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Pátria de chuteiras também na eleição?
COPA E POLÍTICA Especialistas divergem quanto ao uso que os pré-candidatos podem fazer do torneio e, sobretudo, do resultado que terá a Seleção Canarinha Marcos Oliveira
msantana@jc.com.br
Q
uando a bola começar a rolar pela primeira partida da Copa do Mundo de 2014, no dia 12 de junho, entre Brasil e Croácia, ao mesmo tempo será dado início a uma nova fase do processo eleitoral. Será o resultado dentro de campo propulsor ou desestruturador da candidatura da presidente Dilma Rousseff (PT) e dos candidatos da oposição? Especialistas ouvidos pelo Jornal do Commercio divergem quanto ao real impacto que o hexacampeonato poderia exercer sobre a consciência eleitoral do torcedor brasileiro. Enquanto uns enxergam a não correlação direta entre os dois certames, outros defendem que não serão apenas as manifestações por melhor saúde e educação e do movimento #naovaitercopa que irão influenciar o pleito presidencial. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro do Conselho Consultivo, do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), do Museu do Futebol, localizado na capi-
O poder de influência da Copa do Mundo nas eleições de outubro não gera consenso tal paulista, José Paulo Florenzano, acredita que futebol e política estão fortemente atrelados, e o sucesso ou o fracasso de um terá impacto no outro. “O futebol ocupa um lugar central na cultura brasileira, sendo capaz de ser um catalizador para a mobilização da sociedade”, afirma. Para ele, que também é autor de trabalhos focados na relação entre política e esporte, como o livro A Democracia Corinthiana, um fracasso da seleção brasileira contribuirá para o acirramento de questões que coloquem em cheque o governo petista, podendo ser explorado pelos dois principais desafiantes: Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB).
“Não acredito que, em caso de vitória, a população vai deixar de protestar contra os governantes. Mas, se perder, as insatisfações vão aflorar ainda mais, o que poderá contribuir para o resultado de pleito”, pondera.
CRÍTICA TARDIA
Na mesma linha de raciocínio segue o presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político (Politicom) e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, Roberto Gondo. Ele acredita que em caso de conquista verde e amarela, isso vai acalentar o ânimo da população menos instruída. “Se o resultado não for favorável, o problema não será só falta do troféu, mas todos os gastos feitos para a realização do evento. ‘Gastou tanto e nem o título conseguiu?’, vai se perguntar o eleitor” destaca. Para ele, falta “maturidade” nessas insatisfações da sociedade. “As críticas contra o governo deviam ter sido feitas quando o país foi escolhido como sede da competição, em 2007, agora os gastos já foram feitos”, argumenta.
Já o cientista político e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Thales Castro não encontra uma relação direta entre o resultado no mundial de 2014 e a disputa eleitoral. Para defender esta tese, ele faz um retrospecto na história recente brasileira. “Em 2002, por exemplo, o presidente era Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o Brasil foi pentacampeão e ele não conseguiu fazer o sucessor, o também tucano José Serra. Se a copa fosse em agosto ou setembro, nós poderíamos até ter algum tipo de sentimentalismo, mas a competição terminando em julho, isso não deve acontecer”, afirma. Segundo o especialista, as insatisfações que poderão mudar o resultado da eleição serão pautadas por “cansaço social”, que acomete população brasileira. “O que vai interferir mesmo são os numerosos casos de corrupção, os escândalos que envolvem instituições públicas, como o da refinaria de Passadena, além da precária estrutura de hospitais e escolas, por exemplo”, concluiThales Castro. k Continua na página 11
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cláudio humberto Cláudio Humberto, Teresa
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“Pra frente, Brasil” e outros ufanismos
COPA E POLÍTICA Desde a Copa da França, em 1938, que os governos já tentavam faturar em cima do campeonato mundial de futebol. A ditadura militar usou e abusou
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futebol se transformou em um importante expoente sociocultural do século XXI, sobretudo no Brasil, sendo um catalizador de diversos elementos inerentes ao torcedor, como: alegria, raiva, ansiedade, frustração, empolgação e, principalmente, paixão. Mas esse instrumento, capaz de despertar tantas emoções, vem servindo com o passar do tempo, como um eficiente instrumento político de propagação ideológica, e como forma de estreitar o caminho em direção ao eleitor. Este tipo de artifício mostrou-se útil em diversos momentos da historiografia brasileira, que conta com a particularidade de ter a Copa do Mundo sendo realizada, na grande maioria das vezes, no mesmo ano de uma campanha eleitoral para presidente. O Mundial de 1938 pode ser visto como o primeiro a ser utilizado como arregimentador de grande apoio popular em torno da seleção brasileira. O governo Getúlio Vargas, que vivia sua fase mais nacionalista, após o golpe do Estado Novo, em 1937, fez uso da máquina pública para atrelar a imagem do escrete brasileiro ao populismo do ditador. Foram feitos altos investimentos para que o torneio, que viria a ser vencido pela Itália, fosse transmitido ao vivo pelo rádio, com direito a inserções oficiais do governo durante as partidas. O Brasil terminou com um honroso terceiro lugar.
De 38 ao tri de 70, uso político. E já nos jornais de 50, críticas à mobilidade no Maracanã A competição seguinte foi sediada pelo País, em 1950 houve aí uma interrupção de 12 anos por conta da Segunda Guerra Mundial -, e o uso do futebol como instrumento político foi ainda mais explorado nas rádios, no jornal imprenso e até mesmo nos vestiários antes dos jogos. Todos os candidatos queriam vincular sua imagem a do time ver-
Muitas críticas à estrutura. Em 1950 Obras inacabadas, falta de mobilidade em torno dos estádios, escolhas políticas afetando a organização, empresários do ramo hoteleiro reclamando que muitos leitos ficariam vagos. Este cenário poderia remeter aos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, mas não. Na cobertura feita pelo JC do Mundial de 1950, também sediado pelo Brasil, é possível encontrar grande parte dos mesmo entraves diagnosticados para a competição deste ano. “O problema mais sério do estádio Municipal (Maracanã) continua sendo o acesso e descongestionamento nas imediações da grande praça de desportos”, relatou a matéria do dia 20 de junho. As semelhanças começaram desde o momento da escolha do país sede. Naquele, momento, assim como agora, o Brasil foi candidato único, devido ao cenário de instabilidade pósSegunda Guerra, por qual passavam as principais nações. A Fifa escolheu o anfitrião em 1946 e previa que o evento ocorresse três anos depois, mas devido a desorganização do Brasil, a entidade optou por adiar o início para 1950. Porém, nem o prazo maior fez o país cumprir o cronograma exigido pelas autoridades do futebol. O envolvimento po-
lítico era latente e governadores pressionavam o governo federal e organizavam jogos, para tentar influenciar na decisão. Das cidades cedes: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo Porto Alegre e Recife, estas duas últimas incluídas às pressas dois meses antes da abertura. Apenas o Maracanã foi entregue com todas as instalações concluídas, e, ainda assim, com sérios problemas de acessibilidade e entulhos da obra. Outro setor que passou por problemas, como que num prenúncio do que viveria 60 anos depois, foi o hoteleiro. As vésperas do Mundial, empresários criticavam a baixa procura por leitos e o prejuízo pelos altos investimentos feitos nos estabelecimentos. Após ter sido anunciado como palco de três jogos, do estádio ter saído das mãos do Náutico, por problemas de estrutura; e ter ido para a Ilha do Retiro,sendo confirmado apenas 20 dias antes do inicio das partidas; Pernambuco teve que se contentar com apenas um jogo: Chile e Estados Unidos. Disputa que entrou para os anais da história pela queda de energia no estádio, impossibilitando a transmissão pelo rádio (M.O.)
de e amarelo. “Quando chegou o dia da final contra o Uruguai, eu sentei na mesa, mas só comi folha de alface uma rodela de tomate, porque, a cada garfada, vinha um sujeito e dizia: ‘chegou fulano de tal, candidato a presidente da República’. Dizia meia dúzia de besteira”, relatou o goleiro titular da canarinha, Barbosa, no livro Dossiê 50, de Geneton Moraes Neto. No campo, o vencedor foi o Uruguai, que deixou o País atônito após vencer a seleção brasileira, no episódio que ficou conhecido como Maracanaço. Mesmo assim, nas urnas, o carisma varguista o levou de volta ao posto do qual havia sido deposto, em 1945.
TRI E DITADURA
“90 milhões em ação / Pra frente. Brasil / Salve a Seleção!”. Essa estrofe faz parte
do hino que marcou toda uma geração de torcedores e que embalou a campanha brasileira no Mundial de 1970, quando o país governado pelo regime militar conquistou o tricampeonato no México. Com o fim do espetáculo e a vitória do Brasil sobre a seleção da Itália por 4 x 1, a propaganda do governo intensificou ainda mais o discurso nacionalista, com slogans como“Brasil; ame-o ou deixei-o” ou “Ninguém segura este país”. “Percebemos que em todos estes momentos, o futebol foi usado claramente como instrumento para a união da população em um movimento nacionalista, centralizado na figura de uma ideologia ou discurso personalista”, definiu o doutor em Comunicação Política e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Roberto Gondo. (M.O.)