A Veneza Brasileira
Chuva esperada para 12 dias e maré alta pela manhã tornaram um caos o dia no Grande Recife. Transtorno para trânsito, transporte público e até serviços de saúde. O apelido da capital pernambucana às vezes não é nada romântico. k cidades 1 a 4 Diego Nigro/JC Imagem
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CONTRASTE Os alagamentos nas principais vias travaram o trânsito, como na Agamenon Magalhães. Em Jardim São Paulo, o Canal de Guarulhos virou “parque aquático”
Joana Bezerra
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Boa Vista
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#Raincife – Leitores usam aplicativo do SJCC para retratar o caos
Espinheiro
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Setúbal
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k Universidade de Toulouse e UFPE fecham parceria k6
cidades Recife I 23 de abril de 2014 I quarta-feira
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k O velho bairro de São José está entregue à própria sorte
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ão ruas ou rios? Muitas pessoas que saíram de casa fizeram essa indagação durante o dia de ontem na Região Metropolitana do Recife, quando a capital e cidades vizinhas travaram uma verdadeira luta com a intensa e inesperada chuva, que, em apenas quatro horas, registrou 120 milímetros de precipitações, o esperado para 12 dias. A população ficou ilhada, os corredores viários pararam, passageiros de ônibus e também de carros levaram três vezes mais tempo para realizar o percurso diário. Quase 3 mil viagens de ônibus não foram cumpridas até as 10h. Por sorte, nada de deslizamentos de barreiras, nem mortes. Mas muito transtorno e tempo perdido. Quando não estavam tomadas pela água, as ruas transformaram-se num mar de carros. Aliada à maré alta, que às 9h45 alcançou 1,9 metro, a cidade parou e deixou evidente não estar preparada para a força da natureza, inclusive para o inverno que se anuncia. Ainda mais em ano de Copa do Mundo. O curioso e, ao mesmo tempo, revoltante, foi que, com pouquíssimas exceções, todos os pontos de alagamento que travaram o trânsito e atrapalharam a vida da popula-
COTIDIANO Motoristas e motociclistas enfrentaram alagamentos em diversos pontos da cidade, como na Avenida Domingos Ferreira, em Boa Viagem
E o inverno nem começou TEMPORAL A chuva que era esperada para 12 dias caiu de uma vez só. Resultado: mais um dia de transtornos no Recife ção já são conhecidos. Lugares que há anos todos sabem que, com muita e até pouca chuva, alagam. Qual a novidade em ver o Cais José Estelita, precisamente sob o Viaduto Capitão Temudo, ligação do Centro com a Zona Sul da capital, virar um rio, admitindo a travessia apenas dos motoristas mais corajosos ou melhor equipados? Ou a BR-101, no contorno urbano que faz do Recife, na Zona Oeste, ser tomada pela água, travando até a passagem de caminhões e carretas? E a Rua Imperial, com água na altura do quadril de um homem, obrigando as pessoas que andam a pé a se arriscar a cair num buraco ou contrair uma doença e os condutores a desistirem de seguir viajem com medo de “afogar” seus veículos? Nenhuma. Todos os anos as cenas se repetem. “É isso o que mais incomoda. Trabalho há mais de dez anos na Avenida Antônio de Góis, no Pina, e os alagamentos são constantes, sem que o poder público faça alguma coisa. Não acredito que não saibam do que acontece porque hoje, com a quantidade de carros nas ruas, os alagamentos provocam um problema para a mobilidade das pessoas. Vendo o que está acontecendo com a cidade, me pergunto como será na Copa?”, indagou o vendedor Carlos Henrique Macedo. De fato, com a chuva mais carros ganharam as ruas não só do Recife, mas de toda a RMR. Boa parte da frota de 1,2 milhão de veículos saiu de casa. Quem teve opção, escolheu o carro, até porque o transporte público foi quem mais pagou o preço da falta de infraestrutura da cidade. Como sempre. Sem prioridade nas ruas, os ônibus não conseguiam completar os itinerários e o intervalo triplicou. As reclamações eram constantes em diversos terminais, em alguns especialmente, como nos TIs Joana Bezerra, Barro, Macaxeira e Tancredo Neves. Até o metrô sofreu, recebendo um aumento de passageiros, que fugiram para o sistema metroviário – mais rápido e imune a alagamentos – como forma de evitar a via-crúcis que virou andar de ônibus pelo Grande Recife. Árvores caíram em pelo menos três pontos da cidade: Avenida Rui Barbosa e Rua Padre Roma, Zona Norte, e Rua Augusto Lins e Silva, Zona Sul. Quarenta e três acidentes de trânsito, todos sem gravidade, foram registrados pela CTTU. Por sorte, a previsão não é de chuvas intensas hoje, apenas precipitações leves no início da manhã.
CAOS URBANO Um engarrafamento gigante se formou na Rua Imperial, na área central (à esquerda). Nas proximidades do Fórum do Recife, transpor a água foi tarefa para corajosos. Já na Visconde de Suassuna e na Rua do Riachuelo, pedestres passaram por maus bocados
2 jornal do commercio
Recife I 23 de abril de 2014 I quarta-feira
cidades
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q Pelo comuniQ
Santo Amaro
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Saí de casa, nas imediações do Parque Dona Lindu, em Boa Viagem, às 7h, e só consegui chegar no Fórum do Recife três horas depois, às 10h. Ainda preciso ir para a faculdade, no Centro. Realmente, é lamentável ver a cidade ficar desse jeito, completamente alagada”, criticou o estudante de arquitetura Emanuel Silva
Igor Gabriel
SOFRIMENTO Mais uma vez o Canal de Guarulhos transbordou, invadindo ruas e casas de Jardim São Paulo
Promessa de um grande mutirão até o fim de maio
Avenida do Forte Humberto Costa
TEMPORAL PCR diz que vai acelerar os trabalhos de limpeza dos canais e das galerias, mas alega ser impossível evitar alagamentos com chuvas torrenciais
reclamou a cabeleireira Simone Maria, ao lado da vendedora Elaine Nascimento
ta meteorológico sobre as fortes chuvas em tempo hábil para que a população se precavesse. Um aviso chegou às redações dos jornais, enviado pela Secretaria de Defesa Civil do Recife, com base nas informações da Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac), somente às 6h24 de ontem, quando já chovia torrencialmente desde as 4h. Mas a prefeitura garantiu ter colocado toda a infraestrutura possível nas ruas para tentar minimizar o impacto do temporal. Desde as 6h, a Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) disponibilizou 204 orientadores e 103 agentes de trânsito, priorizando os locais com alagamentos, acidentes e quedas de árvores. As equipes da Defesa Civil entraram em campo com 150 técnicos monitorando as áreas de risco da cidade. Outros 180 agentes operacionais também atuaram. “É importante dizer à população que nós estamos trabalhando fortemente para preparar a cidade para o inverno. Limpamos os 95 canais do Recife em 2013 e mais de 25 já foram limpos este ano, alguns mais de
duas vezes. Estamos, inclusive, correndo num mutirão para desobstruir o restante até o fim de maio. Também estamos cuidando da drenagem da cidade, um sistema antigo, dos anos 1960 e 1970, que não suporta tanto adensamento. Mas é um trabalho difícil, que sofre com as mais diferentes interferências. Imagine suportar uma quantidade de chuva como essa?”, considerou Marília Dantas. A diretora de Manutenção Urbana lembrou, ainda, que alguns pontos históricos de alagamentos foram resolvidos pela atual gestão. É o caso da Avenida Boa Viagem, nas imediações do Parque Dona Lindu, e alguns trechos da Avenida Norte. “E estamos com licitações em curso para realizar obras que resolverão outros pontos tradicionais, como é o caso da Avenida Antônio de Góis, no Pina, e da BR-101”, garantiu.
eletricista Antônio de Souza
Analuza Barbosa
Parnamirim Gabriela Lyra
Galeria de fotos do temporal no site www.jconline.com.br/cidades
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Trabalho há cinco anos na Avenida Domingos Ferreira e sempre acontece alagamento nesse trecho. O pior é que não precisa chover muito. Pouca água faz estrago do mesmo jeito. Os comerciantes já estão acostumados a perder clientes, sem que a prefeitura faça nada”, criticou o
Cordeiro
q Mais na web
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Quem mais sofre, sem dúvida, é o passageiro do transporte público. Esperamos mais de uma hora por um ônibus no TI Joana Bezerra, depois de viajar espremidas no metrô. Foi tanto sufoco que decidimos esperar um táxi para ir ao trabalho”,
“N
ão havia drenagem, por melhor que fosse, que suportasse tanta chuva. É impossível”. Essa frase resumiu o argumento da Prefeitura do Recife para o caos que se instalou na capital durante a manhã e início da tarde de ontem, com as fortes chuvas registradas na cidade. Demonstrando preocupação, a diretora de Manutenção Urbana do Recife, Marília Dantas, responsável pela limpeza dos canais e rede de drenagem das vias, afirmou que a prefeitura tem trabalhado dia e noite para tentar evitar situações como a de ontem. Mais de R$ 22 milhões teriam sido gastos em um ano e quatro meses de gestão com a limpeza e desobstrução de canais, além da reestruturação da malha de drenagem. E até o fim de maio um mutirão está sendo realizado para finalizar os trabalhos. O prefeito Geraldo Júlio, segundo a assessoria de imprensa, passou a manhã monitorando o aguaceiro e suas consequências e, por isso, cancelou a agenda pública. O município, entretanto, não enviou um aler-
Imbiribeira Wildson Farias
São José CENTRO ILHADO A Rua Sete de Setembro, na Boa Vista, virou um rio, fato que prejudicou o comércio local
Gilberto de França
cidades
Estrutura da rede de saúde comprometida TEMPORAL Pelo menos cinco unidades do Grande Recife foram prejudicadas, com atendimento suspenso e transferência de pacientes
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Divulgação
inco unidades de saúde do Grande Recife tiveram problemas ontem provocados pela chuva. No Hospital de Pediatria Helena Moura, no bairro da Tamarineira, Zona Norte da capital pernambucana, o atendimento foi suspenso durante a manhã por causa de infiltrações nas paredes, queda de reboco e alagamentos. Crianças foram transferidas para outras unidades. No Hospital Barão de Lucena, na Iputinga, a falta de energia interrompeu consultas marcadas no ambulatório até as 13h. Inundações também ocorreram no Hospital Oswaldo Cruz, em Santo Amaro, mas não atrapalharam o atendimento. Parte do teto da ala de internação do Hospital Infantil Dr. Adailton de Alencar, situado na BR-101-Sul, no Cabo de Santo Agostinho, caiu, sem feridos. No bloco cirúrgico há infiltrações. Paredes da cozinha estavam vazando corrente elétrica. A emergência não recebeu pacientes de manhã. Só voltou a funcionar à tarde. As quatro crianças que estavam internadas foram transferidas. Internamentos estão temporariamente suspensos. Também no Cabo, o Hospital Mendo Sampaio sofreu com alagamentos. O filho da dona de casa Shirley Maria da Silva, um bebê de 9 meses, estava internado com asma no Helena Moura, no Recife, desde sábado. “Durante a madrugada, quando a chuva ficou mais forte, começou a pingar água na enfermaria. Até molhou meu filho e o berço que ele estava. No quarto das enfermeiras caiu reboco. Vi também um curto-circuito. Começou a sair fumaça e faíscas de uma lâmpada e muita gente correu com medo”, relatou Shirley. Taylor Henrique, o filho dela, teve alta. Segundo a Secretaria de Saúde do Recife, o hospital continua recebendo demanda espontânea. O que permanece suspensa é a transferência de crianças vindas de outras unidades. Pacientes com risco de agravamento serão internados na própria unidade, enquanto os de menor risco são transferidos para outros serviços, principalmente para as Policlínicas Barros Lima e Amaury Coutinho. Reparos na estrutura física começaram a ser realizados ontem mesmo. No hospital infantil do Cabo, a diretora Liliane Serra informou que só vai liberar a unidade para internamento quando todos os serviços estruturais forem feitos. Os pacientes do Barão de Lucena tiveram as consultas remarcadas.
CABO Desabamento de teto
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PEDIATRIA Infiltrações fizeram o Hospital Helena Moura suspender atendimentos pela manhã
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50 dias
DESCASO PÚBLICO Baratas fazem ninho na escultura do poeta Solano Trindade, no Pátio de São Pedro. O lugar tem muitas outras deficiências, a exemplo da ausência de luminárias
São José entregue às baratas Veja hoje, na série sobre problemas urbanos em áreas de visitação turística do Recife, as dificuldades enfrentadas por pedestres no bairro de São José, centro histórico da cidade. A série, assinada pela repórter Cleide Alves, é publicada às quartas-feiras.
A ÁGUA Passarela garante travessia na Rua das Águas Verdes
SUJEIRA Lateral interditada da Basílica da Penha virou lixão
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A Rua das Águas Verdes liga os Pátios do Terço e de São Pedro. Mas, quando chove, a pessoa só faz esse caminho de ‘bote’, porque fica tudo alagado. É uma coisa antiga e nunca resolveram”, diz a comerciária Carmen Lúcia Vasconcelos
chuva de ontem serviu de termômetro para testar a drenagem do bairro de São José, no Centro do Recife, a 50 dias do início da Copa do Mundo no Brasil. Pontos de visitação turística, como o Pátio do Terço e a Rua das Águas Verdes, ficaram alagados. Com as galerias de águas pluviais cheias, baratas saíram dos bueiros e se refugiaram na escultura do poeta Solano Trindade (1908-1974), localizada no Pátio de São Pedro. “É um lugar entregue às baratas mesmo”, brincou o comerciante Valdir Pereira, que trabalha no pátio e borrifou inseticida na estátua, para matar os bichos. Segundo ele, a cena é frequente, nos dias de chuva. “Quando a galeria enche, elas saem à procura de um lugar seco. Já pensou no susto que a pessoa vai levar se encostar na escultura para tirar uma foto e tocar numa barata?”, comenta. Comerciantes do entorno do Pátio de São Pedro queixam-se da falta de atrativos para visitantes, nos fins de semana. Aos domingos, por exemplo, os museus ficam fechados. Embora o local não esteja às escuras, faltam luminárias em todos os postes antigos. “É feio para a cidade”, observam. O conjunto formado pela Igreja de São Pedro dos Clérigos, o pátio e o casario é tombado como patrimônio nacional desde 1978. Saindo do Pátio de São Pedro, o visitante pode caminhar pela Rua das Águas Verdes e chegar ao Pátio do Terço, onde é realizada a Noite dos Tambores Silenciosos, no Carnaval. Mas é uma aventura. As calçadas estreitas da via são ocupadas pelos comerciantes, que usam o passeio público como depósito de caixas de isopor, carroças de espetinho, fogareiro, manequins de roupa. Nos dias chuva, como ontem, caminhar pela Rua das Águas Verdes é impraticável: além das calçadas obstruídas, a via fica alagada. “Agora está até melhor, porque é só água de chuva. Uns tempos atrás, era tudo misturado com esgoto”, diz a comerciária Márcia Silva. A drenagem da rua, acrescenta, apresenta problemas. “A chuva para, mas a água não desce”, destaca Márcia Silva. A Igreja de Nossa Senhora do Terço, construção de 1726,
estava cercada de água, na manhã de ontem. Foi lá, em janeiro de 1825, que frei Caneca, líder da Confederação do Equador (movimento revolucionário, de caráter republicano), foi destituído de suas vestes religiosas, antes de ser executado no Forte das Cinco Pontas, na mesma região. “São José é também um bairro carnavalesco, muitas agremiações nasceram aqui, mas o lugar está abandonado”, lamenta Lúcia Soares, filha de criação de Maria de Lourdes Silva, a popular Badia, primeira dama do Carnaval do Pátio do Terço. Ela mantém a casa de Badia aberta à visitação (o imóvel 143 da Rua Vidal de Negreiros) e está confeccionando artesanato para vender aos turistas, durante a Copa do Mundo. Líder religiosa, Badia morreu em 1991. “O visitante não vai encontrar nada no Pátio do Terço, o único evento realizado aqui é a Noite dos Tambores Silenciosos, no Carnaval”, diz Lúcia. Ela pretende organizar uma roda de samba no pátio, a cada 15 dias, para movimentar o lugar. A primeira está programada para o próximo sábado, das 16h às 23h. Na Rua das Calçadas, comerciantes apontam um lixão que está se formando no trecho interditado da via, ao lado da Basílica da Penha, por trás do tapume. A prefeitura isolou a área porque rebocos da igreja se soltavam e caíam no chão. Procurada para falar sobre a drenagem no bairro de São José, a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) informou que está fazendo um estudo para identificar a origem do problema e providenciar os reparos. Até lá, promete usar bombas hidráulicas para escoar a água acumulada nas ruas e diminuir os transtornos provocados em dias de temporal, como ontem. A Emlurb também anuncia, para a próxima semana, a capinação da Praça das Cinco Pontas, perto do forte. A Copa será realizada de 12 de junho a 13 de julho, os meses mais chuvosos na cidade do Recife.
q Mais na web Veja galeria de fotos no site www.jconline.com.br/cidades
DRENAGEM Em dias de chuva, o Pátio do Terço fica alagado
ABUSO Comércio ambulante obstrui as calçadas do bairro
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Essa situação é uma vergonha para o bairro de São José. Se a prefeitura não limpar as galerias, o Pátio do Terço continuará alagando nos dias de chuva e ninguém conseguirá passar por aqui ”, diz Lúcia
Soares, filha de criação da carnavalesca Badia