentimentos avistados em seu cotidiano, que por muitas mostram-se contraditórios.
134
Figura 50- Tikka Fonte: Tikka, 2014
135
5.4.14. titi freak
Hamilton Yokota nasceu em 1974 e com 13 anos iniciou seu trabalho com
hist贸rias em quadrinhos, trabalhando para Maur铆cio de Souza e Marvel Comix, carreira que seguiu durante 7 anos.
Ap贸s trabalhar para uma emissora de TV, interessou-se por novas m铆dias e
em 1996 realizou seu primeiro graffiti. Em suas obras busca retratar sentimentos, pessoas, cenas urbanas, o caos urbano e aspectos culturais.
136
Figura 51- Titi Freak Fonte: Titi Freak, 2014
137
5.4.15. vitché
Nasceu em São Paulo em 1969, e cresceu em meio aos movimentos artísti-
cos da cidade, especializando-se em intervenções urbanas como o graffiti, o artista ilustra temas sócio ambientais.
138
Figura 52- Vitché Fonte: Vitché, 2014
139
5.4.16. zezão
Zezão é um artista único que explora todos os espaços urbanos possíveis,
sendo reconhecido principalmente por utilizar as galerias de águas pluviais como planos de fundo de suas obras.
Seu trabalho ganha dimensão político-social pois o artista lida com os pro-
blemas urbanos, denunciando a existência de tal miséria através de seus registros.
140
Figura 53- Zez達o Fonte: Zez達o, 2014
141
6. tĂŠcnicas de arte urbana
Figura 54- Graffiti Fonte: Ruth Ellison, 2014
144
Existem diversas técnicas de arte urbana, dentre elas o graffiti, flash mob,
estátuas vivas, músicos, malabaristas, palhaços e teatro.
Entendemos, contudo, que o grafismo é a expressão mais lembrada quando
queremos explicar arte urbana.
Dentro dos grafismos existem diversos tipos de técnicas como por exemplo
o graffiti, lambe-lambe, estêncil, sticker (arte em adesivo), bubble style, 3d, e pichação.
6.1. graffiti
O graffiti caracteriza-se por ser uma representação gráfica realizada princi-
palmente através de tinta spray e com uma maior elaboração em comparação com a pichação. Tem como base a ilustração, a predominância de cores e maior expressividade técnica.
145
Figura 55- Graffiti 3D Fonte: Ruth Ellison, 2014
146
6.2. graffiti 3d
Técnica de graffiti que simula as três dimensões (altura, largura e profundi-
dade) de acordo com o espectador que visualiza a arte. O graffiti 3D normalmente é feito com tinta ou giz e é aplicado em paredes, calçadas ou ruas, combina técnicas da arte renascentista com o graffiti e é um tipo de arte urbana feita para interação com as pessoas.
147
Figura 56- Lightgraff Fonte: Ruth Ellison, 2014
148
6.3. lightgraff
Lightgraff é uma palavra formada pela contração de "light" (luz) e "graff",
abreviatura de graffiti, ou seja graffiti feito de luz. Trata-se de uma disciplina artística recente que combina e unifica a técnica da escrita caligráfica e da fotografia em atos únicos e que não se repetem. É efêmero e é isso que lhe confere beleza.
149
Figura 57- Aerografia Fonte: Ruth Ellison, 2014
150
6.4. aerografia
A aerografia é uma técnica semelhante ao graffiti, mas que não utiliza latas
de spray aerosol, no seu lugar é usado o aerógrafo, um equipamento que trabalha com pressão de ar, e dispara a tinta presente em um copo ao pressionar um gatilho que controla o jato de ar.
151
Figura 58- EstĂŞncil Fonte: Banksy, 2014
152
6.5. estêncil
O estêncil é uma arte contemporânea que surgiu na escola Vallauriana,
constituída por artistas que se utilizavam de máscaras e graffitis, que com o tempo foram coordenando oficinas onde essa técnica foi sendo transmitida e aprimorada.
É uma das técnicas populares de graffiti que aplica ilustrações, desenhos ou
símbolos usando tinta e papel recortado ou perfurado. Alguns usam esta técnica de maneira ilegal, pois é de aplicação rápida e simples, diminuindo o risco de ser flagrado no momento da execução em local não autorizado.
153
Figura 59- Lambe-lambe Fonte: Ruth Ellison, 2014
154
6.6. lambe-lambe
Um lambe-lambe é um cartaz com conteúdo artístico e/ou crítico colado em
espaços públicos. É uma forma de intervenção criativa, com o poder de despertar as pessoas para reflexões que em geral não estão presentes no nosso dia a dia.
O que diferencia o lambe-lambe de uma propaganda qualquer colada por aí,
é seu conteúdo. Os lambe-lambes não têm conteúdo comercial.
Diferenciam-se dos stickers por não serem adesivos, sendo colados com
cola comercial ou caseira (mais difícil de arrancar).
155
Figura 60- Sticker Fonte: Ruth Ellison, 2014
156
6.7. sticker
É uma modalidade de arte urbana que utiliza etiquetas adesivas. É uma
manifestação da arte pós-moderna popularizada na écada de 1990 por grupos urbanos ligados à cultura alternativa.
O trabalho pode ser realizado com o propósito de transmitir uma mensagem
ou pelo simples prazer de assinar e enfeitar a rua expondo seu gosto ou ponto de vista no alto de um poste, no final de uma placa ou até mesmo no pé de um muro.
Os primeiros stickers chegaram no Brasil como adesivos decorativos utiliza-
dos na decoração de residências e lojas. Os adesivos são recortados em vinil autoadesivo e protegidos por máscara transparente que o aplicador retira ao fixá-los no local de destino - que deve ser um espaço liso.
157
Figura 61- Pixo Protesto Fonte: “Túmulos”, 2014
158
6.8. pichação
Pichação pode ser definido como escritas e rabiscos em muros, edifícios,
ruas e monumentos urbanos com tinta em spray aerosol, estêncil ou rolo de tinta. A pichação normalmente é associada com ato de vandalismo e não como arte urbana, mas alguns a consideram como arte de protesto.
159
7. graffiti - da marginalidade à valorização artística
Paralelamente à arte urbana como arte legitimada, sempre houve as ex-
pressões mais marginais. O movimento de pichação sempre esteve presente e permeando as atividades das manifestações de rua. A imprensa, frente à pichação, sempre teve uma posição de rechaço, o que era uma espécie de triunfo para os ativistas da pichação. Eles criam um jogo de desafios quanto à repetição em grande escala na cidade, à caligrafia, que quanto mais “estilizada” melhor, o desafio a lugares de difícil acesso e a aparição na mídia.
O graffiti, por um longo tempo, foi visto como uma arte marginal pelo fato de
seus seguidores se apropriarem do espaço e desrespeitarem a noção de propriedade. Com o aperfeiçoamento das técnicas e a criação de novas dimensões estéticas esta arte passa a ser reconhecida por muitos, e vista através de outra perspectiva. Tal manifestação, que antes incomodava e passava despercebida, hoje chama a atenção em meio ao cinza das cidades, ao caos das sociedades complexas, devido às suas cores vivas que exaltam e criam uma galeria aberta, da qual qualquer um pode fazer parte.
No Brasil foi criada uma lei (2011) que diferencia o que é graffiti do que é
pichação. Segundo essa lei, pichar é o ato de escrever e riscar as paredes públicas com tinta spray, enquanto que o graffiti é considerado uma expressão artística detalhada que não tem o intuito de cometer atos de vandalismo, buscando expor desenhos como se a parede fosse uma moldura. 162
Esta arte advinda das ruas acaba ganhando espaço em lugares nunca antes
imaginados. Sua idéia inicial de transgressão desaparece aos poucos, com a incorporação do graffiti nas paredes das galerias, e também como parte do mobiliário urbano. Nesta perspectiva, surge o termo Graffiti Decór. Além da transição das ruas para ambientes fechados, esta arte passa a ser exposta também em telas, como quadros, alterando desta forma o suporte: dos muros e paredes externas para telas e paredes internas.
A partir desse cenário surge o que muitos chamam de movimento pós-graf-
fiti, e neo-graffiti, que ultrapassam o estilo clássico inicial, em que os grafiteiros se aproximam das artes plásticas e exploram outros meios de deixar registrados seus trabalhos. Neste momento, são agregados materiais como: tinta acrílica, giz pastel oleoso, marcadores com a ponta de feltro, aerógrafos, além do uso de novas técnicas que permitem ao artista não apenas o uso restrito do spray.
Através disso podemos perceber que o graffiti, como toda arte, sempre pas-
sa por processos de mudança e renovação, resultando na perda de algumas características iniciais e incorporação de novas técnicas. Sendo assim há a probabilidade desta arte fazer parte do universo do consumo, e tornar-se reconhecida através dos meios de comunicação de massa. Com a inserção do graffiti no mundo dos bens de consumo ele adquire um valor monetário, o que resulta em um acesso restrito à arte, por apenas alguns indivíduos. 163
7.1. da pichação ao graffiti
Em seu livro “O que é graffiti”, Celso Gitahy compara o graffiti e a pichação,
tendo como base que ambos utilizam-se da cidade como plano de fundo e o spray como matéria prima, porém, possuem raízes diferentes, o primeiro com bases no desenho artístico, e o segundo na escrita.
O autor entende que mesmo antes da Idade Média já se encontravam escri-
tos nas paredes das cidades, como anúncios, poesias, xingamentos, mas só após a Segunda Guerra Mundial, com o aerossol e as tintas em spray, a técnica utilizada nas pichações ganhou maior liberdade de movimentos e rapidez.
A pichação sempre foi considerada como transgressiva e ilegal, principal-
mente em épocas conturbadas politicamente como a ditatura militar no Brasil, ou mesmo no Muro de Berlim onde eram vistos muitos graffitis e pichações de um dos lados do muro.
Gitahy concorda com Vera Pallamin e Argan quando afirma que um povo se
expressa através da arte, entendendo a pichação como manifestação de um grupo social. “Não é por acaso que a pichação surge e se intensifica nos grandes centros urbanos, mesmo nos países menos desenvolvidos. A pichação aparece como uma das formas mais suaves de dar vazão ao descontentamento e à falta de expectativas.” (GITAHY, 2002, p.24)
164
O pichador, como afirma o autor, não baseia sua obra na arte, e sim no reco-
nhecimento, sua assinatura nos espaços da cidade representa sua própria existência. Com relação à evolução da pichação, Gitahy identifica quatro fases distintas a partir da década de 80. 1ª FASE – Fase de busca pelo reconhecimento, a partir da assinatura de seu nome em todos os espaços e superfícies possíveis; 2ª FASE – Alguns pichadores passam a utilizar apelidos, pseudônimos, e símbolos para identificarem seus grupos. A fase é caracterizada pela competição sobre o espaço, tendo como resultado uma “saturação” do espaço físico da cidade; 3ª FASE – Nesta fase, não basta conquistar o espaço, o objetivo é realizar a pichação mais complicada, com acesso mais restrito. Desta fase em diante, os edifícios e monumentos públicos tornam-se o principal alvo. Outro fator que contribui com o aumento de pichações nestes locais é a visibilidade que estes atos ganham através da mídia; 4ª FASE – Na última fase, os pichadores têm como objetivo o reconhecimento pela mídia, ganhando visibilidade pela pichação que gere maior polêmica, a que desafie as autoridades.
Tanto Gitahy quanto Lassala dedicam uma explicação para o “grapixo”, que
é caracterizado por ambos os autores como uma fase intermediária entre a picha165
ção e o graffiti, onde as pichações adquirem um pouco mais de elaboração, como por exemplo, a adição de cores.
7.2. da legalidade
Para Celso Gitahy, grafiteiro e escritor, a marginalidade e o confronto com
as autoridades estão fundamentados na ideia do graffiti. Estas questões, por sua vez, estão indiretamente relacionadas com os conceitos de propriedade privada e apropriação do espaço urbano.
Na década de 70, nomes como Alex Vallauri, Carlos Matuk, John Howard e
Waldemar Zaidler começam a surgir e ganhar espaço na cena urbana. Porém, a proibição do graffiti ainda era severa e mesmo depois de grafiteiros terem sido elogiados pela mídia após a XVIII Bienal, estes são presos tempos depois ao grafitarem uma homenagem ao aniversário da cidade de São Paulo na Praça Roosevelt.
Em 1998, é decretada a nova lei ambiental, de número 9.605, que não dis-
tinguia graffiti e pichação, e os caracterizava como crime contra o meio ambiente passível de detenção de três meses a um ano, e aplicava multa para quem pichasse, grafitasse ou por qualquer meio poluísse edificações ou monumentos urbanos. Em 2007 a Lei Cidade Limpa entrou em vigor, com o objetivo de combater a poluição visual na cidade de São Paulo, representada por outdoors, banners e a di166
minuição das placas dos estabelecimentos comerciais, além de banir o que era pintado nas ruas. A Prefeitura de São Paulo cobria com tinta cinza tudo o que era grafitado na cidade, considerando vandalismo. Posteriormente acabou decidindo permitir pinturas em graffiti, que podiam receber nas laterais de prédios públicos e particulares os painéis de grafiteiros, com a possibilidade de empresas financiarem as obras e terem suas marcas discretamente expostas. Além disso, possibilitou as projeções digitais nas laterais de edifícios, porém limitadas a poucas horas e reduzido número de dias.
Mais recentemente, em maio de 2011, decretou-se a proibição da venda de
tintas em spray para menores de 18 anos e foi realizada a alteração na lei de 1998, acrescentando um novo parágrafo à mesma, buscando "descriminalizar" o ato de grafitar com o seguinte texto: "não constitui crime a prática de graffiti realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional" (artigo 65, parágrafo segundo, da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998).
Atualmente a prática do graffiti é reconhecida por grande parte da população 167
como arte e é incentivada pelas autoridades, principalmente como forma de requalificação de espaços degradados da cidade. Nota-se a visibilidade desta manifestação artística e de outras formas de arte urbana, como a dança e a música, que se tornaram presentes no cotidiano urbano, principalmente numa metrópole como São Paulo, nos anexos deste trabalho.
7.3. das ruas às galerias
7.3.1. maau - museu aberto de arte urbana
O 1º Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo (MAAU-SP) é constituido
de um conjunto de 66 painéis de graffiti instalados nas pilastras que sustentam o trecho elevado da Linha 1-Azul do Metrô de São Paulo, localizados no canteiro central da Avenida Cruzeiro do Sul, entre as estações Santana e Portuguesa-Tietê, no distrito de Santana, Zona Norte de São Paulo. Esta região da cidade é considerada como berço do graffiti paulistano desde os anos 1980. De acordo com seus organizadores é o primeiro Museu Aberto de Arte Urbana do Brasil e do mundo.
Este museu foi criado devido à prisão de onze grafiteiros por não possuí-
rem a autorização legal do Metrô para a realização dos desenhos. Nessa mesma delegacia os mesmos rascunharam um projeto, apresentando-o à Secretaria de 168
Estado da Cultura, ao presidente do Metrô e à presidência da SP-Urbanismo, que o aprovaram, criando uma parceria entre o Metrô, a Secretaria de Estado da Cultura, Paço das Artes e a Galeria Choque Cultural.
Iniciado no final do mês de setembro de 2011, o projeto contou com a pre-
sença de 58 artistas, como: Binho, Chivitz, Akeni, Minhau, Larkone, Onesto, Zezão, Higraff, Presto e Anjo, a maioria residente na região norte da cidade, que utilizaram em dez dias de trabalho três mil latas de spray especial e 40 latas de 18 litros de látex. A temática das obras é variada: natureza, vida urbana, periferia e uma homenagem à Frida Khalo.
Esse projeto visava a recuperação do centro de Santana, que se encontrava
degradado, e o desenvolvimento de ações educativas em escolas da região, com o intuito de aproximar este público da arte urbana.
As obras expostas nas colunas do museu são trocadas anualmente.
O 2º Museu Aberto de Arte Urbana, sob a curadoria de Binho Ribeiro e Chi-
vitz, foi criado em fevereiro de 2014 nas pilastras de sustentação da linha azul do Metrô, na estação Carandiru, também na Zona Norte de São Paulo, com obras de mais de 20 grafiteiros, entre eles o próprio Chivitz, Dalata, Caps, Magrela, Enivo, Mauro, Pqueno, Alopem, Dask, ZN Lovers, Sliks, Desp, Coletivo ZN, Feik, Cranio, Minhau, Inea, Biofa, Caze, Zéis e Alex Sena. 169
Este projeto teve característica mais urbanista e social, não buscando só
grandes artistas, mas também jovens que buscavam espaço.
O local era muito descuidado, ocupado por barracos e sem segurança.O
MAAU apresentou uma proposta de revitalização, apoiada pelos moradores, ganhando canteiros e calçadas, que podem ser usadas também como ciclofaixas.
170
Figura 62- MAAU Fonte: Maau, 2014
Figura 63- MAAU 2 Fonte: Maau, 2014
171
7.3.2. exposição “de dentro para fora e de fora para dentro - masp
São Paulo decidiu não mais aprovar a instalação de bustos nas praças pú-
blicas com a justificativa de que esse tipo de “arte” pertencia ao século XIX e nada acrescentaria ao cenário urbano. Nesse contexto de renovação da arte e das ideias sobre arte, a exposição “De dentro para fora e de fora para dentro/ Inside out outside in” apresenta-se como mais uma incursão do MASP no terreno da arte urbana – convidada para vir outra vez ao museu, já que a experiência de 2009/2010 superou todas as expectativas. O público do museu se renovou e todos gostaram.
Não se trata de disputar um espaço de exposição com a cidade, mas de criar
as condições para que se renovem os modos de pensar e perceber a arte neste século XXI. O que era quase invisível, embora se escancarasse nos muros da cidade, com iniciativas como esta apresenta-se sob o foco de um potente holofote.
A primeira exposição foi com artistas brasileiros e a segundacom artistas
que vieram dos EUA, da França, da República Tcheca e da Argentina e residiram por cerca de um mês em São Paulo. Cada um criou obras diretamente nas paredes de madeira construídas no Hall e Mezanino da Galeria Clemente Faria, no MASP. Pinturas, murais, esculturas, instalações, colagens, objetos, fotografias, mapas, impressos, vídeos e animações foram as principais mídias usadas por eles. Além das paredes, os artistas fizeram intervenções também na parte externa ao Museu, no 172
ambiente urbano: Point pintou os remendos de calçadas nas ruas atrás do MASP; Tec desenhou o contorno de um grande peixe no asfalto da rua São Carlos do Pinhal, cuja cabeça e cauda apareciam na entrada e saída do túnel formado pelo viaduto da Rua PeixotoGomide; JR colocou a reprodução de Kaiowá, fotografia de José Roberto Ripper, que pertence ao acervo do Masp, nos tapumes do prédio anexo ao Museu; e Invader espalhou intervenções em mais de 50 pontos da cidade.
A ideia central do projeto é provocar no público a experiência de não saber
onde está a arte, que pode estar em toda a parte, embaixo da escada, atrás do quadro ou dentro do buraco, na sala de casa ou no meio da rua, dentro ou fora do museu. A exposição propõe uma parceria com o público, que acaba por sair do museu sem sair por inteiro da obra.
A escolha dos artistas se baseou na identidade visual, com artistas capazes
de criarem juntos uma forte identidade plástica e visual, onde o público se sentisse dentro da exposição mesmo estando fora do museu, expandindo a sua experiência para além da plasticidade.
173
Figura 64- Painel Preto Fonte: Titi Freak, 2014
174
Figura 65- Inside outside Fonte: Masp, 2014
Figura 66- Inside outside 2 Fonte: Masp, 2014
Figura 67- Inside outside 3 Fonte: Masp, 2014
Figura 68- Inside outside 4 Fonte: Masp, 2014
Figura 69- Inside outside 5 Fonte: Masp, 2014
175
7.3.3. bienal internacional de graffiti - mube
A 1ª Bienal Internacional de Graffiti realizada no MUBE – Museu Brasileiro
de Escultura foi entre 03 de setembro e 03 de outubro de 2010, apresentando os traços de mais de 50 dos mais talentosos e influentes artistas do graffiti mundial, vindos dos Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Portugal, Alemanha, Argentina, Chile, Austrália, África do Sul, Dinamarca e República Tcheca.
O público conferiu nos grandiosos painéis as diferentes tendências da arte
urbana global. A Bienal apresentou a história do graffiti no Brasil e no mundo, suas influências nos diferentes movimentos artísticos do século XX e a relevância na cultura contemporânea.
Participaram da Bienal artistas nacionais (Anjo, Binho, Boleta, BR (RJ),
Brown, BTS, Ciro, Chivitz, Dalata (BH), Does, Flip, Graphis, Gueto, Highraff, Hyper (BH), Izolag (PE), Jerry, Jey, Markone, Ment (RJ), Mignore, Nem,Nina, Nove, Os Gêmeos, Pato, Presto, Ronah, Rui Amaral, Shock, Tikka, Tinho, Titi, Vito – A Firma, Victorone, Zezão) e internacionais comoBates (Dinamarca), Belin (Inglaterra),Can 2 (Alemanha), Cern (EUA), Dmote (Austrália), Faith 47 (África do Sul), Jaz (Argentina), Mr. Dheo (Portugal), Point (Rep. Checa), Saile (Chile), Suiko (Japão), Totem 2 (EUA). 176
A 2ª Bienal Internacional Graffiti Fine Art, realizada entre 22 de janeiro e 17
de fevereiro de 2013, contou com trabalhos de artistas nacionais e estrangeiros reconhecidos na arte urbana mundial.
Nomes internacionais de destaque estiveram presentes nesta Bienal como
Kongo, ECB, Kress, Daze e Wernz, além dos brasileiros Nunka, Speto, Finok, DMS e Minhau. Os artistas desta edição trouxeram painéis, instalações, telas, fotografias, pinturas e esculturas, além de intervenções em dois carros.
177
Figura 70- Pátio exposição Fonte: Mube, 2014
178
Figura 71- Galo Fonte: Mube, 2014
Figura 72- Vende-se Fonte: Mube, 2014
Figura 73- Mural Fonte: Mube, 2014
179
7.3.4. google art project O , criado em 2011 para tornar obras de arte de todo o mundo mais acessíveis, é uma espécie de “Street View” para museus e galerias. Com mais de 150 espaços totalmente digitalizados em 40 países, somam mais de 30 mil peças de arte em alta resolução, numa verdadeira viagem virtual.
O Museu de Arte Moderna de São Paulo e a Pinacoteca do Estado de São
Paulo passaram a fazer parte desse projeto com quase 200 obras nacionais digitalizadas. O objetivo, além de levar mais cultura para a web, é criar a oportunidade para pessoas do mundo inteiro conhecerem esses acervos. O "Art Project" é uma nova forma de interação com a arte e mais do que as obras em alta resolução, o projeto permite que o visitante virtual faça um passeio dentro dos museus, sala por sala. Assim, é possível conhecer exatamente onde cada peça está localizada.
O interessante é que o projeto estende-se à arte urbana, por exemplo em
São Paulo, com o “São Paulo Street Art” é possível visualizar diversos graffitis espalhados pela cidade com informações do local da obra e do artista.
180
Figura 74- S達o Paulo Street Art Fonte: Google Art Project, 2014
Figura 75- S達o Paulo Street Art 2 Fonte: Google Art Project, 2014
181
7.3.5. color city
O Color+City conecta quem quer pintar com quem tem espaços urbanos
para doar, utilizando para isso o perfil do Google.
Quem quer doar autoriza no site a utilização de seu muro, fachada ou espa-
ço livre, colocando fotos, e aguarda que um artista o escolha.
Quem quer pintar escolhe e reserva no mapa o espaço onde quer desenhar,
sendo que cada artista pode reservar somente um espaço por vez pelo período de 15 dias.
182
Figura 76- Color + City Fonte: Color+City, 2014
183
7.3.6. ossário - alexandre orion
Alexandre Orion viu a ameaça da morte nas partículas de poluentes lança-
das pelo escapamento dos carros que passavam pelo túnel entre a Avenida Europa e a Avenida Cidade Jardim e ficavam grudadas nos painéis que recobriam as paredes, enegrecendo-as.
Madrugadas a fio, limpou cuidadosamente a fuligem, desenhando em ne-
gativo uma galeria de caveiras que se estendeu pelo túnel. Nascia desta forma “Ossário”, um extenso painel de esqueletos, como o retrato de uma vida cinzenta.
Porém, antes que a obra ficasse pronta, as autoridades resolveram se mani-
festar contrárias à obra de arte, e a Limpeza Pública determinou que seus funcionários, com mangueiras e muita água, lavassem o imenso painel. Assim, preferiram a cara mal lavada da cidade à arte e sua fala eloquente a favor da condição humana.
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Figura 77- Ossรกrio Fonte: Alexandre Orion, 2014
Figura 78- Ossรกrio 2 Fonte: Alexandre Orion, 2014
Figura 79- Ossรกrio 3 Fonte: Alexandre Orion, 2014
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7.3.7. vídeo guerrilha
O Vídeo Guerrilha nasceu como uma mega-intervenção de arte-mídia única
que pretende rodar as principais metrópoles do mundo, promovendo o intercâmbio artístico, cultural e profissional de artistas de arte-mídia de diversos países e regiões.
Prestigia a tendência de projeção de proporções monumentais, estas que
fazem parte de um Festival com uma grande programação, para a qual são convidados artistas visuais de destaque do Brasil e outros países das Américas, Europa e África.
Trazem para São Paulo um formato inovador de festival, em que as atrações
principais não estão confinadas a palcos, tendas ou salas de concertos. São três dias de ocupações artísticas e culturais na Rua Augusta, com espetáculos de projeções e intervenções artísticas de VJs, DJs, grafiteiros, entre outras intervenções urbanas.
A rua e seus arredores são transformados numa galeria de arte ao ar livre,
ocupando os muros, fachadas e prédios, utilizando não só a arquitetura, mas também os espaços públicos da cidade. As obras, os artistas e expectadores estão dentro da mesma perspectiva, rompendo as barreiras e quebrando os limites entre as diversas formas de arte. 186
Figura 80- Hotel Fonte: Vídeo Guerrilha, 2014 Figura 81- Vídeo Fonte: Vídeo Guerrilha, 2014
Figura 82- Arte Fonte: Vídeo Guerrilha, 2014
Figura 83- Percurso Fonte: Vídeo Guerrilha, 2014
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7.3.8. sp urban digital festival - fiesp
O festival tem como objetivo fundir arquitetura, arte e mídia através de novas
tecnologias. Localizado nas imediações da Av. Paulista, o SP Urban utiliza a fachada do Edifício FIESP/SESI como principal interface e se estende pela Alameda das Flores, a passagem de pedestres que liga a Paulista à Rua São Carlos do Pinhal. Toda essa estrutura forma um organismo vivo meio ao cenário urbano paulistano, no qual artistas nacionais e internacionais propõem reflexões intrínsecas da metrópole com seus habitantes.
Atualmente, os artistas estão explorando ferramentas e experimentações
digitais simultaneamente com as possibilidades tecnológicas, confrontando os paradigmas artísticos anteriores.
A terceira edição do SP_Urban Digital Festival considera a ressonância da
arte digital, sua função e significado cultural no espaço público. Questiona as ideias artísticas, métodos, e curiosidades que estão moldando as linguagens atuais da arte digital em telões e fachadas urbanas.
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Figura 84- Game Over Fonte: SP Urban, 2014
Figura 85- Balloon Fonte: SP Urban, 2014
Figura 86- Game Fonte: SP Urban, 2014
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7.3.9. cidade cinza - o filme
O documentário dos diretores Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo, tem
a participação dos artistas OsGêmeos, Nunca, Nina, Finok, Zefix e Ise, e trilha sonora composta por Criolo e Daniel Ganjaman.
Cidade Cinza é uma produção independente, que levou seis anos para ser
realizada. Os diretores Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo conversam grafiteiros da cidade, como os Gêmeos, Nunca e Nina, colhendo depoimentos, onde os artistas afirmam que as pinturas representam uma resposta ao caos da própria cidade, além de permitirem se sobressair ao anonimato da multidão. Eles mostram o orgulho de ver seus nomes aparentes, contribuindo à transformação plástica dos bairros onde cresceram.
Há também a questão política, que gira entorno da legitimidade do grafite.
Os diretores acompanham funcionários terceirizados pelo governo, que apagam os desenhos nas paredes seguindo critérios totalmente aleatórios. Ainda assim, a discussão mais interessante trazida é respeito à própria noção de arte.
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Figura 87- GĂŞmeos Fonte: Cidade Cinza, 2014 Figura 88- Hashtag Fonte: Cidade Cinza, 2014
Figura 89- Capa Fonte: Cidade Cinza, 2014
Figura 90- Cinza Fonte: Cidade Cinza, 2014
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conclus達o
Atualmente, decorrente da mudança de valores e perda do sentido do “eu”
na sociedade, o homem depara-se com um processo de fragmentação dos parâmetros pré-estabelecidos. Vivemos uma época de mudanças ocasionadas por este processo de deslocamento de identidades, fragmentando os aspectos culturais de classe, gênero, nacionalidade que estavam consolidados e que nos forneciam referências para a construção da identidade própria. Como Stuart Hall (2006) afirma, seria a perda do “sentido de si”, onde o indivíduo sente-se deslocado sócio e culturalmente.
A arte urbana, no caso o graffiti, aparece como instrumento para a cons-
trução da identidade do indivíduo e como a manifestação de seus desejos, ideais e críticas. Além disso, por estar a vista de todos, presente no cotidiano urbano, o graffiti passa a construir uma identidade cultural da própria sociedade, onde não somente o artista, mas a população em geral, dela se apropriam.
Mesmo passando por discriminação e estranhamento, estruturou-se como
uma expressão artística de grande importância na cena urbana atual, sendo reconhecida mundialmente e promovendo aos artistas, notoriedade. Ainda é possível ver situações de intolerância, mas se levarmos em conta as propostas de inserção nos dias atuais, estas situações tornam-se pequenas.
Ao fim deste trabalho pude aprofundar meu entendimento a respeito da in-
fluência do graffiti na paisagem urbana, não apenas como um alívio as paletas 194
acinzentadas da urbis, mas como um instrumento condicionante da cultura.
É comum vermos propostas de grandes murais e espaços destinados ao
graffiti em projetos urbanos e até em privados, mas até então não havia me questionado a funcionalidade das obras. Embora não compartilhe da ideia de que um graffiti continue exercendo sua função em um espaço restrito, há de se ter em mente que no sistema a que pertencemos, qualquer “coisa” que atraia certa visibilidade passa a ser explorada como meio ou veículo de consumo.
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anexos
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