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Sertanejo se apega a São José Depois de três anos de estiagem severa, agricultores reforçam a fé de que se chover em 19 de março, dia do santo, o ano será bom de chuvas. Volume total de água dos reservatórios da região está em 14,6%. k economia 7


jornal do commercio 7

Recife I 16 de fevereiro de 2014 I domingo

economia

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Que chova no mês de São José Fotos: Alexandre Gondim/JC Imagem

SECA Após três anos de castigo, sertanejo espera que março, mês do santo querido, seja de chuva. E assim a agropecuária volte ao normal Adriana Guarda e Felipe Lima economia@jc.com.br

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a crença do sertanejo, o Dia de São José (19 de março) prenuncia como será o inverno no Semiárido nordestino. Se chover é sinal de que o ano vai ser bom para a agricultura. A fé do homem do campo tem fundamento climático. Março é o mês de maior quantidade de chuvas no Sertão. Em 2014, o terceiro mês do ano é aguardado com expectativa. Depois de enfrentar três anos de estiagem severa, as previsões climáticas para a região são mais alentadoras. Especialistas apostam que esse ano ainda pode chover abaixo da média histórica, mas nada comparado aos índices de 2012 e 2013. A água precisa cair para reverter a situação crítica dos reservatórios e garantir a retomada da produção agropecuária. Os 61 reservatórios do Semiárido estão com apenas 14,6% da sua capacidade. O açude de Poço da Cruz (em Ibimirim, no Sertão) – o maior do Estado – está operando com apenas 10,8% do seu volume total. Vem sucumbindo ao longo dos últimos anos. Entre 2012 e 2013 o volume armazenado caiu pela metade (veja quadro). A situação se repete com a Barragem de Jucazinho, maior reservatório do Agreste. “É necessário um volume de chuvas significativo para recompor a capacidade dos açudes”, afirma o analista de Recursos Hídricos da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), Rony Melo. Na última Reunião de Análise Climática para o Semiárido do Nordeste, realizada em janeiro em Fortaleza, a “previsão de chuvas é entre normal e abaixo da climatologia”. As projeções, na análise do secretário de Agricultura e Reforma Agrária de Pernambuco (Sara), Aldo Santos, descortinam a possibilidade de abastecimento garantido para a agricultura. “É o começo do fim da estiagem prolongada para a atividade”, diz. Ainda que o horizonte para 2014 seja menos perverso, o caminho de recuperação da agropecuária é longo. A participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB) do Estado despencou por conta da seca. Em 2011 (primeiro ano da estiagem), ainda manteve taxa de crescimento de 3,7%. No ano seguinte, entretanto, houve um baque de 15%. Seguido de mais uma retração forte, de 7,2%, no acumulado até setembro de 2013 – segundo os dados mais recentes compilados pelo IBGE. Os números dão a dimensão do desafio. Além das questões climáticas, os produtores se queixam dos entraves de mercado. A permissão do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para que os laticínios instalados no Nordeste comprarem leite em pó e reidratarem em suas unidades é criticada pelos produtores. “O preço caiu bastante por conta disso, justamente no período em que a produção está se reerguendo”, observa o presidente dos Produtores de Leite de Pernambuco (Sinproleite), Saulo Malta. As indústrias têm permissão pra reidratar até 35% do leite produzido, durante um período de três anos. Outro entrave no caminho da recuperação está na espera pela renovação do programa de venda de milho subsidiado para alimentar o gado. Sem renovação, a saca de 60 quilos do grão que era vendida por R$ 18 voltou a ser cotada a preços de mercado, atingindo R$ 40. “Para quem está lá em Brasília, basta chover para acabar o decreto, só que recuperação leva tempo”, lamenta Santos. No pior momento da estiagem, o rebanho pernambucano, que chegou a ser o segundo maior do Nordeste, perdeu cerca 900 mil animais. Hoje, após a campanha de vacinação contra febre aftosa, a Sara contabiliza dois milhões (ainda abaixo dos 2,4 milhões de 2011). Para 2014, a Sara elegeu a pecuária leiteira como carro-chefe. O foco é na recuperação do rebanho bovino, com ênfase na melhoria genética. Mas, no cenário mais otimista, a plena a atividade econômica só deve atingir desempenho igual ao anterior à seca daqui a cinco anos.

FLAGELO Estiagem deve ser menos perversa para o homem do campo este ano. Mas as chuvas muito provavelmente ficarão abaixo da média histórica

Governo anuncia, mas não realiza

SOFRIMENTO Pecuária perde cada vez mais espaço na economia do Estado. Há problemas climáticos e de mercado

Crédito também é essencial Em 2012, o governo federal lançou uma linha de crédito emergencial para garantir financiamento (a juros baixos) aos produtores dos municípios atingidos pela seca. A previsão eram emprestar R$ 3 bilhões, mas a iniciativa superou a expectativa. Pelo balanço divulgado pelo Banco do Nordeste (BNB), foram realizadas 508,7 mil contratações, totalizando crédito de R$ 3,5 bilhões em 2012 e 2013. Os produtores pernambucanos captaram

R$ 568 milhões em 78,5 mil operações de crédito. O desafio está na renegociação das dívidas para que os produtores possam se reabilitar ao crédito. O governo federal flexibilizou as regras e projetou em R$ 3,1 bilhões em repactuações a partir de 2013. Conseguiu repactuar R$ 4,8 bilhões em 2012 e 2013. Em Pernambuco, o BNB renegociou dívidas de R$ 664,3 milhões em 80 mil operações, mas a

inadimplência ainda é grande. São 106.373 financiamentos em aberto, com dívida de R$ 481,1 milhões. “As modalidades de renegociação com benefício para os produtores ainda estão valendo até 30 de junho e 31 de dezembro, dependendo do tipo de financiamento. Nosso desafio é fazer uma espécie de força-tarefa para esclarecer os produtores sobre a lei”, diz o superintendente do BNB em Pernambuco, João Nilton Castro Martins.

A estiagem se prolonga, mas as ações emergenciais arrefeceram e os projetos de obras estruturantes estão longe de alcançar as metas projetadas. O governo federal se comprometeu a investir R$ 16,6 bilhões no enfrentamento à estiagem e garante já ter aplicado R$ 12 bilhões (72%), nos últimos dois anos. Desse total, Pernambuco teria recebido R$ 2,3 bilhões (19%). Em abril do ano passado, a presidente Dilma Rousseff anunciou, na presença dos governadores nordestinos, a ampliação de medidas de combate à seca. O reforço previa expansão dos programas Bolsa Estiagem, Garantia-Safra e Operação Carros-Pipa, além de aumento das linhas emergenciais de crédito, renegociação de dívidas agrícolas e venda de milho subsidiada. Algumas ações emperraram e ficaram muito aquém das metas. O aumento de 30% na oferta de carros-pipa não foi alcançado. A previsão era chegar a 10.916 veículos, mas o número não passou de 8.215 (um déficit de 2.701). Hoje, esse número está distante de ser uma realidade. Os agricultores reclamam que os carros com a logomarca do Exército e do governo do Estado escassearam. Procurado pelo JC, o Ministério da Integração Nacional informou dados gerais de contratação, mas não atualizou o montante de veículos em operação, nem respondeu os questionamentos sobre uma suposta redução da frota. A venda de milho a preços subsidiados fracassou em relação as perspectivas do governo federal. Em 2013, a promessa era ofertar 340 mil toneladas de milho para o Nordeste (durante os meses de abril e maio) e repetir o número a cada dois meses. Dificuldades de logística e de mercado fizeram a iniciativa minguar. A Conab informa que enviou 965 mil toneladas de milho para o Nordeste. Iniciado em 2011, o Água para Todos se impôs o desafio de universalizar a oferta de cisternas para a população rural nas áreas difusas. A meta é fechar 2015 com 750 mil cisternas instaladas no Semiárido. Para atingir a projeção terá que correr. Entre 2011 a 2013 foram instaladas 481.031 cisternas (uma média de 160 mil/ano). Faltam 269 mil num curto intervalo de dez meses. Os desembolsos para a recuperação de poços também estão lentos. De R$ 135,8 milhões, menos de um terço (R$ 40,6 milhões) foram investidos.

q Mais na Web Veja balanço das ações contra a seca em www.jconline.com.br/economia


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