Jc 09082014 funda

Page 1

12 jornal do commercio

opinião JC

k

www.jconline.com.br

Recife I 9 de agosto de 2014 I sábado Diretor de Redação: Ivanildo Sampaio sampaio@jc.com.br Diretor Adjunto de Redação: Laurindo Ferreira laurindo@jc.com.br Editora-Executiva: Maria Luiza Borges marialuizaborges@jc.com.br

q editorial

Amparo realmente cristão “E

ra uma vez uma infância ameaçada. Então, pessoas amigas se uniram e afastaram todo o mal. Uma nova história de solidariedade e proteção à infância pode ser reescrita. A Fundação Terra e o padre Airton Freire fazem um apelo aos corações solidários: ajudem na construção da Casa Maria de Nazaré. Devido ao aumento do número de meninas em situação de risco encaminhadas à Fundação Terra nos últimos meses, tornou-se necessário criar um espaço de acolhimento para meninas de 03 a 11 anos de idade em Arcoverde.” Essa convocação está sendo espalha-

da pela internet e é legitimada por um trabalho extraordinário iniciado há 30 anos pelo padre Airton. Tudo começou quando ele testemunhou uma das mais trágicas cenas de miséria de nosso País, na Rua do Lixo, em Arcoverde, no Sertão. Ali milhares de pessoas sobreviviam do lixo, muitas delas crianças, sem presente e futuro. A persistência daquele quadro escandaloso de exclusão social era alimentada e realimentada pela seca cíclica, com a expulsão de trabalhadores do campo pela ausência absoluta de condições de sobrevivência. E essa sobrevivência dos que nada tinham passou para um lixão dos que ti-

O assessor de imprensa Luiz Maranhão Filho

N

unca é demais se afirmar que jornalismo é ciência e arte, feitas para profissionais. Por isso, não adianta improvisar. A pessoa pode escrever corretamente, ter boas ideias, mas nem sempre possui o faro da notícia. Não existe fórmula de se chegar ao público através dos veículos de comunicação. Há uma técnica que só é dominada por quem passou por uma escola ou viveu na fase áurea em que a redação diária era o melhor caminho para se chegar a um bom destino. Muitos de nós cumprimos essa gostosa “via crucis” na condição de “focas”, passando pelos trotes dos veteranos, cometendo as nossas “barrigas”, mas desvendando, a duras penas, os tortuosos caminhos para chegar, nem sempre, ao estrelato das editorias. Por isso o que vem causando estranheza a uma pessoa tarimbada por 66 anos de batente é a facilidade – ou mesmo desfaçatez – com que gestores públicos, principalmente prefeitos municipais, nomeiam “assessores de imprensa” entre amiguinhos do peito ou prepostos de partidos. O desastroso resultado é que as críticas não são assimiladas e as explicações não são convincentes ou chegam às redações com o destino

L

i com entusiasmo o prefácio à edição brasileira do texto do filósofo e psicanalista esloveno Slajov Zizek, hoje considerado um dos principais teóricos contemporâneos, que transita por áreas diversas sob a influência de Karl Marx e Jacques Lacan, efetivando uma inovadora crítica cultural e política da denominada pósmodernidade. O livro Primeiro como tragédia, depois como farsa, editado pela Boitempo, com prefácio do próprio autor, mereceria ser discutido por todos os presidenciáveis que desejassem sair das mesmices programáticas que ainda idiotizam uma boa parte do eleitorado brasileiro, hoje mais para pedinte que para empreendedor, mais para servo que para libertador das suas amarras colonialistas. No prefácio, uma tapa em luva de pelica é aplicada numa esquerda acadêmica metida a intelectual radical tipo clássico, assentada em posições preocupadas com suas carreiras e seus papers, nunca se percebendo identificado com o que disse George Orwell, em 1937, no seu O caminho para Wigan, que os caracterizou como dotados de uma essencial postura existencial: no “importante fato de que toda opinião revolucionária tira parte de sua força da convicção secreta de que nada pode ser mudado”. No livro, Zizek indaga se estamos preparados para enfrentar um novo futuro, primeiro com o ataque de 11 de setembro, depois com o colapso financeiro mundial de 2008, num mundo eivado de falhas morais, incompetências administrativas, individualismos, hedo-

apenas lixo. O novo desafio da Fundação Terra é a Casa Maria de Nazaré para acolher crianças em situação de risco. Não há nenhuma atividade de maior importância social em qualquer parte do Brasil, nem com mais repercussão na mudança de vida dos excluídos do interior nordestino. E não há, no caso, nenhum risco de se ver a generosidade pública transformada em benefício para alguns profissionais da filantropia, que terminam por usar as doações em proveito pessoal. O exemplo contrário do padre Airton vem de muito, da origem, quando ele viu a tragédia em 1984 e decidiu

morar ao lado dos pobres. Há, nesse exemplo da Fundação e seu criador, uma lição extraordinária do verdadeiro cristianismo, de vivência – mais que apenas leitura – do Evangelho, como diz o padre Airton. Se tomamos por fundamento a transformação na vida das crianças pobres de Arcoverde e vizinhanças, das escolas, casas de acolhimento, dos centros de formação profissional, do trabalho de reabilitação de pessoas a quem foi negada a atenção do poder público, o trabalho dessa instituição ganha ainda mais relevância por ser feito sem dízimos e sem impostos.

q Charge k ronaldo

A “Cartas dos Leitores” é uma portentosa conquista da democracia da cesta. A criação das “Cartas dos Leitores” pelos veículos impressos é uma portentosa conquista da democracia. O leitor se expressa com sinceridade, extravasa o seu descontentamento. Aí é onde entra o profissional, pois toda carta tem resposta. Se o leitor tem razão, é preciso concordar com ele e propor uma saída conciliatória. Se o posicionamento é injusto, torna-se necessário um argumento técnico como resposta. Então, falha o apaniguado; nem responde ou tenta agredir. A consequência lógica é que o improvisado não tem guarida no veículo. E com justa razão, senhores gestores! k Luiz Maranhão Filho é professor de Jornalismo aposentado da UFPE

Farsa e tragédia Fernando Antônio Gonçalves

nham muito, ou pouco, na cidade de Arcoverde, a 235 quilômetros do Recife. O choque sofrido pelo padre Airton e a determinação dele em mudar aquele quadro de miséria sobrevivendo do lixo transformaram-se em uma fundação que mudou radicalmente a vida de grande parte de sertanejos, principalmente de crianças e adolescentes, que passaram a ter alimentação, assistência médica, educação e formação profissional. O contraste nas mudanças é visto nos vários centros criados pela instituição, inclusive com um centro de reabilitação construído a partir da coleta de moedas em latinhas que antes eram

nismos, parvoíces as mais diferenciadas, desatentos para aspectos que constituem a privatização do “intelecto geral”, a tendência recente de organizar o ciberespaço para a chamada “computação em nuvem”. E ele mesmo provoca: “há uma década, o computador era uma grande caixa que ficava em cima da mesa, e a transferência de arquivos era feita por meio de discos flexíveis e pendrivers; hoje, não precisamos mais de computadores individuais potentes, porque a computação em nuvem ocorre na internet, isto é, os programas e as informações são fornecidas sob demanda aos computadores ou celulares inteligentes, na forma de ferramentas ou aplicativo localizados na internet que os usuários podem acessar e utilizar por meio de navegadores, como se fossem programas instalados no computador. Dessa maneira, podemos ter acesso às informações de qualquer parte do mundo onde estivermos, com qualquer computador, e os celulares inteligentes põem esse acesso literalmente m nosso bolso”. E vai além: “O Google Books torna disponíveis milhões de livros digitalizados, a qualquer momento, em qualquer lugar do mundo. E esse maravilhoso mundo é apenas um lado da história.” E Zizek explicita mais uma cutucada: “Os partidários da abertura gostam de criticar a China por tentar controlar o acesso à internet; mas não estamos cada dia mais parecidos com a China, com nossas funções na 'nuvem' mais e mais semelhantes de certo modo, com o Estado chinês?” k Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social

Sem Vilaça, Vilaça 100 Marcos Vinicios Vilaça

N

este 2014 o velho Vilaça completaria cem anos. Para mim, seu filho único, é a ativação de uma lembrança eternamente orgulhosa. Estou sem ele. Foi o melhor pai do mundo. É claro, Vilaça era o meu pai. Mas não é tão simplória esta admiração. Debaixo do mesmo teto vi o bom marido e gozei do pai generoso. Fora das nossas quatro paredes, o velho, o meu querido velho, da canção de Altemar Dutra, chegou a ser muita coisa no universo que escolheu, o Agreste de Pernambuco. Assim é que fundou colégios e ensinou 35 anos; dirigiu por 40 anos a mais antiga e maior cooperativa rural do Nordeste; foi correspondente pioneiro no interior, do Jornal do Commercio e do Diario; por mais de 50 anos escreveu crônica diária para a Rádio Difusora de Limoeiro; durante 26 anos; ocupou a presidência da Câmara de Vereadores em 5 legislaturas; foi prefeito; escreveu seis livros; desportista entusiasta do futebol e do voleibol. Tantas outras coisas mais, tantas mesmo, em seus mais de 70 anos em Limoeiro. Organizou seu modo de ser, parecendo seguir a lição de Lincoln no discurso de posse do segundo mandato: “Sem hostilidade para quem quer que seja e com solidariedade para todos”. Desconfio que certo silêncio se abata sobre a data, já que é comum ao brasileiro a desmemória. Além dela, a surdez. Então, vou falar dele. Por isso, desejo em algumas poucas

Filho falar de pai velho, de pai perdido ou achado nos cem anos do seu nascimento há de ser sempre suspeito. Depoimento isento não vale nada nesses casos, há de ser suspeito

crônicas dar o meu depoimento suspeito. Filho falar de pai velho, de pai perdido ou achado nos cem anos do seu nascimento, há de ser sempre suspeito. Depoimento isento não vale nada nesses casos, há de ser suspeito. Passo a vista no que sei dele e do que constatei nele e reconheço a lisura com que sempre agiu. Não era um burlão. Conciliador, sim, muito conciliador. Raramente radicalizava e quando acontecia saíssem da frente. Era incontrolável. Mas foram tão pouquinhas vezes que nem dá para um juízo perfeito. Aprendi com ele a fazer curvas. Será por isto que tanto aprecio curvas, em especial as curvas de Oscar Niemeyer? Minha mãe era mais constante nas retas. O famoso Coronel Chico Heráclio, com a sabedoria dos homens velhos, costumava a ela se referir dizendo: “Dona Evalda é um trem na linha”. Minha mãe não poucas vezes pôs meu pai nos trilhos dos julgamentos, sempre por ele movidos em tolerâncias. Ouvi nos meus tempos de moço infinitamente Altemar Dutra a cantar “Velho, meu querido velho/Agora caminha lento/Como perdoando o vento/Eu sou teu sangue meu velho/ Teu silêncio e o teu tempo”. Ouvia e cantava baixinho, como quem quisesse parar o tempo. Mas o pai envelhecia. E eu, também. Tomara que eu mereça ser chamado de “Velho, meu querido velho”. Já chegou a hora e a vez. k Marcos Vinicios Vilaça é da Academia Brasileira de Letras

k Os textos assinados publicados em Opinião e Voz do Leitor não refletem necessariamente a posição do Jornal do Commercio. O JC se reserva o direito de editar e de adaptar os textos à linguagem jornalística.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.