Hoje ĂŠ um dia especial para o Rio Capibaribe
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Todos os olhos voltados para o Rio Capibaribe
SUSTENTABILIDADE Para mudar a face do curso d’água, prefeitura encomenda estudo do parque linear Cleide Alves
cleide@jc.com.br
O
Rio Capibaribe não nasce no Recife. Ele entra na cidade pela Várzea, na Zona Oeste, e passa por mais de 20 bairros até chegar ao Centro. É um filho maltratado na capital pernambucana, carregando nas suas águas esgoto doméstico e toda a sorte de lixo. Em grande parte do percurso funciona como uma barreira, separando ricos e pobres. No dia dedicado ao Capibaribe, hoje, 24 de novembro, fica a pergunta: é possível mudar essa relação obscura da cidade com o rio? Fácil não é, mas a aposta é viável, avalia a arquiteta e urbanista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Circe Monteiro, uma das coordenadoras do projeto do Parque Linear do Capibaribe – Caminho das Capivaras, contratado há quase dois meses pela Prefeitura do Recife. A ideia do parque é trazer usos diversificados para a margem do rio, da Várzea ao Centro, apoiados num tripé que mescla ciclovia, vegetação e passeio para pedestre. “O projeto é inovador, porque o rio passa a ser o estruturador de uma nova cidade”, diz Circe Monteiro. Por enquanto, o grupo está fazendo o levantamento dos espaços já usados na beira do Capibaribe e mapeando a flora e a fauna existente no curso-d’água, a despeito da carga poluidora. A bordo de um barco, o biólogo Leonardo Melo já fotografou capivaras, jacarés, peixes e aves. Mapas do rio indicam aos urbanistas a necessidade de mais elos de ligação entre as margens. Do bairro da Torre, na Zona Oeste, ao Centro, há 12 pontes sobre o Capibaribe. Na direção contrária, da Torre até a BR-101, em Apipucos (Zona Norte), a população conta apenas com dois pontilhões para fazer a travessia. Um conecta Santana e Torre e o outro, Monteiro e Iputinga. A proposta da prefeitura é transformar as margens do Capibaribe numa saída para a mobilidade. Ciclovias e ciclofaixas devem ser criadas onde houver espaço, para o deslocamento cotidiano do ciclista. Além de interligar os parques próximos ao rio (Santana, Apipucos, Jaqueira, Praça do Derby, 13 de Maio), a faixa exclusiva de bicicleta terá conexão com o transporte público de passageiros. Por ônibus e por barco, numa interligação com o projeto de navega-
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bilidade do governo do Estado. Para Leonardo Melo, a margem do rio, não obstante a sujeira, é um caminho prazeroso. “Quem vai ao trabalho pode se encantar com a fauna, ver um bicho namorando, uma ave alimentando seu filhote ou uma família de capivara nadando”, descreve. Mais de 50 espécies de aves frequentam o Capibaribe (água, lama e vegetação), de Apipucos ao Centro, segundo o ornitólogo Severino Mendes Júnior, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “Os ambientes ao longo do rio são diferentes e as soluções apresentadas serão diferentes para cada área”, acrescenta o arquiteto e urbanista da UFPE Roberto Montezuma. Ele divide a coordenação do projeto com Circe Monteiro e o arquiteto e paisagista da UFPE Luiz Vieira. Mais de 60 pesquisadores estão envolvidos no trabalho, que deve ser apresentado à população no próximo ano. O desafio do grupo, diz Roberto Montezuma, é entender o rio como uma via vital da cidade e não como o fundo das casas. “Há muitos anos a cidade deu as costas ao Capibaribe, esse comportamento tem rebatimento no ambiente natural e construído, na infraestrutura urbana (o despejo de lixo e esgoto) e nas ocupações.” Segundo ele, o conceito do parque não se limita à margem tradicional do rio, que abraça o Recife em vários trechos. “Essa borda é o mais ilimitada possível, incluindo canais e áreas de mata (Várzea, Dois Irmãos e Parque dos Manguezais, no Pina). O Caminho das Capivaras terá 30,6 quilômetros de extensão, 15,3 quilômetros em cada margem. A proposta surgiu a partir da necessidade de ser ver o rio com outros olhos, diz o secretário-executivo de Unidades Protegidas da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Recife, Romero Pereira. “A ideia é tratar o rio como a espinha dorsal de parte da cidade”, declara. Por enquanto, o Capibaribe ainda é o cão sem plumas, metáfora eternizada pelo poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999) para o rio e sua convivência com a cidade.
q Mais na web Vídeo com trechos do percurso feito pelo Rio Capibaribe no Recife, no www.jconline.com.br/cidades
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Fotos: Michele Souza/JC Imagem
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PAISAGEM Rio desfila pela Madalena, serve de travessia entre os bairros da Torre e da Jaqueira e segue pelas Graças, como um cão sem plumas
Livro faz passeio pelo curso-d’água PALAFITAS Nos Coelhos, famílias ainda vivem em condições sub-humanas, mas despejo de esgoto deve diminuir
Leito seco em 85 quilômetros O Capibaribe nasce de um olho-d’ água, no município de Poção, Agreste pernambucano, e percorre 270 quilômetros de extensão até chegar à cidade do Recife, onde se encontra com o mar. Mas nem sempre se faz visível. Quase um terço do rio é intermitente, ou seja, só tem água nos meses de chuva na região, de janeiro a março. São 85 quilômetros de leito seco (a água está no subterrâneo), do ponto de partida até Santa Cruz do Capibaribe (Agreste). Na região de Toritama, o rio se torna perene (com água o ano todo), mas é em Limoeiro que o Capibaribe toma corpo. Não fossem as pedras ao longo do caminho, teria vazão para ser navegável do Recife até Limoeiro. Por causa desses obstáculos naturais, o potencial de navegabilidade é restrito ao trecho que vai do Centro do Recife à Várzea, na Zona Oeste da capital pernambucana, informa o professor da Universidade Federal de Pernambuco Ricardo Braga. O olho-d’água em Poção, na Serra do Jacarará, é a primeira nascente do Capibaribe. Até completar a viagem ao Recife, há milhares delas. “O
Saindo de Poção, o rio percorre 42 municípios e cruza a cidade (área urbana) em 22 deles rio se faz de nascentes. Cada uma fica na extremidade de um pequeno curso-d’água que vai contribuir para um afluente do Capibaribe”, explica o biólogo Ricardo Braga. Saindo de Poção, o rio percorre 42 municípios, contando com os afluentes. Atravessa a cidade (área urbana) em 22 deles, como o Recife, São Lourenço da Mata, Carpina, Limoeiro, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe. Passa pela zona rural dos outros 20, como Caruaru, Vertentes e Taquaritinga do Norte, diz Ricardo Braga, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Capibaribe. “A área de drenagem do rio – o Ca-
pibaribe e seus afluentes – corresponde a 7,8% do território de Pernambuco”, declara. Nos últimos 15 anos, diz Ricardo Braga, verifica-se uma redução de despejos industriais no curso-d’água e um aumento da carga poluidora doméstica: lançamento de esgoto e descarte de lixo. Ele vislumbra, nos próximos dez anos, uma redução de lixo e de esgoto. “O programa federal e estadual de gestão de resíduos sólidos obriga e oferece condições às prefeituras de darem destino adequado ao lixo.” O despejo de esgoto doméstico deve diminuir em função do Programa de Sustentabilidade Hídrica da Bacia do Capibaribe, do Estado, que prevê a implantação de rede coletora e de tratamento em vários municípios. “Os dois programas estão no início, se forem levados adiante, ajudarão a reduzir a carga poluidora”, avalia. Por ora, o Capibaribe conta com sua capacidade de autodepuração. Onde a carga de esgoto é despejada, a situação é ruim. A qualidade melhora nos trechos onde o rio se distancia da cidade. Nesse ziguezague de altos e baixos, chega ao mar.
Símbolo da cultura pernambucana, o Capibaribe é homenageado, este ano, com lançamento de livro e CD. O disco é composto de músicas e poesias criadas por artistas anônimos moradores da bacia hidrográfica do rio. O livro, com 143 páginas, é um passeio ao longo do curso-d’ água, “sem levantar bandeiras e sem dourar a pílula”, avisa a designer Gisela Abad, uma das organizadoras da publicação Eu Capibaribe: o rio que termina onde a cidade começa. A proposta do livro é fazer um retrato do rio, tal como ele se mostra hoje aos pernambucanos. Missão cumprida por quatro fotógrafos, que percorreram o rio da nascente à foz, por quase um ano, captando paisagens diurnas e noturnas, gente, pontes, vegetação, animais, lixo, poluição, barcos, pesca, usos e costumes que encontraram em suas margens. Eduardo Queiroga fotografou o Capibaribe do primeiro olho-d’água, no município de Poção, até a barragem de Jucazinho, localizada em Salgadinho. O fotógrafo Beto Figueiroa assumiu a tarefa em Salgadinho, seguiu até a barragem de Carpina (Zona da Mata) e passou a máquina para Alexandre Severo, que registrou o rio até a entrada do Recife. Maíra Erlich navegou da Várzea ao Centro, nos quase 17 quilômetros do Capibaribe na capital pernambucana. O livro, financiado por centenas de pessoas (mais duas empresas e
uma instituição) que apostaram na ideia de Gisela Abad e Márcio Erlich, será lançado às 16h30 de hoje no Aurora Eco Fashion, evento na Rua da Aurora, entre o Cinema São Luiz e a Ponte do Limoeiro, Centro do Recife. A publicação resgata no leitor aquela sensação de pertencer ao rio e ao mesmo tempo de sentir que o Capibaribe também lhe pertence. Leitura semelhante pode ser atribuída ao CD Vozes do Capibaribe, idealizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do rio, Programa Capivara de educação socioambiental da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Associação Águas do Nordeste (Ane). Com 18 músicas e poemas, o disco não será vendido. É destinado a professores que trabalham com educação ambiental na bacia do Capibaribe. Os artistas, diz Ricardo Braga, presidente do comitê, foram garimpados no percurso de 270 quilômetros de extensão do rio, no período de fevereiro a novembro deste ano. “São anônimos que fazem esse trabalho e ninguém conhece. Estamos resgatando a produção cultural deles e facilitando a descoberta dos artistas”, declara. O CD traz o Capibaribe em ritmo de maracatu, coco, embolada, forró e rap. O desenho da capa foi doado pelo artista Raul Córdula. Quem quiser ouvir as Vozes do Capibaribe pode acessar o site da Ane, www.aguasdonordeste.org.br.