devolvo o troco https://devolvotroco.tumblr.com/
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durante os anos de 2014 a 2017 recolhi coisas da rua. algumas ficaram guardadas por anos, como dvds de novelas asiĂĄticas e fichas de gravidez bolivianas. algumas delas juntei em um blog chamado devolvo o troco, onde tentou-se dar textos para este pequenos vestĂgios. n.r. 2
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olhando dentro de sibele em 2008 1. já não estavam lá o apartamento na 25 de maio contrabando de luzes fundas os negativos da viagem à Osaka aqueles olhos de esqueleto prata a palavra espera secando pia embutida no rosto o Ford sedan azul açude convertido em acidente em 97 a Irene, promotora de risadas reduzida a envelope de cartas a pálpebra travada no réveillon reaberta no hotel de uma estrada já não estavam lá mais nada 2008 foi o ano que ao que tudo indica Sibele não foi engolida pela sua barriga.
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2. antigamente a barriga da Sibele não era assim minha gente lembra das festas lembra carnaval vinha depois de sexta descia a quinta avenida vestida de mulher e era tanto blush que a fome assaltava as samambaias as samambaias junto com as arrudas e as espadas de são jorge da barriga de Sibele naquela época eram todas devoradas tadinhas a gente ficava com tanta fome fome depois assistia televisão dormia e fazia cocô bem ali no centro da barriga a gente fazia aterro adubo autogestão compostagem anos depois entre a rua e o céu pisou e sentiu seu primeiro frio anos depois é que foi saber o que era : indigestão.
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pasta verde verde é uma boa cor para arquivar uma hora que foge duas horas que fogem quarenta horas que fugiram então você coloca o nome de Álgebra I como se como se ninguém fosse desconfiar se atrever a espiar bonito isso típico de você: sagaz apostando nos traumas envolvendo as ciências exatas nascidos de parto normal no ensino fundamental todas aquelas tardes órfãs de manhãs ideias que fugiram no desconto da passagem a perda de concentração ao congelar o exato momento em que um pássaro não aterriza mas cai e você se pergunta o que realmente difere os dois você lembra antes disso você estava pensando em se mudar para a Colômbia encontrar seus futuros amigos no trem reservado mas ao invés disso uma aterrizagem cogelada e agora descobrimos a tua pasta verde ao lado da tua estante de livros a tua pasta verde está vazia nos perguntamos o que aconteceu quando foram que voltaram as tuas horas perdidas se por acaso chegaram todas juntas te encontraram tuas horas perdidas se todas acharam a tua campainha se foi por causa de um som que você 7
desapareceu
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considere todas opções corretas (ou me chame para um duelo) a) antes de entrar na faculdade você achava que seus pés cresciam até os 30 anos; b) sua avó te ensinou a ler errado porque a caixinha de remédios ficava perto da cama; c) no dia da sua prova final você passou a mão embaixo do seio esquerdo e lembrou que era uma menina por isso errou a última questão; d) aos dezenove anos de idade seu melhor amigo era depois das três da manhã; seus dezenove anos tiveram 48 meses; e) se você gostasse de animais faria veterinária; se você fosse veterinária gostaria de gente; f) saber que o tempo é uma questão de sapatos esportivos confortáveis não foi uma decepção para você; g) gastar oito semanas de inverno tentando calcular a probabilidade de fazer sol não foi uma boa; h) durante uma noite em um bar quando todos foram ao banheiro você admite ter pensado que: talvez se eu fosse melhor em dizer não eu; 11
i) você nunca foi na astróloga escondida e você não quer saber como eu não sei disso; j) sua última noite de sexo foi ontem e você sabe disso porque agora porque parte de você sua na parede; k) o vácuo está supervalorizado e é por isso que você fala muito; z) você sabe que tem algo errado! (sim) e talvez por isso a sua prova de mecânica quântica seja um tanto confessional demais.
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via santa brigida, 50 Fabbian, escute: é muito fácil gravar silêncio. basta ouvir 2009 uma vez, depois nunca dar o play. quero ver abrir as pernas da curva fechada. quero ver confundir dente de tigre com anelar. escolher às vezes é não saber apostar.
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naquele dia nossos pés ganharam seis ruas novas se existe um complô do tempo é à favor do cheiro do açúcar ali eram móveis nossos ombros ali eram dobráveis nossas naves se existe a memória da lupa é a dos cotovelos esticados ali era íntima a distância ali era fácil a tontura das lanças se existe a noção de superpopulação é com base nos pés desencapados porque já voltamos o quanto antes e morando aonde saímos marcamos de perder mais um encontro.
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retrato falado do susto uma vez você era seis anos. gramado amarelo. a casa dos avós que tu não chegaste a conhecer. “hoje só é futuro porque não estamos mais vivos”. fio de ovos na sobremesa. o teu rosto foragido. os cabelos do teu pai caindo nos corredores de vento. “por ter um machucado deixei de ser velho”. é cedo e há um pássaro preso em teu quarto. você preso num quarto com um pássaro. um pássaro. você toma um susto. você engole um susto dos bons, pânico. com o choque seu pequeno corpo trava. dentro dele um acidente. um barulho. talvez uma cartilagem solta, vai saber. ou apenas o som do susto se acomodando dentro de ti, na autura da pélvis, antes de chegar nas pernas. “com o tempo isso passará fácil voltem nas semanas que virão” nos disseram os médicos. e passou. sumiu. isso que tu estás vendo é o retrato do teu primeiro susto. o que restou dele foi um pequeno ruído. e é por isso meu filho essa tua sensação de, às vezes, ter deixado escapar uma palavra antes de uma frase. de ter falado algo que já esqueceu.
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+ ou - 50 ml de água eu nunca escrevi uma mensagem para uma planta talvez porque na minha era mesozoica eterna todas eram decoração de plástico até as que não eram eu preciso escrever sobre isso agora você se mudou para uma viagem me deixou esse vaso simplesmente porque era impossível deixar os braços os braços são muito úteis nas viagens eu preciso escrever sobre isso agora pois como saber se uma planta está viva ou não está eu perdi seu bilhete de recomendações quando li “proibir a chuva” pensei se tratar de um item universal 18 me assustei ultimamente ela anda mais interessante cores
será que é por estar morta que ela é interessante eu chego do trabalho abro uma cerveja conversamos sobre a próxima lua nova temos muito em comum por exemplo nunca chegamos a tempo em um eclipse mas não sei se ela me escuta será que ela nos ouve justamente por estar morta eu tenho tantas perguntas para ti agora como por exemplo as coisas quando morrem ganham autonomia? deve se cuidar de uma planta de alguém mesmo morta? será quando algo se vai só com a gente essa é a forma dela nos pertencer.
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mixagem de dois cds encontrados na rua mais xingamentos que mulheres relataram terem ouvido de policiais na rua, denunciados nas mídias sociais e sites de notícias, durante as manifestações de 2013/2014. as músicas encontradas nos cds e mixadas são: Mulher Doidera (Grupo Candieiro) e Mulher Brasileira (Ivete Sangalo). escute aqui: https://soundcloud.com/nathalia-rech/mulher-brasileira-remix
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giz piratininga foram felizes em piratiniga porque era uma caixa e não uma cidade até o dia que alguém a abriu raspou a cabeça de um contra o quadro só para escrever o dia que estava o calendário o mês o que ficou observou tudo petrificado em susto enquanto o corpo do outro por uma data aos poucos se desfez
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976 7000 procuro andrea m. caetano que gosta de escutar metal sua vida tava ali no centro levei um pouco para casa porque jogou no lixo simone de beauvoir andrea? e ainda por cima o romance? por que não abriu a carta de deborah, a amiga de escola que em 2003 achava amava achava estava apaixonada por adriano? qual sua opinião sobre o mini-conto erótico mortal do shakespeare mineiro “entre gemidos e sussurros eu a possuo”? ainda fala com eli wilson? 23
então está é a casa onde parte de você moraria enquanto a outra iria se dedicar na arte de ser você verdadeiramente entre passagens para o Quatar e crônicas fotográficas “como giram os girassóis nas privadas” o tom sexual dos cardápios e seus sussurros deslavados “amanhã já teremos uma história” esse é o lugar onde recolhida ante as trincheiras de carbono e bombril (os aniversários) antes o universo ficcional dos pombos e cartas sem destino recolhe-te os pântanos, andrea, enxerga-te grande nos pedaços, 24
enquanto a banda toca lá fora - espere- é uma quadrilha enquanto uma quadrilha toca lá fora - espere é um coral enquanto as vozes se tocam lá fora e você se procura qual delas que deve entrar qual delas é a sua e isso não tem nada a ver com o espaço impreenchível debaixo das camas
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a vida seria mais fácil se tivéssemos uma casa na montanha termos um motivo para subir a serra um lugar para dormir dentro das molduras dos retratos do verão de 66 um lugar que nos escutasse apenas uma vez porque a próxima seria um desmoronamento você imaginou praticamente tudo certo a janela no sotão e o telhado em “v” só esqueceu-se de um detalhe é necessário uma outra casa para segurar uma casa como a primeira nunca se fez finalizada a segunda se inicia apelas pelo fim 26
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Elenice sentou na mesa e desmarcou o jantar As golas altas não voltaram e nunca voltar vão Elenice me olha com a memória da cicatriz do Oriente Abrindo o pulmão esquerdo, o outro, descarga parei de beber, desfaço as mãos antes dos bolsos já não sou a mesma Mariana casou e só os deuses sabem o que quantos cigarros uma praça, falo de Montevidéo, pode me oferecer para que espere sentada Os anos 2000 criaram as rugas por isso não me julgue por isso e daí se gosto de folha pautada, reescrita, encharcada pura agulha gema espantalho quero dizer gosto de mais tarde posso discar 890 283 qualquer momento inclusive mais tarde se cada um realmente contasse Elenice sempre está separada fazem 10 anos conta os ladrilhos das ruas em círculos de onde vem os fios telefônicos nos comprimentarías ao fundo da tela profundidade de campo sempre terá alguém para confundir as golas altas como prova de estação como quem diz: na autoescola, não passei de novo mas amanhã chove
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a) não se pode ou se pode confiar por exemplo uma canção e ainda: de ninar pode ou não suponhamos um bairro coreano suponhamos coreanos neste bairro suponhamos o país deste bairro latinho americano de um estado brasileiro cinco horas da tarde um bebê não chora uma mãe entona uma canção de ninar em coreano para seu filho filho de coreanos o bebê sonha ou não sonha o bebê dorme ou não dorme pode se confiar em uma canção de ninar 1. que veio de navio? 2. que veio de navio fazem 60 os anos? 3. que talvez nem funcionem mais do lugar de onde veio? 30
a mulher canta o bebê não chora a canção sai o bebê não dorme e a coreia fica a 60 anos e 24 fusos horários para direita e o táxi custa caro no sonho também o mundo é assim a coreia do eu me lembro parece ser tão mais eficaz b) meus antepassados nunca cantaram uma música de ninar nunca ouvi minha bisavó falar muito menos pensar em dormir pensar em dormir devia dar saudade e minha avó não ninava meu pai que não ninava ninguém apenas contava histórias que inventava da cabeça do lado brasileiro da cabeça e sinto sono sinto sono no bairro os coreanos acordam cedo eu acordo tarde no bairro bom retiro os restaurantes orientais fecham as 21h eu como quando der na telha talvez não poder confiar faz bem a saúde não lembrar dá trabalho
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bucuresti eu tentei colocar meu rosto dentro deste envelope a definição de mim que você possui é a de não ser levado facilmente por isso decidi falar do rio Dâmboviţa que não congelou como devia como as castanhas estão caras e nosso povo sofre com a fome. se vivêssemos uma democracia eu escreveria todas as palavras unidas uma a uma mas os espaços são Nicolau Ceaușescu é a sua ordem a destruir a língua romena a destruir nosso beijo no futuro 32
minha querida Herta você teve de fugir para a Alemanha para realmente acreditar que nosso país possui um lugar na cartografia, é possível dobrá-lo, levá-lo, depois do terror, nossa família golpeada, antes de dormir você deve trocar seu pescoço por uma avalanche eu não a culpo precisamos manter o corpo sóbrio afinal é nele que guardamos o primeiro croqui para o moinho de nossa suave revanche.
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um matcha gelado, um alongar de pernas depois em algum lugar do mundo sua cabeça dói um menos a mais livre das patas caninas, mototáxis, brigas da máfia japonesa, longe das bicicletas de entregas das havaianas dos intercambistas o dia que perdeste um pouco mais uma perda in-box, cujo o quinto lado da margem da foto é o meio-fio do bairro liberdade, mata ciliar do dia que não acaba em algum lugar do mundo, em 1997 ou talvez agora na casa de chá, livra-te um tanto a dor da cabeça depois de juntá-la da rua o seu penteado falling angels a sua preocupação de pegar o passaporte ou o primeiro emprego que não caiba dentro idioma completo você se sente melhor e mais jovem rega duas vezes as plantas no mesmo dia beija o rosto de sua mãe segura um relógio, um moinho encara uma construção com olhos de raio-x entende a distribuição de pesos nos pilares, entende a não dificuldade no japão é normal que os edifícios dancem com os terremotos para não irem ao chão você convida uma baleia para suspirar ao mesmo tempo, mesmo ela no arquipélago do pacífico frente aos caçadores, mesmo ela, você a convence 35
você sussurra o medo dos seus ancestrais a ela, com o medo ela desvia do harpão, deste lado do mundo você comemora enquanto guardo sua foto no bolso, junto com as moedas, dou um nome qualquer como anika, desejo e exijo que continue viva, continue forte pelo bem de nós três.
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se eu nunca mais o ver, ele disse guarda-me o que falta no bolso, ele disse eis o que pode ser um bolso: uma mão fechada, a memória do punho a desgovernar a palavra compreendida você não precisa lembrar-me inteiramente, ele disse esta é a primeira receita da fome, ele disse mas é bom ter por onde começar, ele disse eis a parte mais fiel de nós: a que armazeno os lugares onde você não se convidou o que falta ou o que sobra dá na mesma, ele disse estas montanhas da foto podem ou não ser, o fuji, as dunas de canoa quebrada, não importa ele disse elas podem caber em qualquer outro lugar, ele disse assim eu vivo mais, ele disse eis o vivo: naquele dias não era sobre o frio ou calor mas uma terceira nomenclatura: na sobreposição a cachoeira é feita puro vapor se eu nunca mais o ver ela o verá, ele disse 37
cena 1 era a primeira vez a ser a que você nunca mais vinha tirando o fato que você veio e só depois em um contrato decidimos omitir isto em uma versão: pegamos o trem até o rio yalu nossas mãos por instinto próprio agarram-se uma na outra diante do roçar das duas coreias na fronteira soubemos estar completamente ligadas 38
do outro lado estaríamos mortas ou casadas com maridos ingratos mas porque fizemos nossas mãos livres ou nossas mãos nos deram este instinto aqui a proximidade é o início de um novo lugar onde embaralham-se os alvos dos guardas. os dedos só se desgrudaram no hotel. usamos agua quente (bastante), hibisco, e as canções de nossas avós. em outra versão: você não chegou a tempo você não quis chegar a tempo o trem partiu eu não arrisquei a sair do vagão, os guardas da fronteira tinham binóculos e eu, não tinha mais nada. você foi dançar em uma boate americana. o casal ali atrás brigou a noite inteira e você tutibiou sobre o amor. depois beberam juntos no idioma inglês você se pôs a dar conselhos a eles esta foi a língua que você usou para não ter coragem. 39
cena 2 um dos namorados que tive às vezes não conseguia me reconhecer especialmente quando estávamos em grupo tomando licor de cereja, cerveja de arroz especialmente quanto estávamos sozinhos com os braços envolvidos criando uma nova espécie, uma nova coreografia do sono então eu o mostrava uma foto nossa lhe dizia: sou sua namorada segurando suas orelhas na esperança das lembranças retornarem por elas então eu lhe dizia: sou sua namorada ele nunca acreditava em mim mas como era muito tímido ficava feliz ou fingia estar feliz 40
depois de minutos, dias ou horas recordava tudo a começar pela boca sempre tive medo dele desaparecer foram quatro vezes que fugiu de mim me acusou de perseguição ou de loucura por isso eu carregava nossas fotos na bolsa eu lhe dizia: sou sua namorada se meu namorado era capaz de ver o futuro se meu namorado tinha sérios problemas se estes problemas eram comigo ou não nunca me questionei pois não cabe a mim decifrar os segredos das pessoas para elas eu sei é que um dia cheguei em casa eu sei é que encontrei as fotos rasgadas eu sei é que demorei a lembrar de que eu as rasguei um dos namorados que tive essa não é a história relevante mas sim como comecei a perder o medo de tudo a começar por mim.
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clara vê o futuro em cartolina daqui há 40 anos nada será reconhecível o futuro o local onde dormimos o local onde trapaçeamos ao sonhar com ex-vivos daqui há 40 anos eu serei adulta não terei filhos uma casa um namorado ou namorada nossa cidade autoconsciente cercando a todos com sua mão pesada onde toda fuga será o aquilo que não foi daqui há 40 anos as luzes se acenderão sozinhas e as ruas com sorte e falha falarão conosco contarão piadas não pensarei no amor de minha família: verde 43
no primeiro dia de aula da primeira série: azul no amor que detectei pelo arrepio nos braços: ou o que aprendi com a cor vermelha sim as cores da avenida São João as cores que pressenti as cores que escrevi naquele desenho cara professora está tudo bem chorar eu vi o futuro ele não é bonito mas na minha cabeça as luzes, as minhas luzes aqui estão
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a fita quando o braço digo a folha de uma bananeira quebra-se sem nenhum motivo os pregos também eles vivem sem nenhum motivo * o ninho dos bem-te-vis procura a bainha do tempo em seus bicos de cera o ninho dos bem-te-vis foi feito com a fita videocassete do casamento de 20 anos atrás * a caixa de pandora não era uma caixa mas uma história sem fim uma história sem fim é sempre a mesma história uma forma não garante a ontologia * 46
ouvir o som de um passo esquecer o som de um passo depois de anos ouvindo nada reduzir o som de um passo a um desenho ou semelhança com uma pegada isto só garante a não garantia entre o que é passado ou presente * medir o alcance do grito alucinar que a cachoeira do garapíá parou por 1 segundo armazenar o comprimento e a lembrança em um diário a organização dos sentidos a fisicalização das expressões nao fazem um susto serem transmissível ou uma memória * uma forma é um primeiro olhar sobre as coisas a partir do segundo um olhar é um exercício tátil onde nada se define, uma coisa fica uma forma é uma lembrança? toda forma é uma lembrança antiga? * 47
os guaranis marcavam o tempo com estacas enfiadas na terra no início antes de tudo o tempo foi uma flechada objeto exterior internalizado o tempo já fora enxergado * toda forma contém um pouco do passado? tudo que é coisa tem uma forma? toda forma é uma lembrança uma forma não define nada * uma caixa preta, uma fita ocupando uma poça d'água no meio da mata atlântica o casamento de sang-woog ou um pedaço de não mata ocupando uma poça d'água a matéria só reconhece a matéria * o resto: não se define o resto: o amor. 48
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cena 3 o sonho do bambu nunca foi virar uma ponte o sonho de uma ponte nunca foi não cair mas o seu sonho consistia sim em a) cair devagar b) cair de queda em queda c) cair mais rápido que a luz ou o sonho d): cair três vezes seguidas de preferência com alguém para pagar pela viagem falhar junto é ao mesmo tempo conquistar junto então falhar menos não foi o bastante a ponte conversa todo dia com seus pedaços de bambu com seus pedaços de ferro um é leve e sabe balançar outro não se curva por nada assim flutuam sob o oceano 50
você não queria conversa você só queria não estar herdei seus três sonhos o uso sem medo como se fossem bijuteria barata nos aeroportos nenhum alarme dispara
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cena 4 passados dez anos agora encontrei nossos amigos depois da morte de Myuki entrevistei um a um para um filme Sun diz estar gordo mas não está fuma só cigarros achados no chão Sang é avó e possui dois namorados Donn-Pae cria porcos em Singapura e só vem a cidade no verão a filha de Layee largou a medicina para ser youtuber só come hamburguer e kitkat Kaei tem uma loja de chá usa de fachada para vender maconha pois agora todos só bebem café Paik ainda faz sexo só com as luzes apagagas mas agora também com homens 53
Hang milita contra a pesca do atum e come muita semente de papola todos me perguntaram sobre o que era o documentário todos disseram ter chorado depois da morte de Myuki era impossível salvá-la eram um exército se embaralhando na hora de não saber quem defendiam por quem realmente choravam ainda assim de pé rumo ao conflito
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você disse não era eu naquele auto-retrato tentei outras coisas guardei uma embalagem de água mesmo sabendo ser anti-higiênico para ver se com o tempo ficávamos parecidos entre-abas tentei comprar uma planta conversar com ela para saber se falava algo em troca algo eu falaria a planta morreu o plástico continuou é claro os plásticos foram criados por nós velam a nós em uma piada digna de tanâtos a foto da planta ficou o papel fotográfico da planta contém plástico ficará então por um bom tempo mas só para dizer nessa tentativa minha o auto-retrato é a piada mesmo
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o enforcado colocaram o norte em um boi com venda. agora todo sinal ladra. a cidade conquista cada caco descoberto. as enchentes guardadas por anos embaixo da terra golpeiam a estrada na ameaça de um naufrágio interior. - os meia passaram por aqui, calou-se ambos. - o tirou rodou e seu fôlego tirou a poeira de quem tinha o corpo a esconder. - o bando olhou bem nos sinos postos na cara do bandante bravejou: - diga-me onde não posso. a enchente veio de baixo, como um raio-rio, derrubando os dois, tudo que não era inundação. as casas foram construídas em cima das águas no reflexo a única regra dizem ribeirinhos era depois do visto, levar a casa, dar comida, cama, e fala.
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fotos e textos 2014 a 2017 montagem 2020
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