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O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 12 DE ABRIL DE 2015
Reportagem Especial ✽
● Preço
Utilitário-esportivo Renegade fabricado em Goiana custa a partir de R$ 70 mil e começou a ser vendido na sexta-feira
Novo polo automotivo no Nordeste
O CANAVIAL VIROU FÁBRICA DE AUTOMÓVEIS Unidade da Jeep, do grupo Fiat Chrysler, muda cenário industrial no Nordeste
Cleide Silva / TEXTOS Alex Silva / FOTOS ENVIADOS ESPECIAIS / GOIANA (PE)
FiatChryslerAutomobiles (FCA) teve de aguardar três meses para iniciar a terraplenagem da área onde construiu a fábrica da marca Jeep em Goiana (PE) até que toda a cana fosse colhida. Terminada a safra, as máquinas entraram em operação e, pouco mais de dois anos depois, no lugar do canavial está a mais moderna fábrica do grupo ítalo-americano no mundo. A espera para o início das obras em relação ao calendário oficial foi acertadaentreaempresaeos produtores de cana, que fizeram uma permuta com o Estado e entregaram a área de 1,1 mil hectares para ser doada à FCA. A fábrica da Jeep, que será oficialmente inaugurada no dia 28, muda o cenário dessa região pobre daZona daMata pernambucana,antes identificada com a atividade usineira, a pesca e o trabalho precário.
A
● Mão
de obra
4,5 mil
é o número de funcionários que está trabalhando no complexo da Jeep, incluindo o pessoal das 16 fabricantes de autopeças instaladas no mesmo terreno
9 mil
é o total de funcionários que as empresas esperam ter quando a fábrica estiver operando com capacidade plena
A primeira montadora de veículos a ir para uma das regiões mais carentes do Nordeste está investindo R$ 7 bilhões, o maior projeto do setor automotivoemandamento no País.O valor incluiaportesde16fabricantesdeautopeças instaladas no terreno. OPoloAutomotivoJeep,comoéchamado, gerou até agora 4,5 mil empregos diretos. Esse número total deve chegar a 9 mil ou 10 mil quando a fábrica atingir sua capacidade máxima de 250 mil veículos ao ano, em período ainda não definido. Filhoenetodepescadoresecortadores de cana, Wellington Gomes Correia, de 39 anos, diz que ganhou o maior presente da sua vida no dia 22 de dezembro, quando foi selecionado para trabalhar no setor de pintura da Jeep. Dos 12 aos 28 anos, ele sobreviveudapesca edo cortede cana,atividades que rendiam no máximo um salário mínimo da época ao mês. Nos últimos anos, trabalhou como segurança e cobrador de ônibus e ganhava R$ 800 mensais. Na Jeep, recebe um pouco mais, e com direito a benefícios,comoplano desaúde, quenão tinha nos demais empregos. “Eu não tinha expectativa de melhorar de vida, hoje tenho. Quero crescer com a empresa”, diz Correia, que mora ao lado deumcanavialnodistritodeTejucopapo com a mulher e dois filhos. O mais velho, de 19 anos, também enviou currículo para a Jeep e aguarda resposta. Para cada vaga aberta, a empresa recebeu 55 inscrições. “Tivemos de reduzir a exigência de escolaridade eaceitartrabalhadoressemensinofundamental completo”, informa Adauto Duarte,diretorde Recursos Humanos. Correia frequentou a escola até os 14 anos e só retomou os estudos depois de adulto. “Consegui concluir o ensino fundamental aos 32 anos”, diz. Sua
mulher, Berenize, conta que ele “achavaque nãotinhacapacidadeparatrabalhar numa fábrica grande, mas eu o incentivei a mandar o currículo”. Agora, elejuntadinheiroparacomprarum novo aparelho de TV e, no futuro, quem sabe um carro, o primeiro da família. Preço. O Renegade, utilitário-esportivo produzido em Goiana está distante do sonho de Correia. O modelo come-
çou a ser vendido na sexta-feira a preços que vão de R$ 70 mil a R$ 117 mil. Chega ao mercado num momento em que a indústria automobilística prevê queda de 13% nas vendas de veículos este ano, para cerca de 3 milhões de unidades.AFCA, contudo, estáotimista em relação ao Renegade e projeta vendasdemais de50 mil unidadesneste ano, o que pode fazer do modelo o líder do seu segmento.
Oportunidade
Promoção
DAS OBRAS PARA A INDÚSTRIA
AOS25 ANOS, JULIANAÉ CHEFEDE84
D
C
os 4,5 mil funcionários contratados atualmente pelo Polo Automotivo Jeep, 1,8 milsãotrabalhadoresda Fiat.Os demais são dos 16 fornecedores que estão instalados no mesmo terreno. Alguns dos selecionados pela montadora são operários que trabalharam na obra que, ao todo, chegou a ter 10 mil pessoas em seu pico. José Marcos Vicente Ferreira Junior, de 22 anos, fez parte da equipe que atuou na terraplenagem do terreno, em 2012. “Foi meu primeiro emprego com carteira fichada”, diz. Desde os 11 anos ele ajudava o pai, que era gari, fazendo bicos em padarias, mercadinhos e como frentista. Depois da obra, tentou vários empregos, como motoboy e vendedor de uma loja de roupas, mas nenhum deu certo. “Achava que eu não tinha capacidadeparatrabalharnumaempresa desse porte”, conta Ferreira, que tem o segundo grau completo. Agora, com emprego fixo na área de prensa, ele está construindo uma casa de dois cômodos para morar
Detalhista. Nilma é a única mulher na linha de montagem de motores com a mulher em Goiana. Após um ano desempregada, Nilma de Souza Calixto, de 35 anos, conseguiu uma vaga, há dois meses, no setor de motores. “Sou a única mulher, num grupo de 17 pessoas, que trabalha nessa área”, informa. “Meu líder fez questão de uma mulher por considerar que somos mais detalhistas.” Nilma mora em Olinda com o marido, que é pedreiro, e dois filhos de 14 e 17 anos. “Eles voltaram a ter plano de saúde”, comemora a operária ao falar dos benefícios de estar “em uma das maiores empresas do mundo, que produz veículos de última geração”.
A Fiat Chrysler é uma das raras montadoras a contratar pessoal atualmente. Só em março o setor demitiu 1.466 trabalhadores.No ano, foram 3.650 vagas fechadas diante da queda de 16,2% na produção de veículos no primeiro trimestre ante igual período de 2014. Além da Fiat Chrysler, devem ser inauguradas neste ano a fábrica da Honda em Itirapina (SP) e a unidade de produção da Audi em São José dos Pinhais(PR),nocomplexodaVolkswagen. Para 2016, estão previstas as fábricas da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP), da Land Rover em Itatiaia (RJ) e da JAC Motors em Camaçari (BA).
om 80% da mão de obra contratada na região do entorno da fábrica, formada por oito municípios, a Fiat Chrysler, em parceria com escolas técnicas como o Senai, intensificou investimentos em qualificação. Uma mini linha de montagemfunciona dentroda fábrica e todos os funcionários passam por extenso treinamento antes de ir para o posto oficial de trabalho. Noiníciodoprojeto,aempresaenviou mais de 200 funcionários para treinamento nas fábricas do grupo na Itália, Sérvia e Estados Unidos. Uma delas é Juliana Arruda de Miranda Coelho, de 25 anos, formada em engenharia química em 2011 e contratada para o setor de pintura, seu primeiro emprego. Ela passou três meses na Europa. Com pouco mais de um ano de contrato, Juliana foi promovida h á
Os salários na nova fábrica estão na faixa de R$ 920 a R$ 1,6 mil, segundo fontes ouvidas pelo Estado. A empresanãoquis divulgaressesdados.Épouco em relação à média paga por montadoras em outros Estados, mas atraente paraumaregiãoonde54%dostrabalhadores ganhavam até um salário mínimoem 2010,segundoosúltimosdados disponíveis pela Ceplan, consultoria econômica e planejamento, de Recife.
duas semanas a gerente de turno. Vai chefiar um grupo de 84 pessoas, entre as quais 15 engenheiros. “É uma oportunidade enorme. Eu não conhecia nada de carros e nunca imagineiquepoderíamosterumafábrica desse tipo aqui”, afirma Juliana, que sediz “orgulhosadever oscompanheiros nordestinos se destacando na empresa”. Moradora de Olinda, Juliana agora concilia o trabalho com os estudos para seu mestrado e já pensa no doutorado. A planta tem apenas 60 a 70 funcionários estrangeiros fixos e um grupo de 200 pessoas de diversos países que presta serviços esporádicos. Para toda a fábrica, a FCA escolheu um modelo de gestão em que cada grupo de seis funcionários tem um líder “com possibilidade de controle direto sobre a produção”, informa Denny Monti,responsávelpelaáreadeinstalação e tecnologia. Segundo ele, isso permite um retorno mais rápido do que ocorre no processo produtivo. Embora a festa de inauguração ocorra neste mês, em razão das agendas da presidenteDilma Rousseff edopresidente mundial da FCA, Sergio Marchionne, a fábrica já está em operação desde fevereiro.