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caderno C Recife I 26 de outubro de 2014 I domingo
O frevo em sete pulsações
Divulgação
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CORAÇÃO Documentário de Dea Ferraz reúne sete maestros do ritmo pernambucano, tendo Spok como o mestre de cerimônia
OS BATUTAS Guedes Peixoto, Duda, Spok, Edson Rodrigues, Zé Menezes, Clóvis Pereira, Ademir Araújo e Nunes
José Teles
teles@jc.com.br
“U
ma coisa a que Zumba, Nelson Ferreira, Capiba, não tiveram direito”. O comentário é do maestro Edson Rodrigues, depois de assistir ao documentário Sete corações, uma das atrações de hoje do Janela Internacional de Cinema, às 11h, no Cine São Luiz. O filme de Dea Ferraz reuniu sete veteranos maestros, todos mestres de frevo, sob a batuta do maestro Inaldo Cavalcanti de Albuquerque, o atuante Spok, que vai explicando o quê, como e porquê registrar as histórias e imagens de cada um deles. Clóvis Pereira, Guedes Peixoto, Nunes, Ademir Araújo, Duda, José Menezes, e o citado Edson Rodrigues, são os maestros. A linha mestra do documentário é a criação de um frevo de rua, a partir de um tema inicial desenvolvido por todos eles, até formar um novo frevo, batizado, pelo maestro Menezes de Sete corações: “É um filme que nasceu diferente. Spok segue uma ideia dele, que foi transformada em roteiro, assinado por mim, Gabriel Mascaro e Eric Laurence”, explica a diretora Dea Ferraz. O documentário deve lembrar a muitos o premiado Buena Vista Social Club, de Wim Wenders (1999). É cer-
to que Sete corações comunga de semelhanças superficiais com a criação de Wenders, principalmente nas cenas em que aparece o maestro Nunes, com imagens das centenárias ruas dos Coelhos, onde funciona sua escola de música. Mas para por aí. O filme de Dea Ferraz não é nostálgico. Muito menos tirou da obscuridade músicos de um passado remoto, injustamente esquecidos. Uns mais, outros menos, os sete maestros ainda estão em evidência – senão eles, suas obras. O maestro José Menezes (falecido no ano passado, aos 90 anos), deixou composições que são obrigatórias em qualquer repertório de frevo. Todos têm aposentadoria e vivem (uns mais, outros menos) confortavelmente. O filme de Dea Ferraz é um ensaio sobre o frevo. Sete corações, enquanto mostra a composição em progresso, com Spok cerzindo, num arranjo, os trechos criados pelos maestros, vai desfiando um debate sobre o frevo como gênero musical. Cada maestro expõe seu ponto de vista sobre o tema. Para Guedes Peixoto, por exemplo, o ritmo é funcional: ele compunha para animar os passistas, nos salões dos clube sociais. O comentário é feito enquanto se mostra na tela uma bailarina num palco, em passos estilizados e calculados, exatamente o contrário do que
q Saiba mais
Zumba
Zumba, José Gonçalves Júnior (1889/ 1974), um dos formatadores do frevo, foi mestre em maracatus-canção.
Lídio Macacão
Lídio Francisco da Silva, Lídio Macacão (1892/1961), autor de Três da tarde, foi dos raros autores que não liam música
Levino Ferreira
Levino Ferreira (1890/1970) é compositor de Último dia, considerado o mais belo de todos os frevos-de-rua
Sapateiro
Antônio João da Silva, Antônio Sapateiro (1892/1940), é autor Luzia no frevo, um dos primeiros clássicos do gênero
Na web
Veja vídeo com os maestros do documentário no canal www.jconline.com.br/cultura
acontece na rua, onde o passista é regido pelo improviso. Corta para Spok ouvindo Duda, um de seus mestres (é, inclusive, casado com uma neta dele), afirmar que o frevo de hoje não é mais festa, é show. Exatamente a que se propõe Inaldo Cavalcanti com a sua Spokfrevo Orquestra (ele está nos Estados Unidos, na segunda turnê americana da SFO). Paralelamente à construção da composição, Dea Ferraz mostra a construção do Carnaval. Dos camelôs nas estreitas ruas do bairro de São José, que assistiu às primeiras orquestras e passistas no começo do século passado, à montagem da decoração, acertos de marchas de blocos líricos. Convergindo a narrativa para o apoteótico final, no terceiro dia de Carnaval, no Marco Zero: os maestros no principal palco da folia recifense, enquanto Spok dirige a orquestra que executa, pela primeira vez em público, a composição coletiva Sete corações. Louve-se a participação de Spok, não apenas como o mestre de cerimônia do filme, mas igualmente pela espontaneidade diante das câmeras. Tem-se a impressão de que segue um roteiro pre-estabelecido: “Não cabia fazer intervenções porque queríamos que os momentos fluíssem com naturalidade e espontaneidade”, comenta
a diretora. O filme mostra os maestros na intimidade de suas casas e, também, todos juntos, no apartamento do maestro Spok. Pela primeira vez, sentam-se à mesma mesa, e entre bolos, cafezinhos, conseguem quebrar o gelo de rivalidades do passado. Assim, começam a compor Sete corações. Realizado pela Ateliê Produções, com coprodução da Muzak e Passo de Anjo (contemplado em edital da Ancine), o documentário é o resultado de 130 horas de imagens. A produtora Carol Vergolino aponta até para a possibilidade de uma (ainda hipotética) série sobre o frevo, tamanha riqueza do material registrado, e mesmo para a criação de trilha sonora. São composições de Senô (Duda no frevo), Levino Ferreira (Último dia), e tocantes imagens de um extrovertido maestro Zé Menezes no sax, com amigos músicos, numa descontraída versão acústica do seu clássico Freio a óleo, sua primeira composição gravada (por Zaccarias, em 1950). Sete corações irá contribuir para que o frevo e a originalidade do Carnaval pernambucano sejam conhecidos fora de Pernambuco, com está fazendo a Spokfrevo Orquestra. Por sinal, no dia 21 deste mês, o filme será exibido novamente no São Luís, com a presença de Spok e seus músicos.