Não lugares: cidade e arquitetura contemporânea.

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NATASHA BALTHAZAR

NÃO LUGARES

CIDADE E ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial de obtenção do título de Arquiteta e Urbanista. ORIENTADOR: PROF. DR. CELSO LOMONTE MINOZZI

SÃO PAULO 2016

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À minha família, que sempre me apoiou nas minhas escolhas. Ao meu namorado, que esteve comigo nos momentos de felicidade e de tristeza. Aos meus amigos, que nunca deixaram eu me sentir sozinha. E, principalmente, ao meu pai, que me proporcionou viver essa experiência incrível.

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AGRADECIMENTOS A base de tudo: minha família – que sempre investiu na minha educação e confiou no meu potencial. Obrigada Vó Celeste, Tio Alex, Tia Lena, Caio e Neide. Muito obrigada principalmente ao meu pai Eduardo, que sempre sensato, me orientou nas escolhas e o mais importante: me deixou errar - demonstrando sempre seu amor incondicional e me dando força para não desistir. Agradeço a todos meus amigos de longa data, que durante esses cinco anos entenderam minha falta de tempo e buscaram estarem sempre presentes – se mostrando cada vez mais essenciais para que tudo ocorresse bem. Agradeço aos novos amigos que fiz aqui dentro da faculdade, que foram (e são) peças fundamentais para aliviar a correria do dia a dia e responsáveis pelas gargalhadas nos dias mais improváveis. Muito obrigada Ju, Carol, Cris, Mari e Gui pelo eterno “farra boa”. Entre as pessoas que a faculdade me trouxe, agradeço especialmente ao Gui, que com seu companheirismo e amor me fez crescer e encarar todos os obstáculos que surgiram. Obrigada por toda dedicação para que o nosso relacionamento superasse todos os momentos difíceis. Obrigada por me ouvir chorar, mas também por comemorar as conquistas comigo. Obrigada por me dar uma nova famíia: Dario, Eloysa e Gustavo.

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Agradeço de coração o apoio e compreensão da minha chefe Helô, que me deu a oportunidade de aprender muito nesse último ano como é a vida prática da arquitetura. Obrigada Lu, Gi e Má pelas tardes divertidas no escritório. Especialmente nesse trabalho, agradeço ao professor Celso Minozzi pela calma e confiança que me passava a cada atendimento. Obrigada pela paciência comigo e por todas valiosas conversas que me orientaram e resultaram nesse estudo. Com esse trabalho eu concluo uma etapa que durou cinco anos no calendário, mas que renderam muitos aprendizados que ficarão comigo por toda a vida. Lidar com o tempo e com a pressão foi meu maior desafio: fui diariamente instigada a ir além, a me esforçar cada vez mais, a sempre dar um passo a frente. E isso é maravilhoso! Como ser humano cresci muito a medida que foram exigidas de mim muita responsabilidade, dedicação e compromisso. E é isso que eu levo comigo. Por fim, agradeço a todos os professores que contribuíram para eu estar aqui hoje na posição de arquiteta e urbanista, agradeço a todas as noites em claro fazendo trabalhos, agradeço a todos os erros – tudo isso me fez perceber o quão longe consigo ir e o quão forte sou quando busco realizar um sonho.

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RESUMO Este trabalho tem como objeto de pesquisa o conceito de não lugar, que é uma noção contemporânea de leitura dos espaços desprovidos de identidade, ou seja, genéricos. Com base em um paralelo entre as categorias e tempos que envolvem os lugares antropológicos e os não lugares, percebe-se que o momento histórico contemporâneo propicia a proliferação dos não lugares, já que é marcado pela aceleração, diluição dos sentidos, efemeridade e generalização. Entende-se que a presença humana é necessária para a diferenciação dos lugares e não lugares, bem como para a aproximação entre eles. Tanto o lugar quanto o não lugar não são fixos, podem estar em qualquer situação, natural ou artificial, porque ultrapassam a questão de arquitetura como construção física, chegando em um patamar que entende arquitetura como espaço. Espaço este que se apresenta vazio, aberto a significados que serão impressos pelos indivíduos que os buscam. A conceituação e contextualização dos não lugares partiram das leituras de autores como Marc-Augé, Massimo Cacciari, Rem Koolhaas, Christian Noberg-Schulz, Ignasi de Solà-Morales, Bernard Tschumi, Zygmund Bauman, além de textos sobre arquitetura, que dialogavam com as questões levantadas.

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O trabalho, em suma, busca entender arquitetura não mais como forma e uso pré-estabelecido, mas sim como fluxo, onde há o deslocamento dos espaços e dos significados – assumindo em sua concepção a possibilidade de mutação.

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SUMÁRIO 11 Introdução 21 Conceituação: Espaço x Lugar x Não lugar 41 Contextualização: Um olhar sobre a cidade e arquitetura contemporânea 57 Não lugar na arquitetura: categorias dos não lugares como ações projetuais

115 Conclusão 121 Bibliografia

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INTRODUÇÃO


O vazio é um paradoxo: significa ausência, mas também promessa, espaço do possível, expectativa (Solà-Morales, 2002). Pensar no vazio traz a ideia de liberdade e possibilidade, tornando o desconhecido ao mesmo tempo sedutor e pavoroso. O objeto da minha pesquisa são os não lugares e o objetivo final é aproximar a teoria que envolve os não lugares à prática arquitetônica, isto é, como os não lugares podem ser levados em consideração na ação projetual. Para tanto, o raciocínio de elaboração do trabalho passou por três momentos principais: primeiro, a conceituação da noção de não lugar a partir de um paralelo com as definições de lugar e espaço; segundo, a contextualização do cenário que introduziu a noção de não lugar como uma forma de leitura espacial e, por último, análise de projetos de acordo com uma categorização proposta para os não lugares. Na primeira parte de conceituação, trarei uma discussão sobre os não lugares e sua estrutura com base em uma comparação com a ideia de lugar e espaço. O conceito de não lugar foi disseminado por Marc Augé, autor no qual me apoiei para elaborar essa definição. Em relação à explicação do que seria o lugar, a fundamentação foi estabelecida, principalmente, em cima da teoria de Noberg-Schulz, estabelecendo paralelos com outros textos..

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Com a conceituação inicial de lugar e não lugar, entende-se que há possibilidade de que um lugar se tornar não lugar mediante à aplicação de um uso específico por determinado indivíduo, mas que retorna à sua classificação inicial a partir do momento em que esse uso é desligado – isto é, a estrutura do não-lugar permanece, o sentido e significação vão embora com o usuário. O autor Marc-Augé, apresenta a ideia de não-lugares como sendo os espaços da supermodernidade, mas entende que os lugares nunca se extinguem totalmente, assim como os não-lugares nunca se consolidam por completo. “Na realidade concreta do mundo de hoje, os lugares e os espaços, os lugares e os não-lugares misturam-se, interpenetram-se. A possibilidade do não-lugar nunca está ausente de qualquer lugar que seja” (Augé, 2012, p.98) – a partir dessa passagem, percebe-se a coexistência dos lugares e não-lugares, além do fato de que qualquer espaço considerado lugar está suscetível a se tornar um não lugar. Um espaço só é efetivamente um lugar quando participa da memória coletiva de identidade, no entanto um espaço pode ser temporariamente um lugar quando está sendo usado por um grupo de pessoas que estabelecem com aquele espaço uma relação de sentido.

No segundo momento, buscou-se a contextualização do tempo

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contemporâneo, que segundo Marc Augé, é produtor de não lugares. Concordando com essa ideia, a argumentação foi baseada em autores como Massimo Cacciari, Rem Koolhaas e Zygmund Bauman, que apesar de não usarem o termo não lugar, trabalham o conceito com outras terminologias, acrescentando outras noções. Assim, estabelecendo uma conversa entre as teorias, traçou-se uma síntese acerca da sociedade contemporânea em que vivemos. A reflexão proposta sobre uma cidade contemporânea genérica é uma tentativa de definir e contextualizar a cidade em que vivemos hoje para então entender o tempo que forma os não lugares. Talvez hoje a história não faça mais parte do valor que damos aos lugares. A história é descontínua e as pessoas encontram-se cada vez mais individualizadas – “a perda do sujeito na multidão” (Augé, 2012, p.85). A existência dos não-lugares pode ser o reflexo das pessoas que habitam as cidades genéricas, já que estes trazem subentendidas a noção de ausência de identidade. A cidade em que vivemos modifica-se com velocidade notável, impedindo que se conservem memórias do passado. O processo de mega-urbanização exige respostas rápidas e, para isso, é necessário que o espaço seja homogêneo para se multiplicar rapidamente; deixando de possuir lugares simbolicamente significativos. A crise espacial resulta na

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reutilização de edifícios: um galpão industrial da metrópole pode ser, hoje, uma grande arena de espetáculos e, passados alguns anos, surge outra coisa mais apropriada ao momento vivido (Koolhaas, 1995). A régua da contemporaneidade mede tempo e não mais distâncias. Seja pela constante pressa ou pelo caos no trânsito, o que mais importa quando estamos nos deslocando de um lugar a outro é quanto tempo vamos demorar a percorrer e qual a alternativa para agilizar esse caminho, e não qual a distância do percurso. A necessidade de estar em todos os lugares o tempo todo, a ubiquidade (Cacciari, 2010), ocorre nos dias de hoje em sua plenitude. O território desterritorizalizante, a necessidade por uma superação do vínculo temporal é uma marca da contemporaneidade. Diante disso, Koolhaas (1989) aceita a cidade como paradoxo e defende que a combinação entre ordem e desordem, elementos formais e informais compõe as condições essenciais da cidade. Quando pensamos nas teorias até aqui comentadas, percebe-se que elas se aproximam na medida em que sustentam a ideia de perda de memória na cidade contemporânea, e por conta disso, a criação de espaços genéricos e superficiais, suscetíveis às transformações trazidas pela tecnologia e eventualidades – que seriam os não lugares.

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Carecemos de espaços livres, abertos às inquietações, ao “por vir” (Solà-Morales, 2002). Em uma cidade em que a movimentação e aceleração estão tão presentes, seria incoerente determinar usos perpétuos aos lugares. Eis a importância dos vazios: talvez vazios em forma, mas não tão vazios em conteúdo. Aceitar a mutação dos espaços, adequações e alterações faz parte do que chamamos de arquitetura contemporânea (Koolhaas, 1989). Aqui, cabe também uma reflexão sobre a dimensão temporal na cidade contemporânea. Na cidade genérica (Koolhaas, 1994), percebe-se a aceleração dos processos e a perda da linearidade histórica (Solà-Morales, 2002), criando um espaço de acontecimentos, de eventos que estão desvinculados do todo, demostrando uma perda do fluxo conjunto (Scoffier, 2009). Isso caracteriza a cidade território explicada por Cacciari (2010), onde as distâncias são calculadas pelo tempo em que se leva para atravessá-las, não mais pela métrica. Marc-Augé elenca como não-lugares espaços como auto-pistas, supermercados e aeroportos, já que usamos esses locais de forma contratual, isto é, estabelecemos uma relação com data e hora para começar e terminar. Os não-lugares não concedem espaço à história – “a atualidade e a urgência do momento presente reinam neles” (Augé, 2012, p. 95).

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No terceiro momento, em que são escolhidos projetos para serem analisados a partir da ótica e lógica (se é que se pode dizer que há uma) dos não lugares, foram elencadas categorias de análise. Assim, dividiu-se os projetos em: espaços criados para circulação (de pessoas, objetos e ideias), espaços de possibilidades dada a flexibilidade do espaço construído e espaços que representam a virtualização (arquitetura digital, arquitetura líquida, ciberespaço). Os projetos escolhidos foram: Parc de la Villete (Bernard Tschumi, 1995), Marquise do Ibirapuera (Oscar Niemeyer, 1954), Pavilhão da água (NOX, 1997) e Biblioteca Pública de Seattle (Rem Koolhaas, 2004). Um olhar otimista para os não lugares é a proposta de que a existência do não lugar é uma forma de intensificar as experiências que um espaço pode propiciar aos seus usuários. Eis, então, um paradoxo: a convivência entre lugares e não lugares e mais, a transitoriedade entre o sentido dos espaços – que ora podem se apresentar como lugares, mesmo tendo sido criados com características presentes nos não lugares e vice e versa. Seria como um jogo de imagens e significados, que se alteram e dependem de uma terceira dimensão: a subjetividade do indivíduo que utiliza ou se apropria do espaço em questão. A arquitetura não é constituída só de paredes, ela depende das pessoas que irão se apro-

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priar dos elementos construídos – e, neste momento, vale lembrar que até o vazio é uma construção. Após a análise dos projetos selecionados, a hipótese em que se chegou foi que a arquitetura não é mais uso e forma construída, mas sim movimento, que acompanha a imprecisão do contexto da era digital, abrange as distintas dinâmicas atuais e aceita a alteração de uso para adequação à necessidade momentânea. Os acontecimentos se tornam parte da concepção espacial: há espaço para o porvir, para a possibilidade, para a mudança. Como conclusão das inquietações levantadas ao longo do trabalho, formou-se a ideia de que os não lugares são uma nova forma de ler os espaços de acordo com o contexto que vivemos hoje, marcado pela globalização, aceleração, imprecisão e mutação. Ou seja, em nenhum momento buscou-se fazer um juízo de valor se o não lugar é bom ou ruim. A busca nesse trabalho foi entender como o não lugar participa do nosso cotidiano, sendo que muitas vezes nos favorecem por diminuir o tempo para realizar as tarefas (sejam deslocamentos, atividades comerciais, contratos profissionais) ou intensificar a nossa experiência nos espaços. Apoiando-me em toda discussão trazida a partir dos não lugares, busquei uma reflexão sobre o alcance do arquiteto na construção dos

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espaços e dos significados. Como a tentativa de construir um não lugar pode ser uma ferramenta para tornar a arquitetura mais inclusiva? A identidade histórica ainda é um valor que prezamos? Estabelecemos relação de identidade com lugares? Se sim, como ela se dá na contemporaneidade? São perguntas que surgiram em mim ao longo do trabalho e algumas continuam sem resposta, mas com certeza todo o estudo aqui apresentado colaborou para, pelo menos, amadurecer a forma com a qual eu encaro o desafio do exercício da arquitetura, que atinge além do terreno em que se intervém, mas também a cidade.

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CONCEITUAÇÃO ESPAÇO x LUGAR x NÃO LUGAR


Há distinção entre espaço e lugar, mas o que os diferenciam? Além disso, todos os lugares são iguais ou há diferentes tipos de lugares? A partir dessas inquietações, construiu-se a reflexão apresentada neste capítulo, que busca a explicação da noção de não lugar, apoiando-se, para tanto, na conceituação de espaço e lugar. Antes de refletir sobre os diferentes tipos de lugares, é preciso responder à pergunta inicial sobre se há diferença entre espaço e lugar. Marc Augé (2012, p.75) escreve que “a distinção entre lugares e não lugares passa pela oposição do lugar ao espaço”, portanto recorremos à etimologia dessas palavras para esclarecê-las. Segundo Aurélio Ferreira (1999, apud Reis-Alves, 2007), “o espaço é definido por distância entre dois pontos, ou a área ou o volume entre limites determinados”, ao passo que lugar é conceituado como “espaço ocupado, sítio ou ponto referido a um fato; esfera; ambiente”. Já Bruno Zevi (1996), por exemplo, considera o espaço e o vazio como sinônimos, entendendo que o protagonista da arquitetura é o espaço, ou seja, o vazio. Para ele, a arquitetura não está na largura, comprimento e altura das paredes que delimitam o espaço, mas sim no próprio vazio formado pelas paredes, já que é nesse espaço que os homens caminham e usam.

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Noberg-Schulz (1976) defende que o lugar é um fenômeno concreto do nosso dia a dia que pode ser entendido através dos conceitos de espaço e caráter. Segundo ele, “espaço indica a organização tridimensional dos elementos que forma um lugar” (Schulz, 1976, p.449), enquanto caráter “indica uma atmosfera mais geral e abrangente e, por outro lado, a forma e a substância concreta dos elementos que definem o espaço” (Schulz, 1976, p.451). Por essas definições, podemos entender que Schulz tem a ideia de espaço como composição tridimensional ao passo que o que ele chama de caráter pode ser aproximado ao lugar antropológico trabalhado por Marc Augé (2012). O lugar antropológico de Augé e a noção de caráter proposta por Schulz seguem o mesmo raciocínio do conceito de lugar trabalho por Aldo Rossi, em que a relação indivíduo e cidade se dá pela identificação e reconhecimento, ambos possibilitados pela condição histórica. Segundo Rossi, a cidade é vista como depósito de memória coletiva, portanto a conexão entre indivíduo e território se dá por essa correspondência e reconhecimento entre a subjetividade humana e o lugar concreto (Rossi, 2001). Para consolidar essa ideia de lugar, pode-se relacionar com as noções de pertencimento e continuidade – questões que talvez não sejam mais prioridade na sociedade contemporânea, o que incitou a noção de não lugar.

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Figura 1 - Exposição: Não lugares Foto: Mônica Zarattini

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Discutindo sobre a lógica dos lugares, Schulz elenca como elemento norteador a relação do homem com o ambiente. Isto é, ao dizer que “identificação e orientação são aspectos essenciais do estar-no-mundo do homem” (Schulz, 1976, p.457) revela a importância de o usuário estabelecer relação identitária com o espaço ocupado. Essa relação é definida como habitar, conforme declaração: Usamos a palavra habitar para nos referirmos às relações entre o homem e o lugar. (...) Quando o homem habita, esta simultaneamente localizado no espaço e exposto a um determinado caráter ambiental. Denominarei de orientação e identificação as duas funções psicológicas implicadas nessa condição. (Noberg-Schulz, 1976, p.455)

Assim, Schulz introduz o conceito de genius loci, noção também presente na teoria de Rossi. Genius loci significa a essência do lugar, isto é, “espírito” que será responsável pela identificação e reconhecimento do homem com o espaço – e é um elemento que o homem precisa aceitar para ser capaz de habitar. Considerando a ideia de Schulz de que arquitetura é o ato de atribuir significado ao ambiente ao criar lugares específicos, diferentes ações exigem espaços com caráteres distintos (Schulz, 1976). Isso revela a importância da presença humana para a construção de um sentido no lugar, já que as diversas experiências geram diferentes sensações, dado o caráter peculiar de cada situação.

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Neste ponto, a teoria de Schulz se aproxima de Augé na questão sobre a transitoriedade entre os significados dos espaços, podendo assumir qualidade de lugar ou não lugar de acordo com a subjetividade do sujeito que experimenta aquele espaço. Como explicado abaixo, Schulz reconhece a necessidade que os lugares têm de serem capazes de acompanhar as mudanças do tempo: A estrutura de um lugar não é fixa e eterna. É normal que os lugares mudem, às vezes muito rapidamente. Isso não significa, porém, que o genius loci necessariamente mude ou se extravie. Mais adiante veremos que ter lugar pressupõe que os lugares conservem suas identidades durante determinado período de tempo. (...) Como então essa estabilidade é compatível com a dinâmica da mudança? Deve-se assinalar, primeiramente, que qualquer lugar deveria ter a “capacidade” de perceber diferentes “conteúdos”, naturalmente dentro de certos limites. Um lugar que só é próprio para certos fins logo se torna inútil. Segundo, é obvio que se pode “interpretar” um lugar de diferentes maneiras. Na verdade, proteger e conservar o genius loci implica concretizar sua essência em contextos históricos sempre novos. (Noberg-Schulz, 1976, p.454)

Por essa passagem, entende-se que os lugares mudam de acordo com o tempo histórico: são os mesmos espaços, mas lugares diferentes.

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Segundo trecho abaixo separado na produção de Ferreira (2000), podemos entender que o conceito de lugar é multidisciplinar e auxilia na análise da cidade contemporânea à medida que traz consigo a complexidade conceitual que permite o aprofundamento da reflexão sobre o que seria um lugar hoje e qual seria seu contrário, que chamaremos de não lugar: O conceito de lugar, considerado por muito tempo como um dos mais problemáticos da Geografia, tem se destacado, recentemente, como uma das chaves para a compreensão das tensões do mundo contemporâneo. Articulando, entre outras, as questões relativas a globalização versus individualismo, às visões de tendência marxista versus fenomenológica ou à homogeneização do ambiente versus sua capacidade de singularização, o lugar tem se apresentado como um conceito capaz de ampliar as possibilidades de entendimento de um mundo que se fragmenta e se unifica em velocidades cada vez maiores. (Luiz Felipe Ferreira, 2000, apud Maciel, 2014)

Levando em consideração essas definições, percebe-se que há uma relação dialética entre as ideias de lugar e espaço, já que lugar é o espaço habitado (Schulz, 1976). O termo habitado, derivado de habitar, acrescenta o homem como elemento participativo da transição de espaço para lugar, isto é, o espaço ganha significado decorrente da presença humana. Assim, todo lugar é um espaço, mas nem todo espaço é um lugar.

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Esse espaço, onde se dão as ações humanas, onde essas ganham significado, é o lugar. O lugar por sua vez mantém em relação ao tempo uma ligação. O lugar recebe sua significação dentro de uma dimensão temporal delimitada. (Alan Mocellim, 2009, p.78)

A estrutura de um lugar, a primeira vista, pode parecer óbvia, mas frequentemente equiparamos os conceitos de lugar e espaço. Lugar e espaço não são sinônimos: apesar de serem ideias que se esbarram, se diferem. Enquanto o espaço pode ser aproximado de um conceito vetorizável, que apresenta dimensões finitas e precisas, o lugar é antropológico e impalpável. O espaço transmite ideia de estabilidade dada a sua natureza estacionária, enquanto o lugar está ligado ao subjetivo e frequentemente está relacionado à noção de tempo, criando uma base essencialmente dinâmica e mutável. Partindo desses princípios, nota-se que há uma permeabilidade entre lugar e espaço que foi enunciada pelo historiador Michel de Certeau ao declarar que “o espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada” (Apud. Augé, 2012) – isso significa que tanto o lugar quanto o espaço são compostos por elementos materiais e imateriais e há uma reciprocidade de um na composição do outro.

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Portanto, entramos na possibilidade do não lugar, isto é, a forma de ocupação e uso do homem no espaço determina se aquele local é um lugar ou não lugar. Essa é uma maneira simplista de diferenciar lugares e não lugares, mas nesse momento serve de ponto de partida para aprofundar a análise sobre os não lugares, buscando observar as categorias que os definem e as relações que ocorrem nesses espaços. Ao procurar o termo “não lugar” no dicionário Metápolis encontra-se a explicação: “nova relação entre cidade-tempo e espaço de mobilidade” (tradução nossa), revelando a constituição de um novo paradigma na arquitetura que consiste na valorização do espetáculo como exemplo do encurtamento do tempo necessário entre desejo e satisfação. (Dicionário Metápolis de Arquitetura Avanzada, 2001, p.216). Essa definição se aproxima do ensaio do antropólogo Marc Augé (2012) ao passo que ele expõe a existência fundamental de três determinantes para os lugares: identitários, relacionais e históricos. Logo, os não lugares seriam os espaços sem identidade, sem memória e sem história. Sintetizando essa diferenciação, tem-se a afirmação: Em sentido trivial, como localização, toda parte é um lugar, mas, em um nível mais complexo, lugar se refere às configurações diferenciadas do seu entorno, pois são focos que reúnem coisas, atividades e significados. Sempre que a capacidade do lugar de promover a reunião é fraca ou inexistente temos não-lugares ou

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lugares-sem-lugaridade. Essas ideias são importantes porque permitem entender lugar pela ausência, tanto quanto pela presença. (Edward Relph, 2012, p.25, apud Maciel, 2014)

Por esse trecho percebemos o reforço da ideia de que a presença humana altera o sentido dos espaços – podendo estes ser qualificados como lugares ou não lugares. Ainda discutindo sobre a coexistência de lugares e não lugares, Augé escreve: Na realidade concreta do mundo de hoje, os lugares e os espaços, os lugares e os não lugares misturam-se, interpretam-se. A possibilidade do não lugar nunca está ausente de qualquer lugar que seja. A volta ao lugar é o recurso de quem frequenta os não lugares (e que sonha, por exemplo, com uma residência secundaria enraizada nas profundezas da terra). Lugares e não lugares se opõem (ou se atraem), como as palavras e as noções que permitem descrevê-las. (Augé, 2012, p. 98)

Por essa passagem, percebe-se que o que Augé chamou de não lugares podem ser lugares se lhes for atribuído um significado, um acréscimo de funções – espaços suplementares. Afinal, existem espaços efêmeros e vagos que podem ter uma intenção aplicada/um uso que os transformam em lugares significativos. Se pensarmos nas feiras e eventos que ocupam esquinas, praças ou ruas: são espaços genéricos que se convertem pela atividade temporária que abrigam – pode-se entender, assim, que os não lugares são espaços intermitentes.

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A materialização dos não lugares pode ser vista nos embaraços da mobilidade, tais como rodoviárias, autopistas, estações de trens e aeroportos. Outros representantes seriam tanto os espaços de compra como shopping center, supermercados e lojas de departamentos, quanto os hospitais, quartos de hotéis, parques, entre outros. Não há discriminação entre espaços naturais ou construídos pelo homem, ambos podem ser não lugares já que essa classificação é mutável. A construção de significado de um espaço está diretamente atrelada ao sujeito que o olha e ao tempo que permeia essa relação, conforme definição encontrada no Dicionário Metápolis (2001). Acerca disso, Augé declara que: Os não lugares, contudo, são a medida da época: medida quantificável e que se poderia tomar somando, mediante algumas conversões entre superfície, volume e distância, as vias aéreas, ferroviárias, rodoviárias e os domicílios móveis considerados “meios de transporte” (aviões, trens, ônibus), os aeroportos, as estações e as estações aeroespaciais, as grandes cadeias de hotéis, os parque de lazer (...) enfim, redes a cabo ou sem fio, que mobilizam o espaço extraterrestre para uma comunicação tão estranha que muitas vezes só põe o indivíduo em contato com uma outra imagem de si mesmo. (Augé, 2012, p.74-75)

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Figura 2 - SĂŁo Paulo Foto: Nelson Kon 32


Outro fator peculiar dos não lugares é a questão da diferenciação e identificação do individuo, dado que a relação do usuário com o não lugar é contratual e o modo de usar esses espaços faz parte desse contrato, conforme Augé escreve: O contrato sempre tem relação com a identidade individual daquele que o subscreve. Para ter acesso às salas de embarque de um aeroporto, é preciso, antes, apresentar a passagem ao check-in (o nome do passageiro está inscrito nela); a apresentação simultânea ao controle da policia, do visto de embarque e de algum documento de identificação fornece a prova de que o contrato foi respeitado (...). O passageiro só conquista, então, seu anonimato após ter fornecido a prova de sua identidade, de certo modo, assinado o contrato. (Augé, 2012, p. 94)

Para os figurantes dos não lugares, o vocabulário rodeia as expressões de ação, movimento e inquietude. O ato de conversar não se encaixa na temática de tais locais: os usuários dos não lugares – espaços codificados - visam somente ao objetivo final pelo qual estão ali – transportar-se, comprar coisas - e qualquer interação ou socialização se mostra como um momento de afastamento do objetivo inicial. Segundo Schulz, faz parte do lugar a capacidade de identificação e orientação que o indivíduo estabelece em relação ao espaço em que se encontra para possa considerar que o usuário faz parte da dinâmica do lugar:

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Figura 3 - Passageiros em vagão de metrô Foto: Abílio Guerra

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Para conquistar uma base de apoio existencial, o homem deve ser capaz de orientar-se, de saber onde está. Mas ele também tem de identificar-se com o ambiente, isto é, tem de saber como está em determinado lugar. (Noberg Schulz, 1976, p.455)

Essa identificação se dá por meio da memória, isto é, há um resgate de lembranças que permitirá ao indivíduo enxergar no espaço algo que carrega no subconsciente, mas que lhe dá sensação de placidez – característica do habitar. Acerca dessa retomada de memória, Augé aponta um dos paradoxos dos não lugares: Paradoxo do não lugar: o estrangeiro perdido num país que não conhece (o estrangeiro “de passagem”) só consegue se encontrar no anonimato das autoestradas, dos postos de gasolina, da lojas de departamento ou das cadeias de hotéis. O outdoor de uma marca de gasolina constitui para ele um sinal tranquilizador. (Augé, 2012, p.98)

É engraçada a ironia do autor em aproximar o outdoor – símbolo da generalização – ao reconhecimento do individuo no espaço, já que para o estrangeiro que está perdido, a imagem do outdoor é um dos únicos elementos que o faz recordar às imagens de suas lembranças. O outdoor se torna um vínculo do individuo com espaço, um elemento de ligação que acalma e dá a sensação de estar em um lugar conhecido. O outdoor, nessa situação, deixa sua condição de não lugar e assume pos-

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tura de lugar, dado a significação que este tem para o usuário naquele momento. Os não lugares revelam a época que vivem – são espaços empíricos, do cotidiano e carregam as mesmas características que a sociedade da contemporaneidade: efemeridade, imprecisão e virtualidade. A existência do não lugar não extingue o lugar, mas na era digital, os lugares históricos perdem força diante do enorme fluxo de pessoas, mercadorias e informações que protagonizam os espaços virtuais, fazendo com que os métodos de produção e troca percam a necessidade de habitar um território. A velocidade dos acontecimentos na era da internet enfraquece a interação social e escancara um vazio entre as pessoas: itinerários marcados, olhares mecânicos, aventuras inexistentes, estagnação das emoções, escassas surpresas. Pouco (pre)enchimento. Como os não lugares se percorrem, eles se medem em unidades de tempo. Os itinerários não funcionam sem horários, quadro de chegada ou de partida, que sempre concedem um lugar à menção dos atrasos eventuais. Eles vivem no presente. (Augé, 2012, p. 95)

Os não lugares podem ser encarados como reflexo das mudanças que ocorreram na sociedade e que se concretizam no território em

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construções que interferem diretamente na relação espaço-tempo, já que facilitam a circulação de pessoas, coisas e informações – estradas, supermercados e computadores. Os não lugares são espaços provisórios e aleatórios. A sociedade globalizada engendra os não lugares ao passo que ativa a mobilidade real e virtual: o desenvolvimento tecnológico possibilitou reduzir o tempo de percorrer as mesmas distâncias (por exemplo, o avião), além de possibilitar que se percorra espaços através das simulações, sem precisar que haja locomoção física no lugar que ocupamos – realidade virtual. Vê-se bem que por “não lugar” designamos duas realidades complementares, porém, distintas: espaços constituídos em relação a certos fins (transporte, trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantem com esses espaços. (...) os não lugares medeiam todo um conjunto de relações consigo e com os outros que só dizem respeito indiretamente a seus fins: assim como os lugares antropológicos criam um social orgânico, os não lugares criam tensão solitária. (Augé, 2012, p.87) O exemplo disso é a tecnologia da internet, que nos permite estar em contato com o mundo mesmo estando sozinho. A internet pode ser considerada um não lugar que gera a “tensão solitária” (Augé, 2012, p.87): “O espaço do não lugar não cria nem identidade singular nem re-

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lação, mas sim solidão e similitude.” (Augé, 2012, p.95) A ideia de similitude está relacionada a não diferenciação dos usuários do não lugar. O não lugar além de ser despersonificado, despersonifica quem os frequenta. A questão da possibilidade do anonimato está ligada a forma que interagimos com os não lugares – relação marcada pela generalização. É no anonimato do não lugar que se experimenta solitariamente a comunhão dos destinos humanos. (Augé, 2012, p. 110)

A produção teórica de Augé (2012) revela sua intenção de assimilar na cidade contemporânea a relevância dos não lugares, da intensidade das imagens e do mundo virtual que acompanha a vida das pessoas hoje. Nas entrelinhas de seu ensaio parece haver uma preocupação em desvendar como os não lugares podem favorecer a perda do sentimento de coletividade enquanto sociedade, sobressaindo apenas o indivíduo em sua condição solitária. Aos distraídos, os não lugares podem parecer locais negativos destinados ao tédio, mas não são. Os não lugares são vazios – pensando no vazio como espaço do possível (Solá-Morales, 2002) – e nessa ausência podemos identificar potencialidades, tornando a arquitetura do não lugar como lacuna ou até mesmo usando o vazio para dar sentido, conforme escreveu Vladimir Bartalini (2012):

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Se há objeto e forma, e é difícil supor arquitetura sem objeto e forma, eles não são o sujeito da frase, mas a conjunção, a partícula que liga, possibilitando novos sentidos ao que foi ligado. (Bartalini, 2012, apud Guatelli, 2012)

A leitura sobre os não lugares que gostaria de trazer é entender que eles são uma nova classe de lugares, que surgiu decorrente de fatores que marcam a sociedade contemporânea. Essas características da contemporaneidade serão analisadas no próximo capítulo, na busca de explicitar a relação direta que há entre o contexto da globalização e a proliferação dos não lugares.

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CONTEXTUALIZAÇÃO UM OLHAR SOBRE A CIDADE E ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA


Após entender o que define o não lugar, neste capítulo buscou-se aproximação do contexto que propicia esses não lugares, isto é, partindo do princípio de que toda construção revela seu tempo, assim como as relações que são estabelecidas nos espaços estão em conformidade com o cenário em que acontecem, os não lugares podem ser vistos como frutos de uma época/conjuntura definida, segundo Augé (2012), como supermodernidade: A hipótese aqui defendida é a de que a supermodernidade é produtora de não lugares, isto é, de espaços que não são em si lugares antropológicos e que, contrariamente à modernidade baudelairiana, não integram os lugares antigos: estes, repertoriados, classificados e promovidos a “lugares de memória”, ocupam aí um lugar circunscrito e especifico. (Marc Augé, 2012, p.73)

O objetivo deste fragmento é, portanto, entender os elementos e dinâmicas que sustentam o contexto contemporâneo a fim de chegar ao propósito maior do trabalho: refletir sobre a presença dos não lugares na produção arquitetônica. A supermodernidade (Augé, 2012) é o contexto da metrópole contemporânea e para estudá-la recorreu-se à ideia de cidade genérica, trabalhada por Rem Koolhaas (1995), além do conceito de pós-metrópole proposto por Cacciari (2010).

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Quando Cacciari escreve sobre a pós-metrópole ou cidade-território está se referindo a uma cidade sem identidade, em que há uma sobreposição do tempo e do espaço. Como consequência, tem-se a perda da linearidade histórica, já que os fatos se dão como acontecimentos efêmeros, que não calcificam memórias e diluem a condição coletiva da cidade – denunciando a aceleração histórica que causa o desenraizamento. Esclarecendo o que seria a cidade-território, Cacciari (2010) escreveu: Estamos, agora, na presença de um espaço indefinido, homogêneo, indiferente nos seus lugares, onde se dão acontecimentos que se baseiam em lógicas que já não correspondem a um desígnio unitário de conjunto. E estes acontecimentos, enquanto tais, modificam-se com uma rapidez incrível (...) (Massimo Cacciari, 2010, p. 33)

Por essa passagem, podemos ler a cidade contemporânea como um território em constante transformação, em que a realidade virtual da era digital foi introduzida, provocando mudanças nas relações sociais e espaciais. Em relação à confusão entre espaço-tempo, consequência direta de um contexto em que há o predomínio do imediatismo, entende-se que: (...) nós moramos em territórios cuja métrica já não tem qualquer sentido espacial, mas quando muito unicamente temporal. Faze-

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Figura 4 - Fluxo / Exposição Cidade em Movimento Foto: Rodrigo Albertini

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mos todas as nossas contas em base ao tempo, ano ao espaço; já ninguém pergunta a que distância fica determinada cidade, mas quanto tempo demora para chegar lá. (Massimo Cacciari, 2010, p. 56)

Assim, a leitura de Cacciari para a pós-metrópole pode ser resumida em um contexto em que nada é fixo, tudo é mutável e está em constante reforma, onde “o território apresenta-se como colocação de acontecimentos” (Cacciari, 2010, p.57), isto é, o acontecimento substitui o fato histórico e escancara a fragilidade e superficialidade do mundo em que vivemos hoje. Se relacionarmos com a conceituação apresentada no capítulo anterior, podemos aproximar o conceito de supermodernidade ao de cidade-território como produtores de não lugares, já que ambos carregam dinâmicas semelhantes, reforçando a ideia de que as construções e o âmbito em que acontecem estão em congruência. Em suma, pode-se entender a cidade contemporânea como “um mundo prometido à individualidade solitária, à passagem, ao provisório e ao efêmero”. (Augé, 2012, p.74) Esse conceito de cidade-território, trabalhado por Cacciari, está intrinsicamente atrelado à ideia de cidade genérica (Koolhaas, 1995):

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Figura 5 - Costas / Exposição Cidade em Movimento Foto: Rodrigo Albertini

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A Cidade Genérica é a cidade libertada (...) do espartilho da identidade. A Cidade Genérica rompe com o ciclo destrutivo da dependência, não é mais do que um reflexo da necessidade atual e da capacidade atual. É a cidade sem história. É suficientemente grande para toda a gente. É fácil.(Koolhaas, 1995, p. 95)

Na cidade genérica, em consequência da globalização, presencia-se a entrada do mundo digital, que transforma a estrutura da sociedade e das relações, tornando presente a aceleração, individualização dos espaços e uniformização dos processos. Ou seja, a cidade genérica é aquela que nasce com o conceito de digital, onde a noção de identidade se perde e só resta a superfície. (Koolhaas, 1989) Tanto a cidade genérica, quanto a cidade-território são metrópoles globalizadas marcadas pelo consumo, tanto de objetos quanto de espaços, o que Augé já anunciava como condições que propiciam os não lugares: O mundo da globalização econômica e tecnológica é um mundo da passagem e da circulação – tudo tendo como fundo o consumo. Os aeroportos, as cadeias hoteleiras, as auto estradas, os supermercados (...) são não lugares, na medida em que a sua vocação primeira não é territorial, não é a de criar identidades singulares, relações simbólicas e patrimônios comuns, mas bem mais de facilitar a circulação (e, dessa maneira, o consumo) num mundo com as dimensões do planeta” (Marc Augé, 2012, p.84)

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Essas pontuações sobre a cidade contemporânea chegam a um dos pontos chaves para a discussão proposta: a relação espaço-tempo. O tempo do lugar antropológico é o tempo da vivência simbólica e pode ser entendido por atividades que se vinculam a um lugar específico e transmitem ideia de continuidade: Os monumentos, as construções, altares, lugares de ritos, todos demarcam um lugar onde certos momentos se realizam ritos diferenciados, e ao mesmo tempo permitem a sensação de continuidade no tempo. São lugares que são prolongados no tempo, favorecem a sensação de tempo como continuidade, dando significado ao lugar. (Allan Mocellim, 2009, p. 40-41)

Por essa passagem, entende-se que o tempo do lugar antropológico segue uma lógica linear – que na contemporaneidade já perdemos, assumindo a quebra do perfil histórico. Muitas atividades que estavam atreladas aos lugares específicos, hoje se apresentam como independentes das localidades, por exemplo, comportamentos, modos de vestimenta, locais de trabalho. Talvez possamos dizer que hoje há uma busca por identidades globais e não mais identidades locais. Analisando o tempo que envolve os lugares e os não lugares, pode-se perceber que espaço e tempo coincidem nos lugares, enquanto

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nos não lugares, o espaço está dissociado do tempo, provocando o esvaziamento do espaço, conforme explica Giddens: O desenvolvimento de “espaço vazio” pode ser compreendido em termos da separação entre espaço e lugar. (...) Lugar é melhor conceitualizado por meio da ideia de localidade, que se refere ao cenário físico da atividade social como situado geograficamente. Nas sociedades pré-modernas, espaço e tempo coincidem amplamente, na medida em que as dimensões espaciais da vida social são, para a maioria da população, e para quase todos os efeitos, dominadas pela presença – por atividades localizadas. O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando relações entre outros ausentes, localmente distantes de qualquer situação dada a interação face a face. (Giddens, 1991, p. 26 apud Mocellim, 2009, p.42)

Pode-se entender como não lugar o que Giddens nomeia como espaço vazio. Enquanto os espaços vazios revelam atividades que independem do lugar, podendo ser realizadas a distância, o não lugar descreve relações que por mais que estejam situadas em um mesmo ponto geográfico não possuem um elo específico com essa localidade. A noção de tempo que envolve o não lugar é o tempo instantâneo: não prevê relações duráveis. Augé escreve que “a atualidade e a urgência do momento presente reinam neles. Como os não lugares se

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percorrem, eles se medem em unidades de tempo.” (Augé, 2012, p.95) e, baseado nisso, Mocellim interpreta o tempo dos não lugares como tempo deslocado ou desencaixado, que pode ser definido como: (...) é a noção de temporalidade ativa no não lugar. Se os não lugares são os lugares de transição, destinados apenas à passagem, nunca à permanência, o tempo deslocado é o tempo acelerado, o tempo do deslocamento cada vez mais veloz, o tempo da presença passageira. As ações devem ser instantâneas e urgentes. (Allan Mocellim, 2009, p.46)

O mundo contemporâneo é instável e móvel, pensando que a arquitetura produzida neste contexto irá carregar essas dinâmicas em sua concepção, pode-se elencar dois conceitos para complementar a leitura da supermodernidade em que vivemos: mutação e liquidez. A ideia de mutação já estava implícita em todas leituras apresentadas até agora dado que os teóricos reconhecem na cidade contemporânea a capacidade de variação dos acontecimentos, o que proporciona novos sentidos e significados tanto para o tempo quanto para a história. Segundo Koolhaas (1995), a mutação na arquitetura foi necessária para acompanhar o ritmo da cidade genérica. (Koolhaas, 1995, p.60) A noção de liquidez está atrelada ao pensamento de Zygmund Bauman (2001) que apresentou em seu trabalho uma leitura que des-

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creve a transição de uma modernidade sólida para uma modernidade líquida, marcada pela aceleração e instantaneidade. O conceito de “modernidade líquida”, que seria a condição incerta e contraditória da sociedade contemporânea em manter suas formas – ou seja, se apresenta em constante reconstrução – revelando um território frágil e exigindo de seus moradores a capacidade de readaptação. Essa dinâmica líquida percebida na cidade pode ser trazida para a leitura da arquitetura, se apoiando na tese de Marcos Novak (1991), que lança o conceito de “arquitetura líquida”. A liquidez na arquitetura envolve a ideia de fluidez, flexibilidade, maleabilidade, virtualidade, aceitando e se apropriando das novas tecnologias, que permitem simulações computadorizadas sem que haja, necessariamente, o espaço físico. Em suma, a arquitetura líquida é a ponte entre o real e o virtual – desencadeando na noção de existência do ciberespaço, já trabalhada, também, por Cacciari. No atual momento da história outros lugares nos aparecem, e como eles também uma diferente temporalidade. Dispomos agora de lugares virtuais, onde a noção mesma de lugar pode ser contraditória. Estamos em um mesmo lugar, e em muitos, tudo ao mesmo tempo. O tempo é flexível, distâncias não são mais barreiras. (Allan Mocellim, 2009, p.36)

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Figura 6 - Tênis Exposição Cidade em Movimento Foto: Rodrigo Albertini

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O próprio ciberespaço pode ser entendido como não lugar, dada a sua condição anônima e virtual (Novak, 1991). Nosso contato com o ciberespaço se dá através de máquinas – celulares, tablets, computadores, caixas de banco – em que por meio de um objeto físico, acessamos um mundo “online” infinito. Pensar no ciberespaço já é considerar a globalização, em que a diversidade cultural dada pelas memórias históricas encontra-se comprometida dada a homogeneização dos processos. Esse mundo do ciberespaço é o resultado da cidade genérica: A Cidade Genérica é o que resta depois de grandes setores da vida urbana terem passado para o ciberespaço. É um lugar de sensações tênues e distendidas, de emoções escassas e distantes, discreto e misterioso como um grande espaço iluminado por um candeeiro de mesa de cabeceira. (Koolhaas, 2011, p. 37)

Assim, como síntese da condição líquida da arquitetura, tem-se: Estamos experimentando uma extrema liquidificação do mundo, da nossa linguagem, do gênero, do corpo: Uma situação onde tudo se torna mediado, onde toda a matéria de espaço é fundida com a sua representação na mídia, onde toda a forma é fundida com a informação. Estamos trocando a matéria pela substância, o sólido pelo grão e resolução. O líquido na arquitetura foi previa-

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mente associado com o fácil retorno da arquitetura às necessidades humanas, a satisfação em tempo real. Mas esta leve e inteligente tecnologia de desejo pode somente terminar com o corpo como um resíduo, onde os primeiros passos no ciberespaço serão provavelmente os últimos passos todos juntos” (Lars Spuybroek, 1998, p. 62 apud Marcelo Maia, 2001)

Lars Spuybroek é um dos arquitetos do grupo holandês NOX que trabalham com a interação entre arquitetura e tecnologia. Um projeto bastante emblemático deles é o Museu da Água, na Holanda, em que o elemento água é representado por simulação e não pela presença física – esse é um dos projetos que serão analisados no próximo capítulo. Por fim, em uma análise mais geral, os não lugares são representações de mudanças que estão acontecendo na sociedade contemporânea e sua concretização no território ainda está sendo percebida por nós: muitas vezes nos beneficiamos dos não lugares, que nos permitem fazer mais coisas em menos tempo, sem nos darmos conta de que estamos nos apoiando nesses novos espaços que propiciam a circulação, consumo e comunicação. Até o momento, busquei desenvolver o meu trabalho no campo teórico, que me deu suporte para buscar em projetos construídos a materialização dos conceitos discutidos.

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Resumidamente, estou lidando com duas formas de encarar os espaços: como lugares ou não lugares e, consequentemente, diferentes concepções de tempo relacionadas a eles. Assim, algumas premissas podem ser consideradas para seguir com o trabalho : a condição de lugar ou não lugar depende da interpretação do indivíduo no espaço; pode haver uma sobreposição dos significados e usos decorrendo em uma transitoriedade no espaço, que pode ser lido como lugar ou como não lugar; o contexto contemporâneo é marcado pela mutação e imprecisão e isso é refletido nos espaços e nas relações, conferindo-lhes a característica de móvel (assim como as pessoas). Sendo assim, para direcionar as análises de projetos apresentadas no próximo capítulo foi feito um recorte de categorias que definem os não lugares e que puderam ser reconhecidas como ações projetuais. Essas classes foram elaboradas de acordo com a conceituação apresentada no capítulo anterior junto com o complemento apresentado nesse capítulo ao estudar o contexto que sustenta a ideia de não lugar. Portanto, a categorização proposta não é fixa: acompanha a lógica dos não lugares e está suscetível a mudanças decorrentes das configurações do tempo.

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NÃO LUGAR NA ARQUITETURA CATEGORIAS DO NÃO LUGAR COMO AÇÕES PROJETUAIS


Os projetos de arquitetura revelam o tempo em que foram construídos - seja em total negação ou aprovação – portanto, buscando ilustrar a metrópole da supermodernidade, separei alguns projetos em que enxergo categorias dos não lugares sendo usadas como ações projetuais. A noção de lugar é uma questão social: o arquiteto não projeta lugares (ou não lugares), mas sim espaços. A condição de aquele espaço ser percebido como um lugar ou não lugar depende da maneira como o sujeito frequentador irá se apropriar daquele espaço. O que um arquiteto pode fazer é tentar resgatar a memória do indivíduo por meio de elementos significativos – aumentando a chance de o espaço ser interpretado como lugar – mas, em hipótese alguma, o arquiteto projeta lugar ou sequer o não lugar. Os projetos que serão analisados trarão não só reflexões sobre a relação da arquitetura contemporânea com a cidade, mas também sobre as relações que se estabelecem nesses espaços. Relações estas que sofreram mudanças junto com a evolução das cidades. O objetivo aqui é entender que os acontecimentos e as construções revelam o contexto em que estão acontecendo. Entendo que tanto as pessoas quanto as coisas acompanham o tempo que vivem, portanto encaro a pós-modernidade como uma nova forma de pensar e ver o

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mundo e não como um retrocesso na evolução humana. Talvez o projeto arquitetônico contemporâneo enfrente a tensão entre permanência e transformação. A construção de um espaço e sua significação envolve, necessariamente, a interação humana e as diversas possibilidades de uso que essa intervenção pode mostrar nos lugares – essa é uma das ideias que Herman Hertzberg traz em seu livro “Lições de arquitetura”: Deveríamos fazer projetos de tal modo que o resultado não se referisse abertamente a uma meta inequívoca, mas que ainda admitisse a interpretação, para assumir sua identidade pelo uso. O que fazemos deve constituir uma oferta, deve ter a capacidade de provocar, sempre, reações específicas adequadas a situações especificas; assim, não deve ser apenas neutro e flexível – e, portanto, não-específico -, mas deve possuir aquela eficácia mais ampla que chamamos de polivalência. (Herman Hertzberger, 2012, p. 152)

Reforçando a necessidade da multidisciplinaridade defendida com a ideia de espaços polivalentes, Hertzberg incorpora em suas “lições” a aceitação da mutação: (...) aplicação de componentes que funcionam temporariamente em certas “situações de uso”, após as quais revertem a seu estado original, para voltar a sofrer uma metamorfose, quando surgir a

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necessidade. Poderíamos dizer que a relação entre suas características e os usuários é temporária, já que a apropriação pelos usuários é também temporária e ocasional. Num contexto de áreas que exigem cuidados, poderíamos dar um passo à frente e deixar uma série de componentes inacabados, para oferecer aos usuários a oportunidade de completa-los da maneira mais adequada às suas necessidades e preferências particulares. (Herman Hertzberger, 2012, p.156)

Categorias dos não lugares elencadas para analisar os projetos: - espaços criados para a circulação – de pessoas, de objetos, de ideias – que adquirem diferentes significados de acordo com o uso que se estabelece (de maneira efêmera); - espaços de possibilidades – flexibilidade para diferentes usos – devido ao caráter móvel e instável das dinâmicas do contexto - vazio no interior do prédio; - áreas de circulação exacerbadas, para serem usadas para outros fins; - virtualização do espaço – ciberespaço/arquitetura digital; - sensação de sobreposição de tempo e espaço;

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- fluidez da forma e dos espaços; - arquitetura líquida – forma primitiva que sofre mutações; – processo digital / computação gráfica – arquitetura como resultado do movimento.

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Parc de la Villette Bernard Tschumi – 1995 Paris, França.

O projeto do Parque de la Villete, desenvolvido por Bernard Tschumi na década de 1990, foi vencedor de um concurso com mais de 470 propostas participantes. O terreno conta com cerca de 135 hectares, com mais de um quilômetro de comprimento e setecentos metros de largura. A proposta apresentada por Tschumi se destacou dos demais participantes por anunciar uma leitura pós-moderna da arquitetura, deixando a preocupação formal em segundo plano e explorando a questão do programa, ou seja, a relação entre o espaço e seu uso. Neste projeto, percebe-se a intenção de investigar a sobreposição de programas por meio de uma dinâmica por oposição e espera que a resposta dos usuários seja expressa pelo aparecimento de novos eventos. O evento é definido, pelo arquiteto, como um incidente, uma ocorrência – o item particular em um programa. Os eventos podem abranger usos particulares, funções singulares ou atividades isoladas. Incluem momentos da paixão, dos atos do amor e do o instante da morte. Dentro deste conceito, o espaço é um estado mental. (Bruno Padovano, 2001)

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Figura 7 - Em destaque, os equipamentos prĂŠ-existentes no entorno que serviram de diretriz para o plano geral do parque. Fonte: Google Maps.

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Figura 8 - Diagrama da composição programática: áreas construídas (vermelho), áreas cobertas (cinza escuro) e áreas ao ar livre (cinza claro). Fonte: Bernard Tschumi

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Figura 9 - Resultado do estudo da distribução dos volumes e percursos. Fonte: Bernard Tschumi

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Figura 10 - As três camadas de sobreposição: caminhos (linhas), Folies (pontos) e terreno. Fonte: Bernard Tschumi

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O Parque de La Villete foi escolhido para ser analisado dada as potencialidades que sua arquitetura proporciona na questão de programa e atividades que podem ser desenvolvidas naquele espaço, revelando a sobreposição do tempo e espaço – ideia trabalhada por Cacciari (2010) ao falar dos espaços sem identidade . Segundo análise do próprio autor, esse projeto “trabalha especificamente explorando os conceitos de sobreposição e dissociação” (Tschumi, 1988, p.33) – que são decisões projetuais que estão diretamente ligadas à noção de não lugar. Relacionando com a noção de não lugar, declara que: (...) em suas disrupção e disjunção, em duas características de fragmentação e dissociação, as circunstâncias culturais de hoje sugerem a necessidade de descartar categorias estabelecidas de significado e contextualismo histórico (...) o projeto rejeita o contexto, encorajando a intertextualidade. (Tschumi, 1994, p. 208 apud Guatelli, 2012, p.46)

Assim, podemos aproximar a leitura de Tschumi à ideia de contradição e complexidade na arquitetura na medida em que entende arquitetura como multidisciplinar e intertextual, ou seja, deve ser analisada e absorvida além dos limites físicos – deve ser olhada pelos seus não lugares – entendidos, neste momento, como espaços das possibilidades, com base na aplicação da ideia de Solà-Morales (2002) de entender

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Figura 11 - Planos que criam espaรงos sem a necessidade da forma. Foto: Cyrus Penarroyo.

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Figura 12 - Folies: espaรงo para o acontecimento imprevisto. Foto: Robert Lochner.

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o vazio não como ausência, mas sim como espaço do possível. Os percursos criados são tomados por uma representativa movimentação de pessoas, que utilizam o parque como “corta caminho” para acesso às edificações do entorno, como a cidade da Música e da Ciência e Tecnologia. Quando Augé (2012) aponta os espaços de circulação como não lugares, podemos ler esses espaços como locais de passagem que levam as pessoas a um determinado destino, sendo esse trajeto sem relevância (somente um caminho para chegar a um espaço). Levando essa leitura para os percursos criados por Tschumi no projeto em questão, há, possivelmente, uma inversão de valores: os percursos entre os volumes são mais interessantes que os volumes em si, pois criam visões diferentes daquele espaço ao passo que se percorre as passarelas, possibilitando que o tempo de percurso gere experiências espaciais que podem se tornar um elo de identidade entre usuário e espaço. Assim, a prevalência dos vazios em relação aos volumes que compõe o conjunto pode ser interpretada como uma aplicação da ideia de não lugar no exercício de projeto, ou seja, uma tentativa de criar relações efêmeras, devido à pluralidade possibilitada pela arquitetura.

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As Folies foram, a priori, projetadas sem um significado ou função preestabelecida – são construções que podem ser aproximadas dos não lugares dada a sua condição espacial genérica e, portanto, abertas às significações que podem levá-las a serem lidas como lugares, reforçando a ideia de Augé de que a possibilidade do não lugar nunca está ausente do lugar e vice e versa. “Les cases son vides” – as caixas são vazias - revela Tschumi (1994), desprovidas de conteúdo tanto funcional quanto simbólico – o que podemos aproximá-las dos não lugares. As Folies tem a potencialidade de comportar variados usos – “usos rotativos, mutáveis, de forma a produzir um ambiente urbano, a dinâmica da cidade” (Guatelli, 2012, p.44), estão abertas às significações. Essa diversidade de uso proporciona uma multiplicidade de significados – ponto chave que destacamos como categoria dos não lugares: presença das mutações e alterações nos espaços de acordo com as dinâmicas do contexto em que está inserida. As Folies podem ser consideradas a materialização da ideia presente nos não lugares de serem capazes de acompanhar as mudanças que ocorrem no mundo por serem desprovidos de memória, isto é, por serem espaços que não possuem enraizamento com o local – apesar de participar da dinâmica do entorno, participa de forma suplementar. Essa condição de espaço suplementar pode ser o elemento que trará a

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Figura 13 - Plano de intervenção: pequenos volumes que funcionam como tática de construção do vazio entre as grandes estruturas e vias de acesso. Fonte: Bernard Tschumi

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noção de transitoriedade entre o significado daquele espaço, isto é, a primeira vista é um não lugar, mas se for acrescido de funções, pode ser compreendido como lugar. (Augé, 2012)

Sobre essa multiplicidade de funções, Tschumi revela: (...) cada observador projetará sua própria interpretação, resultando numa descrição que será novamente uma dispersa e diferenciada realidade que marca o fim da utopia na unidade. (Tschumi, 1994, p.203-204 apud Guatelli, 2012, p.46)

Essa passagem reforça a ideia de construção de um espaço vazio de significado a espera de significações (e possíveis ressignificações), jamais se consolidando – sempre acompanhando a mobilidade do mundo, onde as coisas não são estáticas, tão pouco rígidas, reforçando a ideia de liquidez e efemeridade dos momentos e objetos - isto é, o não lugar. Sobre isso, Guatelli acrescenta: (...) um espaço sem significado e sentidos determinados (...) capaz de registrar momentaneamente marcas externas e uma multiplicidade de impressões e, ao mesmo tempo, retornar à situação anterior, que estaria, assim, sempre por se construir. (Guatelli, 2012, p.46)

Essa questão de eterna reconstrução é a consequência da acei-

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Figura 14 - Possibilidade de ocupação nos planos: térreo, passarelas, construções (Folies). Foto: Cyrus Penarroyo.

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tação da noção de mutação da supermodernidade, isto é, as metamorfoses fazem parte da vida contemporânea e revelam a mudança como maneira de realizar atividades que antes eram incapazes: “algo ou alguém se deforma, se desintegra, para se reformar de outro modo” (Guatelli, 2012). Outra questão que o Parque traz é a quebra da ideia de arquitetura como monumento: ao invés de um edifício grandioso em que a questão formal é o intuito, pensa-se em uma “arquitetura de espaçamentos programáticos” (Guatelli, 2012, p.44). Esse é mais um momento em que o projeto pode ser aproximado da condição de um não lugar já que a primeira vista é o desenho de um caminho – um espaço para as pessoas chegarem mais rápido no destino – mas é um caminho complexo, que traz a possibilidade de ser mais que um caminho dependendo da intenção do usuário. Sobre isso, Guatelli escreve: (...) propõe uma arquitetura de programas intercambiáveis no espaço e no tempo, onde as ações imprevistas que ali ocorrem e ocorreriam incessantemente seriam camadas de significações por vir de um território esvaziado quanto aos seus significados e sentidos apriorísticos. (Guatelli, 2012, p.44)

É justamente decorrente dessa possiblidade de mudança – aceitação da mutação no quesito de quebra de perfil histórico – de maneira não prevista e indeterminada que esse projeto se torna responsável pe-

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los acontecimentos ocasionais, nem sempre coerentes entre si e muitas vezes distantes da ideia tradicional do que seria “adequado” para um parque. Para Tschumi, a movimentação e interação das pessoas dispersas pelo espaço seria a origem da possibilidade de eventos imprevistos. (...) esses “points of Folies” – “pontos de loucura” ou, para nós, pontos de intensidade, pois representam um ponto de articulação entre os espaços e edificações existentes, as atividades (eventos) e as pessoas (...) (Guatelli, 2012, p.44)

A condição de existência dos não lugares, segundo Augé (2012), consiste na desconexão histórica e identitária dos espaços e essa premissa foi usada por Tschumi ao projetar equipamentos geradores de multidão e, consequentemente, tensões. A esse pensamento, Tschumi expande a reflexão dizendo que: (...) o projeto objetiva alterar o conceito de memória e contexto, opondo ideais contextualistas e “continualistas”, os quais colocam que a intervenção do arquiteto necessariamente refere-se a uma tipologia, origem ou significado predeterminado, a fim de promover uma instabilidade programática funcional – Folie - uma arquitetura que não tem significado apriorístico algum. (Tschumi, 1994, p.38)

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Quando Tschumi, por meio do desenho do espaço, não delimita áreas de intervenção, isto é, não existem barreiras entre, por exemplo, área de circulação, área de atividades, área de silêncio, área de barulho, o espaço se torna uma extensão dos próprios usuários: complexos, casuais, inesperados. Cria-se um espaço fluído, que aproxima opostos. Neste ponto, podemos concluir que assim como nos não lugares, La Villete existe no campo das incertezas e imprevisibilidades em que a arquitetura tem a estratégia de proporcionar a chance das eventualidades acontecerem, superando qualquer busca de sentido único, que seriam os lugares de memória (Augé, 2012).

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Marquise do Ibirapuera Oscar Niemeyer – 1954 São Paulo, Brasil.

A Marquise é um projeto de Oscar Niemeyer que foi desenhada junto com os outros prédios do mesmo arquiteto para o Parque do Ibirapuera. Foram realizados na década de 1950 com o objetivo de receber o 4º Centenário de São Paulo. Os edifícios construídos serviriam para essa festividade e ficariam como legado para a população, demonstrando a força do Estado. Diferente de quase todas as outras obras de Oscar Niemeyer, quando se pensa na Marquise, a primeira imagem que vem à cabeça é a própria obra e não de seu autor. Essa leitura foi proposta por Ruth Verde Zein em um artigo escrito após a morte de Niemeyer: Mas com os anos, a marquise passou a ser ela mesma. Sem sair de onde estava, tornou-se independente. (...) Somente quando a genialidade ultrapassa todos os limites do ego, é possível chegar ao grau de perfeição artística e de permanência no tempo da eternidade que só a anonimidade confere. Os autores anônimos das Pirâmides (...) também existiram, viveram, amaram e sofreram, e não sabemos mais quem são. Deixaram legado não de si, mas de suas obras, e não para si, mas para o mundo.(Ruth Verde Zein, 2013)

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Figura 15 - Implantação da Marquise: sua presença extrapola a função de conexão entre os edifícios, cria um espaço vazio do qual as pessoas se apropriam de acordo com suas necessidades – essa é uma potencialidade do lugar genérico/não lugar. Fonte: Google Maps

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Em sua concepção, talvez a Marquise não existisse se não fossem os grandes edifícios que ela conecta, mas com o passar do tempo, a presença que esta extensa cobertura estabeleceu naquele espaço ultrapassou a sua função inicial de ligação - e será esse o ponto que irei explorar na análise aqui proposta. O espaço criado pela Marquise pode ser considerado um não lugar ao passo que a grande cobertura foi pensada como abrigo para as pessoas que circulam – o que pode a aproximar das estações de meios de transporte. Segundo definição de Augé (2012), os não lugares surgem para facilitar a pessagem e circulação. No entanto, apesar da sua função primária de ligação entre os prédios, a Marquise não pode ser lida como mero complemento desses edifícios já que tem seu funcionamento independente das outras estruturas. A descrição formal, estrutural e material não é suficiente para revelar a intensidade dos usos que ocorrem naquele espaço, mas podem servir como introdução para entender os elementos que compõe essa arquitetura: Com um perímetro de cerca de 1.700 m e uma área de 28 mil m2, sua largura varia de 6 m nas extremidades até 75 m na porção central, a distância entre pilares variando de 12 m a 28 m, podendo na sua porção central uma medida na diagonal entre dois pilares atingir respeitáveis 44 m. Além dos oito pilares em V situados nas

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suas quatro extremidades, é sustentada por 106 pilares circulares com diâmetro constante de 50 cm - apesar da variedade dos vãos e cargas, variando de 75 a 275 toneladas por pilar. Esbelta, a cobertura em laje nervurada com caixões perdidos dispõe de vigas longitudinais de altura de 80 cm e vigas transversais de altura variável, atingindo na borda 25 cm de espessura. O pé-direito é variável, de 3 m a 4,25 m, “em curva e em declive”. (Ruth Verde Zein, 2013)

É um espaço para a imprevisibilidade: planta livre, permeável por todos os lados – o que o torna suscetível aos acontecimentos efêmeros, fatos que são apontados por Cacciari (2010) como marcas da pós-metrópole. O Parque, que pode ser entendido como seu entorno, é contínuo embaixo do vazio. Não há limitações físicas que impeçam a passagem – a única barreira pode ser o pilar – e, portanto, o usuário irá dialogar com essa variedade de possibilidades de ocupação que esse espaço proporciona. Embaixo da laje há um grande vazio – resgatando a ideia de Solà Morales (2012) de vazio como espaço do possível – é um lugar de presença e ausência. A ocupação desse espaço se dá de maneira diversificada: prática de esportes, alongamentos, aulas de dança, caminhadas, reuniões informais, aulas, entre tantas outras atividades que não possuem coerência entre si. O único elo entre elas é a liberdade implícita no ato de ocupar e se apropriar daquele espaço da maneira que se consi-

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Figura 16 - Vista aérea da Marquise. A grande cobertura de laje cria um espaço coberto, porém permeável: o térreo continua acontecendo embaixo da Marquise (fluidez, permeabilidade, movimentação) Fonte: Revista AU.

Figura 17 - Há uma setorização “oficial” da Marquise definindo onde são permitidas a prática de esporte – no entanto, na prárica, as pessoas se apropriam desses espaços de maneira mais espontânea. Fonte: Prefeitura de São Paulo. 82


derar adequada. Apesar de existir uma proposta de “zoneamento” das ocupações na marquise (Figura 17), o que observamos na prática é uma “auto-regulamentação” espacial. Há a área de ruído: a parte em que a declividade é maior é buscada pelas pessoas com bicicleta, patins, skate. Há a área de comércio: muitos ambulantes apropriam-se do espaço vendendo bebidas, comidas e acessórios. Há a área da curiosidade: inibidos pela grande movimentação que acontece embaixo da Marquise, estes ficam do lado de fora, mas participam daquela dinâmica observando – como se fosse um espetáculo. Ao mostrar suas manobras, na verdade cada um deles está fazendo o exercício de marcação de territórios, aprendendo não só as técnicas destas praticas, como também as técnicas de pertencimento ao grupo. Por trás dos gestos expressados por cada jovem, encontram-se performances de vida, que subversivamente, fazem uso da marquise para a manutenção de sua identidade na produção do espaço. ( Paulo Junior e Silvia Amaral, 2012)

Ao percorremos a Marquise, chegando até o lado oposto, entre o Museu de Arte Moderna e a Oca, a dinâmica muda. Esse espaço é usado para encontro e confraternização de diversas tribos. São numerosos,

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Figura 18 -Convivência entre diversas atividades em um mesmo espaço: skate, rodas de conversa, pessoas indo para o museu. É difícil dizer o que cada um que passa por esse espaço está indo fazer (encontrar grupos, praticar esportes ou somente passagem) – isso reforça a ideia de Augé (2012) de que o não lugar, além de ser despersonificado, despersonifica seus usuários. Fonte: Artexplorer

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capazes até de esconder o MAM, que está ao fundo. O MAM é outro elemento que atrái pessoas para a Marquise, sua fachada envidraçada funciona como espelho para os grupos de dança, que aproveitam aquele espaço para ensaios – novamente, curiosos observam e podemos ver a Marquise servindo de palco para o espetáculo. A porção que encosta na Bienal é usada, em dias de eventos, como ponto de chegada e encontro entre os que vêm de carro – como um foyer do pavilhão. A Marquise possui um ritmo. A forma do espaço é a responsável por essa liberdade de atividades, mas os eventos se mostram mais importantes que a forma, dada sua definição pela tempo da experiência do espaço. Neste ponto, pode-se resgatar a ideia de Zevi (1996), trabalhada nos capítulos anteriores de que arquitetura é o vazio formado pela forma, isto é, o espaço livre é que dará sentido à construção, já que é nele em que as relações acontecem. Partindo da interpretabilidade como uma característica inerente à forma, chegamos à questão de saber o que torna uma forma – na condição de estrutura – interpretável. A resposta deve ser: a capacidade de acomodação da forma, poderíamos dizer sua “competência”, que permite que seja preenchida por associações e conduza a uma dependência mútua com os usuários. (...)

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Figura 19 - Permeabilidade visual e física, o que dá sensação de integração, continuidade, fluidez. Fonte: Revista AU

Figura 20 - Ritmo da Marquise: mistura e convivência de atividades. Fonte: Acervo próprio. 86


Pois a questão central aqui é a interação entre forma e usuários, o que um faz ao outro, e como um se apropria do outro. (Herman Hertzberg, 2012, p.150)

Aceita o imprevisível, se apropria da ideia de mutação e seus espaços possuem significados eventuais. Os usos extrapolam os limites da cobertura da Marquise. A marquise está ali para abrigar-nos da chuva e do sol, mas também para definir um cá e um lá, uma paisagem espremida do horizonte e uma vista próxima mais aberta, um percurso e uma sucessão de eventos, fazendo e desfazendo-se em incertos territórios, vagos e não estanques, de tribos e tipos. Que dela dispõem à vontade, mas em plena convivência: atritando-se e ignorando-se, navegando-se entre indivíduos, multidão e grupos, fazendo-se e desfazendo-se times e turmas como ondas sobre as quais se surfa. (Ruth Verde Zein, 2013)

Assim, esse é um espaço público coberto em que indicações de usos estão absolutamente ausentes: “(...) é apenas e tão somente um vazio qualificado. Aberto. Generoso.” (ZEIN, 2013) Assim, vê-se o que Augé (2012) escreveu sobre a possibilidade do lugar se tornar não lugar e vice e versa. A Marquise, se olhada sem a presença humana, é um não lugar dada a sua função de abrigo para

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os que circulam. No entanto, se observada quando ocupada pelas pessoas, para cada um que usa, ela tem um significado, isto é, se torna um lugar. Porém os significados são múltiplos e variáveis, revelando a ideia trabalhada tanto por Schulz (1976) quanto por Augé (2012) de que os espaços têm que ser capazes de acompanhar as demandas do momento presente: “um lugar que só é próprio para certos fins, logo se torna inútil“ (Schulz, 1976, p. 454). Neste momento, o espaço da marquise se aproxima dos outros projetos estudados até agora: marcados pela existência de espaços “neutros” que apresentam a capacidade de se adaptar à multiplicidade de funções. Pode-se classificar o espaço da marquise como descomedido por ser um espaço de conexão entre outras construções? Talvez. Em relação a isso, Igor Guatelli escreve: Portanto, também um excesso, porque “desnecessária”, se considerada à luz dos pressupostos e lógica funcionalistas, essa “presença”, a marquise, de pura ausência, o espaço originado, ao mesmo tempo que depende e se justifica pelas demais construções, é capaz, em certos momentos, de transcender sua condição de vazio ao registrar e abrigar ações criativas, eventos. (Igor Guatelli, 2012, p.62)

A eventualidade, marca do não lugar, faz a ligação entre os projetos apresentados até agora, dado que é uma situação permitida por

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Figura 21 - Marquise: espaço livre, sem barreiras. Até o pilar, que é um obstáculo físico, pode ser usado como banco, dada a sua forma. Isso reforça a ideia de que a forma da arquitetura (e seus elementos) favorecem (ou não) as diferentes ocupações. Fonte: Fotos Públicas

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todos os espaços concebidos. Talvez a tentativa da ação projetual em criar não lugares esteja na proposição de “espaços livres”, mas isso não significa simplesmente livrar o espaço de condicionantes de usos, mas principalmente conceber espaços que ultrapassam a qualificação de complementares, chegando a condição de “espaço disjuntivo”, isto é, alcançar uma certa autonomia. (Guatelli, 2012)

A presença do excesso na supermodernidade é um estímulo ao não lugar, se levarmos esse excesso como ação projetual podemos entendê-lo como uma ação estratégica que viabiliza o estado de não lugar na arquitetura. Por se tratar de arquitetura, isto é, construções não podemos nos ater apenas às ausências, no entanto as analises feitas até agora revelam que há situações em que o enfraquecimento de significados (não lugares) é essencial na produção de significações e mais, na criação de espaços dada a possibilidade de ressignificações (lugares). É importante ressaltar aqui que esse é um projeto que pertence ao movimento moderno, que, por sua vez, não considera a ideia de lugar ou não lugar em sua concepção. Essa classificação é uma leitura contemporânea em cima desse espaço.

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Figura 22 - Feira de domingo embaixo da Marquise: revela a diversidade de ocupações possíveis neste vazio. No caso, o espaço de comércio, entendido como espaço de troca, é um não lugar, que, no caso, abrange pessoas a passeio e não só as que tem o objetivo de consumo. Fonte: Apontador

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Pavilhão da água NOX – 1997 Holanda.

Da mesma maneira que o não lugar é marcado pela ascensão da tecnologia, a arquitetura do escritório NOX utiliza de técnicas de computação gráficas alinhadas com as diretrizes de projeto, criando uma nova arquitetura, que por sua vez se relaciona com o imaterial, o ciberespaço, aceitando a condição de mutação e interatividade entre usuário e espaço na concepção arquitetônica. Dessa forma, é possível reconhecer novas formas de construção ao passo que o tradicional é repensado de acordo com a era digital, marca da contemporaneidade. Assim, inicia-se uma arquitetura da releitura ou transarquitetura – termo criado por Marcos Novak. O grupo NOX, liderado por Lars Spuybroek, declara ser influenciado pelas ideias de Novak, aplicando a teoria da arquitetura líquida na criação do edifício. A partir da concepção de espaços fluidos, o grupo busca a interatividade entre a obra e os usuários. O projeto escolhido para análise é o Pavilhão da Água Doce, em que o espaço arquitetônico é integrado com o recurso digital de mídias interativas, gerando uma ligação entre realidade física e virtual.

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Figura 23 - Mutação da forma: liquidez, fluidez. Sobre a arquitetura contemporânea, Koolhaas declara que esta precisa ser mutável para acompanhar a cidade genérica Fonte: Ábaco Arquitetura.

Figura 24 - Resultado da mutação formal/ Arquitetura paramétrica: fluída – perda da setorização espacial, espaços se interpelam. Fonte: Vitruvius. 93


Nessa obra, o espaço interno é conformado por superfícies com diferentes níveis de piso, parede e teto, caracterizando um ambiente de difícil equilíbrio e exploração. O visitante tem que se mover de maneira similar à passagem da água pelo espaço. A iluminação é alterada em função da interação tátil e virtual com a água, e também o volume de pessoas presentes provoca alteração na conformação espacial. O mutante espaço interno gera uma inquietude visual e tátil, diluindo a noção de materialidade da obra. A fluidez está presente em toda a experiência da visita:; na conformação espacial, nos materiais, na ambiência, na interatividade e no movimento do usuário do espaço. (Adilson Junior e Antônio Grillo, 2010, p. 9)

Trabalha-se, portanto, no campo dos sentidos, onde as estruturas arquitetônicas se entrelaçam com o fluxo de informações – neste ponto, aproxima-se das características dos não lugares, onde a circulação é acelerada pelas novas tecnologias. Ao interagir real e virtual, o espaço criado se torna “vivo”, o que pressupõe a transformação constante – abrigando o conceito de mutação. No entanto, a liquidez presente não está apenas nas relações que ocorrem no interior da construção, mas também em sua forma: a geometria proposta revela a intenção de fluidez da imagem e sua realização é totalmente dependente das tecnologias digitais, que possibilitaram os estudos e simulações.

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Figura 25 - Espaço interno do Pavilhão – a fluidez externa também está presente na concepção dos espaços internos, marcados pelas simulações digitais. Fonte: Stella Arquitetura.

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Figura 26 - Estrutura do Pavilhão – a forma fluída só foi possível ser construída com auxilio de softwares – inclusão da era digital no processo de projeto de arquitetura. Fonte: Ábaco Arquitetura.

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Figura 27 - Vista externa do Pavilhão. Fonte: Ábaco Arquitetura.

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Esse projeto, apesar de ter a relação tecnologia e arte como ponto central, pode ser aproximado dos projetos apresentados anteriormente ao passo que também apresenta um espaço de possibilidades, cujas significações estão abertas à experiência dos usuários. Isso se dá pela ideia do líquido, que tem sua forma estipulada pela maneira como escorre, podendo assumir imagem alternada de acordo com as forças externas que forem aplicadas, em outras palavras, o espaço criado pelo NOX é o espaço vazio – espaço que será preenchido pela ocupação humana. A arquitetura líquida por eles proposta, além da geometria fluida, busca a mutabilidade, a flexibilidade, o transitório, por meio da interatividade; a arquitetura deixa de ser pensada como possuidora de um espaço estático, para ser tratada como um campo de constantes transformações. (Adilson Junior e Antônio Grillo, 2010, p. 10)

Outro fator importante da arquitetura liquida aqui proposta, em questões formais, rompe com a aplicação da geometria euclidiana, assumindo as múltiplas dimensões que resultam em espaços complexos. Novak (1993) elenca três diretrizes para o espaço virtual: a não localização, a multiplicidade e a variabilidade da física. Seguindo esses conceitos, o NOX utiliza a grelha líquida para estruturar o projeto do Pavilhão ao invés da grelha convencional, cuja

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configuração segue a geometria euclidiana e é composta por linhas horizontais e verticais. (Adilson Junior e Antônio Grillo, 2010) Já a grelha líquida não se restringe às três dimensões; ela é uma combinação heterogênea de diversas dimensões, onde algumas forças e zonas de flexibilidade e fluidez se unem para criar essa forma híbrida, de caráter maleável e mutante. Os pontos de encontro das linhas da grelha tradicional transformam-se em nós, molas ou em campos de forças, suscetíveis de se desdobrarem em outras linhas. Segundo Spuybroek, a grelha líquida não descarta os parâmetros da grelha rígida, mas assimila-os e transforma-os, dotando-a de flexibilidade, maleabilidade e mutabilidade. (Adilson Junior e Antônio Grillo, 2010, p. 10) Mais uma vez, percebe-se a ideia de mutação sendo incorporada à ação arquitetônica, ou seja, o projeto aceita e incorpora essa característica do contexto contemporâneo e o transforma em ação projetual. Esse é mais um exemplo de arquitetura sendo entendida como movimento e não mais como forma no espaço. Quando aprofundei sobre o que define o não lugar, no capítulo de conceituação, apontei como possível o acontecimento de os espaços, pessoas e coisas serem substituídos por máquinas – tomando como

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exemplo o terminal de banco, que dispensa a presença de alguém para realizar as transações, já que isso pode ser feito “by myself”. Transfigurando um pouco essa leitura, o Pavilhão da água revela essa substituição de elementos por simulações digitais: não há em momento algum a existência da água neste espaço, mas sim sua simulação. O mundo virtual se confunde com o mundo real na medida em que se torna o primeiro se torna a extensão do segundo. Assim, esse pavilhão é um exemplo de arquitetura líquida ao passo que rompe a lógica linear e desrespeita a ordem natural com o intuito de deixar a informação fluir por todos os lados – eliminando barreiras e confundindo o mundo real com o mundo virtual. Pode-se entender que neste projeto há a união de três elementos: o espaço físico, a virtualidade (expansão da realidade) e o sujeito (receptor e emissor de estímulos).

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Figura 28 - Espaço interno composto pela projeção de luzes e imagens que dão a sensação de haver água, mas não há – mistura do mundo real com o virtual. Fonte: Stella Arquitetura

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Biblioteca de Seattle Rem Koolhaas – 2004 Seattle, Estados Unidos.

Consciente das transformações que ocorrem no contexto e sociedade contemporânea e das implicações que estas geram acerca da busca e utilização do equipamento biblioteca, Koolhaas encara o desafio desse projeto e propõe uma solução contaminada com a dinâmica que está acontecendo no mundo. O resultado disso é a proposta de um programa que reúne diversas atividades, que, por sua vez, extrapolam o tradicional uso de uma biblioteca. Acoplado ao programa, tem-se no térreo espaços de comércio, que podem ser lidos como espaço de troca. A inclusão dos cafés e revistarias é uma ação econômica que atrái pessoas que não buscam o consumo de livros, assim não exclui qualquer visitante. Outro incremento no programa, é a inclusão da midiateca, ou seja, o conteúdo digital (filme, música, livro digitais). O termo midiateca é termo contemporâneo, que está diretamente ligado à evolução tecnológica, que permitiu armazenar em pequenos dispositivos conteúdos enormes e a inserção de suportes de informação, como, por exemplo, DVDs, vídeos, acesso à internet. Esse conteúdo audiovisual demanda um espaço diferente da biblioteca tradicional.

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Além da capacidade de abrigar diversas atividades, a Biblioteca Central de Seattle incorpora a possibilidade de transformação futura, revelando o entendimento de que o programa é o reflexo da sociedade da nossa época e estes irão se alterar com o avanço tecnológico, tornando necessárias novas respostas e acomodações. Esse poder de adapção – mutação – se dá pela concepção estrutural livre, em função dos espaços genéricos que quer criar. Mais uma vez, o programa é tido como elemento norteador do projeto e neste caso, aliado ao uso da tecnologia na arquitetura, resultou no projeto da biblioteca. A forma da biblioteca, segundo Koolhaas, foi resultado de um estudo de fluxos para o programa proposto, ou seja, tanto a dimensão dos ambientes quanto o pé direito dos espaços foram determinados de acordo com a quantidade suposta de pessoas que os usariam (Figura 29 e 30). Essa ação projetual revela a consideração do movimento de pessoas (questão conceitual) para concepção espacial. Em questões formais, o arquiteto partiu da interpretação dos fluxos e movimentos para conceber os espaços, e aliado a tecnologia, pôde criar esse dinamismo interno.

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Figura 29 - Corte esquemático mostrando a proporção entre os espaços de acordo com seus usos. Fonte: ArchDaily.

Figura 30 - Complemento do corte esquemático acima, seguindo o mesmo raciocínio de composição espacial. Fonte: ArchDaily.

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Figura 31 - Esquema que mostra a diversidade programática prevista pelo arquiteto. No entanto, dentro desses espaços destinados a esses usos há lugar, também, para o imprevisível – considerar o futuro, a possibilidade, o vazio é uma aplicação do conceito de não lugar como ação projetual. Fonte: ArchDaily

A maneira com a qual Koolhaas trabalha o programa torna o espaço mais que uma biblioteca, alcança a qualidade de espaço público verticalizado.

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Figura 32 - Croqui da volumetria final do edifĂ­cio. Fonte: ArchDaily

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Figura 36 - Espaço interno: mais uma vez, a ausência de paredes, bem como as estantes de livros baixas (que não obstruem a visão), criam um espaço fluído, integrado, único. As pessoas, por mais que estejam com intenções distintas, convivem no mesmo espaço dada a polivalência da arquitetura. Foto: Philippe Ruault

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Figura 33 - Espaço interno: não há paredes que dividem os espaços, o interior é fluído e integrado, possibilitando que os usos se sobreponham e convivam. Foto: Philippe Ruault

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Figura 34 - Espaço interno: área dos computadores. Neste espaço pode-se perceber o convívio de pessoas com intuitos diversos, que compartilham o mesmo espaço mesmo tendo intenções diferentes. Essa capacidade do espaço de abrigar o multiplicidade é decorrente ao seu caráter genérico – característico do não lugar. Foto: Philippe Ruault

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Flexibilidade em bibliotecas contemporâneas é concebida com a criação de pisos genéricos em que quase todas as atividades possam acontecer. Os programas não são separados, salas ou espaços individuais não são espaços únicos. Na prática, isso significa que as estantes definem generosas (embora indescritíveis) áreas de leitura no dia de abertura, mas, por meio da expansão incessante da coleção, inevitavelmente, virão a ocupar o espaço público. Em última análise, por esta forma de flexibilidade, a biblioteca estrangula as próprias atrações que a diferenciam de outros recursos de informação. (Archdaily, 2014 – Tradução Maria Julia Martins)

Essa ideia de flexibilidade permite a imprevisibilidade, questão que vem sido trabalhada em todos os projetos apresentados. Abriga o tradicional e o inusitado. O que se observa na biblioteca pública de Seattle é justamente um fortalecimento da res-publica ao haver a possibilidade da formação de uma res-communis em seu interior, por meio das praças de encontro e aglomeração de pessoas e públicos com diferentes interesses, partilhando e produzindo a coisa em comum, uma outra coisa. A condição polifônica e as suposições quanto aos desdobramentos de uma res-communis, o lugar comum a todos e a qualquer um, parece superar os pressupostos colocados para o senso-comum do que seja uma biblioteca pública. Ao possibilitar e promover multidão na coisa biblioteca, Koolhaas abre a possibilidade de um outro ser para a coisa chamada biblioteca e parece

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Figura 35 - Espaço interno: área de bancos, mesas e cadeiras. A ausência de um uso específico, torna este espaço um lugar de movimento (pessoas, ideias, objetos). Foto: Philippe Ruault

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conseguir balançar os pressupostos colocados para o ser biblioteca.” (Igor Guatelli, 2010)

O pensamento de Koolhaas reflete o que tentamos discutir aqui sobre como a flexibilidade, possibilidade e constante mudança fazem parte do mundo contemporâneo e a arquitetura deve encarar esses desafios para se sustentar forte e significante. Alivia muito a tarefa dos arquitetos pensar em edifícios que não são muito rígidos quanto a finalidades específicas, pensá-los como uma acomodação permanente de atividades provisórias. Não precisamos mais andar em busca de uma rígida coincidência entre forma e programa, e assim nos dedicaremos simplesmente a projetar novos volumes que sejam capazes de absorver o que quer que nossa cultura gere. [...] Cada vez mais nosso interesse principal tem sido menos o de fazer arquitetura, mas o de manipular os planos urbanos para criar um máximo de efeito programático. [...] Não se trata de onde a construção está; mas os lugares com que ela se relaciona é que lhe definem a importância. (Koolhaas,1993, p.365)

Com esse trecho da crítica de Koolhaas à maneira de pensar arquitetura na contemporaneidade, é esclarecido e aprofundado o tema da versatilidade e flexibilidade. Talvez o mote do constante reuso – permitido pela tolerância arquitetônica - seja o mecanismo de ação que garanta a continuidade da arquitetura na contemporaneidade, desde o

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reuso na macro escala quanto na micro escala. Reuso dos ambientes faz parte do processo de apropriação espacial: remodelar de acordo com necessidades mantém o lugar vivo. Fazendo a ponte dessa análise com a questão dos não lugares, a proposta de Koolhaas pode ser lida como não lugar ao passo que se mostra como um lugar genérico que abriga tanto os que estão de passagem, assim como os que buscam permanência dada a diversidade de uso. Os seus espaços internos também podem ser lidos como não lugares já que não possuem características específicas, visando essa pluralidade de ocupações que podem acontecer.

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CONCLUSÃO


A relação entre o indivíduo e o não lugar na arquitetura pode ser resumida como a conquista momentânea do espaço, estabelecendo um contato com duração transitória. Assim, entende-se arquitetura como um movimento dos corpos no espaço: aberta às mutações necessárias para acompanhar as necessidades que o contexto pede. Movimento das formas, movimento das pessoas, movimento dos objetos. A experiência espacial é que permite a significação. É necessária a interação entre usuário e obra para que se crie um vínculo, mesmo que temporário. A escolha dos projetos que foram analisados tem em comum a criação de um espaço genérico, mas que por ser assim, possibilita o estabelecimento de variadas relações. É essa multiplicidade que me instigou a pesquisar essa arquitetura que não mais se concentra apenas em questões construtivas, mas sim, em composição espacial. Transgredindo barreiras, ultrapassando limites, mesclando situações – certa confusão, certo caos. São nessas circunstâncias que as potencialidades dos espaços são escancaradas: quando existe o não lugar e, consequentemente, a falta de identidade e memória, é possível que essa identidade e memória sejam, assim como seus usuários, passageiras. A conexão entre o tempo e o espaço se dá de maneira efêmera – o evento. E é nessa imprecisão que a arquitetura se torna mais inclu-

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siva. Considerando a eventualidade um benefício para os lugares/ um privilégio dos não lugares, a incorporação desta no processo de projeto depende, diretamente, de uma observação de como os espaços são utilizados. A experiência no espaço permite a vivência do evento, logo, é posterior ao projeto, por isso é necessária essa observação a fim de entender as dinâmicas e inseri-las no processo de projetar. A experiência no espaço é tão importante porque, aqui, entende-se arquitetura como ação, movimento, fenômeno, acontecimento. E não mais arquitetura como preocupação formal para um uso específico. Ao mesmo tempo, a questão programática ganha atenção, pois, como analisados nos projetos selecionados, muitas vezes é ela quem estimula a eventualidade. O espaço concebido para acontecimentos casuais, imprevistos e acidentais, pode ser representado pelo vazio. A reflexão sobre “vazio não é ausência” (Solà-Morales, 2002) foi uma provocação que eu enfrentei para desenvolver esse trabalho, conseguindo, por fim, identificar formas de apropriação do vazio que dão vivacidade aos projetos e à própria cidade. O vazio também é uma forma de construção, talvez até mais importante quanto as construções sólidas que o permeia, como identificamos no projeto do La Villette.

Deste modo, uma das conclusões que esse trabalho levantou foi

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como incorporar espaços genéricos (não lugares) ao projeto de arquitetura pode desencadear relações interessantes de ocupação e experiência espacial. Resgatando o texto “Prazer da Arquitetura”, de Bernard Tschumi (1977), tem-se que a experiência espacial é prazerosa dada a possibilidade de desvendar e descobrir os mistérios dos espaços, que a cada busca pode se apresentar de uma maneira, a cada “ida” há a chance de uma novidade, e a cada “volta” pode ser que se encontre um espaço totalmente diferente. Assim como em textos, a reflexão é mais profunda quando se entende as entrelinhas, o potencial da arquitetura é permitir as múltiplas interpretações. Raramente existe prazer sem sedução, ou sedução sem ilusão. Pense bem: às vezes você quer seduzir, e então age da maneira mais conveniente para atingir seus objetivos. (...) A arquitetura não é diferente: está sempre fazendo o papel do sedutor. Seus disfarces são inúmeros: fachadas, arcadas, praças, até os conceitos arquitetônicos se tornam artifícios de sedução. Como as máscaras, eles estendem um véu entre o que se presume ser a realidade e seus participantes (eu e você). Assim, à vezes, você deseja desesperadamente entender a realidade por trás

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da máscara arquitetônica. Mas logo você compreende que não é possível haver um único modo de entender. E, uma vez que você desvenda o que está por trás da máscara, descobre outra máscara. (Bernard Tschumi, 1977, p. 581)

Assim, entende-se que o não lugar é composto por máscaras, que serão desvendadas e exploradas de acordo com as intenções e necessidades de cada usuário. O papel do arquiteto é produzir um espaço que tenha a disponibilidade para ser explorado e então gerar espaços significativos. Por fim, quero reforçar a ideia de que o partido arquitetônico e o desenho dos espaços sustentam a potência e a emoção da arquitetura, por isso é tão importante a vivência do espaço, para entender dinâmicas e relações que se estabelecem, percebendo os elementos que favorecem (ou desfavorecem) determinados comportamentos e acontecimentos. O desenho da arquitetura vai afetar, diretamente, as relações que acontecem naquele espaço. Quando você livra o chão e suspende a casa, esse chão se transforma em um grande espaço lúdico. Principalmente no sentido da imprevisibilidade da vida, como quem diz: “faça o que quiser” (...) Aqui se pode fazer qualquer coisa, porque a casa aguenta.” (Paulo Mendes da Rocha – entrevista para o GNT, 2011)

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: Exposição Não-Lugares – Foto: Mônica Zarattini – Disponível em: http://www.sescsp.org. br/programacao/88135_NAO+LUGARES+POR+MONICA+ZARATTINI - acesso novembro/2016 Figura 2: São Paulo – Foto: Nelson Kon – Disponível em: http://clarissaschneider.ig.com.br/2010/12/02/ uma-reflexao-sobre-a-sustentabilidade-das-cidades/lim3-2/ - acesso novembro/2016 Figura 3: Passageiros em vagão de metrô – Foto: Abilio Guerra – Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.086/5334 - acesso novembro/2016 Figura 4: Fluxo/ Exposição Cidade em Movimento – Foto: Rodrigo Albertini – Disponível em: http:// www.rodrigoalbertini.com.br/portfolio/cidade-em-movimento/#.WDUfJKKnVhY - acesso novembro/2016 Figura 5: Costas / Exposição Cidade em Movimento – Foto: Rodrigo Albertini – Disponível em: http:// www.rodrigoalbertini.com.br/portfolio/cidade-em-movimento/#.WDUfJKKnVhY - acesso novembro/2016 Figura 6: Tênis / Exposição Cidade em Movimento – Foto: Rodrigo Albertini – Disponível em: http:// www.rodrigoalbertini.com.br/portfolio/cidade-em-movimento/#.WDUfJKKnVhY - acesso novembro/2016 Figura 7: Em destaque, os equipamentos pré-existentes no entorno que serviram de diretriz para o plano geral do parque. – Fonte: GoogleMaps Figura 8: Diagrama da composição programática: áreas construídas (vermelho), áreas cobertas (cinza escuro) e áreas ao ar livre (cinza claro). – Fonte: Bernard Tschumi – Disponível em: http://www. frac-centre.fr/collection/collection-art-architecture/index-des-auteurs/auteurs/projets-64.html?authID=192&ensembleID=599&oeuvreID=3083 - acesso outubro/2016 Figura 9: Resultado do estudo da distribução dos volumes e percursos. – Fonte: Bernard Tschumi – Disponível em: http://www.frac-centre.fr/collection/collection-art-architecture/index-des-auteurs/ auteurs/projets-64.html?authID=192&ensembleID=599&oeuvreID=3083- acesso outubro/2016

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Figura 10: As três camadas de sobreposição: caminhos (linhas), Folies (pontos) e terreno. – Fonte: Bernard Tschumi – Disponível em: http://www.tschumi.com/projects/3/ - acesso outubro/2016 Figura 11: Planos que criam espaços sem a necessidade da forma. – Foto: Cyrus Penarroyo – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/01-160419/classicos-da-arquitetura-parc-de-la-villette-slash-bernard-tschumi - acesso outubro/2016 Figura 12: Folies: espaço para o acontecimento imprevisto. - Foto: Robert Lochner – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/01-160419/classicos-da-arquitetura-parc-de-la-villette-slash-bernard-tschumi - acesso outubro/2016 Figura 13: Plano de intervenção: pequenos volumes que funcionam como tática de construção do vazio entre as grandes estruturas e vias de acesso. – Fonte: Bernard Tschumi – Disponível em: http:// www.tschumi.com/projects/3/ - acesso outubro/2016 Figura 14: Possibilidade de ocupação nos planos: térreo, passarelas, construções (Folies). – Foto: Cyrus Penarroyo – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/01-160419/classicos-da-arquitetura-parc-de-la-villette-slash-bernard-tschumi - acesso outubro/2016 Figura 15: Implantação da Marquise: sua presença extrapola a função de conexão entre os edifícios, cria um espaço vazio do qual as pessoas se apropriam de acordo com suas necessidades – essa é uma potencialidade do lugar genérico/não lugar. - Fonte: Google Maps Figura 16: Vista aérea da Marquise. A grande cobertura de laje cria um espaço coberto, porém permeável: o térreo continua acontecendo embaixo da Marquise (fluidez, permeabilidade, movimentação) – Fonte: Revista AU. Disponível em: http://www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/ memoria-sem-monumento-comentarios-sobre-a-marquise-do-ibirapuera-275965-1.aspx - acesso novembro/2016 Figura 17: Há uma setorização “oficial” da Marquise definindo onde são permitidas a prática de esporte – no entanto, na prárica, as pessoas se apropriam desses espaços de maneira mais espontânea. - Fonte: Prefeitura de São Paulo – Disponível em: http://parqueibirapuera.org/areas-externas-

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-do-parque-ibirapuera/marquise-do-parque-ibirapuera/ - acesso novembro/2016 Figura 18: Convivência entre diversas atividades em um mesmo espaço: skate, rodas de conversa, pessoas indo para o museu. É difícil dizer o que cada um que passa por esse espaço está indo fazer (encontrar grupos, praticar esportes ou somente passagem) – isso reforça a ideia de Augé (2012) de que o não lugar, além de ser despersonificado, despersonifica seus usuários. – Fonte: Artexplorer - Disponível em: https://www.flickr.com/photos/artexplorer/3120883180/in/photostream/ - acesso novembro/2016 Figura 19: Permeabilidade visual e física, o que dá sensação de integração, continuidade, fluidez. – Fonte: Revista AU - Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/443112050812478085/ - acesso novembro/2016 Figura 20: Ritmo da Marquise: mistura e convivência de atividades. - Fonte: acervo próprio. Figura 21: Marquise: espaço livre, sem barreiras. Até o pilar, que é um obstáculo físico, pode ser usado como banco, dada a sua forma. Isso reforça a ideia de que a forma da arquitetura (e seus elementos) favorecem (ou não) as diferentes ocupações. Fonte: Fotos Públicas - Disponível em: http:// fotospublicas.com/parque-ibirapuera-o-mais-importante-parque-urbano-da-cidade-de-sao-paulo/ - acesso novembro/2016 Figura 22: Feira de domingo embaixo da Marquise: revela a diversidade de ocupações possíveis neste vazio. No caso, o espaço de comércio, entendido como espaço de troca, é um não lugar, que, no caso, abrange pessoas a passeio e não só as que tem o objetivo de consumo. Fonte: Apontador - Disponível em: http://www.apontador.com.br/local/sp/sao_paulo/lojas_diversas/C41493503A202D202A/feirinha_marquise_do_ibirapuera.html - acesso novembro/2016 Figura 23: Mutação da forma: liquidez, fluidez. Sobre a arquitetura contemporânea, Koolhaas declara que esta precisa ser mutável para acompanhar a cidade genérica. – Fonte: Ábaco Arquitetura. - Disponível em: http://www.abaco-arquitetura.com.br/en-us/node/15 - acesso novembro 2016 Figura 24: Resultado da mutação formal/ Arquitetura paramétrica: fluída – perda da setorização espacial, espaços se interpelam. – Fonte: Vitruvius. - Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revis-

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tas/read/arquitextos/04.045/615 - acesso novembro/2016 Figura 25: Espaço interno do Pavilhão – a fluidez externa também está presente na concepção dos espaços internos, marcados pelas simulações digitais. – Fonte: Stella Arquitetura - Disponível em: http://stellaarquitetura.blogspot.com.br/2009/09/do-fndo-do-bau.html - acesso novembro 2016 Figura 26: Estrutura do Pavilhão – a forma fluída só foi possível ser construída com auxilio de softwares – inclusão da era digital no processo de projeto de arquitetura. - Fonte: Ábaco Arquitetura. - Disponível em: http://www.abaco-arquitetura.com.br/en-us/node/15 - acesso novembro 2016 Figura 27: Vista externa do Pavilhão – Fonte: Ábaco Arquitetura. - Disponível em: http://www.abaco-arquitetura.com.br/en-us/node/15 - acesso novembro 2016 Figura 28: – Espaço interno composto pela projeção de luzes e imagens que dão a sensação de haver água, mas não há – mistura do mundo real com o virtual. - Fonte: Stella Arquitetura - Disponível em: http://stellaarquitetura.blogspot.com.br/2009/09/do-fndo-do-bau.html - acesso novembro 2016 Figura 29: Corte esquemático mostrando a proporção entre os espaços de acordo com seus usos. – Fonte: ArchDaily. - Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn - acesso novembro de 2016 Figura 30: Complemento do corte esquemático acima, seguindo o mesmo raciocínio de composição espacial. – Fonte: ArchDaily. – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn - acesso novembro de 2016 Figura 31: Esquema que mostra a diversidade programática prevista pelo arquiteto. No entanto, dentro desses espaços destinados a esses usos há lugar, também, para o imprevisível – considerar o futuro, a possibilidade, o vazio é uma aplicação do conceito de não lugar como ação projetual. – Fonte: ArchDaily – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn - acesso novembro de 2016 Figura 32: Croqui da volumetria final do edifício. – Fonte: ArchDaily – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn - acesso novembro de 2016

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Figura 33: Espaço interno: não há paredes que dividem os espaços, o interior é fluído e integrado, possibilitando que os usos se sobreponham e convivam. – Foto: Philippe Ruault – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn - acesso novembro de 2016 Figura 34: Espaço interno: área dos computadores. Neste espaço pode-se perceber o convívio de pessoas com intuitos diversos, que compartilham o mesmo espaço mesmo tendo intenções diferentes. Essa capacidade do espaço de abrigar o multiplicidade é decorrente ao seu caráter genérico – característico do não lugar. – Foto: Philippe Ruault – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/ br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn - acesso novembro de 2016 Figura 35: Espaço interno: área de bancos, mesas e cadeiras. A ausência de um uso específico, torna este espaço um lugar de movimento (pessoas, ideias, objetos). – Foto: Philippe Ruault – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn - acesso novembro de 2016 Figura 36: Espaço interno: mais uma vez, a ausência de paredes, bem como as estantes de livros baixas (que não obstruem a visão), criam um espaço fluído, integrado, único. As pessoas, por mais que estejam com intenções distintas, convivem no mesmo espaço dada a polivalência da arquitetura. – Foto: Philippe Ruault – Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn - acesso novembro de 2016

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