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NOSTALGIC GLOW Ensaio exclusivo por Hugo Toni
LUKASZ WIERZBOWSKI O fotógrafo polonês ilustra as janelas desta edição
AS Gêmeas Falam sobre o fim da marca e os novos rumos da carreira
Invasões Verdes
andressa damiani
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edição 12
- AGOSTO / setembro
A proposta da NANU! é tirar da cena comum pessoas, imagens e ideias, questionando e conectando os diversos conceitos do mundo contemporâneo.
NANU! #12 Agosto . Setembro 2010 acesse a versão virtual www.nanu.com.br fundadora
Susana Pabst
publisher LOOSHstudio Fotografia e Design Ltda. editora-chefe
Susana Pabst susana@nanu.com.br diretora de criação e fotografia
Susana Pabst
diretora-adjunta de criação e fotografia
Gabriela Schmidt
gabriela@nanu.com.br editor de fotografia
Guilherme Schäffer
guigo@nanu.com.br diretor de arte
Fernando Denti fernando@nanu.com.br
jornalista
Caroline Passos caroline@nanu.com.br estagiário
Ruan R. Rosa produção de moda
Eduardo Kottmann Gabriela Telles Moreira publicidade centralizada
Priscila Figurski
priscila@nanu.com.br mídia eletrônica
Fabíula Cenci fabi@nanu.com.br administrativo
Carolina Munari carol@nanu.com.br
capa modelo
Andressa Damiani fotografia
Susana Pabst edição
LOOSHstudio Fotografia e Design Ltda. periodicidade . Bimestral impressão . Impressora Mayer distribuição . Principais bancas do Vale do Itajaí, região norte e litorânea do Estado de Santa Catarina, Livrarias Saraiva em Florianópolis, principais bancas de Curitiba, Livrarias Cultura de São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Recife, e Haddock Lobo Books & Magazines, São Paulo. Internacionalmente a revista é distribuída em Berlim por A Livraria, especializada em publicações brasileiras, e por Do You Read Me!?
contatos Agradecemos a todos os nossos colaboradores de texto, arte e fotos, também aos anunciantes, pontos de distribuição e a todos que, direta ou indiretamente, contribuem para concretização da NANU! e desde sempre apoiaram nosso projeto.
Todos os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores.
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endereço Rua 2 de Setembro, 1618, salas 6 e 7 Blumenau, Santa Catarina, Brasil, CEP 89052-000 telefone 55 47 3234 0772 nanu.com.br/blog twitter.com/revistananu comunidade no orkut Revista NANU!
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COLABORADORES Adriana Nunes Campari Joy Carlos Eduardo “Ado” Silva Douglas vs Duh Jaqueline Nicolle
Joice Simon Alano Leon Lucio Rebello Miguel Estelrich Nilma Raquel
Sávio Abi-Zaid Solange Kurpiel
Lukasz Wierzbowski páginas 74, 75, 78 e 79
ETN páginas 73, 76, 77 e 80
Fábio Ricardo página 124
Polonês, estudante de psicologia social e fotógrafo. Seus trabalhos já foram publicados em revistas como Neon Magazine, Waterfall Magazine, Kinki Magazine, Blow, entre outras. Lukasz, hoje com 26 anos, fez as primeiras fotos aos 10 com uma câmera analógica do seu pai. O primeiro editorial de moda que fez foi aos 12 anos, com a orientação de uma prima de sete. O artista mostra suas fotografias nas Janelas desta NANU!.
Escreve em seu recanto pessoal. Refugioliteral. blogspot.com é onde ela põe os olhos pra fora, não onde se esconde. Guarda há quatro anos segredos compartilhados, raridades ainda divulgadas e mantidas e empenha-se por falar em imagens. Numa síntese da própria, que assina como ETIENNE. : “Você vê amor ... E eu tenho uma série de doloridos déjà vu”. Ela assina as Janelas.
Jornalista digital, com foco nas áreas de cultura e relacionamento online nas redes sociais. Gastrossexual convicto, não troca por nada os prazeres da boa mesa. Busca sempre pelo novo, seja nos pratos ou nas bebidas, mas na cozinha não vai muito além do ovo frito. É blumenauense, tem 26 anos, dois livros lançados na área de comunicação e escreve para vários sites de opinião, entre eles o gastrossexual.wordpress. com. Fábio apresenta os segredos da pitaya nesta edição.
DJ Castro E PAULA SOFIA página 70
Hugo Toni páginas 98 a 107
Ricardo Luis página 127
Publicitário formado pela ESPM. Estudou Design Gráfico na Escola de Belas Artes em São Paulo, onde nasceu. Hoje é sócio e diretor de criação da agência de comunicação Modus.Org. Paula é publicitária formada pela FURB. Viveu oito anos no Rio de Janeiro onde cursou interpretação na Casa das Artes de Laranjeiras. Hoje é redatora da Modus.Org e apresentadora dos webisodes Vem pra Pomerode. A partir desta edição da NANU! colaboram com o texto ECO&LÓGICA.
Fotógrafo com trabalhos publicados em revistas como L`Officiel, Joyce Pascowitch, Gloss, GUDI, FFW, entre outras. É dele o terceiro editorial fotógrafico desta edição.
Tem 29 anos, manezinho de nascimento, mas paulistano de vivência urbana, é arquiteto (des) formado pela UFSC, mestre pela FAU-Mackenzie, professor universitário e leitor de Fernando Bonassi e Giles Deleuze. Fotógrafo urbano nas horas vagas, sempre ouve Arnaldo Antunes e Luiz Tatit e veste João Pimenta e chinelo havaianas. Coleciona tranqueiras, recortes e filmes, e um dia ainda vai ter asas e voar, quem sabe... Estreia na NANU! falando sobre arquitetura.
NEW BLOOD
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SUMÁRIO 22 24 26 27 28 30 32 34 36 38 62 64 66 68 70 73 82 98 108 109 110 112 113 114 116 117 118 120 121 122 124 126 127 129
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Inbox Editorial Pra favoritar Segundo olhar I wanna be a gypset! Nin Castle Gêmeas Love Hurts Pronta pra servir Invasões verdes The Earth intruders Invasão sueca Flávia Vanelli Veneno-remédio Eco&Lógica Janelas Hell’s kitchen Nostalgic glow New sounds Five leaves left História em cordas O incrível Hulk do rock Front man Relativismo na carne Em miniatura Mozart com dendê Dica de livros Feel good Uma França plural Encanto da fada verde Strange fruit Toy Arquitetura verde Hype Society
B R A S I L E I R I S S I M A . C O M
4 7
3 3 6 3 - 1 4 6 2
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Blogs
Ensaios Gostaria de parabenizar a revista por todo o trabalho ao longo dessas 11 edições. Parabenizar também o ensaio do Felipe Pagani na edição 10, ficou fantástico. Como sugestão, sugiro que a revista trabalhe com menos imagens por editorial. Às vezes ensaios excelentes se tornam ensaios cansativos, com muitas imagens parecidas sem acrescentar no conjunto fotográfico. Guilherme Becker, fotógrafo, Blumenau
Adoramos o trabalho que fazem, por este motivo gostaríamos de colocar um link direto para o seu site no nosso blog newsoso. wordpress.com. No nosso “indicamos” há várias páginas legais, mas gostaria de abrir espaço novo com direito à imagem! O que acham? Juliano Guimarães, Blog New! So So, Criciúma
Alguém já viu a @revistananu? Conheci ontem na Cultura e tive que comprar. Simplesmente ótima! Vale a pena conferir. Paulo Fraga, São Paulo.
Resposta da NANU!: Achamos ótimo. Agradecemos pela divulgação.
assine a nanu! para receber a revista no conforto do seu lar é simples! w w w. n a n u . c o m . b r
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Ela (a NANU!) é ótima mesmo, também não conhecia e adorei! @revistananu lovers <3 Marcela Souza
editorial
Fluidez, equilíbrio e liberdade são algumas das sensações que me invadem quando piso na grama. Intuitivamente, é pelo verde que procuro em momentos de introspecção. Não por acaso, pois a conexão entre nosso organismo e o mundo natural sempre acaba falando mais alto, ainda que pareça que caminhamos no sentido inverso. Sim, quando tudo parece estar envolto por um ambiente artificialmente forjado e sem volta, lá estamos nós escapulindo para o mundo orgânico. Pergunto-me se essa necessidade é puramente racional, como aparentado pelos movimentos e discussões eco diversas, ou se a coisa seria mais complexa. Meu pensamento no início desse processo foi o de que apesar das invasões serem verdes, elas não seriam necessariamente boas, pois toda invasão gera um incômodo. Mas agora prefiro pensar que elas são úteis, minimamente falando. A busca pelo verde é mais visceral do que simplesmente saudável. Lars von Trier, em seu último filme, me levou a pensar na dualidade da natureza. O estar na “mata” pode causar paz de espírito, como também despertar aquilo que remanesce de mais selvagem e primitivo em nós mesmos. O que, de alguma forma, penso ser bom: como já dizia aquela música do Marillion, “you’re wild enough to remain beautiful”. A nova onda é xamânica e está acontecendo aqui e agora. Ironicamente, sentir e ouvir a natureza é a tendência do futuro – voltaremos a aprender que o verde cura, alimenta, veste e liberta. E também inspira: nesta edição, ele envolve de forma simbiótica a estudante Andressa Damiani, e orienta parte de nossas matérias. As janelas estão especiais com as fotografias de Lukasz Wierzbowski, fotógrafo polonês cujo trabalho eu adoro e que, muito atenciosamente, topou em colaborar para a NANU! com imagens inéditas – igualmente inspiradas no verde. Hugo Toni, fotógrafo do site FFW, clicou especialmente para nossa décima segunda edição, e nosso editorial de moda foi fotografado em uma cozinha industrial. Em ambos os casos, fugimos do tema, pois essa não é uma edição ecológica. Militâncias à parte, discutimos a experimentação do verde na arte, na moda e na cultura, mas sem excessos. Fosse mais do que isso, teríamos uma grande monotonia cromática.
susana pabst 24 NANU!
FASHION
NANU!
pra favoritar Está em dúvida entre ser geek ou vintage? Você pode se inspirar nestes sites antes de decidir.
Here Comes the Sun amanda-thomas.blogspot.com No ar desde 2008, Here Comes the Sun fala sobre todo o tipo de coisa, só que com uma cara mais soft. Amanda escolhe temas mais vintage e até mesmo mais poéticos pra falar do dia-a-dia, mostrando lojas e sites sobre acessórios, roupas, arte, o que for.
Boubouteatime boubouteatime.com Site perfeito para quem procura referências. Escrito em francês, tem fotos lindas de looks com inspiração vintage.
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Survival of The Hippest survivalofthehippest.com Uma ideia simples, mas que tem tudo pra dar certo. O Survival simplesmente adaptou a moda dos colares com nome para o nome do usuário do Twitter. Legal que eles fazem customizado com o que a pessoa quiser escrever. Perfeito pra quem não vive sem ferramentas sociais.
fotos: Divulgação
Cuffinks cufflinks.com Este site tem todo tipo de objeto de desejo de um geek estiloso. Entre as coisas mais legais abotoadores USB que, além de bonitos, têm 2GB de capacidade de armazenamento cada. Também possuem características funcionais de drives USB, permitindo que todo tipo de conteúdo importante possa ser transportado para onde quiser.
Hula Gypsy Vintage etsy.com/shop/hulagypsyvintage Como Hula Gypsy Vintage é uma pequena loja cheia de coisinhas fofas, do tipo que sua avó adoraria, bolsas florais, carteiras de mão, frascos de perfume etc para gente que se identifica com esse estilo.
Fotos: A Coleta
FASHION
Segundo olhar Estilistas recriam peças através da reforma de roupas de brechó. Uma alternativa para quem está cansado do fast fashion
Houve um tempo que todas as meninas aprendiam a costurar, nem que fosse apenas para pregar botão, consertar um estrago ou ajustar a roupa para que ela servisse por mais tempo. Depois que surgiu o fast fashion e suas grandes magazines, que acabaram barateando o custo das peças, as máquinas de costura ficaram esquecidas com o tempo. Todo mundo passou a comprar pronto e em grandes quantidades. E, com a mesma velocidade, passou a descartar. Até hoje é assim. Mas como as mudanças climáticas estão causando transformações de comportamento, comprar tanto sempre se tornou um problema – não apenas financeiro, mas ambiental. O algodão, usado na maioria das peças disponíveis no mercado, por exemplo, precisa de toneladas de agrotóxico para ser cultivado. Um estudo do International Institute for Sustainable Development (IISD) mostrou que para confeccionar uma camiseta de 250 gramas, os
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chineses usam cerca de 160 gramas de produtos tóxicos. Mudar é necessário. Algumas pessoas saíram na frente e resgataram as máquinas de costura como uma alternativa à grande indústria poluidora e impessoal. Elas procuram formas de reduzir os impactos da produção de uma maneira bem simples: reformando roupas. Neste grupo, estão Mayná Quintana e Ciana Bodini que formam A Coleta, de Florianópolis. As duas estilistas resgatam peças esquecidas em brechós e dão nova vida a elas – garimpam as “pedrinha de diamante no jardim”, como define Mayná. A cara da marca é vintage e delicada. O trabalho artesanal faz com que as peças sejam únicas. É uma maneira de dar um novo valor ao que seria descartado, estabelecendo também uma nova relação afetiva com a roupa. Além disso, as duas valorizam a modelagem, os acabamentos e as costuras originais. “Eu e a Ciana nos conhecemos há uns sete anos e sempre tivemos interesse por coisas antigas, além do gostar do que é feito à mão, com suas características e imperfeições. E quanto às roupas, sempre nos interessou pensar/imaginar a história de cada peça. Isso nos dá abertura para aprender muitas coisas, desde entender como as peças são e eram feitas, por que eram feitas de determinada maneira, até uma compreensão mais abstrata. Perceber essa emoção que envolve as pessoas através da moda”, destaca Mayná. Na mesma linha, a estilista Tiça Muniz, de Curitiba, criou a Flor de Vedete. Mistura de brechó e ateliê, ela também adapta roupas antigas recriando novas ideias. Mesmo com peças recicladas, as características de Tiça sobressaltam. Suas criações lembram muito os anos 50. A cara das vedetes. Uma inspiração para quem tem preconceito com brechó é a americana Marisa Lynch, que aproveitou uma crise dos 30 anos para criar o blog New Dress A Day. Depois de assistir ao filme Julie & Julia, Marisa resolveu adaptar a ideia do filme à moda. Todos os dias, ela vai a um brechó e compra uma peça por um dólar. Então, cria um novo modelo reformado e posta no blog. O objetivo é fazer um vestido por dia (como mostra o nome do blog) e gastar 365 dólares. Marisa estava cansada de tanto comprar coisas novas e queria gastar o tempo propondo a si mesma um desafio. Ela é a prova viva de que é preciso dar um novo olhar para uma peça de brechó e que é possível se reinventar diariamente. É um exercício para a mente e uma solução para quem está cheio do mais do mesmo.
Saiba mais: acoleta.blogspot.com flordevedete.com.br newdressaday.wordpress.com
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FASHION
JOICE SIMON ALANO
I wanna be a gypset!
Felizmente a moda não vive apenas de faustosas criações de “must have it’s”. Conceitos e estilos são criados e renovados em congruência com as tendências apresentadas pelos maiores estilistas do mundo. Pelo menos três vezes ao ano suas coleções são apresentadas nas semanas de moda de Paris, Milão, Londres e Nova Iorque. Em seguida, as revistas e mais recentemente os blogs são inundados pelas tendências anunciadas por eles. Por vezes, a história não muda muito: do preto para o branco, do branco para o preto, cintura alta, depois cintura baixa... Enfim, em tempos em que praticamente tudo é permitido inovar se tornou o maior desafio. No entanto, o que muitos esperam hoje é que, além de novas tendências de roupas, sapatos e bolsas, a moda lance novos conceitos de postura social. A imagem opulenta de luxo, exclusividade e pomposidade supérflua parece estar caindo em desuso entre os fashionistas
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mais descolados. Assim como as grandes tendências de moda, novos comportamentos são notados a partir de várias vertentes que convergem para o mesmo sentindo. Neste caso, para um estilo high-low profile. Não, isto não é um novo e complicado termo fashion, é apenas a forma mais simples para tentar traduzir em poucas palavras o novo estilo já conhecido como Gypset. Gypset: junção de gypsy (cigano em inglês) e jet set (termo em inglês usado para designar pessoas de alto poder aquisitivo, que se deslocam pelo mundo com grande frequência, e não raro em seus próprios aviões). É mais ou menos isto, segundo o livro Gypset Style de Julia Chaplin lançado em maio de 2009, os gypsetters são um grupo (não fechado) de artistas, fashionistas, cantores e/ ou simples e abastados boêmios que levam uma vida seminômade. Visitando lugares não tão comuns entre os bem-abastados, estas
pessoas valorizam, sobretudo, a experiência de estar em lugares remotos em contato próximo a paisagens selvagens, primam a arte pela arte e a convivência com amigos e família. Alguns exemplos deste novo “movimento” - se é que já podemos considerar esta tendência como parte de uma evolução sociocultural – são em sua maioria fashion celebrities aclamadas por terem um estilo que transcende a indumentária. Este grupo em questão é em grande parte composto por jovens bem nascidos, que participam dos negócios da família e têm voz ativa. São pessoas que influenciam pela postura perante a sociedade à qual estão inseridas, e entendem que sua conduta influencia diretamente milhares de pessoas ao redor do mundo. Muito bem, como enxergar isto na moda? Todas as tendências começam de forma sutil, já que precisam do aval dos consumidores para deixar de ser tendência e virar moda.
fotos: Reprodução
Ao valorizar o contato com paisagens selvagens, arte e RELAÇÕES FAMILIARES, os gypsetters formam uma das imagens da mudança do comportamento na moda
“A noção lógica de que imagem não é nada, e conteúdo é tudo, tem criado o ambiente propício para que essa vontade de libertação não só exista como vire uma avalanche, devastando de uma vez por todas as atitudes blasés do alto de suas frágeis posturas”
Coleções e mudança A simplicidade em seu significado mais singelo já se tornou foco em algumas marcas. A italiana Missoni apresentou como campanha de verão 2010 fotos despretensiosas retratadas com os membros da família, sugerindo um cotidiano simples e comum, longe de qualquer suntuosidade ou deslumbre. Outro exemplo de valorização de laços afetivos foi a coleção de bolsas feitas também por Marguerita Missoni, neste caso, a boa moça dedicou cada modelo a uma de suas melhores amigas, batizando cada bolsa com o nome de uma delas. A coleção Resort 2010 da Chanel apresentada em maio trouxe às passarelas mulheres com pés no chão, confortavelmente montadas em um nostálgico estilo anos 70. Tudo bem que as coleções Resort são normalmente direcionadas às jetsetters que fogem do frio para se abrigar em paraísos naturais. No entanto, é estranho ver modelos tão despretensiosamente vestidas em caftans, segurando nas mãos as sandálias e dando a nítida impressão de que estão vivendo seu habitué ao sentir o chão rústico e frio. É nítido que está ocorrendo uma mudança forte de comportamento. Já há a certeza de que prestaremos conta ao nosso meio-ambiente. Vivemos o medo eminente de crises financeiras devastadoras. Além disso, a noção lógica de que imagem não é nada e conteúdo é tudo tem certamente criado o ambiente propício para que esta vontade de libertação não só exista como vire uma avalanche, devastando de uma vez por todas as atitudes blasés do alto de suas frágeis posturas. As pessoas não aguentam mais aqueles tipinhos que deixam de dar um simples “oi!”, fingindo ver mensagens no seu celular ou procurando incansavelmente alguém para ligar. Deus me livre parecer desinteressante e sozinho! Acordemos! Questionar valores, evidenciar posturas éticas e valorizar atitudes politicamente corretas são as mais novas bandeiras levantadas pelo mundo da moda. Timidamente ainda... Mas o que definitivamente nunca cairá em desuso são aqueles velhos e bons manuais de boa conduta que nossos pais e avós nos ensinaram, lembram? “Oi, tudo bem?”
Desfile da Coleção Resort 2010 Chanel: modelos de pé no chão
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JAQUELINE NICOLLE
Nin Castle 30 NANU!
A fundadora da Goodone, Nin Castle, fala sobre moda sustentรกvel e o funcionamento da marca
fotos: Getty Images
FASHION
Como minha função é apresentar referências da moda que possam de alguma forma contribuir para que cresçam desejos de transformação dentro de cada um, apresentolhes Nin Castle. Poucos já devem ter ouvido falar dela. Discreta, deu poucas entrevistas até agora para grupos seletos, como BBC news. Quem tem o faro um pouco mais aguçado, percebe que a marca Goodone criada pela Nin já nasceu vitoriosa. A Goodone foi fundada em 2006 por Nin Castle e Emerson Phoebe em Brighton, em um showroom de carros abandonados. Mais tarde Phoebe se desligou da empresa, então Nin assumiu sozinha o controle da marca. A Goodone iniciou em 2008 um projeto de caridade em colaboração com a Amnesty, Liberty, WWF, Greenpeace e Shelter and No Sweat. Em 2009, a marca foi patrocinada pela Esthetica para expor no London Fashion Week (LFW). Ganhou o prêmio Yasmin Sewell de negócio da moda como parte do novo programa para apoiar os designers na Esthetica pelo Conselho Britânico de Moda. Um dos últimos projetos da marca foi em parceria com a Puma, no qual a Goodone produziu uma gama limitada de acessórios reciclados em uma edição especial. Sinto-me feliz em apresentar algumas perguntas que tive o prazer elaborar para Nin, que com muito carinho cedeu à NANU um pouquinho da sua história, percepção e tempo. Jaqueline - O que lhe inspirou no lançamento da marca, que tipo de incentivo você recebeu e de quais pessoas ou organizações? Nin- A principal razão para iniciar a Goodone foi um sentimento de insatisfação com a indústria da moda e da forma como estava funcionando. Eu escrevi minha tese na universidade sobre a ética da moda e as questões de responsabilidade social e descobri depois que não poderia justificar nada com um trabalho “normal” com as indústrias. Os maiores impactos vieram depois de ganhar um prêmio de empresa criadora de negócios, foi quando nós começamos primeiramente, e então mais tarde viemos a ser patrocinados pela Estethica e o conselho britânico de moda para expor no London Fashion Week, em cima disto tudo, muitas pessoas maravilhosas trabalharam comigo, ajudando a crescer o negócio. Jaqueline- A Goodone trabalha com duas coleções por ano. De onde vem a inspiração para cada coleção? Nin- Bem, temos de iniciar o processo descobrindo o que nossas mãos podem obter dos tecidos disponíveis. A criação é direcionada pela utilização de materiais reciclados de forma que os mesmos não restrinjam a criação. Geralmente não temos um tema para as coleções, é mais um sentimento do que pensamos que as pessoas gostariam de usar, e mais frequentemente do que não gostaríamos de usar também. Jaqueline - A Goodone trabalha com estagiários e uma parte da produção com uma instituição de caridade, que treina e emprega mulheres desfavorecidas. Como funciona este ciclo de criação em equipe? Nin - Como uma empresa, nosso objetivo principal é instigar uma mudança positiva na indústria da moda, trabalhando com empresas de maior dimensão no mercado, marcas e varejistas que podem e têm um impacto muito
“Acreditamos no trabalho com as pessoas e não contra elas, é uma maneira muito mais eficaz de fazer a mudança acontecer”
maior do que apenas produzir uma pequena coleção que é mostrada no LFW. Jaqueline - Você acredita que a Goodone possa ser uma forma de protesto consciente? Nin - Acreditamos no trabalho com as pessoas e não contra elas, é uma maneira muito mais eficaz de fazer a mudança acontecer. Jaqueline - Conte sobre seus projetos futuros e não muito distantes. Nin- Bem, temos alguns projetos maciços em processo de encubação para trabalhar com grandes varejistas criando coleções compostas pelos seus resíduos para serem vendidas dentro de suas lojas e online. Temos também um novo site que sai no final do verão e também muitas outras coisas acontecendo no momento. Jaqueline - Produzir roupas em grande escala é completamente diferente do que criar peças individuais que levam a pensar na combinação certa de tecidos e cores. Como funciona o processo? Nin- É complicado, mas possível! Jaqueline - Deseja expandir a Goodone no mercado da moda, e como isso seria possível? Nin - Sim, definitivamente, sempre foi o objetivo, e felizmente isso já está acontecendo com o nosso trabalho de projeto. Nós realmente queremos trabalhar com empresas maiores, ajudar a reduzir o desperdício em sua cadeia de produção. Incentivar as pessoas a aderirem a esse ciclo de roupas usadas é outro grande objetivo da empresa. Jaqueline - Neste momento existem outras marcas envolvidas com roupas éticas. Qual o diferencial da Goodone? O que a faz diferente de todos os outros da moda sustentável em torno de rótulos?
Nin - Bem, não há muitas companhias que se especializam em upcycling e as que existem são um pouco diferente de nós nos tecidos que usam e na sua forma de ver as coisas também. É bom que todos nos damos muito bem. Estamos sempre buscando um olhar tão insustentável quanto possível, se isso faz sentido. Queremos desenhar roupas realmente incríveis! Jaqueline – Por que você acha que as pessoas ficaram tão acostumadas à ideia de comprar tantas roupas e se livrar delas tão facilmente? Nin- É apenas demasiadamente fácil e tentador comprar um vestido que você gosta, se é apenas uma nota de cinco libras, e você ainda tem dinheiro suficiente para comprar uma saia, um top e o que mais lhe chamar a atenção. O problema é que ninguém está se perguntando como essas roupas são feitas de modo mais barato e porque, quando a inflação cai, o preço das roupas não diminui. Nós compramos mais que o dobro da quantidade de roupas hoje do que há 10 anos, desta forma, temos muitas roupas em nossos guarda-roupas. Existe também o fato de as roupas serem tão baratas que a maioria não dura mais que algumas lavadas, o tecido se deforma e os botões caem, assim você as joga fora. Nós não pensamos sobre o fato de que o algodão tem a mesma quantidade de tempo para crescer, a mesma quantidade de produtos químicos é utilizada na sua produção e vai levar a mesma quantidade de tempo para biodegradar. Para a indústria da moda se tornar verdadeiramente sustentável é preciso comprar a metade da quantidade de roupa que compramos por mais dinheiro, mas ninguém gosta de ouvir isso. Jaqueline - O que fazer moda significa para você? Nin - Para mim, significa um projeto bom, e por isto quero dizer esteticamente bom, funcionando bem e por último, mas nem por isso menos importante, que seja feito de uma forma responsável, que respeite os tecidos utilizados e as pessoas que os fazem. Jaqueline - Como a filosofia Goodone traduz em sua vida pessoal? Nin - Bem, eu passo a maior parte do meu tempo trabalhando, então elas praticamente se fundem. Jaqueline - Que mensagem você daria aos aspirantes a designers sobre ética e indústria da moda em geral? Nin - A indústria está mudando, as questões de sustentabilidade estão se tornando mais integradas às áreas da indústria, os designers que puderem demonstrar alguma capacidade de pensar sobre o maior impacto de seus projetos, bem como a estética, se darão bem certamente. *** Nada mais simples, real e duro para instigar um pouquinho nossas mentes. Gostaria de agradecer imensamente a paciência, o carinho e a dedicação, para com esta publicação brasileira, de Nin Castelo e Aline Estevam - que foi parte importante desta matéria por me colocar tão próximo a Nin em seu intermédio direto de Londres. Espero estar contribuindo para a divulgação desde trabalho incrível que a Goodone faz.
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FASHION
CAROLINE PASSOS | entrevista
Gêmeas
começou a fotografar em 2007 e teve outros trabalhos publicados em sites e revistas. Hoje ela é fotógrafa do site da Vogue RG. Enquanto que Isadora escreve. Mantém o blog Curriculum Vitae (duncankrieger.blogspot.com), onde publica contos. Um de seus textos inspirou a exposição Clarice Menina instalada na loja da Casa de Criadores. Além disso, as duas trabalharam como hostess do Hell’s Club, um dos principais pontos de encontro da cena underground de São Paulo. Em entrevista à NANU!, Isadora fala um pouco sobre esse universo, o início da Gêmeas e as inspirações da dupla.
NANU! - Como foi o início da marca? Quando vocês começaram a se interessar por moda? Isadora - A marca surgiu em 2001, quando nosso projeto foi aprovado pela comissão julgadora da Casa de Criadores. O gosto pela moda vem de família, nossa mãe criava suas próprias roupas, tinha uma costureira que as confeccionava, inclusive um sapateiro que fazia alguns sapatos e bolsas que ela também inventava. NANU! - Qual é a principal referência de moda de vocês duas? Isadora - Olga Fóes, Ana C., Anouk Aimée,
fotos: Marcelo Soubhia / Fotosite
Antes de se despendir da moda para se dedicar a outros projetos, Isadora Fóes Krieger conversou com a NANU! sobre inspirações e a trajetória da marca
No Facebook, um convite para um evento me fez parar por alguns segundos até compreendê-lo. No anúncio, Isadora Fóes Krieger escreve “A marca Gêmeas se despede oficialmente da moda”. Foi um susto, pois não havia nenhuma semana que Isadora tinha respondido a entrevista abaixo. Enviei uma mensagem para a estilista perguntando se era o fim o mesmo. Minutos depois a resposta “Sim, exatamente isso”. As paixões das irmãs Isadora e Carolina Fóes Krieger que afloravam há algum tempo haviam finalmente dominado. Elas preferiram seguir os instintos e mudar. Um bazar de encerramento aconteceu, mas a loja Boris & Natasha, em São Paulo, permanecerá aberta, só não venderá mais itens das Gêmeas. Além disso, as duas não descartam a possibilidade de trabalhar com moda, escrevendo sobre ou fotografando. Carolina e Isadora começaram a marca há 9 anos, quando mostravam pela primeira vez suas criações na passarela da Casa de Criadores. O projeto criado para aproximar jovens talentos do mercado da moda brasileira serviu de palco para outras coleções desenvolvidas pelas irmãs catarinenses desde então. Como mostrou o destino, o universo das gêmeas foi além. As fotos da campanha dos óculos desenvolvidos pelas Gêmeas em parceria com a Chilli Beans foram feitas por Carolina, que
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Jane Birkin, Elis Regina, Jean Seberg, Anais Nin, Nara Leão, Patti smith, mulheres assim... NANU! - Como vocês definiram quais seriam as principais características das criações da marca? Isadora - Nossas criações sempre se relacionam com outros tipos de arte. NANU! - Uma das coleções de vocês foi inspirada em um conto da Isadora e outra na música Change Your Heart, Look Around You, da trilha de Brilho Eterno Sem Lembranças. Como foi a escolha destas e de outras temáticas das coleções? Isadora - O conto na verdade foi base de uma exposição que fizemos na loja da Casa de Criadores, Clarice Menina. O conto mistura ficção com realidade, é sobre a infância de Clarice Lispector. Já a coleção de inverno 2011 veio a partir da música-trilha do filme Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Tínhamos algumas ideias que se uniram perfeitamente depois que escutamos tal música, neste desfile a intenção era passar uma emoção, a beleza que nos rodeia, mas que muitas vezes nos foge. As temáticas geralmente surgem, não são escolhidas, são coisas externas que logo viram internas, onde são trabalhadas e devolvidas com um novo olhar.
“Nossas criações sempre se relacionam com outros tipos de arte”
NANU! - Qual música que vocês têm ouvido atualmente? Isadora - O disco Infiniheart de Chad Vangaalen. NANU! - Quando você começou a escrever? Pretende levar adiante, publicar um livro, por exemplo? Isadora - Desde pequena escrevo poemas, mas a escrita só surgiu intensamente na minha vida em 2005, hoje atingiu uma proporção gigantesca. Pretendo publicar quando me sentir preparada. Escrevo por intuição, mas
escrever também é um ofício, está intimamente ligado ao próprio amadurecimento, é preciso praticar todos os dias, e ler muito, a leitura é um dos principais alimentos de um escritor. NANU! - E quando a Carolina começou a fotografar? Também pretende levar adiante, fotografando editoriais? Isadora - Minha irmã começou a fotografar em 2007, mas profissionalmente há um ano, ela já participou de algumas exposições, publicou um ensaio na revista Onspeed, fotografou a campanha dos óculos que desenhamos para Chilli Beans, e recentemente foi contratada pelo site da Vogue RG. NANU! - Qual a influência da cena underground do Hell’s Club no trabalho de vocês? Isadora - O Hells fez parte de um grande trecho de nossas vidas, acho que sua influência está ligada a tudo que nos aconteceu durante tal trecho, recém tínhamos chegado em SP, e no Hel’s conhecemos alguns amigos, amigos especiais que estão conosco até hoje. NANU! - E quais são os planos depois do fim das Gêmeas? Isadora - Nossas novas paixões, fotografia e literatura.
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FASHION
NANU!
LOVE HURTS
Estilistas que criam o inimaginável no mundo da moda
Nick Cave
Bea Szenfeld
Ex-bailarino, Nick Cave faz arte através da moda. Seus trabalhos chamam a atenção pelas formas e cores – nada de prêt-à-porter. Na coleção Soundsuits, o estilista utiliza material recicláveis e cria misturando alta-costura a modelos de roupas usadas em cerimoniais de tribos africanas.
As roupas em papel são o diferencial nos trabalhos desta estilista polonesa. Na coleção Sur la Plage, a estilista inspirou-se no mar, tribos e nas mulheres dos anos 1930 com suas cinturas marcadas, em uma releitura futurista. Cada peça levou em média dois meses para ficar pronta. Bea já fez trabalhos para Stella McCartney, Tommy Hilfiger e Swarovski, entre outros.
Charles Youssef O jovem estilista britânico Charles Youssef chama atenção pela geometria de suas peças. Suas inspirações são brincadeiras infantis de papel e o minimalismo gótico. É um dos nomes mais promissores da moda. Neste editorial, publicado na Dazed & Confused, a modelo Nastasia usa stylist é de Kim Howells e make de Martina Luisetti e cabelo de Yoshitaka Miyazaki.
Foto: Sylvain Deleu
Foto: Thomas Cooksey
Fotos: Sylvain Deleu
Talvez você nunca tenha ouvido esse nome, mas com certeza já viu uma de suas criações. Lady Gaga se desequilibrou e caiu diante das câmeras usando um sapato com salto de 23 centímetros desenhado por ele. Autodidata, Noritaka desenvolveu cinco pares especialmente para Gaga. Os modelos custam entre US$ 2.500 a US$ 4 mil.
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Chau Her Lee Lady Gaga não deve ter visto as criações desta designer. Até dá pra imaginar a cantora se equilibrando em um dos modelos. Chau usa materiais inusitados, misturando novas tecnologias, como o corte a laser, e tradicionais. Seus sapatos foram premiados no Its Eight Accessories Award, que premia jovens designers.
fotos: Divulgação
Noritaka Tatehana
EU, MODELO
CAROLINE PASSOS
pronta para servir
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fotos: Gabriela Schmidt
O nome de Andressa Damiani para ser a capa desta edição surgiu de uma forma totalmente inesperada. Não conhecíamos nenhuma pessoa que se encaixasse no perfil do editorial. Recorremos, então, a um casting com leitoras da revista. A ideia foi divulgada no blog e twitter da NANU! e, minutos depois, começamos a receber fotos de meninas interessadas em participar. Todas tinham sua beleza, mas como a ideia das fotos era bastante específica, continuamos a procura. Foi aí que apareceu Andressa, através da indicação de um amigo dela. De cara gostamos muito do perfil da estudante de Medicina Veterinária. Era o ingrediente que faltava no editorial. Andressa é pequeninha e muito ágil. Embora não tivesse nenhuma experiência com ensaios fotográficos, foi bastante segura nos movimentos. Mostrou-se bem disposta e não reclamou nem do frio que fazia naquela tarde ou de ter que se espremer em um aquário de vidro. Vestida com um maiô e deitada sobre folhas de couves, rodeada por pimentões e pepinos, respondeu bem-humorada que estava se sentindo “pronta para ser servida”. E foi nesse clima que ela suportou as horas de fotografia. Nascida em Urussanga, no Sul de Santa Catarina, Andressa morava com a mãe em Piçarras, mas mudou-se este ano para Blumenau para fazer a faculdade. Ela disse ter ficado surpresa com o convite da revista. “Foi muito inesperado. Eu nunca tinha passado por nada parecido. Fiquei nervosa, mas foi um nervosismo estimulante. Resumindo, adorei”, conta. Sobre a sessão de fotos, Andressa disse ter se impressionado de como tudo funciona: “É bem diferente do que a maioria das pessoas acha (do que eu achava, inclusive). Cansa bastante, tem que se esforçar pra todas as partes do corpo e rosto ficarem em harmonia. E eu queria muito, muito, fazer tudo direitinho, já que me deram essa chance eu não podia estragar tudo, não é mesmo?”. Andressa não sabe qual será a reação das pessoas quando virem o editorial publicado, mas acredita que o resultado tenha ficado diferente de tudo que ela já viu. “Originalidade e criatividade vão aparecer de certeza! Depois da sessão, comecei a observar as coisas ao meu redor de uma forma diferente. Acho que quem ler a revista também vai começar a mudar. Enfim, fiquei muito feliz de participar de uma edição tão exótica”, afirma.
fotos: Gabriela Schmidt
A estudante Andressa Damiani conta como foi participar da sessão de fotos para a capa da NANU!
“Originalidade e criatividade vão aparecer de certeza! Depois da sessão, comecei a observar as coisas ao meu redor de uma forma diferente” NANU! 37
invasões verdes Fotografia susana pabst assistente de fotografia gabriela schmidt cONCEITO E TRATAMENTO LOOSHSTUDIO Styling e Produção de Moda Eduardo Kottmann e Gabriela Telles Assistente de Produção Milla Pedrosa BELEZA MIGUEL ESTELRICH não-modelo vanessa demiani
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Agradecimentos Chemise Rosa Chรก Mukifo
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CAMPARI JOY | nonsense
ilustração: LOOSHstudio
COLETIVO
The Earth Intruders Ground Control to Major Tom… O ano era 1969, o homem acabava de pisar na Lua e as rádios da Inglaterra difundiam os diálogos de Major Tom e sua Torre de Controle na Terra, cantados pela voz de uma figura exótica de cabelos vermelhos e corpo esguio. Antes do single Space Oddity, David Bowie já havia lançado seu primeiro álbum, dois anos antes, sem muito sucesso. Depois de Space Oddity, veio The Man Who Sold The World em 1970 e Hunky Dory em 1971. Embora esses discos contenham lindas canções e alguns clássicos (God Knows I’m Good; Black Country Rock; The Man Who Sold The World; e Changes), foi mesmo em 1972, com The Rise and The Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars que David Bowie despontou ao estrelato, consagrado como o alienígena mais rocker que já existiu. Depois disso, o mundo inteiro não seria mais o mesmo. Ziggy Stardust e suas aranhas de Marte foram responsáveis pela difusão da androginia e absorção do glam rock na cultura pop. O quinto disco de David Bowie é praticamente uma peça de teatro e conta a história de um extraterreste (Ziggy) que cai na terra para salvá-la de sua destruição, que acontecerá em cinco anos, e se rende ao rock e suas “virtudes”. Não por acaso, a faixa de abertura é Five Years. Todo o álbum é permeado de bissexualismo, atitude e polêmica. Na sequência de Five Years, Soul Love com uma pontinha de otimismo; Moonage Daydream, elétrica; Starman, messiânica; It Ain’t Easy pra seguir em frente, Lady Stardust para proclamar a androginia e
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Star (ou Rock n’Roll Star) mostra como mudar o mundo, tal qual um rock star. Na reta final do álbum, Ziggy Stardust é a canção que retrata o cenário musical da época, segundo a visão crítica de Bowie. Como epílogo, Rock n’Roll Suicide, onde o astro comete suicídio no palco, deixando seus seguidores carentes da salvação. Segundo o próprio Bowie, Rock n’Roll Suicide é uma declaração do fim do efeito de ser jovem. The Rise and The Fall (…) é considerado por muitos a mais perfeita obra conceitual do mundo pop - um disco que fala de excessos, salvação, ambiguidades e um retrato artístico de uma vida, ainda que fictícia, do que é viver o rock.
“ziggy Stardust e suas aranhas de Marte foram responsáveis pela difusão da androginia e absorção do glam rock na cultura pop”
Toda a produção artística na música desse álbum narra a trajetória de um ser que acredita poder salvar o mundo, uma paródia da própria ânsia juvenil, que é finalizada com o suicídio da personagem. Tão brilhante foi a mente (provavelmente a sacada foi desencadeada por seu processo individual) de David Bowie, que no último show da turnê de Ziggy (a primeira de Bowie), na Inglaterra, seu primeiro show em terra natal, ele diz: “Esse é um show muito especial, pois é meu último show”. Dá pra imaginar o quanto o público ficou perplexo... para semanas depois descobrir que David Bowie estava se referindo somente a Ziggy Stardust. Soa como um mítico fechamento de ciclo. Depois da “morte” de Ziggy, David Bowie lançou Aladdin Sane, trocadilho com a frase “A lad insane”, um rapaz insano. Esse disco viria a ser outra obra prima, que carrega uma das imagens mais icônicas da história da nossa cultura: o rosto de David Bowie com o raio laranja e azul, a consagração da importância da atividade artística do músico. A fase glitter da carreira de David Bowie - a vida de Ziggy Stardust - é sem dúvida o período mais criativo de toda a sua obra. Dá até pra acreditar que a história do álbum é mesmo verdade: David Bowie serviu como palco para Ziggy Stardust chegar a terra, salvar o cenário pop, revolucionar o mundo da música e mudar o Rock n’ roll pra sempre com seu visual luminoso, iluminado e andrógino. Ele é o invasor extraterreste que criou sua vida e morte no palco para transformar a música, a moda e o comportamento de várias gerações.
COLETIVO DOUGLAS VS DUH | vida urbana
Invasão Sueca ´ Depois do festival que uniu SuEcia e Brasil, ´ Douglas e Duh apresentam referências do paIs escandinavo
Stockholm Street Style Obviamente a moda sueca não se resume somente à rede gigante de fast-fashion H&M (para citar a mais popular). Referência mundial para vários interessados em moda e estilo, o portal Feber.se abriga também o blog Stockholm Street Style que é editado pelo fotógrafo Daniel Troyse e a stylist Caroline Blomst, esta última com alguns dos looks mais desejados por milhares de blogueiras no mundo inteiro. Além de desvendar estilo e liberdade de expressão, o blog traz imagens de ótima qualidade com looks e detalhes de pessoas que transitam pela capital sueca. Entre em carolinesmode.com/stockholmstreetstyle. E se você tem vontade de fazer parte disto e dividir o seu estilo com o resto do mundo vale a pena entrar no Lookbook.nu. O site é nórdico, mas funciona como uma rede social fashion onde pessoas do mundo inteiro postam fotos de seus visuais como um blog de streetstyle.
Swedish Blood Em tempos de vampirismos adolescentes, o filme Deixa Ela Entrar (Let The Right One In ou Låt Den Rätte Komma In - 2008) se destaca como um incrível thrillercult ambientado em 1982 no subúrbio de Estocolmo onde uma criança em transição para a adolescência conhece uma garota que é vampira. Este enredo por si só já é bastante curioso. O interessante é que a história vai além do que somente mais uma trama sobre vampiros. Além de ter ganhado várias premiações internacionais, o filme recebeu uma versão americana que estreia nos cinemas ainda este ano. O que vale a pena mesmo é assistir a versão original sem a pretensão de se tornar um blockbuster.
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Swedish Music Way of Life Pode-se falar de inúmeros artistas e bandas que todo mundo conhece e talvez nem lembre que sejam suecos, como Abba, Ace of Base e Roxette. Seguem os que estamos curtindo agora. Com sua primeira música gravada aos 12 anos para um programa local, Robyn tem sido destaque internacional nos últimos anos, incluindo singles como With Every Heartbeat, suas colaborações para a música vão desde backing vocals para Britney Spears, emprestar sua voz para faixas do duo eletrônico norueguês Royksopp à abertura dos shows da parte europeia da turnê Stick & Sweet Tour da Madonna. Este ano, ela lança uma trilogia de álbuns intitulada Body Talk com no primeiro volume a ótima faixa Dancing On My Own. O lado independente da Suécia é latente, a banda Shout Out Louds faz um indiepop para todos os ouvidos e o seu baixista Ted Malmros, dirigiu o hit-indie Youngs Folks dos também conterrâneos Peter, Bjorn and John. Sem falar nas vozes femininas de El Perro Del Mar, Lykke Li e Those Dancing Days, da banda de 27 integrantes I’m From Barcelona e passando pelo combo um tanto obscuro The Knife + Fever Ray e o recente Miike Snow. A Suécia serve como um celeiro cultural para todos os gostos e direções, nos fazendo refletir em como um lugar aparentemente pequeno concentra tamanha bagagem cultural.
“Depois de ver tantas IMAGENS de street style e assistir a um show num parque de diversões ficou a vontade de conhecer ou morar em estocolmo”
arte Douglas de Souza em foto de Gabriela Schmidt
Além de um festival de música realizado para divulgar e promover um intercâmbio entre a Suécia e o Brasil, trazendo bandas indiepop pra cá, o Invasão Sueca nos fez pensar em como recebemos milhares de influências deste país nórdico. Depois de ver tantas belas imagens de street style e assistir a um show num parque de diversões, por exemplo, ou até mesmo sentir o clima frio e suburbano através de uma experiência cinematográfica, ficou vontade de conhecer ou morar em Estocolmo. Seguem alguns highlights suecos para se introduzir ainda mais na cultura deste país escandinavo:
COLETIVO
CAROLINE PASSOS | entrevista bombons e outros materiais plásticos surgiu pelo estudo A Estética do Obsoleto, que ela desenvolveu durante a pós-graduação. Flávia descobriu um norte através de um trabalho experimental feito, em 2004, pelo designer argentino Martin Churba e pelo estilista uruguaio Fernando Escuder em uma prensa pequena de estamparia instalada nos laboratórios da UNERJ, em Jaraguá do Sul. Junto com o estilista Ronaldo Fraga, os dois criadores testaram as possibilidades do equipamento desenvolvido para aplicar transfer em malha. Flávia recorreu à ideia e iniciou novas tentativas até chegar aos produtos que podem ser comprados no site dela. Nesta entrevista, ela explica sobre o projeto e as parcerias que foram desenvolvidas durante o processo de criação. NANU! - Como surgiu seu interesse em reciclagem de matéria-prima na aplicação de objetos de moda e nas artes-plásticas? Flávia - O interesse por reciclagem, primeiramente, é devido à minha adolescência, nos anos 90, quando se começava a ter uma maior consciência ambiental. Lembro que gostava de assistir desenhos como os do Capitão Planeta. Depois cresci ouvindo bandas como Radiohead, que também é produto desse tempo, e é uma das minhas referências musicais até hoje. Sempre fui muito curiosa, minha mãe é professora de ciências, isso me ajudou a querer saber como as coisas funcionavam, e aliado a isso, sempre me interessei por estética. Quando as coisas estão bonitas, me parecem melhor resolvidas, isso me fez querer encontrar beleza em coisas que estavam indo para o lixo, buscando uma segunda vida, construída com leveza, beleza e estímulo. Se assim o é, consciência, sentimento estético e conhecimento científico, podem reconstruir o equilíbrio. Em verdade, que são nas fronteiras de conhecimentos onde nascem as inovações.
Com o projeto Rato Rói, a designer testa novas maneiras de reaproveitamento de material seguindo a proposta upcycling
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NANU! - Quanto tempo levou até chegar ao efeito desejado? Flávia - Experimentei muito durante aproximadamente dois anos e continuo experimentando, sempre. Matéria-prima não falta, o gerenciamento do plástico é uma das questões que mais merece atenção. O criamos para resolver um problema, substituir materiais e agora precisamos ser inteligentes para sabermos gerenciá-lo, transformando-o de forma adequada,
Fotos: Dani Martins
Flávia Vanelli
Formada em Publicidade e Propaganda, Flávia Vanelli optou pelo design como uma consequência de sua curiosidade em pesquisar e criar. Hoje, ela é especialista em Criação e Desenvolvimento de Produtos para Moda e Design e busca aprimorar técnicas para o reaproveitamento de materiais. Foi desta vontade que surgiu o Rato Rói, uma marca desenvolvida por Flávia que utiliza embalagens plásticas e outros materiais como estamparia. No site do projeto (ratoroi.com.br), que começou há cerca de um ano, a designer faz a contagem de quanto material foi reutilizado durante a produção de bolsas, vestidos e objetos de arte e design. O nome para o que ela faz é upcycling, ou seja, renovação de resíduos, evitando a perda de energia, agregando, através da criatividade, mais valor ao novo produto. A ideia de estampar embalagens de
NANU! - Como funciona a técnica de estamparia que você utiliza? Flávia - É tudo incrivelmente simples, eu prenso e esquento plástico sobre plástico. Transformo em chapas 100% de eco-matéria que viram bolsas e outros utilitários. Se não fosse assim, esses plásticos, quando reciclados, se tornariam objetos de menor valor, seguindo as leis da entropia – que significa perda de energia – e é assim que as coisas caminham até seu total esgotamento. Se fossem para aterros sanitários, estariam condenados a ficar lá por muito tempo, quando não, sua leveza os levaria para bueiros e encostas de rios. Depois que transformo isso em “chapas”, fotografo e abstraio os grafismos para a estamparia digital. É possível prensar diretamente sobre o tecido também, se ele tiver poliéster, porém, quando o produto vira descarte é impossível separar algodão do plástico. Por isso para as roupas, escolhi utilizar a linguagem digital, sobre tecidos leves, arejados, ventilados, próprios ao nosso clima tropical.
quanto mais desenvolvedores de ideias se tornarem conhecedores das propriedades dos plásticos, mais conseguiremos os manter em ciclos, utilizando essa riqueza de origem fóssil. NANU! - Como funciona seu processo de criação em moda? Você mesma desenha os modelos? Flávia - Comecei a me interessar por moda na Pós-Graduação em Criação e Desenvolvimento de Produtos no Instituto Orbitato em Pomerode, Santa Catarina. Lá fiz o curso Modelar com o Jum Nakao, foi a melhor aula que já tive, entendi que com poucos cortes, sem desperdiçar muito tecido, conseguiria trabalhar as minhas roupas. Para a criação uso a técnica que aprendi com o Jum, Moulage que aprendi com a Ana Lúcia, que também é professora do Instituto e modelista da Iódice. Gosto de criar tocando as matérias, sentindo o que elas me transmitem. NANU! - Quais foram os parceiros do seu trabalho até agora? Flávia - Trabalhei com pessoas superdispostas, talentosas, fazedoras, entre elas Nestor Jr., que é alguém de muita sensibilidade e com uma linda personalidade, com a escritora e fotógrafa Dani Martins, que me auxilia com versos e imagens, com a Mariza Taube, que é uma supercostureira e topa construir todas as minhas ideias, tenho orientação de pessoas que me ajudaram em todo processo desde o início, entre elas, Celaine Refosco e o historiador Vinícius Schane. NANU! - De onde vem o nome Rato Rói? Flávia - Um dia, fiquei me perguntando: “Rato rói plástico?”, lembro que estava vendo imagens de peixes que tinham sido encontrados mortos com tampinhas plásticas na barriga. Eu fiquei curiosa, o dia inteiro. Fazia calor e nosso ar-condicionado aqui do Orbitato havia acabado de chegar. Eu estava sozinha na sala, e entre meus fazeres e minhas indagações, ficava apertando os botões e trocando a temperatura. Foi o objeto que eu mais dei atenção naquele dia. No outro dia, quando voltei ao Instituto, o botão que mais apertei estava roído, o que é incrível, pois temos uma governanta que mantém tudo extremamente bem cuidado e limpo, e nunca havíamos percebido roedores por lá. Era como se tivesse ocorrido uma dimensão simultânea, que me respondesse: “Rato rói, sim”. NANU! - Como você percebe o interesse da indústria de moda no reaproveitamento de material? Flávia - Precisamos pensar melhor a produção de cada bem, com coragem para puxar um longo fio de hábitos comportamentais adquiridos ao longo da história, que geram resistência em suas modificações. As visíveis consequências da pressão aos recursos naturais tornam necessária a disseminação de uma ecocultura cada vez mais a favor das adaptações. A indústria ainda irá precisar de muita experimentação e trabalho de desenvolvedores responsáveis para se adaptar aos novos tempos, fazendo trocas que não sejam nocivas, que tragam ganhos sociais e ecológicos. Para essa inteligência se desenvolver é necessário o incentivo tecnológico e financeiro, para projetos especiais como esse, e outros que têm vontade de transformar. As eco-matérias propostas devem ser aplicadas a reeducarem através de
um novo ciclo de consumo, se transformando em uma fonte de vantagem competitiva para as indústrias, uma fonte de expressão para os indivíduos NANU! - Você acredita que o consumidor está cada vez mais interessado em saber qual o processo de produção utilizado no que está comprando? Flávia - Sim. Cada vez mais, em nossas vivências, sentimos as mudanças climáticas, percebemos os estragos da perda de biodiversidade e as consequências das más condições de trabalho no mundo. Temos duas opções: esperar tudo isso chegar ao extremo ou começar a cuidar do que ainda temos. O homem é o único ser vivo que sabe dos riscos antes que algo maior aconteça. Isso nos dá poder de escolha.
“Quando as coisas estão bonitas, parecem melhor resolvidas, ISSO me fez querer encontrar beleza em coisas que IAM para o lixo” NANU! 67
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NILMA RAQUEL | glamour
Veneno-remédio Apesar de ter trabalhado fazendo matérias de beleza, eu mesma nunca fui a mais exigente com os produtos. Tem coisas caras que me agradam, mas uma outra baratinha, se funciona, eu adoto sem o menor problema. É legal saber que, a rigor, o que costuma diferenciar um preço do outro, quando falamos de cosméticos em geral é a quantidade de pesquisa e a qualidade e procedência dos ingredientes utilizados na fórmula. Nada mais justo, portanto, do que um custar mais que o outro. Mas essa postura “não tô nem aí” funcionou bem pra mim só por um tempo. Além de meus cabelos terem ficado mais exigentes com o passar dos anos, ultimamente minha pálpebra resolveu se rebelar apresentando uma alergia insistente a rímel e sombra. E lá fui eu repensar o que uso, e procurar por coisas mais leves, com menos química, com certificação orgânica e tal. E nesta busca a conclusão a que cheguei é que dá uma canseira danada procurar
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entre verdes, orgânicos e minerais (a última onda em maquiagem...) e saber o que é o melhor. Com isso, lembrei do que ocorreu há uns anos, quando eu apurava uma matéria sobre cosméticos orgânicos para a Vogue. Minha cabeça quase deu um nó ao conversar com profissionais pró e contra o uso dos derivados de petróleo (dá uma olhada em vários frascos no seu banheiro cujos ingredientes terminam em “cone”), considerados os maiores vilões nas fórmulas dos cosméticos. Consultei publicações científicas, dermatologistas e químicos. Os produtores de orgânicos diziam que parabenos, dimeticonas, ftalatos e sintéticos quetais fazem mal sim, mas a maioria dos médicos dizia que as pesquisas não conseguem concluir que um câncer foi causado pela fórmula de um desodorante (pelo amor de Deus, você não foi um dos que repassaram aquela baboseira que circulou na internet, né?). Crentes ou descrentes, verdes ou junkies, fica a pergunta: dá para termos uma
atitude mais “verde” também com creminhos e make? A resposta é sim, está ficando cada vez mais fácil. Pra quem visita os EUA e Europa, principalmente, há uma infinidade de empresas estabelecidas em torno da produção de cosméticos orgânicos – e com a adoção do que se costuma chamar fair trade, o comércio justo – que oferecem coisinhas legais, cheirosas e eficientes. O Brasil ainda não tem uma legislação que regulamente esse tipo de produto, só institutos que certificam os orgânicos, como o Ecocert e o IBD, mas aqui no país a gente também já encontra bons cosméticos “verdes”, basta procurar. A empresa mais tradicional e confiável é a Weleda, mas tem também a Reserva Folio e até a francesa L’Occitane, cujos artigos podemos encontrar em muitas lojas por aqui, tem uma nova linha de produtos organicamente certificados. Só que de um modo geral é preciso prestar uma superatenção no que se está comprando e não embarcar no green marketing só porque o produto traz as palavras mágicas ECO ou ECOLÓGICO, que algumas vezes são colocadas ali só pra enganar os mais tontos. Após dizer isso tudo, confesso que, mesmo com meus cabelos mais exigentes e minha alergia na pálpebra, ainda fico indecisa sobre até que ponto os cosméticos “ecologicamente corretos” são realmente mais benéficos que os tradicionais. Porque há muita pesquisa dentro do potinho de creme de uma empresa confiável e às vezes um perigo danado numa simples xícara de chá com ervinha da horta. Como eu sempre digo, tudo nesta vida reside na medida: é o tal veneno-remédio. Sugiro que, se você se interessa pelo assunto, corra atrás de informações pra decidir.
Saiba mais planetaorganico.com fda.gov/cosmetics cosmeticosorganicosnaturais.blogspot.com allnaturalbeauty.us ecocert.com.br organicconsumers.org portalorganico.com.br
ilustração: LOOSHstudio
“É preciso prestar atenção no que se está comprando e não embarcar no green marketing só porque o produto traz as palavras mágicas ECO ou ECOLÓGICO”
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LOOSHstudio
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DJ CASTRO & PAULA SOFIA
ECO&LÓGICA
No início havia o caos, tudo era nada. Um belo dia surgiu uma fagulha de vida e muitas coisas passaram a existir no espaço. Algum tempo depois, um ser vivo começou a processar gás carbônico e a transformá-lo em oxigênio. Assim criou-se a atmosfera. E tudo evoluiu. E tudo respirou. Por causa de uma substância que dá a característica verde às plantas: a clorofila. Tendo essa percepção, o verde se tornou a cor que representa a vida no planeta Terra, conquistando o status de campanha global em prol da preservação do meio ambiente: Think Green. Verde é simbolicamente a cor da esperança. A vida como conhecemos não seria possível sem a cor verde. Como fazer o homem entender a importância desse fato? Como fazer o homem “pensar verde”? Curiosamente, a cor verde não é natural em nosso corpo. Com exceção da cor dos olhos de alguns seres humanos, ela simplesmente não faz parte em grande escala das diversas tonalidades do organismo do
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homem. Quando ela aparece é porque estamos infectados por alguma doença. É natural que as crianças rejeitem a cor verde. Veja como é difícil uma criança se sentir atraída por comida verde. Afinal, verde é cor de meleca. A maioria dos monstros infantis é verde. O incrível Hulk, por exemplo, poderia ficar roxo de raiva, o que seria muito mais natural. A grande maioria dos alienígenas imaginados pelo homem é verde. Historicamente, o homem tem sido um monstro para a natureza, e a natureza vilã de tragédias humanas. Há uma luta de forças entre homem e natureza, proveniente de um vício de comportamento territorialista e dominador que estamos cansados de saber que nunca acaba bem. Será o homem um parasita inconsequente? Será a natureza uma mãe seletiva e cruel? Há gerações o homem desenvolve o poder de pensar que o mundo gira em torno do próprio umbigo, que a Terra existe apenas para
servi-lo. Há quem afirme que é seu próprio Deus, basta determinar seus desejos que o universo bate à sua porta com uma bandeja nas mãos. Dentro desse contexto confortável, como é possível aceitar nossa insignificância diante do milagre dos ciclos e correlações da vida? Sentimos que somos únicos e especiais, somos a única espécie consciente na Terra. Nem por isso deixamos de ser dependentes do que a natureza gentilmente puder nos oferecer. Quando ela se extinguir, será também o nosso fim. Desenvolver essa consciência parece tão óbvio quanto respirar, mas é um árduo exercício de evolução. O que faz alguém sedentário sair do aconchego da cama quentinha para dar uma corrida antes de um dia de trabalho? Modificar hábitos é uma tarefa difícil. Romper padrões é um ato de coragem. Mudar é essencial para crescer. É algo que sabemos antes mesmo de nascer.
ilustração: Felipe Protski
“Há uma luta de forças entre homem e natureza, proveniente de um vício de comportamento territorialista e dominador que estamos cansados de saber que nunca acaba bem”
janelas
Passei dias olhando para essa folha em branco, que quando lida será impossível captar o escrito, pois as palavras já terão diminuído o que foi possibilidade incontável em espaço vazio. Só conseguiria entendimento concreto se as palavras pudessem sumir ao serem lidas, com o que não pode ser descrito tornando-se óbvio demais. Para assim sentir até o tempo em que minhas mãos ficaram sobre o papel, porque a espera faz parte disso.
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Passei dias olhando para essa folha em branco, esperando que ela se colorisse sozinha. Explico. Minhas frases costumam ser retiradas daqui e postas de modo que faรงam algum sentido em outro plano. Mas as coisas desentoaram do meu contexto certo, quando as linhas passaram a fazer sentido maior do que o que poderia ser descrito entre elas.
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Senti-me inútil ao perceber que estragaria esse encanto todo colocando tinta preta, como empecilho entre as linhas que estão sempre tão perto de se tocar... Como resposta, a página sem aviso prévio tornou-se inteira da cor, que agora notei, são os traços linhas desse caderno. Achava sensato aprisionar palavras aqui para libertar tudo na hora certa. Então, como poderia libertar algo que virou só cor, tornando meus pensamentos fracos e minhas mãos, pela primeira vez, caladas? NANU! 77
Lukasz Wierzbowski
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Penso... E peço sinceras desculpas, porque montei esse muro de ideias entre minhas linhas verdes, que já se autotraduzem. Porém, a quem agora deixa-se invadir pelo ciano fundindo-se com amarelo, só por curiosidade, encontrará vestígios dessas palavras invisíveis, tornando palpável o que eu quis dizer.
ETN
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Fotografia susana pabst assistente de fotografia gabriela schmidt cONCEITO E TRATAMENTO LOOSHSTUDIO Styling e Produção de Moda Eduardo Kottmann e Gabriela Telles Assistente de Produção Milla Pedrosa BELEZA MIGUEL ESTELRICH modelos daiane hoepers (df models) e iuri herbele (ford models santa catarina)
hell’s kitchen
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Daiane veste Vestido Authoria, Legging Lez a Lez, Boot Arezzo e Acess贸rios M.Schuffer iuri veste Regata Levi麓s, Casaco M.Officer, Jeans Colcci e Colar Cavalera
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Parca Regina Salomรฃo para Chemise e Over Knee Boot Schutz para Maria Rita Calรงados
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Daiane veste Vestido usado como blusa Soul Chic, Saia Espaço Fashion para Secret Glam e Óculos RayBan para Joalheria e Ótica Celso iuri veste Camisa M.Oficcer, Cardigã Cavalera para Studio Marcussoon e Jeans Zezzo Mais
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Vestido Lolita para Secret Glam e Anel M.Schuffer
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Daiane veste Casaco M.Oficcer, Vestido L´etage para Chemise e Coturno Arezzo iuri veste Casaco Colcci, Jeans Levi´s e Relógio Joalheria e Ótica Celso
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Daiane veste Calça Caviar for Ladies, Blusa Pelu para Secret Glam e Colar Luz da Lua para M.Schuffer iuri veste Blusa M.Officer, Jeans Colcci e Relógio Diesel para Joalheria e Ótica Celso
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Blusa Iriá, Saia L´etage e Cinto Shop 126 ambos para Chemise
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Agradecimentos Arezzo, Caviar For Ladies, Cavalera, Chemise, Colcci, Iriá, joalheria e Ótica Celso, Levi´s, Lez a Lez, Maria Rita Calçados, M.Oficcer, M.Schuffer, Secret Glam, Soul Chic, Studio Marcussoon, Tex Cotton e Zezzo Mais
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nostalgic glow 98 NANU!
FOTOS HUGO TONI (ABÁ Mgt) STYLING HENRIQUE TANK (ABÁ Mgt) BELEZA KRISNA CARVALHO (ABÁ Mgt) PRODUÇãO DE MODA FELIPE MIGUELE MODELO MALU BORTOLINI (JOY)
Camiseta HAND Camisa Calvin Klein para Authentic Avenue Calça jeans ZEZZO+ Chapéu acervo Lenço acervo Anel para M.Schufert Pulseira de couro Levi’s
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na página anterior Blazer e Calça de paetês CORPOREUM Calça L’ ETAGE
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Camiseta AMP para Moving Calça jeans True Religion para Authentic Avenue Cinto HAND Tênis Nike para Authentic Avenue Anéis para M.Schufert
Maiô PURPURE
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Camisa e hot pants de cristais PURPURE
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Top CAVENDISH
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Luvas e botas FETISH SHINY
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Top NEON
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CULT
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New sounds Gemini Wild Nothing myspace.com/wildnothing Jack Tatum, aka Wild Nothing, fundador da banda Facepaint, decidiu largar a angústia do punk e partiu para uma sonoridade mais onírica inspirada em bandas como Cure e Smiths. Gemini é a trilha sonora de novas relações, irrequietos disparos, ser jovem e melancolicamente feliz. Jack escreveu todas as faixas e tocou todos os instrumentos, mas os shows são com banda, pra não ser tão introspectivo.
LP4 Ratatat myspace.com/ratatatmusic Depois de LP3, os nova-iorquinos do Ratatat lançaram em junho seu novo disco que foi gravado dentro de sua síntese de sons orgânicos, psicodélicos e com batidas eletrônicas. Alguns dizem que as semelhanças são grandes com o trabalho anterior, mas a dupla insiste que são coisas distintas, mas o que fica óbvio em LP4 é o uso de cordas, inédito para os fãs e para a dupla. O som agrada tanto guerreiros clubbers quanto indies mais arrojados e conta com a mistura de sempre. Uma boa pedida: Party Children.
Tomorrow, In a Year The Knife myspace.com/theknife rabidrecords.com/tomorrowinayear A dupla sueca se reuniu no início deste ano e criou o álbum Tomorrow, In a Year, uma colaboração da dupla com Mount Sims (DJ) e Planningtorock (cantora). A combinação resultou numa ópera eletrônica baseada na Origem das Espécies, de Darwin. É um trabalho que chama atenção pelo experimentalismo e impressiona pelas programações eletrônicas, porém não tão pop quanto aos trabalhos anteriores apresentados pela dupla.
Sex Dreams and Denim Jeans Uffie myspace.com/uffie Gravado entre 2005 e 2010, o tão comentado álbum da MC americana Uffie é produzido por grandes nomes como Mirwais, Mr. Oizo e Sebastian e integrado ao selo Edbanger. A faixa que dá nome ao álbum é a promessa para o projeto da MC, que geralmente é criticada por sua insanidade nos shows. Esse álbum de estreia vem com a premissa de manter o mesmo ânimo e disposição da Mc quando lançou a faixa Pop the Glock e trabalhou com Mr. Oizo na faixa Steroids.
Crystal Castles (II) Crystal Castles myspace.com/crystalcastles Na cena desde 2003, Crystal Castles é o duo canadense formado pelo multi-instrumentalista Ethan Kath e a vocalista Alice Glass. A dupla faz apresentações muito enérgicas e há rumores de que estará em setembro em São Paulo para uma apresentação do novo álbum - considerado uma evolução muito madura, pois vem um pouco mais polido pela evolução natural, mas sem deixar de lado sons de videogame e barulhos que arranham os ouvidos, aspectos que são quase como assinatura da dupla.
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Apparatjik myspace.com/apparatjik Pronuncia-se Apa-rat-chik e é mais um supergrupo formado por Guy Berryman (baixista do Coldplay), Jonas Bjerre (vocalista/ guitarrista da banda dinamarquesa Mew), Magne Furuholmen (guitarrista/tecladista do A-ha) e o produtor Martin Terefe. Eles se uniram para gravar uma música, Ferreting, que fez parte da série Amazon, porém, decidiram seguir com o projeto e gravaram na Noruega mais uma faixa, We are Here, e a lançaram no MySpace. As 11 faixas do álbum transitam entre um pop suave até um som mais sujo e industrial, resultado da combinação entre a melodia suave de Mew junto das bases synth-pop do A-ha e da atualidade mainstream do Coldplay.
fotos: Reprodução
We are Here
CULT
LEON | música
Five Leaves Left
foto: Reprodução
Nick Drake se tornou referência após morrer aos 26 anos e lançar três discos marcados por arranjos complexos Quando recebi o briefing da revista informando que o tema seria “verde”, fiquei seriamente tentado a escrever sobre a banda Spyro Gyra. Isso por causa da música do Jorge Ben Jor - aquela que diz: “Spirogiro é Spyro Gyra/É um bichinho bonito e verdinho/que dá na água. Fui atrás do trabalho mais recente deles e descobri que continuam fazendo a mesma coisa que faziam na década de 80. Continuam bons, talvez até melhores, mas esqueceram da máxima do Miles Davis: O artista tem a obrigação de inovar. Desisti. Imbuído neste espírito de pesquisa verde, lembrei do disco Five Leaves Left; até porque a capa é verde. Lançado em 1969, o primeiro disco da curta carreira de Nick Drake foi um fracasso fenomenal. Vendeu menos de cinco mil cópias. Apesar de ser maravilhoso, e hoje reconhecido como um dos mais influentes discos de todos os tempos, Nick Drake não emplacou na divulgação do trabalho. Depois do lançamento, Nick saiu em turnê. Tímido, ele não conseguia chamar a atenção nos pubs e clubes onde tocou. As músicas, intimistas e com arranjos complexos, exigiam afinações específicas do violão. Demandava tempo. Tempo que ninguém quis dar ao novato. O segundo trabalho, Bryter Layer (1970), tem a mesma banda na gravação – Fairport Convention. Novamente, mesmo com os arranjos mais jazzísticos e da técnica de picking cada vez mais apurada de Drake, também não fez sucesso. Vendeu menos de três mil cópias. Mais uma vez Joe Boyd, produtor dos seus discos, tentou leva-lo em turnê, mas Nick estava cada vez mais arredio e consumindo quantidades enormes de maconha. Nada funcionava. A frustração estava se transformando em depressão. Mesmo a gravadora não querendo um terceiro fiasco, Pink Moon foi gravado e lançado em 1972. John Wood, engenheiro de som na gravação, contou, anos depois, que o disco foi gravado em duas noites, e é puro Nick Drake, com um violão meticuloso e o piano da música título (também tocado por Nick) mixado posteriormente. Após as gravações, Drake simplesmente deixou o trabalho na mesa da recepcionista da gravadora e saiu sem dizer nada; Pink Moon só foi encontrado na semana seguinte. Ninguém percebeu nada. O disco foi lançado e vendeu ainda menos do que os outros. Desiludido, Drake voltou para casa e começou a se isolar ainda mais. Vivia de um adiantamento, pago pela gravadora, no valor de 80 libras mensais; morava
“seu primeiro disco vendeu menos de cinco mil cópias” com os pais, pois não tinha como se manter. Essa situação perdurou até a sua morte, de overdose de antidepressivos, em novembro de 74. Tinha 26 anos. Nick Drake nasceu em Mianmar (antiga Birmânia), em 19 de junho de 1948, mudou-se aos quatro anos para a Inglaterra e teve uma infância e adolescência quase comum. Como filho de pais de classe média alta, teve uma educação primorosa, inclusive com uma bolsa de estudo para cursar Literatura Inglesa em Cambridge. Em vida, teve pouco ou nenhum reconhecimento - seus pais contam que se espantavam quando as pessoas começaram a visitar a casa da família, tempos após a sua morte. No entanto, ano após ano, Nick Drake vem sendo tema de documentários e biografias,
e, pasmem vocês, cada vez vende mais. Referência entre músicos, teve suas músicas reinterpretadas por gente como Norah Jones, Elton John e Brad Mehldau (que fez um belíssimo cover de River Man); Renato Russo também fez uma versão de Clothes of Sand no disco Stonewall. Mas a surpresa fica por conta da dupla Nigel Kennedy (violino) e o Boy George (com a voz detonada). Vale a pena olhar o clipe no Youtube: procure por “Nigel Kennedy Quintet feat. Boy George – Riverman”. Além disso, Robert Smith contou que a banda The Cure tem esse nome por causa da letra de uma música de Drake (Time Has Told Me). Recentemente a revista Billboard informou que Emmet Malloy, o mesmo que fez o documentário da banda White Stripes, vai filmar a vida de Drake, com participações já confirmadas de Jack Johnson, Andrew Bird e Matt Costa. Outros músicos também irão participar do projeto. Five Leaves Left, esse disquinho de capa verde, tem esse nome por causa do aviso de que só restam cinco folhas no pacote de papéis para enrolar cigarros da marca Rizla. Ironicamente, para Nick Drake só restaram cinco anos depois de Five Leaves Left.
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CULT
LUCIO REBELLO | música
História em cordas Um dos instrumentos mais populares ´ no paIs, o violão tem uma trajetória marcada por grandes nomes da música
Turibio Santos - O primeiro violonista brasileiro a fazer uma carreira expressiva no exterior, exclusivamente como violonista clássico. Gravou, em estreia mundial, os 12 estudos de Villa-Lobos. Em 1965, Turíbio Santos venceu o Concurso Internacional da Radio France em Paris. Com essa vitória, tornou-se célebre entre concertistas brasileiros. Radicou-se na França e estudou com o espanhol Andrés Segovia e o inglês Julian Bream (talvez o violonista mais respeitado internacionalmente, junto a Segovia). Turibio é atualmente o diretor do Museu Villa-Lobos, no Rio de Janeiro. A coletânea The Ultimate Guitar Collection: The Soul Of Spain (Warner Music) contém algumas de suas melhores performances. Carlos Barbosa-Lima – Um prodígio que com apenas 15 anos de idade já era um veterano dos palcos. Barbosa-Lima estudou brevemente com Segovia, e depois lecionou na Manhattan School of Music, em Nova Iorque. Compositores importantes, como o argentino Alberto Ginastera e o brasileiro Francisco Mignone compuseram obras importantes a seu pedido e em sua homenagem. Infelizmente, os discos mais significativos de Carlos encontram-se fora de catálogo. Para os garimpeiros de plantão, recomendo seu CD Impressions (selo Concord), no qual interpreta peças de Ravel, Debussy,
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foto: Gabriela Schmidt
O violão é um dos instrumentos mais ligados à história e evolução da música brasileira. Da fusão das melodias e sonoridades dos grupos de choro com o refinamento da música clássica, surgiram mestres como Anibal Augusto Sardinha (o “Garoto”), Dilermando Reis e o próprio Heitor Villa-Lobos, que acabaram contribuindo para a formação de uma escola violonística tipicamente nossa: brasileira. Luis Bonfá, João Gilberto, Baden Powell e João Bosco, cada um à sua maneira, criaram “levadas” rítmicas no violão que acabaram influenciando a criação/evolução de estilos musicais como a bossa-nova e o samba contemporâneo. Villa-Lobos, ao compor seus 12 estudos para violão, inicialmente considerados impossíveis de serem executados por ninguém menos que o “papa” do violão erudito, Andres Segovia (para quem a obra foi dedicada), contribuiu para a disseminação de uma maneira singular de se abordar o instrumento, e para a evolução de suas técnicas. A lista a seguir apresenta alguns nomes importantes na evolução do violão no Brasil, e seus discos mais relevantes:
Faure e Villa-Lobos, transcritas magistralmente para o violão. Egberto Gismonti - Um herdeiro musical de Villa-Lobos que conquistou o mundo todo (especialmente a Europa) com sua fusão de musica clássica, ritmos típicos do Nordeste e o jazz. Nesse caldeirão sonoro de Gismonti, um multi-instrumentista talentosíssimo, seu violão customizado de oito cordas teve destaque em vários de seus discos, como Solo e Música de Sobrevivência (ambos do selo ECM). Sua composição para piano Água e Vinho foi transcrita para o violão, e tornou-se um standard no repertório de concertistas pelo mundo afora. Gismonti continua ativo, apresentando-se em grandes festivais europeus com sua genialidade incontestável. Sérgio e Odair Assad - Há 20 anos é considerado o melhor duo do cenário erudito mundial. Compositores importantes dedicaram obras ao duo, que tem uma agenda lotada de concertos por todo o mundo. Sérgio também vem se destacando como compositor e arranjador,
tendo várias de suas peças e transcrições executadas por alguns dos melhores violonistas da atualidade. O mestre do tango moderno, Astor Piazzolla, dedicou ao duo a belíssima Tango Suite, que se tornou uma espécie de marca registrada em seus concertos, tanto pela beleza, como pela dificuldade em sua execução. Recomendo dois discos em especial: o Duo Assad: Saga dos Migrantes e Sergio and Odair Assad Play Piazzolla (ambos disponíveis pelo selo Nonesuch). Paulo Bellinati - Um grande violonista que transita entre o mundo popular e erudito. Bellinati estudou no conservatório de Genebra e depois lecionou no conservatório de Lausanne, Suíça. No seu disco The Guitar Works of Garoto (GSP Records), realizou um trabalho de pesquisa intenso, executando com maestria trabalhos desconhecidos deste violonista/compositor. Resgatou, assim, a memória de um dos músicos mais importantes de nossa escola violonística. Bellinatti é um exímio compositor, e algumas de suas pecas, como Jongo, de dificílima execução, tornaram-se também standards do
“Com todo o talento e criatividade típicos dos brasileiros, a continuidade dessa tradição musical está assegurada, com uma nova geração talentosíssima que continua a criar música da mais alta qualidade”
repertório, sendo inclusive requisitadas como peças obrigatórias em algumas competições internacionais pra violonistas. Raphael Rabello - É quase impossível mencionar o nome de Raphael Rabello sem uma ponta de tristeza. Aclamado como um dos maiores talentos de nossa música, o violonista sofreu um grave acidente de carro em 1989, fraturando seu braço direito. Após ser submetido à uma delicada cirurgia e uma transfusão de sangue, Raphael contraiu o vírus da Aids. Desiludido com a noticia, passou seus últimos anos em uma jornada autodestrutiva. Mas ficou o legado de seu imenso talento, o de um violonista de técnica excepcional, que conseguiu unir com sucesso o choro à técnica erudita, e até a do flamenco (Paco de Lucia foi um grande fã de Raphael, e costumava dizer que ele era um dos melhores violonistas da história). Destaco em sua discografia dois discos: Lamentos do Morro (Acari Records), quase todo solo, de um virtuosismo desnorteante e também Todos os Tons (BMG), um tributo a Tom Jobim, no qual Raphael executa - em arranjos muito originais
a obra de Tom - com uma naturalidade e musicalidade ímpares. O disco também conta com convidados muito especiais, como Jaques Morelenbaum, e seu fã, o mestre do flamenco, Paco De Lucia. Marco Pereira - Recebeu o título de mestre em violão pela Université Musicale Internationale de Paris e defendeu tese sobre a música de Heitor Villa-Lobos no Departamento de Musicologia da Universidade de ParisSorbonne. Na Espanha, obteve dois prêmios em importantes concursos internacionais: Concurso Andrés Segóvia (Palma de Mallorca) e Concurso Francisco Tárrega (Valência). Dono de grande musicalidade em suas interpretações, Marco é também um grande compositor/ arranjador para o violão. É cada vez mais comum escutar suas pecas no cenário internacional de concertos. No seu disco Valsas Brasileiras (GSP Records), arranjou algumas das músicas/ valsas mais bonitas da MPB para violão solo, em interpretações magistrais. Seu arranjo para Luiza (de Tom Jobim e Chico Buarque) já se tornou um standard.
Fábio Zanon – Após ganhar em 1996 duas das mais importantes competições internacionais para violonistas, o 30º Concurso Francisco Tárrega e do 14º Concurso da Fundação Americana de Violão (GFA), em um curto espaço de duas semanas – um feito único-, Fábio Zanon foi aclamado como a grande revelação do violão no final da década de 90. Ele estudou na Royal Academy of Music de Londres com Julian Bream. Fábio já se apresentou por todo o mundo em recitais solo e também como convidado das melhores orquestras sinfônicas. Ao se preparar para as gravações do disco The Complete Solo Guitar Music: Heitor Villa-Lobos (Musical Heritage Society), Fábio teve acesso a manuscritos originais de Villa-Lobos, que revelaram erros e mudanças feitas nas edições que haviam sido publicadas, e, portanto, nas gravações anteriores de outros violonistas. Essa gravação tornou-se um marco e é considerada referência para interpretação de Villa-Lobos desde o seu lançamento. Apesar de sua curta discografia (perfeccionismo?), Fábio Zanon continua sendo considerado um dos melhores violonistas da atualidade.
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CARLOS EDUARDO “ADO” SILVA | música
OS SEGREDOS DA VIDA DO HERÓI VERDE DO ROCK,
fREDDIE MERCURY
De “green” a música tem muita coisa: tem o Green Day, o Al Green, o Peter Green (pioneiro do Fleetwood Mac), o Evergreen do Echo & The Bunnymen, o Green do R.E.M, sem esquecer a ideologia green do Sir Paul McCartney, o envolvimento do The Cure com o Greenpeace e o Morrissey com sua dieta green. Mas vou me focar em outro green: vocês se lembram do Incrível Hulk? O cientista Bruce Banner, numa experiência frustrada, foi bombardeado por raios gama. Toda vez que sua adrenalina dispara, se transforma no monstro verde - de coração bom - o Hulk. O rock tem o seu Incrível Hulk… Só que, diferente dos quadrinhos, o Hulk do rock não foi invencível, foi derrotado pela AIDS em 1991. Quem seria este monstro verde do rock? A identidade secreta dele era Farrokh Bulsara. Mas quando a sua adrenalina disparava ele se transformava no… Freddie Mercury. Alguns podem dizer que o verde não seria a cor ideal dele – ele era multicolorido – isso eu não discuto, mas ele e o Hulk têm uma série de semelhanças:
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“Diferente de um Jim Morrison ou de Kurt Cobain – que tinham uma aura mais dark – Freddie Mercury deixou saudades pelo seu lado mais festivo, pela persona “flamejante” que ele era no palco e pelas performances energéticas e teatrais”
1) A identidade secreta, ou seja, fora do palco ele era uma pessoa nascida na África (em Zanzibar, Tanzânia), filho de uma família de origem indiana, e que passou boa parte de sua infância em um internato na Índia. Era baixinho, tímido e, mesmo no apogeu de seu sucesso, sempre foi extremamente reservado. 2) Quando entrava no palco, com o rush da adrenalina, se transformava num dos maiores showmen da historia do rock – Mick Jagger o chamava de King Mercury. Dominava palcos gigantescos e plateias enormes (eu tive o prazer de assistir ao Queen, junto com mais 140 mil pessoas, no Rock In Rio de 1985 – e eles arrasaram). 3) Foi um dos vocalistas mais marcantes do mundo pop, um excelente tenor. Além disso, trazia toda uma aura clássica para suas músicas – Bohemian Rhapsody é um exemplo perfeito. Além de cantar, era um pianista dinâmico e intenso. Diferente de Jim Morrison ou de Kurt Cobain – que tinham uma aura mais dark – Freddie Mercury deixou saudades pelo seu lado mais festivo, pela persona “flamejante” que ele era no palco e pelas performances energéticas e teatrais. O dia que Freddie Mercury morreu foi particularmente pesado para mim – no mesmo dia morreu Eric Carr, baterista do Kiss (e eu já manifestei aqui, nessa coluna, minha admiração por eles também). Foi luto duplo. Por algum tempo cheguei a questionar se ele, que agora estaria com 64 anos, continuaria com o mesmo sucesso e pique. O pop-rock se modernizou. Acredito que o Facebook e a internet não combinariam muito com Freddie Mercury (que sempre prezou a tranquilidade na vida pessoal). Mas numa época na qual, por conta do declínio da indústria fonográfica, as apresentações “ao vivo” se tornaram o maior trunfo de subsistência para muitos músicos, Freddie e seu Queen estariam lotando estádios e faturando cada vez mais. Alguma dúvida? Veja a “boa fase” da Lady Gaga – o nosso “monstro verde” Freddie Mercury, deixaria ela parecendo uma doce freira se os dois dividissem o palco. As músicas do Queen estão cada vez mais contemporâneas – por aqui nos EUA não tem um evento esportivo que deixe de tocar We Will Rock You e We Are The Champions. Para finalizar: faz pouco tempo, li uma entrevista do Peter Hince - ele foi o chefe dos contrarregras (roadies) nos shows do Queen -, na qual ele comentou que Freddie Mercury sofria muito antes dos shows, ficava muito nervoso, daí surgiu uma das poucas exigências que tinha com relação ao seu camarim: devia ter cortinas e toalhas de uma determinada coloração que, para ele, possuía uma vibração que transmitia energia. Adivinha qual era a cor? Verde.
ilustração: LOOSHstudio
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CULT
CAROLINE PASSOS | perfil
Respondi: ‘com você’”. Para Zé, que aprendeu a cantar sem ter aulas, o encontro com o autodidata B.B. King foi sem dúvida “o momento mais significante da carreira”. Líder da Soulution Orchestra há 11 anos, completados em junho, o vocalista começou com a banda sem pretensões de seguir carreira. Com 13 anos, pediu uma bateria para a mãe que impôs uma condição: só ganharia o instrumento se passasse de ano. Suas notas não eram lá essas coisas, mas ele conseguiu. Intuitivamente batucava a bateria e assim aprendeu a tocar. Só foi fazer aula anos mais tarde com o músico Ruben Pato Romero, baterista do Blindagem, uma das bandas de rock mais antigas de Curitiba.
foto:Ivandro Duarte
O começo
“Meu pai costuma dizer que se não fosse Sinatra, eu não teria nascido”
Front man ´ O lider da Soulution Orchestra, big band que já abriu shows de B.B. King no Brasil, conta parte de sua trajetória cheia de história
Depois de um show em 2004, Zé Rodrigo ficou frente a frente com um de seus ídolos. B.B. King estava ali, sentado no camarim, recebendo uma fila de fãs. Zé Rodrigo, vocalista da Soulution Orchestra, esperava na longa fila acompanhado de Ariane, a saxofonista da banda, que não parava de chorar. A emoção de Ariane correspondia com a importância daquele momento. Pouco tempo antes, a Soulution abria o show para o ícone do blues, em um momento único na vida dos 14 músicos que integram a banda curitibana. Assim que King identificou Zé Rodrigo entre aqueles rostos alinhados, puxou uma cadeira para junto de si e convidou o cantor a se sentar. “Fiquei sem reação. B.B. King olhou pra mim e perguntou: ‘como quem você aprendeu a cantar?
Os primeiros ensaios da Soulution começaram em dezembro de 1998. A ideia era reunir amigos que tocavam sopro em um grupo de soul simplesmente como uma diversão. Zé era professor da fanfarra e juntou todos em uma sala da escola onde dava as aulas. Uma banda de 14 pessoas mais namoradas e amigos superpopulavam o pequeno cômodo. “Demorávamos uns três dias pra tirar uma música”, lembra aos risos. Um dia, o vocalista faltou e Zé Rodrigo assumiu seu lugar. Assim, descobriu também por acaso que sabia cantar também. Nunca passou pela cabeça do band lider tocar em um grupo menor. “Uma banda com quatro pessoas é muito mais difícil de administrar. Viajamos em 15 pessoas e não brigamos nunca”, conta. Depois disso, foram cinco discos gravados e dois solos. A Soulution não parou de fazer shows, sempre cantando clássicos da música americana. São mais de mil apresentações em 100 cidades do Brasil. O repertório é formado por clássicos de Frank Sinatra, Queen, Rolling Stones, entre outros. “Nunca pensei em tocar composições próprias. Primeiro, porque não sou compositor. Se for pra escrever ‘I love you, baby...’ prefiro não fazer”, resume. A influência musical de Zé Rodrigo vem de família. O pai do cantor tocava violão em serenatas nos anos 60. “Meu pai costuma dizer que se não fosse Sinatra, eu não teria nascido”, emenda mais uma história o vocalista que dedicou um álbum solo – Sinatra Songs - ao cantor americano. O casal se divertia nos bailes e esperava ansioso para que a banda tocasse a nova música do crooner conhecido como Blue Eyes. Foi entre uma dança e outra que os pais do cantor se apaixonaram. Este ano, o grupo está se dedicando a uma turnê em homenagem aos 75 anos de Elvis Presley. O show que percorre o Brasil será apresentado no Teatro Carlos Gomes, em Blumenau, dia 13 de agosto, através do projeto Santa Catarina in Concert. O repertório é formado por “registros da cultura mundial”, ou seja, músicas indispensáveis em um tributo ao Rei do Rock. “Não pensamos em apresentar uma sequência cronológica das músicas, pois seria formalizar demais. Mas o show tem músicas das três fases do Elvis”, resume Zé Rodrigo. Em 2007, a banda gravou o disco 30 anos Sem Elvis e viajou o país todo em turnê. Ano passado, a Soulution fez um show em Blumenau com músicas do Elvis com a participação do músico Derico Sciotti, do Sexteto do programa Jô Soares
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CULT
SÁVIO ABI-ZAID | cinema
Unthinkable vai além do conflito entre fé e medo e debate a complexidade de conceitos, ideais e liberdade em diferentes culturas
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Desde 1864, data da primeira convenção de Genebra (sim, foram quatro e não uma) foi estabelecida uma série de códigos de conduta que determinam o que é correto ou incorreto em situações de conflito, guerras declaradas ou não. Eles regem desde o tratamento que deve ser dado aos soldados feridos e capturados até as ações militares permitidas perante a população civil nas áreas em conflito. Estes códigos foram
baseados - totalmente, ou em sua maioria - na ética e moral dos povos que os redigiram, sendo estes, na primeira versão, todos europeus. Mas o que se faz quando o outro lado envolvido no conflito não está preso aos mesmos códigos de conduta? E não se atêm às mesmas regras e moral? Não há, neste caso, a necessidade de se desligar de nossa moral e ética e pensar e agir como o outro?
foto: Divulgação
Relativismo na carne
“O filme aborda uma situação bastante plausível: a conversão de um cidadão americano em um muçulmano radical, fundamentalista e extremista. Agregue-se a este cidadão o conhecimento técnico e os fundos necessários, e temos uma ameaça real e imediata ao american way of life”
Não podemos ou devemos nos tornar bárbaros também para nos salvar dos outros bárbaros? Ou qualquer preço é válido para que mantenhamos nossos códigos de conduta gerados pela moral e ética, de forma que nos sintamos mais humanos que o outro? Vale pagar qualquer preço? Vale perder milhões de vidas inocentes, dessas que crêem nessa mesma moral e ética? Os inocentes se colocariam em sacrifício, espontânea e conscientemente, para preservar a moral e a ética? Se não, se é melhor nos libertarmos das regras - ainda que seja com a justificativa de que assim foi feito para preservarmos a nossa civilidade - como fazer isso de tal maneira
que uns poucos tenham a liberdade para tal, e outros, a grande maioria, não? Escondem-se os fatos? Omitem-se as informações, para o bem maior? Porque se todos perderem o respeito às regras e códigos, o caos passa a imperar, e aí sim nos tornamos os bárbaros que combatemos. Continuando a linha de raciocínio, se for preciso que alguns se livrem das amarras, como determinar quem são estes, e até onde vão os limites? Ou ainda, uma vez rompidas as regras, existem limites? As questões nesta esfera são absurdamente complexas. Haverá um número de vidas que possa estipular quando as regras devem ou não ser rompidas? Se fosse seu filho, sua mãe, sua esposa, seu marido, a preservação
de uma só vida não valeria todo e qualquer esforço, toda e qualquer atrocidade cometida contra o agente causador da perda e dano? Unthinkable (ainda sem nome em português) abre com Martin Sheen como Yusuf Atta Mohamed – previamente conhecido como Steven Arthur Younger –, declarando à uma handy cam, em uma sequência de tomadas, cada vez mais transtornado, suas impensáveis intenções. Pausa para uma reflexão: Impensável. Este adjetivo é quase um oximoro de uma só palavra. Se não há como pensar, nem deveria haver palavra para isso, certo? Afinal de contas, só temos substantivos, adjetivos e afins para coisas que existem, materiais ou imateriais, concretas ou abstratas. Mas na verdade, não há nada que escape a nossa incrível capacidade intelectual. Conseguimos não só pensar o impensável, assim como conseguimos justificar o impensável materializado, de acordo com a nossa necessidade. Em uma sociedade claramente refém do seu medo – a América pós 9/11 – o filme aborda uma situação bastante plausível: a conversão de um cidadão americano em um muçulmano radical, fundamentalista e extremista. Agreguese a este cidadão o conhecimento técnico e os fundos necessários, e temos uma ameaça real e imediata ao american way of life. O que se segue, magistralmente digase, é o embate entre duas formas de pensar a respeito de como lidar com uma ameaça à nossa civilização e, por consequência, sua moral e ética. O conflito que vemos não é somente entre Yusuf, representando o mal, e Helen Brody e Henry H. Humphries representando o bem. Muito mais complexo que isso, é o conflito entre o medo e a fé, entre a necessidade de limites e urgência em rompê-los, entre o ideal de liberdade e igualdade e os que vêem este como um falso deus. São as “Técnicas Avançadas de Interrogatório” e a sua aplicação em um cidadão americano, e em território americano que levam os três personagens a colidirem, e levam o choque e a necessidade à reflexão e questionamento à audiência. Mas a estrela do filme são os embates verbais, a tríplice rusga pelo poder entre os protagonistas e as reviravoltas que trazem ao filme. Michael Sheen, em uma atuação impressionante, é o bravo terrorista, preparado e voluntariamente aceitando todo e qualquer abuso para provar seu ponto de vista. Carrie-Anne Moss é a agente regida pelas leis, pela moral e ética, constantemente alertando todos ao seu redor dos erros que estão sendo cometidos. Samuel L. Jackson é o interrogador que sabe que isso não vale nada quando se está lidando com alguém que não tem as mesmas convicções. Ele tem a clareza que vem com o desespero. Sabe que só agindo como o outro agiria vencerá a batalha. Mesmo que o custo, pessoal e coletivo, seja altíssimo. Os três têm interesses diferentes e vêem os outros neste triângulo ora como aliados, ora como inimigos, e seus duelos vão preparando o caminho para um final imprevisível. Um alerta final: Longe de ser um entretenimento familiar, o filme é tenso e gera desconforto em quase toda sua extensão, e suscita questões que normalmente não gostaríamos de levantar. Mas seu tema é oportuno e evoca a tênue linha que separa a civilização dos atos desumanos, pedindo, mesmo que de maneira indireta, que a audiência defina onde esta linha está, em oposição a onde gostaríamos que estivesse.
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NANU! | teatro
Em miniatura Uma peça para cada um. Três caixas colocadas sob uma tenda. Um grupo de ciganos convida o público a observar o mistério em cada cubo. O espetáculo lambe-lambe Espia Só! está para começar. O projeto criado pela Cia Andante de Teatro, de Itajaí, apresenta minipeças de forma itinerante. O grupo formado por Jô Fornari, Laércio Amaral e Sandra Knoll percorre cidades de Santa Catarina com a intervenção. Em cada apresentação, vestem-se de ciganos, montam uma tenda com três caixas fechadas por um pedaço de tecido e chamam o público. Nas caixas, um espetáculo único que pode ser assistido por apenas um espectador. Dentro do cubo escuro, o boneco ganha vida pelas mãos dos atores. “Como um buraco na fechadura, o teatro lambe-lambe nos dá uma brecha para que possamos espiar. Possui uma atmosfera mágica e provocativa, seja pelo segredo contido nela, pela minuciosidade ou pelo fato que aquela história está sendo contada somente para ela, está sozinha, espiando”, define a Cia no material de divulgação. O projeto Espia Só! existe há cerca de dois anos, surgiu com apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Itajaí e é resultado de uma pesquisa sobre linguagem e formação do teatro em miniatura. O grupo estudou a criação da estrutura para intervenção urbana em uma oficina de miniaturização com a Cia Falante, de Porto Alegre. A Cia Andante dedicou 10 meses ao preparo dos espetáculos, metade deste tempo foi em pesquisa e experimentações. Foram estudados desde materiais para a
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Miniespectáculos do projeto Espia Só! trazem a estética lambe-lambe para o teatro
confecção dos cenários e bonecos até a linguagem, poética, estética e dramaturgia. A caixa individual aproxima o espectador do artista em uma estrutura isolada de luz e sons externos. Ambos ficam com as cabeças cobertas pelos panos instalados nas extremidades dos cubos e os ouvidos fechados com fones de onde vem a sonoplastia do espetáculo. “Além do processo individual de cada ator-manipulador e da estrutura física que caracterizaria a intervenção na rua, queríamos principalmente nos aprofundar na investigação dessa dramaturgia tão sintética. Então, optamos por uma dramaturgia de processo, que surgiria a partir das experimentações com manipulação, objetos, materiais e outros recursos que auxiliariam na construção, como a literatura e a
“A caixa individual aproxima o espectador do artista em uma estrutura isolada de luz e sons externos”
música”, conta o grupo. Nas sessões, o espectador pode assistir a um dos miniespectáculos: Maria do Cais, Baldio, Trickster, Do Lado de Lá, O Quarto de Edith e A Iluminação. Cada um dura em média três minutos, as apresentações ocorrem simultaneamente e duram duas horas, por isso, é possível ver cada uma das histórias. Em 2009, o projeto ganhou a segunda edição graças ao patrocínio do prêmio Miriam Muniz de Teatro da Funarte, através do edital de fomento ao teatro Elisabeth Anderle, aprovado pela Fundação Catarinense de Teatro. No Espia Só! Fase 2 o repertório dos espetáculos foi ampliado e ocorreu também a publicação da Revista Lambe-Lambe e na circulação em quatro cidades catarinenses, Florianópolis, Joinville, Itajaí e Blumenau.
Sobre o lambe-lambe Este tipo de teatro chegou ao Brasil na década de 80. A técnica, inspirada nos antigos fotógrafos lambe-lambe, começou a ser desenvolvida pelas bonequeiras baianas Ismine Lima e Denise dos Santos e consiste na apresentação em um palco em miniatura, o que exige ainda mais sensibilidade do manipulador dos bonecos.
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fotos: Guilherme Meneguelli, José Matarezi e Bia Alvares
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Fotos: Manoel Nunes
CULT
Mozart com dendê O baritono baiano Mauricio Virgens deixa transparecer as influências afrobrasileiras na maneira como dança e se movimenta na ópera de Mozart apresentada na Alemanha´ ´
Uma das diversões da garotada aqui na Alemanha é assistir a óperas infantis. A favorita das crianças costuma ser A Flauta Mágica, de Mozart. A obra conta a história da luta entre a ambiciosa Rainha da Noite, ávida de poder, e o grande sacerdote Sarastro, que só pratica o bem. Um belo dia, Pamina, a filha da Rainha da Noite, é sequestrada por Sarastro. O príncipe Tamino, apaixonado pela bela moça e a pedido da mãe dela, decide resgatá-la. Na busca pela princesa, Tamina encontra Papageno, um homem alegre e engraçado, que sabe apreciar os prazeres da vida. Juntos, os dois saem no percalço de Pamina. Após superar diversos empecilhos, Pamino se une, finalmente, à princesa. Papageno, por sua vez, conhece Papagena e se casa com ela. Ao descobrirmos que A pequena Flauta Mágica (Die kleine Zauberflöte) seria apresentada pelo elenco da Opernwerkstatt am Rhein, no auditório do Museu Max Ernst, em Brühl, meu filho e eu fomos correndo assistir. Para nossa grande alegria, descobrimos que o Papageno era interpretado pelo barítono baiano Maurício Virgens (à esquerda nas fotos). Se o personagem por si só já é cômico,
ADRIANA NUNES
na interpretação de Maurício, então, fica hilariante. Com seu humor, energia e jogo de cintura baianos, Maurício concedeu uma graça especial ao papel. Além de cantar muito bem, o barítono deixa transparecer as influências afro-brasileiras na maneira como dança e se movimenta no palco. Sem dúvida, é Mozart com sabor de dendê. As crianças adoraram. O jornal Neue Westfälische Zeitung comentou assim o entusiasmo da meninada: “Sobretudo Maurício Virgens, no papel de Papageno, encantou as crianças com sua expressividade”. E o jornal Rhein Main Presse destacou: “O intérprete de Papageno, Maurício Virgens, com sua alegria brasileira e seu charme infantil, tornou-se rapidamente uma figura de identificação para os espectadores mirins.” Mas não foi só o público infantil alemão que Maurício cativou. Os adultos também apreciam as qualidades artísticas do cantor, que trocou Salvador, da Bahia, por Colônia há dez anos. Na época, Maurício trabalhava como arquiteto e cantava num coro. Certo dia, foi descoberto por cantores alemães que davam um workshop na capital baiana. Eles reconheceram o talento do rapaz e o incentivaram a prosseguir seus estudos de música na Alemanha. Maurício seguiu seus conselhos. Pouco tempo depois, estava fazendo um Mestrado em Arquitetura em Düsseldorf e tomando aulas de canto particulares com o professor Werner Compes. Dois anos depois, já havia ganho o prêmio internacional do Concurso de Canto do Schloss Rheinsberg, que lhe abriu as portas para a carreira de cantor na Alemanha. Seu repertório se ampliou bastante, passando a incluir O Oratório de Natal, de J.S. Bach, O Messias, de G.F.Handel, A Missa Solene, de Haydn, Carmina Burana, de C. Orff, entre outros. Junto com o pianista e regente escocês Paul MacAlindin, Maurício Virgens passou também a interpretar obras de compositores contemporâneos, como Patrick Nunn, Jane Gardner, Gordon Mac Pherson e Sir Peter Maxwell Davies, o compositor da Rainha Elisabete, conhecido como Master of the Royal Music. Em 2006, foi a vez do público novaiorquino se render ao talento do baiano. Maurício Virgens ganhou o prêmio internacional CONOPERA (Center for Contemporary Opera), o que lhe deu o direito de se apresentar no famoso Carnegie Hall. Desde então, chovem convites para o cantor. No verão europeu deste ano, Maurício passará oito semanas na Áustria, no Festival Internacional de Música Clássica do Festival Kirchstetten, interpretando obras de Mozart e do seu famoso rival, Salieri. Como diz Maurício: “Será uma maratona. Mas isto para mim não é trabalho. É puro prazer.” Parece até o Papageno falando...
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CULT
NANU!
dica de livros Juan Rulfo – Obra Reunida Juan Rulfo
Não Contem Com O Fim Do Livro Umberto Eco e Jean-Claude Carrière
Neste livro, estão reunidos os livros O Llano em Chamas (1953), Pedro Páramo (1955) e O Galo de Ouro (1980), o essencial da obra do autor mexicano que é considerado o principal precursor do realismofantástico latino-americano, movimento artístico que contou com nomes como Gárcia Márquez. Rulfo (1917-1986) publicou apenas duas obras em vida e sempre afirmou fazer um exercício para escrever o mínimo indispensável, mesmo assim, obras tão sucintas influenciaram uma geração inteira de escritores. Cavalo de Ferro, 368 páginas, 17 euros.
A Loja dos Suicidas Jean Teulé
Aqui o livro é sujeito e referência principal. Os autores apresentam uma discussão sobre a história e o futuro dos livros, enquanto falam, com ideias claras, de cinco mil anos de existência de impressos e defendem a vida eterna do livro como o conhecemos, mesmo nos dias de e-readers e internet. O livro ainda apresenta comentários e informações sobre temas relacionados a novas tecnologias e soluções para o futuro temeroso do livro. Record. 272 páginas, R$40.
O Mundo Prodigioso que Tenho na Cabeça - Franz Kafka: Um Ensaio Biográfico Louis Begley
Onde Vivem os Montros
A Janela De Esquina Do Meu Primo
Maurice Sendak
O escritor polonês, radicado nos EUA desde o fim da Segunda Guerra, há muito tempo é sócio de um escritório de advocacia, o que acabou sendo útil na pesquisa sobre a vida profissional de Franz Kafka - que se formou em Direito e trabalhou numa companhia de seguros. Louis Begley destaca os fatos da vida de Kafka por meio de uma pesquisa baseada nas correspondências e diários do autor, e, sobretudo, nas entrelinhas de sua obra. Companhia das Letras. 256 páginas, R$37.
Ernst T. Hofmann Escrito em 1963, o livro foi lançado aqui só no ano passado pela Cosac Naify, em razão do filme homônimo dirigido por Spike Jonze. A história é do garoto Max, de oito anos, que “cria” uma floresta no quarto e ali encontra um mundo fantástico, onde navega com seu barquinho, conhece monstros assustadores e se torna rei. A obra é carregada de símbolos e arquétipos, tanto na escrita quanto no desenho e ganhou importantes prêmios como o Astrid Lindgren e o Hans Christian Andersen. w Cosac Naify. 40 páginas, R$35,00.
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Escrito em 1822, este conto, de caráter autobiográfico, fala sobre um escritor inválido. Trancado em um apartamento de esquina, só consegue ver o mundo através de uma janela com vista à praça de Gendarmenmarkt, em Berlim. Ao receber a visita de um primo, os dois começam a esmiuçar em descrições detalhadas os tipos que passam pela praça, levantando questões sociais e urbanas das grandes metrópoles. wCosac Naify. 80 páginas, R$45.
fotos: Reprodução
Imagine a quantidade de coisas e as possibilidades de cometer suicídio comprando artigos que vão de doces envenenados a cordas de enforcamento numa loja que funciona há mais de 10 gerações. Essa é a Loja dos Suicidas, mantida pela família Tuvache, que está determinada a manter sua tradição e excelência no ramo e enquanto sua loja prospera na tristeza e no humor negro, os Tuvache se deparam com o abominável dia em que surge a alegria de viver como adversário cruel nessa empreitada. Ediouro. 144 páginas R$24,90.
JOIE DE VIVRE
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FEeL GOOD Tradicional O chá vermelho carrega a fama de ser emagrecedor, rejuvenescedor, entre muitos outros benefícios. A erva é a mesma dos chás verde e branco. O diferencial está no tempo de fermentação, que segue os mesmos processos há centenas de anos. Até o procedimento de embalagem é antigo. O mais tradicional é o Yunnan Mini Tuocha Tea, plantado nas montanhas de Yunnan, na China e que pode ser comprado em sites especializados ou lojas de importados.
Doce Hidratação A L’Occitane lançou um bálsamo hidratante especialmente para a região dos olhos. Recomendado por dermatologistas e oftalmologistas, o produto garante proteção durante 24 horas. Ótimo para reforçar a hidratação durante o inverno.
Aqui no LOOSHstudio o pessoal provou duas surpresinhas cedidas pelo Empório Eva Hermann. Bolo de cenoura com recheio de chocolate e uma torta alemã. O melhor é que ambos são veganos e vendidos no espaço recém-aberto no Shopping Neumarkt, em Blumenau. O bolo de cenoura é uma delícia e a torta impressiona pelo sabor peculiar. Mais informações: spaevahermann.com. br/emporio
Susana Pabst criou uma receita de uma vitamina para tomar no café da manhã e garante que é uma delícia e nem se importa em dividir com todo mundo. Segundo ela, “é uma mistura à qual eu vou adicionando coisas saudáveis que eu tenho preguiça de comer em outro momento”.
Ideias decorativas Refrescar Água Termal Avène para acalmar o estesse da pele do rosto. As propriedades terapêuticas da água termal são conhecidas há muito tempo, desde 1736. Ela tem efeito calmante, antiirritante e anti-inflamatório.
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Para quem busca ideias de decoração para deixar o apartamento harmonizado, o Apartment Therapy é perfeito. Apesar de mostrar apenas imóveis nos Estados Unidos, as dicas são facilmente adaptáveis em qualquer lugar (apartmenttherapy.com), como as hortas/jardins em sacadas, por exemplo.
Você vai precisar de: - 3 laranjas - 1 fatia de papaya - 1 folha inteira de aloe vera - 1 iogurte Activia de morango - 1 envelope de colágeno hidrolisado em pó - 1 colher de sopa de farelo de linhaça estabilizada - 1 colher de sopa de farelo de aveia. Modo de preparo: Coloque tudo no liquidificador. Dica da Susana: “beba com canudo porque o copo é grande...”
fotos: Divulgação. foto doce: Guilherme Schäffer
Receita da editora
fotos: Solange Kurpiel
JOIE DE VIVRE SOLANGE KURPIEL | conexão
Uma França plural A diversidade no pais provoca uma revolução cultural e social, na qual tribos muito diferentes passam a habitar e co-habitar, mais ou, as vezes, menos integradas
De acordo com o INED (Instituto Nacional de Estudos Demográficos), já em 2004 mais de 8% da população era composta por imigrantes e 5,8% por estrangeiros que não possuíam a nacionalidade francesa. Com mais de 2 milhões e 100 mil habitantes, a capital é o grande laboratório deste movimento. Geograficamente, Paris é um grande caracol formado por 20 arrondissements ou regiões, sendo que cada uma engloba quatro bairros. Estas regiões estão marcadas pela miscigenação populacional e refletem uma nova configuração nacional. Os primeiros arrondissements da capital – 1o, 2o, 3o e o 4o – estão entre os mais antigos e consequentemente os mais tradicionais da cidade. O Primeiro é também conhecido como o Arrondissement du Louvre e abriga além do museu o Palácio Real e a Conciergerie que por quatro séculos, do X ao XIV, sediou todo o Poder Real francês. Todos estes arrondissements apresentam uma taxa populacional bem menor que das outras regiões e o preço imobiliário vai às alturas. Todavia mesmo aqui encontramos mudanças, como é o caso do quartier Les Halles. O bairro é muito conhecido pelos centros comerciais e o comércio de rua. Ou ainda no Terceiro, com a comunidade chinesa mais antiga de Paris. Calcula-se que eles começaram a chegar por volta dos anos 30 de Wenzou, do sudeste da China. Hoje, compõem massivamente as ruas do arrondissement com lojas para venda no atacado de souvernirs de Paris, acessórios e roupas. Chineses que por sinal transformaram uma parte de Paris em uma legítima “Chinatown”. No 13o arrondissement está a maior comunidade de Paris. Ao contrário dos edifícios baixos, de
seis andares que padronizam quase a cidade toda, aqui os arranha-céus fazem fila. Os milhares de refugiados e imigrantes asiáticos começaram a chegar a partir dos anos 70. Hoje são 30 mil pessoas de pelo menos 10 nacionalidades convivendo aqui. De volta ao coração da capital e aqui está outro forte indício de mudanças. O 5o arrondissement é a parte mais antiga da cidade. Aqui estão os vestígios imponentes das primeiras civilizações que povoaram a cidade como as Termas Galo-Romanas e Arenas de Luta, sem falar nas grandes construções neoclássicas do século XVIII, como o Panthéon e a Universidade da Sorbonne. Mas esta é também a região da maior mesquita francesa. O prédio, inaugurado em 1926, recebe desde então fiéis muçulmanos que imigraram para a França de regiões como Magrebe, África e o Oriente. Estima-se que hoje o país seja composto por mais de três milhões e meio de fiéis ao Islamismo, o que representa 6% da população nacional. Para se ter uma ideia da importância desta população, há poucos anos, as grandes redes de supermercado adaptaram seções inteiras de suas lojas visando atender às necessidades alimentares específicas deste público. Um pouco mais afastado das rotas turísticas está o 10o arrondissement. A região é muito marcada pelo intercâmbio de raças e culturas, principalmente provenientes do Oriente e da África do Norte. Segundo a prefeitura da cidade, nos últimos anos a população mudou muito e hoje é formada essencialmente por africanos, chineses, indianos e turcos. Uma população cosmopolita que fez deste bairro um pedacinho de cada país. Apesar das evidências, a valorização da pluralidade é ainda posta em questão pelos zelos do individualismo e do conservadorismo. Muitas etnias se fecham em guetos e este estranhamento cultural pode ser explicado também pelo fenômeno imigratório ainda muito recente. Uma intimidade que deve ser conquistada pouco a pouco, abrindo cada vez mais espaço para diálogos e interações. Este ano, a França falou muito em identidade nacional. Quem é o francês dos dias de hoje? Quais são seus costumes e convicções? O governo francês propôs ações para valorizar o ensino da cultura francesa e um investimento ideológico, principalmente focado nos mais novos. Um exemplo será o ensino dos “valores da república” nos serviços cívicos (trabalhos voluntários feito por jovens franceses). Esta dita e esperada identidade nacional permanece suspensa, em espera, mas o que é certo é que a França dos dias de hoje está longe dos clichês e estereótipos que figuram na nossa imaginação.
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NANU! | drink
Pôster Absinthe Paul Beucler Collection
Encanto da Fada Verde ´ Proibida até hoje em alguns paises, o absinto era a bebida preferida de artistas do século XIX
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A bebida preferida dos artistas no século XIX. O licor das alucinações. O absinto fervia nas mentes de Oscar Wilde, Vicent Van Gogh e Charles Baudelaire. Para muitos, o efeito ia além dos sintomas da embriaguez comum. Diziam que o absinto aguçava os sentidos. Depois de bebêlo, ouvia-se música como nunca antes e sentiase como tudo fosse experimentado pela primeira vez. O escritor inglês Oscar Wilde bebia o absinto e via tulipas crescerem em suas pernas depois de passar uma tarde bebendo em um bar. Há teorias de que a bebida agravou a loucura do pintor Vicent Van Gogh, que em 1888 pintou um óleo sobre tela intitulado Natureza Morta com Absinto. O expoente do pós-impressionismo conheceu a Fada Verde – um dos codinomes da bebida na época – através de Henri de ToulouseLautrec, artista parisiense morto aos 36 anos em decorrência do alcoolismo. Outra suposição é a de que o estilo tão próprio de Van Gogh – representado em A Noite Estrelada – registrava nos traços únicos as alucinações causadas pelo licor. A Musa Verde – outro apelido – deixou
o poeta Charles Baudelaire endividado. Para ele, o absinto era um companheiro sempre presente nas noitadas de Paris. Um dos que registraram uma garrafa da bebida em um quadro foi um grande amigo de Baudelaire e companheiro de bebedeira, o artista Edouard Manet. Em 1858, ele pintou O Bebedor de Absinto. A lista de figuras famosas que eram amantes do absinto é extensa. Além do inglês e dos franceses, os portugueses Eça de Queiroz e Fernando Pessoa também o apreciavam. Com teor alcóolico beirando entre 45o e 80o – o do uísque é de 40o -, o absinto está entre as bebidas mais fortes no mundo. Em 1905, o licor foi proibido na Suíça depois que um homem matou a mulher grávida e duas filhas. A defesa alegou que ele estava sobre efeito do absinto. As autoridades resolveram coibir a venda para evitar que outros crimes ocorressem e, dessa forma, diminuir os índices de violência. Outros países fizeram o mesmo. Na Europa, a venda só foi liberada em 1988. Os brasileiros puderam comprar a bebida sem restrições só a partir do ano 2000. Nos EUA, a fada verde saiu da clandestinidade há apenas três anos. No início do século XX, dizia-se que o absinto transformava a personalidade e criava assassinos. Até crianças poderiam se tornar criminosos se tivessem contato com a Musa Verde dos artistas. O absinto é feito basicamente de erva-doce, anis e losna. O ingrediente que fez as autoridades proibirem o consumo em alguns países vem desta última erva. A tujona ou thujone é uma substância tóxica que pode causar convulsões se consumida em altas quantidades. Mas especialistas garantem que a dose presente no absinto não é suficiente para causar danos ao cérebro ou alucinações. Claro que isso só se aplica às versões legais da bebida. Não há garantias sobre as garrafas compradas no mercado clandestino. Tradicionalmente, o absinto é feito da seguinte forma: a erva-doce, o anis e a losna são colocados no álcool e depois destilados. Dessa forma, óleos e o álcool evaporam liberando água e essências das ervas. Depois, a mistura é resfriada e condensada novamente e, através de um destilador, diluída até atingir o grau alcóolico desejado. A cor verde vem da clorofila de ervas que são acrescentadas nesta fase.
foto: Reprodução
“No início do século XX, dizia-se que o absinto transformava a personalidade e criava assassinos”
FÁBIO RICARDO | gastronomia
Strange fruit Confira as impressões sobre as variações dessa fruta exótica que pode custar R$ 99 o quilo
Gastrossexuais, os apaixonados por gastronomia, gostam de procurar o diferente, de caçar novidades nos supermercados e experimentar novos sabores. Lugares como o Mercado Público de São Paulo, por exemplo, são labirintos deliciosos, pois lá se encontra todo o tipo de coisa. Inclusive frutas das mais diversas, coisas que realmente não encontramos em qualquer lugar. Uma dessas frutas chamou a atenção não apenas por seu sabor, mas por seu preço. A Pitaya Amarela custa R$ 99 o quilo. É claro que uma fruta assim tão exótica não poderia passar batido. Por isso, minha casa logo teve a companhia de uma Pitaya Amarela, uma Pitaya Vermelha e uma Pitaya Branca. A Pitaya é uma fruta estranha. Olhando à primeira vista, ela lembra um pouco da nona, pelos gomos aparentes na casca. Mas esses gomos são tão exagerados (principalmente na branca) que a fruta ganhou o apelido de frutado-dragão. Já no gosto, eu acredito que lembre bastante o kiwi. Uma pesquisa rápida me disse que são originárias do México, e não é muito fácil encontrá-las em Blumenau. A primeira que provei é justamente a mais cara e a mais gostosa. R$ 99,00 o quilo não é todo dia que se encontra, e uma fruta de tamanho médio saiu em torno dos R$ 35. Estaé
A Pitaya é uma fruta estranha. Olhando à primeira vista, ela lembra um pouco da nona, pelos gomos aparentes na casca 124 NANU!
é a Pitaya Amarela: caríssima, mas deliciosa. O gosto lembra vagamente uma mistura de kiwi com nona, só que mais doce e mais leve. É uma delícia, tem um sabor bem marcante, mas ainda assim não enche. Dá para comer uma fruta inteira sozinho sem enjoar, porque ela desce bem. A fruta tem uma coloração amarela por fora, e é branca por dentro. A segunda que provei foi a Pitaya Vermelha. É uma delícia também, com o sabor mais marcante que a amarela. É mais barata, custando por volta de R$ 25 o quilo, no Mercado Público de SP. A fruta é bem mais chamativa, mais bonita que as outras e dá para se apaixonar pela fruta cortada no prato. De cor forte, numa tonalidade muito semelhante à da beterraba, a fruta mancha com uma velocidade impressionante, então tome cuidado. Se encostar na roupa, será um problemão. Até mesmo a pele se mancha com facilidade. Depois de comer, fiquei com as pontas dos dedos rosadas por horas, mesmo esfregando bem ao lavá-las! A língua então, nem se fala, parecia que eu tinha comido um daqueles chicletes de sacanagem, que pintam a língua. O gosto da Pitaya Vermelha é bem semelhante ao do kiwi - a ligação é imediata -, mas com uma mistura de beterraba também. Ela é bem doce, mas superleve. Não sei se ela se torna enjoativa com o tempo, mas comi meia fruta e me esbaldei. Muita gente pode confundir a Pitaya Vermelha com a Pitaya Branca, pois por fora elas são muito parecidas. A branca é rosa por fora, enquanto a vermelha é mais escura. Mas é por dentro mesmo que se pode notar a maior diferença: uma é branca e a outra é de um vermelho escuro como uma beterraba. A Pitaya Branca é muito gostosa também, mas não tão boa quanto a vermelha, nem quanto a amarela, minha preferida. O sabor é um pouco diferente, lembrando o melão. Tem o mesmo estilo das outras, mas não me chamou tanto a atenção.
Quem são os Gastrossexuais? O nome Gastrossexual pode assustar alguns. Mas sua ligação mais óbvia é fácil de entender: nós somos parentes dos metrossexuais. Porém, ao invés de dar muita importância à aparência, preferimos o paladar. E mais que isso: ao olfato, à visão, ao tato. A refeição, para estar completa, precisa nos ganhar na totalidade, nos encher de prazer. Este prazer, quase sexual, é o que nos leva aos restaurantes mais caros, ou aos botecos mais escondidos; às sobremesas mais elaboradas, ou às iguarias mais raras. Os Gastrossexuais, quando cozinham, cozinham por prazer. Quando vão a um restaurante, observam cada detalhe para saborear. A arquitetura do local, a decoração interna, o atendimento dos garçons, a beleza dos pratos, a qualidade e o volume do som ambiente, a variedade da carta de vinhos, o detalhamento do cardápio, o bom gosto geral. Não é apenas a comida que faz parte da refeição, o Gastrossexual se alimenta de todo o ambiente a sua volta.
Saiba mais gastrossexual.wordpress.com
foto: Stoch.xchng
JOIE DE VIVRE
JOIE DE VIVRE NANU!
TOY new Letter Playground Para aqueles que amam fontes. Criado pelo ilustrador especialista em letras escritas à mão, Nate Williams, o site permite que qualquer pessoa participe. A ideia é mostrar diferentes jeitos de escrever uma letra ou número. letterplayground.com
Silverfish Projeto do Octopus Studios, o aquário Silverfish foi projetado para que os peixes circulem em todas as direções possíveis. A peça é feita por encomenda e custa 3 mil euros e é ideal para peixes tropicais de água doce. octopusstudios.com
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Heather Lins Home
Hi-Sun
As almofadas são criações da designer gráfica Heather Lins. Ela se inspira em coisas fora do comum para criar. Há coleções com estampas tiradas de livros de biologia, exames de oftalmologia, régua e balõezinhos de história em quadrinhos. heatherlinshome.com
Toalha com alto-falantes para iPod e iPhone perfeita para levar para a praia ou acampamento. Para lavá-la, basta remover as caixas. Além disso, os alto-falantes são movidos a bateria recarregável. hi-fun.com
Yellow Bird Project
Monty Python
Camiseteria criada com fins não lucrativos, a Yellow Bird Project seleciona estampas de bandas indie desenvolvidas por designers. Toda a renda da venda das camisetas é destinada à instituições beneficentes. yellowbirdproject.com
Relógio inspirado na esquete The Ministry of Silly Walks, do grupo de humoristas ingleses Monty Phyton. O modelo é desenvolvido pela Toy Vault. Os ponteiros são as pernas do personagem ilustrado no centro do relógio. toyvault.com
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fotos: Divulgação
Style
JOIE DE VIVRE
RICARDO LUIS
ilustração: LOOSHstudio
Arquitetura verde
Arquitetura verde, arquitetura sustentável, eco-arquitetura, arquitetura eficiente. Muitos nomes para uma mesma coisa. O mundo inteiro anda atualmente preocupado com problemas de escassez de matérias-primas, fontes de energia convencionais se esgotando, aquecimento global. E a arquitetura não ficaria de fora, afinal é nela que habitamos e onde consumimos a maioria de nossos recursos. Mas me pergunto: só agora a arquitetura deveria ser eficiente? Ela já não é, por princípio, eficiente? A arquitetura nasceu da necessidade do homem de se proteger das intempéries da natureza selvagem à sua volta. As edificações passaram a servir para a proteção do corpo e dos suprimentos que começavam a ser cultivados e armazenados. No início, cavernas. Depois, pequenas cabanas de folhas no solo e nas árvores. Em seguida, partiu-se para sobreposição de elementos encontrados no território – pedras, conchas, troncos, barro. Até passar para a elaboração mais consciente de projetos das edificações, trazendo com isso inovações tecnológicas - como o tratamento de lapidação das pedras, moldagem do barro, uso de fibras naturais como elemento agregador. Então, chegou-se ao uso do concreto – mistura de grãos minerais selecionados com água – e do aço – industrialização de ligas metálicas encontradas em jazidas naturais. Mas, afinal, onde está a questão da sustentabilidade da arquitetura? Na escolha dos materiais? Na reciclagem de insumos da indústria? Na reutilização das águas servidas e da chuva? NÃO! Isso tudo é verborragia de Casas Coloridas, revistas especializadas e obras. Mídia que quer apenas encobrir sua total ignorância no conhecimento do que realmente é arquitetura, da
“Tudo o que se diz hoje de arquitetura verde é resolução paliativa de problemas muito mais próprios do pensar em projetos pela sociedade”
real função e empregabilidade da disciplina. Tudo o que se diz hoje de arquitetura verde é resolução paliativa de problemas muito mais próprios do pensar em projetos pela sociedade. E esse pensamento já é velho conhecido dos verdadeiros arquitetos. Um pensamento que faz parte dos elementos principais da concepção arquitetônica desde as habitações nas cavernas. O uso racional e inteligente das escassas fontes naturais. Muito se fala de lâmpadas econômicas, que fornecem uma ótima iluminação e gastam pouquíssima energia elétrica. Para quê tudo isso? Bem iluminar um ambiente? Não seria muito mais fácil e, sim, mais eficiente, que a própria arquitetura tivesse sido pensada para aproveitar ao máximo a luz natural que temos, nos trópicos, em abundância? Uma inteligente implantação da edificação em seu entorno e contexto, o raciocínio lógico da relação entre áreas opacas e transparentes? O ar-condicionado se torna totalmente obsoleto no momento que a arquitetura é bem executada levando em conta os ventos da região, as áreas de sol e sombra. Uma leve ventilação cruzada – que entra e sai da edificação em pontos opostos – já é suficiente para tornar o ambiente muito confortável, mais eficiente. Tanto se fala de utilização de materiais reciclados na construção civil, no desperdício excessivo no canteiro de obras brasileiro. Mas nunca paramos para refletir: por que esse desperdício acontece? Deixo essa pergunta no ar e um conselho no canto do ouvido: a arquitetura é muito mais simples e poética do que parece. Afinal, abrigarse é uma das melhores qualidades do ser humano. A eficiência, tanto energética quanto espacial, está a uma sinapse de distância. Pense nisso.
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