CIDADE ATIVA
Trabalho final de graduação da Universidade de Arquitetura e Urbanismo Makcenzie Nabila Sukrieh Nogueira São Paulo, 2015.
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Agradeço primeiramente meus pais e família por todo suporte, amor e ajuda desde sempre. Aos meus amigos por fazerem desses anos de faculdade os melhores. E por fim, à querida arquiteta e professora Lizete Maria Rubano, por me ensinar a amar a minha profissão.
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INTRODUÇÃO
Primeiramente, tem-se como proposta - neste Trabalho Final de Graduação - a valorização do processo de experimentação na cidade, a partir da cidade.
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foi desenvolvida uma análise morfológica do triângulo central da cidade de São Paulo, com maior atenção aos largos da região, vistos como espaços públicos articuladores da cidade, Trata-se de uma tentativa de reflexão que se inserem como pontos de sobre a arquitetura, tendo como interesse na malha urbana. referencial a matriz urbana e os Considerando-se a constante diferentes meios de expressão ligatransformação da metrópole, dos à linguagem gráfica, associados procurou-se entender como – à percepção humana. talvez de for ma contraditória estes logadouros lentos se Deve-se observar, portanto, que o relacionam com a cidade contemobjetivo não era o de elaborar um porânea da velocidade. projeto de arquitetura que respondesse a uma demanda Acredita-se que um dos principais específica e se restringisse a elementos de aproximação do questões formais e construtivas homem com a cidade é o tempo isoladas do meio urbano e das de contato, que pode ser analisado possibilidades de apropriação Inven- em diferentes escalas e tivas dadas pelo uso. interfaces por um processo constante de ação e reação, O que se pretendeu foi a construção buscando meios de ativação do de uma narrativa que considerasse e olhar, da experiência e do espaço envolvesse uma possível ação do público urbano. homem na cidade. Ação, portanto, no sentido de integração e pertencimento. Frente à acelerada e saturada cidade de São Paulo, buscou-se uma arquitetura de desaceleração. Como recorte de estudo,
SUMÁRIO
1. MORFOLOGIA DOS LARGOS E DO CENTRO DE SÃO PAULO
2. LARGOS DO TRIÂNGULO CENTRAL: USO X SIGNIFICADO
1.1
2.1
1.2
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BREVE INTRODUÇÃO À CIDADE DE SÃO PAULO A MORFOLOGIA DOS LARGOS
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24
2.2
MATRIZ
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3. ENSAIOS 3.1
VOZ
52
2.4
PASSAGEM
58
2.5
ENCONTROtS
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REAÇÃO I
3.2
MOVIMENTO
3.3
LABIRINTO
ESPAÇO E TEMPO 44
2.3
PAUSA
REAÇÃO II
REAÇÃO III
4. ARQUITETURA: TEMPO E LUGAR
76 82 4.1 PROPOSTA
96 5. CONSIDERAÇÕES 106 FINAIS 116 122
144 194
1. 18
MORFOLOGIA DOS LARGOS E DO CENTRO DE Sテグ PAULO
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BREVE INTRODUÇÃO À CIDADE DE SÃO PAULO
A história de uma cidade é fundamental para a compreensão de acontecimentos presentes e futuros. O entendimento das formas urbanas, sua morfologia, origem, e seus significados devem permanecer presentes na memória do homem, uma vez que a herança física urbana muitas vezes é substituída por novos cenários. A cidade de São Paulo é caracterizada por um desenvolvimento muito rápido e de grandes transformações físicas em relativamente pouco tempo, portanto estudos históricos são extremamente fundamentais para que o passado dessa enorme metrópole não caia em esquecimento e seja referência às novas intervenções urbanas.
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Em meados de 1554, com a chegada das ordens religiosas dos Beneditinos, Franciscanos e dos Carmelitas, e com a instituição dos respectivos conventos nas bordas da colina central, se consolida o coração da cidade de São Paulo. A colina triangular escolhida pela colônia era predominantemente plana e estratégica, circundada pelos rios Tamanduateí e
Anhangabaú, e seus respectivos vales com um desnível de mais ou menos 30 metros que a delimitavam. Os conventos de São Francisco, São Bento e do Carmo são os primeiros pontos de articulação da cidade de taipa colonial, por meio de ruas estreitas e irregulares – Rua Direita de Santo Antônio, Rua do Rosário e Rua Direita de São Bento – e seus largos, que podem ser considerados umas das poucas heranças remanescentes da cidade colonial, uma vez que a grande maioria de seus edifícios foram substituídos por novos cenários.
A colina central funcionou como um polo ativo durante séculos, juntamente com a formação de chácaras anexas ao triângulo, caminhos de tropeiros, passagem de grandes personalidades e local de festividades e acontecimentos importantes do povoado, até a chegada da ferrovia e posteriores empreendimentos, como bancos, escritórios, hotéis, cinemas, e finalmente o grande plano de avenidas, que favoreceu o espraiamento do centro, o desenvolvimento de novas centralidades e a infeliz descaracterização desta acrópole central.
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A MORFOLOGIA DOS LARGOS
Mapa de São Paulo 1810, Arquivo Histórico.
O estudo de largos não são muito presentes em pesquisas ou livros históricos, porém representam conformações urbanas de interesse aos estudos do espaço público da cidade de São Paulo, e também de sua paisagem. Autores como Benedito Lima de Toledo, r elacionam os largos diretamente a edifícios religiosos de destaque, e ainda evidenciam essas áreas como a única herança colonial da cidade.
Até a chegada da ferrovia, a cidade de São Paulo era uma cidade de barro, de terra pisada. Sua morfologia deu-se de maneira adequada e funcional em seu tempo, cada praça, largo e edifício tinha seu significado muito evidente e seus usos devidamente relacionados à sua formação, tanto seu estudo de paisagem e perspectiva urbana, como suas relações visuais, eram intencionais. Tendo como base a formação colonial da cidade, a morfologia de suas ruas, entradas, pontes, topografia e praças, nota-se a formação de largos no triangulo histórico desde sua fundação, em sua maioria associados a edifícios de importância, portanto carregam fortes significados e funções. Os largos presentes na cidade de São Paulo, principalmente no triângulo histórico central, são de clara influência portuguesa e são memórias urbanas presentes até hoje na região central, sendo locais de grande valor histórico e utilizados até os dias atuais. 26
“Quase todas as praças do centro de São Paulo originam-se de ‘Largos’, isto é, espaços deixados na trama urbana para criar perspectiva para os vultuosos edifícios religiosos.” (TOLEDO, 2004. P.52)
“Estes espaços resultam habitualmente do cruzamento ou do entroncamento de caminhos e são bastante ricos do ponto de vista morfológico, apresentando uma grande variedade de formas resultantes das situações topográficas em que se situam e dos tipos de confluências de caminhos a partir dos quais se geraram. Estas áreas são normalmente pontuadas por edifícios de natureza religiosa e são muitas vezes geradoras dos tecidos urbanos que em torno delas se desenvolvem” (TEIXEIRA, 2001. P. 11)
O autor ainda destaca alguns largos que fizeram parte da formação colonial da cidade, como pontos de encontro de tropas e atividades religiosas como o largo do Mosteiro de São Bento, largo São Francisco, como também largos que surgiram em meados do séc XIX, como o largo do Arouche e do Paissandu.
Largos de característica religiosa, mapa de 1800-1874 – São Paulo: Três cidades em um século, Benedito Lima de Toledo. Pg 161.
Planta da cidade de São Paulo levantada em 1810 e alterada em 1840. Os largos representados são: Largo do Carmo, Largo do Colégio, Largo da Sé, Largo do Pelourinho, Largo de São Gonçalo, Largo da Forca, Largo São Bento, Largo São Francisco e Largo do Piques. (Imagem e texto Os largos na paisagem paulistana. Carvalho, Mariana, 2014, P.10)
Os largos do período colonial têm sua forma delimitada pelas ruas, portanto são normalmente angulados, triangulares ou quadrangulares, seguindo um desenho de traçado urbano próprio à ocupação da topografia, diferente de largos mais recentes, por exemplo, que podem ter outras morfologias resultantes, muitas vezes, de traçados viários vistos como prioritários à eficiência da mobilidade, desconsiderando-se áreas que passam a ser residuais nesse processo. Desde meados de 1800 encontra-se relatos da existência de alguns largos que já conformavam espaços públicos no centro da cidade, alguns ainda presentes até os dias de hoje e outros que muitas vezes perderam sua própria morfologia e desenho por decorrência das 28
transformações físicas urbanas. Largos com um significado religioso muito forte, como o Largo São Bento, Largo São Francisco,Largo do Carmo, Largo da Sé e Largo do Rosário, são encontrados em mapas da cidade de São Paulo desde o inicio do séc XIX, e se situam dentro, ou perifericamente próximos, à região do triângulo central da cidade. Estes largos têm como característica comum seu formato predominantemente quadrangular, com três ou quatro ruas que derivam de um grande espaço amplo, onde se implanta um edifício de caráter religioso, no caso, mosteiros e igrejas, que podem ser destacados no mapa seguinte.
Representação genérica de largo associado a edifícios religiosos no período colonial. Acervo pessoal.
Uma vez que o edifício principal destes largos eram religiosos, as atividades exercidas neles eram da mesma natureza, portanto serviam como uma extensão dos edifícios, como um apoio às suas funções, aglomerações em missas, eventos e festividades religiosas e às vezes procissões. Como neste período a igreja tinha enorme valor, estes espaços públicos acabavam sendo os pontos de maior interesse e importância social, sendo verdadeiros pontos de encontro e de acontecimentos. Na representação esquemática ao lado, nota-se o encontro de ruas, a conformação quadrada do largo e o elemento religioso em destaque.
Assim como os largos de forte característica religiosa, destacam-se nos primeiros mapas da cidade também os largos que se relacionam com edifícios institucionais ou a pontos de infra-estrutura urbana.
de entrada para o triângulo central, abrigou o primeiro chafariz de abastecimento de água e monumento público da cidade, sendo um espaço de valor simbólico muito forte e de conquista de um povoado.
No primeiro caso, por exemplo, nota-se o Largo da Forca, o Largo do Palácio, Largo do Ouvidor (atual largo do Arouche) e Largo São Gonçalo. Este último tinha como edifício central um presídio, próximo também ao largo do Pelourinho, onde eram realizadas atividades relacionadas a esta instituição, como julgamentos públicos. O largo da Forca também foi palco de inúmeras execuções, e consequentemente aglomerações.
Ao lado, estão evidenciados no mapa da cidade de 1800, os largos de caráter institucional, militar e de infra-estrutura urbana, que se dispõem de forma mais espraiada que os anteriores relacionados à símbolos religiosos.
O Largo do Palácio carrega o caráter de fundação da cidade, com o colégio jesuíta que se instituiu no local e a posterior fundação do Palácio, que acentuou e manteve a forma do largo à sua frente, servindo também como palco de eventos políticos e militares.
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Quanto aos pontos de infraestrutura, podemos destacar o Largo da Memória, que além de ser a porta
Largos associados à edifícios institucionais podem surgir de formas mais variadas de acordo com o edifício que o circunda, servindo também como uma extensão do mesmo. Tem como função abrigar eventos que no período colonial, por exemplo, eram de grande importância social, como marchas militares, recepções oficiais e importantes na cidade, discursos e proclamações, como também ressaltar a perspectiva visual do edifício de destaque, e torná-lo ainda mais imponente em sua inserção urbana.
Representação genérica de largo associado a edifícios institucionais no período colonial. Acervo pessoal.
Representação genérica de largo associado à edifícios institucionais no período colonial. Acervo pessoal. Foto do Militão Augusto de Azevedo na Igreja do Colégio em periodo colonial.
O esquema abaixo demonstra a valorização visual do edifício de destaque e sua relação com o espaço do largo e com as ruas à sua frente. A escala do largo se demonstra proporcional à escala do edifício, proporcionando sua evidência e sua imposição quando comparado com a escala das ruas e do pedestre.
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No esquema a seguir, ao contrário dos exemplos anteriores, nota-se a presença de um elemento central e o desenvolvimento do largo ao seu redor, porém o sentido dessa espacialidade é exatamente a mesma que as já tratadas. O espaço público do largo tem sua forma direcionada ao elemento de destaque, neste caso central, e a espacialidade se desenvolve ao redor, ainda com enfoque nas relações visuais de perspectiva em relação as ruas tangenciais e também permitindo um espaço de acontecimentos, aglomerações, permanência e passagem de pessoas ao redor do elemento central. No caso do Largo da Memória, este elemento central seria o chafariz, representando uma conquista da cidade, um elemento simbólico muito significativo para o período de análise. Já ao se tratar do Largo da Forca, o elemento central passa a ser um ato (o enforcamento) ao invés de algo material, o que não exclui de forma alguma sua importância como elemento central de articulação de um espaço, a matriz que gera sentindo a morfolo-
Largo São Francisco por volta de 1917 em inauguração de lápide Lafayette Representação genérica de largo associado à elementos centrais no período colonial. Acervo pessoal. Igreja do Rosário e largo do Rosário 1908 à esquerda; Nova Igreja do Rosário e largo paissandu 1910 à direita (pag. anterior)
gia daquele espaço na cidade. Ao longo dos anos novas espacialidades se desenvolveram associadas a novos edifícios da cidade, como por exemplo o largo do Paissandu ,por volta de 1864, localizado próximo à fronteira do triângulo central, posteriormente o largo de Santa Efigênia e o Largo da Misericórdia também na região central, que se relacionam a edifícios também religiosos e seguem uma morfologia próxima às análises anteriores de 1800. A questão do Largo do Paissandu é muito interessante quando relacionada ao colonial largo do Rosário, construído junto com a formação da cidade por volta de 1500, cuja Igreja de destaque foi demolida, dando origem à nova Igreja do Rosário no largo do Paissandu em 1908. No mesmo período por volta de 1860, é inaugurado também o largo da Concordia, juntamente com o aparecimento do bairro do Brás, que abrigaria primeiramente um mercado e posteriormente o Teatro Colombo. 34
Ao mesmo tempo que novos largos e novos edifícios simbólicos surgiam, marcos antigos da cidade também mudavam de função ou se extendiam, como é o caso do Largo São Francisco e sua transformação e expansão para uma instituição de ensino, ainda que sem perder sua caracteristica também religiosa e a função do largo à sua frente.
Áreas ainda mais recentes como o largo do Café, também na região central, surgiram com a conformação de novos cenários urbanos, como no caso de novos edifícios voltados à economia do café. Estes largos mantêm o mesmo valor e significado urbano: representam um espaço na cidade que proporciona encontros, eventos, atividades públicas e que ao mesmo tempo realça os edifícios do seu entorno. A morfologia dos largos, qualquer que seja seu “caráter” predominante, possui uma intenção muito clara e funcional: é um elemento de forte articulação, que insere e conecta o observador física e visualmente com os edifícios à sua volta e com os vazios da malha urbana.
2. 36
LARGOS DO TRIÂNGULO CENTRAL: USO X SIGNIFICADO
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MATRIZ
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Mapa do centro de São paulo, acervo pessoal. Imagem Pateo do colégio, tirada de site São Paulo Antiga.
O largo do Palácio (antigo nome do largo) situa-se na borda da colina central, e suas transformações morfológicas podem ser acompanhadas ao longos dos anos pelos mapas da cidade. A planta de José Jacques Ourique, de 1842, mostra a morfologia inicial do largo: uma quadra fechada, como um verdadeiro pátio de um colégio. No período de 1881, nota-se a conformação feita por edifícios em “U”, já pertencentes ao palácio do governo, portanto a conformação de Páteo foi transformada na O largo, demarcado pelo campanário conformação de um largo frente ao edifício reformado. do colégio, podia ser avistado de diversos pontos da cidade e de lá se também se via tudo ao seu redor. Sua posição topográfica foi escolhida estrategicamente durante a fundação da cidade. O nome daquele planalto, na época de colonização, era Inhambussu – aquele que se vê ao longe. Quando se fala da colina central como uma Acrópole da cidade, este largo é seu ponto principal, e o Palácio, seu topo e origem. O edifício do Pateo do Colégio, localizado em uma das pontas do triangulo, é considerado como o local de efetiva fundação da cidade, onde se instituiu o primeiro colégio jesuíta em 1554, feito de pau-apique. O edifício sediou o governo paulista entre 1765 e 1912, devido à sua apropriação pelo Estado, quando serviu como Palácio do Governo e sofreu inúmeras reformas. Por volta de 1698 é erguida a Igreja Nossa Senhora do Rosário e a fundação da cidade se torna oficial, juntamente com o largo à sua frente.
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Mapa retirado do livro Três cidades em um século, Benedito de Toledo. plantas de 1842 (esq) e 1881 (dir). Desenho de Debret, 1824, ainda com a conformação de quadra fechada
Observa-se, na planta de 1893, Huet de Bacellar, a implantação da Igreja no local, alterando minimamente a forma urbana. Na planta de 1897, após uma reconstrução feita por Florêncio de Abreu, observa-se no desenho acima à direita, a forma do palácio agora em “S” juntamente com dois novos edifícios das Secretarias que transformam, desde então, a área do largo. No ano de 1893, com a parte posterior do palácio reconstruída, seu pátio central é resgatado logo após a inauguração dos edifícios da Tesouraria e da Fazenda, dando origem ao desenho próximo do que vivenciamos hoje.
Observa-se, na planta de 1893 44
Mapa retirado do livro Três cidades em um século, Benedito de Toledo. Planta de 1893 (esq) e 1897 (dir).
O largo do Palácio, além de estar associado a edifícios simbólicos e importantes na administração da cidade, destacou-se por ser uma área destinada à aglomeração de pessoas e a sediar acontecimentos históricos, eventos militares, e acontecimento sociais importantes na cidade, desfiles e discursos, sempre servindo como uma centralidade na cidade de São Paulo e um polo de acontecimentos. Uma verdadeira matriz, resistindo à transformações e carregando um significado simbólico de sede e identidade da cidade até os dias de hoje.
ESPAÇO TEMPO
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Mapa do centro de São paulo, acervo pessoal. Foto do mosteiro e largo à frente – 1860 – Militão de Azevedo
Logo após a fundação do Pateo do Colégio, onde se erguia uma pequena capela do outro lado do triângulo, nasce um dos espaços públicos mais antigos e, atualmente, mais dinâmicos da cidade de São Paulo.
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voltando-se para o vale e para o rio.
Por volta de 1900, já com a chegada de bondes e de novos edifícios, o largo sofre algumas modificações em sua forma. Ruas e trilhos de bonde separam o mosteiro e outros O largo de São Bento conformou-se edifícios do largo, deixando-o com ao redor da pequena capela que ali um aspecto de “ilha” central. existia, e ainda em 1560 começou a Apesar das transformações em sua se expandir ao seu redor, incentivan- forma, o largo continuou por muitos do a construção de um edifício mais anos sediando novos imponente à sua frente. Nota-se, acontecimentos, tanto religiosos portanto, que neste caso, o largo como, posteriormente, civis, devido possuía uma relação direta com o ao aparecimento de novos edifícios pequeno edifício religioso que ali se comerciais no entorno. implantava, não só com a intensão O largo se adapta à novas dinâmide ressaltá-lo,como também como cas cotidianas e ainda mantém seu uma extensão de sua área, um significado e sua função como esespaço de aglomeração e de encon- paço urbano, uma área ampla, de tros para quem o visitava. O espaço encontro e ponto focal, um ponto amplo de permanência se mostra de convergência de ruas, pessoas, presente e fundamental mais uma fluxos e de atividade no desenho vez como espaço urbano, como uma viário onde se vê a cidade, onde se pausa no tecido da cidade, um esé visto e onde se avista. paço de atividade e contemplação. Na imagem acima, em 1910, Durante muito tempo o largo pode-se observar o antigo manteve sua morfologia original, mosteiro, a área do largo já com centralizado no encontro de três ruas alguns trilhos de bonde e o aparee, assim como no Pateo do Colégio, cimento do comércio ao seu redor. localizado no topo da colina central, Nota-se que a implantação do lar-
Largo São Bento 1910 (esq) Largo São Bento, 1920. – São Paulo Antiga (dir)
go ainda se dava no mesmo nível da igreja, servindo como um “hall” de entrada para este edifício, ou como uma extensão das atividades ao seu redor. Na foto de 1920, observa-se o alargamento das ruas, maior intensidade de veículos e a nova construção do Mosteiro, alterando a relação entre pedestre, largo e edifício, tanto em relação à escala, como em relação ao posicionamento físico do pedestre no espaço. Neste caso, a alteração de sua morfologia original, culmina na mudança da perspectiva e das relações espaciais deste lugar.
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Por menos impactantes que sejam, qualquer alteração em uma determinada espacialidade, neste caso o largo, também gera alterações em comportamentos, relações humanas, paisagens, escalas e usos daquele lugar. Hoje, após séculos de transformações da cidade, as vontades populares continuam sendo muito próximas, ainda existe o mesmo desejo de usar o espaço público, de desenvolver atividades em uma área de convergência, de utilizar os palcos coloniais da cidade para eventos, festas, acontecimentos ou até para uma pausa cotidiana.
Na foto seguinte, no ano de 2014, nota-se a apropriação da área do largo, claro, com muito mais intensidade, porém com a mesma intenção. A utilização dos espaços públicos dos largos, principalmente do centro da cidade, carregam um va lor de identidade histórica muito densa. Não é atoa que a maioria dos largos do triângulo histórico são usados hoje em dia ainda como espaços de eventos públicos, de reunião de pessoas, como acontece na Virada Cultural implementada pelo governo da cidade. Os largos fazem parte de um desejo social de apropriação, fazem parte da memória coletiva e consequentemente representamum referencial de identidade à população.
Tanto os eventos pontuais como as dinâmicas cotidianas dos largos, apesar de sofrer algumas transformações, se mantêm presentes. O que se destoa do cenário colonial e de 1900, principalmente no largo São Bento, é a espacialidade do largo em si. Observa-se o desejo de preenchimento de um espaço que foi desapropriado. A inauguração do metrô no local, em 1975 – como comemoração do aniversário de 400 anos do largo – subtraiu sua centralidade, sua perspectiva, sua convergência e sua essência e o presenteou com um mero obstáculo. Nota-se, portanto, que a introdução do metrô, neste caso, impulsionou novos fluxos e novos usos que não existiam no lugar, trazendo uma certa vitalidade ao lugar pelo fácil acesso e pelas novas atividades que foram geradas a partir de então, porém descaracterizou o largo em sua forma física. Ao mesmo tempo que se é introduzido um novo elemento no centro do largo, o vazio, novas dinâmicas são criadas, porem a forma de utilização daquele determinado espaço também é alterada. 52
O largo São Bento, portanto, se mostra como um dos espaços mais ricos da cidade, onde se observa claramente as transformações do lugar ao longo do tempo e como todos estes elementos se articulam nos dias de hoje e com a sociedade. Pode-se observar no largo as camadas do tempo atuantes na cidade, o traçado colonial, edifícios mais recentes e elementos pós modernos, que compõe um espaço público complexo. São esses pontos de complexidade da cidade – quase que contraditórios – que abrigam a potencialidade de um território, onde manifestações temporais se contrapõem, se sobrepõem, e até mesmo, se complementam fazendo com que o espaço urbano seja não só um espaço articulador de pessoas e usos, como também sirva como um espaço articulador de tempos e histórias diferentes.
VOZ
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foto do do largo São Francisco 1862 – Militão de Azevedo
Outro ponto articulador dos vértices do triângulo central era o Convento de São Francisco. O terreno à sua frente, que deu origem ao largo, possuía uma certa declividade, ao contrário de outros largos já citados. A volumetria do convento, em sua fundação era baixa, compacta e de relação direta com o tamanho do largo e sua escala. O largo então era chamado de largo do Capim, devido à plantação no local. Ali eram, inclusive, realizados muitos eventos religiosos de colheita e oferendas, como distribuição de pães, que é uma tradição mantida até hoje. O convento posteriormente sofreu um reforma e foi-se instituída a faculdade de cursos jurídicos, ainda que alterando muito pouco a volumetria pré-existente.
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Na foto acima, nota-se o contato do largo com o convento e com a faculdade, novamente como uma extensão do edifício e a inserção do pedestre frente à escala do volume construído, mantendo um ponto de perspectiva e de evidenciação do mesmo. As atividades do largo, consequentemente, eram derivadas
dos edifícios que o faceavam, o religioso e o institucional, sendo palco de festividades religiosas, como também posteriormente, palco de debates, discursos e encontro de estudantes de direito, tornando-se um espaço de forte caráter intelectual. Pode se dizer, portanto, que o largo São Francisco foi um palanque, uma mesa redonda no meio da cidade que conheceu todos seus acontecimentos. No decorrer dos séculos, já em 1934, a faculdade sofria uma nova reforma, associando-se à universidade de São Paulo. O novo edifício, pela primeira vez, altera sua relação com o largo à frente. A escala do novo volume ultrapassava a proporção estabelecida pelo vazio do largo, distorcendo a escala do pedestre e a relação entre o perímetro construído e o vazio do largo.
Foto (esq) retirada do site USP.com.br Foto de 2013 (dir e abaixo), google earth.
A nova arquitetura eclética, mais uma vez, se distancia da arquitetura colonial, introduzindo outras relações de proporção entre edifício e alargamento. Apesar das transformações em escala do entorno, o desenho urbano do largo se manteve muito próximo ao original. Ao contrário do largo São Bento, analisado anteriormente, nota-se que sua conformação foi mantida em grande parte. Os ângulos de perspectiva do pedestre em relação ao edifício mudam, porém ainda existe o espaço público em seu significado original, de convergência, encontro e, neste caso, de voz. Ali foram discutidos de ideais políticos à literatura, um lugar de jovens fervorosos lutando por reformas sociais e políticas onde, inclusive, se iniciou o questionamento sobre a escravidão, política café com leite, até discussões sobre a ditadura na era Vargas, dividindo opiniões e levantando resistências e debates no largo. As atividades foram mantidas ali desde o período colonial, gritos de inconformidade política e 58
efervescência marcaram aquele lugar, dentro da universidade e também no espaço livre, continuidade do espaço cívico da escola de direito. Atualmente, observa-se algumas novas transformações no largo devido às novas ruas em frente ao convento, como evidenciado na foto acima, tendo em vista o grande crescimento automóveis na cidade e novas pavimentações. Aparece, portanto, certa fragmentação do edifício com o largo, distanciando e desassociando os seus usos.
Na foto abaixo, de 2013, por exemplo, pode-se observar a nova escala do pedestre frente ao edifício, e o espaço restante do largo funcionando como local majoritariamente de passagem. Houve, assim como no largo São Bento, a implementação do metrô em uma área próxima, impulsionando bastante o uso do largo, porém na maior parte do tempo apenas como um espaço de fluxo de pedestres e não de permanência, tão pouco manteve-se seu significado de palanque social e de voz que eram tão presentes na sua história.
Os gritos seriam hoje murmúrios? As grandiosas paredes de alvenaria da universidade se fecham ao espaço público, as discussões diminuem, as integrações políticas e sociais se perdem em meio à rica dinâmica contemporânea de ir e vir, onde não se vê, e não se ouve. O fervor intelectual, se é que ainda é vivo dentro da universidade, não se
expande pro largo, silenciosamente se contém dentro do edifício. Tanto os pedestres que passeiam pelo espaço público, como os estudantes e intelectuais da universidade, atuam de forma independente da cidade, sendo que o próprio espaço urbano do largo, apesar de suas transformações físicas, carrega grande potencial para resgatar o desejo de voz da população, e reativar sua unidade à universidade. Físicamente e funcionalmente o largo se transformou bastante, porém o desejo da população de voz e expressão ainda não continua o mesmo? Pode-se ainda utilizar a cidade como palco para discussões políticas e intelectuais?
PASSAGEM
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Largo da memória e passagem para Sorocaba, com o monumento central e chafariz do piques, ainda em terra pisada- 1810.
Como muitas cidades no século XIX, São Paulo possuía uma “porta de entrada”, uma passagem física e simbólica ao pé da colina que margeava o caminho para Sorocaba. O largo da Memória era apenas um barranco de terra pisada que norteava a entrada e a saída para o triângulo central da cidade. Nele, como comemoração aos avanços de infra estruturas na cidade, foi implantado um obelisco central, ou seja, um ponto atrativo se instalou no centro do espaço público, alterando suas dinâmicas e o foco de percepção de quem já utilizava aquele espaço. Como citado anteriormente, o largo da Memória, com o obelisco e o piques, é um largo de perspectiva central, uma área de passagem que se transforma em área de aglomeração e permanência após a instalação de um elemento central de atração.
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O piques, construído por Pedro Müller, por volta de 1840, era o chafariz do largo, representando o abastecimento público de água da cidade, tornando aquele espaço um marco de conquista administrativa e pública.
A ladeira da memória manteve sua função por muitos anos, e seu desenho se manteve o mesmo até os dias de hoje, porém não se pode dizer o mesmo quanto a suas relações de perspectiva e seu significado. O viaduto do Chá, inaugurado em 1892, passa a representar a nova porta de entrada para o centro velho da cidade. O largo da memória passa a dividir sua atenção com o novo viaduto, porém ainda sofre uma nova mudança: Washington Luiz inicia uma reforma na ladeira, com pavimentação, arborização e um caráter art-nouveau, como se observa na foto seguinte.
Na pág anterior: Largo da memória após reforma – 1935 São Paulo Antiga Vista da rua ao largo da memória e a perda da escala do largo em relação à verticalizaçãoo da cidade. Acervo pessoal.
A passagem de carros pela ladeira foi vetada, e instalou-se uma nova escadaria para pedestres. Apesar de não ser mais a única entrada para o centro, o largo se manteve ativo e, mesmo após a reforma, manteve seu desenho triangular original e, ainda por muitos anos, os edifícios ao seu redor se mantiveram-se com o mesmo gabarito, respeitando e valorizando aquele espaço público. Já com a verticalização do centro e a implantação de edifícios altos ao redor do Anhangabaú, o largo da memória ganha outra conformação, talvez até mais valorizada por se apresentar como um oásis, uma clareira na cidade densa e movimentada. É evidente que os proporções entre espaço construído e vazio se alteram, e o significado de passagem original do largo também se transforma, mas o lugar, em contrapartida, ganha um novo sentido na cidade contemporânea e ainda faz parte da memória coletiva da população.
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Nota-se na foto cima, a verticalização da cidade ao redor do largo e a atribuição de um novo sentido do vazio, funcionando como um descanso, um respiro físico e visual. Á área do largo da memória se manteve bastante preservada fisicamente e ainda carrega um valor histórico muito denso. A implementação de novos pontos focais e novas alturas ao redor altera a percepção do largo, ao mesmo tempo que reatribui um novo valor ao espaço. O largo da memória foi projetado no período colonial com uma certa função, em 1890, considerado o ponto de passagem da cidade antiga para a cidade nova, carregando grande valor simbólico social e funcionando como elemento urbano de conexão entre áreas diferentes da cidade. Devido à implementações de novas vias, como o terminal bandeira e novas grandes avenidas que atravessam a região, o logadouro tem seu valor de passagem fragilizado, funcionando sim como um espaço público agradável no meio da cidade, e útil, como também mantendo sua
identidade visual, porém se distanciando de seu caráter inicial de servir como uma conexão urbana para pedestres. Hoje, ao se cruzar o largo da memória, é muito difícil manter um eixo de conexão de pedestres que cruze o vale do Anhangabaú e se conecte com o largo São Francisco, como já existiu. O logadouro ainda resiste e a memória coletiva ainda é ativa na sociedade, porém as grandes avenidas como 23 de Maio e Av. 9 de Julho, priorizam a utilização do automóvel e inibem a articulação entre espaços públicos da cidade pelos pedestres.
ENCONTROS
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Igreja e largo da Misericórdia, 1862, Militão de Azevedo.
As bordas do triângulo, como já analisado, desde o período colonial, eram ricas em espaços públicos e atividades urbanas, a integração da cidade com a população era muito presente. Ao centro do triângulo, com o desenvolvimento da cidade, nota-se também o aparecimento de novos pontos centrais e a ativação de novos espaços públicos, como o largo do café e o largo da misericórdia. O largo da Misericórdia, de caráter fortemente religioso, desenvolveu-se ao redor da antiga igreja da Misericórdia, no encontro da rua Alvares Penteado com a rua Direita., por volta de 1786. A área do largo primeiramente abrigou a Igreja, onde ocorriam atividades públicas e festividades religiosas, até sua demolição no Séc XIX. A partir de então o largo assume uma nova característica com a implantação do edifício do Ouro, alterando as funções e a frequência da área.
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Durante seu período de cunho religioso, o largo, com um chafariz de abastecimento de água público em seu centro, foi um dos pontos mais movimentados da cidade.
Logo após sua fundação, escravos e escravas se dirigiam ao lugar para namorar e buscar água em barricas, era um local de encontro e de convívio social. Bispos e governadores, à caminho do Pateo do Colégio ou da Catedral da Sé, passaram por aquele local, onde muitos se aglomeravam para ver o acontecimento, como o da grandiosa festa de São João. Na imagem acima de 1862, observa-se o largo em frente à Igreja da Misericórdia e seu chafariz. O gabarito das construções se relaciona diretamente com a extensão do largo, com a escala do pedestre e com a largura das ruas. O espaço é atraente e agradável, de fácil reconhecimento com o edifício de destaque. Após a retirada do chafariz e a implantação do novo edifício do Ouro no séc XIX, o local da festa se transformou no lócus de interesses econômicos.
Imagem retirada de São Paulo Antiga, 1956.
A crescente verticalização do centro e as novas edificações privadas alteram as proporções até então estabelecidas e, claro, sua função e atividades locais. O desenho urbano do largo reduz-se a um alargamento apenas das calçadas para passagem cotidiana, sem que se viabilize um espaço de permanência do pedestre e atividades particulares do lugar.
Novamente, o significado simbólico do largo é bastante alterado devido a impulsiva verticalização do centro e às empresas que se instalaram na área central, introduzindo novos volumes e outra dinâmica de uso do espaço livre. O largo, durante todos esses anos, manteve sua morfologia original. Apenas se nota a mudança de pavimentação e pequenas alterações conforme as novas implantações de edifícios foram aparecendo. O principal fator transformador do largo da 70
Imagem retirada de São Paulo Antiga, 1990.
Misericórdia é evidenciado quando observa-se um vazio subordinado aos enormes edifícios, bastante movimentado pelo grande fluxo de pessoas, porém descaracterizado enquanto local de interesse de permanência e de encontro de pessoas.
Assim como o largo da Misericórdia, o largo do Café também se mostrou como uma das centralidades mais ativas do centro velho. Localizado próximo à rua do Comércio, o largo tem uma história um pouco mais recente que os demais. O espaço destoa um pouco da escala dos outros largos estudados, sua área é bastante reduzida. O largo se formou devido ao desenho de 3 vias: a Rua Alvares Penteado, Rua São Bento e Rua do Comércio. Conformou-se como um local de cruzamento e alargamento de vias. Sendo uma área estratégica de passagem, no período da economia do café na cidade de São Paulo. A área foi palco de negociantes e encontro de barões do café para troca de mercadorias. Sendo assim, o largo, já de inicio, não possui a mesma morfologia colonial de evidenciação de um edifício significativo, mas sim destaca-se como um ponto de interesse e de atividades públicas, articulado com outros largos, sendo seu uso é decorrente de uma atividade de confluência de classes voltadas ao negócio do café.
Na imagem acima, de 1900, observa-se o largo junto à linha de bonde, faceando pequenos edifícios comerciais e residenciais. Aqui, o uso do largo, pode-se dizer, é mais mundano. É um espaço de articulação e restrito à certas classes sociais. É certo que o largo do Café tem uma origem diferente do restante dos largos, porém observa-se que seu potencial apenas se intensifica pelas mesmas características já apontadas anteriormente: o alargamento da rua e sua relação com os edifícios ao redor, ou seja pela relação entre espaço construído, uso e espaço livre. No largo, em decorrência do crescente comércio do café, foi instituído um local para leilões, oficializando a troca de mercadorias locais e o uso do espaço livre, sendo que esse espaço passa a se estender para o interior de um edifício.
Na imagem seguinte, de 2013, ao contrário dos largos já estudados, nota-se que os edifícios e os gabaritos dos volumes ao redor do largo foram mantidos muito próximos aos originais, assim como o desenho das ruas. Não é à toa que o largo do Café é, até hoje, um dos poucos lugares no centro antigo da cidade onde a vitalidade urbana é presente em todas as horas do dia, devido à sua localização e às atividades que acontecem em suas laterais, como bares e restaurantes, incentivando o uso do espaço público. Ao contrário do largo da misericórdia, por exemplo, onde os interesses privados segregam os edifícios do largo, no largo do café, nota-se que os novos negócios se voltam para o público e mantêm o local ativo, talvez até com mais diversidade que no período colonial, onde o público alvo era segregado pela classe social comerciante. O centro antigo da cidade, portanto, passou por inúmeras transformações, tanto em seu desenho de quadras e vias, como pela notável verticalização e espraiamento após o novo plano de avenidas. 72
Nos largos, assim como em outros espaços públicos e áreas ativas da cidade, a forma urbana, o uso e representação social de um lugar mostraram-se estritamente relacionados. Hora o redesenho urbano altera um determinado uso, hora a volumetria do entorno altera as percepções do espaço, acarretando novamente a transformação do uso. Antigos significados e usos são alterados devido à novas implementações, positivas ou negativas, mas de forma geral, motivadoras para a reativação de um espaço público de qualidade. A escala do pedestre e o uso públicos dos logadouros urbanos muitas vezes são fragilizados por meio do crescimento desenfreado da cidade, ao mesmo tempo que novas dinâmicas aparecem e a memória coletiva e identidade histórica do centro se fortalece, fazendo com que estes espaços sirvam como uma superfície de contato em potencial entre o homem e a cidade.
3. 74
ENSAIOS
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PAUSA
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Com base na análise dos largos do triângulo central, feita anteriormente, fica evidente a ocorrência de transformações ao longo dos anos, em termos de escalas, mudanças no traçado, verticalização das cidades, adensamento e crescimento da metrópole, acarretando uma consequente transformação dos usos de certos espaços e prováveis alterações na paisagem urbana.
O conceito de Palimpsesto, definido pelo autor, fundamenta o fato de que o homem, sempre buscando novas tecnologias, novos métodos construtivos e maiores demandas, substitui o antigo pelo novo num processo constante. As transformações dos largos da cidade de São Paulo se repetem por toda a metrópole. O culto à substituição fica evidente quando se observa, por exemplo, as inúmeras reconstruções de edifícios e mudanças de traçados urbanos Segundo Nelson Brissac, em seu decorrentes desde o século XVI, onde livro ‘Paisagens Urbanas’ de 2004, desde então, se substituem traçados, a paisagem é por si só anacrônica, lógicas urbanas, escalas e dinâmicas pois carrega elementos de de uso. tempos diversos, de diferentes épocas e significados de A revolução industrial e a introdução diferentes histórias. A paisagem de novas tecnologias refletem, no é o resultado de uma articulação século XX, diretamente na evolução entre sítios arqueológicos, das cidades, na arquitetura e na traduz-se por uma imagem paisagem. O homem, ao criar, composta pelo tempo e espaço e construir e vender, tende a se que, além de tudo, reflete a esquecer do que já havia sido sociedade de um determinado pensado antes, alimentando uma lugar. serie de substituições nas cidades e consequentemente saturando, muitas Como afirma Benedito Lima De vezes, sua imagem. Toledo, em 1983, a sociedade, há séculos, vem substituindo A sociedade hoje, contemporânea, sucessivamente o cenário urbano. vive uma avalanche midiática por 80
todos os lados. O mercado crescente, a cidademercadoria, o desenfreado mercado imobiliário, são fatores que transformam diariamente a imagem urbana e seu significado.
A televisão, as imagens publicitárias, os vídeos, sobrepõem-se à realidade, ou melhor, re-estabelecem uma realidade na qual a sociedade passa a viver, substituindo - até a experiência.
O olhar hoje é acelerado.
As imagens eletrônicas e os novos universos criados por novos meios de comunicação A pausa deixa de existir na cidade, visual são excelentes atributos ao as imagens se aceleram, as informações, a publicidade e o poder in- desenvolvimento tecnológico e ao terferem na paisagem tornando-a um conhecimento, mas até que ponto mero cenário, e fazendo do cidadão substituem o contato direto com o meio real? uma figura alienada. É bem verdade que as cidades mudaram com os anos, e muito. O espantoso é notar como a percepção do homem mudou junto com elas e “adaptou-se”. O “ataque” publicitário nas grandes cidades distancia o homem, o observador, da metrópole e a paisagem “anterior” passa despercebida no cotidiano, “encoberta” por essa “comunicação”. Não só os elementos são substituídos, como o olhar de quem os vê também se torna um olhar superficial.
O desenvolvimento e a transformação das imagens são comparáveis à transformação das cidades, pela intensidade e tempo rápido. O que é pequeno desaparece em meio à tanta informação e o olhar se perde. Onde existia uma perspectiva intencional, como nos largos do triângulo central, hoje existem inúmeros pontos de fuga, uma verdadeira alienação dos sentidos. Virilio, em 1984, argumenta que a arquitetura, como disciplina, enfrenta o processo de
René magritte – 1928
relativização da relação tempo-espaço. “(…) no final do século XX é a vez do espaço urbano perder sua realidade geopolítica em benefício único de sistemas instantâneos de deportação cuja intensidade tecnológica perturba incessantemente as estruturas sociais; deportação de pessoas no remanejamento da produção, do face a face humano, do contato urbano para a interface homem/ máquina.” (O espaço crítico, Paul Virilio, 1993, pág. 12)
em novas configurações espaciais, novas relações sociais e em uma noção diferente de proximidade. Italo Calvino, 1972, afirma que a imagem reproduzida de uma paisagem não contém o significado da mesma, ou seja, a representação de uma paisagem que mais se aproxima do retrato não é, em si, uma paisagem.
“Trabalhar com a cidade, significa trabalhar com o espaço e o tempo, logo com a velocidade. Com a Revolução Industrial e com a revolução O fenômeno a que Virillio se refdos transportes, as cidades ere, seria responsável pelo desatornaram-se caixas de parecimento das cidades como velocidade. As residências fenômeno única e exclusivamente não alojam apenas homens, material. A velocidade de informação na era digital, se contrapõe objetos, produtos, pessoas, mas proximidade social, inà fisicidade do espaço urbano. A desterritorialização dos espaços terferências, dimensões das cidades dariam margem a um energéticas. Com as novas espaço fracionado, enfraquecido técnicas de transmissão – do e condicionado pela alteração das rádio à internet – só se relações do homem com o meio. aumentou a velocidade de O imediatismo e a contato.” instantaneidade do olhar e da imagem da metrópole, implicam (Virillio, 1993) 82
A aceleração do cotidiano e dos acontecimentos transforma o imaginário da sociedade. Ao se deparar com a cidade contemporânea, nota-se a sobreposição de elementos, sem profundidade, uma imagem superficial. Não se vê a sobrposição do tempo. Como se recupera o olhar à paisagem? Como se atribui significado à paisagem e aos lugares? “As cidades poderiam ser definidas bem melhor por suas superfícies vazias do que pelas cheias. (...) quando uma imagem é quase vazia, é capaz de fazer surgir tantas coisas que chega a preencher totalmente o observador, transformando o vazio em ‘tudo’”. (Wenders, 1994, pág. 6) Por onde se dão possíveis interações entre cidade e cidadão? Talvez pelos entre lugares, pelo que não se vê de imediato. Os usos atribuídos aos espaços, hoje muitas vezes desprovidos de significados, se transformam e se reestruturam quando há a experiência. O resgate do olhar às pequenas
coisas, aos vazios, pode atribuir novamente valor a um determinado espaço urbano, tornar capaz de reconhecer a paisagem de uma cidade, não como imagem reproduzida, mas sim como um organismo vivido. Pode-se olhar algo, contemplar algo, e não vivenciar aquela experiência, ou seja, pode-se também passear por uma cidade e não a perceber. Em cidades onde o tempo é corrido e o olhar é acostumado, poderia a arquitetura proporcionar uma pausa às pessoas? Frear o tempo e aumentar a superfície de contato da cidade com o homem, assim como a pintura o faz com o artista? O momento de pausa, de repouso do olhar, de contemplação da cidade e, consequentemente, de contato com o território pode ser incentivado – ou provocado por um meio, uma ferramenta intermediadora entre tempo e cidade – quer seja uma folha de papel em branco ou um elemento introduzido em escala urbana.
REAÇÃO I
O desenho cego da paisagem se torna uma forma de expressão e de registro de uma realidade desacelerada, onde o olhar reconstruído do autor se traduz no papel de forma a evidenciar o processo perceptivo por meio do olhar contemplativo. Transmite-se ao papel aquilo que se vê pelo olhar lento, o tempo é sobreposto, de forma a obter um registro da paisagem da cidade de forma interpretativa e pessoal, criando maior aproximação entre o autor e o território. Na reação I, procura-se representar os largos do centro de São Paulo por meio do desenho e do exercício do olhar cego, transmitindo as sensações da cidade ao papel.
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MOVIMENTO
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Necéphore Niépce – primeira fotografia da cidade obtida em 1825 – registro de luz, sombra e volumes.
A cidade da imagem é onde apenas se olha e não se percebe. Na imagem anterior em preto e branco, fotografada por Niépce em 1825, nota-se apenas elementos como luz e sombra, e são apenas estes elementos que representam aquela paisagem. Não temos, portanto, uma imagem retrato de algo, uma representação fiel ao existente e sim o registro de elementos, que permitem que a imaginação do observador entre em cena e, principalmente, que o olhar se torne percepção, que se observe o que normalmente não se vê. A fotografia, assim como a pintura e o cinema, representam uma realidade invisível, o pouco, o vazio, um conjunto de tensões e elementos captados pelo olhar do autor naquele momento, e não a imagem por si só. Qual seria, então, o papel da arquitetura na imagem, ou melhor, paisagem da cidade? Como a arquitetura pode também aproximar o olhar do usuário com a cidade da mesma forma que a fotografia o aproxima?
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Niépce registra acima uma imagem de luz e sombra, sem contornos, sem elementos pictóricos. Introduz-se, portanto, à imagem da cidade uma ferramenta de intermediação da paisagem com o olhar, a fotografia. Não se trata apenas de uma fotografia-retrato de uma paisagem, mas sim de um registro de uma realidade relativa ao olhar, temporária e invisível. Talvez não se teria percebido as sombras deste determinado local se a imagem fosse um retrato fiel da realidade que se vê, ou seja, por meio da introdução de um certo estranhamento – ausência de elementos, de contorno, de pessoas, do céu, do certo e errado – constrói-se uma percepção outra pelo observador. “Uma pintura que se recusa a produzir imagens de impacto, que evita fazer coisas para o olhar rápido, apressado. Essas telas deixam entrever as várias camadas que foram se acumulando. As cenas não têm história: tudo o que os quadros guardam é o tempo da pintura, a memória do olhar. (…) Aí a pintura pode – contra o discurso vazio da autonomia do pictórico e a facticidade pop do objeto – revelar
a força e o lirismo que ainda têm essas paisagens urbanas.” Nelson Brissac – Paisagens urbanas, sobre as obras de Marco Gianotti, 1996. A fotografia, sendo capaz de registrar o invisível, torna-se um meio de aproximação com a cidade, assim como a pintura e o desenho. É a ferramenta que aproxima o olhar, que contribui para desconstruir o olhar alienado. No caso da pintura, o contato entre observador e paisagem acontece por meio da contemplação, do olhar demorado, enquanto na fotografia o contato se dá por meio do encurtamento do tempo, como um instrumento da memória, um devaneio, um movimento. São formas diferentes de se captar, registrar e transmitir as cidades, a arquitetura, a paisagem e a sociedade, com técnicas em tempos diferentes que criam uma reprodução única da realidade.
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Imagem do fotógrafo Evgen Bavcar da cidade de Paris (pág. anterior) A sociedade do espetáculo 1967, livro de Guy Debord. (dir.)
Ns imagem anterior observa-se a representação da paisagem obtida pelo fotografo Evgen Bavcar, cego, em um de seus ensaios em Paris. Suas fotografias resultam na representação imediata da cidade, sem preocupações com horizontes, profundidades, enquadramentos ou foco, apenas o registro do tempo naquele determinado lugar, das luzes e sombras, dos cheios, das dinâmicas. A realidade captada por Bavcar é a realidade que não se vê. É no flash da fotografia que observamos tensões e relações da cidade que só este olhar pode conseguir, o olhar para o desconhecido. Aquele que não tem visão, usa todas as formas de percepção para enxergar um lugar. Assim como na fotografia, o cinema, quando intencionado, redireciona o olhar, cria novos pontos focais, novas perspectivas e imagens que instigam a imaginação e interpretação do observador, fazendo com que ele se aproxime da obra e da realidade a que se refere. 106
As representações artísticas citadas são capazes de contar histórias e reproduzir ações e lugares com profundidade por meio de uma ferramenta que lida diretamente com o tempo do olhar. Enquanto a pintura acontece em um determinado intervalo de tempo, a fotografia em outro, o cinema acontece em vários, em combinações de contemplações e de movimentos, ao contrário da propaganda midiática e da televisão, por exemplo, que exclui a contemplação ou qualquer estado reflexivo, como critica Guy Debord em seus trabalhos no fim dos anos 60. Fica evidente neste ponto, que o olhar é o fator fundamental de aproximação entre sociedade e cidade quando submetido a um certo estranhamento por meio de uma ferramenta – o papel, a tela, a fotografia, o filme – meios que promovem esse citado estranhamento e, consequentemente, a desconstrução de um olhar acostumado. Quer seja rápido e imprevisível, lento e contemplativo, ou até mesmo sobreposto pelo cinema, pode ser por meio destes mecanismos que revemos um lugar,
que reconhecemos uma realidade outra, não dada, num determinado espaço. As manifestações artísticas, pinturas, esculturas, cinema, lidam com a representação relativa de uma realidade, e buscam transmitir essa relatividade para o observador, propor uma realidade outra, a realidade do entre, daquilo que não existe, mas que ao mesmo tempo existe porque está sendo observado e porque foi registrado de alguma maneira. De qualquer forma, tem-se como objetivo em uma obra de arte, não o belo e o estético, mas sim o uso da mesma como ferramenta de aproximação da realidade. O uso de um elemento de estranhamento – mesmo que momentâneo e despercebido – é o que provoca o olhar, que confunde o tempo e exige atenção. Sendo a arte uma ferramenta de aproximação entre uma realidade e o observador, poderia então a arquitetura – quando colocada como meio e ferramenta – ser mediadora entre o homem e a cidade? Até que ponto o elemento de estranhamento, quando introduzido em escala urbana, também não redireciona o olhar do
pedestre nas cidades – às cidades? A busca pelo instante, pelo gesto, pelo estranhamento e percepção, fica evidente , por exemplo, nas obras do diretor Godard. Gestos lentos são interrompidos por imagens rápidas que, depois, retornam a momentos contemplativos, belos e monótonos. Rostos e paisagens fazem do cinema um exercício ao olhar, um exercício de reeducação e estranhamento onde se nota a dimensão de uma pequena coisa. O contato entre homem e cidade, entre homem e realidade, talvez não esteja no cheio, no que é saturado, mas sim no vazio, no vulnerável, no estranho. Uma vez que as artes visuais tentam transmitir o invisível à tela, ao papel ou à imagem, a escultura é capaz de representar o invisível em mais dimensões? Seria possível então, numa escala ainda maior, transmitir o vazio da sociedade pela arquitetura? Experienciar o invisível das cidades por meio de uma intervenção arquitetônica?
REAÇÃO II
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A sensação de vulnerabilidade ao caminhar de olhos fechados, como na reação realizada, permite que outros sentidos funcionem como ferramentas. Elementos urbanos normalmente despercebidos como o cheiro, barulhos, silêncios, luzes e sombras, ventos, vibrações, tornam-se protagonistas em uma nova realidade – uma realidade estranha – porém tão palpável – ou até mais palpável – do que a realidade acostumada e previsível. O registro de imagens abaixo foi realizado ao caminhar pela cidade de Nova York como turista de olhos vendados, permitindo que os entre lugares da cidade fossem registrados, de forma a aproximar o observador ao meio por um elemento de estranhamento. Não se teve como objetivo, portanto, composições de imagens belas, cartões postais ou enquadramentos seletivos da visão, mas sim registros de sensações pessoais que representam uma realidade invisível.
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LABIRINTO
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“O caminhar é uma arte que traz em seu seio o menir, a escultura, a arquitetura e a paisagem. A partir dessa simples ação foram desenvolvidas as mais importantes relações que o homem travou com o território.” Franscesco Careri, Walkscapes, 2002.
O olhar e o experimentar dialogam com o tempo, lento ou espontâneo, e refletem na aproximação do observador com o meio, a cidade. O tempo real é o tempo da distância física, o tempo do caminhar, da escala humana inserida no espaço. Quando se caminha por uma cidade, quando se perambula por um espaço, a experimentação desse lugar é resultado do tempo físico do caminhar, do tempo que o olhar leva para percorrer um sitio. O olhar, neste caso, não se dá apenas pela visão, mas também pelos passos, pelo movimento do corpo no espaço. Como no exemplo anterior do fotógrafo Bavcar, a experimentação extrapola o olhar, ela é o tato, o calor, o vento, qualquer fator sensorial captado em um intervalo de tempo. A paisagem da cidade – a escondida pelo espetáculo midiático – é aquela que se enxerga entre as imagens saturadas do cartão postal, a que aproxima, que conforta ou desconforta o observador. O caminhar, como prática estética e exercício do ol120
har, recria paisagens, descobre lugares. Neste caso, o olhar do flaneur é o olhar errante, o olhar estrangeiro que, por se perder na cidade, se insere na mesma. Como cita Careri em seu livro Walkscapes, o caminhar, assim como a errância, é uma prática nômade, primitiva, que pode ser vista como uma intervenção urbana em si, como arquitetura e urbanismo. O retorno ao minimalismo, ao ato básico do passeio e ao olhar como ferramenta de descoberta, é um movimento artístico. A errância, para Careri, é a arquitetura da paisagem, sendo ela o tempo de transformação simbólica do espaço antrópico. Com base neste retorno ao primitivo e à desconstrução do olhar, construção do imaginário, fundamentam-se alguns outros momentos também na história da arte, como a passagem do surrealismo ao dadaísmo por volta de 1924, as teorias situacionistas e letristas de 1956 e o movimento minimalista e de land art já dos anos 60. As manifestações artísticas acontecem sobrepostas às transformações urbanas e às transformações do olhar sobre o território, das cidades banais dadaístas à cidade
entrópica ou da cidade onírica surrealista à cidade lúdica dos situacionistas. O errar e o olhar estrangeiro estão na perambulação pelo território, uma deambulação entre vazios urbanos que permeia os entre lugares da cidade, os lugares invisíveis. O caminhar, sob o ponto de vista urbano, articula vazios e paisagens, determina percursos e reestrutura a percepção do homem sobre a cidade. Como afirma Hélio Oiticica, 1961, os vazios articulados pelo caminhar, são estranhos e plenos, cheios.
Entre-espaços. O entre, por definição, não é uma coisa nem outra, ou seja, o entre lugar não é um lugar, tão pouco um não lugar. É a indefinição, é temporariamente as duas coisas, todos os tempos. A arquitetura pode valorizar esse tema e abordar espaços do entre, incluí-los, ser o meio. Essa seria uma possibilidade de a arquitetura incluir o espaço do entre, como articulador e até estruturador de outros espaços.
O vazio se torna pleno com o olhar, o incompleto se preenche com a presença de quem o atravessa, a arquitetura se conclui com a Como a arquitetura pode se articu- espontaneidade do usuário, com a lar com o caminhar? Como ela apropriação dada por ele. desconstrói o olhar, acelera ou atrasa o tempo nas cidades? Segundo Careri, a cidade nômade é a cidade incerta, é a sombra da É no estranhamento que estão as cidade sedentária saturada. desconstruções e as reestruturações O nomadismo, sob a visão do da experiência e do olhar. No estran- autor, vive em contradição e ao hamento do tempo que se ativam os mesmo tempo em osmose com a sentidos primários, e cabe também cidade rígida. à arquitetura, assim como às artes, proporcionar a desaceleração ou espontaneidade do mesmo para que o olhar se volte à cidade.
A line made by walking, Richard Long, 1967
A cidade nômade, para Deleuze, por exemplo, é o próprio percurso, o sulco deixado pelo caminhar no meio do deserto e o resultado de pontos em movimento, sendo assim, um resultado da errância.
A arquitetura também pode ser nômade? Milton Santos, geógrafo, define os espaços da cidade como espaços luminosos e espaços opacos (1999). Os primeiros como pertencentes à cidade territorializada, onde recebem estímulos e investimentos e, o segundo, como sendo os espaços invisíveis, não utilizados pelas lógicas hegemônicas, mas que podem ser muito interessantes para a vida. A articulação entre os espaços invisíveis com os luminosos, compõe parte da narrativa das cidades, refletindo memórias e percepções pessoais de quem os vivencia. A deriva, por exemplo, teorizada por Guy Debord no final dos anos 122
50, volta-se à psicogeografia, isto é à associação entre o lugar e o que ele desencadeia na experiência afetiva de quem o vivencia. O exercício da deriva se traduz em mapas geográficos, do comportamento experimental, ligados às condições do homem urbano. Revela a aproximação entre território e seu reconhecimento pessoal e psicológico.
REAÇÃO III
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O exercício da psicogeografia trata de expressar e representar os efeitos que um determinado lugar desencadeia em um indivíduo. O mapeamento sensorial geográfico guarda processos do inconsciente e da memória individual – ou as vezes coletiva - de uma cidade. Os mapas interpretados na reação abaixo representam a relatividade de um lugar para além da imagem estática saturada, por meio de uma re-estruturação pessoal e reativa do território - e do tempo - que possibilita a transformação do olhar e da experiência do lugar.
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ARQUITETURA: TEMPO E LUGAR
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“Arquitetura é o meio mais simples de articular o tempo e o espaço para modelar a realidade. (...) Não se trata apenas de articulação e modulação plástica, expressão de uma beleza passageira. Mas de uma modulação influenciadora. (...) A arquitetura de amanhã será um modo de como modificar as concepções atuais de tempo e espaço. Será um meio de conhecimento e um meio de ação.” Ivan Chtcheglov, internacional situacionista, 1958. Na tela, a resposta ao olhar se manifesta de forma pessoal e individual de cada observador ou do artista. Em um segundo momento, na escultura, são introduzidas questões espaciais como novas dimensões, tato, outros elementos sensoriais complementares ao olhar. Já se tratando da arquitetura - sendo vista aqui como uma “terceira escala de atuação” – o usuário é introduzido espacialmente à obra. Tratam-se de diferentes escalas de atuação, ou de intervenção, destacando-se que, talvez, seja apenas na arquitetura que o homem se coloca como elemento inseparável à obra, como complemento.
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A arquitetura se manifesta dinamizando espaços, é meio condicionante e estruturador de um lugar e pode ser desenvolvida de formas diferentes – variadas escalas de atuação, linguagens, funções e intenções. Ela não deveria, necessariamente, ser avaliada essencialmente pela sua forma ou características plásticas, mas sim pelo o que promove, pelo que movimenta – ou desacelera - na cidade.
Ao referir-se anteriormente à arquitetura como a que pode potencializar o vazio (ou valorizar o espaço articulador, o entre), pode-se atribuir a ela, como um valor, a ideia da indefinição, a de um vir-a-ser. Segundo o filósofo Jacques Derrida (citado por Guatelli, 2012), é na indefinição que se promove o evento, o espontâneo. Não se tem como questão aqui, portanto, a arquitetura como forma e função, assertiva e que responde a problemas, minimizando-os mas, sim, a intervenção arquitetônica (ou projetual) funcionando como uma ação na cidade, como meio articulador de atividades sociais, desencadeadora de percepção e experiências. Como uma ferramenta de intervenção busca-se, pela arquitetura, ativar o espaço em que ela se insere, introduzir novos tempos na cidade por meio de questões programáticas, de atividades diversas, pela introdução de algum elemento que transforme a percepção e a experiência das pessoas, ou, por exemplo, pela criação de possibilidades outras de
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Termo colocado pela arquiteta Paola Berenstein Jacques no livro Apologia da deriva – internacional situacionista pág. 14, sobre a existência de uma dissociação entre ação e pensamento na cidade contemporânea, com referência à questões colocadas por Alois Riegl e Adolf Loos
percursos e articulações, promovendo certo estranhamento ao usuário de forma a ativar um determinado espaço e, no caso dos largos de São Paulo, o espaço público. É por meio da ativação de um lugar e da tentativa de desestruturação do olhar alienado, que se propõe experimentações na cidade. Ao mesmo tempo que a aproximação da arquitetura com a arte é muito frequente, o arquiteto se diferencia do artista visual quando dialoga diretamente com o lugar, criando situações não só no tempo do olhar, como o artista plástico por exemplo, como também no espaço. Criando situações e movimentações de corpos no espaço é que se ativa o vazio de um lugar. A intervenção arquitetônica, portanto, não tem como função preencher o vazio com matéria construída, ou com aspectos escultóricos formais, tão pouco de ser um elemento autônomo, mas sim de potencializar o vazio ao usuário, de forma plural, provocativa e, consequentemente, experimental. 142
Em muitos momentos na história da arquitetura, definiu-se a função da obra por meio de um programa pré-definido, coerente e plausível que corrigisse deficiências do lugar e direcionasse um uso específico. A história das cidades nos mostra como essa lógica pode parecer inadequada - quando as necessidades da sociedade mudam, o tempo muda, as dinâmicas sociais se transformam e consequentemente a lógica das cidades. A cidade hoje é instável, “esquizofrênica” 1 e mutável, e cabe ao fazer arquitetônico conciliar – ou evidenciar – essa pluralidade. Cabe ao arquiteto fazer com que a contradição presente nas cidades seja parte de um meio interativo. Em contraposição aos discursos preponderantes, pretende-se uma aproximação ao vazio, ao caótico, ao entre, ao resto, não no sentido de “corrigi-los”, mas ativá-los. O espaço do entre, deve se manter entre e, de certa forma, restar vazio no sentido de permanecer como um espaço aberto a interpretações atemporais.
Defende-se aqui que a relação espaço-uso na arquitetura, seja submetida à relação espaçotempo, onde as imagens se alteram no tempo em função das ações que o acompanham, de forma que a obra seja um processo e não necessariamente um resultado único estável. Tendo em vista as inúmeras transformações urbanas, os contenedores das antigas áreas industriais ou o patrimônio do centro por exemplo, ruínas estáticas em meio a uma sociedade mutável, não seriam necessárias – ou interessantes – arquiteturas que possivelmente acompanhassem o desejo de transformação (coletiva) das cidades? Que se desenvolvessem com elas ao invés de serem apenas substituídas ou abandonadas em outro tempo? O espaço, proposto por essa formulação, seria compreendido como um espaço aberto a significações em meio a espaços definidos. O papel do arquiteto, portanto, não seria o de solucionar um problema na cidade, mas talvez o de promover um espaço na cidade, de articular o que é definido e não-definido, de sugerir às pessoas a própria cidade,
os espaços existentes, a rua, os largos, o meio, através do projeto. O homem, tendo que lidar com uma situação imprevista, o espaço neutro, o vazio – quase incômodo – pode gerar uma resposta de enfrentamento criativa e reflexiva, onde o estranhamento provoca a experimentação do espaço. Mas, ainda que essa seja a reflexão central, fica a demanda acerca da “resolução de problemas”: Como resolver ‘problemas’ existentes nas cidades em locais históricos como os largos, por exemplo? De que maneira pode-se articular os vazios entre os espaços existentes de forma a evidenciar estes logadouros da cidade? Evidenciar e articular o tempo nas cidades... O termo spacing sugerido por Derrida (Guatelli, 2012), demonstra a condição do entre na arquitetura, onde o espaço do meio é gerador de diferenças, estranhamentos e, consequentemente, atividades e questionamentos. São estas respostas – físicas e mentais – do
usuário ao espaço que geram o contato do homem com a cidade, aumentam a superfície de interação com o existente. Quando falamos da desaceleração do olhar do artista ao desenhar uma paisagem, do contato dele com a cidade, pretende-se - pela arquitetura-proporcionar este olhar ao usuário, redirecionar o olhar de quem a utiliza e voltar este olhar para a cidade, como se a arquitetura fosse a tela em branco de cada um – e não somente do arquiteto.
144
PROPOSTA
146
Com base na história da cidade de São Paulo e sua morfologia urbana, tem-se como recorte de estudo o triângulo central da cidade e a relação de seu traçado urbano com suas transformações físicas, sociais e simbólicas analisadas até então.
experimentações urbanas variadas e, outra, na escala do edifício, tendo como área de estudo, para ambas, o largo São Bento e os lotes subutilizados ao seu redor.
Nas duas escalas de intervenção, tem-se um único objetivo: a utilização do projeto de arquitetura como Procura-se trabalhar a elemento que contribui à dinâmica arquitetura como resultado de urbana. As intervenções em questão especulações conceituais que visam direcionar o olhar à cidade, vão além do resultado projetual criar novas possíveis experiências, formal, por meio de potencialide encontro e visuais, como também dades e tensões programáticas, resgatar e diversificar o uso dos proposta de conexões urbanas largos do centro, sendo esses os entre diferentes níveis e integração espaços públicos mais importantes de escalas, visando evidenciar a na morfologia da cidade e questão do entre na arquitetura. extremamente presentes no cotidiano Cria-se, pelo entre, pelo meio, um do cidadão até os dias de hoje. estado intermediário entre público e privado, um espaço urbano que O largo São Bento é o ponto de maior pudesse ser flexível no tempo e interesse para o desenvolvimento suporte a atividades espontâneas de projeto devido às suas evidentes e imprevistas. transformações ao longo dos anos. Como analisado anteriormente, A ação proposta para a região do muitas transformações físicas centro aconteceria em duas ocorreram no largo, desde pequenas escalas: uma macro, dando-se de mudanças no traçado viário, até forma mais abrangente e reformas no mosteiro à sua frente, experimental, correspondendo como também a descaracterização a uma intervenção diversificada, de seu espaço pela abertura do elaborada com exercícios e metrô nos anos 70. 148
A implantação do metrô no local abriu um enorme vazio no centro do largo, desestruturando aquele espaço, fazendo com que não só grande parte da área de permanência fosse perdida, como também o ponto de convergência da perspectiva da cidade ao seu redor. Tem-se, como objetivo de projeto, portanto, reativar a centralidade do largo de estudo e, por meio da implantação de um edifício tangente, impulsionar as dinâmicas e fluxos do local, criando novos espaços que suportem atividades públicas diversas e que proporcionem e resgatem relações com a cidade, desacelerando o olhar do pedestre e criando novas superfícies de contato, entre ele e o lugar.
Esquemas de proposta de relações visuais da intervenção com o largo e de possiveis novos pontos de permanência de integração com a cidade.
150
A relação entre volumes existentes e propostos, aqui, passa a ser mais relevante do que o volume final em si. Mais importante que o conjunto formal são os intervalos e as atividades que podem se desenvolver em cada espaço. Os espaços e as atividades propostas se complementam com a movimentação das pessoas que os utilizam.
152
Propõe-se, de início, que as fachadas dos antigos edifícios do lote de estudo sejam preservadas e que parte de seus volumes internos sejam também mantidos, como elementos estruturais do pavimento térreo e como fachadas ativas integradas ao projeto. É evidente, como já analisado anteriormente, que as relações de escala dos largos com seus edifícios de entorno são muito relevantes (relação forma urbana e tipologia). Porém – ao considerarmos a cidade como mutável e “esquizofrênica” 1 – procura-se estabelecer, por meio do projeto, uma integração das construções do largo e do largo em si com a intervenção, de forma a conectar as diferenças do tempo na cidade, tenham sido elas positivas ou não. Utiliza-se da estratégia de se desvincular forma de função, de maneira que o projeto seja capaz de abrigar usos rotativos e significados diversos, funcionando não só como um espaço do porvir, mas também como uma extensão do largo São Bento, principal preexistência, e vice versa,
condicionando uma continuidade de atividades e usos em um espaço urbano, como parte integrada à dinâmica do lugar. Ao invés de um objeto formal-funcional, propõe-se programas intercambiáveis no espaço e no tempo, onde os eventos que ocorressem ali seriam resultados, reações de um território em constante transformação. Com o objetivo de se evidenciar o processo de projeto e de promover uma articulação entre tempo e lugar, o programa de atividades é proposto de forma gradual: do uso mais “líquido e fluido”, ao uso “rígido e sólido”, de forma que os andares inferiores – subsolo, térreo e primeiro pavimento – sejam espaços amplos e de uso livre, com áreas abertas de permanência e circulação para atividades espontâneas, como também espaços de ateliers que serviriam como suporte às atividades artesanais e comerciais próximas ao local, uma área pública e transparente de exposição, como também um novo eixo de conexão com a saída do metrô.
1.Lajes abertas de forma estratégica promovendo integração com o largo
1
2. Proposta de conexões entre diferentes cotas da cidade 3.Esquema de blocos servidores – sólidos dispostos em lajes livres 4. Fechamentos estrategicamente propostos
Os pavimentos intermediários – segundo e terceiro – concentram um programa de atividades já mais específicas, porém ainda bastante flexíveis, como oficinas de trabalho, salas de leitura, espaços para eventos, música, dança e mirantes estratégicos. Por fim, os últimos pavimentos – quarto e quinto – abrigam a parte do programa mais sólida, como o acervo de documentos históricos do largo e do centro da cidade, acervo digital, acervo físico complementar à biblioteca e faculdade existente no Mosteiro de São Bento, como também áreas de estudo. Como suporte ao programa escolhido, algumas áreas servidoras foram distribuídas pelos pavimentos em eixos verticais, como depósitos, áreas molhadas, shafts, elevadores e saídas de emergência, facilitando posteriormente a disposição de instalações elétricas e hidráulicas no edifício.
154
2
3
4
“Cada observador projetará sua própria interpretação, resultando numa descrição que será novamente uma dispersa e diferenciada realidade que marca o fim da utopia da unidade” – Tschumi 1996, pp. 203-204
O programa de projeto disposto de forma estratégica, quase paradoxal, foi pensado como uma tentativa de criação de tensões programáticas, que estimulassem a eclosão do inesperado, para o redirecionamento do olhar e para desencadear, pela curiosidade e talvez estranhamento, convite ao uso. Onde atividades múltiplas pudessem se integrar física e visualmente de forma a gerar novos eventos e contextos, novas sobreposições. A desestabilização do programa exclusivamente funcional aqui, portanto, torna-se necessária para a ativação do próprio largo. A implantação do projeto foi pensada de forma a integrar as novas espacialidades e novas atividades ao largo, e vice versa, servindo como uma grande extensão do espaço urbano. Os pavimentos, portanto, foram pensados como lajes abertas ou totalmente visíveis, permitindo integração com as atividades do largo por meio de vazios e espaços fluidos, permitindo que algumas áreas estratégicas sejam utilizadas como contíguas 156
às públicas. O edifício se estrutura por meio da circulação em dois principais sentidos: Horizontalmente, seria implementada uma nova conexão que cruza o térreo, articulando o largo com uma pequena rua posterior, sem saída. Também, pelo subsolo permeável, viabilizou-se uma conexão com o metrô. Verticalmente, a circulação impulsionaria a integração das lajes com o espaço público (de forma física e visual), incentivando o percurso no interior do edifício. O eixo principal de escadas foi utilizado como elemento articulador, conectando níveis diferentes, permitindo a integração das atividades de permanência com o fluxo cotidiano de pedestres.
Planta pavimento térreo e conexões com diferentes ruas e cotas
Conexão pública aberta para a rua Varnhagen (esq.)
O edifício proposto tem gabarito baixo, por conta de se buscar um equilíbrio entre a forte verticalização do triângulo central com o vazio urbano do largo (fato comentado em capítulos anteriores). A solução utilizada para proporcionar certa leveza ao projeto em meio a tamanha verticalização, foi a implementação de um jardim rebaixado, atenuando o contato do interior dos espaços com a empena criada pelo edifício ao lado e proporcionando áreas permeáveis verdes dentro do projeto, também com forte intenção visual e evidenciando o principal eixo de articulação.
158
Corte com indicação de possíveis campos visuais (esq.)
Com a intenção de criar espaços legíveis e integrados, os fechamentos do edifício acompanham a caracteristica gradiente do programa. Os pavimentos inferiores não possuem fechamentos rígidos, apenas guarda corpos, de forma que as atividades desenvolvidas ali sejam diretamente relacionadas à cidade, tanto física como visualmente e inclusive vulneráveis às intempéries, como uma verdadeira continuidade do largo. Os segundo e terceiro pavimentos possuem, alguns fechamentos rígidos, porém muitas vezes recuados da fachada (e dotados de brises), permitindo a flexibilidade dos espaços e também o contato com o exterior quando desejado. Os últimos pavimentos possuem os fechamentos mais rígidos, com planos de vidro e telas metálicas para controle de insolação. Para a implementação de espaços amplos, principalmente nos pavimentos inferiores, foi utilizada a estrutura de concreto protendido e laje em grelha para permitir a amplitude do espaço central do edifício. 160
Com o objetivo de manter uma linguagem neutra e pouco agressiva em meio aos edifícios históricos do entorno e às fachadas preservadas no lote, o edifício é composto por alguns elementos básicos que se repetem: chapas metálicas perfuradas, brises verticais em aço cortem, concreto, alguns elementos metálicos em caixilhos e guarda corpos, com destaque para a estrutura metálica das escadas, que funcionam, no caso, como um ponto focal do olhar , com a perspectiva de se atribuir alguma legibilidade à circulação vertical no interior do lote.
Vista de escadaria e lajes abertas propondo contato visual e tensões programáticas espontâneas
162
Vista da cobertura, com estrutura de andaimes para usos temprรกrios.
164
A cobertura do edifício, também com a utilização de aberturas para iluminação zenital dos pisos inferiores, consiste em um espaço livre, de circulação – integrado ao programa de acervo – permitindo que sejam realizadas atividades diversas ao ar livre e valorizando as relações visuais do local do projeto com outros pontos da cidade, como o viaduto e a Igreja Sta. Ifigênia, o Vale do Anhangabaú ou até mesmo o largo São Francisco. Além da intervenção proposta no lote, o projeto se estende também à área mais fragilizada do largo, seu centro. Com o objetivo de re-estruturar esta espacialidade perdida na cidade e de recompor as características – no mínimo funcionais e simbólicas – do largo, propõe-se a implementação de um novo piso sobre o vazio criado pelo metrô, de forma que a centralidade do espaço público seja resgatada e, consequentemente, seu uso, a permeabilidade e suas características simbólicas, de amplitude visual e de permanência de pessoas. 166
O piso proposto para o centro do largo é composto por uma estrutura leve de alumínio e placas de vidro, de forma que a intervenção não se torne o destaque e que evidencie as transformações ocorridas no largo ao invés de apenas substituí-las. A nova estrutura permite que os acessos criados pelo metrô ao centro ainda sejam mantidos, proporcionando ventilação e iluminação necessárias para o desenvolvimento de atividades no subsolo já existente sob o largo.
Vista do largo São Bento, fachada do projeto e intervenção.
168
Vista do Segundo pavimento e integraçao visual com a cidade
Tem-se, como elemento principal e norteador do projeto, a valorização da arquitetura como o lugar das possibilidades. Não se pretende, portanto, projetar um monumento escultural para que este seja contemplado, mas sim uma estrutura de caráter urbano que se volte para o seu entorno e que faça da cidade um palco para o evento humano. A intervenção se utiliza do projeto de arquitetura como um instrumento flexível às transformações físicas e sociais do território e que - frente às diversas saturações da cidade contemporânea - sirva como um espaço de desaceleração, de pausa.
170
Elevação vista do largo São Bento
172
Implantação
174
Planta pavimento tĂŠrreo
176
Planta primeiro pavimento
178
Planta segundo pavimento
180
Planta terceiro pavimento
Planta quarto pavimento
182
Planta quinto pavimento
Planta subsolo
184
Corte A
186
Corte B
188
Corte C
190
758.23
Detalhes construtivos de fachada
758.23
EVENTOS 212m²
EVENTOS 212m² INTERIOR
.48 .20
.48 .20
INTERIOR
7.40
11.49
.34
7.40
11.49
19.23
.34
19.23 EXTERIOR
MONTANTE METÁLICO DE FIXAÇÃO DA TELA METÁLICA 50X70 MM
EXTERIOR
MONTANTE METÁLICO DE FIXAÇÃO DA TELA METÁLICA 50X70 MM
TELA METÁLICA ESTIRADA EM AÇO INOX BAUSCHER COM PINTURA INODIZADA COR: BRANCO PORCELANA
01
TELHA METÁLICA I= 5%
01
02 13.00
RUFO METÁLICO GALVANIZADO
RUFO METÁLICO GALVANIZADO
LAJE DE CONCRETO PROTENDIDO H= 15 CM
LAJE DE CONCRETO PROTENDIDO H= 15 CM
774.00 .65
774.00
FOLHA DE ABERTURA MAXIM-AR ESQUADRIA EM ALUMÍNIO COM PINTURA ANODIZADA NA COR PRETA COM VIDRO TEMPERADO 10 cm
FOLHA DE ABERTURA MAXIM-AR ESQUADRIA EM ALUMÍNIO COM PINTURA ANODIZADA NA COR PRETA COM VIDRO TEMPERADO 10 cm
4.40
FOLHA FIXA ESQUADRIA EM ALUMÍNIO COM PINTURA ANODIZADA NA COR PRETA COM VIDRO TEMPERADO 10 cm
PESQUISA 769.00
FIXO
VIGA DE BORDA DE CONCRETO MOLDADA IN LOCO
TELA METÁLICA ESTIRADA EM AÇO INOX BAUSCHER COM PINTURA INODIZADA COR: BRANCO PORCELANA 17.11
TELA METÁLICA ESTIRADA EM AÇO INOX BAUSCHER COM PINTURA INODIZADA COR: BRANCO PORCELANA
PESQUISA 769.00 10.00
FIXO
FIXO
FIXO
FIXO
FIXO
FIXO
ACERVO 764.00
FIXO
FIXO
FIXO
FIXO
FIXO
FIXO
FIXO
.65
EVENTOS 759.00
.65
.65
5.00 5.87
5.00
4.35
3.02
5.87
2.83
2.83
1.28
1.28
.86
1.03
.86
1.03
5.00
5.00
EVENTOS 759.00
FIXO
1.14
MUSICA/DANÇA
1.03
.65
.65
754.00
3.57
1.98 5.70
5.05
3.57
3.57
1.05
.65
1.92 2.37
3.26 2.37
3.26
TERREO LIVRE 744.00
EXPOSIÇÃO
EXPOSIÇÃO ACESSO O METRÔ
192
FACHADA INTERNA
FACHADA EXTERNA
4.88
.88
2.12
2.12
2.95
2.95
4.88
.88
9.18
9.18
TERREO LIVRE 744.00
FACHADA EXTERNA
PRAÇA ELEVADA 748.30
.65
9.30
1.11
PRAÇA ELEVADA 748.30
1.92
1.03
1.03
1.11
1.05
3.32
3.32
3.57
1.98
1.03
MUSICA/DANÇA
754.00
9.30
FIXO
4.35
FIXO
.21
FIXO
.21
FIXO
4.40
4.40
4.40
JANELA DE ABERTURA MAXIM-AR COM ESQUADRIA DE ALUMÍNIO COM PINTURA ANODIZADA PRETA
4.35
.65
.70
.65
.70
JANELA DE ABERTURA MAXIM-AR COM ESQUADRIA DE ALUMÍNIO COM PINTURA ANODIZADA PRETA
FIXO
ACERVO 764.00
MONTANTE METÁLICO PARA FIXAÇÃO DA TELA METÁLICA 50X75MM
MONTANTE METÁLICO PARA FIXAÇÃO DA TELA METÁLICA 50X75MM
5.70
FIXO
3.02
FIXO
.65
FIXO
4.40
FIXO
4.35
FIXO
1.14
PRODUCED BY AN AUTODESK EDUCATIONAL PRODUCT
FIXO
9.35
FIXO
2.50
FIXO
2.50
4.40
FIXO
4.40
FIXO VIGA DE BORDA DE CONCRETO MOLDADA IN LOCO
10.00
FIXO
.62
FIXO
4.40
FIXO
4.40
FIXO
17.11
FIXO
.62
FIXO
FOLHA FIXA ESQUADRIA EM ALUMÍNIO COM PINTURA ANODIZADA NA COR PRETA COM VIDRO TEMPERADO 10 cm
9.35
4.40
.65
.95
.95
02
TELHA METÁLICA I= 5% 13.00 CALHA METÁLICA GALVANIZADA
CALHA METÁLICA GALVANIZADA
5.05
TELA METÁLICA ESTIRADA EM AÇO INOX BAUSCHER COM PINTURA INODIZADA COR: BRANCO PORCELANA
FACHADA INTERNA
738.47
ACESSO O METRÔ
738.47
5. 194
CONSIDERAÇÕES FINAIS
196
Nesse sentido, o caminhar por si só pode ser um “fazer arquitetônico”?
É verdade que as cidades são reflexos da sociedade. Se são saturadas, rápidas, vazias e impessoais, isso também é resultado das relações e da forma como as pessoas imprimem caráter ao urbano. Como já observado, se o trabalho se apresenta como investigação, não se tem como objetivo chegar a questões conclusivas e finais acerca do que seria melhor para a dimensão histórica da cidade de São Paulo ou para seus habitantes, que usam o centro diariamente. Mesmo porque apontamos, ao longo do trabalho, a atribuição de sentido e a apropriação dos lugares pelas pessoas como assuntos fundamentais às propostas de arquitetura e urbanismo. Seria muita pretensão, tanto profissional como pessoal, acreditar que se pode eleger um ‘problema’ em uma metrópole como a cidade de São Paulo e que esta problemática escolhida pudesse ser brilhantemente resolvida de maneira assertiva. Pelo contrário, concluiu-se que, 198
quando tratamos de cidade e de pessoas, é a ideia de processo que mais se apresenta como desafiadora à reflexão. Acredita-se que a arquitetura não se restringe ao edifício-objeto, ao museu à céu aberto, às questões compositivas e estéticas e que não cabe ao arquiteto corrigir situações urbanas. É possível que o papel do arquiteto, talvez, seja o de expor estas situações às pessoas, ao invés de corrigi-las. A cidade é construída com camadas de tempo, camadas de questões, de potenciais e abandono e é possível que o papel do arquiteto seja o de articular estas camadas, sendo capaz de, por meio da disciplina, voltar o olhar às mazelas e às potencialidades da metrópole como sendo a de seus cidadãos. Pode-se concluir unicamente, talvez, que a tarefa da arquitetura – e dos arquitetos - seja a do constante repensar, refletindo sempre a partir dos processos, sem que se consolidem ações preconcebidas. Pela arquitetura pode-se valorizar o olhar e a experiência, aproximar o homem à cidade.
A desconstrução do olhar na cidade pode ser um processo de valorização de outras maneiras de se aproximar das tarefas da arquitetura?
Escalas e tempo são outras das dimensões apontadas ao longo deste trabalho. Trabalhar com esses temas também se apresenta como um grande desafio teórico e ao exercício projetual. Ainda que a história da arquitetura seja uma história de teses -igrejas e cúpulas do renascimento como conquista estrutural, a máquina de morar, funcional e econômica do modernismo, ou até mesmo os enormes arranha-céus luxuosos envidraçados das grandes metrópoles globais -, talvez seja o momento, hoje, em que o arquiteto não tem um único objetivo, dado por um “destino certo”, mas sim uma pluralidade de questões. A tarefa dos arquitetos, para além de construir o edifício, é constituir a crítica como uma tarefa política. Talvez hoje eles sejam responsáveis por ativar processos e experiências, que desencadeiem o reconhecimento das dinâmicas urbanas e, dessa forma, da sociedade e de seus cidadãos.
200
202
204
206
208
210
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Livros Horixontes, 2011.
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Crédito Imagens: Imagens de incio de capítulo pertencem aos trabalhos fotográficos e visuais de Francis Alys: Sometimes making something leads to nothing (video 1997) Cuentos Patrióticos (video 1997) Zocolo (1999) When faith moves mountains (2002) Story of deception (2010) As imagens e desenhos realizados nas Reações I, II e III são de autoria pessoal, desenvolvidos como uma atividade de exercício complementar ao trabalho de graduação. Os mapas na Reação III foram desenvolvidos por Camila Stump, Felipe Alves, Hebert Puzzi, Lucas Miilher e Marina Coatti, respectivamente.
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