Ficha técnica
Apresentação
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Prefácio
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Antes de botar os pés na estrada
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1. Juntos a fazer história 1.1 Desafios e proposições 1.2 Articulações 1.3 Avanços 1.4 Socialização das vozes dos municípios: roda de diálogo
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2. Avaliando o caminho pecorrido 2.1 Aspectos significativos 2.2 Participação no curso: implicações do contexto 2.3 Alguns depoimentos 2.4 Sugestões para um próximo curso
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3. Uma síntese de muitas vozes
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4. Projetos escritos a várias mãos
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5. Saberes em diálogo 5.1 Semiárido e Educação Sustentável 5.2 Educação escolar, Direitos Humanos e Conselhos de Educação 5.3 Vida / Convivência, Direitos Humanos, Democracia e Conselhos de Educação
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5.4 Direitos Humanos, Sistemas de Ensino e Conselhos de Educação Como Redes Associativas e Solidárias
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5.5 Uma certa ideia de Educação 5.6 Transdisciplinaridade, Direitos Humanos e Plano Nacional de Educação: Um diálogo possível para a ressignificação da abordagem às questões de gênero, raça, etnia e religião na prática docente 5.7 Organização solidária e ecológica das produções rurais semiáridas, segundo bacias hidrográficas pequenas. Conforme uma máxima conservação e os resultados das águas anuais e plurianuais cíclicas 5.8 Educação como Direito Humano 5.9 Desenvolvimento Sustentável – Princípio para convivência emancipada com o semiárido 5.10 A Seca e o Estado Brasileiro 5.11 A Política Estadual de convivência com o semiárido: Possibilidades e limites para o campo da Educação 5.12 Educação em Direitos Humanos: Sustentabilidade da raíz histórico-cultural do povo indígena Fulni-ô no Agreste de Pernambuco 5.13 Aliança para o progresso em Pernambuco e o Projeto de Escola sem Partido: A Educação em Disputa 5.14 Do sertão ao semiárido, do combate à convivência com a seca. 5.15 Educação, Direitos Humanos e Movimentos Sociais
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Anexos
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1. Projeto de estudo, pesquisa e formação. 2. Conferências livres – Proposições para CONAE 2014 3. Projeto do curso de formação. 4. Seminário interinstitucional: direitos humanos, educação e democracia. 5. Sondagem junto aos gestores e conselheiros educacionais. 6. Participantes da equipe do Projeto.
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Umbuzeiro - Semárido/PE Acervo: Embrapa
Rumo ao Pólo Salgueiro Acervo: Coordenação do Curso
Anísio Brasileiro, Reitor O convite para prefaciar o livro Educação, Direitos Humanos e Convivência com o Semiárido além do prazer da leitura, foi sobretudo um convite ao mergulho reflexivo nas questões da relação entre educação, direitos humanos e o Semiárido Pernambucano, território onde se desenvolveu o curso de formação de gestores e conselheiros municipais de educação. O livro propicia um importante debate extensionista acerca das potencialidades do semiárido e da articulação de políticas públicas que possam responder ao direito à educação e ao desenvolvimento sustentável. O curso, organizado em quatro módulos, se realizou em três municípios polo – Caruaru, Salgueiro e Afogados da Ingazeira – e possibilitou uma integração de conhecimentos, saberes e experiências, ensinados e aprendidos por pessoas comprometidas com a perspectiva da convivência com o semiárido. Professores da Universidade, gestores, conselheiros educacionais, movimentos sociais, compartilharam juntos a análise da legislação vigente e suas formas de articulação intersetoriais, o que resultou nesta publicação de quase 300 páginas, construída a várias mãos. Configura-se neste processo formativo, uma ação de extensão que estimula a pesquisa e propõe uma educação que reconhece os sujeitos em seus diversos conhecimentos, saberes, e que valida uma prática pedagógica aberta ao diálogo e sintonizada com o fortalecimento de políticas públicas que tem na pluralidade de ideias, nos princípios da ética, da solidariedade e do respeito à diversidade seus principais fundamentos referenciados na justiça social.
Assim, a presente publicação formada por um conjunto significativo de representantes de instituições públicas e dos movimentos sociais, confirma a importância do diálogo e do uso das metodologias participativas fundamentadas nas ciências humanas e sociais, para o entendimento da realidade do semiárido pernambucano. O livro mostra como os sujeitos estão exercendo a sua autonomia de forma pactuada e responsável, formulando propostas, desde a esfera municipal, em direção ao fortalecimento de seus projetos coletivos. Pensar a cidade e o campo, pensar o presente do semiárido prospectando o futuro, pensar o global, conectado ao saber e ao agir local são alguns dos desafios contemporâneos que se impõem às universidades públicas que, cada vez mais, são convocadas a contribuir com uma formação técnica profissional, ética e cidadã, no rumo da superação das desigualdades sociais. Assim, a nossa expectativa é que este livro propicie momentos de aprendizagens e esperança aos seus leitores, pois os desafios estão sendo enfrentados com seriedade, ousadia e compromisso em direção ao fortalecimento do interesse público e na perspectiva de uma sociedade justa, democrática e solidária.
Pólo Salgueiro/PE Acervo: Coordenação do Curso
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Na busca de um novo olhar Na busca de um novo olhar; Pensando em novos planos. Criando expectativas; Sem cair no desengano. Unindo um grupo de guerreiro; Na cidade de Salgueiro; Tratando de Direitos Humanos Foi um debate saudável; Dentro de cada realidade. Tratando das Escolas do Campo; Mas também as da Cidade.
Agora levamos conosco; A experiência para a ação. Um olhar mais pensante; Uma nova reflexão. Ainda não somos doutores; Mas juntos somos promotores; De uma nova educação. Fragmento do Poema de Adão Cardoso / Polo Salgueiro - III Módulo
Cada um no seu momento Dando seu depoimento; Falando de conquista e de necessidade. O assunto em debate; Teve sua variedade. Dos Conselhos ao PNE; Trabalho e sustentabilidade. Meios de organização; Trabalho e Legislação; Direito a Diversidade.
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Entardecer no Semiárido/PE Foto do acervo: Coordenação do Curso
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A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade cível e nas manifestações culturais. (LDBEN/96-Art 1º )
A mobilização da sociedade a partir do avanço das políticas públicas na perspectiva dos direitos humanos propicia a incorporação da diversidade como um dos componentes dos projetos em defesa da igualdade e da justiça social. Em especial, no conjunto dos marcos regulatórios da educação, observe-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 (LDBEN/96) e o Plano Nacional de Educação Lei 13005/2014, Art. 2º, Inciso X (PNE/14) - Promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e a sustentabilidade socioambiental. Nesta direção foi estruturado no âmbito da ADUFEPE um núcleo de estudo, pesquisa e formação denominado “Educação, Direitos Humanos e Diversidade no Estado de Pernambuco”. Inicialmente o Núcleo elaborou, em parceria com outras instituições1, o projeto de pesquisa 1 Instituições:União Nacional dos Dirigentes Municipais de Pernambuco(UNDIMEPE), Associação dos Docentes da UFPE (ADUFEPE), Universidade Federal de Pernambuco – Pró Reitoria de Extensão e Cultura (UFPE/PROEXC), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade do Vale de São Francisco (UNIVASF), Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisa Social (FUNDAJ), Universidade de Pernambuco (UPE), Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco (SEE-PE), União Nacional dos Conselheiros Municipais da Educação
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“Educação como direito humano e convivência com o semiárido nas redes públicas de ensino em Pernambuco” com o objetivo de subsidiar propostas de diretrizes para políticas educacionais que assegurem a escolaridade como direito humano nas redes públicas de ensino, no semiárido de Pernambuco. (anexo 1). No entanto, o projeto de pesquisa foi reestruturado para antecipar um curso de formação de gestores e conselheiros municipais a partir da contribuição de dois movimentos. O primeiro deles, apresentado pelo conjunto dos participantes durante as conferências livres – preparatórias da Conferência Nacional de Educação - 2014 (CONAE) - e o segundo, decorrente de sugestões da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI-MEC). Dessa maneira o curso de formação “Educação como Direito Humano” passou a ser o eixo das atividades mantendo-se os mesmos objetivos dos estudos anteriores que tinham como horizonte subsidiar, conforme já referido, propostas de diretrizes articuladas para políticas educacionais que assegurem a escolaridade como direito humano nas redes públicas de ensino no semiárido de Pernambuco, salvaguardando os compromissos com o desenvolvimento sustentável no país. Dentre as iniciativas de mobilização e consulta ao conjunto de instituições e movimentos sociais a respeito da educação como direito humano foram realizadas duas conferências livres tendo como orientação os eixos defendidos na versão preliminar para CONAE-2014 com destaque para “educação e diversidade: justiça social, inclusão e direitos humanos” assim como “educação, trabalho e desenvolvimento sustentável: cultura, ciência, tecnologia, saúde, meio ambiente”. A primeira delas foi realizada no âmbito da 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC/2013 no Recife - PE e a segunda em Petrolina-PE, em 2013 (anexo 2). As propostas advindas da mobilização e consultas deram visibilidade às expectativas de realização imediata de um curso de formação para gestores e conselheiros municipais, na perspectiva contemporânea (UNCME-PE), Movimento dos Sem Terra (MST), Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Pernambuco (FETAPE) e o Comitê Pernambucano de Educação do Campo e contou com o apoio do Ministério de Educação – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (MEC/SECADI).
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da educação como direito humano (anexo 3). Para atender esta demanda foi realizado nos dias 6 e 7 de novembrode 2013 o Seminário Interinstitucional: Direitos Humanos, Educação e Democracia (anexo 4) tendo em vista uma abordagem articulada dos temas: “Educação, Democracia e Diversidade; Educação e Direitos Humanos: Marcos Regulatórios; Política Educacional e Sustentabilidade no Semiárido: desafios e proposições”. Neste primeiro momento a indicação dos temas a serem tratados no curso circunscreveu a educação no âmbito do debate dos direitos humanos, democracia e desenvolvimento sustentável. Também foram incorporadas algumas contribuições sobre a diversidade advindas de uma sondagem junto aos gestores e conselheiros municipais (anexo 5) contemplando marcos regulatórios, princípios articuladores do conjunto das políticas e relação entre os Planos Municipais de Educação -2015 (PME) e os desafios do PNE-20142.
2 Trabalho em processo de publicação elaborado para ser objeto de estudo e discussão durante o curso.
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Pólo Afogados da Ingazeira/PE Acervo: Coordenação do Curso
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Canção Óbvia Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei, enquanto esperarei por ti. Quem espera na pura espera vive um tempo de espera vã. Por isto, enquanto te espero trabalharei os campos e conversarei com os homens. Suarei meu corpo, que o sol queimará; minhas mãos ficarão calejadas; meus pés aprenderão o mistério dos caminhos; meus ouvidos ouvirão mais, meus olhos verão o que antes não viam, enquanto esperarei por ti. Fragmento do poema Canção Obvia, de Paulo Freire
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Mandacaru - Semiárido/PE Acervo: Embrapa
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Os direitos humanos são afirmados como universais, indivisíveis, interdependentes entre si e destinados a garantir a dignidade humana (Sergio Haddad, 2006).
O curso foi constituído de quatro módulos: I - Educação, direitos humanos e convivência com o semiárido; II Educação, direitos humanos, democracia e movimentos sociais; III - Educação e direitos humanos: marcos regulatórios e política de convivência com o semiárido; IV - Diretrizes de políticas integradas de educação e direitos humanos. O diálogo com o conjunto das políticas na gestão dessa esfera do poder público incluiu atividades presenciais e descentralizadas nos municípios em estado de emergência, por ocasião da estiagem no período de 2009 a 2012. As atividades presenciais foram concentradas em três polos: Afogados da Ingazeira, Caruaru e Salgueiro e os estudos descentralizados ocorreram nos municípios inscritos, ambos ancorados em dois objetivos: - Elaborar diretrizes de políticas educacionais na perspectiva dos direitos humanos e convivência com o semiárido, articulando o conjunto de proposições da gestão municipal; - Estabelecer mecanismos de monitoramento das políticas de educação assegurando processo permanente de avaliação.
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As atividades realizadas nos polos propiciaram a ampliação do debate sobre os temas e subsidiaram os gestores e conselheiros durante o processo descentralizado de elaboração das proposições de políticas educacionais integradas. Em seguida, os resultados desta etapa de estudos retornaram aos polos para análise e complementações que permitiram a efetivação dos objetivos com ênfase nos seguintes aspectos: gestão democrática, educação e direitos humanos, educação e diversidade, educação ambiental e segurança alimentar. Para cada um destes aspectos foram elencados desafios e proposições de enfrentamento norteando o debate na socialização dos resultados deste estudo. 1.1 Desafios e Proposições a) Gestão democrática Elaboração compartilhada do plano municipal de gestão estabelecendo diretrizes de políticas direcionadas para a qualidade de vida da população; Democratização da gestão municipal instituindo e fortalecendo sistemas de ensino através de mecanismos de participação da sociedade a exemplo dos conselhos municipais e escolares; Fortalecimento de parcerias tendo em vista a importância do regime de colaboração para a execução dos planos nacional, estadual e municipais. b) Educação e direitos humanos Instituição da Secretaria Municipal de Direitos Humanos mediante diálogo entre as diversas instâncias de gestão na sociedade democrática; Garantia, na perspectiva dos direitos humanos, da formação continuada para gestores, docentes, discentes e demais membros dos conselhos municipais e conselhos escolares;
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Identificação dos problemas existentes no cotidiano da comunidade escolar subsidiando mudanças no currículo. c) Educação e diversidade Reconhecimento e promoção dos princípios que respeitem as abordagens acerca de gênero, religião, etnia, entre outros, contemplando a perspectiva contemporânea dos direitos humanos que transversaliza os planos de educação. d) Educação ambiental e segurança alimentar Definição de diretrizes que salvaguardem a biodiversidade superando políticas que privatizem a água, a terra, degradem as condições da vida humana e comprometam o desenvolvimento sustentável; Garantia de conhecimentos nos eixos estruturadores da proposta curricular necessários ao diagnóstico dos limites e possibilidades vinculados ao tipo de solo, à seleção e cultivo de hortaliças e legumes; Fortalecimento de políticas públicas que contemplem a diversidade de produção no campo, valorizando a economia local e o meio ambiente. 1.2 Articulações Para efetivação desta proposta foram introduzidos mecanismos e procedimentos de participação da população em todas as etapas de elaboração, desenvolvimento e avaliação de políticas articuladas assegurando a universalização no atendimento dos direitos humanos. Incentivo à criação de conselhos escolares com base na Lei Municipal em sintonia com os demais conselhos de gestão de políticas públicas; Efetivação de parcerias entre a secretaria de educação e demais se-
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cretarias e órgãos de gestão3 no atendimento às demandas das comunidades. 1.3 Avanços À medida que as proposições dos municípios iam sendo socializadas, a equipe de formação pontuou avanços e desafios encontrados no âmbito de todos os projetos: identificação de parcerias institucionais; conhecimento dos marcos regulatórios; necessidade de formação continuada de gestores e conselheiros municipais, importância do planejamento e da participação nos processos decisórios. Identificação de parceiros no processo de elaboração compartilhada do plano municipal de gestão; Definição de marcos regulatórios que contribuam para implantação e implementação de políticas de educação e de meio ambiente na perspectiva dos direitos humanos; Participação dos conselheiros que integram os diferentes setores da gestão no planejamento e avaliação das políticas de educação. 1.4 Socialização das vozes dos municípios: roda de diálogo A Roda de Diálogo “Educação do campo e diversidade: desafios do semiárido”, realizou-se na manhã do dia 26 de novembro de 2015, no Centro de Educação – UFPE/Recife, como uma das atividades do XV Encontro de Extensão e Cultura desta mesma Universidade, momento relevante de estudo, troca de experiências e de divulgação de programas e projetos de extensão, que além de reafirmar o caráter indissociável entre ensino, pesquisa e extensão pretende contribuir para uma sólida formação acadêmica, capaz de responder aos problemas concretos, demandados pelas áreas de pertinência social. A escolha pelo formato Roda de Diálogo, desenvolvida na propos3 Secretaria de Saúde, Secretaria de Obra e Urbanismo, Secretaria de vigilância sanitária, Secretaria de Agricultura, Secretaria de Educação e/ou Esportes, Secretaria de Ação Social, Secretaria de Cultura e Turismo, Secretaria da Mulher, Secretaria de Agricultura, Compesa, IPA, Prof. Do PNAIC.
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Pólo Caruaru/PE; Pólo Afogados da Ingazeira/PE Acervo: Coordenação do Curso
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Pólo Salgueiro/PE Acervo: Coordenação do Curso
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Não Vou Sair do Campo Não vou sair do campo Pra poder ir pra escola Educação do campo É direito e não esmola O povo camponês O homem e a mulher O negro quilombola Com seu canto de afoxé
Dos rios e dos mares De todos os lugares Onde o sol faz uma fresta Quem a sua força empresta Nos quilombos nas aldeias E quem na terra semeia Venha aqui fazer a festa. Gilvan Santos
Ticuna, Caeté, Castanheiros, Seringueiros, Pescadores e posseiros Nesta luta estão de pé Cultura e produção Sujeitos da cultura A nossa agricultura Pro bem da população Construir uma nação Construir soberania Pra viver o novo dia Com mais humanização Quem vive da floresta
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Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Parágrafo Único/Artigo 1º da CF/88)
ta metodológica ao longo do curso, se deu por seu viés interativo, dialógico reflexivo e por possibilitar trocas significativas entre formadores do curso, gestores e conselheiros municipais, professores, estudantes, técnicos educacionais, gestores da comunidade acadêmica da UFPE e público participante do XV ENExC com interesse em debater a educação do semiárido. Nesta ocasião foi apresentada uma síntese dos resultados dessa formação, apontando as contribuições dos municípios na compreensão e na construção de uma política de educação articulada com as demais secretarias contemplando a memória das experiências e a sistematização das proposições elaboradas ao longo de sua trajetória. Gestores e conselheiros municipais avaliaram o curso, identificando os aspectos positivos, as limitações do contexto para sua realização e sugestões para continuidade dos estudos nesta esfera do poder público. 2.1. Aspectos significativos:
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Os temas foram adequados às necessidades dos municípios; O debate foi realizado com boa transposição didática e participação de todos; A compreensão que a intervenção humana é possível e necessária e que medidas simples de preservação do meio ambiente ajudam a reverter o processo de degradação do semiárido; O reconhecimento de que a negligência de direitos leva à compreensão de que os problemas sociais são explicados pelo processo histórico, sendo a luta coletiva determinante para assegurar a conquista dos direitos; A importância de educadores discutirem direitos humanos associados às questões da agricultura; O despertar para a realidade em que se vive e a possibilidade de refletir temas diretamente ligados ao cotidiano A valorização dos diversos saberes/conhecimentos/experiências por parte dos formadores; A Integração com outros municípios; O processo de construção do conhecimento expressou coerência entre a fala e a postura metodológica; O curso contribuiu bastante com a prática político pedagógica, numa perspectiva democrática. 2.2. Participação no curso: implicações do contexto A conjuntura político econômica desfavorável dificultou o aporte financeiro para o deslocamento dos interessados; O processo simultâneo de elaboração dos PMEs/2015 comprometeu a participação de alguns municípios em etapas do curso. 2.3. Alguns depoimentos Em um próximo curso, que haja divulgação na mídia e que o convite seja
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ampliado para a comunidade local incluindo representantes além daeducação, saúde, assistência social, defesa civil, segurança pública, corpo de bombeiros, DETRAN, INSS, HEMOPE, visto que discutir educação e direitos humanos é fundamental para todos os agentes públicos, entendendo-se que toda a sociedade precisa compreender, refletir e efetivar os direitos humanos nos mais diversos locais de trabalho. Também o legislativo deveria participar deste curso, de modo a contribuir para a formulação e votação do texto do PME. Equipe gestora/Pólo Salgueiro. A contribuição deste projeto foi muito significativa, porque pautou o semiárido como objeto de estudo, com a participação das secretarias municipais, as regionais do Estado e a universidade que abordaram a educação como direito humano a partirda realidade de cada município. (professor/equipe de formação). O diálogo estabelecido entre o saber acadêmico e os outros saberes foi muito importante porque explicitou a produção do conhecimento a partir de uma relação interinstitucional. Ampliamos memórias, trocamos saberes, estudamos, recitamos poesias, cantamos, propusemos o que é melhor para nossa região, realizamos conquistas, projetamos políticas públicas articuladas, reconhecemos a importância da participação de todos e todas. (equipe de formação/equipe gestora). Um modo significativo de aprender que orientou os estudos foi o mergulho na realidade, aprendendo com a comunidade, a partir da avaliação de políticas públicas na perspectiva dos direitos humanos. O curso cumpriu este papel de buscar nesta fonte e se permitir transformar por ela. (equipe gestora). Um desafio que se impôs durante todo o curso foi a questão do processo de transformação das demandas sociais em agenda das políticas públicas. Crescemos juntos buscando responder a esta provocação. (formadora CAA/UFPE). Atualmente, os secretários juntos com o prefeito e reunidos com representações da sociedade debatem as demandas das comunidades. Em seguida
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dispõem de até dois meses para apresentar respostas aos problemas analisados. (Gestora – Afogados da Ingazeira). Sou de Contenda, uma comunidade quilombola. Em Salgueiro existem três comunidades quilombolas: Conceição, Santana e Contenda. Quando eu tinha 8 anos, em 1978, lembro de como o meu avô tratava o meio ambiente. Ele passou para os filhos e os filhos dele passaram para a gente o cuidado com o meio ambiente. Falava, com respeito, do riacho que cortava a comunidade e nos dizia para preservar as margens e as matas que estavam lá. Esse riacho, por muito tempo, sustentou a comunidade, os animais, as plantas e abasteceu toda a comunidade com suas águas! Até setembro de 2015 eu estive à frente da Secretaria de Agricultura do município e tentamos construir um plano de convivência com o semiárido. Chamamos a população para discutir alguns eixos como: a universalização do acesso à água; assistência técnica; regularização fundiária; educação contextualizada. Mas nem tudo isso foi para o papel. Agora com este curso, que chegou com a Universidade, conseguimos motivar as pessoas para participarem e transformar prioridades do município em lei. Um plano é mais do que estar só discutindo, inclui as propostas. Esse é o nosso sonho e a nossa vontade após o curso. (Gestora - Salgueiro) Este estudo me fez crescer e perceber a importância de um pequeno começo, mas de grande significado. Dentro da universidade, dentro da extensão, na qual também nos inserimos em outros momentos e, neste, construímos um novo olhar para uma situação que é dramática, mas tem solução! (formadora). 2.4. Sugestões para um próximo curso: Reservar mais tempo para o debate; Consolidar o sistema de comunicação entre os participantes estimulando gruposde e-mail, de whats APP, entre outras mídias; Contemplar nas políticas sociais o conjunto dos segmentos que representam a diversidade na esfera municipal; Manter o nível de qualidade da formação dos docentes; Publicar os textos e artigos que perpassaram o processo de elabora-
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ção e desenvolvimento do curso.
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Pólo Afogados da Ingazeira - PE Acervo: Coordenação do Curso
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Pólo Caruaru - PE Acervo: Coordenação do Curso
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O Curso Educação Direitos Humanos e Convivência com o Semiárido significou um momento relevante de estudos, trocas de experiências, socializações, descobertas, revisão de caminhos percorridos, e sobretudo, importante espaço de reafirmação da educação como direito humano, de articulação de políticas públicas e de projeção de horizontes mais largos para a convivência com o semiárido. Observa-se que neste curso, como foi evidenciado nos diversos textos e depoimentos, o semiárido é um campo de possibilidades e de diálogos interdisciplinares. Durante os quatro módulos do curso o reconhecimento dos desafios a serem enfrentados se fez presente a partir de problemas concretos dos municípios. Gestores municipais, conselheiros de direitos, formadores, professores, pesquisadores, representantes de movimentos sociais, ONGs e sindicatos entre outros sujeitos coletivos exercitaram alternativas aos problemas do cotidiano, reafirmando assim, o poder local como instância importante de construção da democracia. Por tudo isso, pode-se afirmar que o curso contribuiu para um pensar mais articulado entre as políticas municipais. A perspectiva ampliada da educação, no âmbito do debate dos direitos humanos, qualificou o estudo para além da educação escolar. À medida que cada município se pronunciava e se esforçava para apresentar proposições de melhoria da qualidade de vida de sua região descortinava uma dimensão predatória que degrada a convivência com o meio ambiente exigindo enfrentamento imediato através de políticas
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Pólo Caruaru - PE Acervo: Coordenação do Curso
Entre Cactos e patativas Entre cactos e patativas, Sol a pino agreste/sertão, Gestores e conselheiros Redesenham a educação. Educação, um direito humano, Semiárido a tecer convivência, No tom verde dos umbuzeiros A democracia ganha cadência. Entre mandacarus e juremas
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Inclusão atravessa a agenda, A esfera pública se fortalece E define a principal senda. Política pública articulada, Gestão e movimento social, A diversidade se incorpora Ao planejamento municipal. Entre beija flor e sabiás Vozes debatem cidadania,
O direito é forjado na rua A luta, praticada todo dia. A canção do pavão misterioso Encanta e exerce influência, Participar, decidir e atuar Amplia a voz e a consciência. O belo vôo da asa branca Contrasta o sol abrasador Estudo, prosa e cantoria Abraçam o sonho educador. Compreender a cultura local, Contracenar com a memória, Participar no sentido pleno, Reconstruir a própria história. Entre os juazeiros e as palmas Educadores acertam o passo, Ciência se faz com experiência, Saberes entram no compasso.
Caruaru e Salgueiro, Três polos de aprendizagem, Formação o ano inteiro. Encontros têm data marcada Mas, a formação vai continuar, Enquanto houver no município Compromisso, vontade e luar. Pois a cada luar do Nordeste Novo brilho ilumina o olhar, Lutar por um ambiente inteiro, E por sua geografia trabalhar. Eita, casa de gente guerreira Que nunca perde a esperança De ver por toda essa região Solidariedade e abastança. Flávia Campos
O anoitecer com a lua cheia Traz pausa para refletir O desejo de compreender O significado do existir. Entre o coaxar dos sapos E as cores da açucena O semiárido se repensa A dignidade ganha cena. Afogados da ingazeira,
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públicas na perspectiva dos direitos humanos. Neste sentido o curso deixa abertura para estudos, pesquisas, práticas educativas aliadas ao compromisso com políticas educacionais mediante um projeto de formação humana que possibilite um novo pensar sobre a sustentabilidade no semiárido. Esta experiência compartilhada de formação propiciou a problematização de temas que fundamentem estudos na elaboração e execução de políticas educacionais articuladas ao conjunto das diretrizes das demais com a mesma perspectiva. Considerem-se, neste sentido, parceiros do movimento permanente de reflexão crítica de uma prática educativa que contemple: Participação da população na definição, monitoramento e avaliação das políticas municipais na perspectiva dos direitos humanos. Políticas municipais integradas considerando as condições permanentes de respeito à dignidade humana e aos direitos a elas associados. Diretrizes da política educacional que articulem os diversos saberes e conhecimentos produzidos que apontem soluções para os problemas sociais e ambientais recorrentes e ainda não resolvidos. O comprometimento com a diversidade no semiárido a partir do regime de colaboração, entre as esferas do poder publico, para assegurar a participação democrática. Como planejado buscou-se, no curso, construir propostas de diretrizes para políticas públicas educacionais capazes de assegurar a educação escolar como direito humano nas redes públicas de ensino do semiárido.
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Pólo Salgueiro - PE; Pólo Caruaru - PE Acervo: Coordenação do Curso
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Pólo Salgueiro - PE Acervo: Coordenação do Curso
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(...) Nos teus olhos opacos aprendo o que nos distingue. Já repartes comigo a ciência e a paciência. Quero contigo repartir a esperança. (...) Fragmentos do poema Lição da Escuridão de Thiago de Mello
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Pólo Afogados da Ingazeira - PE Acervo: Coordenação do Curso
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Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades (Boaventura Souza Santos, 2003).
Os debates desenvolvidos em cada módulo, de acordo com a proposta inicial, possibilitaram um intercâmbio de conhecimentos, saberes, valores e experiências compartilhadas por dirigentes e conselheiros representantes dos municípios que se sentiram mobilizados a trabalhar na direção de rever alguns de seus projetos e ou de elaborar novos contando com um suporte de tutores. Com este propósito foram identificados municípios voltados para a gestão democrática das escolas atuando na socialização das informações importantes para a comunidade escolar, com a responsabilidade de fortalecer conselhos de direitos, formação dos conselheiros e utilização de mecanismos de controle social da gestão. Sugeriram, também, a transversalização da proposta de direitos humanos no cotidiano escolar estabelecendo parcerias com pessoas, entidades e organizações que desenvolvem ações voltadas para garantias desses direitos. No sentido de orientar o trabalho de reformulação de projetos ou elaboração de novos foram sugeridos pelos formadores alguns aspectos
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norteadores tendo como referência tanto vivências anteriores dos participantes como as atuais, particularmente as do curso. Neste sentido a compreensão desta problemática ressaltando a importância de experiências anteriores associadas aos estudos do curso e iniciativas já em desenvolvimento nos municípios tais como educação e diversidade, direitos humanos, justiça social, gestão democrática, apontando também o que consideravam desafios, valendo ressaltar questões voltadas ao fortalecimento e ampliação de parcerias com outras Secretarias, com o Governo do Estado, com Órgãos estaduais como COMPESA, IPA, etc. Cabe referenciar, também, a atuação na educação ambiental, a exemplo várias iniciativas sendo principal a implantação de hortas, com trabalhos de identificação do tipo de solo, seleção de hortaliças e legumes com a participação dos diversos integrantes da comunidade e da política de enfrentamento ao uso de agrotóxicos, ação conjunta de agricultores e produtores para oferta de merenda escolar; acesso e armazenamento de água em um contexto, ainda incipiente de procedimentos indispensáveis ao Regime de Colaboração entre as esferas do poder público. À medida que se descortinavam quais os possíveis aliados na construção de políticas municipais e quais os desafios a serem enfrentados com prioridade, ganhou corpo a articulação entre as diversas políticas da gestão municipal. Em conjunto o mapeamento do potencial de cada município foi sendo redesenhando e, assim, nos diversos polos, os limites geográficos dos municípios extrapolaram e se reencontraram em um desenho mais amplo. Ao pensar e elaborar diretrizes de políticas educacionais na perspectiva dos direitos humanos, os gestores e conselheiros foram desafiados, durante todo o curso, a encontrar nos marcos regulatórios e na agenda dos movimentos sociais, aspectos que fundamentassem a realização de políticas publicas articuladas que extrapolassem aquelas com foco exclusivo nos municípios e passassem a atender às necessidades da região do semiárido em sua totalidade. A sistematização, conclusiva, realizada com a parceria dos tutores, apresenta o esforço inicial dos municípios que ousaram repensar ou reforçar o seu jeito de construir e reconstruir políticas públicas articuladas ao reafirmar coletivamente a importância de: fortalecer parcerias e pactos de co-responsabilidade com o executivo e o legislativo municipal; ampliar e democratizar a participação nos diversos espaços sociais; construir/re-
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construir um plano municipal de ação em direitos humanos e um projeto de gestão democrática; fortalecer os conselhos escolares; incluir a temática da educação, da diversidade, da justiça social, nos projetos político-pedagógicos das escolas; instituir a Secretaria Municipal de Direitos Humanos; valorizar os profissionais da educação; democratizar as relações no âmbito da comunidade escolar; aprimorar as políticas públicas de apoio à agricultura familiar e proteção ao meio ambiente; assegurar o acesso à água para o consumo no município; reconstruir o currículo das escolas em articulação com a comunidade escolar; garantir formação continuada para gestores e membros dos conselhos escolares; monitorar as ações da gestão escolar de forma sistemática e efetiva; promover cursos em direitos humanos e qualidade de vida; entre outras proposições. Na verdade a partir da vivência dialógica cada município, através dos gestores, conselheiros, educadores e com a ousadia da comunidade assumiu a tarefa cotidiana de reconstruir a história da educação como um direito humano no âmbito da convivência com o semiárido pernambucano.
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Reitoria da UFPE - PE; Adufepe - Recife - PE Acervo: Coordenação do Curso
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Os textos deste capítulo representam contribuições aos trabalhos realizados com gestores e conselheiros...
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Antonio Jorge Siqueira
INTRODUÇÃO Sabe-se que a região semiárida do Nordeste brasileiro, de maneira geral, é caracterizada pela aridez do clima, deficiência hídrica, imprevisibilidade de precipitações pluviométricas e pobreza orgânica do solo. Este semiárido nordestino caracteriza-se pelas grandes secas que periodicamente assolam os sertões e é tido, segundo Ab’Saber, como a mais homogênea das regiões semiáridas da América Latina, do ponto de vista fisiográfico, ecológico e social. Segundo levantamentos feitos pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene -, o semiárido brasileiro é o maior do mundo, tanto em termos de extensão, quanto em densidade demográfica. O bioma da caatinga sertaneja também é único no mundo. No transcurso dos últimos anos das recentes décadas, o Nordeste semiárido vem novamente sofrendo as consequências nefastas desse fenômeno climático, historicamente conhecido como “secas”. Enquanto fenômeno de características climáticas – baixos índices pluviométricos -, as secas perpassam questões de natureza socioambiental e acentuam um perfil nítido de privações e contradições sociais do homem do semiárido nordestino, no espaço sertão. Intimamente relacionado com os padrões climáticos e culturais do nordestino, o fator seca aponta para outras dimensões de significação simbólica, sendo a sua relação com a natureza e a cultura a mais relevante delas. Pode-se dizer, pois, que a seca tem várias faces características da maneira como é percebida, vivenciada e enfrentada pelos habitantes do semiárido, no caso, o habitante do sertão. De saída, destaca-se a face climático-ambiental que aponta para o modo historicamente inadequado, senão da conquista, pelo menos da cultura como o habitante sertanejo desses espaços da colonização - “distantes, ignotos e perigosos” -, passou a enfrentar e conviver com a natureza física do espaço geográfico do semiárido. De há
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muito que essa face climático-ambiental da seca vem enunciando e denunciando o pouco cuidado com que se lidou com a preciosidade de um bem fundamental para o sertão – ícone das secas -, como a água: quer no seu manejo e armazenamento precário e perdulário, quer mesmo no seu uso inadequado. Sem falar na adoção de culturas de risco para a região, diante da imprevisibilidade de chuvas, como o milho, o feijão, etc. Tanto ou mais grave isso se torna quando se sabe que essa cultura inadequada é o fundamento da agricultura de subsistência no semiárido, também conhecida como cultura de sequeiro. O habitante do semiárido não convive com a natureza, vira as costas ao meio ambiente. Em seguida, muito em consonância com essa vertente histórica de ocupação predadora e subversiva do espaço físico-ambiental, temos a face cultural da seca, tal como é vivenciada na comezinha cotidianidade desse espaço do “mundo sertão”. Na sua dura e difícil relação ambiental do sertanejo com as estiagens periódicas - reiteradamente cíclicas -, o homem do sertão “naturaliza” o fenômeno climático. Ao naturalizá-lo, cria um abismo intransponível entre ele mesmo e o meio ambiente enquanto relação. Esvaziando a sua característica de relação social, ele naturaliza a seca em sua conotação de “anos bons e anos ruins de chuva”. Naturaliza, também, quando a institui como “destino”, enquanto “vontade de Deus”; e, pior, como “castigo” pelos seus pecados, assumindo o sofrimento da seca numa relação de culpabilidade naturalizada. Nessa interação perversa com o meio ambiente, além de subtrair-se na sua relação com a natureza, o sertanejo não se vê na sua humanidade e se embrutece ante a precariedade das condições de vida, especialmente quando se trata da grande maioria dos pobres. Esse parece ser um cenário trágico no qual Graciliano Ramos inverte o fenômeno da seca: da falta de chuva para o déficit de humanidade. É o caso do seu personagem Fabiano, no clássico romance Vidas Secas. Nessa senda, o rico cancioneiro popular do semiárido nordestino evidencia com muita propriedade a face cultural da seca naturalizada como um canto de dor, sofrimento e de esperança. Ou o sonho frustrado da abundância, usurpada pela ausência da chuva, da água, do verde, da fartura. Sublimada então na fé em Deus e nos santos protetores. Resta salientar outra face emblemática do fenômeno da seca que se exibe na sua rostidade social e política. Não é de admirar que, ao longo da história da ocupação do sertão, as calamidades e adversidades climáticas da seca venham assumindo formas peculiares e específicas de reverberações
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sociais e políticas. Posto que o semiárido é marcado pelos abismos da assimetria social, as elites dominantes, intra e inter regionalmente, ressignificam o discurso social e político da naturalização da seca, reproduzindo as sociabilidades e as relações políticas de dominação. A assimetria social e as práticas políticas dessas elites utilizam-se das secas para naturalizar também as distancias abissais que se interpõem entre o homem e a natureza. Essa nova face da seca evidencia a ideologização mistificadora da prática discursiva e politica das elites nacionais em torno das secas no sentido de tirar vantagens de um problema que poderia ter sido resolvido se aceitar que, de fato, a tragédia não é a seca e, sim, o homem. A “indústria” da seca é uma página que somente será virada na sociedade nacional, nordestina e sertaneja quando for possível abolir a relação perversa do sertanejo com a natureza, o que pressupõe uma educação política e ambiental. Entendemos que qualquer intervenção preventiva e corretiva de parte dos governos, no sentido de enfrentar e minimizar os efeitos danosos sobre as populações do semiárido nordestino, passa por uma necessária e urgente educação do sertanejo para conviver com as estiagens prolongadas, amortizando os efeitos climáticos. Conviver com a seca é dizer pouco se considerarmos que a educação ambiental é um dos pressupostos para algo de maior significado para o lado humano das populações, a saber: o desenvolvimento sustentável, que beneficiará essa imensa e peculiar área do espaço nacional. Nesse binômio “convivência” e “sustentabilidade” se inscrevem as potencialidades de uma solução duradoura para problemas ambientais e sociais recorrentes, como as secas, nunca resolvidos. Por outro lado, esse mesmo binômio não pode ser concebido como metas que não se configurem como uma ação essencialmente educativa, escapando ao manietamento da elite regional em sua relação assimétrica e de dominação.
REFERÊNCIAS RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio, São Paulo: Record, 56ª ed.,1986. PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista – UNESP, 1996.
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CARDIM, Fernando. Tratados da Terra e Gente do Brasil, 1583. SIQUEIRA, Antonio Jorge de. “O direito da Fala: violência e política em Vidas Secas”. In Labirintos da Modernidade: memória, narrativa e sociabilidades. Recife: Editora UFPE, 2014.
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Antônio Paulo Rezende Edla Soares Paulo Henrique Martins
Compromissos assumidos pelo país com a garantia de políticas públicas funda-mentadas na concepção contemporânea de direitos humanos1 e, ao mesmo tempo, o reconhecimento da legitimidade de demandas por um novo modo de convivência, pautam com frequência, na agenda social de debates, a importânciada educação para o respeito aos direitos e à dignidade humana. Tal demanda surge ancorada, principalmente, na Declaração Mundial dos Direitos Humanos e dos pac-tos internacionais e, mais recentemente, é fortalecida pela insatisfação da sociedade com as explicações simplificadas acerca da origem da violência no mundo atual. Na análise dessa problemática, observa-se que diversos setores da sociedade constroem consensos em torno da necessidade de viabilizar políticas de Estado, fundamentadas em princípios que sejam aceitos internacionalmente e reconhecidos nas realidades sociais específicas, como direitos inalienáveis de cada um e de todos os seres humanos. Essa é uma perspectiva, cabe notificar, que não se limita às legislações específicas nem ao domínio reservado de cada Estado. É abrangente e está relacionada a uma série de exigências e responsabilidades a serem 1 Como explica Flávia Piovesan, a definição de direitos humanos aponta para uma pluralidade de significados. Considerando-se essa pluralidade, destaca-se a chamada concepção contemporânea de direitos humanos que veio a ser introduzida pela Declara-ção Universal de Direitos Humanos de 1948, que inova, prevendo, de forma inédita, que não há liberdade sem igualdade e não há igualdade sem liberdade. Desse modo traz uma concepção inovadora, ao atribuir o caráter de unidade indivisível, inter-relacionada e interdependente. * Texto originalmente publicado no Conselho de Educação e Direitos Humanos: diálogos da contemporaneidade - Brasília: MEC, SEB, SEDH, 2009.
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consideradas em cada país e no conjunto dos povos e nações. A figura do direito tem como correlato à figura da obrigação. Em função disso, os compromissos internacionais que estabelecem a universalidade, a indivisibilidade e a justiciabilidade dos direitos, dos quais o Brasil é signatário, representam avanços inegociáveis e devem ser reconhecidos, protegidos e efetivados, assegurando-se sistemas de proteção internacional, regionais e locais2. Nesse sentido, as falas a respeito da qualidade social da vida traduzem iniciativas de afirmação da dignidade das pessoas não somente umas em relação às outras, mas, sobretudo, perante o Estado que, sob o monitoramento internacional, é desafiado a construir o que, de forma simplificada, podemos denominar de pontes que se ampliam constituindo redes de defesa dos direitos humanos. A ponte é um movimento de busca dos(as) outros(as). É uma procura, a partir da qual são estruturadas e explicitadas determinadas relações sociais e modelos de sociabilidade, cuja referência é a medida de justiça socialmente aceita. No que se refere ao direito, essa ponte, especial obra de arte da engenharia, é construída em função das responsabilidades e dos compromissos nacionais e internacionais e explicita uma opção de convivência que reconhece o outro na condição de sujeito com interesses e valores pertinentes. Ela se compõe a partir do reconhecimento da dignidade de todos os seres humanos e de determinada ordem jurídica, ambas decorrentes do processo de constituição de sujeitos históricos que são portadores de direitos e deveres no mundo comum. A presente discussão introduz a temática da igualdade e prevê, na perspectiva do atendimento dos direitos humanos, o desenvolvimento de políticas públicas de redistribuição e de reconhecimento3, fundadas em de2 Sobre a educação nas normas internacionais, observe-se na fala de Pierre Tussaint e Hadad: o Sistema Internacional de prote-ção dos Direitos Humanos é formado pelo sistema normativo global (composto de instrumentos de alcance geral e especial) e pelo sistema regional, este integrado pelos sistemas americanos (Organização dos Estados Americanos, na qual o Brasil está inserido) o europeu e o africano. Os organismos que integram o sistema ONU-Organização das Nações Unidas – são responsáveis pelo monitoramento global dos direitos humanos. Conferir, ainda, Conselhos Escolares e Direitos Humanos – SEB/MEC-2008. 3 Para Costa Neves, a discussão sobre igualitarismo, seja por movimentos sociais específicos, seja por pesquisadores e intelec-tuais, ou ainda por políticos e responsáveis de agências
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terminados valores e padrões de convivência. No caso das políticas de redistribuição, privilegia-se a identidade a partir das relações de trabalho e pretende-se transferência de renda e/ou realização de mudanças estruturais necessárias à instituição de uma nova sociabilidade. Com relação às de reconhecimento, consideram-se outras formas de inserção, além das que são decorrentes do mundo do trabalho e, assim sendo, ambas devem contar com mecanismos institucionais que permitam contemplar a universalidade do atendimento dos direitos e, simultaneamente, o respeito às diferenças nas realidades diversas4. Ou seja, é necessário enfrentar, segundo o debate atual, o que se denominaria uma sociedade justa, os eixos socioeconômicos e culturais que são geradores da injustiça. No Brasil, a principal inspiração para tal debate advém da própria Carta Magna de 1988. De seu texto, observem-se, entre tantos outros, os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, (...), que estabelecem os princípios organizativos da república federativa e, ao fazê-lo, inovam, remetendo a uma compreensão de poder que se constrói, perpassando a sociedade de modo horizontalizado. Art.1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana;
internacionais, tem girado em torno de dois conceitos básicos da filosofia moderna, a saber: o reconhecimento e a redistribuição. A partir do ponto de vista de que apenas as sociedades igualitárias podem ser consideradas justas (...). 4 Diferença não é sinônimo de desigualdade, assim como igualdade não é sinônimo de homogeneidade e uniformidade. A desi-gualdade pressupõe uma hierarquia dos seres humanos, em termos de dignidade ou valor, ou seja, define a condição de inferior e superior; pressupõe uma valorização positiva ou negativa... O direito à diferença, portanto, nos protege quando as características da nossa identidade são ignoradas ou contestadas; o direito à igualdade nos protege quando essas características são motivo para a exclusão, perseguição e discriminação. Soares Benevides, 2004. p.63.
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IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Como se vê, o movimento de democratização do país propiciou, nos termos da Constituição Federal, uma abordagem de empoderamento da população, que institui a possibilidade concreta de sua participação na vida cotidiana, com poder de influenciar e decidir sobre os fins e meios das diversas práticas sociais, remetendo diretamente ao Estado Democrático de Direito. Em decorrência, afirma a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional e torna transparente a necessidade de organização do Estado para a realização dos direitos humanos. Mantém-se, assim, o controle democrático das possíveis omissões subjacentes às políticas sob a responsabilidade do conjunto das esferas do poder público. A Carta Magna estabeleceu um rigoroso elo entre o efetivo atendimento dos direitos humanos e a instituição de mecanismos de participação – a exemplo dos Conselhos de Educação, instâncias representativas e colegiadas que propiciam o exercício do poder da população, optando pela construção da igualdade num contexto de enfrentamento das desigualdades que se fundam numa relação permanente de dominação e exploração. Nessa perspectiva, os direitos humanos são reconhecidos porque referem-se aos humanos em sua universalidade e, portanto, decorrem de valores que impulsionam o movimento histórico de humanização, cuja trajetória é compartilhada por todos, cabendo às políticas públicas, como foi referido anteriormente, responder às exigências de salvaguardar a dimensão da universalidade e, ao mesmo tempo, contemplar as diferenças sem o equívoco de utilizá-las para explicar o cotidiano das desigualdades sociais. Com essas observações, é possível afirmar que, sobre a legitimidade do poder da população, não existem dúvidas. A Carta Magna assim se pronuncia: Todo poder emana do povo e, assim sendo, o texto problematiza a existência de todos (a humanidade) no interior dos movimentos pela igualdade, pela liberdade e pela participação, que mobilizam os setores sociais e dinamizam o conjunto da sociedade frente às múltiplas possibilidades históricas.
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Quanto à união indissolúvel entre os entes federados, é possível apreender a exigência inegociável de uma colaboração recíproca, devidamente regulamentada, entre os conselhos. Isso, quando se trata da universalização do atendimento à educação escolar enquanto direito humano e sem perder de vista, conforme prevê o art. 2º, a autonomia e a harmonia necessárias entre os Poderes da União.(...) São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Não é por acaso que, nos últimos anos, os mecanismos que viabilizaram o financiamento da educação (FUNDEF/FUNDEB) são estruturalmente compartilhados, assegurando responsabilidades à União, aos Estados e aos Municípios, com o financiamento da educação escolar. Quanto ao artigo 3º, contém os fundamentos maiores da Lei que, por sua vez, define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96 - LDBEN). Ao enumerar os objetivos fundamentais da República Federativa, a Carta Magna reafirma princípios e ideais que elegem a justiça como valor universal e propugnam o desenvolvimento nacional no contexto da igualdade, da liberdade e da solidariedade. Com isso, o texto legal antecipa o art. 2º da LDBEN, que considera a educação escolar dever da família e do Estado, inspirada nos ideais de liberdade e solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. Nos demais artigos, a escolha pela prevalência dos direitos humanos, a intolerância com os preconceitos, o repúdio a quaisquer restrições ao efetivo exercício de direitos individuais e coletivos, bem como a importância conferida à participação e às entidades associativas, confirmam o primado da solidariedade apontando, mais uma vez, para uma nova sociabilidade. Assim sendo, rompem, por um lado, com a moralidade do conformismo e seus equivalentes que, ao longo da história, paralisam a construção de pontes decorrentes de escolhas em favor da transformação das condições de existência no interior das quais todos se movem. Por outro lado, situam no debate sobre os conselhos de educação, as noções de democracia, direitos humanos e cidadania5.
5 (...) os direitos do cidadão podem coincidir com os direitos humanos que são mais amplos e abrangentes. Em sociedades efe tivamente democráticas é geralmente o que ocorre... ibid., p. 52.
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Esse é o argumento maior da estreita aliança tecida, recentemente, entre o MEC, a Secretaria Especial de Direitos Humanos e as organizações da sociedade que se definem pela luta em defesa dos direitos humanos e estão comprometidos com ações concretas para viabilizar o plano Nacional de Educação em Direitos Humanos6. Este, em sua versão preliminar (2003), assume proposições de políticas públicas, reconhecendo a educação como direito humano em si e, ao mesmo tempo, condição para a conquista de novos direitos. Em seguida, submetido a uma ampla discussão, o texto incorporou novas contribuições do conjunto da sociedade e manteve, como princípio orientador de tais políticas, a afirmação dos direitos humanos, considerados universais, indivisíveis e interdependentes. Em função desse entendimento, os conselhos de educação são convocados, no momento atual da vida democrática, a estabelecer relações com os demais conselhos de direitos, tecendo redes abrangentes de gestão e monitoramento das diversas políticas, que se unificam em torno da integralização dos direitos humanos. Para o propósito dessa discussão, é possível afirmar que o Ministério da Educação, através de programas de formação de Conselheiros, tem procurado fortalecer esses mecanismos de participação nos sistemas e instituições de ensino, ampliando a base social de apoio às iniciativas relacionadas à qualidade da educação escolar na perspectiva dos direitos humanos. O itinerário desse debate não pode ser ignorado, constando, entre outros, do Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação. Mobilizou-se, através desses conselhos, uma discussão nacional sobre a importância da participação da sociedade no desenvolvimento de políticas que assegurem o atendimento do direito à educação escolar de qualidade social, extrapolando o limite das abordagens que valorizam apenas sua natureza normativa. Constata-se, portanto, nesse processo de formação, a preocupação de vincular “o direito à educação” e “os demais direitos” ao empoderamento da população. Esta, ao se fazer valer, dá visibilidade às demandas por igual-
6 (...) para que um direito humano mereça esse nome é necessário satisfazer uma série de condições, entre as quais a de que ele seja universal, que ele seja justuciável, que haja clareza sobre quem tem condição de implementá-lo, além de que o órgão competente precisa ter a capacidade de realizar a obrigação. Bevenuto, 2005. p.38.
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dade, exigindo o cumprimento do texto constitucional, na abordagem da concepção, da natureza e da composição de órgãos colegiados, no regime de colaboração, nas atribuições dos conselheiros e nos desafios da gestão democrática. Mais do que isso há uma nova expectativa posta para essas instâncias colegiadas. Há que se buscar soluções para os problemas identificados no campo da garantia do atendimento à educação escolar, associando-se aos parceiros dos demais conselhos de direitos humanos e, dessa forma, inserir-se como sujeito no processo de construção histórica, permanente e coletiva de uma nova sociedade. O aceno, como se vê, é para um novo modo de conviver no âmbito da luta em defesa dos direitos humanos no Brasil, fortalecendo-se a organização da sociedade a partir de uma nova interação entre os conselhos. O pressuposto básico é o direito a ter direitos, transformando um mundo desorganizado e invisível em outro: auto-organizado e capaz de redirecionar os rumos de um projeto para o país, considerando a importância da dinâmica das redes de solidariedade para garantir a escolarização básica da população, no âmbito das políticas de atendimento dos direitos humanos.
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Antônio Paulo Rezende Edla Soares Paulo Henrique Martins A discussão da relação educação, conselhos, direitos humanos, demanda uma reflexão sobre a convivência humana. Os direitos humanos são fundamentais como conquista histórica na luta pela afirmação democrática. É importante expor, com clareza, como os conteúdos se compõem para que a educação ganhe qualidade. Sem isso, os direitos se tornam exercícios de formalidade. Não é esse o objetivo da abordagem aqui desenvolvida. A proposta é no sentido de dar movimento e ação mais ampla aos conselhos de educação. Por isso, a efetivação da educação de qualidade, em todos os níveis e modalidades de ensino, supõe a necessária vinculação a um pensamento que eleja a história como uma construção de todos. 1
A sociedade é uma construção coletiva. Envolve todos num trabalho de muitos caminhos e alternativas. É importante essa construção para firmar a sociabilidade humana, para que a solidariedade ganhe espaços de convivência. Mas ela não se faz sem conflitos, sem contradições que os sujeitos sociais buscam resolver em sua trajetória. A sociedade humana é complexa, porque se constitui elaborando e enfrentando uma multiplicidade de questões e obstáculos, muitas vezes, de difícil resolução. Ao afirmarmos que somos seres sociais, queremos reafirmar que vivemos porque existem os outros que nos fazem companhia ou mesmo entram em disputas das quais fazemos parte. O que é mesmo claro é que somos seres sociais, por necessidade de sobrevivência e para tocar adiante nossas lutas históricas.
* Texto originalmente publicado no Conselho de Educação e Direitos Humanos: diálogos da contemporaneidade - Brasília: MEC, SEB, SEDH, 2009.
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Já disse o poeta Drummond que viver é conviver. A vida é troca de sentimentos, de valores, de mercadorias, de símbolos de uma infinidade de coisas que fazem parte de nossa produção cultural. Sem essas trocas a cultura se fragiliza, perde seu dinamismo; a continuidade termina por sufocar a descontinuidade, e caímos numa banalização da convivência social que cria pessimismos e superficialidades, tirando-nos o desejo de avançar nas descobertas e nos conhecimentos da vida. A esperança não deve ser excluída do fazer cultural, pois sua ausência gera impasses críticos. Uma sociedade que acredita na possibilidade de mudança tem condições de ser mais justa e equilibrada, de agregar projetos coletivos. A forma como a sociabilidade é vivida torna-se uma discussão fundamental para qualquer proposta de mudança. A construção da história está diretamente relacionada com a superação e a busca de soluções para os problemas e as dificuldades. Viver a história exige estar situado num tempo e no espaço que se relacionam sem cessar. Ao criar a cultura, temos que alargar a capacidade de invenção, exercer controle sobre muitos de nossos impulsos e esclarecer mistérios. Ela é cumulativa; requer uma aprendizagem constante, dinamismo cada vez mais intenso e a instituição de limites que garantam respeito pelo outro. Mas isso não significa a aquisição imediata da felicidade e a abertura das portas da salvação. A história e a cultura são feitas de muitas surpresas, não há uma predeterminação de seu caminho, o inesperado apronta situações que nunca imaginaríamos. Portanto, devemos fugir dos determinismos. Como pensar no inesperado, na rebeldia, se tudo está determinado, numa conexão de causa e efeito permanente? Viver em sociedade é uma necessidade histórica, fundamental para a sedimentação das culturas e a criação de possibilidades de transformá-las. Porém, seus significados estão relacionados com seu tempo. Ousando, transgredindo, ordenando, seguimos contando e fazendo o dia-a-dia, envolvidos por muitas tramas e muitos dramas humanos. É esse envolvimento que nos leva a inventar as alternativas e redimensionar as experiências educacionais para além do formal e do meramente escolar. A sociedade é uma construção marcada pela diversidade de encontros e conflitos. Cada um de nós tem sua individualidade, a partir do mundo
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social em que está situado. Pensando a história, estamos também pensando a cultura em sua significação mais ampla, onde o ensinar e o aprender são fundamentais, onde não existe um ponto final, um acabamento para tudo. Há sempre a sensação de algo a acrescentar, como uma moradia imensa da qual perdemos de vista a quantidade de seus espaços. Sem obscurecer essa dimensão do mundo, podemos sair das crises que julgamos definitivas se pensarmos que tudo que existe é resultado de nossa capacidade de invenção e trabalho. Portanto, podemos refazer o que consideramos estar mal distribuído. Nada está para sempre; o ir-e-vir da história é uma constante provocação, fortalecendo tradições ou duvidando delas, criando conversas entre o antigo e o moderno e seus defensores. Com essa perspectiva, o fazer na educação acompanha as inquietudes históricas na luta pelos direitos e anseios coletivos. Somos seres que estamos no mundo e procuramos dar sentido ao que vivemos. Por isso a cultura se forma como resultado de nosso agir, de nosso pensar e de nosso sentir. Quando nos lembramos da história é porque estamos situados num tempo e num espaço, como já ressaltamos anteriormente. Não estamos soltos. Periodizamos os acontecimentos e buscamos articular o que está sendo vivido, com os possíveis futuros que se anunciam no dia-a-dia. Cada um está cercado de circunstâncias, relaciona-se com práticas sociais que não estão engessadas. Quanta coisa é feita, sobretudo, no mundo atual, onde é grande a velocidade que toma conta de nossos projetos. A sociabilidade não é algo sossegado, mas cheio de travessias, de compromissos, de aberturas.
Muitas coisas mudam, mas outras permanecem. Há um diálogo entre os tempos que movem a vida social humana e provocam reflexões e surpresas. Disfarces são usados para esconder práticas conservadoras, para misturar o novo com o velho, ressaltar novidades vazias em nome de transformações que apenas escondem velhas relações de dominação. Há uma luta constante, de cunho político, para ressaltar e justificar quem são os donos da justiça e da verdade. A sociedade não é só um lugar de paz e encontros. Os sonhos são
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possíveis, mas as ameaças de que eles se diluam também são muitas. Por ser impossível o absoluto, há sempre algo para ser construído e as instituições devem estar atentas a isso, para não se fixarem em processos burocráticos. Desprezando as idas e vindas do ensinar e do aprender, corremos o risco de referendar a reprodução da cultura e seu declínio. As divergências e os conflitos fazem parte da convivência com os outros. Mais ainda, toda relação social é uma relação de poder, depende dos sujeitos sociais, de seus desejos, de seus projetos, de sua posição diante do futuro. Não é fácil a construção histórica da sociedade. Ela tem uma multiplicidade e uma complexidade que se tornam desafios constantes para o nosso mais simples cotidiano. Quando afirmamos que toda relação social é uma relação de poder, estamos destacando a dimensão política que atravessa nossa vida e as trilhas que podem facilitar ou obstruir a solidariedade, base para qualquer sociedade que se nomeie democrática. É importante fugir das ideias de que o poder só se encontra na gestão dos governos, no vaivém dos gabinetes das grandes instituições, nas astúcias das negociatas econômicas, nas guerras entre as potências militares. É preciso socializar as responsabilidades e localizá-las. Isso é uma exigência do jogo político da sociedade. Alguém assume a responsabilidade sobre o que acontece, não importando se são perdas ou ganhos. A ausência de responsabilidade promove vazios que desequilibram a convivência social, leva à desmontagem de sentidos e referências. Nesse sentido, os conselhos são espaços políticos importantes para impulsionar as discussões e alimentar mudanças nas relações de poder que tolhem a afirmação dos direitos humanos, conquista histórica importante para abertura e concretização das experiências democráticas. A política está, sempre, em nossas escolhas, que repercutem na organização da convivência humana. É fundamental pensarmos que somos responsáveis pelas mudanças e permanências históricas. Daí a responsabilidade social ser o cerne da política. Não há como ficar indiferente, pois a indiferença já é uma forma de se posicionar diante do mundo, de mostrar como valorizamos ou não nossa relação com os outros. Se a sociabilidade se desmantela, desmantelam-se os valores sociais, correndo o risco de crescer a banalização da violência, desfazendo as possibilidades de negociação e, consequentemente, abrindo espaço para práticas fascistas que não suportam as
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diferenças, por serem totalitárias. O fascismo se destacou pela negação do diálogo, pela censura violenta aos adversários e pela militarização da existência. O mundo contemporâneo tem vivido experiências negativas de autoritarismos que armam aparelhos de estado gigantescos e práticas corporativistas violentas. No entanto, é importante não esquecer que as práticas fascistas existem na vida social, sem precisar de gigantescos aparelhos de repressão. Um sistema de propaganda bem montado pode estabelecer comportamentos de tirania disfarçados. A expansão da globalização pode produzir homogeneidade que impeça maior reflexão sobre o que projetamos para o futuro. Por isso, é sempre interessante perguntar o que há por trás das aparências das coisas, não se deixar enganar por imagens que fascinam, mas escondem desigualdades e opressões, como ainda a capacidade que tivemos de superar autoritarismos e derrotá-los politicamente. As práticas educacionais também sofrem ameaças dessas práticas fascistas que apagam a implantação de direitos mais amplos e coletivos. O social exige presença de seus atores e a política, junto com ele, de definições. O mundo não vai por ele mesmo, como pensavam. Ele se conecta com nossas ações. Se quisermos uma sociedade apenas com base na competição, ameaçamos os sentimentos de solidariedade e corremos o perigo de ver o outro mais como um adversário do que como alguém que nos ajuda a estar e ser nessa cultura que inventamos e reinventamos, com um fôlego de quem busca e de quem sonha. É preciso saber que sociedade queremos, para dividirmos nossa responsabilidade política e administrar as relações de poder. Sem a manifestação desse querer, o social se esmigalha, sucumbimos nas indecisões, jogamos fora a possibilidade de construir a política como lugar e tempo da autonomia, esquecemos a solidariedade e o que temos em comum, arriscando fortalecer o individualismo. Vivemos cercados de contradições, porém elas não estão ossificadas; há condições de discuti-las e avançar no desenho de soluções. O social se sente fragilizado quando se consolida o modelo defensor das vontades da minoria que controla a riqueza material e simbólica. O esvaziamento do social é, sempre, um abismo para quem vê a história como
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construção da possibilidade e não somente acúmulo de produtos consagrados pela utilidade e pela eficiência no mercado de trocas. Esse consumismo, quase histérico, que, muitas vezes, toma conta da sociedade que construímos, periga levar a uma coisificação das pessoas. Valores se transformam em objetos de compra e venda, os shoppings centers são instalados em condições especiais para desfrutar dos benefícios da cultura. Olhar crítico para esses comportamentos é um caminho para colocá-los em questão. A fundação política passa, assim, por muitas experiências diferentes. A memória as seleciona. A memória como algo vivo, resultado da relação entre o lembrar e o esquecer. Aprendemos com a memória, com o relato das coisas passadas, como uma referência histórica de afirmações e negações formuladoras de nossos atos e planejamentos. Para nós do Ocidente, por exemplo, a experiência política grega é marcante. Havia, entre os gregos, uma busca de mudança, apesar dos muitos limites que, hoje, vemos. Julgá-los seria anacrônico. Eles viveram num tempo com outras necessidades. Não podiam agir como nós, ter os nossos anseios. Mas refletiram sobre o poder, o político, a democracia, as instâncias das conversações coletivas e das disputas por lugares na gestão da sociedade. Não sossegaram em suas reformas. Moveram suas instituições, questionaram tiranias, ameaçaram verdades seculares. Essa inquietude que tece a cultura assinala uma procura que compõe o vaivém da humanidade. Na política, essa ação se reapresenta com os mais diversos artifícios, reatando laços desfeitos, construindo práticas renovadoras, projetando futuros para além dos limites do presente. Muitas vezes, retomamos tradições que pareciam mortas e ultrapassadas. Por isso, o diálogo entre as culturas e seus tempos históricos é instituinte e nos ajudam a remover obstáculos e crenças, aparentemente, eternas. A democracia busca esse diálogo. Toda sociedade vive com limites e administra esses limites. É a dimensão maior do ser humano. O absoluto é um sonho; necessário para navegarmos em mares desconhecidos e estabelecermos nossas utopias. A sociedade perfeita está longe. Porém não custa pensá-la para fugir do conformismo e não considerar que tudo está terminado. O pior é achar que o labirinto está feito, para sempre, e resta, apenas, lamentar, pois não sabemos onde estão suas saídas. Jogamos todos os
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fios fora e desconhecemos Ariadne, uma das grandes figuras da mitologia grega. Negar o labirinto não é a saída, e o fazer político traz esse desafio incessante de saber viver com ele, arquitetando formas de sair de sua sinuosa construção. Há o concreto que nos cerca, que mostra a viabilidade de superação de cada problema, mas há, também, ilusões, fantasias, fantasmas que povoam as culturas e importunam e desafiam nossa mente. O concreto e o abstrato não se excluem, são participantes da vida social. Como podemos instituir uma nova sociabilidade sem contar com a imaginação? Como podemos ir adiante se ficamos presos à mesma paisagem? Os gregos não negaram os limites e foram adiante; fizeram deles um ponto de reflexão presente em suas meditações filosóficas e em seus devaneios artísticos. Sua cultura é rica de pensamentos sobre as impossibilidades e o trágico que nos rodeiam. Não se trata aqui de firmar hierarquias definitivas e vê-las como base indiscutível do mundo Ocidental. A cultura nos dá a possibilidade de (re) significar projetos. Há compreensões de experiências políticas que nos tocam e que continuam presentes na história contemporânea, apesar das inúmeras transformações. Alguns a vivem, sem perceber suas tradições, outros fazem dela um ponto de partida para pensar as ações políticas e a sobrevivência do social. Daí, nosso interesse em retomá-las, para articular suas práticas e reflexões com a questão dos conselhos. Mesmo onde as comunidades eram pequenas, suas gestões motivaram o social, as articulações entre o novo e velho, para que as referências fossem reconhecidas coletivamente e o mundo se refizesse nos momentos onde o caos parecia insuperável. O mais difícil de tudo é como repartir o poder e evitar que ele se torne produtor de relações concentradoras de privilégios. Sabemos das muitas dúvidas que existem sobre o Estado e sua fundação. Há muitas disputas teóricas nesse imenso e pantanoso território. Há quem o relacione ao surgimento da propriedade privada, dos meios de produção, ou ao excesso de riqueza concentrada nas mãos de uma minoria. A riqueza material seria promotora de relações de poder, onde os privilégios estariam nas mãos de poucos.
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Daí, a exploração do homem pelo homem, a escrita de leis que reproduzem a desigualdade para garantir hierarquias e evitar a desobediência a quem controla o Estado de maneira autoritária. Há semelhanças com as mitologias e religiões que falam de um pecado original que atinge a todos e exige, portanto, punição e sofrimento. Revoluções foram feitas em nome da redenção de todos os males e procurando reorganizar a sociedade em nome da justiça social. Questionamentos teóricos foram articulados, utopias visualizadas, mas não morreram as injustiças, nem tampouco vencemos as desigualdades. Elas ganharam outras formas e outras justificativas, mas continuam ameaçando a convivência social, estimulando violências e rebeldias, criando expectativas negativas. O Estado não desapareceu. Burocratizou-se. E, com a ajuda da tecnologia, tornou-se um grande disciplinador da sociedade, sofisticando suas ações, utilizando-se de conhecimentos científicos e sendo manipulado, em muitos momentos, pelos que desejam a continuidade das diferenças sociais. A existência de conselhos não é uma experiência nova. É uma resposta política. Tem sua dimensão utópica ainda presente, revela que a política inquieta. Lembra experiências e caminhos construídos com lutas e rebeldias. Desmancha outro raciocínio que defende o corporativismo e/ou a centralização autoritária. Cria-se, então, espaço para uma relação de poder que dialoga, fortemente, com a tradição democrática. Com todas as suas imperfeições, a democracia tem um discurso voltado para a ampliação da cidadania e de luta contra as restrições aos desfavorecidos politicamente. Pensar os conselhos democraticamente é pensar a divisão de poder, é pensar que conversação política tem muitas cores, que sua hegemonia atende aos chamados da diversidade. As relações democráticas de poder exigem esse mergulho, esse respeito pelo que o outro tem a dizer; reforçam o social que se vincula com as práticas de solidariedade e inclusão. A vontade da maioria está associada ao movimento da democracia. É ela que transforma o discurso, que o retira do papel, que não deixa que ele seja palavra sem atuação. É importante, a ligação do discurso com a prática, para que os conselhos se movam enquanto instituições que não silenciam e nem acreditam
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que há um ponto final na política. Cada ação humana significa, referenda valores, pode trazer o inesperado. Por isso, o modelo não funciona como um receituário de regras e comportamento definitivos. Ele pode sugerir renovações que serão, mais à frente, reconstruídas, se prevalecer a vontade da maioria. O dinamismo democrático se expande por essas vias, por ele não recusar as demandas de seu tempo, por não defender a imobilidade dos espaços da verdade e da autoridade. Apesar das muitas contradições, o social, por mais tirânico que seja o sistema de governo, não sobrevive sem a troca, sem a comunicação, sem a escuta do outro. Insistimos nesse ponto, lembrando-nos de um escritor do século passado, Albert Camus, que afirmava: “Solidariedade ou solidão, como um dilema que atrai e perturba”. Com relação aos gregos dos tempos antigos, já construímos muita coisa. A modernidade trouxe com a secularização da política contribuições que, ainda permanecem em discussão. Mas os princípios fundantes de alargar a presença do coletivo nas decisões continuam válidos. Na construção dos tempos modernos, os exercícios políticos não cessaram de ser inventados. Rompeu-se com o escravismo, a divisão social baseada no nascimento, desenvolveram-se as classes sociais. Tudo isso dentro de uma luta política, sem gratuidade, mas alterações importantes na forma de administrar e distribuir as riquezas sociais. A complexidade sócio-histórica mergulhou, às vezes, numa ameaça de caos, que nos amedronta, ou mesmo na exaltação de conquistas. As permanências e as descontinuidades continuam seus diálogos seculares. Mudam as dimensões históricas, analisam-se as novas travessias fundadas em disputas e estatutos de verdade. Não há linearidade na invenção do tempo. Eles se misturam, a simultaneidade quebra essa exaltação aos avanços e aos progressos que são, muitas vezes, ilusórios. Passado, presente e futuro não estão isolados, até mesmo se confundem. Procura-se, também, criar vácuos que servem para se desfazer das memórias e esvaziar as experiências. As invenções tecnológicas são importantes, redefiniram a convivência entre as pessoas, mas há armadilhas. Sabemos que o conhecimento não é neutro, não foge dos mecanismos de poder. As bombas atômicas e muitas guerras ocorridas são testemunhas de que a ciência se compromete com quem a controla economicamente. A globalização anuncia o estreitamento das culturas, simula a proximidade dos povos, mas o que vemos é um mundo ardendo e não o fim da violência.
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Não há uma aceitação dos encantamentos da tecnociência que a faça reinar sem oposições na atualidade. As desconfianças são muitas e podem se concretizar em vias políticas de ação renovadora, sendo importante não escondê-las. Nem tudo que traz uma novidade científica significa transformação qualitativa na gestão pública da sociedade. Dentro dessa questão democrática e sua possível universalidade que pode atravessar a constituição dos conselhos, a discussão sobre o que entendemos por autonomia é fundamental. Os tempos modernos registram a busca pela autonomia do próprio ser humano, como construtor de sua história. A modernidade é esse projeto onde os desejos e as reflexões sobre a liberdade e a igualdade estão presentes, mas onde, também, a defesa da propriedade privada e do individualismo atua sem disfarces. Não houve um único projeto de modernidade. É uma homogeneidade que nunca existiu. Mais uma vez a luta política acompanha nossos projetos intelectuais e a arquitetura de nosso cotidiano. Os sistemas totalitários tentaram esvaziar as possibilidades de rebeldia, inventando um conformismo feliz em suas sociedades. Conhecemos seus destinos, seus ufanismos mesquinhos. É difícil esquecer o franquismo, o nazismo, o stalinismo e tantos outros totalitarismos do século XX. Eles se chocaram com muitos dos ideais da modernidade. Seria melhor, até mesmo, anunciar as modernidades, sem negar que a questão democrática as persegue, não importando sua trilha histórica, assim como as ditaduras fazem silenciar as vozes dissonantes do protesto. Liberalismo e socialismo falam de liberdade e igualdade. No entanto, formulam entendimentos diferentes, tocam-se historicamente, mas também se conflitam em muitos aspectos. Formulam reflexões, porém não desdenham os mecanismos de poder, as astúcias e os cenários de controle e de disciplina. Ninguém é inocente, para não constatar que a relação entre as teorias e a práticas possui muitos contrapontos e causa muitas frustrações. Uma sociedade do pensamento único é uma enganação, uma negação da capacidade da invenção humana. A autonomia é a base da questão democrática, talvez mesmo da convivência ou do fortalecimento do social, enquanto projeto de solidariedade. Não é preciso repetir que a política está aí presente. Mas como pensar a autonomia? Cornelius Castoriadis, pensador grego, afirma que autonomia é
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a capacidade que cada um tem de produzir suas próprias leis. A autonomia é instituinte, pois abre a trilha para o novo, não é fechamento ao discurso do outro, é abertura, possibilidade de conviver com a diferença. Não o indivíduo solto, porém comprometido. Quando não há diálogos, há o risco de consolidarmos práticas fascistas e não democráticas. A autonomia se perde quando não se liga ao coletivo e, com seu exercício, os conselhos ganham, enquanto espaços de troca e de possibilidade. Com isso, fugimos da reprodução burocrática da política, que é sua morte não anunciada. Os conselhos podem ter o poder de ação reforçado se trilham a autonomia. Quando o espaço do poder se movimenta, a autonomia ganha força. Quando ele apresenta os mesmos desenhos, arruína a democracia pela repetição e pelo medo da transgressão. Essa relação dialética entre a ordem e a transgressão faz parte da democracia. Ninguém vive absolutamente tudo, e as instituições morrem se tiverem um percurso exclusivamente alimentado pelo novo. A autonomia se dimensiona quando a sociedade compreende sua história e não se imobiliza.
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Antônio Paulo Rezende Edla Soares Paulo Henrique Martins Com o objetivo de prosseguir e ampliar a discussão sobre as relações entre os conselhos de educação e a convivência social, levando em consideração a diversidade cultural, tão presente na sociedade brasileira, propõe-se a articulação dessas instâncias como redes associativas e solidárias, ponto fundamental para a garantia do pleno atendimento dos direitos. 1
As relações entre conselhos de educação, o conjunto dos conselhos de direitos humanos e seus impactos na convivência social são vistas, particularmente numa sociedade que pauta a justiça social, sob o viés da redistribuição e do reconhecimento, conforme mencionado nas discussões anteriores. Defende-se, assim, a tese de que os conselhos de educação devem ser pensados, em primeiro lugar, como redes de solidariedade e de associação, como espaço da democracia participativa e da cidadania plural; como lugar de exercício dos direitos humanos em sua integralidade, considerando em mesmo nível o conjunto de direitos adquiridos pelo sujeito moderno nos últimos séculos, a saber: direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A teoria das redes sociais busca compreender sociabilidades que se articulam em um plano intermediário ou mesossociológico, não se identificando com definições abstratas de sociedade e de indivíduo como o faz a sociologia tradicionalmente, mas com as interatividades que se estabelecem entre os atores sociais e institucionais. * Texto originalmente publicado no Conselho de Educação e Direitos Humanos: diálogos da contemporaneidade - Brasília: MEC, SEB, SEDH, 2009.
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Mas, as redes sociais são objetos de diferentes interpretações, umas mais funcionais e voltadas para a regulação de sistemas formais, outras mais interativas e voltadas para a regulação de solidariedades envolvendo indivíduos e grupos sociais. Há, então, dois usos teóricos correntes das redes sociais. Um deles tem preocupação mais claramente funcionalista, sendo mais conhecida como network analysis, havendo nessa variante clara preocupação com o uso da ideia de rede como técnica de mobilização e de acesso a recursos para sustentar a ação empreendedora (Granovetter, 1985). A definição mais tradicional e usual desse tipo de rede é oferecida pelos sistemas funcionais que dão ênfase ao papel determinante das estruturas sobre os indivíduos e que têm, de certo modo, a ver com a leitura dos teóricos norte-americanos. São exemplos as redes de empreendedores de ação coletiva, entre outras, todas voltadas para associá-las com a mobilização de capital social por certos grupos de interesse, sem maior preocupação com os aspectos éticos e morais de tais mobilizações de recursos. Há, porém, outra leitura de rede mais próxima da tradição francesa, que relaciona as redes com os mecanismos de solidariedade e de coesão social (Martins, 2004). Essa nos parece mais adequada para se aprofundar a reflexão sobre a natureza e o desenvolvimento dos conselhos de educação. Nessa segunda perspectiva, as teorias sociológicas, procedendo de uma releitura de autores como Durkheim, Simmel e Mauss, tendem a incorporar uma visão mais dinâmica que considera as determinações gerais da coerção social sobre a ação social – o fator da totalidade que Marcel Mauss designa de “fato social total” –, mas sem desconsiderar a importância das individualidades na organização e na recomposição da totalidade. Assim, parafraseando P. Mercklé, “a ambição da análise de redes não é de explicar somente os efeitos das estruturas sobre os comportamentos mas, também, inversamente, os efeitos dos comportamentos sobre as estruturas” (Mercklé, 2004: 94). Essa compreensão da dialética entre o todo e a parte ou entre a estrutura e o comportamento é importante para se avançar na discussão sobre o potencial dos conselhos de educação para aparecerem como redes mobilizadoras de capital social (confiança, visibilidade etc.), voltados para a cons-
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trução de uma coesão social que responda à exigência do interesse público. De fato, no bojo dos novos movimentos sociais e culturais e dos esforços de modernização dos programas sociais e públicos, observa-se, desde algum tempo, em nível global, incluindo o Brasil, o surgimento de organizações-redes que apresentam forte característica de interatividade e que funcionam adequadamente em sistemas complexos, na medida em que seu caráter interativo torna mais flexível a gestão compartilhada, descentralizada e autônoma. Esse tipo de rede tem, por outro lado, valor heurístico central para se pensar a relação entre Estado e sociedade civil e os novos desafios de se reorganizar a proteção social em sociedades complexas. A rede associativa deve ser classificada como uma variante dessas redes interativas, apresentando como especificidade o respeito ao princípio da reciprocidade mútua, isto é, pela implicação das partes envolvidas em um intercâmbio relativamente horizontalizado e equitativo e que se caracterizam por certas características particulares dadas por elementos como densidade, conectividade e intensidade dos mecanismos de coesão social. Aqui as trocas de informações com os públicos externos, sejam esses formados por indivíduos isoladamente – como as redes de usuários – ou por indivíduos reunidos em sistemas formais – como as redes semiformais do tipo conselhos de educação, por exemplo – são realizadas a partir de uma lógica de reciprocidade que obriga todos os envolvidos a assumir sua parte de responsabilidade na manutenção e na reprodução da rede social. Para o propósito desse programa de trabalho, as noções correntes de redes funcionais são insuficientes, na medida em que não permitem compreender como se asseguram a justiciabilidade e a aplicação efetiva dos direitos humanos à inserção, entendidos em sua complexidade disciplinar e normativa (Castel, 2002; Benvenuto Lima, 2005). Isso é apenas uma noção interativa de rede, como a das redes associativas, que tem essa característica de favorecer pelo principio da reciprocidade direitos humanos de inserção voltados para públicos intermediários que, em sociedades complexas, são o fundamento dos públicos democráticos. A busca de coesão social pelas redes permite atingir dois objetivos
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centrais da experiência democrática: a igual atribuição de direitos e a igual distribuição dos bens da cidadania. Ricoeur (2006: 246) considerou esses objetivos como principais desafios para que a luta pelo reconhecimento penda a favor da democracia. Sem isso não se pode falar de uma convivência social mais democrática, onde a solidariedade e o coletivo tenham prioridade embora sem negligenciar o valor da individualidade. As redes associativas referem-se principalmente a novas formas de organização de atividades sociais e coletivas, que desafiam e transgridem hierarquias tradicionais de dominação que funcionam tradicionalmente pela supressão de elementos da democracia participativa, como a diversidade, a igualdade e a solidariedade. Tais redes refletem a complexidade das mudanças sociais no sentido de dar conta da autonomia de decisões que respeitem as demandas crescentes de diferenciação e diversidade sociocultural e de participação descentralizada em assuntos de interesse comum de indivíduos e grupos sociais. Nesse sentido, a proposta de Martins e Fontes (2004), de uma tipologia de redes em três níveis, parece interessante, na medida em que facilita compreender que o fenômeno das redes não se apresenta em uma única modalidade, mas que, ao contrário, sofre adaptações dependendo do nível de formalização ou informalização organizacional. A partir dessa tipologia, podemos falar de três tipos de redes: a) sociotécnicas, b) socioinstitucionais e c) sócio-humanas. a)
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Rede sociotécnica: Tipo de rede que se institui no interior dos sistemas organizacionais altamente regulamentados, públicos ou privados, visando responder à necessidade de planejamento de ações intersetoriais complexas que criam tensões na base e repercutem verticalmente no interior do sistema organizacional. Esse tipo de rede surge de uma exigência de melhor articulação de políticas, visando responder a demandas sociais, cada vez mais complexas em termos de intersetorialidade e interdisciplinaridade. Podem ser exemplificadas pelos conselhos técnicos e consultivos, formados como respostas do aparelho estatal às demandas complexas de gestão social, nascidas nas extremidades do sistema público e estatal. Diferem de outros
modelos tradicionais de gestão estatal pelo fato de o ambiente organizacional passar a se organizar em elos multifuncionais com estruturas hierárquicas mais flexíveis, permitindo canalizar demandas de participação e de deliberação mais complexas. Entre os envolvidos na organização desse tipo de rede, podem ser relacionadas agências governamentais, especialistas e acadêmicos da área, agências externas que financiam políticas sociais; atores/agentes da sociedade civil , como lideranças locais e técnicos das ONGs que participam das instituições públicas na condição de especialistas, ocupando lugares em fóruns e conselhos. Há, portanto, espaço para abertura de diálogo, mais frequente, entre os novos saberes e as experiências cotidianas, do dia a dia dos cidadãos. b) Rede socioinstitucional: Tipo de rede que se institui em sistemas organizacionais, medianamente regulamentados, visando responder a demandas e conflitos verticais – surgidas de baixo para cima – e também demandas horizontais entre agências governamentais e não governamentais. Aqui, a tensão funcional é menos acentuada que no caso anterior, na medida em que a rigidez da hierarquia estatal é atenuada pela dinâmica informal da sociedade civil organizada. Objetiva: a) a criação de uma plataforma de governança nos níveis municipal e distrital; b) estimular solidariedades socioinstitucionais e favorecer ações articuladas entre agências e atores implicados com a formação de uma esfera pública no plano local. Atores implicados: Governo, ONGs, associações locais, lideranças comunitárias e Instituições Científicas. c)
Rede sócio-humana: Tipo de rede que existe, em geral, de modo submerso, na vida privada, articulando indivíduos através de famílias, vizinhança, amizades, camaradagem e práticas associativas. O objetivo de tais redes é o de permitir que os indivíduos possam se socializar e adquirir um lugar de visibilidade e de reconhecimento no interior do grupo de pertencimento. Esse tipo de rede é estruturante da vida social e, sem ele, não existe essa categoria abstrata chamada indivíduo. Atores implicados: sistemas sociais locais como as famílias, a vizinhança e as associações espontâneas.
Enfim, esses três tipos de rede aparecem, muitas vezes, com formatos híbridos, como é o caso dos conselhos de educação, que encerram em sua
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estrutura aspectos hierárquicos e regulamentados, mas igualmente práticas e culturas de negociação e de participação que os aproximam de experiências mais propriamente associativas. Neles, os lugares são disputados, negociados e compartilhados por gestores estatais, por representantes de usuários, de funcionários e de prestadores de serviços privados. Nos conselhos de educação encontramos características dos três tipos de rede acima lembrados e concentrados em um território de disputas e negociações, o que constitui, sem dúvidas, inovação institucional importante. Assim, da primeira rede, a sociotécnica, o conselho herda sua formatação jurídica e seu atrelamento a outras instâncias de decisão coletiva articulada com o planejamento e a execução orçamentária na área da educação. Do segundo tipo, a socioinstitucional, o conselho de educação e também os distritais herdam a vocação para articular instâncias governamentais e nãogovernamentais em torno do tema da governança. E do terceiro tipo, o da rede sócio-humana, reproduzem o tema da representatividade e da participação direta e interpessoal. Considerando as características desses conselhos - alto grau de territorialização, legislação própria, ênfase nos processos participativos e valorização da negociação horizontal – depreende-se que sejam figuras jurídicas, administrativas e políticas, originais geradoras de grandes expectativas em termos de democratização das decisões de interesse coletivo. Sua originalidade em termos de gestão pública merece atenção e mexe com expectativas de mudanças que podem impactar indiretamente os sistemas mais formalizados como os burocráticos. A questão é saber se, do ponto de vista prático, no presente momento, essas experiências chegam a constituir espaços efetivos de democratização e de participação ou se ainda são mais objeto de retórica do que mecanismos efetivos da democracia participativa. As respostas a essas questões são variadas e contraditórias. Em nosso entender a resposta correta depende de se articular adequadamente os interesses particulares e corporativistas com uma compreensão compartilhada e universalista do conselho como experiência coletiva, o que apenas surge com a fundação da esfera pública e da vontade coletiva. A criação do público, segundo Cooley (1966), implica a superação das visões isoladas e a aceitação de um entendimento comum e mutuamente consentido a respeito de valores, regras e
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costumes considerados como mais importantes que os individuais. Nesse sentido, pode-se pensar a ideia dos conselhos de educação como uma rede associativa, desde que se possa conceber seu funcionamento como parte de uma compreensão compartilhada do público, inspirada na perspectiva de uma compreensão complexa da justiça, que passa necessariamente pela ideia de um direito humano integralizado (civil, político, econômico, social e cultural). A democratização das práticas não existe sem o compartilhamento e a superação do corporativismo que fragmenta a justiça e compromete sua universalidade, perigo que aparece necessariamente quando se fortalece a lógica burocrática e se negligenciam os sistemas de rede nos planos mais espontâneos, interativos, representativos e participativos. O excesso de formalização transforma a rede em sistemas hierárquicos submetidos à tutela dos que detêm mais informações ou recursos. Por outro lado, a ausência de regras claras leva à manipulação dos conselhos por interesses privados. Nesse sentido, a diferença entre a concepção dos conselhos como território de barganha e de negociação de grupos com fins utilitários ou corporativistas, por um lado, e como território de exercício de ações de reconhecimento das diversidades e pluralidades, guardando-se a universalidade, por outro lado, é decisiva para se entender o surgimento da esfera pública democrática. Mas tal diferença é sutil na medida em que ela se constrói no plano da percepção do sentimento coletivo. Trata-se de construção de um campo onde, sem negar os interesses particularistas, reconhece-se a importância de que prevaleçam os interesses públicos e coletivos. Para isso, faz-se esclarecedora uma reflexão sobre o projeto de modernidade. O projeto ocidental de modernidade – iniciado no século XVI e consolidado no XVIII – emergiu associado à desconstrução dos sistemas político, científico e religioso, vistos até então como inseparáveis, como o explica a filosofia política, como expõem autores como Lefort (1992). Sob esse prisma, no mundo ocidental, a ordem sagrada deixa de ser responsabilizada pelas vitórias e desgraças da humanidade, e o tema da política e do fazer político humano torna-se central ao se pensar como se constroem a história, a sociedade e a cultura.
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Uma característica própria da modernidade é que os indivíduos não mais aceitam que a injustiça social seja atribuída a fatalidades e que a justiça seja decidida pelos mais fortes e pelos mais ricos. Nesse sentido, a modernidade se expande a partir da tensão crescente entre os interesses particulares, de um lado, e os coletivos, de outro. Assim, contra a expansão unilateral da propriedade privada surgiu, a partir do século XIX, uma reação coletivista a favor da emancipação da propriedade social, que resultou no surgimento do direito social e de instituições públicas voltadas para amparar o corpo social mediante ações assistencialistas e de seguridade. O Estado do bem-estar social nasceu dentro desse embate entre os adeptos da propriedade privada e da propriedade social e pode-se dizer que, sem esta última, não se pode pensar em cidadania democrática (Castel e Haroche, 2001). Seguindo essa linha de reflexão, pode-se propor que a ideia de modernidade é a de uma sociedade que se libera progressivamente da influência religiosa na organização do mundo do trabalho, permitindo aos indivíduos/ grupos refletir livremente sobre a construção racional e emocional de suas próprias identidades históricas. Analisando sob o prisma contemporâneo a emergência da propriedade social, pode-se dizer que ela convocou o homem moderno a assumir as rédeas de seu destino como sujeito social e a recompor sua identidade como agência complexa que é sintetizada pela “abstração real” da cidadania. Isso não significa, cabe ressaltar, o fim da religiosidade, que, ao contrário, além de se renovar e se multiplicar intensamente nas últimas décadas, ocupa importante espaço na vida familiar e social das pessoas. Significa apenas que, ao se proclamar como laico, ou seja, não-vinculado à religião alguma, como é o caso do Brasil (Constituição Federal, art. 19, I), o Estado não pode mais justificar a existência das desigualdades sociais, facilmente identificáveis no país, como decorrentes de determinações sagradas. No outro lado, a propriedade social e, sobretudo, a luta por essa propriedade a partir de mecanismos emancipatórios, políticos e pedagógicos, como as redes, também impedem que o acesso aos direitos e a habilitação a ter direitos seja privatizada por interesses pessoais ou corporativistas.
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Fundada na tradição, sobretudo a judaico-cristã e a clássica, por um lado, e no interesse mercantilista, por outro, a sociedade moderna, como de resto todo o processo histórico da humanidade, passa a vivenciar situações conflitantes, provocadas pelo confronto entre o velho e o novo, entre o particular e o coletivo. Considerando o tradicional, o homem moderno se vê livre para pensar a invenção da cultura, da história e da civilização. Sem negligenciar os interesses privados e corporativistas, esse homem moderno pode se reconhecer como sujeito coletivo e detentor de um princípio de universalidade. Certamente, essas qualidades não são naturais, mas foram construídas historicamente a partir da práxis política, da vivência democrática, da organização dos direitos humanos à cidadania e à inserção. No bojo desse conflito, é para a utopia do futuro que se voltam os esforços de renovação dos saberes e da busca do conhecimento e também da construção coletiva da capacidade de se responsabilizar que Hanna Arendt entende ser essencial para reatar os fios soltos da vida pública (Arendt, 2004). No interior desse percurso, consolida-se a contestação responsável a verdades estabelecidas e tidas como inquestionáveis, que vão sendo substituídas por outras. Dentre as verdades contestadas, cite-se a certeza, até então, dominante de que o mundo é organizado de forma estável, sendo o conhecimento a memorização e a reprodução dessas verdades. Instalada a dúvida frente a dogmas absolutos, constitui-se paulatinamente com a modernidade um indivíduo mais consciente, crítico e questionador; capaz de emancipar-se do obscurantismo e de abraçar a utopia de construir uma sociedade mais justa, livre e equitativa. Por outro lado, as novas descobertas científicas e a noção de ordem e progresso levaram o mundo ocidental a reforçar uma visão eurocêntrica que influiu sobre os rumos da colonização, sobre a organização das sociedades modernas nos outros continentes e sobre os modos de organização do trabalho e do poder. Ao ganhar corpo a convicção de que a sociedade europeia e burguesa seria superior às demais, tidas como primitivas e inferiores, e de que há povos mais evoluídos, que deteriam a prerrogativa de impor sua cultura sobre os demais, conclui-se que a modernidade também atualizou o que a tradição nos legou de mais cruel.
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Nesse contexto, o processo de exclusão expande-se significativamente, não só entre as culturas, mas também no interior de uma mesma cultura, reproduzindo os mecanismos de dominação tradicionais no seio do mundo moderno. Em um mundo submetido a mutações dessa ordem e dessa grandeza, bem como a uma tensão entre regulação social e emancipação social, a sociedade moderna foi reinventando a realidade, construindo novos paradigmas de organização social e, consequentemente, também de educação. Esses paradigmas expressam a diversidade assumida pelo projeto de modernidade, que vai incorporar as concepções e os interesses predominantes em seus espaços de consolidação institucional, expondo as contradições e resistências dos movimentos diversificados surgidos em seu interior. Apontar as concepções conflitantes dos paradigmas modernos não significa considerá-las dicotômicas ou excludentes. Implica, sim, entender que a modernidade aparece como um processo de múltiplas facetas que podem ser melhor compreendidas se as analisarmos por dimensões intermediárias como as das redes de significação social já relacionadas, nas quais se encontram presentes diferentes lógicas de ação que revelam as forças paradigmáticas em presença. Essa observação é particularmente relevante para se compreender os desafios da educação na contemporaneidade. Como seria de se esperar, o contexto educacional que emerge das mudanças recentes do capitalismo e da democracia é o ponto de maior interesse para o presente documento. Para isso, é importante compreender que a modernidade não é o produto de uma evolução linear, como pode se concluir de uma análise superficial, mas de uma trama de lógicas de ação que podem ser chamadas de paradigmas. A seguir, apresentamos detalhes dos três paradigmas modernos: o do interesse, o da obrigação e o da solidariedade. O paradigma do interesse funda-se na ideia de que os objetivos pessoais e egoístas devem ser priorizados na organização da vida social e que o livre contrato social é a peça fundamental para se assegurar o bem-estar coletivo, devendo o Estado permanecer numa posição secundária e auxiliar. Daí advém a noção de indivíduo como uma célula à parte da sociedade, sendo esta a soma aritmética dos interesses particulares.
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Tendo o valor do interesse egoísta como suporte de sua argumentação, o paradigma do interesse, próprio da tradição liberal, referenda o individualismo e encontra terreno fértil na ideia de produtividade econômica como reguladora do desenvolvimento e do bem-estar da sociedade, e no primado da mercadoria como instituição central da sociedade moderna. Essa ideologia se expandiu com o sistema mercantil e o capitalismo industrial e, com eles, legitimou a formação de um individualismo utilitarista e interessado na apropriação e no consumo privado de bens materiais, hierarquizando o acesso às riquezas coletivas e aos direitos de cidadania. A preocupação maior da educação, segundo esse paradigma, é a de formar para atender o mercado de trabalho, o desenvolvimento tecnológico e a gestão econômico-financeira das firmas. O sucesso pessoal é o pressuposto da economia mercantil – e também pelo fracasso – e a aprendizagem é atribuída quase que exclusivamente ao indivíduo. A partir desse paradigma do interesse, prosperaram no interior das ciências humanas e sociais – com impacto relevante sobre as práticas educacionais – teorias individualistas como aquelas do “racional choise”, do individualismo metodológico e da ação estratégica. Tais teorias partem do princípio de que todo ser humano tem um potencial de racionalidade e de escolha cognitiva disponível, a priori, que pode ser acionado a qualquer momento para que se realize a vontade individual de cada cidadão. Considera-se que o ser humano possui aptidões inatas para o cálculo interessado. Como se supõe que esses se desenvolverão naturalmente ao longo da vida, propõe-se mínima interferência externa, pois todas as ações de controle legal e moral reguladoras da ação social como as emanadas pelo Estado são vistas como ameaça à liberdade do indivíduo. Por essa perspectiva, a escola assume a proposta didática que julga eficiente, cabendo apenas ao aluno o êxito na aprendizagem. Quando determinadas aptidões estão ausentes nos indivíduos em termos de aprendizagem, motivação ou compromisso, considera-se que nada se pode fazer, pois essa é uma responsabilidade de cada um e, no máximo, no caso da educação, dos pais dos alunos. Mas tais teorias têm um fundo de ingenuidade ou de excesso de simplismo ao colocar o indivíduo como categoria de vontade racional abstrata,
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sem considerar seriamente a importância dos contextos social, econômico, cultural, político, étnico e afetivo em que aparece e se desenvolve o “indivíduo”. Pois é óbvio que as condições de aprendizagem variam com as condições de vida. Nessa perspectiva, essas teorias individualistas contribuem na prática educacional para reforçar as desigualdades sociais na medida em que não consideram a importância do status e dos lugares que ocupa originariamente cada indivíduo dentro da hierarquia social e cultural, que interferem diretamente sobre os elementos paradigmáticos acima realçados, a saber, confiança, respeito e estima. Numa direção contrária, temos o paradigma da obrigação, que se desenvolve historicamente nas ciências sociais simultaneamente ao paradigma do interesse. Esse paradigma surge tanto em reação ao individualismo como resgatando elementos da tradição estatal autoritária anterior às revoluções modernas. Essa vertente do projeto de modernidade consagra o culto ao Estado burocrático e ao poder das normas e regras na organização da vida social. Atribui à totalidade social, configurada no Estado, relevância maior do que aos indivíduos, ou seja, o que importa é garantir o sistema social em seu todo, mesmo que isso implique cerceamento aos direitos particulares e à liberdade criativa dos sujeitos individuais. Nessa perspectiva, o paradigma da obrigação opera com a compreensão de que a sociedade se organiza a partir de um poder centralizador, o poder estatal, que funciona hierarquicamente e se apresenta como um modelo superior e gerenciador do processo de modernização. Por outro lado, em países que nasceram do processo colonizador, como o Brasil, a implantação desses paradigmas ocorreu paralelamente à modernização do poder oligárquico-patrimonial tradicional. Assim, o paradigma do interesse, na ausência de um mercado interno, comercial e industrial importante, associou-se à lógica especulativa tradicional. Do mesmo modo, o paradigma da obrigação conheceu adaptação importante, a partir do poder dos estamentos militares e autoritários que organizam tradicionalmente o poder central nessas regiões. Ou seja, a ausência de uma economia mercantil e industrial relevante e de uma sociedade civil mobilizada contribuíram para fortalecer ideologias autoritárias entre
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as elites dirigentes, que passaram a supor que a intervenção estatal teria função central na organização da sociedade nacional. A ordem – burocrática – dirigindo o progresso – econômico. No emaranhado de múltiplas compreensões, a superação do “atraso”, segundo as elites e parte das classes médias urbanas, fortalecidas com o advento da República no Brasil, requeria o urgente fortalecimento da intervenção estatal. Em decorrência, em países como o Brasil, a escola passa a ser um mecanismo estratégico na organização das mentalidades modernas a partir de dois pontos: um deles, o de funcionar como correio de transmissão na difusão da cultura e dos valores de grandes centros externos, como o europeu ou o norte-americano, ou internos, como São Paulo ou Rio de Janeiro, estimulando certa cultura imitativa, como foi lembrado por José de Souza Martins ao estudar as contradições da modernidade no Brasil pela qual o “parecer ser” seria mais importante que o “ser” (Martins, J.S. A sociabilidade do homem simples, São Paulo, Hucitec, 50-51). O outro ponto diz respeito à caracterização da escola como um braço do autoritarismo estatal e religioso no país, pelo qual se buscava a formação do cidadão regulamentado, submisso, obediente e adepto de modelos culturais tidos como desejáveis para as classes dirigentes. A preocupação básica da educação nesse contexto é a de salvaguardar a totalidade idealizada do sistema, preservar as prerrogativas do Estado, com a consequente exclusão do sujeito no papel de protagonista social. Observe-se que, nas últimas décadas do século XX, na cena mundial e também no Brasil, as tensões crescentes entre os dois paradigmas tradicionais, o do interesse, representado pelo mercado e pelo modelo norte-americano e o da obrigação, representado pelo Estado e pelos modelos burocráticos, como o da União Soviética, contribuíram para a emergência de um terceiro paradigma, mais complexo. Esse paradigma, o da solidariedade (Martins, 2004), inspira-se na sociedade civil, mais precisamente na valorização da vida cotidiana, das subjetividades coletivas e das experiências de liberdade do sujeito coletivo num contexto em que a inteligência racionalista (herdada do iluminismo) é obrigada a conviver diretamente com a inteligência emocional herdada do
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romantismo. Essa nova esfera de ação coletiva inspira o paradigma da solidariedade, que tem suas raízes nas experiências políticas autonomizantes dos movimentos associativos e cooperativos dos séculos passados. Acontece que nos fins do século XX, esse terceiro paradigma ganhou enorme complexidade a partir das novas e inéditas mobilizações coletivas, como as feministas, ambientalistas, étnicas, entre outras, que passaram a revelar a luta por reconhecimento, que se desenvolve, lembra Axel Honneth, em três esferas: a da autoconfiança, que floresce nas relações familiares e afetivas; a do autorrespeito, que prospera pela afirmação jurídica dos direitos humanos, e a da auto-estima, que se ancora nas práticas de solidariedade do mundo da vida e do trabalho (Honneth, 2003). Contra os excessos do individualismo e do estatismo – ambos promotores de desigualdades e injustiças crescentes – surgem esses novos atores sociais e culturais que se referem e se legitimam mais numa racionalidade discursiva e expressiva que numa racionalidade técnica e utilitarista. Os novos protagonistas se empenham na superação do tradicional papel de figurantes da democracia representativa, revelando o desejo da construção de uma sociedade mais justa e democrática. Considerando, porém, a multiplicidade de vozes e lugares é compreensível que a participação democrática se expanda na sociedade civil a partir de redes sociais abertas a diversos níveis de interatividade nos planos do local, do regional, do nacional e do mundial. Nesse contexto, as forças democratizantes, comprometidas com a participação e com novas políticas de acesso aos direitos e de acessos a riquezas sociais, passam a se pautar progressivamente pelo novo paradigma: o da solidariedade. As práticas interativas e interpessoais fundadas na circulação de dons e de reconhecimentos passam a ser consideradas como a base do humano e do social, permitindo compreensão mais aguda da realidade. A tomada de consciência sobre a complexidade do mundo tem levado, igualmente, os diversos movimentos sociais e culturais a buscar a superação dos danos provocados pelos paradigmas simplificadores – do interesse e da obrigação – na formação das identidades, dos lugares de reconhecimento, de participação e de acesso às riquezas coletivas.
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Dito de outra forma, o novo paradigma permite sair de compreensões simplificadoras dos seres humanos que os reduziam a meros agentes cognitivos e privados, para um novo patamar fenomenológico em que o sujeito coletivo pode liberar o desejo irrenunciável de ser e estar no mundo como sujeito de prazer e de ação, possibilidade nunca antes realizável. Ou seja, somos humanos e seres históricos porque vivemos em sociedade, e é em sociedade que a solidariedade é gerada. Nesse campo de reconhecimento da autonomia da sociedade civil permitida pelo paradigma da solidariedade, pode-se compreender a relevância das redes sociais para garantir o pertencimento comunitário, o reconhecimento social e, por conseguinte, os pactos pela vida e pela associação e, sobretudo, a experiência do público democrático. E essa associação primária não se constitui apenas por motivos de interesse ou de obrigação. Há também outros motivos ligados à liberdade e à gratuidade, o que revela o quanto complexo é o processo de constituição da ação social recíproca quando a examinamos de perto. Sem essa compreensão, as intervenções externas terminam reforçando instituições e práticas autoritárias e mandonistas, que inibem a criatividade social, a autonomia, a participação e o desejo de se solidarizar. Pensar o conselho de educação pelo paradigma da solidariedade, do vínculo social e da cidadania implica valorizar a experiência de pertencimento, promovendo um sentido humanista para a educação. Valorizar igualmente pela escola os mecanismos de formação da solidariedade, de constituição da autoconfiança, do autorrespeito e da autoestima (Honneth, 2003) dos atores comunitários, significa possibilitar a emancipação dos direitos humanos em sua integralidade e em seu potencial de inclusão sócio-histórica. Ou seja, nesse momento de expansão dessas forças sociais e culturais libertárias, é importante refletir o quanto o sistema educacional – aqui sendo incluídas as escolas, o sistema gestor governamental e os órgãos executores de programas – está preparado para se transformar num elo de novas redes de aprendizagem. Redes que possam permitir ao sistema educacional superar a visão simplificada e conformista da aprendizagem da cidadania para favorecer novos processos de emancipação cognitiva e emocional, fundadas no exercício da reciprocidade mútua e da solidariedade coletiva e interpessoal.
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É por esse sentido que a construção do projeto político-institucional dos conselhos deve se orientar. Favorecendo uma cultura de conversação baseada na reciprocidade mútua sem a qual não se pode conceber a formação do cidadão ético, reflexivo e comprometido com o sujeito coletivo. Se os atores institucionais, gerenciais e sociais do campo educativo forem capazes de compreender a grandeza de tal momento de mudanças de paradigmas, eles poderão, certamente, promover uma nova ideia de educação que se paute por uma ciência hermenêutica, fundada na melhoria da qualidade de vida das pessoas, melhor gestão dos recursos coletivos e na promoção de uma cidadania centrada nos direitos humanos. Em suma, a educação na perspectiva do direito humano também deve exercer sua parte na formação humanista do cidadão: •
solidário, participativo, criativo e aberto ao diálogo;
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crítico, conhecedor de seu entorno e das dimensões local, nacional e global;
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capaz de assumir concepções éticas, fundadas na justiça social;
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capaz de partilhar regras democráticas, construídas com base no interesse comum e no respeito à diversidade.
Essa é a utopia que se apresenta como rica em possibilidades para efetivação em curto prazo para o redimensionamento das políticas públicas de educação, mesmo em uma sociedade marcada pela violência e pela desigualdade, a exemplo da brasileira. É uma questão de entendimento das mudanças epistemológicas em curso que estão refazendo as relações disciplinares do conhecimento. Enquanto os dois primeiros paradigmas se orientam, quase que unicamente, por uma lógica simplificadora comprometida com índices de produtividade econômica e tecnológica, por uma aprendizagem individual, racional, objetiva e pragmática e pela transmissão, de forma hierarquizada e cumulativa dos conteúdos, isolados em um conjunto de disciplinas, o terceiro paradigma – o da solidariedade – destaca uma aprendizagem cognitiva, crítica, situada e conjunta, mobilizadora de saberes e valores éticos e
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estéticos, lúdicos e afetivos, criativos e participativos, plurais e sócio-historicamente construído. Tudo isso, sem desvalorizar – dado seu caráter interdisciplinar e sua atenção à contextualização – nem a natureza lógico-racional do ser humano nem as exigências do mundo do trabalho. Esse paradigma aponta para a possibilidade de construção de uma cidadania democrática e plural – pautada nos princípios da ética da solidariedade e da justiça social – bem como na perspectiva da autonomia e do respeito à diversidade dos atores sociais envolvidos no processo. Além disso, os argumentos a favor de se assumir o paradigma da solidariedade, do vínculo social e da cidadania como fio condutor da proposta dos conselhos de educação como redes de solidariedade encontram respaldo nas bases legais, de âmbito nacional e local, construídas nas duas últimas décadas com a participação e a intensa luta dos movimentos sociais organizados, como a desenvolvida pelo “Fórum em defesa da escola pública de qualidade na constituinte”. Pensar o conselho de educação como meio privilegiado para a emancipação de uma cidadania participativa e democrática coloca, de imediato, dois desafios: um deles o de contextualização cultural, política, técnica, jurídica e social da institucionalização dessa figura do direito social contemporâneo, permitindo articular, territorialmente e de forma integrada, ações e interesses diversos e muitas vezes antagônicos em torno dos direitos humanos integralizados; outro, o de construir uma noção de rede associativa de conselhos de direitos que favoreça a conexão dos conselhos em diversos níveis de reconhecimento, propiciando a interdependência no atendimento de tais direitos. O grande desafio é superar as resistências particularistas provenientes de interesses pessoais, corporativos e organizacionais diversificados que tendem a reproduzir a ideologia utilitarista e individualista dominante, hierarquizando o acesso à cidadania e comprometendo os princípios democráticos da igualdade e da liberdade. A superação dessas resistências individualistas e egoístas exige que sejam pensados, ao mesmo tempo, dois desafios: por um lado, o reconhecimento da legitimidade das reivindicações particularistas que não estão atreladas apenas a práticas egoístas; ao contrário, trata-se aqui de reivin-
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dicações que são fundamentais para se entender a diferenciação social e a divisão do trabalho social. Por outro lado, tal superação do individualismo egoísta deve considerar a possibilidade de se conceber uma negociação compreensiva universalista a partir de uma autoridade legítima que organiza a obrigação social, permitindo a troca e a aprendizagem recíprocas, e levando em conta o reconhecimento da diferença e da aceitação dos interesses divergentes. As diversidades devem ser vistas como uma riqueza da construção da cultura e da crescente diferenciação social de uma sociedade complexa, e não como um impedimento ao exercício da democracia. Elas não se justificam moralmente, entretanto, quando são reduzidas a expressões concretas da desigualdade social e econômica no sentido amplo. Questão fundamental na prática dos conselhos é de saber como se construir uma racionalidade discursiva que avance na direção do consenso sem negar o valor da competição e da rivalidade. Trata-se aqui de uma distinção conceitual muito importante na teoria política e que tem impactos sobre a representação e o exercício da democracia, na medida em que, na cultura política brasileira, a discordância é comumente interpretada como contestação, e o opositor passa a ser tratado como inimigo. O mais grave nessa maneira de construir o diálogo é que as partes tendem a não assumir a representação do antagonismo, o que não é sem propósito. Pois, ao se dissimular os sentimentos negativos com relação ao outro, termina-se perpetuando mecanismos de julgamento e de classificação moral que estão por trás da produção da desigualdade social no Brasil. Há, assim, no espaço tradicional da política, sobretudo entre eleitores e eleitos, um jogo de simulação, de falta de transparência na organização da conversação, que é dificultador da experiência participativa e plural. Analisando teoricamente esse fato, podemos dizer que o equívoco se inicia ao se colocar esses dois termos, consenso e rivalidade, como antagônicos, desconhecendo-se que são categorias complementares na organização do poder democrático. Por um lado, o consenso sem rivalidade contribui para reproduzir jogos de dominação inscritos historicamente nas distâncias entre indivíduos e que estão ligados a fenômenos de classes sociais, de etnias e de gênero. Por outro, a rivalidade sem consenso leva a perpetuar conflitos e a degradar a vontade do diálogo. Na verdade, a relação dialógica
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real na base do pacto social não é aquela entre consenso e rivalidade, mas entre consenso e dissenso. A rivalidade aparece como a energia cultural necessária que motiva e move as aproximações e distâncias. Quanto à relação dialógica estabelecida a partir do consenso e do dissenso, pode-se propor que comporta também duas possibilidades. Em uma delas, a relação dialógica aparece como conversação negociada, na outra, como conversação imposta. No primeiro caso, os atores envolvidos não se veem mutuamente como contestadores, mas como adversários, e a rivalidade ou agonismo é um recurso para o enriquecimento do debate; no segundo caso, eles se veem como inimigos, e a rivalidade é vista como uma ameaça a um ideal de amizade que, no entender de uma das partes, em geral, as classes dominantes, deveria ser perseguido a qualquer custo para não ameaçar o poder preestabelecido. Esse é um tópico da sociologia do cotidiano que não deve ser negligenciado sob pena de comprometer as ações voltadas para estimular a participação e a transparência nos conselhos, em geral, e nos de educação, em particular. Chantal Mouffe (2005) oferece importante contribuição para se entender esses fundamentos dialógicos da ação democrática. Nesse sentido, ela critica o excesso de zelo de J. Habermas com a busca de uma racionalidade discursiva legitimada no consenso que ela considera redutiva. Pois, ao negligenciar o valor do dissenso, Habermas deixa de entender o valor prático da rivalidade para a construção do discurso democrático plural e fiel à diversidade. Pensando o caso dos conselhos, diríamos que a relação dialógica defendida por Mouffe e a ênfase que dá ao elemento da rivalidade são condição básica para que as negociações intraconselhos e extraconselhos possam avançar em torno de uma prática democrática mais igualitária, superando o viés clientelista e conformista da cultura política brasileira tradicional, que identifica a rivalidade com a inimizade. A história prova que democracia se expande, necessariamente, nesse contexto ambivalente entre o consenso e o dissenso, e a experiência da participação tende a construir dois movimentos: no primeiro, a participação se confunde com a representação vista pela ótica do local; no segundo, ela é
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entendida como manifestação de um processo de diferenciação do sujeito social e da importância de se criarem mecanismos de canalização das demandas por reconhecimento e por dignidade. O esforço de liberação das forças criativas sociais no calor das conversações e busca de soluções às visões diferentes geram necessariamente conflitos e alianças. Muitas vezes os atritos são menos expressões do conflito que de rivalidades geradas pelo desejo de se adquirir visibilidade, de se afirmar enquanto portador de ideias e de direitos. A distinção entre o inimigo e o adversário não é algo menor na estruturação do mundo da vida. Tal distinção permite entender que “no interior do nó que constitui a comunidade política, o opositor não deve ser considerado um inimigo cuja existência deve ser eliminada, mas um adversário cuja existência é legitima”, C. Mouffe (op. cit.: 14). Tal conjunto de interesses, diversidades temáticas e memórias distintas é a matéria-prima para se pensar a organização dos conselhos de educação em forma de redes interativas e solidárias que articulam Estado, mercado e sociedade civil em torno de objetivos de promoção da cidadania, na perspectiva dos direitos humanos integralizados. Sabe-se que na luta democrática os consensos nunca são definitivos, constituindo-se em alianças provisórias dos envolvidos na construção de saberes e ações inovadoras para o público democrático presente no desenvolvimento dos conselhos. Pensar a cidadania enquanto categoria política e cultural centrada numa noção substantiva de humanidade, a dos direitos humanos integralizados, significa estimular uma ampla discussão sobre os conflitos existentes, sobre os direitos e deveres dos atores sociais institucionais e sobre as alianças desejadas e possíveis. Então, uma cidadania emancipatória deve, inicialmente, considerar a prática cidadã como mecanismo de renovação e de abertura das instituições da educação – da escola ao conselho, passando pelos gestores públicos e pelos usuários do sistema. Ou seja, pensar a cidadania como um projeto político para entender os conflitos como práticas pedagógicas nas quais se externalizam identidades e interesses e se encontram soluções compartilhadas que respondem a uma demanda supraindividual e, às vezes, supragrupal, revelando o público democrático.
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No que diz respeito à concepção dos conselhos de educação em forma de redes associativas é necessário refletir como podem ser correlacionados os valores da igualdade e da diferença no sentido amplo e do reconhecimento das diferenças que valorizem a equidade quando se trata da definição das políticas públicas de educação. Por um lado, a ideia de igualdade deve ser entendida não como massificação, que nega a perspectiva da diferença (étnica, de sexo, de idade etc.). Tais processos têm que ser enfrentados dentro de uma política de igualdade que integre as diferenças em favor da justiça social. Por outro lado, a ideia de liberdade não pode ser vista como algo ilimitado e descontextualizado. A liberdade se vive dentro de contextos socioculturais específicos que delimitam os limites e as obrigações compartilhadas por todos os membros. A história é uma construção humana em que todos participam, mesmo quando se omitem e se escondem de suas responsabilidades. A ideia dos conselhos como uma rede interativa significa superar essa visão da instituição como unidades atômicas e separadas, para pensar os fios que unem os atores sociais e agentes organizacionais dentro de cada conselho e na relação deste com o Estado e com a Comunidade. O estímulo à participação de todas as tendências nos processos deliberativos, associado ao esforço de modernização das instâncias colegiadas contribui, em conjunto, para assegurar os avanços registrados em certas experiências associativas desses conselhos. Em razão de serem fundadas não apenas em regras formais, mas, igualmente, a partir de interesses corporativos e comunitários essas redes assumem os formatos mais diversos, evidenciando o jogo complexo de sensibilidades e percepções nos processos de reconhecimento e deliberação. Pois, em razão de sua natureza horizontalizada e da presença de múltiplas instâncias deliberativas constituídas de modo legítimo, percebe-se haver uma tensão importante no processo de negociação e conversação, desde a abertura das falas até o fechamento da sessão. Em termos concretos pergunta-se: como assegurar a construção do consenso entre parceiros tão díspares em termos gerais como os gestores públicos, usuários, funcionários e prestadores de serviço quando se parte do princípio de que todos os lugares são legítimos e legais?
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Diferentemente das organizações formais que funcionam a partir de lugares hierarquizados e de regras rígidas como a administração estatal, por exemplo, os conselhos tendem a conhecer uma movimentação ampla de poderes e lugares de conversação, refletindo essa característica das redes sociais que são abertas a diversas possibilidades de negociação. Os valores dessas redes não são dados apenas pela regra burocrática (definição dos papéis dos conselheiros, do secretário, das normas de funcionamento etc.) e pelo direito regulamentado que sanciona sua existência legal, mas também por expectativas de confiança, solidariedade, amizade, proximidade, afinidade. Na montagem das redes, há todo um capital social mobilizado; há um processo de aproximação inevitável entre os indivíduos, visando à construção de parcerias em torno do desenvolvimento de atividades comuns. Muitas vezes a presença da pluralidade de olhares reforça resistências e produz sentimentos de ameaça a poderes preestabelecidos que não são acostumados à convivência discursiva. Por outro lado, a partir de cada conselho de educação é possível organizar e desenvolver uma série de conexões e iniciativas, visando envolver a comunidade e o conjunto de atores sociais no processo de democratização participativa. É possível, igualmente, construir pontes entre redes cooperativas dentro do serviço público, tanto para otimizar ações locais como para promover a negociação e a cooperação no interior do aparelho estatal e no sistema de governança envolvendo Estado e sociedade civil. Mas, para que o conjunto de conselhos funcione como uma rede à parte, é importante que sejam criados mecanismos formais e informais de reconhecimento, participação e deliberação nos planos local, municipal, estadual e federal e que se elejam mecanismos de monitoramento de modo a integralizar as ações nas esferas micro e macrosociológicas. Pensar o conselho como rede associativa permite romper com a visão tradicional dos conselhos como unidades separadas, como estruturas corporativistas associadas e submetidas, sejam ao poder estatal e à rigidez burocrática, seja aos interesses individualistas, utilitaristas e mercadológicos. A existência de uma multiplicidade de redes em diversos planos da gestão pública oferece sustentação densa para o tecido da cidadania, evitando que medidas arbitrárias e autoritárias tomadas de cima para baixo rasguem o sistema de vínculos interpessoais construído pelos diversos representantes
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e que se inviabilize o processo da participação com representação. Tudo isso serve para se repensar o conselho de educação nos planos escolar, municipal, estadual, nacional, como redes interativas voltadas para a associação e a ressignificação de interesses presentes inevitavelmente nas fronteiras da Comunidade, do Estado e da Política. A partir das redes de conselhos de educação é possível imaginar uma série de pactos intersubjetivos em que toda a comunidade seja envolvida para legitimar a organização da opinião pública e da esfera pública participativa. Esse é o único caminho para se pensar uma vontade coletiva que seja maior que os interesses meramente individuais, corporativistas, sindicalistas, mercantilistas e burocráticos e que abra a trilha para a fundação de experiências de democracia participativas autênticas. Parte-se da convicção, como estabelecido pela Constituição Federal em seu art. 205, de que a educação é direito de todos, caracterizando-se a escola como espaço pedagógico, no qual o ensino deve se ministrado em “igualdade de condições para o acesso e permanência” (art. 206, I). Frente a esse direito, impõe-se, como dever do Estado e das redes públicas de ensino, a universalização da oferta educacional com qualidade social. Mas, para que essa meta seja atingida garantindo-se seus impactos em termos de promoção da cidadania, faz-se necessário que os conselhos de educação também funcionem em redes e que haja um esforço permanente de articular escolas, conselhos de educação e demais conselhos de direitos, em torno de objetivos e ações que viabilizem o acesso ao conjunto dos direitos humanos. Nesse sentido é importante criticar os antigos paradigmas que definem a ação social e trazer esclarecimentos sobre um novo paradigma da solidariedade, que tanto pode subsidiar o amadurecimento das experiências dos conselhos como legitimar as reformas da escola, incluindo-se aqui a reforma curricular. A compreensão do conselho de educação como rede de solidariedade implica em considerar, de partida, alguns elementos paradigmáticos que esclarecem a estrutura e o funcionamento dos conselhos, tanto em termos de articulação entre conselho e sistema educacional, como entre os conselhos e a base comunitária, tendo como referência de fundo a cidadania par-
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ticipativa. Esses elementos paradigmáticos já relacionados na primeira parte do texto dizem respeito aos processos de organização da autoconfiança, do autorrespeito e da autoestima que têm a ver, respectivamente, com a afetividade, com o direito e com a solidariedade social e laboral (Honneth, 2003). Eles são fundamentais para inspirar a delimitação de lugares, de práticas e regras de ação: a confiança fixa, a estrutura afetiva e psíquica do indivíduo/ grupo e a possibilidade da autonomia; o respeito revela o funcionamento jurídico-legal e administrativo disponível para proteger o cidadão; e a estima exprime a força da solidariedade e do vínculo social. Esses três eixos, que se apresentam desde o plano das relações interpessoais até as relações funcionais, constituem o fundamento moral e político que deve assegurar a igualdade na participação e o mérito no reconhecimento de diferenças, mantendo simultaneamente os processos de diferenciação e de equalização das decisões coletivas dos conselhos de educação. No jogo das conversações e negociações, esses elementos paradigmáticos estão sempre presentes, construindo a intersubjetividade grupal e expondo os limites dos acordos e decisões comuns. No que se refere à educação escolar, esse movimento é de fácil comprovação. Recentemente, o poder público incorporou, com possibilidades de reorientar os sistemas de ensino, a defesa de políticas públicas pautadas na igualdade e no respeito à diversidade, dimensões inegociáveis de uma cultura em direitos humanos. A propósito, observe-se o que está posto no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, iniciativa conjunta do Ministério da Educação, do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos. O Estado Brasileiro tem como princípio a afirmação dos direitos humanos como universais, indivisíveis e interdependentes e, para sua efetivação, todas as políticas públicas devem considerá-los na perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de oportunidades e da equidade no respeito à diversidade e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã. Nessa direção, o governo brasileiro tem o compromisso maior de promover uma educação de qualidade para todos, entendida como direito humano essencial... (Plano Nacional de Direitos Humanos, PNEDH-2007).
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Nesse sentido, sugerem-se alguns pontos para o debate: 1) Como podem ser construídos espaços para redes associativas efetivamente democráticas no interior das relações de poder que regem os Conselhos? 2) Com as contradições existentes na sociedade brasileira, que procedimentos devem ser instituídos para a constituição de uma rede de conselhos de direitos humanos? 3) É possível os conselhos de educação contribuírem para definição de diretrizes que orientem o sistema de ensino associando qualidade da educação escolar, qualidade de vida da população e direitos humanos ? Como? 4) A diversidade de nossa formação cultural pode criar dificuldade para unificar projetos e conectar ideias. É fundamental discutir as diferenças, mas também buscar caminhos para facilitar a negociação e maior visibilidade política da importância dessa negociação. Qual é o papel dos Conselhos de Educação nesse espaço de negociação? CONSIDERAÇÕES FINAIS Tratar o conselho de educação em rede seja no interior dos sistemas de ensino, seja no contexto dos demais conselhos de direitos, como esperamos ao menos ter sugerido, possibilita uma maior visibilidade às demandas que exigem uma defesa da dignidade humana, sem hierarquizar categorias de direitos. Dito com outras palavras permite uma maior flexibilidade na articulação dos interesses da sociedade civil e do Estado e também alarga a capacidade da esfera pública integrar as diversas lógicas de interesses – civis, políticos, administrativos, econômicos – sem se fragmentar e sem ser cooptada por interesses corporativistas ou particulares. Como resultado dessa articulação, torna-se possível traduzir a pretensão do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos a respeito de políticas públicas com dois sentidos: primeiro, consolidando uma proposta de projeto de sociedade baseada nos princípios da democracia, cidadania e justiça social; segundo, reforçando um instrumento de construção de uma cultura de direitos humanos entendida como
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um processo a ser apreendido e vivenciado na perspectiva da cidadania ativa (PNEDH-2007). Assim sendo, entende-se que a postulação do assento de tais redes em Conselhos Estaduais e Nacional de Desenvolvimento Social é indispensável para o desenvolvimento de uma cultura de conversação aceita como necessária à superação do viés tradicionalista, marcado ora pelo autoritarismo ora pelo medo de confrontação, nas diversas esferas de gestão das políticas públicas no campo educacional. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento, São Paulo: Companhia da Letras, 2004. ----------------- O conceito de história: o antigo e o moderno In: Entre o Passado e o Futuro. 2ª Edição. São Paulo: Perspectiva, 1972. ---------------- Que é autoridade? In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972. CARVALHO José Sérgio (org). Educação, cidadania e direitos humanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. 2003.
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Flávio Brayner
Digamos, não sem uma ponta de humor, que o nascimento de cada indivíduo é um ato muito pouco “democrático”, na medida em que não somos consultados para vir ao mundo nas condições, no tempo e no espaço em que viemos. Além do mais, esse mundo já se encontra estruturado num conjunto altamente complexo de signos, símbolos, significados, códigos, normas… que demoramos muito para entender, apreender e utilizar. Diferentemente de outros animais que, mal acabam de nascer e pouco tempo depois já estão maduros para enfrentar a vida, sobreviver e reproduzir-se, os homens levam muito tempo para passar da situação de fragilidade do início da vida, para a situação de maturidade e emancipação da vida adulta. Além do mais, algum tempo depois de nascer um animal está “pronto”, já terá alcançado a condição –animal- com a qual ele passará o resto da vida (um gato alcançará a sua « gatoeidade »[!], em pouco tempo), mas quando é que um homem alcançará a sua inteira “humanidade “? Nós vivemos num mundo “humano”, quer dizer, quase que inteiramente produzido, modificado e transformado por nós mesmos, por nossas ações técnicas e simbólicas (com o fundamental concurso da linguagem) que formam o universo cultural onde vivemos e que precisa ser transmitido de uma geração à outra, sob pena de se produzir uma interrupção na continuidade do próprio mundo. Pensar que o mundo “começa comigo” é apenas uma forma –narcisista- de destruí-lo. Para as situações tão apenas sugeridas acima, cada um de nós precisa dispor de meios (intelectuais, cognitivos, emocionais, morais) para nos situarmos em um universo especificamente humano, necessitamos que, ou as gerações anteriores que já estão no mundo há mais tempo - os adultos -, ou as pessoas com quem nos relacionamos cotidianamente, ou certas instituições previstas para tal fim -a escola- nos forneçam, bem ou mal, os pre-
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dicados para responder a certas questões fundamentais, do tipo: a) quem eu sou? (nossa identidade psíquica, emocional, afetiva, étnica, sexual, profissional, etc); b) como posso conhecer o mundo em que vivo para me conduzir nele? (nossa identidade cognitiva); c) como devo me relacionar com os outros? (nossa identidade moral), além de outras questões de igual importância e que, mesmo sem perceber, nós as fazemos todos os dias. Chamemos o processo que nos proporcionará os predicados necessários para responder a este tipo de questão, de projeto de subjetivação. Toda educação é, antes de qualquer coisa, um projeto de subjetivação que nos permite adquirir uma característica particular (individualização) no interior de uma rede ampla e complexa de significados, normas e relações (socialização). Sem isso, nós estaríamos condenados a uma espécie de retorno à Natureza e à condição animal. Assim, falar de educação é levar em consideração tudo o que foi dito acima (e muito mais!), reconhecer que somos incompletos e inacabados, que somos herdeiros de um “mundo” e que precisamos cuidar dele e transmiti-lo para os mais novos - que sempre introduzirão nele, gostemos ou não, algo novo - e que as gerações que chegam aqui precisam ser introduzidas com cuidado e proteção. Esse processo não finda nunca; se a experiência escolar pode ter um fim, a experiência educativa é contínua e interminável (Kant). Exatamente porque a chegada de nossas crianças abre sempre a possibilidade do aparecimento do novo, do impensado, do revolucionário, do insólito, para que possamos –nós, os mais velhos- continuar a viver em certa harmonia com o mundo precisamos estar sempre aprendendo e reaprendendo, o que provoca às vezes a sensação de crise e de desorientação. Mas isto é inevitável: toda educação tem algo de desorientador e de irrespondível! É por isso que a educação não pode prever o que acontecerá no futuro com os “educados” (como eles pensarão ou como agirão): isto é imprevisível e imponderável. Mas há sempre, por parte dos educadores, uma forte tendência a querer administrar o futuro, a querer fazer com que nossos filhos e educandos realizem as utopias que nós mesmos não conseguimos realizar. Uma educação preocupada com futuros é, sobretudo, aquela que permite e abre espaço para o novo, para o insólito e o não-dito. Aqui reside o imprevisível e o impensado da educação. Educação que é, antes de tudo, uma aposta em um mundo repleto de incertezas.
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É exatamente a isto que uma crônica de Umberto Eco ( o autor de O Nome da Rosa) se referia, ao contar uma divertida estória pessoal de sua época de estudante bolsista do Colégio Universitário de Torino. Ocorre que a Casa do Estudante que o hospedou durante quatro anos, fechava suas portas irrecorrivelmente à meia-noite. Mas Eco, um apaixonado de teatro -e embora sem dinheiro- frequentava diariamente o Teatro Carignano, mas era obrigado a abandonar a sala antes do fim do espetáculo para não dormir ao relento. Ele praticamente assistiu a todas as grandes obras da dramaturgia ocidental, menos os dez minutos finais, o tempo necessário para, correndo, chegar a tempo na Casa do Estudante. Interrogações atrozes lhe corroeram o espírito durante toda a vida: o que aconteceu com Édipo? Os seis personagens encontraram o autor? Oswald Alving se curou graças à penicilina? Hamlet descobriu, finalmente, que valia a pena “ser”? Alguns anos mais tarde, conversando com o jornalista Paolo Fabri, ele descobriu que esse seu amigo sofria da angústia inversa: como ele fora bilheteiro de teatro na época de estudante, era obrigado a esperar o último retardatário para entrar na sala, com o segundo ato já avançado! Ele via Lear errando cego com o cadáver de Cordélia nos braços, sem saber a razão; jamais soube por que Hamlet detestava seu tio, que parecia um bravo homem…Os dois amigos, após constatarem as mútuas lacunas, chegaram à conclusão de que lhes esperava uma bela aposentadoria, em que um contaria ao outro o pedaço faltoso de cada peça. E Eco arrematava, « Será que seremos felizes? Ou teremos perdido o frescor daqueles que têm o privilégio de viver a arte como a vida, na qual nós entramos quando o jogo já foi iniciado e saímos sem saber o que acontecerá com os outros? ». A breve história acima me parece bem mais dotada de força e precisão metafóricas do que tudo o que poderia ou seria capaz de dizer a respeito deste curto espaço de tempo em que dividimos o mundo com outros indivíduos. Porém, a angústia resultante dessa entrada e saída do “jogo” pode ser minorada, não numa aposentadoria distante e dependente de encontros casuais. Daí porque estou certo de que uma das tarefas da educação é tentar reduzir o efeito devastador que pode ter o fato de entrar num “jogo” já começado e sair dele sem saber o resultado. A educação aparece aqui, como a tentativa de, ao mesmo tempo, “retardar” nossa entrada no mundo, quer dizer, impedir que sejamos lançados em experiências destruidoras antes de
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termos adquirido um mínimo de condições cognitivas, morais, psicológicas, emocionais... e permitir, também, que ao fim de um processo, possamos nos tornar “alguém”. Permitir que tenhamos uma entrada mais tranquila e segura em um mundo que nos será apresentado segundo as etapas de nossa própria maturidade, é a tarefa dos pais e dos educadores (em outras palavras, fazer com que cheguemos tarde ao mundo!). EDUCAÇÃO E DEMOCRACIA A Democracia como fundamento da educação Estamos tão acostumados a pensar a relação entre educação e democracia como uma relação “natural”, quer dizer, ali onde há democracia há um forte investimento na educação dos cidadãos (e, a contrario, ali onde há educação dos cidadãos a democracia fica fortalecida), que esquecemos sempre que a relação entre as duas sempre foi tensa, complexa e carregada de ambiguidades, e isto porque não há nenhuma garantia de que um povo “educado” (do ponto de vista escolar) faça sempre uma opção natural pela democracia ou que a democracia se encontra sempre mais fortalecida, ali onde há cidadãos “educados”. Comecemos por desfazer um mal entendido a respeito da origem da própria palavra democracia. Atenas, a Cidade-Estado da Grécia que viu nascer a democracia, tinha, por volta do século V° a.C, quatrocentos mil habitantes e apenas 10% destes participavam das decisões da Cidade (só os homens, nascidos em Atenas, filhos de atenienses e livres tinham direito à participação política). A cidade estava dividida em onze “bairros”, chamados “DEMOS”, e eram os homens livres de cada DEMOS, representantes das famílias fundadoras da cidade (os Eupátridas) que tinham direito à participação nas coisas públicas. Assim, a democracia não era o “governo do povo”, mas o Governo dos Demos, de onde o nome « democracia ». Basta pensar no número de participantes da “democracia” ateniense para nos convencer de que não se tratava de um “governo do povo” e sim de uma oligarquia. Só mais tarde é que a palavra demos passou a identificar povo, mas este “povo” tinha um significado muito diferente do que pensamos hoje a este respeito. Seja como for, estava inaugurada uma das formas mais originais de condução política dos negócios humanos e de tentativa de resolução
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do aspecto trágico que estes negócios implicam. No pensamento político moderno, a ideia de que a maioria dos membros de uma sociedade pudesse participar das decisões a respeito de suas instituições, encontrou severa resistência, prática e teórica, porque aqui estava em jogo a definição mesma de poder (político) e sua relação com o saber. A democracia contém a ideia de que o lugar do poder é um lugar virtualmente ‘vazio’ (C. Léfort), quer dizer, um lugar que não tem proprietário exclusivo e pode ser ocupado por qualquer pessoa ou grupo, desde que respeitadas certas regras e guardados certos procedimentos. A democracia não e o ‘povo’ no lugar do ‘Príncipe’, mas o fim de todos os príncipes! Ela implica o fato de que, não existe, no sentido político, uma Verdade superior aos homens que lhes possa ser anunciada por uma divindade ou profeta: a verdade –no caso, das crenças e doutrinas que fundam as instituições- é obra humana, é uma “autoinstituição” da própria sociedade (Castoriadis) que é, assim, responsável por aquilo que ela mesma cria e institui. A democracia é, no fundo, um vasto e complicado programa de responsabilização do homem pela sua vida social, um lugar onde temos que propor, argumentar, julgar, decidir e assumir as consequências de nossas decisões. E esta responsabilização política encontrou, pelo menos, duas formas de se exprimir: uma direta e outra indireta. A experiência grega (Cidades-Estado) consagrou a primeira forma, em que cada membro da sociedade podia intervir diretamente, sem intermediários nas discussões coletivas, além de poderem, a qualquer momento, vir a ocupar cargos ou funções públicas. Os gregos, em sua curiosa sabedoria, achavam que, assim como ninguém pode sentir ou pensar no lugar do outro, ninguém também pode falar pelo outro, e quem aceitasse isso seria visto como “idiota” (idiotia em grego quer dizer, ‘aquele que se recusa, deliberadamente, a participar). Já a democracia moderna, salvo raríssimos casos, institucionalizou a democracia indireta. Aqui, nossa participação é menor e se dá através de intermediários que nos representam, isto é, representam e apresentam nossos ‘interesses’, o que supõe que em cada sociedade há diferentes ‘interesses’ e que tais interesses podem ser “representados” - alguém pode defendê-los em meu lugar- o que sempre coloca o problema de saber em que medida os interesses pessoais do representante podem se confundir com os interesses de seus representados. Isso, porém, é o resultado da complexificação de nossa vida social, do crescimento demográfico de nossas sociedades modernas e industriais e da própria dispersão dos interesses; temos, hoje, muitos mais in-
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teresses do que apenas os interesses político-cidadãos. Tudo aliado ao fato de que a própria atividade política, antes acessível a qualquer um (dadas certas condições), tornou-se uma atividade “profissional”, com seus segredos, linguagem e inacessibilidades. Um segundo problema, que a democracia contemporânea sugere, está relacionado à questão da “igualdade” e das “diferenças”. Na sua origem, numa sociedade pouco complexa e altamente hierarquizada (hierarquias baseadas no nascimento) como a grega, era relativamente fácil estabelecer o princípio de igualdade entre os cidadãos (isegoria e isonomia), já que todos vinham da mesma classe social e detinham o mesmo estatuto, e os outros... estavam excluídos! Já uma sociedade que “aboliu” as diferenças e hierarquias de nascimento, e supõe que é o talento, o mérito e a competência individuais que devem valer (meritocracia), termina por ter que levar em consideração as diferenças entre os indivíduos e, finalmente, as diferenças entre as culturas dos indivíduos. Tema que fará o grande diálogo contemporâneo entre comunitaristas (Walzer, Taylor, Rorty) e os universalistas (Finkielkrault, Ferry, Habermas). No entanto, há uma questão que se coloca em toda democracia –mesmo que de forma velada- que é a de saber quem participará das decisões públicas onde as instituições da cidade se inventam: todas as pessoas? Apenas os homens? Apenas os escolarizados e educados? O fato é que, na história da democracia, mesmo naqueles países que inauguraram a ideia de Direitos Humanos, como é o caso da França, as mulheres estiveram alijadas da participação pública até o início do século XX! E em muitos países, elas continuam sem este direito, o que revela que permanece a suspeita de que certos segmentos sociais não devem participar do ordenamento democrático. O grande medo da democracia, porém, foi sempre o medo dos “ignorantes”! Claro que esta ideia dará margem a interpretações e manipulações variadas, mas, de uma maneira geral, serão considerados “ignorantes” aqueles que não passaram pela escola, sendo a escola moderna entendida como aquela instituição capaz de modelar os espíritos, de forjar a consciência racional, de promover o progresso humano rumo à suprema “liberdade”, ideias que caracterizaram o chamado “humanismo burguês”. Não é, pois, à toa que assim que começa a longa e sangrenta luta pela modernidade democrática, começa também a luta pela escola pública, obrigatória, gratuita e laica. Aqui, a função da escola (moderna) não é apenas –como às vezes
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pensamos muito simploriamente- instaurar a “hegemonia” burguesa através do aparelho escolar. Se isto fosse verdade, em todas as nações “burguesas” haveria uma excelente estrutura escolar que atingiria obrigatoriamente todas as pessoas (o que nunca foi verdade!) e, como consequência, todos os egressos da escola teriam acesso à cultura “burguesa” (o que teria sido muito bom, pois todos teriam tido contato com um saber que apenas uma elite social detinha). O problema está em saber o quê os ignorantes ignoram e porque tal ignorância é tão prejudicial à democracia. Há dois problemas que esta relação entre democracia e educação tem que resolver já no início da modernidade: quem deveria vir obrigatoriamente para a escola e que conteúdos esta escola deveria ensinar. Comecemos pelo segundo. Há, logo de saída, resistência para que se ensine na escola conteúdos ou matérias que ofereçam um grau de consciência elevado: um dos argumentos de Voltaire (mas também de La Chalotais e, entre nós, um Carneiro Leão) campeão da luta contra o dogma e a intolerância, é de que « povo consciente é povo exigente! », reivindicando coisas que o Estado não seria capaz de atender, com forte risco de gerar insatisfação e revolta social. Assim, decide-se que a escola pública ensinará o básico, quer dizer, ler, escrever e contar, desde então uma espécie de bandeira da escola republicana e divisa condorcetiana (de Condorcet) de luta contra a opressão (embora Condorcet também advogasse uma educação para os direitos e deveres do cidadão). O segundo problema, bem mais complexo, é o de saber “quem” iria frequentar tal escola. E aqui a escolha recairá sobre o “povo”, ou mais precisamente, as crianças do povo, a infância popular. Há muitos problemas envolvidos nesta -aparentemente simplesquestão. O primeiro deles é que sempre se procurou estabelecer uma relação entre “povo” e “infância”, ou seja, a persistência da ideia de um “povo” eternamente imaturo e ingênuo, necessitando, portanto, de tutelas políticas e intelectuais para se conduzir. É aqui onde se encontra a raiz dos diversos populismos, dos autoritarismos de direita e de esquerda, da demagogia política em geral. Mas é aqui, também, onde pode emergir um discurso que faz do “povo” um eterno objeto “pedagogizável”. Neste caso, é o povo que desponta, não apenas como fonte última da legitimidade política (soberania), mas também como recurso fundamental e de alto poder de convencimento ideológico que justificaria o ato educativo. Ocorre que a desconfiança da democracia em relação à ignorância vai de par com a introdução de uma conceituação dualista no discurso pedagógico que gozou de uma fortu-
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na particularmente perene em nossa linguagem sobre o Outro, sem as quais não teríamos como justificar as práticas normativas, hierarquizadas, teatralizadas, diretivistas e ortopedistas que constituem as ações educativas. O “povo” como o outro do pedagócico Na relação da educação com a democracia, o problema – mais complexo - concerne à própria constituição do “povo”. Atenção: eu não estou dizendo que se trata de “educar o povo”, mas de constituí-lo através da educação! Entendamos, logo de saída, que o povo não é uma entidade espontânea, vagando pelo social à espera de que os políticos ou os intelectuais os “libertem” (ou manipulem!), nem apenas a reunião de indivíduos na praça pública, nem o conjunto dos cidadãos… Também não é uma abstração destituída de base social real. Mas é objeto de uma construção/reconstrução constante. Podemos dizer que o “povo” é uma invenção histórica recorrente, e em cada época pode significar algo diferente: ora com um matiz religioso (Povo de Deus), ora numa vertente “imperial” (Povo Romano), ora numa tez nacionalista (Povo brasileiro), etc. No período moderno, a noção de “povo” conheceu, basicamente, duas versões distintas: uma política e outra cultural. Na primeira, o povo é o esteio da Nação “una e indivisível”, a base da legitimidade de todo governo (a noção de “povo soberano”). Esta é a versão que chamaremos de republicana, pois nela se veicula a ideia de que as instituições são um “bem comum” e devem ser decididas pelas pessoas que tenham adquirido uma competência e uma certa noção de responsabilidade pública (“virtude republicana”) para participar de decisões que tocam a todos. A escola, então, desempenhará um papel fundamental, vindo a se constituir – como foi o caso da França- na instituição republicana por excelência, base da ordem democrática. Na segunda versão, entende-se o povo como o portador de uma cultura “autêntica”, única e inconfundível que servirá de base para definir a particularidade de cada Nação: a burguesia é cosmopolita demais e o capitalismo destruidor dos laços de pertencimento comunitário. Ela – a burguesia - não serve para dar um rosto autêntico à Nação. Já o povo e, sobretudo, a “cultura popular” (uma noção que vai ser inventada neste momento – fim do século XVIII) é algo particular e intransferível: cada povo tem uma – como uma alma única e pessoal (o que os alemães chamam de Volksgeist) - e é ela que deve servir de fundamento à Nação. A primeira ideia foi forte na França e a segunda, na Alemanha entre
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os séculos XVIII e XIX. Assim (após esta pequena digressão) podemos entender que a relação entre educação e democracia é bastante complexa e envolve a definição de certas noções que são objeto constante de disputa social (a noção de “povo”, por exemplo). Mas podemos perceber, também, sobretudo na versão republicana, a persistência da desconfiança em relação aos ignorantes: a virtude republicana (uma clara distinção entre interesse público –bem comum- e interesse privado) exige a formação de uma outra consciência, o povo necessita de uma nova consciência para se tornar aquilo que ele precisa ser! Ele tem que transitar de uma consciência, entendida, sobretudo pelos intelectuais, como insuficiente para assegurar a ordem democrática (povo ignorante), ou para fazer a revolução (povo alienado), para uma outra, em conformidade com sua “missão”. Daí a necessidade de educação (sobretudo escolar) e da obrigação de colocar o “povo-criança” lá dentro... da escola!
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Gustavo César Barros Amaral1
INTRODUÇÃO O texto que ora apresentamos compõe recorte do material de nossa pesquisa no Mestrado Profissional em Educação, do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Pernambuco – Campus Mata Norte – PPGE/ UPE, cujo título é: O Plano Nacional de Educação e os Direitos Humanos: Perspectivas e desdobramentos na prática docente sob a ótica da transdisciplinaridade. Traz à tona os primeiros extratos do nosso estudo sobre a relação entre a transdisciplinaridade, os Direitos Humanos – especificamente no que tange às questões emergentes de etnia, raça, gênero e religião – e o Plano Nacional de Educação, de modo a analisar sua influência na prática docente. A frequente recorrência de eventos de violação dos Direitos Humanos no Brasil envolvendo jovens em idade escolar, cometidos dentro e fora das escolas, tem preocupado sobremaneira especialistas das mais diversas áreas, que buscam compreender e explicar o porquê de tais fatos ocorrerem em tamanho número e gravidade. Não obstante, inquieta-nos o fato de muitas dessas ocorrências terem como viés a intolerância à diversidade, às identidades humanas, ao direito a ser diferente daquilo que é determinado como “normal” pela sociedade, sobretudo quando ocorrem quaisquer variações à regra no que se refere às questões emergentes de gênero, raça, etnia e religião.
1 Assessor Institucional UNDIME Pernambuco, Avaliador Educacional SASE/ MEC, Mestrando em Educação PPGE/ UPE. barros.amaral@uol.com.br
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Nesse sentido, pensamos estar na prática docente uma excelente possibilidade de combate direto a esses atos de violação aos direitos, estimulada pelas orientações presentes no Plano Nacional de Educação – Lei n. 13.005/2014 – e pelos pressupostos da transdisciplinaridade, uma vez que o professor tem possibilidade de fazer uso de meios em sala de aula capazes de incentivar a discussão, o diálogo, a compreensão que levem à sensibilização e ao desenvolvimento de posturas tolerantes e proativas dos estudantes frente ao combate a todo tipo de violação dos Direitos Humanos, tais como: discurso coerente à ética, refutação a qualquer modo de violência – seja ela explícita ou velada –, atuação como multiplicadores das discussões vivenciadas na escola à família e à sociedade. Essa necessidade de abordagens às questões que aqui tratamos pode ser justificada pelo pensamento de Chauí (1989, p. 20), quando alega que: A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio para todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro lado, significa que não é um fato óbvio que tais direitos devam ser reconhecidos por todos. A declaração de direitos inscreve os direitos no social e no político, afirma sua origem social e política e se apresenta como objeto que pede o reconhecimento de todos, exigindo o consentimento social e político.
Portanto, pensamos ser necessário que a escola, o professor, amparados pelos vestígios teóricos e pelas previsões legais, assumam a função de trazer essas abordagens à sala de aula, à medida que todos os cidadãos tenham direito ao acesso, ao conhecimento de dessas variantes, garantindo compreensão da sua condição social como sujeito de direitos e deveres, seu comportamento ético, respeitoso, tolerante. Desse modo, fazendo uso dos elementos da transdisciplinaridade, das discussões sobre Direitos Humanos e dos pressupostos legais apresentados no Plano Nacional de Educação, é possível que haja a convergência desses a uma ressignificação da prática docente capaz de garantir a presença, em sala de aula, de temas que aludam às questões de gênero, raça, etnia e religião aos fins aqui defendidos. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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Uma possível relação solidária entre Interdisciplinaridade, Direitos Humanos e Plano Nacional de Educação Não há possibilidade de pensarmos o amanhã, mais próximo ou mais remoto, sem que nos achemos em processo permanente de “emersão” do hoje, “molhados” do tempo que vivemos, tocados por seus desafios, instigados por seus problemas, inseguros entre a insensatez que anuncia desastres, tomados de justa raiva em face às injustiças profundas que expressam, em níveis que causam assombro, a capacidade humana de transgressão da ética. FREIRE (2014, p. 135)
Pensamos que, desde o processo de Colonização do Brasil, com a instituição da Pedagogia Brasílica2, até o período do Neoprodutivismo e suas variantes3, a nossa “emersão” no hoje, considerando o passado e vislumbrando o futuro sempre foi imprescindível para reconhecermos quem somos, os percalços por que já passamos, a nossa missão e os desafios que enfrentaremos na luta pelo fim das injustiças, pela garantia dos direitos humanos e pelo cumprimento da função da escola, qual seja, nesse aspecto, o de congregar, não dividir, o de tolerar, não excluir, o de desenvolver criticidade e autonomia, não tolher habilidades e vocações, o de prover aprendizagens, não bloquear saberes. Nesse aspecto, consideramos necessário compreendermos de maneira mais clara o que são e como se interdependem, enquanto objetos da nossa pesquisa, a Transdisciplinaridade, os Direitos Humanos, o Plano Nacional de Educação e a Prática Docente, na perspectiva duma educação integralizadora, voltada ao desenvolvimento discente aliado ao respeito, à justiça social, à igualdade de direitos, ao conhecimento dos deveres. Assim, parece-nos óbvio que a plataforma capaz de sustentar a complexidade das relações anunciadas é o horizonte transdisciplinar, à medida
2 Ver SAVIANI, Demerval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2013, pp. 33-43. 3 Ver SAVIANI, Demerval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2013, pp. 425-436.
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que, depreendendo seu conceito da Carta da Transdisciplinaridade4, ao contrário do que muitos imaginam, a Transdisciplinaridade não está voltada unicamente à educação, não é conceito que se aplica somente aos estudos das relações da escola com o indivíduo, mas é uma abordagem, de caráter científico, que busca compreender o ser humano por uma visão global e complexa das relações deste com o meio e com a sociedade. Uma abordagem que reconhece a existência de diferentes níveis de lógica e de realidade, que se põe contrária a toda e qualquer definição reducionista do homem, às formalidades da lógica cartesiana. Desse modo, para corroborar a nossa compreensão, evocamos o pensamento de Morin (2013, p. 65) quando nos diz que “...o desafio da complexidade reside no duplo desafio da religação e da incerteza. É preciso religar o que era considerado separado. Ao mesmo tempo, é preciso aprender a fazer com que as certezas interajam com a incerteza.” A partir dessa assertiva, pensamos que nada daquilo que provêm da natureza humana é estático, rijo, isolado em si mesmo. Sempre há a possibilidade de acharmos conexões em âmbitos pensados clássicos, imutáveis, levando-nos à possibilidade de mudança, mesmo que em meio à incerteza, ao desconhecido. Cabe-nos estimular os docentes a uma nova racionalidade, onde seja encaixada, perfeitamente, a união de opostos, a ligação entre diferentes, com o propósito de estimular o surgimento de uma nova racionalidade no que tange ao elo entre os eixos a que estudamos e pesquisamos teórica e empiricamente. Se por um lado temos a definição, presente no Art. 9º da Carta da Transdisciplinaridade, de que ela “conduz a uma atitude aberta com respeito aos mitos, às religiões e àqueles que os respeitam em um espírito transdisciplinar”, e no seu Art. 10 de que “Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possam julgar as outras culturas. O movimento transdisciplinar é em si transcultural.” Aquinhoamo-nos da convicção de que Transdisciplinaridade e Direitos Humanos estão intimamente ligados, interpenetram-se em suas visões conceituais e conspiram por ideais mais ou menos parecidos. Por essa razão, concebendo que 4 A Carta da transdisciplinaridade foi produzida no I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em 1994, em Arrábida, Portugal.
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Todos os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve considerar os Direitos Humanos, globalmente, de forma justa e equitativa, no mesmo pé e com igual ênfase. Embora se deva ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os diversos antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais. DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA – CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE DIREITOS HUMANOS, 1993. Não convém que aceitemos, pelos aspectos contemporâneos nos quais estamos inseridos, cujos casos de violação desses direitos, dentro e fora da escola, têm sido cada vez mais recorrentes, assumir postura estática diante dessa problemática, uma vez que temos a condição de usufruir dos pressupostos transdisciplinares para “beber na fonte” das lutas pela garantia de que todos os homens e mulheres, dentro ou fora da escola, sejam respeitados nos aspectos que os compõem e possam gozar de liberdade de expressão das suas condições de gênero, etnia, raça e religião, sendo considerados como iguais em direitos e deveres entre si, nem melhor nem pior que aqueles que não se enquadram nos seus comportamentos, atitudes e crenças. Portanto, por concebermos a ideia de diálogo entre a Transdisciplinaridade e os Direitos Humanos, pensamos ser tangível à escola, amparados pelos preceitos legais e empíricos, a saber da consecução de Metas e Estratégias do Plano Nacional de Educação, Lei n.º 13.005/2014 e sua interpretação e desdobramentos na prática docente, servir como arcabouço para que essas questões sejam amplamente tratadas, discutidas, vivenciadas e replicadas para a prática, o comportamento social. Pela percepção transdisciplinar, compreendemos ser possível a manutenção de prática docente capaz de estimular a sensibilização discente às questões tratadas pelos Direitos Humanos na nossa pesquisa, à medida
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que reconhecemos a necessidade de implantação à classe de professores da Educação Básica de política de formação que propicie a eles contato mais aprofundado com o conceito, os alicerces e a materialização da Transdisciplinaridade em âmbito de sala de aula, sobretudo no que concerne ao íntimo diálogo, por nós defendido, com as questões emergentes ligadas aos Direitos Humanos. Nesse escopo, no que tange à instituição de marcos legais capazes de garantir a legitimidade do discurso acerca da garantia de direitos e a instituição de políticas públicas capazes de ampará-los, figura o Plano Nacional de Educação - PNE vigente, que foi sancionado no dia 25 de junho de 2014 sob o número de Lei 13.005/14, e traz, em relação ao PNE anterior – Lei n.º 10.172/01, consideráveis avanços, sobretudo no que se refere à simplificação da sua estrutura, à redução do número de Metas e à abordagem às questões emergentes da educação brasileira de modo mais explícito e objetivo. Diferente da Lei que a antecedeu, o novo Plano Nacional de Educação nos apresenta, ainda no corpo dos seus artigos, parágrafos e incisos, prerrogativas de que houve avanços na compreensão da garantia de direitos num documento que rege a educação nacional, como o exposto na décima diretriz que compõe o Art. 2º da presente Lei, que segue “X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.”. Assim, vislumbramos os desdobramentos dessa questão ao longo das 20 Metas e 253 Estratégias que o compõem, sobretudo no que alude à garantia de direitos, à igualdade étnico-racial no acesso e permanência de crianças, jovens e adultos à escolarização e à equidade em se tratando de preservar a condição humana livre de qualquer ato de discriminação. No entanto, incomodamo-nos um pouco quando passamos a imaginar como será dado o desdobramento de todos os preceitos presentes no plano que correspondem à escola, ao ensino, aos estudantes, à comunidade escolar, aos professores numa prática docente propriamente dita capaz de conferir uma racionalidade mais tolerante à luz das diferenças na escola pública brasileira, que pensamos em muito ainda ser impregnada com o ranço do preconceito e da segregação. Tentamos compreender como serão planejados os programas que trarão impacto ao docente no sentido de dar-lhe subsídio ao producente trabalho com as questões que aqui apresentamos.
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Partindo do pressuposto de que a UNESCO reuniu, em 1996, alguns dos grandes pensadores na Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, que elaborou o relatório “Educação: um tesouro a descobrir” (Delors et al., 1996, pp. 90-100.), documento que evidenciou os pilares da educação do séc. XXI: aprender a conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer e aprender a ser, pudemos conhecer de modo mais prático a abordagem educacional transdisciplinar, e percebê-la como indispensável ao desenvolvimento da educação. Nesse sentido, com a obtenção dessa racionalidade, surge-nos uma excelente plataforma para associarmos uma Lei, no caso o Plano Nacional de Educação, a uma perspectiva de atingimento/ abordagem/ caracterização de orientações de práticas transdisciplinares, a exemplo do que as suas Metas e Estratégias propõem aliadas à perspectiva dos pilares acima apresentados e que, por conseguinte, dialogam sobremaneira com a necessidade da prática docente voltada à abordagem dos Direitos Humanos em sala de aula. Os Direitos Humanos como prioridade na pauta da educação pública Em tempos de grande efervescência nas discussões e tensões sobre os Direitos Humanos baseadas em variadas perspectivas de grupos que defendem diversos pontos de vista nos governos e na sociedade civil organizada, a escola não pode abster-se de trazer para o âmbito da sala de aula essas pautas. Amparados nos avanços obtidos pelo estado de democracia no Brasil e pela legislação que o sustenta, seria prudente a existência de um movimento de “despir” a educação de pré-conceitos, dos ranços positivistas e patriarcais históricos, a fim assumir o que consideramos uma das suas primordiais funções, como nos aponta Delors (2012, p. 45), quando nos diz que A educação pode ser um fator de coesão se levar em conta a diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos, evitando assim tornar-se um fator de exclusão social. O respeito pela diversidade e pela especificidade dos indivíduos constitui, de fato, um princípio fundamental, que deve levar à proscrição de qualquer forma de ensino estandardizado.
Nesse sentido, um imprescindível instrumento de que dispomos para
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garantir que essa perspectiva seja desdobrada em prática é o Plano Nacional de Educação. Quando pensamos a cronotopia na qual as temáticas emergentes ligadas aos Direitos Humanos estão nele contempladas, compete-nos remeter sobre ele um criterioso olhar, buscando, de fato, identificar o espaço e o tempo em que nele são tratadas, quais considerações sobre os Direitos Humanos a ele subjazem. Dentro dessa discussão, segundo Haddad (in: HADDAD, Sérgio. & GRACIANO, Mariângela. (orgs.), 2006, pág. 5) Quando estudamos (Direitos Humanos)5 e trabalhamos pelo ponto de vista educacional, dos seus indicadores, as desigualdades estão claramente marcadas, no tratamento desigual destinado às faixas etárias, nas questões de gênero, de etnia e raça, aos grupos vulneráveis, o rural, o urbano. Temos que mostrar que o educando, o estudante, tem cor, tem sexo, um lugar social em que ele está inserido, além da sua condição de classe social. Esses aspectos trazem para o campo educacional uma série de condicionamentos e lutas por direitos, particularmente, o direito à diferença.
Um exemplo de abordagem a essas questões presentes no Plano Nacional de Educação é o que se dispõe na Meta 8 e as Estratégias a ela subsequentes, cujo texto principal discorre sobre a Elevação da Escolaridade/ Diversidade, como vemos: Elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
No que tange a esses aspectos, por ter status de Lei, o Plano Nacional 5 Acréscimo nosso: (Direitos Humanos), para fins de facilitar a compreensão da citação e associá-la à temática abordada.
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de Educação tem o poder de fomentar ampla discussão que contemple uma consistente política de formação docente de modo a repercutir, diretamente, numa prática dentro da escola que considere minimizar essas diferenças e legitimar, positivamente, os movimentos que as combatem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos que a ressignificação da prática docente à abordagem das questões de gênero, raça, etnia e religião em âmbito de sala de aula tendo como arcabouço o diálogo entre a transdisciplinaridade, os Direitos Humanos e o Plano Nacional de Educação é possível, pertinente e tem grande possibilidade de obter êxito na intenção proclamada. Conceber a figura docente como mediadora, articuladora, fomentadora das discussões de conceitos, atos e posturas nascidos nas relações humanas, problematizados – bem ou mal – no cotidiano social e trazidos à escola para orientação de comportamentos compassivos, dialógicos, tolerantes, respeitosos é compreender que a educação básica tem um papel bem mais abrangente que somente dar cumprimento aos conteúdos curriculares vislumbrando positivos indicadores de proficiência em língua portuguesa e matemática e massiva aprovação em processos de ingresso às Universidades. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel G. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. BRASIL. Ministério da Educação. Planejando a Próxima Década Alinhando os Planos de Educação. Brasília: Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino - Diretoria de Cooperação e Planos de Educação, 2013. __________. Ministério da Educação. Planejando a Próxima Década - Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação. Brasília: Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino - Diretoria de Cooperação e Planos de Educação, 2013.
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José Artur Padilha INTRODUÇÃO Como produzir no agro, silvo, pastoril com: um baixo custo, uma alta produtividade e de forma de fato sustentável, nos biomas em geral? Como inclusive e em especial fazê-lo, no semiárido do nosso NE BR, onde: • • • •
•
a precipitação anual média de chuvas é de cerca de 500 mm; o potencial da sua evapotranspiração é de 2.500 mm (déficit hídrico médio de 2.000mm [‘chove’ prá cima por ano, 5 vezes o que chove prá baixo!]); a divisão fundiária é frequentemente super caótica ecológica e socialmente; sua vegetação nativa, a caatinga, uma joia da biologia planetária é, bem ao contrário, tida pela maioria como ‘mato ruim’ e, portanto, ‘coisa’ a ser queimada ou derrubada para a introdução de atividades agro econômicas exóticas inviáveis; nas suas bacias hidrográficas os territórios mais nobres – as várzeas ou baixios – estão, atualmente, super erodidos, ressecados e desertificados (com suas ‘medulas’ [os cursos d’água outrora rasos, e agora como super ‘valas de drenagem’] destruídas), fazendo fracassar a produção, que há tempo vem tentando se soerguer, mas em declínio permanente, a olhos vistos face as determinações ecológicas inamovíveis.
Onde a mais que ‘cruel indústria da seca’, que politicamente se perpetua - antes pelas ações antiecológicas e ineptas do ‘Estado’, meio capenga e incompetente, conjurando com academias e outros atores de visões abstratas e reducionistas, nem sempre merecedoras das considerações que
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portam, corroboradas agora por proposições de ONGs, muitas sem bases científicas, focando paliativos banais, muitas vezes vazios e injustificáveis impedindo o real e definitivo (re)nascer e prosperar, como é principalmente, necessário e urgente? CONCEITO BASE ZERO – CBZ : SOLUÇÃO SURGIDA ‘ACIDENTALMENTE’ O ‘Conceito Base Zero1 - CBZ’ surge pelo que vem demonstrando poder ser, como o modo de se ter uma atuação socioeconômica humana agro, silvo, pastoril2 muito geral (por lógica, salvo exceções hoje não percebidas, um modo universal). E de máximo desempenho produtivo, em biomas quaisquer, com efetiva sustentabilidade ecológica e social face ao impasse que a introdução expressou. Tudo como se buscará resumir a seguir: •
o que constitui o CBZ como a sua definição técnica;
•
a sua condição de credencial formal super referencial, como evolução espontânea, no institucional nacional e planetário;
• e a sua origem primordial e razão de ser da sua designação. O MODO ESSENCIAL DE SER DA SOLUÇÃO SURGIDA CBZ
1 Base Zero, na sua origem, foi a designação atribuída por engenheiro paraibano (Zezito Marques) interessado em tal questão, de modo bem casual, em 1993, na sua fazenda próximo a Campina Grande PB. Tudo ao na ocasião, se argumentar, que toda e qualquer 'fazenda' tem como seu objetivo produzir vegetais úteis economicamente como uma base um e, pela transformação da um, numa base dois. Mas que tem que se ter, suportando as duas bases - indispensavelmente em todos os casos -, um lastro comum natural e infraestrutural não mercadológico nem de consumo, que ele, Zezito, de repente o chamou de Base Zero! 2 Pastoril do caso, com o manejo pecuário holístico, conforme as indicações ecológicas de Alan Savory.
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O ‘CBZ’ como visto da designação em seus primórdios3, em 1993, na Paraíba, e hoje evoluído ao seu atual conteúdo técnico e social que veremos portar neste março de 2017, tornou-se desde junho de 1999, em ‘noção Base Zero’, como início de sua maior difusão4, e a referência técnica objetiva formal institucional, de maior destaque - e por demanda dela -, constando na Agenda 21 brasileira, no tema Agricultura Sustentável5. O CBZ como será explicado adiante, formula como se organizam as produções agro, silvo, pastoris6, com feições sempre ecologicamente integradas, segundo territórios racionais referenciados em bacias hidrográficas e com assentamentos humanos induzidos à harmonia, pela farta energia natural captada. O MODO DETALHADO DE SER DA SOLUÇÃO SURGIDA CBZ O Base Zero pelo seus aspectos técnicos já mencionados e pelos que veremos, significa desde então, operacionalmente, nos sistemas produtivos rurais focados por este conceito, a organização racional do ‘lastro produtivo’ biológico-natural-infraestrutural constituído por seu conjunto vital-operacional em causa (a flora e a fauna das várias escalas de grandeza nativas e as infraestruturas sociais). Nas realidades naturais locais dos territórios das respectivas pequenas bacias hidrográficas (a geografia, a
3 Primórdios como designação, pois primórdios de efetivação, como pesquisa e desenvolvimento técnico, eles são bem anteriores - são de janeiro de 1969 -, como se informará mais na frente, neste texto. 4 A primeira difusão institucional expressiva do Base Zero com essa designação (antes mesmo da Agenda 21 o haver encampado como 'noção' em junho de 1999), se deu seis (6) anos antes no plano estadual do governo da Paraíba, em 1993/4. Tomou então a designação de 'PROGRAMA BASE ZERO/PB', e teve distribuído um Caderno 1 (com 500 ou 1.000 exemplares, salvo engano), datado de outubro de 1994. 5 Ver versão final do documento Agenda 21 brasileira, tema Agricultura Sustentável, junho de 1999. 6 Devendo-se destacar e frisar que o CBZ tem sua aplicabilidade imediata, muito mais presumida como arranjos de produção na agricultura familiar verde, do que nos dos chamados agronegócios, que se supõe menos adeptos ou refratários a arranjos ecológicos e mais sociais solidários.
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geologia, a topografia, a radiação solar, os ventos, as precipitações pluviométricas e os afins). Todas realidades naturais como facetas imemoriais, segundo as correspondentes pequenas bacias hidrográficas, delimitadoras perpétuas, de sistemas naturais sociais produtivos com sustentabilidades efetivas, conforme se verá. Como na essência, os sistemas energéticos locais, imemoriais ecológicos sustentáveis viáveis. E como visto, além do já discriminado no natural ecológico como Base Zero das bacias hidrográficas, as suas infraestruturas racionais de interesses produtivos e vivenciais humanos, como também as várias formações socioeconômicas quase clássicas: •
as agrovilas como ‘universos rurbanos7’;
•
as estradas carroçáveis ‘auto conservativas’ CBZ 8;
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os diques de pedras secas em arcos romanos deitados CBZ, dispensando fundações e argamassas, flexíveis, semi permeáveis, sucessivos e energeticamente encadeados (como moderadores das velocidades de todos os escoamentos pluviais e os agregados, concentrados como cursos d’água de todos os portes [no semiárido sempre temporários]). Com a vegetação nativa circundante associada9; na essência os diques atuando como instrumentos de captação das energias potenciais (como biomassas totais);
•
sistemas CBZ de abastecimentos hídricos dos consumos, gravitacionais baseados em mananciais subterrâneos rasos e suas cacimbas; outras formas de distribuição dos abastecimentos, sempre super difusas;
7 Rurbanos (nas MBHs e/ou NBHs) como uma designação para tais agrovilas - 'universos' (de 50/60 agro famílias, além de outras não propriamente agro, atuando noutras atividades), atribuída pelo que consta, por Gilberto Freire, como ambientes tendencialmente de transição entre os locus rurais e urbanos tradicionais. Os campos como 'novos locus' dos trabalhos das produções agro, silvo, pastoris, com seus atores rurais puros, operando próximos das suas moradias. 8 Pelo modo da construção com auto drenagem total plena, porque transversal e não longitudinal 9 Na essência 'candeeiros vegetais conjuntos, como suspensórios das umidades', nos estratos subterrâneos rasos.
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e ainda, os recursos de informação e gestão CBZ de todos os meios produtivos e da produção (dados dos fatores operacionais e das suas circulações no passo a passo operacional). Evoluiu muito a ‘noção Base Zero’, desde a versão final da Agenda 21, tema Agricultura Sustentável, em junho de 1999, no que tange ao desenvolvimento lógico e técnico das suas definições operacionais de então, indo de ‘noção’ ao Conceito Base Zero - CBZ. Ela foi muito enriquecida pelo percebido como indispensável no conteúdo das suas evoluções, mas sempre e desde a origem, fundindo o ecológico e o social. E, sempre evoluindo segundo sistemas produtivos racionais, formatados territorialmente de modo novo especial termodinâmico. Porque a lógica CBZ, sempre considerando e integrando todas as determinações ecológicas científicas cruciais, que são as naturais imemoriais imutáveis energéticas transcendentais. Tal lógica, indispensavelmente, incorpora todas as conveniências dos arranjos sociais conviviais e coesivo produtivos, viáveis para os sistemas em causa. •
Traça o CBZ de saída para tanto, o ‘padrão’ físico territorial geral médio dos sistemas produtivos socioeconômicos humanos e ecológicos termodinâmicos em causa, sempre inarredavelmente, pelas suas determinações ecológicas imemoriais inerentes (na essência, físicas, químicas e biológicas) de bacias hidrográficas e duas (2) coesões sociais presumidas possíveis, no presente a se organizar. Considerando o CBZ esses tais sistemas, inicial e formatadoramente no contexto semiárido do NE, segundo as micro bacias hidrográficas – MBHs, como unidades de referência com áreas e sociedades médias de 2.000 ha e 50/60 agro famílias aglutinadas por unidade de referência (uma coesão social por um efeito usufrutuário indispensável comum: a água de abastecimento; as estradas carroçáveis internas; as redes elétricas, as escolas; o posto de saúde e afins). E, decorrentes delas MBHs, frações territoriais como subsistemas, definidos segundo nano bacias hidrográficas NBHs, com áreas médias de 500 ha e 12/15 agro famílias aglutinadas (coesão do melhor sobreviver, por um produzir econômico indispensável diferente, numa economia eco solidária comum, exitosa). Tem-se consciência que esses novos sistemas produtivos socioeconômicos propostos, como definidos pelo CBZ, natural e sabidamente - ou no mínimo é de se presumir -, de saída, enfrentarão problemas de rejeição, enquanto arranjos humanos (socioeconômicos). Esbarrarão muito provavelmente na muito mal resolvida, historicamente e já cultural, questão fun-
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diária e da propriedade privada e no arranjo ecológico como super determinação. Quase sempre as duas questões, no atual contexto cultural social prevalente, são ecológica e territorialmente irracionais e com uma produção individualista e, assim, no econômico produtivo - pela improdutividade -, sendo absolutamente inviável. Terão então tais barreiras de objeções, nas quais o uso do CBZ implica, de serem consensual e indispensavelmente de fato superadas, por novas definições bem equacionadas e os seus convencimentos de fato reais e satisfatórios bem expostos. Tais barreiras, quem sabe, poderão ser de fato superadas, mediante os novos e diferenciados entendimentos sociais embasados em explicitadas razões objetivas, técnico científicas, ecológicas e sociais atualmente desconhecidas, que a formulação do CBZ porta no teórico e no prático com caso concreto disponível. Felizmente, pelo suposto, serão conveniências tendencialmente ‘mais legais’, pois os arranjos operacionais coletivos de produção se revelarão clara e convincentemente, serem supereconômicos em face ao impasse hoje em vigor. Para que em cada uma de tais MBHs com áreas médias de 2.000 ha e 50/60 agro famílias aglutinadas, e nelas suas frações territoriais definidas segundo NBHs médias de 500 ha e 12/15 agro famílias aglutinadas (de saída, e repetindo, tamanhos e populações referidas ao semiárido do NE), possa acontecer todo o argumentado ou explicado, o CBZ estabelece eixos racionais de desenvolvimento e as dimensões lógicas deles, que serão mais detalhados a seguir. O CBZ impõe seus eixos de organização racional do desenvolvimento econômico ecológico sustentável, indispensável e distintamente aplicáveis em cada MBH e nas suas frações territoriais definidas como NBHs médias de 500 ha com as áreas e famílias em causa. Tornando-os todos sistemas territoriais integrados, inter complementares de convivência e super produtivos. São 3 (três) eixos lógicos nas MBHs e NBHs (E1- eixo Planejamento; E2- eixo Infraestruturas e E3- eixo Produção), integrando em conjunto racional sistêmico, 10 (dez) dimensões como atuações, conforme a discriminação que segue: •
Eixo E1 – Planejamento, constituído por três dimensões lógicas integradas operacionalmente em todos os fazeres, a saber: I- dimensão E1d1 - Informações sistematizadas de apoio cotidiano às produções quaisquer, de todas as
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naturezas demandadas. Como dados das operações em cada passo produtivo, sejam dados de informações úteis naturais geográficas ecológicas, infraestruturais ou processuais; II- dimensão E1d2 - ferramenta especial nova inusitada, o Integrador Corporativo – iC, baseando toda a implementação conjunta. Ferramenta iC de apoio à gestão, operando em ambiente WEB, hospedando e disponibilizando fielmente em tempo real, todas Informações de apoio às produções cotidianas quaisquer, de todas as naturezas, que sejam demandadas. Suprindo agilmente em tempo real, dados em cada passo produtivo, quer os dados naturais geográficas ecológicas, infraestruturais ou processuais; III- dimensão E1d3 - instrumentais Capacitações, de apoio permanente e sempre renovado a todas demandas em causa, hospedadas na ferramenta Integrador Corporativo - iC, da disponibilização de todas Informações de base às produções cotidianas quaisquer que sejam. De todas as naturezas demandando capacitações específicas, requerendo dados relacionados em cada passo produtivo, sejam os dados naturais geográficos, os ecológicos, os infraestruturais ou os processuais; •
Eixo 2 – Infraestruturas, constituído por quatro dimensões úteis sequenciais: a) estradas carroçáveis ‘auto conservativas’10; b) diques-barramentos11, sucessivos, de pedras secas, em formatos de arcos romanos deitados, ‘energeticamente encadeados’; é um item ‘emblemático’ e chave dele; c) sistemas gravitacionais dos abastecimentos d’água
10 Pelas declividades sempre transversais plenas, inversas às usuais longitudinais concentradas. 11 Na essência uma 'tecnologia natural imemorial': todos os escoamentos os formam sem nenhuma exceção.
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para consumos diversos, com captações em cacimbas; com base em mananciais subterrâneos rasos com realimentações induzidas e expandidas; d) reordenamento infraestrutural pregresso, desfocado em face da superior lógica de produção CBZ; •
Eixo 3 – Produção, constituída por três dimensões úteis sequenciais integradas indispensáveis: a) produção agro, silvo, pastoril propriamente dita; b) logística, ante e pós produção propriamente dita; c) distribuição da produção;
ANÁLISES QUANTO À APLICABILIDADE DA SOLUÇÃO SURGIDA CBZ A receita lógica vista CBZ, com os seus eixos e dimensões, é de saída e aparentemente, muito complexa. Mas de fato e ao contrário ela é extremamente simples. Pois ela é ‘padrão’, e é monotonamente a mesma para todos os territórios hidrográficos das bacias, quaisquer que sejam. É repetida universalmente segundo as leis naturais perpétuas com os mesmos aspectos operacionais, apenas adaptados aos respectivos biomas naturais, que em todos os casos são determinantes imemoriais. Isto quer no ecológico produtivo da vida geral, quer nos sociais institucionais da vida humana (nem sempre percebidos). Válido, portanto, para as situações semiáridas, ou com as adaptações correspondentes, noutras situações continentais conforme seus biomas. A receita CBZ visa na essência, em todo e qualquer caso, concretizar o aproveitamento racional termodinâmico otimizado, das energias gratuitas dos efeitos cíclicos implícitos nos fenômenos naturais perpétuos e gratuitos do meio ambiente nas MBHs e NBHs. O CBZ, organizando o aproveitamento nas áreas das MBHs e NBHs referentes, planeja nelas, pelas suas áreas de cotas topográfica mais altas e mais baixas, os modos para a recepção econômica de tais energias e, assim, na lógica em causa, tais áreas são topograficamente tidas como privilegiadas (as mais altas face os abastecimentos hídricos cotidianos; as mais baixas face as produções agro sazonais ). ANÁLISES DO APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DA SOLUÇÃO
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CBZ A fórmula lógica da organização dos aproveitamentos energéticos12 naturais gratuitos CBZ, se repete a exaustão. Ela sendo bem observada, sempre reproduz o modo imemorial termodinâmico do aproveitamento ecológico planetário continental imemorial (da idade da formação geológica e da natureza viva da nossa mãe Terra), portanto, anterior à socioeconomia humana. A receita CBZ ganha com imensa vantagem dos aproveitamentos energéticos hidrelétricos clássicos: que só podem ser organizados em situações geográficas raras ou especiais e apenas aproveitam um modesta fração das energias naturais anuais ou plurianuais cíclicas, ingressando nos ‘sistemas geográficos territoriais’. O CBZ com o seu ‘lastro’ natural e infraestrutural como ele resultou organizado segundo os seus três (3) eixos e dez (10) dimensões explanados, observa os limites e as exigências da ecologia em causa das MBHs e NBHs referentes. Sua designação Base Zero é uma menção como já foi informado em nota de rodapé, aos fatores naturais básicos (insolação, chuvas, ventos, etc., nos solos com as agregadas águas e biodiversidades [‘serviços naturais {energéticos como 99,99 % na interação como energias naturais operativas, versus 0,01 % como socioeconômicas ‘humanas’ indutoras13}’ das meso e micro floras e faunas]), antecedendo as produções socioeconomicamente úteis finais, ou seja, as dos produtos socioeconômicos dos consumos cotidianos humanos agro, silvo, pastoris, água potável de abastecimentos e outros mais ambientais, como clima e paisagem. O CBZ define assim, à luz das observações ecológicas quanto aos seus diversos procederes produtivos, como se pode organizar o modo de efetivar em regime social solidário e de máxima performance permanente, as produções de biomassas totais dos consumos humanos e das suas bases de suporte naturais sustentáveis e perpétuas, no geral regional. Tudo feito mediante intervenções racionais lógicas, especialmente das proposições ‘chave’ CBZ, de sempre serem, segundo as MBHs e NBHs (como ‘seres’ ou
12 Apenas com a radiação solar diária, em média 17,44 milhões de kwh/ha/ano, segundo Howard T. Odum, em "Ambiente, Energia y Sociedad". Nele, se observar o conteúdo da lei de Darwin-Lotka da máxima potência. 13 Idem ver Howard T. Odum, em "Ambiente, Energia y Sociedad".
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‘sistemas’ de fato vivos), e dos ‘n’ barramentos de pedra em formato de arcos romanos deitados (diques sucessivos), já descritos (mais o Integrador Corporativo - iC, como apoio gestor indispensável). Em cada fração hidrológica definida de MBHs (assim como também, nas nano bacias - NBHs ‘derivadas’), todos ‘n’ barramentos sucessivos e energeticamente encadeados. Como procedimentos inteligíveis do aproveitamento conjunto de ‘base’, das energias naturais já referidas ingressando em cada ciclo anual ou plurianual, conforme se queira analisar (vide Howard T. Odum). Em especial necessários em regiões degradadas em desertificação como todo o semiárido do NE, passível de se ter um processo super fantástico: do semiárido ser rapidamente auto revitalizado, mediante a aplicação do CBZ, com baixíssimo custo e bem aceleradamente enquanto natureza. Passível de uma auto revitalização ecológico produtiva, natural, expansiva (já natural pelo imemorial ecológico), acelerada (pelo socioeconômico humano CBZ, ecologicamente super alfabetizado), se dar. Tudo ocorrendo como efeito energético prático socioeconômico, induzindo (com apenas 0,01 % de energias socioeconômicas), que toda a energia ambiental cíclica anual e plurianual gratuita (de 0,99 %14 do total em causa, da luz solar diária, gravitacional permanente e fotossintética das chuvas e dos ventos sazonais, de serviços biodiversos cíclicos como sejam, os geotérmicos, etc., referidos), termine sendo capturada economicamente ao máximo. ‘Ingressando’ geográfica e topograficamente em cada ciclo operacional, na totalidade do espaço territorial em causa das MBHs e NBHs, assim planejadas porque já frações geográficas ‘racionais’ imemoriais. São os ingressos economicamente úteis dos recursos hídricos e sua energia gravitacional numa ‘auto’ conservação das estradas, especiais; do uso da umidade e fertilidade na fotossíntese da radiação solar fotônica; dos manejos produtivos diretos, função das insolações e umidades simultâneas como biomassas totais, etc. HISTÓRICO DO APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DA SOLUÇÃO CBZ A inovação mais básica e ‘chave’ do CBZ - os seus diques de pedras 14 Segundo Howard T. Odum, em "Ambiente, Energia y Sociedad".
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secas -, (na essência os meios aproveitadores energéticos múltiplos, conjuntos), consolidou-se em 1989 na Fazenda Caroá, em Afogados da Ingazeira – PE., numa quase território ideal de NBH, agregando +/- 18 ‘propriedades’. Quando então depois de muitos anos de evolução nessa investigação técnica, foram desenvolvidos os barramentos com formato de arcos romanos (diques), construídos exclusivamente com pedras ‘secas’ e assim, com um baixo custo construtivo (sem utilização de argamassas aglomerantes; dispensando escavação de alicerces; operando estruturalmente de modo a ocorrer uma ‘compressão’ pura em todos os sentidos úteis.), depois percebidos com surpresa, que são ‘tecnologias naturais imemoriais’. Os diques são edificados com as pedras secas e, assim, a baixo custo, mas de modo indispensável, cada pedra tem que ser inteligentemente disposta no corpo das obras. Os barramentos como até o presente referidos, podem ser edificados numa escala artesanal. Mas no futuro, certamente, serão construídos em escala industrial, porque serão demandados. Os diques em arco romanos deitados estruturam-se sustentavelmente já naturalmente, porque a forma e a organização construtiva em arco (de todos os escoamentos) ocasionam tensões de compressão pura. Essa tensão é indutora da consolidação estrutural, comprimindo os blocos de pedras uns contra os outros e toda a obra contra os blocos maiores, de escoras, situados em suas extremidades e o subsolo do local da fundação. Também a forma e a tensão gerada pela compressão nos barramentos em arcos deitados, induz um funcionamento gradualmente aperfeiçoado deles no vital, na contenção de assoreamentos muito úteis: ‘cimenta-os apenas parcialmente segundo a geologia e hidrologia local’ pela quase vedação das frestas dos entre blocos (efetivada pelos detritos proporcionalmente de pequeno porte, igualmente comprimidos pelas mesmas tensões; ‘quase vedação’ mas não vedações plenas, para não serem causadas as terríveis salinizações dos solos). São barramentos (diques) nanos, micros, mesos e grandes, muito simples e com custo construtivo quase irrisório. Porque utilizando pedras quaisquer, abundantes na maioria das regiões rurais geológica e topograficamente apropriadas, e com uso da mão de obra familiar sazonalmente disponível ou mecanizações super econômicas. Viabilizam assim, construções sistemáticas em todos os cursos d’água temporários de regiões como
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a semi-árida, cerrados, etc. Em função da viabilidade do baixo custo, houve a partir de 1996, na Fazenda Caroá, em Afogados da Ingazeira – PE, a implementação sistemática de barramentos encadeados perfazendo hoje como ordem de grandeza 350 (trezentos e cinquenta) diques de dimensões nano a médios. Um vídeo bem didático sobre o ‘Laboratório a Céu Aberto Base Zero Fazenda Caroá’, produzido pelo Globo Rural, com 5 minutos de duração, exibido originalmente em 7 de dezembro de 2012 explica, por alto ou mais ou menos, o Conceito Base Zero. Numa ilustração prática que mesmo incompleta, após ‘dormir’ por quatro anos desde dezembro de 2012, nos últimos 9 (nove) meses teve até hoje mais de 2.900.000 (dois milhões e novecentas mil visualizações; http://www.youtube.com/watch?v=UF3zT7rJM4g&feature=youtu.be). Também se implementou no então caso Base Zero Fazenda Caroá, singelos sistemas gravitacionais de captação com sifão em cacimbas; redes de condução, armazenamento intermediário e distribuição da água subterrânea rasa, indutivamente armazenada. Obteve-se então uma difusa “dinamização” da disponibilidade de água para o abastecimento produtivo. Deu-se uma conseqüente revolução positiva nos manejos da alimentação dos animais. Plasticamente os barramentos Base Zero em arcos romanos deitados (diques15), parecem na planta baixa, com luas em fase de quarto crescente ou minguante. Operam numa disposição geográfica da posição convexo-côncava, respectivamente, no sentido nascente-foz (montante-jusante). Como já analisado, trabalham sempre pressionados pela força de escoamento das águas das chuvas concentradas nos cursos d’água temporários ou não. Como efeito permanente e monótono do CBZ - com a perda de energia que os diques sucessivos determinam, os materiais transportados pelos 15 Os diques CBZ verdadeiros (verdadeiros porque há uma profusão de tentativas de imitação criminosa de propagação de erros, ao difundi-los sem uma verdadeira consciência estrutural deles; como feitos partidos principalmente da parte de 'instituições de desenvolvimento' inclusive mundiais e lastimavelmente de 'ensino e pesquisas federais' com ONGs). Tais diques vão de escalas nano a gigantes, como demandas. Serão em futuro muito próximo uma imposição ecológica generalizada face às erosões praticamente em geral ocorridas, em todos os cursos d'água e em especial nos temporários do semiárido. Tal fenômeno de erosões tem se acelerado nos últimos 72 (setenta e dois) anos pós segunda guerra mundial, em função da tendência da produção econômica primária voraz, pela sua 'ideia do crescimento ilimitado ecológica que é manifestadamente inviável'.
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enxurros são decantados, assoreados e sedimentados em camadas, ocasionada pela horizontalidade do trajeto com a construção seqüencial sistemática dos barramentos. As calhas dos cursos d’água temporários, anteriormente erodidas, são desse modo gradual mas aceleradamente preenchidas ou ‘saradas’, deixando de ser drenos dos seus baixios. Formam-se desse modo planos regularizados de leve inclinação, constituindo terraços umidificados, fertilizados, sucessivos, etc. Essas áreas acabam desencadeando novos trabalhos naturais gratuitos, como os realizados pela micro e meso fauna dos solos assim acentuadamente esponjosos. A biodiversidade regional pode se regenerar. Tornam-se, por isso, a faceta evolutiva principal do processo. Formam-se nos cursos d’água antes super erodidos, manchas de solos encadeadas, crescentemente ampliadas e muito produtivas, que como baixios interagem energética, vital e positivamente, com suas encostas adjacentes. Os efeitos descritos de regeneração das MBHs e NBHs formam a já referida, os fenômenos deletérios do sertão nordestino, principalmente históricos pós 1945: erosão de solos, esgotamentos hídricos ambientais, perdas de biodiversidade etc. Entretanto, sempre é preciso enfatizar dois aspectos cruciais sobre esses barramentos do Conceito Base Zero: a) só podem e só devem ser implementados em larga escala, depois de um cuidadoso e bem mais detalhado conhecimento da matéria por parte de supervisores construtores devidamente treinados, os quais todavia, podem sem qualquer escolaridade, ser pessoas hábeis; b) o conhecimento pode ser adquirido em treinamentos curtos (apenas sobre os barramentos, não mais que algumas horas de um único dia). Assim a implementação dos diques CBZ exige um vínculo firme de compromisso social prolongado. Depois dos primeiros enxurros, o processo quase sempre exigirá uma intervenção construtiva imediata e complementar indispensável, capaz de renivelar geometricamente a crista vertedora, normalmente desnivelada por acomodações previstas e intencionais, na ação física dos primeiros enxurros. Em suma, no desenvolvimento sustentável CBZ, é necessário conci-
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liar racionalmente manifestações gratuitas da natureza - físicas, químicas e biológicas - com ações sociais adequadas e completas de firme compromisso e solidariedade. Por uma perfeita captura das contribuições gratuitas da ecologia, é possível viabilizar economicamente as unidades de produção rural de muitas regiões (hoje com muitas unidades produtivas quase totalmente falidas, por não estarem organizadas de modo a haver tal conciliação racional). É necessário na mancha semiárida do Nordeste, zerar os gastos com os esquemas tradicionais de intervenções públicas e sociais inadequadas, via de regra, parciais. Um modo de agir apenas parcial, e não global ecológico energético, dilapida parte substantiva do seu capital ecológico sob a as formas da hidrogeologia (especialmente a de águas subterrâneas de baixa profundidade, acumuladas nos interstícios geológicos dos aluviões como baixios), dos solos flora e fauna (macro, meso e micro), etc. Danifica-se tudo anteriormente capitalizado num conjunto integrado e organizado pelo sistema da natureza, durante seguramente, muitas centenas de milhares ou milhões de anos. O que a natureza levou tanto tempo para construir está sendo dilapidado em apenas algumas centenas de anos. Regiões como o semiárido, sofrem atualmente uma abordagem econômica absolutamente imprópria quanto à sua ecologia: usufrui-se sofregamente capital ambiental como se estivesse usufruindo renda. Há que se reverter os atuais modos de usufruto da terra para um modo novo consciente. Aproveitar a farta energia vinda do Sol, que entretanto na região, só pode ocorrer durante breves períodos anuais, nos quais se viabiliza a produção de fotossíntese pela periódica e transitória disponibilidade de água. O ‘Conceito Base Zero - CBZ’ faculta organizar isto bem sustentavelmente. O ‘CBZ’, responde ao como? inquestionavelmente, de tão desafiadora indagação sobre, por exemplo, o semiárido do NE! O CBZ só resultou como credenciado pela Agenda 21 brasileira em 1998-9, após ser examinado em seus fundamentos, vastamente e ao extremo. Como um ‘padrão’ lógico de organização das produções, com a ‘produtividade da sustentabilidade’, mediante o tema Agricultura Sustentável nacional, A Agenda 21 verificou, então, a fundo, do seu modo institucional, o conteúdo do Base Zero (BZ, precursor do CBZ) nomeando-o ‘noção’ como já foi visto. Também reforçou em 2004 o credencial técnico científico do CBZ,
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a UNICAMP16. Pela sua convocação tornando-o referencial técnico intelectual incontestável de altíssimo relevo. Tudo como uma outra consagração do CBZ, com valor equivalente ao da Agenda 21. Os exames então feitos pela UNICAMP, resultaram refletidos no registro como sua publicação formal em evento mundial, sendo ela de certo modo resumida e atualizada, neste documento. Afora sua decana concretitude prática no Base Zero Caroá (1969-2017; 48 anos), sem sombras de dúvidas, afirmada mediante fatos objetivos. Uma vez aplicando-se a definição lógica CBZ, de emancipações socioeconômicas promovidas por suas características causadoras de evolutivas ‘auto revitalizações...aceleradas’ em MBHs e NBHs ‘padrão’, seriam objeto de implementações graduais decorrentes, em função das condições da organização, as seguintes situações: •
no NE semiárido: 60 mil MBHs; 240 mil NBHs; 3.300.000 (três milhões e mil famílias emancipadas nas MBHs; se as MBHs resultarem ser 60.000 no NE);
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na bacia do rio São Francisco: 32 mil MBHs; 128 mil NBHs; 1.760.000 famílias emancipadas nas MBHs ‘padrão’ CBZ; na bacia do rio Pajeú em PE: 840 MBHs; 3.360 NBHs; 46.200 famílias emancipadas em MBHs ‘padrão’ CBZ;
• •
na bacia do rio Moxotó em PE (877.232 ha): 438 MBHs; 1754 NBHs; 26.316 famílias emancipadas em MBHs ‘padrão’ CBZ;
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na bacia do rio Ipanema em PE (620.967 ha): 310 MBHs; 1.240 NBHs; 18.620 famílias emancipadas em MBHs ‘padrão’ CBZ;
16 In Ortega, E. & Ulgilati, S. (editors): Proceedings of IV Biennial International Workshop " Advances in Energy Studies". Unicamp, Campinas, SP, Brazil. June 16-19, 2004. Pages 65-72 O USO DA ÁGUA NAS MICRO-BACIAS HIDROGRÁFICAS DO SEMIÁRIDO DO NORDESTE BRASILEIRO E O CONCEITO BASE ZERO José Artur Padilha*; Mileine Furlanetti de Lima Zanghetin**; Enrique Ortega***; STR - Sistemas Técnicos Racionais Ltda.;** Laboratório de Engenharia Ecológica e Informática Aplicada Faculdade de Engenharia de Alimentos - Unicamp - Campinas, SP, Brasil
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José Audisio Costa
Quando falamos em Direitos Humanos logo veem as perguntas: Que direitos? Quais os seus princípios fundamentais? Quem garante o cumprimento destes direitos? E muitas outras questões são levantadas. No início das organizações sociais não havia escrita e muito menos leis. As sociedades orientavam-se por tradições que permitiam uma convivência entre os seus constituintes. Nestas os conflitos eram dirimidos através da autoridade paterna, grupal ou tribal de acordo com seus hábitos culturais. Com a evolução foram sendo criadas novas associações interpessoais e defesa de interesses cujos entendimentos, por tradição passaram a não ser suficientes para manter uma paz associativa e, portanto coletiva. Mesmo nessas sociedades primitivas os conflitos tinham na autoridade paterna, grupal ou tribal um intermediador dos conflitos. A criação de leis procura determinar a relação entre o Estado e o povo, para assegurar os direitos do cidadão contra a vontade dos governantes, que na atualidade tem um sentido de garantia da cidadania. No estado moderno as leis, que normatizam os direitos, visam estabelecer as relações individuais e coletivas, bem como de suas relações com o Estado. Em tese seria dever de o Estado defender os direitos inerentes a cada cidadão(ã). Ora, as leis são resultantes de uma articulação entre os componentes constituintes de uma sociedade, mas sempre resultante do grupo que detém o controle político, hegemônico. Assim são de indissociáveis o direito e a política no Estado Moderno que temos hoje. Por isto as leis não são imutáveis e podem variar de acordo com as modificações na correlação de forças políticas ao longo da evolução social e econômica de cada país. Entretanto gostaria de chamar a atenção do papel nas sociedades
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capitalistas da força do poder econômico na determinação do comportamento político e no desenvolvimento das leis. Na sociedade socialista por outro lado estas sofrem a influencia do sistema de poder no sentido de garantir esta forma de organização do Estado. É nesta relação entre o poder e a sociedade que se define a legalidade. Para isto é necessário a criação de mecanismos tanto do ponto de vista estatal como social na defesa dos direito. Sobre este assunto assim se expressa Bobbio: ...o poder legal é o que recebe a própria legitimidade quando é exercido em conformidade e no âmbito das regras preconstituídas e pressupõe órgãos especificamente destinados à produção e à contínua modificação destas regras, como são exatamente os órgãos legislativos, que vão se diferenciando através de um processo natural de divisão de trabalho dos órgãos do poder judiciário e administrativo.( BOBBIO, 1986, p.352 ).”
Diante do exposto, considerando que cada sociedade teve seu desenvolvimento, com cultura, hábitos e costumes próprios, cada uma apresenta ordenamento jurídico distinto. Entretanto em função dos princípios que norteiam a estrutura do Estado estes podem ter ponto que são comuns, diferente e até divergentes. Mas cada um expressa o pensamento político, social e cultural, em cada conjuntura, presente na organização do Estado. Quando falamos em Direitos Humanos, logo vem a compreensão que, em sendo humano, é para todos, homens e mulheres, crianças ou idosos independentes de suas etnias, gênero ou opção sexual, portanto universal, ultrapassando os limites do Estado. Aliás em 1993, o Congresso de Viena ressaltou que os direitos são universais, inalienáveis, invioláveis, iguais e indivisíveis. Mas como tal pode funcionar em sociedades com diferentes concepções de organização política e cultural? Ou como diz Tonet; “... a luta pelos Direitos humanos, como pelo conjunto das objetivações democrático-cidadãs, não só é válida como pode ter um papel muito importante. Mas é preciso ter claro que ela pode ter caráter reformista ou revolucionário. Terá um caráter reformista e, portanto, contribuirá para reprodução desta ordem social desumana se tiver como fim último o aperfeiçoamento da cidadania e da democracia. Terá caráter revolu-
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cionário se tiver clareza dos seus limites e estiver articulada com lutas claras e radicalmente anti-capitalistas.”
Primeiro temos a entender que a conquista dos direitos humanos é uma constante na luta dos povos, nunca terminada, ao longo da história. Até porque nesta evolução mudam os interesses e entendimento de concepções da realidade sociocultural em cada Estado. As primeiras regras escritas sobre os direitos explicitando a relação entre indivíduos e Estado data do sec. XVI a. C, chamado Código de Humarabi. Neste consta o direito à vida, à propriedade, a honra, à dignidade e à família. Observe-se que já neste momento é posto o direito à propriedade, que não é defendida nas sociedades socialista. Passando pela Grécia, Roma com a criação da república, vamos chegar a um marco importante a revolução Francesa, em 26 de agosto de 1789, quando pela primeira vez os direito fundamentais são ditos serem para todos e não apenas para aqueles do pais que definiu a lei. A revolução francesa, que teve como base a igualdade, a liberdade e a fraternidade, foi uma luta em que os revolucionários se opunham a força política dos poderes da monarquia e da igreja. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada pela Revolução Francesa expressa: Artigo l. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem ser fundamentadas senão sobre a utilidade comum. Artigo 2. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são: a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão”
Observe-se que embora na revolução Francesa, tenha ocorrido um confronto entre o poder da igreja e o povo, para Lafer, a raiz do princípio da igualdade entre os homens está presente nos ensinamentos dos cristãos ocidentais, onde se origina esta mentalidade entre os homens.
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Assim se expressa Lafer:
O cristianismo retoma e aprofunda o ensinamento judaico e grego, procurando aclimatar no mundo, através da evangelização, a idéia de que cada pessoa humana tem um valor absoluto no plano espiritual, pois Jesus. chamou a todos para a salvação. Neste chamamento não há distinção entre judeu e grego...(LAFER, 1991, p.119)
Outra contradição a esta posição das igrejas cristãs foi o constante apoio às práticas escravagistas e defesa das ações, mesmo desumanas, dos europeus nos diferentes continentes colonizados. A universalização dos Direitos Humanos encontra dificuldades nas relações culturais entre as diferentes sociedades, o que nos induz a entender que este processo requer ainda muito debate. Vejamos o que diz Oliveira: Muitas declarações de direitos humanos emitidas por organizações internacionais regionais põem um acento maior ou menor no aspecto cultural e dão mais importância a determinados direitos de acordo com sua trajetória histórica. A Organização da Unidade Africana proclamou em 1981 a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos[5] , que reconhecia princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos de1948 e adicionava outros que tradicionalmente se tinham negado na África, como o direito de livre determinação ou o dever dos Estados de eliminar todas as formas de exploração econômica estrangeira. Mais tarde, os Estados africanos que acordaram a Declaração de Túnez, em 6 de novembro de 1992, afirmaram que não se pode prescrever um modelo determinado a nível universal, já que não podem se desvincular as realidades históricas e culturais de cada nação e as tradições, normas e valores de cada povo. Em uma linha similar se pronunciam a Declaração de Bangkok, emitida por países asiáticos em 23 de abril de 1993, e de Cairo, firmada pela Organização da Conferência Islâmica em 5 de agosto de 1990.
Ainda, é preciso considerar que as relações internacionais entre paí-
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ses desenvolvidos e subdesenvolvidos envolvem interesses que por vezes levam a uma contradição entre os interesses dos governantes, que diante das negociações geram-se imposições que nem sempre estão de acordo com os interesses da população. Assim se expressas Flores,J.H. (2009): Os direitos humanos, como produtos culturais, constituem, pois, um conjunto de pautas, regras, propostas de ação e modos ou formas de articulação de ações humanas cujos limites e fronteiras são muito difíceis de determinar de um modo completo ou definitivo. ... essa dificuldade é dupla: em primeiro lugar, os direitos humanos não podem ser separados dos intentos dos governos ocidentais de impô-los a toda humanidade como única forma de ação social e jurisdicional (vejam-se as políticas de codicionalidade ao desenvolvimento: te enviamos dinheiro para teu desenvovlimento se aceitas e implementas nossa forma de ver e atuar no mundo). E, em segundo lugar, como já dissemos, porque, ao conviverem com outras vias ou caminhos de dignidade, requerem necessáriamente um forte grau de compromisso diante da multiplicidade e diversidade de sofrimentos e indignações que os seres humanos padecem em suas vidas cotidianas. Flores, J.H., 2009, p. 14).
Inquestionavelmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos retomou os ideais da Revolução Francesa ao reafirmar os valores da igualdade, liberdade e fraternidade, proclamada em 1948, após a II guerra mundial. É o mais importante marco regulatório na defesa dos direitos Humanos. Resultante de uma avaliação dos estragos produzidos pela II guerra mundial. Mesmo sendo esta declaração articulada no seio da Organização das Nações Unidas (ONU) não foi assinada por todos os seus membros, por contrariar interesses de alguns países e por expressar principalmente as concepções próprias do mundo ocidental. Neste sentido expressa Comparato: [...]a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de umprocesso ético que, iniciado com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valo-
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res, independentemente das diferenças de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição, como se diz no seu artigo II. (COMPARATO, 2001, p. 228).
Tomando por base os princípios da liberdade, fraternidade e igualdade, oriundos da Revolução Francesa Karel Vasak (1979) classifica os direitos humano em: Primeira Geração - Os Direitos Civís, políticos e as liberdades clássicas Segunda Geração – Direitos economicos, sociais e culturais Terceira Garação – Direito ao meio ambiente equilibrado, saudável, qualidade de vida, progresso, paz, autodeterminação dos povos e outros dirteitos difusos.
O avanço científico tecnológico mais recente levou a considerar uma quarta Geração dos Diretos Humanos – Direitos a informação e biodireitos. Paulo Bonavides chama a atenção para que o direito à paz deva constituir a quinta geração, dada a sua importancia. Portanto, vemos que a defesa dos direito humanos passa obrigatóriamente pelo desenvolvimento entre todos(as) os(as) cidadãos(ãs) de uma cultura de soliderariedade, etica e fraterna. Neste sentido é de crucial importancia que a educação seja tratada como um direito humano, e não simplesmente direito social, pelo seu papel para o desenvolvimento individual e coletivo na sociedade. Ainda, isto levará a que as diretirzes de políticas educacionais passem a ser pensadas de forma articuladas com outras, considertando a indivisibibilidade entre os direitos. Desta forma desmistifica-se a educação como salvadora de tudo e passa a ser um direito que depende de outros. Assim, estes devem ser complementares de forma efetiva para resultar na garantia da felicidade individual e coletiva. Ainda, é importande ser considerado que cada sociedade tem a in-
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fluencia das religiões, da ciência, de suas organizações sociais, de sua evolução cultural e de sua estrutura política. Neste complexo de elementos que compõem a sociedade é fundamental que se organize das mais diferentes formas no sentido de fortalecer as relações entre as pessoas e os povos, repeitando suas diversidades, com a compereensão da importancia de garantir uma convivência humana de forma solidária. Diante desta complexidade é importante intensificar um continuo debate de ideias na perspectiva de contribuir para a construção de uma sociedade economicamente estável, socialmente justa e ambientalmente saudável e sustentável, condições indispensáveis para o bem estar da espécie humana, de forma que os desejos e ações da atual população estejam contribuindo para que os das gerações futuras sejam respeitados.
REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto: O futuro da democracia; uma defesa das regras do jogo/Norberto Bobbio; tradução de Marco Aurélio Nogueira.— Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. BOBBIO, N; MATTEUCCI,N. e PASQUINO, G.: Dicionário de Política. Brasília: editora UNB Verbete: Estado Moderno. Disponível em: <https://fritznelalphonse.files.wordpress.com/2013/05/bobbio_verbeteestadomodernodicionc3a1riodepolc3adtica.pdf> FLORES,J.H.: Teoria Crítica dos Direitos Humanos – Os direitos Humanos como Produtos Culturais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009 LAFER, Celso,.: A reconstrução dos direitos humanos : um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt / Celso Lafer. — São Paulo : Companhia das Letras, 1988. OLIVEIRA, Dilma Maria Andrade de: OS DIREITOS DO HOMEM E O DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL: ORIGEM E HISTORICIDADE. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.29, p.119-136, mar.2008 ISSN: 1676-2584. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/29/Art09_29.pdf>
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Helena Maria Barros Padilha. José Audísio Costa. Há dentre as noções filosóficas que buscam nortear o modo como deve se dar o desenvolvimento nesse ponto da história da humanidade, linhas tão diversas que em seus extremos, chegam a ser antagônicas. Num dos extremos, delineia-se um pensamento que afirma a necessidade imperativa de desenvolvimento, sem preocupação com a integridade do meio ambiente natural no qual se dará esse desenvolvimento. Essa noção se baseia nos argumentos de que as reservas naturais dos países mais ricos foram usadas à exaustão por esses Estados para que pudesse haver a plenitude do seu desenvolvimento. E que, portanto, os países ainda em desenvolvimento não poderiam ser apenados, por restrições às possibilidades de se desenvolver de maneira completa por conta das barreiras impostas pelas ideias preservacionistas. Ainda em defesa dessa noção, surgem argumentos de que há subjacentes interesses que tentariam por meio de retórica preservacionista impedir os países em desenvolvimento de se emanciparem. No extremo diverso, a imagem que se esboça é a da natureza intocável, da impossibilidade de que qualquer porção do meio ambiente natural possa sofrer intervenção, para que haja a possibilidade da preservação da vida na terra. Essa noção toma por base argumentos de que o limite máximo de exploração da natureza pelo homem já estaria ultrapassado e que, por isso, haveria dois binômios opostos possíveis em correspondência biunívoca: O primeiro, desenvolvimento e extinção de todas as formas de vida
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na terra, o segundo, estanqueidade e preservação do que resta de vida no planeta. Para que racionalmente sejam afastados equívocos absolutos, o que ocorreria no caso de adoção de uma das noções extremas acima, e para que se consiga por finalidade o bem, faz-se necessária a consulta à mais importante obra do filósofo Aristóteles acerca da ética: Ethica Nicomachea. Nessa obra, o autor afirma que a ética determina o summum bonum , o fim como o bem supremo ou ainda a eudaimonia que é a felicidade. Tal fim supremo ou eudaimonia se concretiza por meio de uma existência virtuosa, estando a virtude situada entre os extremos, na temperança entre esses extremos antagônicos, os quais são por si viciados. Desse modo, para que haja um posicionamento ético em relação ao desenvolvimento, deve ser buscado o meio termo, a temperança entre os posicionamentos extremos que reside na síntese dialética entre esses opostos: O Desenvolvimento Sustentável. Daí ser possível deduzir que o desenvolvimento com ética na contemporaneidade, pode se reportar a uma percepção lata ou ampla do desenvolvimento, que inclui os conceitos de sustentabilidade e emancipação humana. É nessa perspectiva que se tratará neste artigo da temática do desenvolvimento sustentável. Sustentar tem origem no termo latino “sustentare” que significa segurar por baixo; apoiar; conservar; impedir a ruina ou a queda de; amparar; proteger; favorecer; auxiliar; estimular; pelejar a favor, sustentar-se. Sustentável, significa: que se pode sustentar. Emancipar, do latim “emancipare” é uma palavra conceituada como: eximir da tutela; tornar independente; dar liberdade a; tornar livre; livrar, libertar. As teorias inovadoras tendem a explicar o princípio do desenvolvimento sustentável, como uma forma de promover o desenvolvimento das sociedades humanas do presente, garantindo o desenvolvimento e sobrevivência das gerações futuras, a partir do respeito aos direitos humanos e à
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natureza. Para se explicar o desenvolvimento sustentável, há, por conseguinte, que se inferir como pressuposto, a compreensão de preservação do meio ambiente em sua integralidade, incluindo a relação ética de respeito à dignidade da pessoa humana e a percepção do trabalho como produtor de riqueza. É certo que o princípio do desenvolvimento sustentável tem seu fundamento na tomada de consciência cada vez mais presente na humanidade, de que o planeta terra tem recursos limitados face à ilimitada produção de necessidades impostas pela sociedade de consumo de natureza capitalista, cuja essência de seu objetivo é o lucro do capital, proveniente da subtração da remuneração do trabalho. A partir dessa compreensão é possível inferir, que o crescimento econômico ilimitado e o lucro crescente do capital exigem uma profunda reflexão e ação transformadora, por parte dos sujeitos históricos vítimas da exploração do seu trabalho. A enorme concentração de riqueza em alguns países e a contínua intervenção desses países ricos na soberania de países menos ricos, detentores de abundantes recursos naturais, especialmente, de recursos não renováveis, requer uma mudança de percepção em relação à preservação desses recursos e a emancipação dos trabalhadores dessas nações exploradas e demais trabalhadores do mundo. Sabe-se que a preocupação mundial com a sustentabilidade do desenvolvimento no planeta é relativamente recente. Tem sua origem no Clube de Roma em l970, quando, cientistas identificaram uma tendência à exaustão dos recursos naturais disponíveis na terra. Anteriormente, algumas preocupações surgiram, sobremaneira, a partir dos anos 60 do século XX, quando os países começaram a editar normas jurídicas mais rígidas para a proteção do meio ambiente. No Brasil, o antigo Código Florestal foi editado pela Lei 4.771 de 1965. Em 1981 foi sancionada a Lei 6.938, que aprovou a Política Nacional do Meio Ambiente. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu preceitos fundamentais relativos à preservação do meio ambiente, especialmente, por ser o Brasil detentor de grandes riquezas mi-
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nerais, possuir muitas florestas nativas, ter uma das mais variadas e importantes biodiversidades e ser considerado um pulmão preservado do planeta. No mundo, foi a Conferência de Estocolmo (Suécia), ocorrida em 1972, promovida pela ONU, com a participação de 113 países, que alertou sobre os riscos à existência humana decorrentes da degradação excessiva do meio ambiente. Vale acrescentar que o Brasil, na época, apresentava uma postura bastante retrógada, vez que buscava o desenvolvimento econômico a qualquer custo ambiental (“riqueza suja”) em vez de uma sustentabilidade que respeitasse a diversidade ambiental e sua preservação em defesa da geração atual e das gerações futuras, denominada (“pobreza limpa”). Há, entretanto, no processo dialético a contradição. Em 1992, vinte anos depois, com o retorno ao Estado Democrático de Direito no Brasil, realizou-se no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, conhecida como ECO-92 ou Rio-92, ocasião em que a quase totalidade dos mandatários das nações do mundo assinaram a Declaração do Rio, documento contendo 27 princípios ambientais, bem como a Agenda 21, para a redução da poluição e busca de um desenvolvimento sustentável. No ano de 2002, sob a coordenação da ONU, em pleno século XXI, na África do Sul, reuniram-se novamente os mandatários de diferentes nações para discutir a questão ambiental do planeta, no evento denominado Rio mais 10. Avaliaram então, os avanços e retrocessos obtidos em relação ao desenvolvimento sustentável do planeta. A avaliação constatou pequenos avanços e muitos retrocessos, aumentando assim, a preocupação com a preservação do meio ambiente e sustentabilidade do planeta. Sabe-se que os países considerados ricos consomem em média dez vezes mais recursos naturais por habitante, que os considerados pobres. Nesse evento Rio Mais 10, foram reafirmados os propósitos de redução da degradação ambiental. Posteriormente, em 2011, aconteceu mais uma vez, no Rio de Janeiro, patrocinada pela ONU, a Rio Mais 20 com os mesmos propósitos de avaliação quanto ao uso dos recursos naturais renováveis e não renováveis, enfocando o impacto do uso dos recursos em relação às condições e quali-
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dade de vida das pessoas no mundo. Na ocasião, os mandatários dos países presentes ao evento reafirmaram os seus propósitos preservacionistas, com restrições nacionais por parte de alguns. Os chefes de estado colocaram suas assinaturas nos documentos, com exceção daqueles, que consideraram ser arriscado se comprometer com a preservação ambiental, uma vez que poderiam dificultar o processo de crescimento econômico ilimitado de suas Nações. É importante esclarecer que tais documentos não têm em seu substrato a natureza de tratados internacionais, entretanto, têm forte autoridade ética local e mundial. Em 2002 o Fundo Mundial para a Natureza divulgou o Relatório Planeta Vivo, concluindo que o ser humano já está consumindo 20% além da capacidade de recuperação do meio ambiente da terra. Acresce ainda, que o modo de produção capitalista associado a uma sociedade de consumo de massa, apresenta variáveis decisórias para o elevado nível de poluição das águas, do ar e dos demais componentes do meio ambiente do planeta terra. Vale lembrar também que a humanidade, historicamente passou a se organizar de forma estratificada, de modo que uma minoria começou a explorar o trabalho da grande maioria da população, resultando dessa lógica, estratos sociais que possuem bem mais do que necessitam para viver com dignidade, desperdiçando recursos, em detrimento de outros estratos de pessoas que continuam a necessitar de condições básicas de sobrevivência e convivem com a escassez. A concentração de riqueza em determinados países do mundo é muito alta. Líderes das nações mais ricas do planeta, recentemente fizeram uma reflexão, em Davos, na Suíça, acerca dessa realidade mundial. Observaram que, embora continuem defendendo o modo de produção capitalista, é necessário repensar o modelo, em função da sustentabilidade do planeta. Há no mundo algo espantoso. Identifica-se que as indústrias mais poderosas da atualidade se concentram na produção de armas de alto poder destrutivo, inclusive, do meio ambiente, de drogas que desqualificam a pessoa humana e do tráfico de pessoas. Essas indústrias, além de disseminarem as guerras, destroem vidas e degradam o meio ambiente. O Brasil e o semiárido brasileiro, também sofrem as consequências dessa lógica perversa. Os índices de assassinatos, viciados em drogas e vitimas do tráfico de pessoas
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são preocupantes. No Brasil, há também uma grande concentração de riqueza em uma determinada classe e muita desigualdade social. Recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA tem identificado que os índices de desigualdade social foram reduzidos. Ainda, o Instituto de Pesquisa Data Popular que estuda as favelas do Brasil, também mostra que a desigualdade diminuiu, em decorrência das políticas públicas implantadas desde 2003, que objetivam minimizar a situação em que se encontra grande parte da população. É o cumprimento do que recomenda a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no que se refere à extinção da miséria e combate à pobreza. A garantia da continuidade dessas políticas públicas pode estar na organização dos movimentos sociais, inclusive, para reivindicarem a regulamentação para a taxação das grandes fortunas, prevista também na Constituição. “Será preciso que o Poder Público intensifique as suas políticas públicas ambientais, que normalmente são de três naturezas: as regulatórias, consistentes na elaboração de normas jurídicas que regulam a utilização dos recursos naturais, bem como as instituições responsáveis pela fiel execução das leis ambientais; as estruturadoras, realizadas mediante a intervenção estatal direta na proteção ambiental, como a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelos entes políticos; as indutoras, em que o Poder Público adota medidas para fomentar condutas em prol do equilíbrio ambiental, com a utilização de instrumentos econômicos como a tributação ambiental, que visa estimular condutas com um tratamento privilegiado em favor daqueles que reduzem a poluição, por meio da extrafiscalidade.” (Frederico Amado, Direito Ambiental, 4ª edição). O ordenamento jurídico brasileiro, art.3, I da Lei 6.938/81 define meio ambiente, como: “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. As modalidades de meio ambiente são: “natural, cultural, artificial e do trabalho”. O professor Frederico Amado diz que o ordenamento jurídico brasileiro define Direito Ambiental como: “um ramo do direito constituído por princípios e regras que regulam as condutas humanas que afetem potencial ou efetivamente, direta ou indiretamente, o
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meio ambiente, quer o natural, o cultural, o do trabalho ou o artificial”. A proteção do meio ambiente é da competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O art. 4 da Lei 6.938\81 escreve que: “os entes federativos podem valer-se entre outros dos seguintes instrumentos de cooperação institucional”: I Consórcios Públicos, nos termos da legislação em vigor; II Convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares, com Órgãos e Entidades do Poder Público, respeitado o art. 241 da Constituição da República Federativa do Brasil; III Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão Bipartite do Distrito Federal; IV Fundos Públicos, Fundos privados e outros instrumentos econômicos; V delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos na lei complementar; VI delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos na lei complementar. No que se refere à questão ambiental e de desenvolvimento sustentável do semiárido do Nordeste do Brasil pode-se inferir de forma benéfica as peculiaridades animadoras, em contraposição às reais dificuldades de convivência com o semiárido, inclusive, àquelas dificuldades de natureza ética, que contribuem para eternizar ações emergenciais de suprimento d’água por meio de carros pipas, entre outras ações em épocas de seca. Inicialmente, as soluções duradouras estão fundamentadas nas pesquisas que indicam ser o Semiárido do Nordeste do Brasil sustentável em relação às possibilidades de reserva d’água. Os índices pluviométricos que permitem a acumulação d’água, durante o período de chuvas, em volume suficiente para suprir as necessidades em épocas de estiagem. Nos períodos de chuva, em que os índices pluviométricos diminuem denominados (seca verde) também é possível se acumular volumes de água
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capazes de sustentar a vida na Região, no período de estiagem, com moderado uso, embora dificultando determinadas atividades. Nos períodos mais difíceis, nos quais quase não há precipitações pluviométricas, denominados simplesmente de seca, ainda é possível sobreviver de modo sustentável se racionalmente tiver havido acumulação d’água no tempo chuvoso. Existe tecnologia suficiente para que esse procedimento de acumulação seja muito bem feito. Experiências exitosas provam essa possibilidade. Possui o Semiárido do Nordeste do Brasil, um dos maiores potenciais de captação de energia solar do mundo, resultante da sua localização nos trópicos. O potencial de energia eólica é, segundo estudos recentes, considerado suficiente para fornecer energia para todo o País. Possui ainda, uma vegetação adaptada há milhões de anos, a caatinga, que adormece nos períodos de estiagem, mas ressurge com exuberância, no período chuvoso. A biomassa produzida por essa vegetação é portadora de um potencial energético significativo, uma vez que, viabiliza a alimentação dos animais, aduba o solo das áreas cultivadas e cultiváveis, é utilizada na cocção dos alimentos e fornece energia para as indústrias que usam a madeira na sua produção. É conveniente lembrar, que o semiárido do Nordeste do Brasil é um dos semiáridos mais populosos do mundo. Historicamente vem sendo objeto de desalojamento de sua população, explicado em função das condições climáticas. São os denominados “refugiados ambientais ou desalojados climáticos”. Um dos exemplos mais conhecidos no Brasil é o desalojamento do Presidente Lula, nascido no semiárido de Pernambuco, no município de Caetés, que teve de migrar, utilizando como meio de deslocamento a carroceria de um caminhão denominado “pau de arara”, para sobreviver na periferia de São Paulo, a fim de garantir a continuidade de sua vida. É inegável que a questão ambiental do semiárido do Nordeste do Brasil se apresenta como um enorme desafio, em função das secas periódicas que dificultam o acesso da população à água e aumentam os riscos de desertificação de áreas degradadas. Ocorre, entretanto, que de acordo com estudos que vêm sendo realizados há várias décadas, existe de fato e concretamente a possibilidade racional de se acumular água subterrânea de excelente qualidade para o consumo nos períodos de estiagem e reverter a desertificação.
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A água, como fator determinante para existência da vida, torna-se escassa e até inexistente nos períodos de seca. Isto porque, falta disseminar por todo o semiárido, formas racionais de acumulação da água das chuvas, no período em que ocorrem as precipitações pluviométricas. A ausência de acumulação da água em reservatórios subterrâneos, capazes de filtrar a água e reduzir os efeitos deletérios da evaporação que contribui para a salinização dos tradicionais açudes, produz como efeito desastrosa escassez relativa, ou absoluta d’água, inclusive, potável, tornando muito difícil e quase impossível a vida da população que habita o semiárido. Nesses momentos de escassez ou falta d’água, a população para não se desalojar, recorre ao Poder Público, por meio de Políticas Públicas emergenciais, como: “bolsa seca”, “carros pipas” e outros instrumentos de socorro mais imediato. Como se pode ver são medidas que reduzem as migrações, porem, são práticas que não conseguem implantar processos estruturadores. Desse modo, continua a histórica indústria da seca, que favorece grupos locais privilegiados que se beneficiam da situação. As consequências nefastas da insuficiência dessas Políticas Públicas Estruturadoras são as dificuldades de tornar possível uma efetiva convivência emancipada com o semiárido. Na realidade, a demora das decisões racionais para soluções de longo prazo para a acumulação de água no período das chuvas, para tornar o semiárido sustentável, produz a continuidade da escassez. Há por outro lado o surgimento de interpretações eivadas de preconceito, que deturpam a percepção de parte da população brasileira sobre a realidade do Semiárido do Nordeste do Brasil, inclusive, subestimando sua potencialidade e a capacidade do seu povo de enfrentar desafios. Vale acrescentar que, historicamente, o Nordeste do Brasil deu origem ao desenvolvimento do Estado Brasileiro, a partir de uma economia sólida, que tornou o porto do Recife o mais importante da América do Sul, até o século XVII. O primeiro grito libertário de república aconteceu em Olinda. As primeiras pinturas e expressões artísticas, retratando os povos e os costumes do Brasil colônia, foram feitas em Recife, por artistas trazidos pelo Príncipe Maurício de Nassau. A primeira capital do Brasil foi instalada em Salvador. Estes fatos aconteceram como resultantes da grande prosperidade econômica do Nordeste, durante o Brasil colônia. Desse modo, o Nordeste do Brasil, inserido quase totalmente no se-
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miárido, muito contribuiu e continua contribuindo para a sustentabilidade do Brasil, na busca da emancipação do seu povo. O trabalho dos “desalojados climáticos ou refugiados ambientais” que migraram em decorrência das secas periódicas, teve o grande mérito de participar e até tornar viável o processo de industrialização do Sudeste e demais regiões do Brasil, além de ajudar a construir Brasília, exemplo de modernidade, capital de todos os brasileiros. Observe-se que, sendo o semiárido do Nordeste do Brasil, o semiárido mais úmido do planeta, considerando que seus índices pluviométricos são os mais altos dos semiáridos do mundo, as pesquisas experimentais confirmam que as águas das chuvas que caem no semiárido são suficientes para garantir a sustentabilidade de seu desenvolvimento. Ademais os recursos da natureza que necessitam da água para sua sobrevivência, também passaram por um processo de adaptação, durante milhares de anos. O mel das abelhas do semiárido é excelente, os frutos são dulcíssimos, O gado bovino é adaptado, enfim, há uma sustentabilidade do desenvolvimento no semiárido, até no setor primário da economia. Além dessas constatações é imprescindível registrar que as pesquisas realizadas no semiárido do Nordeste do Brasil, apontam soluções de sucesso comprovadas. Pode-se afirmar com segurança que nos dias atuais existe ciência, tecnologia e inovação capazes de enfrentar a estiagem prolongada, sem o transtorno do desalojamento histórico, que acarreta sofrimentos de natureza econômica, psicológica, social e cultural dentre outros, que vêm ocorrendo historicamente. A lembrança do modo como os espaços terrestres dotados de frio intenso, gelado e coberto de neve são tratados por seus habitantes, merece uma reflexão profunda, acerca da criatividade, da utilização da ciência avançada, da tecnologia apropriada e da inovação, que fazem desses países, especialmente os do norte do planeta, exemplos de como é possível conviver com a adversidade climática. Acrescente-se, ainda, que o motor das migrações internas brasileiras, especialmente do semiárido nordestino, para outras Regiões, é devido mais a procedimentos equivocados de combate à seca e a chamada “indústria da seca” do que a condições objetivas de natureza climática. A grande descoberta está na pesquisa sistemática empreendida pela EMBRAPA e nos
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outros projetos de pesquisa que têm descoberto como sobreviver com sustentabilidade nos períodos de estiagem prolongada e de seca. Um dos exemplos mais significativos que se pode constatar é a inovação de colaborar com a natureza. A utilização da engenharia ambiental em processos de preservação tem sido uma inovação das mais produtivas. O aprendizado com a observação sistemática dos processos ecológicos tem viabilizado a utilização de recursos construtivos existentes nas áreas trabalhadas pela pesquisa. A concepção de reservatórios d’ água, que ensejam a criação de riachos e rios subterrâneos, construídos pela própria natureza, tem resultado em soluções sustentáveis, que minimizam os custos de produção de barramentos e viabilizam a sustentabilidade. A partir de procedimentos inovadores de monitoramento ambiental, tem-se conseguido a preservação da flora e fauna nativas, além da irrigação subterrânea por gravidade, que viabiliza o uso de energia gravitacional, evitando a salinização e reduzindo o processo de evaporação dos cursos d’água. Há uma utilização racional do potencial energético. Uma das experiências exitosas, premiada mais de uma vez pelo Ministério do Meio Ambiente é a do nicho ecológico do Projeto Base Zero, em processo de aprimoramento, instalado na Fazenda Caroá, no município de Afogados da Ingazeira, no semiárido de Pernambuco. Observe-se que essa pesquisa de preservação, por meio da engenharia ambiental, vem permitindo a recuperação do solo e o criatório de animais, que se alimentam da própria folhagem e das flores adaptadas ao semiárido há milhões de anos. O equilíbrio ecológico advindo da pesquisa preservacionista de engenharia ambiental vem orientando a sustentabilidade da área do projeto, numa demonstração comprovada da viabilidade e sustentabilidade ambiental nas áreas do semiárido nordestino. A agricultura familiar, responsável pela quase totalidade da alimentação da população brasileira, muito pode se beneficiar das inovações, bem como os assentamentos de reforma agrária, que poderão se tornar sustentáveis a partir de procedimentos preservacionistas e emancipatórios. O associativismo presente em atividades sustentáveis, conforme inferido e também sugerido pelos cursistas deste projeto reforça a evidência de que o trabalho coletivo associado à distribuição da riqueza socialmente produzida é um caminho acertado para garantir a sustentabilidade e a emancipação
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humana. Saliente-se que o processo de urbanização ocorrido no Brasil, foi seguido pelas populações do semiárido, de modo que a sustentabilidade do semiárido se dá majoritariamente nos espaços urbanos, onde se realizam os serviços e estão instaladas indústrias e o comércio como atividades econômicas, empreendidas por micro e pequenas empresas, que têm contribuído exponencialmente para a geração de emprego e renda. O grande comércio e as grandes indústrias podem envidar ações preservacionistas que possibilitem aumentar a produtividade, favorecendo a sustentabilidade de suas operações, sobremaneira, na medida em que respeitarem os direitos dos trabalhadores e considerarem a dignidade de pessoa humana que lhe é inerente. Ademais a responsabilidade social expressa na legislação brasileira de respeito ao meio ambiente, pode favorecer o cumprimento dos propósitos de reduzir a emissão de elementos poluentes, preservando os cursos d’água, a vegetação e a fauna que representam uma das maiores riquezas do Brasil. O agronegócio existente no semiárido, responsável pela exportação de grãos, carnes, frutos, madeira e outros recursos da natureza, pode também contribuir para o equilíbrio ecológico e sustentabilidade, beneficiando o meio ambiente e produzindo um desenvolvimento sustentável. É possível essa contribuição, desde que utilize ciência, tecnologia e inovação apropriadas ao semiárido. Pesquisas da EMBRAPA e de outras instituições e projetos têm demonstrado eficácia comprovada em experimentos produzidos no semiárido. A reposição e recuperação ambiental são de uma complexidade singular no semiárido. A interiorização de instituições públicas de ensino como o PRONATEC e Universidades Federais vem, favorecendo a produção e surgimento de uma nova percepção sobre as oportunidades oferecidas pelo semiárido nordestino. O valor agregado ao trabalho pela qualificação adquirida por meio de processos educativos humanizados tem colaborado para essa nova percepção. É mais uma garantia de que a educação como direito humano fortalece a ideia força do princípio do desenvolvimento sustentável, uma vez que também faz parte da sustentabilidade do desenvolvimento.
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Ocorre que a sobrevivência no semiárido do Nordeste brasileiro e a sustentabilidade do seu desenvolvimento, decorrem também de suas reservas minerais, como são exemplos: o polo gesseiro do Araripe de Pernambuco e a indústria de petróleo da Bahia. Outras atividades econômicas também se destacam, como: as indústrias de móveis, confecções, vinhos, refino de petróleo, construção de navios e montadoras de automóvel implantadas, na última década, em Pernambuco e demais estados do Nordeste. Observa-se também, que a partir da implantação da política de interiorização do ensino técnico e superior no semiárido de Pernambuco, vem emergindo uma nova fase de oportunidades para as pessoas que habitam o semiárido pernambucano. As escolas técnicas e especialmente as universidades federais de Pernambuco que, historicamente, se instalaram no litoral, na capital do Estado, vêm transformando a imagem perversa da negação histórica construída no tempo, de que era inviável a instalação dessas Universidades no semiárido de Pernambuco. A suposição a partir de depoimentos dos cursistas e de observações sistemáticas é que começam a emergir no semiárido novas perspectivas históricas geradas pela ampliação do conhecimento. Essa ampliação pode cooperar para uma maior sustentabilidade que represente os interesses dos habitantes da Região. A expectativa é de que as medidas de aprimoramento dos recursos humanos implantadas de modo mais adequado pelas instituições educativas de nível técnico e superior possam ensejar uma reflexão que qualifique para a sustentabilidade os serviços oferecidos no semiárido. A partir dessa reflexão é possível se esperar que as atividades e serviços venham passando por um processo de aprimoramento. A compreensão da equipe que elaborou este projeto de formação de secretários municipais de educação e conselheiros, ora em execução, é de que a educação deve ser explicada como direito humano, sendo um desses direitos, conviver com um meio ambiente saudável e preservado. Dentro dessa compreensão, a formação dos cursistas do semiárido, considerou importante incluir entre os palestrantes, pesquisadores especializados em meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Nos conteúdos das palestras, a convivência das populações dos mu-
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nicípios de Pernambuco com o semiárido de modo sustentável, direcionou-se no sentido da emancipação humana, seguiu a lógica da totalidade e transversalidade dos direitos humanos considerando a educação como um desses direitos, envolvendo no processo de formação a contextualização, as condições materiais de sobrevivência do homem de modo sustentável, inclusive, a imersão na realidade ambiental e de desenvolvimento sustentável no semiárido. Uma das mais importantes prioridades do projeto de formação foi dar ênfase ao despertar nos cursistas da necessidade de refletir e agir para a consecução da tão almejada emancipação humana. A luta pela transformação da lógica perversa da economia de mercado, produtora da injustiça social, para uma lógica de cooperação solidária e fraterna parece ter sido uma ideia força a ser concretizada no momento em que haja a percepção de que a riqueza produzida socialmente pelo trabalho coletivo deve ser distribuída de forma isonômica na sociedade. Os direitos de terceira e quarta gerações aprovados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, apresentam caminhos possíveis de superação da pobreza e miséria da maioria da população brasileira, inclusive, buscando corrigir as desigualdades econômicas e sociais e as diferenças regionais, promovendo a justiça social, estimulando a preservação do meio ambiente e a sustentabilidade do desenvolvimento. As políticas públicas implantadas no Brasil a partir de 2003 têm buscado cumprir a Constituição da República Federativa do Brasil. Objetivam minimizar a lógica perversa do capitalismo mundial e do capitalismo neoliberal do País. Pretendem mitigar o desenvolvimento focado no crescimento econômico ilimitado. Implantam diretrizes norteadas para o desenvolvimento social e humano. O ordenamento jurídico brasileiro sobre direito ambiental faz parte dessa busca por direitos. A tomada de consciência desses direitos, por meio de uma educação compreendida como Direito Humano, pode colaborar para a superação das dificuldades inerentes a preservação do meio ambiente e para a promoção de um desenvolvimento sustentável, amenizando a precariedade de se estar submetido a um sistema capitalista, cujo objetivo primordial é o lucro obtido por meio da mais valia.
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O meio ambiente também pode se beneficiar das políticas públicas. Sabe-se que o crescimento econômico ilimitado resulta em graves prejuízos ao meio ambiente pela depredação e exaustão que produz. A consequência dessa lógica destrutiva é o comprometimento da sustentabilidade dos modos de sobrevivência da geração presente e das gerações futuras, especialmente em áreas semiáridas, onde a recuperação ambiental é mais complexa. Torna-se urgente a criação de políticas públicas de preservação ambiental no semiárido em interação cotidiana com a educação compreendida como direito humano. Apesar de todas essas inquietações, parece saudável se pensar em soluções para a convivência emancipada com o semiárido, sobretudo, quando essas soluções contam com o apoio de uma educação compreendida como direito humano. Essa educação humanizada e direcionada para uma ação capaz de promover a humanização, certamente, promoverá uma reflexão e ação sobre a totalidade das necessidades reais das pessoas, inclusive, sobre a necessidade de se habitar um planeta saudável e sustentável. Considere-se também que a luta empreendida pela equipe do projeto, superando obstáculos do trabalho acadêmico, indo ao semiárido de Pernambuco, na busca de compreender a situação e ajudar os que habitam o bioma caatinga a conviver com o semiárido de modo sustentável, certamente concorrerá para que a equipe da academia e a população do semiárido reflitam e tomem consciência de suas potencialidades. A interação entre o importante saber existente no semiárido, com o saber resultante das pesquisas realizadas pelos órgãos acadêmicos e científicos, deve resultar em novos elementos que facilitem a convivência com o semiárido de modo sustentável. A nova percepção de que o desenvolvimento para ser sustentável tem como centro a emancipação humana e envolve os seres humanos educados numa cultura ética de respeito aos direitos humanos, inclusive, aqueles direitos que dizem respeito à convivência harmoniosa com a natureza, favorece a concretização da esperança de se construir melhores dias no semiárido. Solidifica a certeza de que se está a percorrer o caminho certo da tomada de consciência de que o desenvolvimento sustentável é um processo que envolve a humanização dos seres humanos, percebidos como construtores e sujeitos da sua história, em harmonia com a natureza de que fazem parte.
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É importantíssimo considerar que ninguém dá consciência ao outro. A tomada de consciência é um processo de reflexão em que cada pessoa vai gradativamente se conscientizando da sua realidade e da realidade do seu entorno, como dizia o educador, nascido no semiárido de Pernambuco, professor da Universidade Federal de Pernambuco, Paulo Freire, ao aplicar a maiêutica socrática nas suas incursões dialógicas. Ao conceber seu método de educação de adultos para a liberdade, a partir de situações concretas da vivência do trabalho do educando, o pesquisador Paulo Freire valoriza a lógica inerente ao ser humano e aproximase da ideia força de Gramsci, quando conceitua como intelectual orgânico todas as pessoas capazes de estabelecer raciocínios lógicos. A reflexão e ação dos secretários municipais e conselheiros de educação do semiárido de Pernambuco, empreendidas e expressas durante o desenvolvimento do Curso “Educação como Direito Humano e Desenvolvimento Sustentável”, financiado pelo Ministério da Educação, indicaram ser possível mobilizar educadores, para construir novos paradigmas. As palestras e discussões sobre a educação como direito humano e desenvolvimento sustentável, para convivência adequada com o semiárido, durante o desenvolvimento do curso tiveram o intuito de aprofundar o conhecimento crítico e contribuir para a interação social e elaborar diretrizes educacionais compatíveis com o desenvolvimento sustentável do semiárido. A tomada de consciência das limitações e potencialidades do semiárido e a importância da educação compreendida como direito humano significou um despertar para operações valiosas de pesquisa, planejamento e execução de projetos no semiárido, na busca da superação da dependência secular das formas tradicionais de convivência pouco produtivas com o semiárido nordestino, cuja essência tem sido a de combate à seca. A percepção de que o semiárido pode implantar e executar projetos emancipatórios, parte do pressuposto de que a educação como direito humano, se apresenta como um dos suportes adicionais dos mais importantes para a consecução desses objetivos. A sustentabilidade do desenvolvimento no semiárido se apoia também na transversalidade dessa nova concepção do processo educativo. Funda-se na relação ética da humanidade, nas formas em que o homem aplica a ciência, a tecnologia e a inovação no trato com a natureza. Possibilita a construção de uma ação consequente para o
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desenvolvimento, inclusive, na adversidade do semiárido e em situações das mais variadas diversidades. O desafio maior é fazer com que seja possível desenvolver projetos emancipatórios, fundados em pensamentos filosóficos como o de István Mészáros. Este filósofo húngaro da contemporaneidade, ao analisar o capital, explicita que é necessário construir novas formas de organização social, a fim de evitar as consequências nefastas da destruição ou precarização de toda a construção civilizatória empreendida pela força humana do trabalho, até o presente momento da história. Evitar a degradação crescente do meio ambiente e promover sua recuperação para um ambiente saudável, depende de transformações e construção de um novo modelo ou paradigma que faça emergir uma diferente e inovadora articulação constituída de fundamentos filosóficos e éticos que tornem viável a aplicação de processos educativos que compreendam a educação como direito humano. É indispensável fazer com que o processo educativo possa situar a educação como direito humano na essência de sua ação pedagógica. A educação assim qualificada pode ser um suporte valioso do desenvolvimento sustentável, inclusive, o desenvolvimento do semiárido do Nordeste do Brasil. A luta pela implantação dessa nova lógica é fundamental para contribuir à criação de novas condições de sobrevivência geradoras da real emancipação da população atual que habita e convive precariamente com as condições adversas do semiárido. Essa nova construção histórica pode viabilizar para as futuras gerações melhores condições de vida que valorizem a dignidade humana. Desenvolver ações de recuperação do meio ambiente para que se torne novamente saudável é lutar contra a subordinação aos parâmetros do capital. É construir uma nova articulação que torne viável a aplicação de processos educativos que compreendam a educação como direito humano. Significa comprometer a educação e contribuir essencialmente para que seja cada vez mais um suporte e apoio do desenvolvimento sustentável, inclusive, o desenvolvimento no semiárido do Nordeste do Brasil. A luta pela implantação dessa nova lógica é fundamental para a emancipação da população atual e a garantia de que as gerações futuras terão condições mais dignas de convivência humana.
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BIBLIOGRAFIA
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José Batista Neto O Estado brasileiro, ao longo de mais de um século e meio de políticas para a região semiárida nordestina, ainda colhe resultado pífios e desastrosos, quando se considera o acervo de conhecimentos produzidos e disponibilizados que possibilitam a convivência das populações com a seca. Os registros históricos mais remotos sobre identificam sua presença na vida das populações do Nordeste desde o século XVI. O padre Fernão Cardim já relatava uma seca devastadora em Pernambuco, em 1583, portanto no primeiro século da colonização portuguesa no Brasil, responsabilizando-a pela fome e dizimação de pessoas, principalmente das populações nativas. Registros como o do padre Cardim foram ficando cada vez mais frequentes, à medida que a ocupação do sertão nordestino se fez por meio da pecuária e da agricultura de subsistência, duas atividades econômicas importantes e complementares à agricultura de exportação (cana de açúcar) que se instalara, desde as primeiras décadas da colonização, na região do litoral e da Zona da Mata. A despeito das notícias se amiudarem, só no século XVIII é que as secas que se abatem sobre o semiárido vão merecer atenções por parte do Estado Metropolitano, traduzindo-se pelas seguintes medidas: garantia de abastecimento mínimo de alimentos básicos para população sertaneja, recenseamento da população atingida, redistribuição dessa população nas margens dos rios e criação de entidade beneficente para coordenar o trabalho dos flagelados. Dois aspectos chamam atenção no conjunto dessas medidas: a sua insuficiência diante da natureza e da extensão do problema e a coincidência entre a ação política e a manifestação de fortes estiagens. O Estado metropolitano português inaugura aquele que seria o padrão de abordagem das secas pelos séculos que se seguem, inclusive o atual. TRABALHAR SEM-
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PRE AQUÉM DA EXTENSÃO DO PROBLEMA E DEFINIR A POLÍTICA DE SECA COMO A POLÍTICA PARA PERÍODOS DE ESTIAGENS. Até a primeira década do século XX ainda não se conhece uma política de intervenção sistemática de enfrentamento da problemática da seca do semiárido nordestino. São políticas de caráter emergencial e assistencialista que se praticam, muito embora tenha sido crescente o número de estudos especializados e propostas de intervenção tanto por parte de técnicos e instituições quanto de políticos e de Comissões instituídas pelo poder central. O crescente interesse para com a região semiárida nordestina deve-se à expansão da produção algodoeira, implantada em região econômica e política que passou a se inserir nos quadros do Capitalismo industrial na condição de produtora e exportadora de matéria prima importante para a indústria inglesa. Deve-se também à concentração demográfica da região, estimada em hum milhão e oitocentas mil pessoas já no final do século XIX. As medidas implantadas pelo Estado e as propostas que se avolumam vão consolidando a visão dominante de seca. A seca entendida como um problema que está circunscrito ao quadro natural, um problema que impinge a natureza às populações de uma dada região, e que ocorre por uma ausência prolongada de chuvas, em relação a qual são propostas soluções e instituídas medidas de caráter eminentemente técnico. A lista de sugestões dá forma àquilo que no século XX seria denominado de a “solução hídrica”. Dentre as várias proposições, ganham destaque as do engenheiro André Rebouças e as do Instituto Politécnico do Rio de Janeiro, ambas datando de 1877, ano da mais dura seca que se abateu sobre o Nordeste brasileiro no século XIX. Rebouças propõe a subdivisão das terras inexploradas do “litoral marítimo e fluvial” em lotes coloniais, a serem distribuídos aos trabalhadores retirantes e a criação de centros de abastecimento de gêneros alimentícios, instalados nas cidades do interior do Nordeste. O Instituto Politécnico, por sua parte, defende a desapropriação das terras marginais às vias férreas, a sua divisão em lotes e distribuição a colonos. A originalidade das sugestões está no fato de, pela primeira vez, se tratar da questão fundiária como parte do problema e da solução da seca do semiárido. Por outro lado, as propostas de Rebouças e do Instituto Politécnico correspondem, coincidentemente, com as preocupações dos grandes proprietários rurais da região, já naquele momento preocupados com
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a escassez de mão de obra. A fixação de mão de obra no campo era questão fundamental, dado o pequeno desenvolvimento das forças produtivas no interior da estrutura de produção regional e dado o desequilíbrio que a seca trazia ao controle que os proprietários rurais exerciam sobre mercado de trabalho. Outro aspecto a ser observado diz respeito à recuperação pelas oligarquias da região da política de secas. O poder de pressão e de influência sobre a direção que tomará essa política pública, oportunizará uma posição privilegiada a ponto dessa categoria social ter deixado marcado um modo de fazer valer seus interesses privados parecerem ser interesses gerais. A isso chamamos de recuperação da política pública de seca. Ela se traduz na capacidade de orientar os investimentos, os conhecimentos, demais recursos e as obras, enfim, orientar a intervenção estatal para que ela se articule com os interesses privados da categoria, trazendo-lhe resultados favoráveis. Concretamente, podem ser enumerados estudos, planejadas e executadas obras e previsto o investimento de recursos naquilo que é de interesse. Esse conjunto de estratégias de articulação entre as oligarquias regionais do Nordeste e o poder central, cujo efeito foi a recuperação privada da política pública de seca, será denominada, numa leitura crítica dessa política, de “indústria da seca”. O Estado nacional brasileiro passou a intervir de forma sistemática na região do semiárido a partir do final da primeira década do século XX. Para isso, criará uma instância de coordenação das políticas e práticas oficiais para intervenção na região. Trata-se da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS, depois IFOCS, substituída em meados dos anos 1940 pelo DNOCS), cuja criação pelo governo Nilo Peçanha constituirá um ponto de inflexão nessa política. De chofre, chama atenção a ideia de engajar o Estado contra a seca, logo de tomar a política como combate a um fenômeno natural que se abate sobre a região semiárida, numa alusão a um pretenso estado de guerra1. Outro traço da política intervencionista diz respeito ao modo cientí1 A concepção de ação estatal lembra outras que se praticam, como, por exemplo, no Recife, à época de Agamenon Magalhães, quando foi instituída uma política ostensiva de combate ao mocambo (palafita ou casebre que abrigava a população pobre em córregos, alagados e encostas de morros da cidade), entre 1930 e 1950.
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fico de conceber a intervenção. Para tal, buscou-se o apoio de conhecimentos sobre a região, então inexistentes, mas que passaram a ser construídos com o auxílio de diversas disciplinas, em especial a Geografia e um de seus ramos, a Geografia Física, a Geologia e a Pedologia. Especialidades da Geografia Física com a Climatologia ganharam especial atenção e contribuíram fortemente para construção e consolidação do conceito de seca que prevalecerá por muito tempo, chegando aos dias de hoje. Os estudos coordenados pela IOCS/IFOCS/DNOCS deixarão a marca do entendimento da seca como um problema climático de falta de chuvas, a ponto de serem instituídos critérios, por órgão públicos, com base no regime de chuvas e em índices pluviométricos, para se definir se uma área encontrava-se ou não em situação de seca. Esse traço denota a dominância do conceito de região como região natural, categoria teórica central para a Geografia moderna desde sua criação na França e Alemanha2. A outra marca dessa intervenção será a destinação de recursos orçamentários para a construção de obras contra as secas: açudagem, poços, abertura de estradas de rodagem e de ferro. Devido a sua incidência sobre o volume acumulado de água, as duas primeiras categorias de obras constituem as vedetes dessa política. Outra característica será a privatização das obras, uma vez que muitas delas são construídas com recursos públicos, porém, em propriedades privadas. Outra não foi a consequência desses investimentos senão eles se mostrarem descontínuos e de serem decididos em situações emergenciais, portanto quando os efeitos mais dramáticos da seca se faziam sentir. A descontinuidade e o caráter emergencial são dois traços marcantes da política do Estado brasileiro para o semiárido, no que concerne ao enfrentamento das secas. Ademais, não é sem razão que essa política assumirá caráter assistencialista, concretizando medidas que tentam minimizar os efeitos sobre as populações, cuja maior parte atingida vive, em muitas regiões, com muito menos do mínimo para sua sobrevivência. A política social para os trabalhadores constitui-se de um conjunto de medidas que se resumem a matar a fome e a sede sem que sejam estabelecidas ações que mudem em profundidade o quadro social. 2 O conceito de “região natural” será de grande relevância para os estudos geográficos durante o período que estende do final do século XIX á primeira metade do século XX, quanto o determinismo ambiental compôs uma das principais correntes do pensamento geográfico.
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À GUISA DE SÍNTESE PARCIAL Algumas características da intervenção do Estado na região semiárida no que diz respeito à questão da seca, que remonta ao século XIX e se faz presente até o presente: a.
Política EMERGENCIAL, ASSISTENCIALISTA e DESCONTÍNUA;
b.
Indústria da seca;
c.
INTERVENÇÃO FUNDADA NO CONCEITO DE REGIÃO NATURAL (seca como crise climática e como marca identitária da região. A seca é um problema e um instrumento de pressão, da região sobre o Governo central);
d.
Intervenção estatal é recuperada pelas elites regional e estaduais (recobre as diferenças sociais no enfrentamento dos períodos de estiagem);
e.
As obras são uma face do mesmo entendimento precário e interessado do fenômeno: são insuficientes face à dimensão do problema, apresentam problemas de manutenção ou de má construção (execução do projeto), muitas são inacabadas e o superfaturamento.
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Juliana Couto Fazio de A. Lira Kátia Cunha RESUMO O presente artigo tem o objetivo de analisar as possibilidades e limites da Lei 14.922/2013 que institui a Política Estadual de Convivência com o Semiárido. A referida lei estabelece a educação como uma de suas diretrizes. Nesse sentido indagamos como as questões do semiárido passaram a integrar o conjunto das políticas para a educação em Pernambuco na perspectiva da sustentabilidade. Utilizamos a Análise de Discurso como orientação metodológica por possibilitar investigar a “prática dos homens”, no sentido de estruturadoras das políticas educacionais para o Semiárido. Essa interface educação/sustentabilidade/direitos humanos sobre a região semiárida em Pernambuco traz à tona a importância de se garantir uma educação que promova a compreensão de que a seca é um fenômeno natural e ecológico, e deve assim ser tratada, dissociando-a do fenômeno da miséria, que é primariamente político. PALAVRAS- CHAVE: Políticas Educacionais; Sustentabilidade; Direitos Humanos; Educação; Convivência com o Semiárido. INTRODUÇÃO Traga-me um copo d’agua, tenho sede E essa sede pode me matar (Tenho sede – Dominguinhos/Anastácia) Considerando-se o agravamento das condições climáticas, que repercute no longo período de estiagens no semiárido pernambucano - onde
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está situado quase 70% do território do estado de Pernambuco1-, num contexto historicamente marcado por políticas públicas assistencialistas de “combate à seca”, as quais nunca deram conta das realidades complexas e diversas do semiárido, é importante o desenvolvimento de novas práticas que contemplem a diversidade do semiárido e proporcionem condições de vida dignas para as populações da região. Desde a época do Brasil Império até hoje, a região do semiárido, teve suas fronteiras definidas e redefinidas de acordo com critérios climáticos, depois territoriais, e atualmente de acordo com o critério econômico do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), que “expande ou reduz a área oficial de ocorrência das secas (...) atua sobre os municípios mais afetados pela escassez e irregularidade das chuvas, justificando a implementação de medidas emergenciais...” (CARVALHO, 2004, s/p). Porém, sabemos que isso não garante a qualidade do modo como populações produzem suas condições materiais de existência. Esclarecemos que o clima semiárido é caracterizado por um regime de chuvas fortemente concentrado em quatro meses e uma grande variabilidade interanual. As fortes secas que flagelam a região sempre moldaram o comportamento das populações, em especial resultando num grande êxodo para outras regiões. Atualmente esse fator tem sido preponderante para a formulação de políticas públicas regionais. Pernambuco se situa no Nordeste do Brasil. A região nordeste2 abrange os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, nos quais vivem 18,5 milhões de pessoas e dos quais 8,6 milhões estão na zona rural (CIRILO et al. 2007). Tal região ficou conhecida como Polígono das Secas, este termo foi criado pela Lei nº 175 de janeiro de 1936, que definiria a área a ser objeto das políticas de combate às secas. Atualmente a denominação de Polígono foi substituída por Região Semiárida, como comprovamos no Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (MMA 2004). O Ministério da Integração Nacional (Brasil 2005, 2007) redefiniu os limites da região semiárida
1 Disponível em www.asabrasil.org.br 2 Salientamos que o semiárido abrange também a porção norte do estado de Minas Gerais (sudeste do Brasil).
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do Nordeste. Salientamos ainda que o relato de períodos de secas no Nordeste do Brasil remonta o século XVI (ALVES, 1953) sendo uma constante na literatura a abordagem sobre esse fenômeno histórico e a convivência de grande parte do povo nordestino com ele. Uma das mais catastróficas secas foi a de 1877-79. No século XX, as intervenções governamentais no semiárido se concentravam em obras hídricas pontuais seguindo a lógica técnico-economicista, sem assegurar um processo efetivo de desenvolvimento sustentável capaz de proporcionar as condições para uma digna na região. Segundo a ASA3 (Articulação no Semiárido Brasileiro) estima-se que 62% da população do semiárido brasileiro vive sem as “condições necessárias para a manutenção de uma vida digna em relação aos indicadores de renda, educação e longevidade”. Em Pernambuco, por exemplo, num total de 185 municípios, 122 estão no semiárido4 vivendo nas condições apontadas pela ASA. A partir da Carta Magna de 1988 - e todo o contexto que embasa sua criação, a saber, a pressão dos movimentos sociais e o avanço nos marcos regulatórios sobre os direitos humanos -, o discurso da sustentabilidade e diversidade começa a pautar as políticas públicas de uma maneira geral no Brasil, o que repercute na ressignificação do semiárido, começando a figurar no contexto dos discursos a ideia de convivência. Nessa perspectiva o Núcleo de Estudos: Educação, Direitos Humanos e Diversidade no Estado de Pernambuco (NEEDHD) que objetiva realizar estudos, pesquisas e formações sobre a temática e, mais recentemente desenvolveu o curso “Educação em Direitos Humanos”, com subsídios do Ministério da Educação. Esse curso tem como sujeitos os gestores e conselheiros municipais5. Durante o processo de pesquisa para formulação do curso nos 3 Disponível em www.asabrasil.org.br 4 Disponível em www.insa.gov.br 5 A União dos Dirigentes Municipais de Educação de Pernambuco (UNDIMEPE), comprometida com uma política de educação na perspectiva dos direitos humanos, articulou-se com a Associação dos Docentes da UFPE (ADUFEPE), UFPE/PROEXT, UFRPE, UNIVASF, FUNDAJ, UPE, SEE-PE, UNCME-PE, MST, FETAPE e o Comitê Pernambucano de Educação do Campo no sentido de realizar estudos e pesquisas que orientem diretrizes de políticas articu-
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deparamos com inúmeras leis, resoluções, vários projetos e programas, nesse percurso surgiu a necessidade particular de fazer a análise de discurso da Lei 14.922 que institui a Política Estadual de Convivência com o Semiárido, identificando suas possibilidades e limites na perspectiva educacional. Partimos do princípio de que os direitos humanos são um ponto básico para firmar a democracia. Assim, a educação entendida como um direito humano torna-se um espaço estratégico que contribui para aprendizagem de outros direitos. Os direitos humanos estão entrelaçados com a democracia e só são possíveis, na sua plenitude, numa convivência que repense o conteúdo das desigualdades e sua profundidade, tão desfavoráveis para redefinir práticas solidárias e afastar o excesso de individualismo que corrói a relação entre as pessoas e as culturas. Nesse artigo, partindo da reflexão sobre a Lei 14.922 promulgada em 18 de março de 2013, que Institui a Política de Convivência com o Semiárido no Estado de Pernambuco, pretende-se investigar como as questões do semiárido passaram a integrar o conjunto das políticas para a educação em Pernambuco na perspectiva da sustentabilidade. A referida lei estabelece a educação como uma de suas diretrizes. O SEMIÁRIDO: DESAFIOS QUE SE APRESENTAM PARA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO Em relação à compreensão do processo histórico de estruturação da educação no semiárido Pernambucano, partiremos da análise da política pública que institui a convivência com o semiárido. De um modo geral, a História da Educação escrita traz como uma de suas marcas características a de relatar a ação do Estado, a ação ao pensamento das elites educacionais, a ‘ação’ das reformas pedagógicas. No entanto, ao expor esse processo, destacando nele apenas um dos seus polos, permite-nos e até enseja, no confronto com a própria realidade, perguntar: e o outro polo? (LOPES, 2009, p.60) ladas com o objetivo de subsidiar políticas que assegurem a escolaridade como um direito humano nas redes públicas de ensino, considerando a diversidade e o desenvolvimento sustentável no semiárido do Estado de Pernambuco.
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Compreendemos política pública em educação relacionada a todo e qualquer planejamento, normatização ou ação (ou mesmo a ausência da ação) que o Estado exerce em relação ou incidindo sobre as questões educacionais. Nessa perspectiva, entendemos que as políticas públicas são uma ação humana e esta por sua vez, desenvolve-se a partir de um sistema de representações sociais, como afirma Azevedo (2004, p.5): [...] as políticas públicas são definidas, implementadas, reformuladas, ou desativadas com base na memória da sociedade (...) neste sentido, são construções informadas pelos valores, símbolos, normas, enfim pelas representações sociais que integram o universo cultural e simbólico de uma determinada realidade.
Entretanto, não é apenas expressão simbólica, mas também produto e processo da atividade humana. No que diz respeito ao semiárido, encontramos desde o governo do Brasil Império, iniciativas e procedimentos como a implementação de sistemas de irrigação e construções de açudes e barragens (GUERRA, 1981). Entretanto, muitos desses procedimentos não saíram do papel ou foram mal realizados. Do período citado aos dias atuais são inúmeras as grandes secas ocorridas, sempre com o viés desastroso principalmente para as camadas populacionais menos abastadas. A existência do fenômeno natural de longas estiagens no semiárido tem originado denominações a exemplo, indústria da seca, termo discursivo utilizado principalmente, pelos sindicatos de trabalhadores rurais e movimentos sociais (COELHO, 1985). Assunto de outros tantos debates, fóruns, livros, e principalmente campanhas políticas, etc. Ano após ano, governo a governo, atribuiu-se à seca como o elemento delimitador/limitador ao desenvolvimento da região nordestina. Há, entretanto, os que afirmam que no sertão o problema não é a seca, mas a cerca (LIMA, 2006), referenciando as relações de poder que se materializavam na figura do coronel, o grande latifundiário, - detentor do poder político e econômico -, o qual obtinha os maiores benefícios das obras de açudagem, e que se utilizava da mão-de-obra sertaneja, - os sem eira nem beira- nos planos de emergência, aos quais era dada apenas uma oportunidade de renda mínima para a sobrevivência. O problema do acesso à água enquanto recorrente, ainda não foi
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enfrentado na perspectiva do direito humano. As ações assistencialistas, como distribuição de cestas básicas e uso de carros-pipas, em geral, são quase sempre insuficientes e paliativas. Essas ações apenas atenuam por curto tempo a falta de água, entretanto não modificam a situação de quem mais sofre com esse problema, a população rural. Acrescenta-se a isso o que afirma Luna e Barbalho (1983) que a situação atual também é resultado da influência das oligarquias, do sistema de proteção ao grande agricultor e pecuarista, e do pseudo conformismo do sertanejo. A negação do direito à água engendra um grande processo de negação de direitos, entre esses o direito à educação. As políticas desenvolvidas no semiárido nordestino no final do século XX e início do século XXI estão diretamente conectadas às mudanças em nível global no que se refere ao papel do Estado, sua conduta e gestão. Isso traz à tona a coexistência com outros atores legitimados para intervir no território. Algumas demandas, interesses e anseios passaram a se organizar e se expressar através de associações de classes, entidades representativas das comunidades rurais, organizações não-governamentais, contrariando a antiga lógica das políticas voltadas para a oferta, segundo as determinações dos tecnocratas (CHACON, 2007). Amplia-se assim o espaço público não-estatal, e é nessas condições que a ASA (Articulação do Semiárido) e outras entidades vão desenvolver seus trabalhos e projetos atrelados ao desenvolvimento do território do semiárido, desde ações autônomas até articulações com o governo e a iniciativa privada. Nesse contexto as práticas sustentáveis tentam ganhar maior aderência na efetividade de políticas, contrapondo um histórico de predominância estatal do modelo coronelista, que tem demostrado um estrangulamento e hoje aparenta construir um diálogo com os diferentes organismos da sociedade. Mas, e a educação, como enfrenta a questão do semiárido? UMA POSSIBILIDADE DE ANÁLISE SOBRE A QUESTÃO Por compreendermos que os textos dos documentos não se encerram na escrita, utilizamos a Análise de Discurso (AD) como orientação metodo-
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lógica, pois permite a “descrição, interpretação e explicitação dos mecanismos de produção de sentidos (...) que no fazer das ciências sociais oferece aos pesquisadores uma alternativa metodológica distante daquela, própria das ciências naturais, baseada na observação e descrição” (CUNHA, 2014, p.3). A AD entende que “os estudos discursivos visam pensar o sentido dimensionado no tempo e no espaço das práticas do homem...” (ORLANDI, 1999, p.16). Essa concepção possibilitou investigar a “prática dos homens”, no sentido de estruturadora das políticas educacionais para o semiárido. Compreendemos dessa forma que o discurso, construído nas relações estabelecidas na prática social, não é a construção de um sujeito; antes, encontra-se enraizado nas estruturas ideológicas, políticas, econômicas e culturais, estabelecendo uma relação de interdependência com o poder e a ideologia. Nesse sentido, afirma Fairclough (2008, p. 99): A análise de um discurso particular como exemplo de prática discursiva focaliza os processos de produção, distribuição e consumo textual. Todos esses processos são sociais e exigem referência aos ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares nos quais o discurso é gerado.
Na AD, segundo o autor, o texto como discurso precisa ser compreendido na perspectiva da intertextualidade, levando-se em conta as formas de produção, distribuição e consumo, o que exige uma análise histórica de tratamento dos textos, e remete às condições de produção. Compreender como os discursos são construídos através de procedimentos que buscam garantir a sua produção, distribuição e controle são tarefa do analista, a qual busca explicar o conjunto complexo e difuso que os constitui, desvendando as séries que o compõem, as regularidades e a dispersão que os formam. Diante disso, é preciso investigar qual sustentabilidade respalda a Política de Convivência, pois a lógica da convivência está fundamentada no discurso do desenvolvimento sustentável. Essa interface educação/sustentabilidade/direitos humanos sobre a região semiárida em Pernambuco traz à tona a importância de se garantir uma educação que promova a expressão e o “reconhecimento das lutas e das histórias de vida dos sujeitos que constroem suas vidas no semiárido” (MARTINS, 2006).
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LEI 14.922/2013: SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO NO SEMIÁRIDO – LIMITES E POSSIBILIDADES O discurso da sustentabilidade se apresenta na Lei 14.922/2013 através da expressão “convivência com o semiárido”. Consideramos “convivência com o semiárido” como um paradigma - no sentido de modos de pensar sobre aquela região - oposto a “combate à seca”. Nesse sentido, percebe-se uma modificação na relação com a região, pois, se outrora era a luta contra a seca, agora é a convivência com ela, já que é possível coexistir bem com o semiárido nordestino, desde que através de políticas públicas e práticas sustentáveis, considerando a sua realidade socioambiental. Silva (2003, p.361) orienta que “Tanto o combate à seca quanto a convivência com o semiárido vinculam-se a visões de mundo que orientam os conhecimentos e práticas dos atores sociais, influenciando a formulação e execução de políticas públicas no semiárido.” Nessa perspectiva, o “combate à seca” está associado ao paradigma da modernidade e ao modelo hegemônico de civilização, o qual pressupõe um desenvolvimento baseado na lógica mecanicista, tecnicista e economicista de relação do homem com a natureza. Esse modelo começou a ser criticado, no Brasil, após a Ditadura Militar. O surgimento de novas ideias de ambientalismo, de ecologia, o fortalecimento de movimentos sociais do campo, acompanhados de uma conscientização e valorização da diversidade, tudo isso colaborou para uma mudança no modo de sentir, pensar e agir as questões do semiárido. Esse movimento engendrou o que se tem chamado de “convivência com o semiárido”, a qual “está relacionada a um paradigma emergente que se baseia em uma visão ecológica, rompendo com a visão antropocêntrica de dominação e proporcionando a reconciliação do homem com a natureza” (SILVA, 2003, p. 363). Neste sentido, conviver com a natureza se opõe a combater a natureza. O embate entre combate e convivência é, aparentemente, óbvio. Porém, como a lógica da convivência – ambiental sistêmica - está fundamentada no discurso da sustentabilidade, é preciso investigar qual sustentabilidade respalda uma e outra política pública, pois a polissemia em torno do conceito de desenvolvimento sustentável multiplica os sentidos produzidos pelos discursos da sustentabilidade.
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O conceito de desenvolvimento sustentável - sendo polissêmico-, produz sentido a partir das diferentes estruturas sociais que se reproduzem ideologicamente nos discursos. Assim, observamos que o desenvolvimento sustentável que é uma bandeira dos ecologistas, foi apropriado pelo discurso da indústria capitalista, que ao invés de diminuir a produção, criou novos mercados “ecologicamente orientados” estimulando o consumo com mais um nicho no mercado. O debate social sobre desenvolvimento sustentável foi projetado pelo Relatório de Brundtland (1991), que o definiu como “aquele que responde às necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras.” (BRUNDTLAND apud LIMA, 2009, p.103) Segundo Lima (2003, p.108), o desenvolvimento sustentável apresenta duas matrizes interpretativas. A “matriz hegemônica” parte da ideia da “modernização ecológica”, ou seja, o processo de “transição para o desenvolvimento sustentável” deve ser através da “introdução de tecnologias limpas, contenção do crescimento populacional, incentivo a processos de produção e consumo ecologicamente orientados”. A ideia de associar desenvolvimento e sustentabilidade é considerada, por muitos estudiosos, como incoerente. Segundo Gadotti (2000, p.59): (...) o conceito de desenvolvimento não é um conceito neutro. Ele tem um contexto bem preciso dentro de uma ideologia do progresso, que supõe uma concepção de história, de economia, de sociedade e do próprio ser humano. O conceito foi utilizado numa visão colonizadora, durante muitos anos, na qual os países do globo foram divididos entre ‘desenvolvidos’, ‘em desenvolvimento’ e ‘subdesenvolvidos’, remetendo-se sempre a um padrão de industrialização e de consumo.
Neste sentido, no pensamento hegemônico sobre desenvolvimento sustentável prevalece a ideia de desenvolvimento que segue o padrão de industrialização e consumo. A segunda matriz interpretativa apresenta um “contra-discurso” à visão hegemônica através de uma estratégia multidimensional de sustentabilidade, a qual “tenta integrar o conjunto de dimensões da vida individual e social” (LIMA, 2003, p.108). Os que defendem essa matriz “consideram
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ainda que não há sustentabilidade possível sem a incorporação das desigualdades sociais e políticas e de valores éticos de respeito à vida e às diferenças culturais” (idem, p.109). Essa perspectiva se aproxima mais da ideia de convivência com o semiárido defendida pelos movimentos sociais. Alguns estudos realizados pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pela Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) têm fortalecido o discurso da convivência. O movimento que hoje se procede no pensar, agir e conduzir os debates acerca de um modelo de desenvolvimento apropriado para o Semi-árido aponta para a falência da lógica do combate à seca e a emergência da lógica convivência com o Semi-árido, ou em, a falência da lógica técnico-economicista para a emergência da lógica ambiental–sistêmica (CARVALHO, 2004 s/p).
É possível verificar que não é uma questão de certo ou errado, de verdadeiro ou falso desenvolvimento sustentável, mas sim de perceber qual dessas concepções oferece alternativa ao paradigma cartesiano-mecanicista em esgotamento, mas ainda presente nas políticas públicas. Essa nova abordagem sobre a região semiárida traz à tona a importância de se garantir uma educação que promova a expressão e o “reconhecimento das lutas” e das “histórias de vida” dos sujeitos que constroem suas vidas no semiárido como afirma Martins (2006). Assim, vemos que a educação no semiárido entra em pauta nas políticas públicas na perspectiva da sustentabilidade, que só é possível através do reconhecimento da diversidade da região. Para o propósito deste artigo, analisaremos a concepção de desenvolvimento sustentável e o entendimento de educação contido na Lei 14.922/2013. Essa Lei parte de uma compreensão sobre semiárido fundamentada numa concepção de sustentabilidade. Disso, elege-se a educação contextualizada como uma das diretrizes para se alcançar a convivência com o semiárido. O artigo 3º no inciso 4, afirma:
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(...) educação contextualizada, devendo ser estabelecido, sob responsabilidade da Secretaria de Educação, programa de formação contínua em Educação para Convivência com o Semiárido para todos os professores das escolas da Rede Estadual localizadas nos municípios do Semiárido Pernambucano, em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei Federal nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, bem como com os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN. (PE, 2013)
A partir dessa diretriz, é preciso questionar qual a concepção de educação contextualizada que vai orientar a construção de uma convivência com o semiárido. Educação contextualizada pode ser entendida como “descolonizadora”, por ser contrária ao saber imposto pelos “colonizadores” (elite) como um saber neutro, universal e puro, ou seja, aquele que se assenta em uma pseudo-neutralidade capaz de apagar as diferenças e com isso esvaziar o ensino, as metodologias e os processos próprios da cultura diversa do semiárido (MARTINS, 2006). Gadotti desenvolve uma compreensão sobre “ecopedagogia” que podemos aproximar ao conceito de educação contextualizada como descolonizadora. Assim afirma o autor (2000, p.79): O desenvolvimento sustentável tem um componente educativo formidável: a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação. É aqui que entra em cena a ecopedagogia. Ela é uma pedagogia para promoção da aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana.
O autor levanta a importância da vida cotidiana e ao fazermos a relação com o conceito anterior de educação descolonizadora, inferimos que uma educação contextualizada não pode partir do “colonizador”. Essa concepção é recorrente nos movimentos sociais, porém, temos visto também outras abordagens sobre educação contextualizada, - que não necessariamente se contrapõe a visão anterior – que a define como aquela que dá oportunidade de:
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(...) aprendizagem que considere a realidade em que estão inseridos (produtores familiares, quilombolas, indígenas), aliando a produção do conhecimento com a prática, no intuito de fomentar ‘uma cultura empreendedora’, buscando a inserção no mercado competitivo (PROJETO PERNAMBUCO RURAL SUSTENTÁVEL, 2011) 6.
Entendemos que o discurso de educação contextualizada apresentado na Lei 14.922/2013 se aproxima do entendimento de educação contextualizada do Projeto Pernambuco Rural Sustentável. Tanto a Lei quanto o Projeto citados, foram construídos no mesmo Projeto Político de Gestão. Assim, observa-se que a questão sobre qual sustentabilidade se deseja, apesar de não dito na Lei 14.922/2013, se faz presente na relação entre os documentos, ao enfatizar, no artigo 2º, (...) estabelecer diretrizes básicas para implementação de políticas públicas permanentes no meio rural de Pernambuco, na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável, assegurando às populações locais os meios necessários à convivência com as condições adversas do clima semiárido, especialmente nos períodos de longas estiagens. (PE, 2013. Grifo nosso).
Sendo a educação contextualizada uma das diretrizes estabelecidas na Lei 14922/2013, entendemos que “educação contextualizada na perspectiva do desenvolvimento sustentável” é uma formação discursiva em que é preciso analisar a articulação entre o linguístico, o social e o histórico – no caso desta análise o social e o histórico estão situados na relação entre a Lei 14.922/2013 e o Projeto Pernambuco Rural Sustentável que fazem parte do mesmo projeto de Política Estadual de Convivência com o Semiárido (SARA 2012), salientamos ainda que a construção desses documentos não considerou a participação da Secretaria de Educação - a esponsável pela formação de “todos os professores” através de um programa de formação continuada em Educação para Convivência com o Semiárido conforme o artigo 3º no inciso 4, já citado. Diante do exposto, apresentaremos a produção de um sentido possível dessa relação. Após a Constituição de 1988, a pressão dos movimentos sociais e o 6 Disponível em www.sara.pe.gov.br
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avanço nos marcos regulatórios sobre os direitos humanos (sobretudo no século XXI) é possível constatar uma ampliação no debate sobre diversidade e sustentabilidade nas políticas públicas. Observe-se neste sentido a existência de um Eixo da CONAE7: II “Educação e Diversidade: justiça social, inclusão e direitos humanos.”, como também a 10º diretriz do PNE8 2011-2020 “Promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental”. O discurso da diversidade/sustentabilidade levanta uma pluralidade de bandeiras entre elas, a globalização da economia (SOUZA SANTOS, 2005), criando novos padrões de sociabilidade. Neste sentido, observa-se a emergência da lógica ambiental-sistêmica - convivência com o semiárido - em substituição à lógica técnico-economicista - combate à seca - (CARVALHO, 2004). Porém, entende-se que isso não significa, necessariamente, uma mudança de paradigma. A propagação do paradigma da sustentabilidade começa a ganhar corpo nos debates realizados a partir de 1972 na Conferência de Estocolmo, que tinha como finalidade tratar das questões ambientais e sua relação com o desenvolvimento. A sua definição passou a ser amplamente divulgada como o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras também atenderem às suas próprias necessidades. Também trás a solidariedade enquanto o princípio ético que deverá guiar os processos de desenvolvimento. Outra questão muito presente se centra na certeza de que os recursos naturais não são eternos, precisam ser cuidados e gerenciados a partir de outra lógica, um ideal ecológico que indique limites quanto ao uso e vise à integração do potencial dos recursos com utilização racional. Entretanto, no Brasil, os princípios do desenvolvimento sustentável, foram impostos por organizações estrangeiras de financiamento, passando a constituir as pautas de governo e também incorporado na sociedade civil, contudo com outros conceitos, em uma perspectiva contra hegemônica, não atrelados à logica do mercado. Isso implica outra formação humana, e nesse contexto se apresenta o papel da educação, principalmente em relação aos grandes vilões: poluição dos rios e das praias, o uso intensivo de agrotóxicos na agricultura e o 7 Conferencia Nacional de Educação, Disponível em: http://conae2014.mec.gov.br/ 8 Plano Nacional de Educação
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desmatamento. Implica também a proposição de diretrizes para políticas educacionais que assegurem a escolaridade como direito humano nas redes públicas de ensino no semiárido de Pernambuco, na perspectiva da sustentabilidade, rompendo com as ênfases de combate na construção de lógicas de convivência e políticas educacionais articuladas com as demais políticas direcionadas para a convivência com o semiárido além da presença de mecanismos de monitoramento das políticas de educação que assegurem o processo de avaliação participativa. Nesse sentido, compreendemos a política pública como o conjunto de ações coletivas, elaboradas no confronto negociado de interesses, voltadas para a garantia dos direitos humanos, entre eles a educação, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda, em diversas áreas. Mas como fazer com que as políticas desdobrem-se em planos, programas e projetos? Como garantir sistemas de acompanhamento e avaliação? A política em tela, implementada sem a interface com as instâncias responsáveis pela educação, determina que tipo de educação - educação contextualizada- deva ser objeto da/na ação pedagógica das escolas, das salas de aula no universo do semiárido. Entretanto, não especifica como será seu financiamento e nem como se dará o acompanhamento e avaliação de sua ação. E nem qual será o conteúdo da formação docente. Nesse sentido, salientamos que a educação, a partir da Carta Magna de 1988, torna-se um direito social inafastável, instrumento necessário e indispensável à formação plena. Como atividade humana, a educação não diz respeito apenas a cada indivíduo, essa é uma questão pública e precisa ser tratada como tal. À GUISA DE UMA CONCLUSÃO Chuva mata minha fome, minha sede Homem pobre como eu sabe esperar, lutar Pra depois colher o seu feijão Dono do chão com seus irmãos (A fé do lavrador. Dominguinhos/Janduhy Finizola)
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A referida lei ao definir que deverá haver um curso de formação, sem precisar os critérios e conteúdos nos permite questionar sobre quais princípios esse curso será oferecido? Quais as bases de formação que se pretende realizar? Por que o semiárido aparece apenas como um problema para os professores que atuam no semiárido? Porque essa questão não se apresenta como uma demanda do Estado e figura enquanto problema local? Qual o conteúdo da formação? Inferimos que uma possibilidade de formação poderia ser pautada em quatro eixos, a saber: Educação Direitos Humanos e Convivência com o Semiárido; Educação, Direitos humanos: democracia e marcos regulatórios; Educação, direitos humanos e política de convivência com o semiárido e Plano de Ação Educacional e Avaliação. Se a política em questão continuar sendo tratada como aponta Lowi (apud Souza, 2006), como políticas públicas distributivas, caracterizadas por serem direcionadas a determinado recorte da sociedade e do território, continuarão a assegurar o status quo até aqui vivenciado, que se ancora no coronelismo, no latifúndio e na monocultura. Um novo paradigma precisa se ancorar em outra base, a saber, a participação efetiva das comunidades a serem beneficiadas contrariando a antiga lógica das políticas voltadas para a oferta. Como já afirmou Dias (2004) o semiárido é um sistema socioambiental complexo onde se observam processos materiais de ordem física, biológica, simbólica, econômica, política e tecnológica que podem comportarse para a sustentabilidade ou a insustentabilidade da região. A seca é um fenômeno natural e ecológico. E deve assim ser tratada, dissociando-a do fenômeno da miséria, que é eminentemente político. Nesse sentido, torna-se imprescindível a busca pela valorização da cultura local; mostrando a imagem positiva do semiárido, com desenvolvimento de material pedagógico e informativo para as famílias e comunidades envolvidas. Além do investimento acerca de métodos sobre a captação e o armazenamento de água e preservação do meio ambiente saudável.
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Letícia Ramos RESUMO O presente estudo analisa a importância do respeito à diversidade e raiz histórico-cultural do povo indígena Fulni-ô, no processo de ensino e aprendizagem de três escolas estaduais indígenas, localizadas no Aldeamento Fulni-ô na cidade de Águas Belas no semiárido do Estado de Pernambuco. Com essa pretensão, apresenta-se nesse artigo, o recorte de uma pesquisa desenvolvida com professores indígenas Fulni-ô, escolhidos aleatoriamente entre os professores de Ensino Fundamental e Ensino Médio dessas escolas. Objetivou-se identificar de que forma vem sendo preservada a cultura e a raiz histórica do povo indígena Fulni-ô na ação docente, diante da necessidade de convivência e interação com o currículo de escolas estaduais não indígenas em Pernambuco. A amostra do estudo constituiu-se de quinze (15) professores do ensino fundamental e quinze (15) professores de ensino médio, num total de trinta (30) professores. Como indicadores de resultados, utilizou-se uma enquete sobre a forma como tem sido preservada a especificidade cultural indígena Fulni-ô na práxis educativa, frente a ausência de um currículo específico e bilíngue. Para facilitar a coleta, tratamento e análise de dados, a enquete foi organizada em fichas e através de estatística descritiva e análise comparativa de conteúdos, realizou-se a tabulação dos dados. O estudo realizado permitiu identificar a formação continuada como um elemento-chave na luta pela minimização das dificuldades de planejamento e ensino que os professores indígenas Fulni-ô vêm apresentando para promover o diálogo entre os eixos de sua cultura e o currículo escolar na e para a condução do processo de ensino e de aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: Diversidade cultural. Educação Escolar Indígena. Sustentabilidade
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INTRODUÇÃO A política educacional brasileira nos dias atuais tem vislumbrado para a Educação Básica a necessidade da reestruturação curricular com vistas à inclusão da diversidade cultural na práxis educativa de todas as etapas de escolaridade. Um dos principais objetivos é assegurar no processo de construção do conhecimento a valorização e o respeito às diferenças culturais que se materializam a partir das experiências educacionais desenvolvidas dentro e fora das escolas. Partindo dessa premissa, políticas públicas de incentivo a preservação e respeito aos direitos humanos e a afirmação identitárias dos movimentos sociais e grupos étnicos raciais, têm sido discutidas e sancionadas na legislação brasileira. É o caso da Lei Federal nº 10.639/03 (BRASIL, 2003) cuja proposta é a inserção de estudos sobre as relações étnicos raciais e a História da cultura afro e africana no currículo da educação básica, objetivando afirmar o direito à diversidade étnico-racial na educação escolar afro e africana no currículo da educação básica, objetivando afirmar o direito à diversidade étnico-racial na educação escolar. Essa lei foi revogada cinco anos mais tarde pela Lei Federal nº 11.645/2008 (BRASIL, 2008) a qual estabelece a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro- brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino. Um dos principais indicadores de busca pela inclusão da diversidade cultural afro-indígena na educação escolar do país, refere-se ao desenvolvimento de projetos e ações que atendam as proposições dessas leis e se fundamentem nos princípios do paradigma da complexidade1, “que valoriza o local, a diversidade cultural e a construção e afirmação de identidades dos sujeitos sociais” (MORIN, 2009). Nesse caso, o planejamento e a execução de projetos de extensão nas 1 É a capacidade de interligar, ou seja, a capacidade de juntar e construir aquilo que nunca deveria ser separado. E em relação a educação, ao conhecimento e a formação afirma que o conhecimento do conhecimento não pode fechar-se em fronteiras estritas, pois o conhecimento não é insular, mas peninsular e, para conhece-lo, temos que liga-los ao contexto mais amplo, do que faz parte. As partes devem ser interligadas entre si.´ (MORIN, 2009, p.26).
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universidades que promovam momentos de estudos para professores e profissionais da educação básica em relação a importância do respeito à diversidade cultural e à sustentabilidade da raiz histórico-cultural desses grupos étnicos, especificamente aqui em Pernambuco, pode ser considerada uma discussão necessária atualmente, sobretudo para os professores indígenas Fulni-ô2, dada a relevância desta para o diálogo intercultural3 e convivência com o Semiárido, ao considerar as questões, contradições e soluções formuladas e implementadas, e, sobretudo, porque são estudos que valorizam os saberes, os conhecimentos e o modo de vida gestados no próprio território. Por esse viés, o Plano Nacional de Educação em Direito Humanos o (PNEDH) dar ênfase a afirmação de que “...todas as politicas públicas devem considerar a perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de oportunidade e de equidade, no respeito à diversidade e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã. (BRASIL, 2008). Essa perspectiva nos leva ao entendimento de que endossar o debate no cenário educacional sobre a problemática de inclusão da raiz históricocultural do povo indígena no Currículo da Educação Básica, conforme preconiza a Constituição Federal (1988) e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH, 2008) do país, pode ser considerado hoje, um dos principais caminhos para assegurar o direito à uma escolaridade de qualidade social e à diversidade cultural ao povo indígena Fulni-ô que vive no Aldeamento Fulni-ô localizado no município de Águas Belas – sendo um dos municípios do semiárido de Pernambuco, conforme número de ordem 04, expresso na tabela relacionada a seguir:
2 Pertencem a comunidade indígena Fulni-ô localizada no município de Águas Belas, em Pernambuco numa aldeia de 11.500 hectares, localizada a 500 metros da sede da cidade. Sua população é de aproximadamente sete mil índios. Além da aldeia, a comunidade possui na reserva outro local de moradia, onde habitam durante três meses por ano por ocasião dos rituais religiosos do Ouricuri (RCNEI, 2006). 3 Parte da reflexão e da crítica e contribui para a multiplicidade de saberem sala de aula, uma vez que “ atribuem sentido ao programa curricular, organizando, criticando, relacionando o objeto de conhecimento e a realidade. Exigir dos integrantes do processo a relação dialógica, (...) respeito ao outro, pelo exercício contínuo do diálogo”(FREIRE,2003, p.146)
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Municípios do Semiárido do estado de Pernambuco
Fonte: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/semarido/rel_pe.pdf
Sabemos que a educação em valores humanos é só o ponto de partida para a efetivação da educação como direito de todos e a escola como bem comum. Nesse caso, “o trabalho docente, bem como a razão de existir da própria escola, deve ter como objetivos a formação de sujeitos éticos, responsáveis e conscientes do seu papel social no meio em que vivem” (CANDAU, 2013). Sendo assim, a educação como direito, ao ter como um dos principais focos assegurar o respeito e a preservação a raiz histórico-cultural dos grupos étnicos raciais, como por exemplo os indígenas Fulni-ô, pauta-se na concepção de que, uma escola democrática se efetiva pelo desenvolvimento da cultura de uma escolaridade prolongada que se dará pela integração à escola das subjetividades dos discentes mediante a consideração, na prática pedagógica de suas culturas de origem ou de referência principal e, da integração da escola às lutas da população pelo desenvolvimento integrado, sustentável e inter/multicul-
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tural (SOUZA, 2001, P. 153).
Essa perspectiva exige do processo educacional, a vivência de uma ação intencional que priorize o diálogo entre culturas e das culturas como compromisso político e social de incentivo a discussão e o desenvolvimento de conteúdos de aprendizagem nos espaços escolares, pois, “só através de uma educação corajosa que contribua com a transformação do povo e do homem “povo” em sujeitos históricos, sujeitos de sua história é que se pode contribuir para a construção de novas atitudes e para o conhecimento da visão de mundo dos estudantes” (FREIRE, 1995, p. 42-45). Com base nessa perspectiva, situa–se o eixo de nosso trabalho, ou seja, entender de que forma está sendo preservada a cultura e a raiz histórica do povo indígena Fulni-ô na ação docente de suas escolas, diante da convivência e interação com o currículo das escolas estaduais não indígenas de Pernambuco, em detrimento “a um currículo próprio, específico e bilíngue, direito assegurado pela legislação para as comunidades indígenas no Brasil” (LDBEN (1996); RCNEI (2006), dentre outros). Desse modo, apresenta-se nesse artigo, o recorte de uma pesquisa realizada com professores de três escolas indígenas Fulni-ô, cujo indicador de resultados foi uma enquete com o seguinte questionamento: de que forma tem sido preservada a especificidade cultural indígena Fulni-ô na ação docente de suas escolas, diante da ausência de um currículo específico e bilíngue? METODOLOGIA O estudo desenvolveu-se através de atividades de pesquisa bibliográfica e de enquete aplicada a quinze (15) professores de ensino fundamental de duas (02) escolas e quinze (15) professores de ensino médio de uma (01) escola, todas escolas indígenas Fulni-ô localizadas no município de Águas Belas no Estado de Pernambuco. No conjunto desses professores, (20) vinte possuem Licenciatura Intercultural Indígena e, também, Pedagogia e dez (10) apenas Licenciatura em Pedagogia, perfazendo um total de trinta (30) professores envolvidos na pesquisa. Além de aplicação da enquete, houve também uma roda de conver-
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sas informais in “LÓCUS”. Utilizou-se como indicadores de resultados i) pesquisa bibliográfica; ii) pesquisa de campo através de aplicação de enquetes ; iii) técnicas de leitura, compreensão, interpretação e análise comparativa dos dados das enquetes coletadas, visando a organização dos resultados através de gráficos estatísticos. RESULTADOS E DISCUSSÕES Partindo do pressuposto de que um dos maiores desafios para a escola de Educação Escolar Indígena no contexto atual, é considerar no eixo curricular a utilização de sua raíz histórico-cultural como meio de desenvolvimento sustentável e preservação de seus costumes e tradições frente a divergências presentes numa sociedade multicultural (RCNEI, p. 54), procurou-se conhecer por meio da aplicação de uma enquete (distribuída através de fichas) a compreensão de professores indígenas Fulni-ô em atuação no ensino fundamental e médio quanto ao seguinte questionamento: de que forma tem sido preservada a especificidade cultural indígena Fulni-ô na ação docente de suas escolas, diante da ausência de um currículo específico e bilíngue? Os resultados das enquetes respondidas por 100% dos professores de ensino fundamental e do ensino médio revelaram que, procuram preservar a sua cultura através de diálogos com os estudantes durante as aulas e no dia a dia da convivência em comunidade. No entanto, 90º% desses professores, ressaltaram que uma das maiores dificuldades que apresentam ao planejar as aulas do componente que lecionam é, sem dúvida, articular os eixos de sua raíz histórico-cultural (Trabalho, Terra, Organização, Sustentabilidade, Interculturalidade, História e Bilinguismo) aos conteúdos da unidade didática. E acrescentaram que, inúmeras vezes, interrompem um pouco os conteúdos da unidade para explorarem a cultura e sua “Língua Materna Yaathê” durante as aulas. E no momento em que esse fato ocorre, são contagiantes a alegria e interesse dos estudantes. Nesse caso, 100% dos entrevistados comungam em seus escritos, da necessidade de formações que os oriente a estabelecer o diálogo entre sua cultura e o currículo prescrito para a educação escolar indígena atualmente, uma vez que ainda não possuem um currículo próprio e específico para tratar essa questão pedagógica–curricular.
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Apenas 10% dos professores indígenas entrevistados, salientaram que preservam a cultura e o bilinguismo através da organização de um cronograma semanal de aulas, ou seja, há momentos em que trabalham conteúdos do currículo prescrito para a serie e etapa e outros para o estudo da cultura. E alegaram que apesar do estudo da cultura e Língua Yaathê dialogar com o bilinguismo, acreditam ser necessário que haja cursos e formações que os oriente e até ensine a articular esses eixos de forma interdisciplinar no currículo escolar. Só assim acreditam que haverá sustentabilidade de sua raiz histórico-cultural. No gráfico a seguir relacionado, observamos as respostas dos professores tabuladas. Gráfico 1 – Enquete aplicada a professores indígenas Fulni-ô
Fonte: Pesquisa realizada pela autora em abril/2016
De acordo com os resultados das enquetes respondidas pelos professores, a formação continuada aparece como uma das maiores necessidades apresentadas pelos professores à melhoria da ação docente em sala de aula. Nesse caso, 100% dos entrevistados afirmam ser muito difícil planejar o ensino e a aprendizagem na perspectiva de articulação entre os eixos cul-
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turais indígenas e o currículo prescrito para cada etapa e/ou série em atuam nas escolas estaduais indígenas Fulni-ô, sendo, portanto, a formação continuada um mecanismo educacional a ser priorizado nas pautas das políticas públicas voltadas à inclusão e a educação como direito humano na sociedade atual. Partindo desse entendimento e da concepção de que estamos diante de uma sociedade em constante mudança, a qual requer profissionais com um senso de criticidade maior e autonomia na resolução de problemas, parece-nos válido ressaltar que a reflexão sobre a própria prática, o respeito e a valorização à diversidade cultural no eixo curricular das escolas indígenas Fulni-ô e do currículo da educação básica é, pois, um dos grandes desafios propostos para a política de formação de professores indígenas e não indígenas no contexto atual, uma vez que “um passo importante na formação e na melhoria profissional é desenvolver a crítica da prática educativa, pois ao praticarem a docência, os professores expressam os valores e concepções em que acreditam”. CONCLUSÕES Com base nos resultados obtidos e, nas limitações do estudo, somos levados a concluir, sabendo que as conclusões a que chegamos, não sinalizam finalização, mas abrem espaços para novas reflexões e pesquisas na área, pois entende-se que a diversidade cultural indígena sendo contemplada como direito no currículo e ação docente das escolas indígenas Fulni-ô, bem como sendo pauta de encontros e planejamento para a elaboração e execução de novas diretrizes e políticas públicas voltadas para o semiárido Pernambucano, pode viabilizar a articulação de novas formas de cooperação e interação entre professor indígena, estudante indígena e conhecimento, circunstância que dá origem a processos de aprendizagem mais produtivos e significativos. O estudo realizado permitiu identificar que, a formação continuada, é considerada pelos professores indígenas Fulni-ô, um elemento-chave na luta pela minimização das dificuldades que vêm encontrando, no momento em que planejam a articulação entre os eixos culturais de sua raíz histórica e o currículo escolar, na e para a condução do processo de ensino e aprendizagem. Esse processo requer do professor novos conhecimentos e
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metodologias de ensino e de aprendizagem, e sua atualização em momentos de formação continuada passa a ser de extrema necessidade. Assim, conclui-se apontando a necessidade de continuar se investigando as condições de inclusão da cultura indígena Fulni-ô em sua ação docente no cotidiano escolar, levando-se em consideração a importância da formação continuada e suas implicações no processo de ensinar e de aprender das escolas indígenas Fulni-ô em Pernambuco. Embora a legislação brasileira venha estimulando a formação docente e a inclusão da diversidade cultural no currículo escolar, ainda, segundo os professores indígenas entrevistados, há lacunas epistemológicas na formação desse professor, que contribuem para inviabilizar a articulação do diálogo intercultural em sala de aula. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Lei n.º 9394, de 20.12.96, Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”, in Diário da União, ano CXXXIV, Brasília, MEC/SEB, 1996. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Rio de Janeiro: FAE, 1988. BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília, Secretaria de Educação em Direitos Humanos, 2007. BRASIL Ministério de Educação e Cultura ( MEC) . Lei nº 10.639/2003. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Secretária de Educação Básica. Brasília, MEC/SECADI, 2003. BRASIL Ministério de Educação e Cultura ( MEC) . Lei nº 11.645/2008. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília, MEC/SECADI, 2003. BRASIL. Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Secretária de Educação Básica. Brasília, MEC/SECADI,2003.
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CANDAU. Vera Maria. Didática Crítica Intercultural-aproximações. Petrópolis: RJ, Vozes, 2013. FREIRE, Ana Maria. Educação para a paz segundo Paulo Freire. Revista Educação. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUC/RS, ano XXIX, n.2, p.387-393, Maio/Agosto, 2006. FREIRE, Paulo. Direitos humanos e educação libertadora. (Conferência de junho de 1988) In: FREIRE, Ana Maria (org.) Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Editora UNESP, 2003. MORIN, E.. Educar na era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana, elaborado para a UNESCO por Edgar Morin, Emílio Roger Ciurana, Raúl Domingo Motta; tradução Sandra Trabucco Valenzuela; revisão técnica da tradução Edgard de Assis Carvalho. – 3. Ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2009 SOUZA, João Francisco de. Atualidade de Paulo Freire: contribuição ao debate sobre a educação na diversidade cultural. Recife: Bagaço; Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão na Educação de Jovens e Adultos e em Educação popular. Recife: UFPE/NUPEP, 2001.
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Manoel Severino Moraes de Almeida1
RESUMO O presente artigo buscou comparar as semelhanças entre a intervenção americana na educação pernambucana, nos aos de 1962-1963 e o projeto de Lei denominado Escola sem partido. O ponto em comum é a resistência ao papel crítico das escolas como um dos espaços construtores da cidadania, seja pelo pretexto da ameaça comunista em plena Guerra Fria e combate ao movimento de Cultura Popular - MCP, como no contexto atual. Buscou-se demostrar que o projeto de Lei 867/2015 é antagônico ao Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e coloca em risco os valores da democracia e a da dignidade da infância. O presente estudo é um ensaio de caráter exploratório, aplicou-se enquanto método a revisão bibliográfica do tema, análise de conteúdo das fontes primárias e secundárias disponíveis. O marco teórico fundamentou-se na Justiça de Transição e na Teoria Crítica dos Direitos Humanos. PALAVRAS-CHAVE: Aliança para o progresso; escola sem partido; educação em direitos humanos.
INTRODUÇÃO O processo civilizatório dos povos e o aprofundamento das experiências políticas permitiu consolidar sistemas internacionais de direitos humanos que promoveu a crítica da máxima moral do Estado moderno e to1 Sociólogo, Cientista Político e Bacharel em Direito. Ex Membro da Comissão Estadual da Verdade Dom Helder Câmara e da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
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talitário, para dar lugar à “minima moralia” em que os grupos e minorias devem ser respeitados em sua dignidade e os povos tradicionais em seus costumes como destacou Theodor W. Adorno2. A democracia, nesta perspectiva dos direitos humanos, é uma construção histórica, cultural, social, econômica e política, preconizada pelo Artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos dos Direitos Humanos, que, estabelece como direitos o sufrágio universal e secreto e as eleições periódicas entre outras garantias. Na América Latina, a ideia de democracia pode ser reivindicada no Pan Americanismo,3 que defendia entre outros temas a participação popular. Em geral, os Estados foram se constituindo e o poder passou do domínio das metrópoles para os interesses dos grandes conglomerados financeiros. Esta cultura autoritária, e sua superação, está relacionada à qualidade da Justiça de Transição na América, que se efetivou através de políticas transicionais, que são um conjunto de mecanismos que visam superar as interrupções democráticas nos territórios marcados pela ausência de direitos e a redução dos danos provocados pelos traumas da violência praticados pelo Estado. Os pilares da Justiça de Transição são o direito à memória, à verdade e à justiça. Para uma melhor compreensão dos parâmetros internacionais e responsabilização recomenda-se analisar o caso do Chile4, onde as legislações criadas de autoproteção dos agentes do Estado por praticarem crimes contra a humanidade foram superados pela incorporação do direito inter-
2 ADORNO. Theodor W. Mínima Moralia: reflexões a partir da vida lesada. Rio de Janeiro: Beco do Azougue. 2008. 3 Trata-se de ideias que surgiram desde o século XVIII de solidariedade dos povos americanos diante dos países europeus. Procurou firmar um princípio de não intervenção estrangeira, de cooperação, de paz e harmonia entre Estados Americanos já constituídos. 4 CASTRO, Juliana Passos de; ALMEIDA, Manoel Severino Moraes de. Justiça transicional: o modelo chileno. In: JUNIOR, José Geraldo de Sousa et al. Introdução crítica à justiça de transição na América Latina. Brasília: UnB, 2015. p. 212-218. (O Direito Achado na Rua, v. 7). Disponível em: <http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/15-12-15-direito--achado-na-rua-vol-7_web-versao-10mb-1.pdf>.
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nacional dos direitos humanos. Na educação, o reflexo desse processo reside na garantia da aprendizagem, da memória e dos valores culturais de um povo. Trata-se de um direito transgeracional e muito sensível para as mudanças políticas dos regimes e dos sistemas de governo. O ACORDO PARA O NORDESTE E A INTERVENÇÃO NA EDUCAÇÃO Os Estados Unidos pós Segunda Guerra Mundial passou a comandar o capitalismo mundial, que assumiu um caráter monopolista e desenvolvia uma estratégia de penetração das suas corporações em escala global, com o aprofundamento da Guerra Fria5 no continente. O centro da estratégia era a dominação cultural, política e social da plataforma ideológica que o retroalimentava em uma espiral de conspirações e de cooptações de uma “nova” elite política na América Latina. Nessa dinâmica, uma das expressões mais significativas eram os grupos multinacionais multibilionários que envolviam o capitalismo nacional em uma ciranda de grandes interesses, em que o capital nacional associou-se rapidamente aos americanos. Nada se compara com a Atlantic Commnity Development Group for Latin América – ADELA. Este conglomerado, segundo Dreifuss6, integrou: “[...] 240 companhias industriais, bancos e interesses financeiros de 23 países”. O governo de Juscelino Kubistchek promoveu uma acessão de um novo grupo político de controle do aparelho de Estado. O Plano de Metas e os grupos de trabalho (organismos de consulta paralelos a burocracia oficial) e a “Aliança para o progresso”, foram responsáveis pela entrada de 5 A Guerra Fria surgiu após a Segunda Guerra Mundial, resultado da disputa militar e política por hegemonia econômica global dos Estados Unidos e a União Soviética. Trata-se de um conflito de campos ideológicos, as duas potências não vão entrar em guerra declarada, mas vão promover várias intervenções políticas em um jogo que dividiu o mundo e transformou o cenário político de vários países. 6 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, poder e golpe de classe. 3º Ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes. 1981. p.61.
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um grande volume de capital americano para ajudar no desenvolvimento do país. Este apoio também resultou na articulação de um projeto de modernização conservadora, traduzido na cooptação e formação de uma nova classe política alinhada ao interesse americano. [...] Após o encontro formal, Kubistchek e Kennedy passaram a varanda para uma conversa informal. Falaram de muitos outros temas durante o encontro. Segundo um memorando da Casa Branca, o político recordou a Kennedy que “ em maio de 1958, de pois da viagem acidentada do Sr. Nixon pela América do Sul, ele escrevera ao presidente insistindo para uma reavaliação cuidadosa da situação do hemisfério e sugeria a reformulação das políticas dos Estados Unidos para com a América latina”. Kubistchek propôs um programa abrangente de desenvolvimento para o continente, patrocinado pelos Estados Unidos, com o nome de Operação Pan- americana. Explicou que, embora tanto Eisenhower quanto o secretário de Estado Dulles mostrassem interesse por suas ideias, nunca a traduziram em ação construtiva, como esperava que Kennedy fizesse7.
A geopolítica dos EUA tratou o Pan Americanismo como uma doutrina de dominação continental, e três organismos institucionais contribuíram no seu fortalecimento na política brasileira: CONCLAP – Conselho Superior das Classes Produtoras, o IBAD (fundado em 1959) e o IPES (fundado em 1961), pertenciam a estes organismos empresários, militares, técnicos e funcionários de empresas multinacionais. O Instituto Brasileiro de Ação Democrática criado no Rio de Janeiro, em maio de 1959, e figurava como presidente Ivan Hasslocher, trata-se do dono da agência S.A. Incrementadora de Vendas Promotion, uma desconhecida agência de publicidade, fundada em 1951, em seu retorno ao Brasil. Esta agência será responsável por repasses de verbas publicitárias milionárias e seu diretor presidente também acumulava em seu currículo o fato de ter sido empregado de empresas petrolíferas internacionais que possuíam capital aplicado no Brasil. O IPES foi fundado em 29 de novembro de 1961, e representou uma 7 GREEN, James N. Apesar de vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos – 1964 a 1985. São Paulo: Companhia das letras, 2009. p.55.
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integração entre militares de alta patente e empresários conservadores. Representava o núcleo conspiratório vinculado a ESG – e centro nervoso das forças armadas8. O Governo do Presidente Goulart apresentou uma política baseada nas reformas de bases: reforma agrária; reforma urbana; reforma bancária; reforma eleitoral – incorporando o voto dos analfabetos; reforma tributária – limitando a remessa dos lucros; e reforma universitária. O Nordeste, e Pernambuco, em primeiro plano, como território, era associado ao crescimento eleitoral de políticos de partidos de esquerda, comprometidos com as reformas. Por isso o IBAD e seus associados passaram a financiar políticos para se contrapor a eleição de Miguel Arraes em 1962. Este financiamento foi denunciado na CPI do IBAD e seu relatório final demonstrou a clara articulação para desestabilizar o Governo Federal e construir um grupo parlamentar com capital político de enfrentamento ao Governo dentro do parlamento. Os militares principalmente assimilaram uma nova concepção de soberania, a soberania hemisférica ou continental, denunciado pelo deputado Eloy Dutra na oportunidade do depoimento do Governador de Pernambuco Miguel Arraes na CPI. Em síntese, o pensamento conservador entendeu que o confronto internacional era inevitável, e para isso, seria necessário que o Brasil fosse aliado dos EUA para enfrentar o “totalitarismo”. Admitiu-se até um governo fascista. Estes elementos ajudarão a elaborar a doutrina da segurança nacional como fundamento para a prática do terror como política Estatal de combate à suposta subversão comunista9. O fio da teia dos interesses conspiratórios passou a configurar um largo tecido de apoio popular diante da 8 A ESG, foi fundada em 1949, por militares brasileiros, como centro de altos estudos buscando preparar militares e posteriormente também civis, em um projeto de modernização conservadora. Seu currículo tratava também de atividade de planejamento e no campo político de estratégia econômica e social do novo capital. 9 A respeito da Doutrina de Segurança Nacional, conferir: Ideologia da segurança nacional, publicada por Joseph Comblin em 1979, El terrorismo de Estado: la doctrina de la seguridade nacional en el Cone Sur, publicado em 1980 por Jorge Tapia Valdés, El pensamiento politico de los militares, publicado em 1981 por Genaro Arraiagada Herrera e O estado militar na América Latina, publicado em 1982 por Alain Rouquié.
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moldura anticomunista, apresentada pelos meios de comunicação, de ações voltadas a se contrapor ao que seria relacionado “ameaça comunista”. Para um maior entendimento sobre o tema da CPI do IBAD, recomenda-se a leitura do caderno especial sobre o IBAD, da Comissão da Memória e Verdade Dom Helder Câmara Volume V10, onde demonstrou-se a forte relação do financiamento americano para grupos conservadores nas eleições de 1962 contra o governador Miguel Arraes de Alencar. Foram revelados, na CPI do IBAD, documentos do financiamento de intelectuais, artistas e também de sacerdotes e suas obras sociais. Nos anos 1960, o Ministério da Educação brasileiro (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID) assinaram uma série de acordos. Pactuou-se prestar através deles assistência técnica e cooperação financeira à educação brasileira. Os projetos eram marcados pelo conteúdo tecnicista na educação, ou seja, da teoria do capital humano. Nesta concepção de ensino o pressuposto é a formação para o desenvolvimento econômico. Em Pernambuco, o governador Miguel Arraes, em 1963, através do Ato nº 1.637, de 12 de fevereiro de 1963, instituiu um Grupo de Trabalho para investigar os acordos e contratos firmados pelo governo do Estado com a United States Agency for International Development – USAID / Aliança para o progresso em Pernambuco, e publicado no mesmo ano11. O Grupo de trabalho era composto pelos seguintes membros: Prof Germano Coelho – presidente e relator, Prof Augusto F. do N. Wanderley Filho, Dr Luiz Pandolfi, Dr Salomão Kelner, Prof. Antônio Bezerra Baltar, Dr Gildo Gerra. Iniciou em 12 de fevereiro de 1963 e concluiu os trabalhos em 1 de maio de 1963. O relatório do grupo de trabalho foi entregue em 1 de maio de 1963, e registrou uma análise pormenorizada do acordo assinado pela USAID e a 10 PERNAMBUCO. Comissão da Memória e Verdade Dom Helder Camara. IBAD: Interferência do Capital Estrangeiro nas Eleições do Brasil. v.5. Recife: Secretaria da Casa Civil do Governo do Estado de Pernambuco. 2016. 11 PERNAMBUCO. Aliança para o Progresso: Inquérito – Exame dos acordos celebrados com a USAID/Brasil em Pernambuco e Parecer do Grupo de Trabalho criado pelo Governo do Estado. São Paulo: Brasiliense. Série Documentos de Hoje 3. 1963.
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Aliança para o Progresso em Pernambuco inserido no Acordo do Nordeste. Cabia a Sudene incluir no seu Plano Diretor os relatórios e a implementação do programa de cooperação Brasil e Estados Unidos no denominado acordo bilateral Aliança para o Progresso Brasil. Porém, no acordo assinado com o Estado de Pernambuco não figurou a Sudene como parte legitima para representar o Estado União. Dentro do Acordo do Nordeste, Pernambuco foi contemplado com 5 convênios: nas áreas de educação, saúde, habitação, colonização e abastecimento de água. No convênio sobre Educação, o acordo previu a criação do Serviço Educacional da Aliança para o Progresso (SEAPP) como órgão destinado a executar o Programa. O Diretor do Serviço Educacional tornou-se o Secretário de Educação e Cultura, nos termos do Acordo, e, de fato, todos os poderes de elaboração dos projetos e controle dos mesmos ficaram sob co-direção brasileiro-americana, através do Diretor do Serviço Educacional e do Representante da USAID/ Brasil junto ao mesmo12. Na segunda parte do relatório, o professor Germano Coelho passa a analisar criticamente o Convênio, o primeiro pressuposto analisado é o fato do estado de Pernambuco não poder figurar no Convênio pelo simples fato de não ser pessoa jurídica de direito internacional. Em segundo lugar, denuncia que o técnico norte-americano Philip R. Schwab, na qualidade de “assessor para Educação USAID/Brasil” comunicou ao Diretor do Serviço Educacional da Aliança para o Progresso de Pernambuco a suspensão das verbas para o fundo destinado ao pagamento de matérias diversos, combustível, aluguéis e salários, só admitindo o pagamento em compromissos já aprovados pela USAID/Brasil, pelo fato do governo do estado não ter enviado até 31 de janeiro de 1963, seu relatório e plano de operações para o trimestre em curso13. Germano Coelho alertou o mais grave: Esta interferência estrangeira, até no que concerne à “criação de uma política geral de educação para o Estado” (Acordo, II, item I) fere frontalmente a Constituição Federal (1946), no seu artigo 5º, item XV, letra “d”: ‘Art. 5º - Compete à União: XV –
12 PERNAMBUCO. Op cit, ,1963. p. 26. 13 Ibid. p. 51-52;
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legislar sobre: d) – diretrizes e bases da educação nacional14”.
EDUCAÇÃO PARA OS DIREITOS HUMANOS: NOVOS TEMPOS E VELHAS AMEAÇAS O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos15 positivou as bases para a construção de um projeto político pedagógico crítico onde os conteúdos de direitos humanos foram listados e enumerados. A reação conservadora ao plano é o Projeto de Lei 867/2015, de autoria do deputado Izalci Lucas Ferreira do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) do Distrito Federal, que tem como objetivo incluir entre as diretrizes e bases da educação nacional o “Programa Escola Sem Partido”. O projeto em tela fundamenta-se no anteprojeto desenvolvido pelo movimento Escola Sem Partido, do jurista Miguel Nagib. Vale ressaltar que um projeto de igual teor, também baseado no anteprojeto apresentado pelo movimento está em tramitação no Senado Federal, de autoria do senador Magno Malta, do Partido da República (PR-ES). Na tramitação no Senado da República o referido projeto, o PLS No 193/2016, tem como relator o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). O Art. 3º do PL 867-2015, explicita bem o que se deseja impor em sala de aula: Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdo ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.
Em linhas gerais, pretende-se limitar o educador em sala de aula para que seja mero reprodutor de conhecimento e criminalizar o pensamento crítico. Trata-se de uma visão reducionista em relação ao próprio futuro 14 Cf. PERNAMBUCO, 1963. p. 52. 15 BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministério da Educação, 2006. 70 p.
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do país. É na verdade as bases de um laboratório monocolor, monocrático e acrítico. Paulo Freire, por sinal, já alertou para este tipo de projeto reducionista, quando alerta: “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros”16. A Escola sem partido, é um modelo pautado na educação bancária, o “saber” seria uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Essa doação consolidaria o que Freire chama de “absolutização” da ignorância. O projeto é inconstitucional por ameaçar o interesse maior da criança como preconiza o sistema de garantias e direitos, que está consagrado no Estatuto da Criança e Adolescente: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único: a garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude17. As lições de Antônio Gramsci, em “Cadernos do Cárcere”, v.218, des16 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra, 1987. p. 33. 17 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8.069/1990. Secretaria Nacional de Direitos Humanos – SDH/PR. Brasília, DF, 2011. 18 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Os intelectuais. O princípio educativo. v. 2. 3º Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
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tacam o papel dos intelectuais como um grupo autônomo e independente que constrói, em cada grupo social a que pertence, as condições para atuar na direção da sociedade. taca:
No texto “Os intelectuais e a Organização da Cultura”, Gramsci des[...]Na verdade, o operário ou proletário, por exemplo, não se caracteriza especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por este trabalho em determinadas condições e em determinadas relações sociais (sem falar no fato de que não existe trabalho puramente físico e de que mesmo a expressão de Taylor, “gorila amestrado”, é uma metáfora para indicar um limite numa certa direção: em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual friadora). [...] Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer, então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais19.
A contribuição da sua teoria política é extremamente importante para discutirmos a escola enquanto espaço que torne a pessoa humana integrando a um projeto de sociedade e de soberania onde o estudante é chamado para ser protagonista de uma comunidade escolar unitária, que significa: [...] o início de novas relações entre o trabalho intelectual e o trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso refletirse-á em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo20. Em outro volume da coleção “Cadernos do Cárcere”, v.4, Gramsci, destaca: “[...] melhor preparação é dada pelo complexo ensino “humanista”
19 Id. Os intelectuais e a Organização da Cultura. 2º Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p.7. 20 Idem, p.125.
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(história, literatura, filosofia)21. Através dos seus escritos, Gramsci estruturou a proposta de escola unitária reconhecendo o sujeito histórico através do empoderamento de seus direitos e de sua consciência política, trata-se de uma educação, como já dito, humanista. Os conteúdos e seus propósitos, todos focados na importância da defesa da dignidade da infância. Esta dignidade da infância é o grande legado da filosofia de Rousseau, partindo do princípio de que somos bons, por natureza, então, na prática ninguém seria vocacionado a praticar um delito. Em sua obra “Emílio” pode-se encontrar as bases da educação que será promovida na França pós Revolução Francesa. Este texto tornou-se, posteriormente, balizador da educação como conhecemos hoje, buscou-se, em síntese, fazer um contraponto à tese escolástica de que se deveria tratar as crianças como se fossem adultos. Rousseau foi o autor que revolucionou a educação ao compreender, no século XVIII, que os educadores deveriam respeitar o tempo da infância, trazendo para a escola o universo infantil e não o universo adulto. Logo, a escola deveria despertar os três grandes educadores: as formas, as pessoas e a ética. A criança, no sentido libertário, deveria lidar com esses três universos e quanto mais tarde ela se aproximasse do mundo das responsabilidades, mais tarde ela seria menos distorcida pela ganância do lucro, engendrando em seu espírito os valores que constituem o lastro de um futuro cidadão. Dialogando com o pensamento moderno diz o Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade22. Neste sentido, a dignidade do direito da criança e adolescente resul21 Id. Cadernos do Cárcere. Temas de cultura. Ação Católica. Americanismo e fordismo. v.4. 3º Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.69. 22 BRASIL. Op. Cit.. 2011.
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tou de uma ampla luta por direitos consolidados na Constituição de 1988. E que tem sido ameaçada por um processo político-jurídicos de produção de uma trama de interesses bastante complexa e utilitarista. Como destaca Höffe: [...]O utilitarismo é compreendido como a ética do bem estar coletivo de efeito mais vigoroso [...] Supondo-se que o bem estar coletivo seja maximizado, então o utilitarismo permite que se punam inocentes ou que se instaure a escravidão, dando razão à crítica de Marx e Engels quanto à exploração do homem pelo homem23. O crescimento do sistema político utilitarista promoveu uma racionalidade focada na intrínseca contradição entre a liberdade e o controle. É desse processo que surgiu a metáfora do contrato social onde os indivíduos abrem mão de suas vontades soberanas para assimilar a auto obrigação voluntária. A democracia, a partir de um olhar crítico, possui a capacidade de garantir as diferenças, defendendo o pensamento e a existência das minorias, principalmente porque a maioria pode esmagar a minoria, e em um país com uma brutal desigualdade social e regional, pode se transformar em um pacto legitimador das diferenças e não da construção de uma nação plural, e neste sentido desprezar os direitos humanos, considerando “uma alienação”. Somou-se a ideia de um contrato social plural a integração do Direito Internacional dos Direitos Humanos. E fundamentado no reconhecimento que o pacto social pode ser “unilateral” e com isso imposto por maiorias de ocasião. O contraponto da lógica utilitarista é a consolidação, portanto, de uma agenda de direitos humanos relacionado à real capacidade de diagnosticar as lacunas nos processos democráticos, de Justiça de Transição. CONCLUSÕES A formulação de políticas públicas é lugar privilegiados para conseguir convergir divergências, críticas e por outro lado, mediar processos. Consolidar os direitos humanos é assumir compromissos internacionais 23 HÖFFE, Otfried. A Democracia no Mundo de Hoje. São Paulo: Martins Fontes. 2005. p.4243.
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que o Brasil faz parte e, ao mesmo tempo, no âmbito interno, consolidar vários sistemas de garantias de direitos econômicos, sociais e culturais. A consolidação de uma escola com qualidade social representa um direito subjetivo assegurado pela Constituição de 1988. Consolidou-se uma gramática dos direitos humanos e referências do dever ser do Estado diante dos seus cidadãos. Logo, o papel das organizações de ensino transcende, significativamente, o seu dever de regular o direito interno, mas também de assegurar os valores da democracia e da dignidade da infância. É neste diapasão que o presente trabalho faz ressoar as críticas ao modelo de escola sem partido, apontando seus limites ao negar a criticidade e os elementos fundamentais para educação em direitos humanos como é o conflito. A escola não pode ser limitada no seu fazer pedagógico e muito menos as redes de ensino podem admitir transformar o educador em um mero ventrículo de conteúdo. A pretexto do medo de partidarização da educação. Como foi no passado, o dito medo do “comunismo”. Demonstra-se, portanto, que o pensamento conservador tecnicista tem raízes no alinhamento ao interesse do capital. Por consequência, o saber crítico hoje é também uma questão de soberania, negar-lhes este direito é negar a dignidade soberana do poder popular e aprofundar o fosso das desigualdades. REFERÊNCIAS ADORNO. Theodor W. Mínima Moralia: reflexões a partir da vida lesada. Rio de Janeiro: Beco do Azougue. 2008. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8.069/1990. Secretaria Nacional de Direitos Humanos – SDH/PR. Brasília, DF, 2011. _______. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministério da Educação, 2006. 70 p. CASTRO, Juliana Passos de; ALMEIDA, Manoel Severino Moraes de. Justiça transicional: o modelo chileno. In: JUNIOR, José Geraldo de
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Maurício Antunes Tavares O sertão nordestino emergiu no imaginário nacional, entre o final do século XIX e meados do século XX, como lugar de oposição ao litoral (espaço natural) e ao civilizado (espaço social). Como espaço social, a referência ao sertão, ou aos sertões, era a forma genérica de se referir aos refúgios dos “índios bravios”, dos inimigos protegidos por uma natureza hostil, das riquezas desconhecidas e das mitologias. Depois, como um substantivo próprio passou a nomear um lugar no “norte”, um espaço longínquo, habitado por gente de valor, mas desgraçada, castigada pela natureza; um lugar que necessitaria da ação modernizadora para melhor aproveitar suas riquezas e incorporá-lo à civilização nacional, tal como o requer Monteiro Lobato em Urupês. O regionalismo nordestino se construía a partir de um discurso da seca. Era esta o principal acontecimento a explicar todas as calamidades sociais: a migração, o messianismo, o cangaço. A imagem dos emigrantes, dos retirantes, dos acossados pela seca povoaram a música (Luiz Gonzaga), a pintura (Portinari), e literatura (João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, entre outros). No Sertão dos séculos XIX e XX, com exceção do tempo da “ciclo do algodão”, a agricultura era considerada uma atividade secundária do ponto de vista econômico, mas fundamental para o abastecimento da população local. Nos anos em que havia o “inverno” o modo de vida do agricultor sertanejo consistia em preparar a terra nas primeiras chuvas e plantar o milho, a fava, o feijão, o jerimum, tudo colhido até o mês de junho. A época seca, quando em ano de chuvas regulares era suprida pelos produtos que os sertanejos cultiva na época das chuvas. Em anos em que chovia pouco, este delicado equilíbrio era quebrado. Até para a pecuária, atividade principal da economia sertaneja, a seca inviabilizava a produção, pois que diminuía as áreas de pasto. Assim, quando atingida por ciclos de estiagem prolongada, as grandes secas, a região contribuía fortemente para intensificar movimentos migratórios, ao longo dos séculos 19 e 20, rumo ao litoral, ao Sudeste, Centro-Oeste e Norte do Brasil.
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No inicio do século XX o fenômeno da seca motivou a criação do primeiro órgão da administração federal dedicado ao Nordeste, a Inspetoria de Obras Contra as Secas ( IOCS) em 1909, depois IFOCS, em 1919, acrescentando o “federal” até receber a atual denominação de Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – DENOCS, em 1945. Durante toda sua existência, essa instituição realizou ações destinadas à acumulação de recursos hídricos, baseada na noção de “combate à seca”, como consta em seu nome, especialmente por meio da construção de açudes, poços artesianos e adutoras, atuando como uma empreiteira estatal em toda Região Nordeste. As ações do DNOCS foram objeto de críticas por parte de Celso Furtado e do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN – que em meados da década de 1950 Nordeste. A principal crítica ao DNOCS era por este não promover a irrigação, limitando-se a fazer obras de acumulação, o que explicaria em parte, a não alteração do quadro de desenvolvimento socioeconômico na região. Além do que, no entendimento deste grupo e de Celso Furtado (2007), particularmente, o semi-árido nordestino era superpovoado, tina um excedente de população que vivia ameaçada por um déficit alimentar em função da instabilidade na produção agrícola, subtraída de tempos em tempos pela seca. A açudagem, por si só, sem se vincular aos projetos de irrigação em assentamentos, não alterava a qualidade de vida no Sertão. Depois de criada a SUDENE, por pressão politica desta, coube ao DNOCS assumir a responsabilidade de implantação de projetos de irrigação, desde a construção do sistema de irrigação, até a gestão da água nos perímetros irrigados, passando pela desapropriação da terra, divisão dos lotes e instalação dos “colonos” em suas novas casas. Assim, encarregado de implantar um modelo concebido de amortecer as tensões sociais no campo – esmagando-as pela verticalidade das decisões governamentais, ainda mais arbitrária quando na ditadura militar – o DNOCS tornava-se o braço executor das politicas do Estado brasileiro para modernização do Sertão, que buscava, sobretudo, reestruturar a agricultura regional a partir dos interesses do setor agroindustrial e exportador. Vários fatores provocaram o fracasso de algumas das áreas de irrigação implantadas pelo DNOCS, a partir dos anos de 1970. Naquele momento da história do país em pleno período do autoritarismo, havia a certeza, por parte dos agentes do governo de que o problema pelos erros que estavam acontecendo não se devia ao modelo tecnológico adotado, que foi corroborado por assessores vindo de Israel, Espanha e outros países com experiência na irrigação. No DNOCS e também nos outros órgãos gover-
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namentais envolvidos, o discurso para justificar os erros versava sobre o paternalismo e sobre a inadequação da escolha dos “colonos” para os assentamentos irrigados. O Fato é que decorridos praticamente um século de intervenções estatais nas ocorrências de secas, de curto e de longo prazo, por diversos motivos, essas ações não conseguiram modificar as causas do problema. Passado o período ditatorial, a revisão crítica deste processo de desenvolvimento induzido pelo Estado brasileiro na região possibilitou aflorar novas ideias, principalmente entre os movimentos sociais dos camponeses e também os movimentos ambientalistas, culminando com a substituição do substantivo “Serão” pelo “semi-árido”, e a noção de “combate à seca”. Peça noção de “convívio com a seca”. Persegue-se, nessa síntese histórica a relação entre o paradigma da modernidade e os projetos de “combate à seca e aos seus efeitos” e de “ modernização econômica do “Semi-árido”. Agora, da mesma forma, são relacionais as concepções de “convencia com a seca” e de “desenvolvimento sustentável”. Em torno dom paradigma de “combate à seca” e da “modernização econômica do Semi-árido” gravitam as ações emergenciais (frentes de trabalho, distribuição eventual de subsídios financeiros e materiais, etc.), bem como as ações de infraestrutura, como a construção de grandes açudes, a implantação de estendas áreas irrigadas, a construção de hidroelétrica e estradas. Por outro lado, a partir dos paradigmas da “convivência com a seca” e do “desenvolvimento sustentável” são concebidas ações que privilegiam novas tecnologias de captação e armazenamento de águas de chuva, um manejo sustentável da caatinga, as tecnologias alternativas de produção e a educação contextualizada, ente outras, gerando referencias mais próximos à visão de mundo e aos modos de vida dos agricultores familiares que habitam a região. sendo:
Pode-se, portanto, definir a convivência com o semiárido como
Uma perspectiva cultural orientadora da promoção do desenvolvimento sustentável no Semi-árido, cuja finalidade é a melhoria das condições de vida e a promoção da cidadania, por meio de iniciativas socioeconômicas e tecnologias apropriadas, compatíveis com a preservação e renovação dos recursos naturais ( Silva, 2006, p 272).
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Rubneuza Leandro de Souza1 RESUMO Esta epigrafe do texto de Mônica Molina, nos ajudará a desenvolver este artigo que busca elucidar as contradições e inter-relações contidas nesta temática. Em que pese a Educação ser um dos direitos contidos na declaração universal dos direitos humanos e estar previsto na Constituição Brasileira, ainda boa parte da população brasileira não o tem assegurado. A maior parte dessa população está localizada no campo. E são justamente esses sujeitos inseridos em movimentos sociais de luta pela terra que vêm protagonizando nas ultimas décadas a luta pelo direito a Educação. Para trabalhar esses elementos, organizamos o texto a partir dos dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde apontaremos em percentuais e localização como o Estado brasileiro tem descumprido o atendimento aos direitos já conquistados. A partir dos dados, problematizaremos o próprio conceito de Direito, visto que, embora garantido por lei e declarações, esses direitos, não são garantidos para todos, sobretudo aos povos do campo, de forma que, essa negação colocou esses sujeitos em luta pela sua efetivação e como parte desse processo de luta, mais do que demandantes eles querem ser sujeitos de um novo jeito de fazer educação, dando-a forma e conteúdo. PALAVRAS CHAVES: Direito, Educação e Movimentos Sociais. OS LIMITES DA EDUCAÇÃO COMO DIREITO NA SOCIEDADE BURGUESA
1 Militante e Coordenadora do setor de Educação do Movimento Sem Terra e mestranda em Educação Contemporânea pela Universidade Federal de Pernambuco – Campus Agreste.
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No Brasil existe em torno do debate do direito humano a Educação dois entendimentos. Um que trabalha com a ideia de educação em direito humano, partindo do pressuposto de que, é preciso educar a sociedade para o reconhecimento do direito a Educação2. O segundo trabalha com a ideia jurídica de que, se a Educação é um direito humano, cabe ao Estado assegurá-la, ou seja, conceber a educação como direito humano, significa incluí-la entre os direitos necessários à realização da dignidade humana plena. Assim, dizer que algo é um direito humano é dizer que ele deve ser garantido a todos os seres humanos, independente de qualquer condição pessoal. (HADDAD, 2012, p. 215). Em que pese à importância dessa discussão, buscaremos problematizá-la, visto que há um elemento que subjaz a este debate, a própria estrutura social cindida em classes. A Educação como direito humano, faz parte da ordem jurídica internacional contida na Declaração Universal dos direitos humanos de 1948, no seu artigo 26. “Ao reconhecê-lo como direito humano, elege sua realização universal como objetivo prioritário de toda organização social”. (HADDAD, 2012, p. 216). Ainda segundo Haddad, ao lado da declaração, existem outras normas internacionais que reconhecem e avançam na definição das características do direito à educação como o pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, de 1966 (art. 13 e 14); a Convenção relativa à luta contra as discriminações no campo do ensino, de 1960; a Convenção sobre os direitos da criança, de 1989 (art. 28 e 29), entre outros. (HADDAD, 2012, p. 216). No Brasil, o direito a Educação, está estabelecido no artigo 205 da Constituição Federal de 1988: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Brasil, 2011).
Embora o direito à educação esteja garantido em nossa Constituição, 2 Este debate faz parte da comissão em Direitos Humanos em Educação, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos. Ver em Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. (MEC)
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a sua efetivação plena está longe de acontecer. Os dados do censo de 2010 revela que, no Brasil 18 milhões de pessoas são analfabetas. No meio rural, a taxa de analfabetismo entre os adultos é de 23,2 %, enquanto na área urbana chega a 7,3%. Essa realidade se repete também no grau de escolaridade entre a população urbana e rural, conforme dados demonstrado por Haddad (2012, p. 218): são 7,5 anos em média de escolarização para pessoas com 15 anos ou mais, variando entre regiões e segmentos sociais. (...) Esses números se agravam entre pessoas que vivem no campo (4,8 anos), e negros (6,7anos). Os dados abaixo realizado pelo Fórum Nacional de Educação (2013) mostra essa desproporção também entre regiões.
Fonte: IBGE/PNAD
Além do Censo, há outros mecanismos de avaliação que apontam essas desproporções de atendimento a educação entre a população urbana e rural, como esse apontado pelo Haddad (2012, p. 219): Os dados do relatório As desigualdades na escolarização no Brasil (Brasil, 2011), mostram que um dos principais grupos populacionais não favorecidos pelo direito à educação está no
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campo. (...) a análise das matrículas mostra que nas escolas rurais, para cada duas vagas nos anos iniciais do ensino fundamental, existe apenas uma nos anos finais (50%). E essa proporção se acentua ainda mais quando se comparam as séries finais do ensino fundamental com as vagas dos anos iniciais do ensino médio: seis vagas para uma (17%). Já nas regiões urbanas, a taxa é de quatro vagas nas séries iniciais, três nas finais (75%) e duas no ensino médio (50%).
Esses dados expressam uma estrutura social altamente injusta. As maiores taxas de analfabetismo e baixa escolaridade estão em municípios do Norte e do Nordeste brasileiro. Essas regiões são as mais pobres do país e onde se encontram a maioria da população negra e indígena. Tais dados demonstram que há uma vinculação da condição de pobreza, do latifúndio e da desigualdade social e étnica/racial com a existência de pessoas que não sabem ler e nem escrever e de baixa escolaridade. E esses resultados não são por acaso. Eles têm raízes históricas nas condições econômicas e sociais profundas que remontam ao período colonial, perpassam a Primeira República e continuam na atualidade, fruto de uma sociedade fundada num tripé: latifúndio, monocultura e escravidão, em que submeteu os povos indígenas e negros a quase quatro séculos de escravidão (negação do outro como sujeito) refletida ainda hoje nas políticas públicas que não enxergam os sujeitos do campo como sujeitos de direito. Essa realidade também contradiz uma das principais características dos direitos humanos, em geral, e da educação, em particular, que é a universalidade e a não discriminação. (HADDAD, 2012, p. 217). Como vimos acima, essas duas características, não são garantidas. Primeiro, pelo fato de não está garantida a universalidade, a alta taxa de analfabetismo entre os jovens e adultos denuncia o não atendimento à população na idade adequada, além do que não há um atendimento universalizado do ensino fundamental comprovado pela média de anos de escolaridade. Segundo, que as populações mais atingidas são do norte e nordeste e as etnias indígenas e negras, numa clara demonstração que o analfabetismo e baixa escolaridade no Brasil têm região, raça/etnia e cor. A epígrafe que abre este trabalho busca exatamente, problematizar a ideia do direito como prerrogativa de universalidade. Aponta contradição entre o que diz a lei e o que é efetivado na prática, visto que em uma sociedade cindida em classes há interesses em disputa, ao mesmo tempo em que
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se garante o direito à vida, se garante o direito a propriedade. E o direito a propriedade, segundo Afonsin (2012), dependendo da forma como é feito, é gerador de risco para outros direitos humanos, como os sociais, os ambientais e os culturais. (AFONSIN, 2012, p.228) Esses interesses antagônicos acabam por colocarem os trabalhadores em luta, reivindicando condições dignas de vida e isso afronta os interesses da burguesia. Uma vez que tais direitos não são concedidos, esses interesses conflitantes acabam sendo perseguidos pela força. “Evitar que isso aconteça é a função social do Direito. Cabe ele regulamentar a vida por meio de leis que jamais ultrapassem a dominação de classe” (LESSA, 2008, p. 57). Naves (2014, p 28), nos coloca que a crítica ao direito Marx já fazia ao programa da Liga dos Justos, ao tomar o direitos como reino do amor e da fraternidade e que ao sustentar que o objetivo dos trabalhadores em sua luta contra a sociedade burguesa era a realização dos princípios contidos na declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Diz Naves: Esses princípios eram, fundamentalmente, a liberdade e a igualdade, justamente os princípios jurídicos que organizam o espaço da sociabilidade burguesa em sua existência imediata, ao mesmo tempo em que obscurecem o seu fundamento último, as relações de produção fundadas na exploração do trabalho assalariado. (NAVES, 2014, p 29).
Daí a necessidade de Marx e Engels, (apud Naves, 2014), de fazer uma intervenção no interior do movimento operário, para introduzir nele elementos de compreensão científica da sociedade burguesa e de luta de classe que pudesse permitir aos trabalhadores reorientar a sua luta propondo outros objetivos, que correspondessem aos interesses estratégicos da massa de assalariados em ultrapassar efetivamente o capital, quebrando o domínio de classe burguês. O que é alertado pelo Marx (2009), é que não se pode tomar a emancipação política, pela emancipação humana. Para ele, o limite da emancipação política aparece logo no fato de que o Estado pode libertar-se de uma barreira sem que o homem esteja realmente livre dela, no fato de que o Estado pode ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre. (MARX, 2009, p. 48). Marx (ibdem), não descartava a luta política, porém ele
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apontava os limites de tomá-la como fim último. Diz ele: “A emancipação política é, sem dúvida, um grande progresso, ela não é, decerto, a última forma da emancipação humana, em geral, mas é a ultima forma da emancipação política no interior da ordem mundial até aqui”. (MARX, 2009. p.52). No entanto não se pode tomar essa forma de emancipação como a derradeira e abandonar a luta pela verdadeira emancipação humana. Chauí (2003) e Haddad (2012) fazem esses mesmo alerta em relação ao direito. A Marilena Chauí (ibdem) parte do pressuposto de que todos os cidadãos são sujeitos de direitos, e onde esses direitos não estejam garantidos, tem-se o dever de luta por eles e exigi-los. Para ela, a mera declaração do direito à igualdade não faz existir os iguais, mas abre o campo para a criação da igualdade através das exigências e demandas dos sujeitos sociais. Em outras palavras diz ela: declarado o direito à igualdade, a sociedade pode instituir formas de reivindicação para criá-lo como direito real. (CHAUÍ, 2003, p.344). Haddad corrobora com essa ideia ao afirmar que O reconhecimento do direito à educação como direito humano o torna exigível tanto em âmbito nacional quanto internacional. Ser exigível significa recorrer às possibilidades oferecidas pelos sistemas de justiça para impedir, evitar a continuidade da ou reparar a violação do direito à educação, seja por omissão (por exemplo, falta de vaga na escola, recusa de matrícula, não oferecimento de educação de jovens e adultos), seja por ação (como o número excessivo de estudantes por sala de aula, usar o dinheiro da educação em outra área). (HADDAD, 2012, p. 216).
Nessa compreensão que os trabalhadores em luta pela terra, ao romper com a certa da terra e descobrir que existem outras cercas que precisam ser rompidas, como a cerca do conhecimento, passaram a luta pelo direito a educação. EDUCAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS: A LUTA DOS CAMPONESES POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO
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A tríade que compõem essa temática – Educação, Direitos Humanos e Movimentos Sociais -, tomada em uma perspectiva dialética, reafirma a analise feita anteriormente, visto que há uma contradição entre o princípio da universalidade contido na ideia de direito e o que é efetivado na prática. A própria existência de movimentos sociais já é a denúncia de que o direito não está sendo assegurado. No caso específico abordado neste artigo, que é a Educação dos sujeitos do campo, esta luta está inserida em uma luta mais geral que é a luta pela terra. Como vimos acima, uma das populações mais alijadas do acesso à educação são os povos do campo, e são justamente eles que nas ultimas décadas estão enfrentando essa situação lutando para que tenham esse direito assegurado. A luta por uma política pública de Educação do Campo nasceu da mobilização/pressão de movimentos sociais por uma política educacional para comunidades camponesas, da luta dos Sem Terra pela implantação de escolas públicas nas áreas de Reforma Agrária, das lutas de resistência de inúmeras organizações e comunidades camponesas para não perder suas escolas, suas experiências de educação, suas comunidades, seu território, sua identidade, como tem sido o caso dos povos indígenas e quilombolas. Desta forma a luta pela educação é assumida pelos sujeitos que historicamente foram abandonados do atendimento a política pública. Esses deixaram de lado a condição de isolamento e, influenciados pela luta pela terra, passaram a instituir políticas. Esses elementos coadunam com a análise da Marilena Chauí acima mencionada: “declarado o direito a igualdade não faz existir os iguais, mas abre o campo para a criação da igualdade através das exigências e demandas dos sujeitos sociais”. No caso do direito à educação, o fato de está na lei não significa que o Estado tenha garantido na pratica, mas abre espaço para tornar legítimo a sua reivindicação. Nas palavras de Chauí: “declarado o direito à igualdade, a sociedade pode instituir formas de reivindicação para criá-lo como direito real”. Ao nascer tomando posição no confronto de projetos de campo: contra a lógica do campo como lugar de negócio, que expulsa as famílias, que não precisa de educação nem de escolas porque precisa cada vez menos de gente (CALDART, 2010); ao contestar a negação de direitos: direito a terra, a educação, a moradia, a saúde, etc. Esses sujeitos reafirma outro projeto social possível. Daí que ao lutar por uma política de Educação do Campo, não a querem sob os mesmos moldes que os ensinaram para a dominação. Que-
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rem reafirmar outro projeto educativo possível, tomando como referência a emancipação humana. Neste sentido podemos dizer que a luta pela Educação do Campo é, também, uma luta contra- hegemônica. Esta vinculação entre Reforma Agrária e Educação está alicerçada a um novo projeto de campo e de sociedade, diferentemente da ideia de uma educação voltada para atender as necessidades do mercado. A Educação do Campo está vinculada a uma luta maior, porque ela se constitui na luta contra a hegemonia do modelo agroexportador, pois, neste contexto, os movimentos de luta pela Reforma Agrária, os Pequenos Agricultores, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, vêm debatendo um outro modelo de desenvolvimento para o campo, pautado numa massiva redistribuição da terra, incluindo a demarcação das terras indígenas e dos quilombolas, nova matriz tecnológica, e uma produção que priorize o abastecimento do Mercado interno. Essa complexidade que a luta pela terra adquiriu na contemporaneidade provocou a necessidade da preparação dos trabalhadores e de suas organizações, fazendo com que entrasse em pauta a luta pelo acesso ao conhecimento, o que tem contribuído no salto qualitativo como práxis necessária para que as organizações não atrofiem politicamente e deem conta dos novos desafios. Trata-se de uma educação dos e não para os sujeitos do campo. Feita sim através de políticas públicas, mas construídas com os próprios sujeitos dos direitos que as exigem. A afirmação deste traço que vem desenhando nossa identidade é especialmente importante se levarmos em conta que, na história do Brasil, toda vez que houve uma sinalização de política educacional ou de projeto pedagógico específico, isso foi feito para o meio rural e muito poucas vezes com os sujeitos do campo. Além de não reconhecer o povo do campo como sujeitos da política e da pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeita-lo a um tipo de educação domesticadora e atrelada a modelos econômicos perversos. (CALDART, 2004, p.151).
Frigotto (2010, p.35), corrobora com essa analise, ao afirmar que: A Educação para o campo e no campo, expressa as concepções e políticas do Estado ao longo de nossa história, que se alinham à perspectiva da educação como extensão, ou na
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perspectiva de ruralismo pedagógico; não se trata, portanto, de fixar os homens e mulheres no campo; nega-se, nessa perspectiva, uma educação escolar unitária (síntese do diverso) e, portanto, com a universalidade historicamente possível do conhecimento em todas as esferas e áreas da vida humana, independentemente de residir no campo ou na cidade. (FRIGOTTO, 2010, p.35).
Ainda segundo Frigotto (ibdem), a denominação de educação do campo engendra um sentido que busca confrontar, há um tempo, a perspectiva colonizadora extensionista, localista e particularista e as concepções e métodos pedagógicos de natureza fragmentária e positivistas. Este confronto, diz ele, que se expressa na forma semântica, só é possível de ser entendido social e humanamente no processo de construção de um movimento social e de um sujeito social e político – Movimento dos Sem Terra (MST) – que disputa um projeto social e educacional contra hegemônico. (FRIGOTTO, 2010, p.35) Assim a Educação do Campo tem sido compreendida como ferramenta de luta, de fortalecimento da organização social e política e de instrumento para a superação dessa sociedade de classe. Ela tem um caráter reivindicatório, quando luta pelo direito à educação, para elevação de escolaridade, e um caráter político ao tomar a educação como instrumento de luta, para elevação de consciência de sua base social. Desta forma, insere os sujeitos neste movimento da história, vivendo experiências de formação humana, da organização social, que são próprias da luta de classe. Vedramini, (2007, p. 133) observa que: Os movimentos sociais do campo, entre eles o MST, têm pressionado não só pela Reforma Agrária e por uma política agrícola que viabilize a pequena produção no campo, mas também por uma educação e escolarização para uma população historicamente alijada das políticas públicas. Ainda que o Movimento esteja envolvido diretamente nas lutas por uma educação do campo, seu projeto de formação vai mais além, ao desenvolver ações políticas que em si são educativas e ao direcionar a formação não só para o aspecto técnico e escolar, mas essencialmente político.
Neste sentido, a concepção de Educação do Campo coaduna com a perspectiva de István Mészáros de ser uma “educação para além do capital”,
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isto é, “aquela que seja capaz de construir um outro mundo possível, onde a principal referência seja o ser humano. Que ajude a realizar as transformações políticas, econômicas, culturais e sociais necessárias” (MÈZSÁROS, 2005, p.10), principalmente por se tratar de trabalhadores e trabalhadoras que não tiveram acesso à educação garantido. Dessa forma, em que pese à contradição de se fazer uma educação emancipatória por dentro de um Estado burguês, continuar-se-á tencionando o Estado para garantir a educação aos trabalhadores. Condição essa, necessária para elevação da consciência a uma dimensão filosófica. Dessa forma a luta pela Educação do Campo, no marco das organizações que a criaram, continuará pressionando o Estado pela sua efetivação, sem, contudo deixar o comando em suas mãos. Esse caberá às organizações utilizando-a como instrumento de luta na perspectiva da emancipação humana. Aqui vale o pensamento do Florestan, quando diz: Feita a revolução nas escolas, o povo a fará nas ruas, embora essa vinculação não seja necessária. Na China, em Cuba, na Rússia, sem passar pela escola, o povo fez a revolução nas ruas. Mas, em um país como o Brasil, é necessário criar um mínimo de espírito crítico generalizado, cidadania universal e desejo coletivo de mudança radical para se ter a utopia de construir uma sociedade nova que poderá terminar no socialismo reformista ou no socialismo revolucionário. Eu prefiro a última alternativa. (FLORESTAN, apud. SOARES 2009, p. 65). Nessa direção, a escola e a educação são necessárias para contribuir com a elevação da consciência dos trabalhadores superando o senso comum e elevar a uma consciência filosófica. Para tanto se faz necessário manter a luta pela efetivação do direito a educação. E só com aglutinação das forças é que poderá alterar essa correlação desfavorável de se construir uma educação para além do direito, que contribua de fato para a transformação da base material da sociedade tomando-a como instrumento de luta na perspectiva da emancipação humana.
238
REFERÊNCIAS AFONSIN, Jacques Távora. Adireitos Humanos , in CALDART, Roseli Salete, PEREIRA, Isabel Brasil, ALENTEJANO, Paulo e FRIGOTTO Gaudêncio. Dicionário de Educação do Campo . Rio de Janeiro, 2012. CALDART, Roseli Salete. Por uma Educação do Campo: Traços de uma Identidade em Construção, In: GONZALEZ, M.A; CALDART, R.S; MOLINA, M.C. (org.) Por uma Educação do Campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. CALDART, Roseli Saleti. Educação do Campo: Notas para uma análise de percurso. In: MOLINA, Mônica (Org.). Educação do Campo e Pesquisa II: questões para reflexão. Brasília: MDA/MEC, 2010. (Série NEAD Debate; 20). P. 103 - 126. CHAUÍ, Marilena. A Sociedade Democrática, In, MOLINA, Mônica Castagna; JUNIOR, José Geraldo de Sousa; NETO, Fernando de Costa Tourinho.(org). Introdução Crítica ao Direito Agrário: O direito achado na rua. Ed. UNB; IOESP. Vol 3, 2003. FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO- FNE. Educação brasileira: indicadores e desafios: documentos de consulta. - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria Executiva, Secretaria Executiva Adjunta, 2013. 95 p. Disponível em: http://conae2014.mec.gov.br/images/pdf/educacaobrasileiraindicadoresedesafios.pdf acesso em 03/03/2017. FRIGOTTO, Gaudêncio. Projeto societário contra-hegemônico e educação do campo. In: Educação do Campo: Reflexões e Perspectivas. Orgs. MUNARIM, Antônio; BELTRAME, Sônia; FRANZONI, Soraya Conde; PEIXER, Zilma Isabel. Florianópolis: Ed.: Insular, 2010. HADDAD, Sérgio. Direito à Educação, In: Dicionário da Educação do Campo. Orgs: CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio. Rio de Janeiro, São Paulo: Ed. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Ed. Expressão Popular, 2012. INSTITUTO BRASILEIRO DED GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE). Censo 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. disponível em: http://www.
239
ibge.gov.br//home/estatistica /população/censo2010. Acessado em 02 de março de 2017. LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdução à Filosofia de Marx. 1ª Ed. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2008. MARX, Karl Heinrich. Para a Questão Judaíca. Tradução José Moura Barata. 1 ed. São Paulo. Expressão Popular, 2009. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. MOLINA, Mônica Castagna. Desafios teóricos e Práticos na Execução das Políticas Públisa de Educação do Campo. In: Educação do Campo: Reflexões e Perspectivas. Orgs. MUNARIM, Antônio; BELTRAME, Sônia; FRANZONI, Soraya Conde; PEIXER, Zilma Isabel. Florianópolis: Ed.: Insular, 2010. NAVES, Márcio Bilharinho. A Questão do Direito em Marx. 1, Ed. São Paulo: Ed. Outras Expressões, 2014. VENDRAMINI, Célia Regina. Educação e Trabalho: Reflexões em torno dos Movimentos Sociais do Campo. Cad. Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 121-135, maio/ago. 2007.
240
241
EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO E CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO NAS REDES PÚBLICAS DE ENSINO EM PERNAMBUCO DADOS CADASTRAIS DO PROPONENTE Órgão/Entidade Proponente
CNPJ.
Universidade Federal de Pernambuco
24.134.488/0001-08
Endereço Av. Prof. Moraes Rego, 1235 Município
U.F.
C.E.P.
DDD/ Telefone
Endereço eletrônico.
Recife
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50.670901
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Código da Unidade Gestora
Código de Gestão
153080
15233
Nome do Responsável
Função
Anísio Brasileiro de Freitas Dourado Reitor
C.P.F. 127.044.234-15
245
C.I./Órgão Expedidor 1.065.220 SSP/PE
Cargo
Matrícula
Professor
SIAPE - 11307285
Endereço
CEP
Av. Prof. Moraes Rego, 1235, Cidade Universitária – Recife - PE
50.670-901
Esfera Administrativa FEDERAL
Nome do Coordenador do Projeto
DDD/Telefone
Endereço eletrônico
José Luis Simões
81-87417405
joseluis2711@ yahoo.com.br
Horácio Reis
81-9121 0178 81-9111 8492
horacioreis@uol. com.br
1. DO PROJETO 1.1. TÍTULO DO PROJETO: EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO E CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO NAS REDES PÚBLICAS DE ENSINO EM PERNAMBUCO 1.2. OBJETIVO GERAL Subsidiar propostas de diretrizes para políticas educacionais que assegurem a escolaridade como direito humano nas redes públicas de
246
ensino no semiárido de Pernambuco, na perspectiva do desenvolvimento sustentável. 1.3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1.
Analisar os paradigmas que norteiam os princípios e diretrizes da política de educação no semiárido.
2.
Identificar as repercussões das políticas de educação nos períodos de seca na escolarização dos alunos das redes públicas no semiárido de Pernambuco.
3.
Verificar os mecanismos de articulação entre a política educacional e as de desenvolvimento sustentável e direitos humanos.
4.
Descrever processos de participação dos Conselhos (de Educação, Desenvolvimento Rural, Meio Ambiente e Direitos Humanos) na definição e controle social da política de convivência com o semiárido nas redes públicas de educação.
5.
1. Propor diretrizes de políticas educacionais na perspectiva dos direitos humanos para o semiárido no Estado de Pernambuco.
1.4. PRODUTO ESPERADO •
Relatórios sobre os dados levantados nos municípios do semiárido de PE.
•
Livro: divulgação dos resultados da pesquisa.
•
Duas Conferências Livres sobre educação, direitos humanos e convivência com o semiárido: proposições para CONAE-2014.
•
Publicação - Marcos regulatórios vigentes e propostas dos movimentos sociais: Subsídios à Conferência Livre.
247
1.5. META
DESCRIÇÃO
Desenvolver estudo em 54 municípios do semiárido de Pernambuco, envolvendo 1540 atores.
VALOR TOTAL R$
PÚBLICO A SER PESQUISADO
VALOR UNITÁRIO R$
403.538,40
1540 dirigentes(as) estadual/ municipais, conselheiros(as) municipais de: educação, meio ambiente, agricultura/ desenvolvimento sustentável, direitos humanos.
262,04
1.6. VALOR TOTAL ESTIMADO DO PROJETO: R$ 403.538,40 (quatrocentos e três mil, quinhentos e trinta e oito reais e quarenta centavos)
1.7. VIGÊNCIA DO PROJETO: Início: (dezembro/2013) Término: (novembro/2014)
248
2. JUSTIFICATIVA DO PROJETO A União dos Dirigentes Municipais de Educação de Pernambuco (UNDIMEPE), comprometida com uma política de educação na perspectiva dos direitos humanos, articulou-se com a Associação dos Docentes da UFPE (ADUFEPE) e com a UFPE, UFRPE, UNIVASF, FUNDAJ, UPE, SEE-PE, MST, FETAPE e o Comitê Pernambucano de Educação do Campo no sentido de realizar pesquisa com o objetivo de subsidiar propostas que assegurem a escolaridade como um direito humano nas redes públicas de ensino, considerando a diversidade e o desenvolvimento sustentável no semiárido do estado de Pernambuco. A pretensão é analisar a relação entre as diretrizes das políticas de educação, meio ambiente, agricultura/desenvolvimento sustentável e reforma agrária e direitos humanos e sua articulação com as propostas de convivência com o semiárido na escolarização dos estudantes, considerando a educação institucionalizada nos sistemas de ensino e, dessa forma, uma responsabilidade do Estado. A implementação e manutenção dos sistemas de ensino fazem parte das obrigações do Estado e as decisões tomadas devem ser provocadas por ações da sociedade, numa permanente conquista de direitos e no exercício da democracia. É fundamental a participação, nessas ações, dos movimentos sociais e sua luta por direitos coletivos “que traduzem o dever do Estado e de suas instituições na garantia pública desses direitos” (ARROYO, 2012, p.35). Os sujeitos da pesquisa serão os dirigentes estaduais e municipais de educação, assim como os representantes dos diversos segmentos que integram os Conselhos Estadual/Municipais de Educação, Direitos Humanos, Meio Ambientes e Agricultura/Desenvolvimento Sustentável ou órgãos equivalentes de gestão pública. Para compreender esta relação serão analisados os Planos estaduais e municipais, bem como as resoluções dos Conselhos à luz de questões relativas à diversidade e às experiências de convivência com o semiárido. Tais análises serão objeto de discussão com os diferentes sujeitos envolvidos na construção das políticas públicas em seminários intermunicipais e Conferências Livres. No segundo caso as propostas formuladas serão encaminhadas à CONAE-2014. O período estabelecido para o estudo é 2009/2013, em decorrência dos debates construídos na elaboração dos Planos Municipais, da tramitação do Projeto de Lei 8.035/10 (PNE) e das orientações estabelecidas
249
nos Planos Nacional de Direitos Humanos e de Educação em Direitos Humanos, acrescidos das Conferências Nacionais de Educação Básica (CONEB/2008), Conferência Nacional de Educação (CONAE/2010), Conferências Nacionais de Direitos Humanos (CNDH/2008), Conferências Nacionais de Meio Ambiente (CNMA/2009),Conferência Rio + 20, a Lei Estadual(PE) 14.922/2013,que institui a política do estado de Pernambuco de convivência com o semiárido. 3. PÚBLICO ALVO Dirigentes estaduais e municipais das Secretarias ou órgãos equivalentes de gestão pública e representantes dos diversos segmentos que integram os Conselhos das políticas correspondentes. 4. CRONOGRAMA
ATIVIDADES Encaminhamento de correspondência aos municípios e elaboração dos questionários Seleção dos entrevistadores Formação dos entrevistadores Aplicação de questionários Organização de Seminários Realização de Seminários Avaliação da aplicação dos questionários
250
2013
2014
dez jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov X
X
X X
X X
X
X
X
X X
X
X
X
X
X
Conferências Livres
X
Análise e correlações de resultados parciais
X
Análise dos primeiros resultados e redação do relatório parcial Redação do Livro
X
X X
X
X
X
X
X
Publicação do Livro
X
Redação do relatório Final
X
5. FORMA DE EXECUÇÃO 5.1. RESPONSÁVEIS PELO PROJETO Universidade Federal de Pernambuco/Pró-Reitoria de extensão. União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação-PE. 5.2. METODOLOGIA Considerando que a pretensão da pesquisa é de subsidiar políticas educacionais de convivência com o semiárido na perspectiva dos direitos humanos serão analisados os documentos institucionais e as falas dos principais sujeitos envolvidos na construção das políticas, os conselheiros e secretários de Educação, Direitos Humanos, Meio Ambiente e Agricultura/Desenvolvimento Sustentável ou órgãos equivalentes de gestão pública. Dessa forma, pretende-se ouvir representantes do governo e da sociedade civil. O intuito é realizar uma pesquisa qualitativa que aponte a situação atual das políticas educacionais em municípios pernambucanos
251
em termos da sua relação com o semiárido. O primeiro passo será verificar as diretrizes contidas nos Planos (estadual e municipais) de Educação, Direitos Humanos, Agricultura/Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente, bem como, nas resoluções dos respectivos Conselhos. Segundo Bauer (2004) e Bardin (2011), o processo de análise de documentos envolve a categorização e codificação das informações, obtidas previamente, numa busca pela sistematicidade. Posteriormente, serão entrevistados os dirigentes municipais de educação e membros da comunidade escolar que atuam como representantes nos Conselhos Municipais de Educação. Além destes, serão incluídos os dirigentes das demais secretarias citadas e os representantes dos respectivos conselhos. Serão entrevistas semiestruturadas e a construção dos roteiros será norteada pela busca de apreensão dos sentidos, práticas e contradições existentes nos diferentes contextos. Será um dos objetivos, por exemplo, relacionar a fala dos conselheiros com as diretrizes dos planos. A escolha dos municípios atenderá aos seguintes critérios: i - existência dos referidos conselhos e secretarias; ii - decretado estado de emergência em razão da estiagem prolongada. Esses critérios foram estabelecidos porque consideramos fundamental a articulação entre as políticas para garantir a educação como direito humano e o desenvolvimento sustentável. Assim, serão estudados os 27 municípios do semiárido que têm Sistema Municipal de Educação e outros 27 que não têm o referido sistema, aleatoriamente escolhidos (sorteio) e que estão nas mesmas situações em relação aos decretos de estado de emergência.
252
5.3. RECURSOS HUMANOS ENVOLVIDOS
Carga Quant. Valor Período Horária/ pessoas Hora (mês) mês
Função
Atividade Desenvolvida
Coordenador
Coordenar a pesquisa, tanto na parte administrativa como pedagógica.
01
20
100,00
12
Coordenador adjunto
Compor a coordenação, auxiliando o coordenador no desenvolvimento do trabalho.
01
20
90,00
12
Assessorar o Analista trabalho da equipe Técnico na elaboração de Especializado instrumentos de pesquisa.
03
20
80,00
12
Pesquisador
Elaborar e acompanhar aplicação dos questionários, analisar os dados e elaborar relatórios.
6
20
80,00
12
Supervisor
Coordenar o trabalho dos assistentes de pesquisa e auxiliar os pesquisadores.
2
20
60,00
12
253
254
Acompanhar as atividades do projeto de estudo, auxiliando os Assistente de pesquisadores no estudo/pesquisa desenvolvimento do trabalho e monitorando a equipe de apoio técnico.
12
40
20,00
10
Aplicar questionários, revisar o material produzido e desenvolver Apoio Técnico atividades relacionadas a processamento de dados de pesquisa quantitativa.
15
80
10,00
10
Desenvolver atividades administrativas, Apoio auxiliando o Administrativo coordenador da pesquisa na gestão do mesmo.
04
80
10,00
10
5.4. PLANO DE APLICAÇÃO NATUREZA DA DESPESA CÓDIGO DESCRIÇÃO 3390.30 3390.39 3390.36.02 3390.36 3391.47
VALOR R$
Material de consumo Outros Serviços de Terceiros - Pessoa Jurídica Diárias a Colaborador Eventual Outros Serviços de Terceiros - Pessoa Física Obrigações Tributárias Contributiva Total Geral
4.000,40 41.230,00 57.348,00 250.800,00 50.160,00 403.538,40
255
256
Educação como direito humano e convivência com o semiárido nas redes públicas de ensino em Pernambuco – Recife A Conferência foi realizada dentro da programação da 65º Reunião Anual da SBPC, dias 23 e 24 de julho de 2013, no Auditório Paulo Rosas – UFPE. A temática da Conferência trabalhou com dois eixos do Documento-Referência CONAE – 2014: No primeiro dia da Conferência Livre, após o“Boas Vindas” do presidente da ADUFEPE, Professor José Luis Simões, foi feita a apresentação dos participantes/instituições presentes e, em seguida, a Professora Edla Soares (UFPE/UNDIME) e o Professor Audísio Costa (ADUFEPE), contextualizaram o evento, no âmbito do Estudo Educação como Direito Humano e Convivência com o Semiárido nas Redes Públicas de Ensino em Pernambuco, que objetiva subsidiar propostas de diretrizes para políticas educacionais que assegurem a escolaridade como direito humano nas redes públicas do ensino no semiárido de Pernambuco, na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Neste primeiro momento também se apresentou a Comissão Interinstitucional do estudo que é constituída pela UMDIME/ PE, UFPE/PROEXT, UFRPE, UNIVASF, FUNDAJ, UPE, SEE/PE, ADUFEPE, MST, FETAPE e Comitê Pernambucano de Educação do Campo. A mesa de Abertura, intitulada Educação, Direitos Humanos e diversidade no Semiárido – Proposições para CONAE 2014, foi composta pelo professor Antônio Paulo Rezende (UFPE), a professora Socorro Silva (UFCG), a professora Gilvânia de Oliveira (UFRPE), sob a coordenação do Pró-Reitor de Extensão da UFPE, Professor Edilson Fernandes. No segundo dia, houve apresentação da mesa: Educação, direitos humanos e desenvolvimento sustentável no semiárido – Proposições para CONAE 2014. Composta pela Pró-Reitora de Extensão da UNIVASF, Professora Lucia Marisy, o Presidente da FUNDAJ, Professor Fernando José Freire e a representante do MST, Luciene Xavier.
257
A sequência das falas, segue de forma sintética em tópicos, alguns dos pontos refletidos/debatidos durante as apresentações das mesas redondas, nos dois dias de trabalho: - Diversidade é multiplicidade. É preciso pensar a diferença sem fragmentar, sem tornar desigual, sem excluir, pois ela se constrói no âmbito da democratização do saber, do poder e da riqueza cultural. - Os Direitos Humanos estão diretamente ligados à solidariedade. Lutamos por eles porque a sociedade ainda os nega. Refletir esta problemática é não negar essa importante luta. - A Educação como um Direito Humano, perpassa o conjunto das relações sociais, mas ainda não temos este marco regulatório. É nas ruas, pelo poder de pressão da sociedade organizada, em conferências como esta, com a participação dos representantes locais que tem o pertencimento do território físico e simbólico, que as políticas públicas são construídas. - O semiárido é tratado com inferioridade, na perspectiva do combate, ao invés da convivência. O ciclo da seca é explicado pela irregularidade das chuvas, mas o modelo social vigente de desenvolvimento valoriza a homogeneização e não aceita as diferenças. A mudança de abordagem em relação ao semiárido exige uma educação de qualidade com foco na convivência, inclusive nas estiagens. Para tanto, são necessários mecanismos de articulação entre a política educacional e as de desenvolvimento sustentável e direitos humanos. - É importante que a Educação (formal e informal) seja contextualizada, próxima da vida dos estudantes. Que a política educacional dialogue com as outras políticas/secretarias, com o movimento social, com as organizações do meio rural. Que potencialize a criticidade, valorize os diversos saberes e faça valer a educação como um Direito Humano. É importante que a diversidade seja tratada como uma política de Estado. Na perspectiva da sustentabilidade, a educação é desafiada a promover experiências de convivência com o semiárido, contrapondo-se a narrativa hegemônica que o coloca como o lugar da ausência e de políticas compensatórias e emergenciais. - Convivência e contextualização implicam em vivenciar um novo jeito de ser escola dentro da região. Uma escola, pensada a partir do contexto (entrelaçada, tecida em meio a uma realidade contraditória). Uma
258
escola que compreende o bioma do semiárido, incluindo suas várias vozes, a exemplo dos movimentos sociais, que abriram os espaços de forma ativa, com luta, na institucionalização das políticas. Envolver as famílias/ comunidades nesta agenda. Fortalecer a articulação com os sujeitos protagonistas do processo educativo, a exemplo dos Conselhos de Direitos, a partir dos Conselhos Escolares. Ao final foram debatidas as propostas do dia anterior e acrescidas novas propostas. A concepção de educação com estatuto de direito humano orientou as discussões durante a Conferência, contribuindo para que as proposições extrapolassem os eixos II e III do documento referência CONAE – 2014. EIXO I – O plano nacional de educação e o sistema nacional de educação: organização e regulação. Documento Referências
Proposta de alteração
Justificativa
Regulamentar o regime de colaboração, definindo: a participação da União na cooperação técnica e financeira com os sistemas de ensino, como política de superação das desigualdades regionais, ancorada na perspectiva do CAQ; o respeito e a valorização das especificidades próprias da diversidade e as responsabilidades de cada sistema de ensino.
Regulamentar o regime de colaboração, previsto no artigo 211 da Constituição Federal de 88, definindo: a participação da União na cooperação técnica e financeira com os sistemas de ensino, como política de superação das desigualdades regionais, ancorada na perspectiva do CAQ; o respeito e a valorização das especificidades próprias da diversidade e as responsabilidades de cada sistema de ensino.
Reforçar que o regime de colaboração é um direito constitucional e a falta de regulamentação impede a efetivação desse direito.
259
EIXO II – Educação e diversidade: justiça social, inclusão e direitos humanos. Acrescentar proposta
Justificativa
Criação de uma Universidade Indígena, com intuito de provocar uma mudança nos paradigmas da educação, a exemplo de outros países da América Latina.
Na perspectiva da diversidade, proporcionar o encontro dos saberes tradicionais e acadêmicos.
EIXO III – Educação, trabalho e desenvolvimento sustentável: cultura, ciência, tecnologia, saúde, meio ambiente. Documento Referência
Proposta de alteração
Justificativa
Incentivar a formação de profissionais para promoção da igualdade social, da inclusão, dos direitos da criança e adolescentes e para a promoção da sustentabilidade socioambiental.
Criar política pública de formação inicial e continuada de profissionais para promoção da igualdade social, da inclusão, dos direitos da criança e adolescentes e para a promoção da sustentabilidade socioambiental.
A criação de uma política pública de formação profissional tem condições de efetivar a ação porque vai além de incentivar. Além disso, é importante esclarecer que a formação precisa ser inicial e continuada.
Promover política pública articulada que garanta o acesso à terra e recursos naturais, a fim de que se reconheça e valorize formas de sustentabilidade socioambiental e a soberania alimentar.
A educação como direito humano está vinculada a um projeto de sociedade que busca um modelo alternativo capaz de pensar um desenvolvimento mais justo e equilibrado socioambientalmente. Nessa perspectiva, não basta reconhecer e valorizar formas de sustentabilidade, mas antes buscar formas de garantir o acesso à terra e aos recursos naturais.
Reconhecer e valorizar formas de sustentabilidade socioambiental e a soberania alimentar.
260
Garantir a oferta de educação em tempo integral na escola pública, através de atividades de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, inclusive culturais e esportivas, para que o tempo de permanência na escola ou sob sua responsabilidade passe a ser igual ou superior a sete horas diárias, no ano letivo
Garantir a oferta de uma educação que promova o sujeito integral na articulação com os outros e na ampliação de espaços e tempos de aprendizagens, por meio de um currículo contextualizado ao cotidiano do campo e da cidade.
Acrescentar proposta
Criar a Universidade Pública Aberta do Semiárido, estabelecendo uma rede com as iniciativas existentes.
cial.
Escola de tempo integral não é a mesma coisa que educação integral. Na perspectiva dos direitos humanos, a concepção de educação integral diz respeito ao sujeito integral na articulação com os outros.
Justificativa Na perspectiva da sustentabilidade socioambiental, é preciso sistematizar e valorizar os saberes daqueles que produzem as suas condições de existência no semiárido.
EIXO V – Gestão democrática, participação popular e controle so-
Acrescentar proposta
Justificativa
Assegurar a participação dos movimentos sociais em todas as fases - formulação, implementação e avaliação - das políticas públicas para convivência com o semiárido: apoio à agricultura familiar; ciência e tecnologia; infraestrutura; gestão e educação ambiental.
A participação popular é fundamental para assegurar a implementação de políticas públicas para o semiárido, pois, apesar de ser uma região que ocupa 1/3 de todo território nordestino (www. insa.gov.br), ainda é visto, pelo poder público, como um “lugar das ausências.”
261
EIXO VI – Valorização dos profissionais da educação: formação, remuneração, carreira e condições de trabalho. Acrescentar proposta
Justificativa
Aumentar a pontuação na produção acadêmica dos professores para atividades de extensão.
As universidades públicas se apoiam nos pilares Ensino, Pesquisa e Extensão. A extensão é o espaço próprio onde a universidade se aproxima, numa via de mão dupla, da sociedade. Sendo assim, as atividades de extensão precisam ter tantos incentivos quanto as atividades de ensino e pesquisa.
Educação como direito humano e convivência com o semiárido nas redes públicas de ensino em Pernambuco – Petrolina II CONFERÊNCIA LIVRE: PROPOSIÇÕES PARA CONAE 2014 O tema da Conferência surgiu a partir do estudo que vem sendo realizado por um grupo de pesquisa interinstitucional [1], o qual tem verificado que, [AS1] a mudança de abordagem em relação ao semiárido exige uma educação pública de qualidade com foco na convivência, inclusive nas estiagens. O estudo tem o objetivo de subsidiar diretrizes para políticas educacionais que assegurem a escolaridade como direito humano na rede pública do ensino no semiárido de Pernambuco, na perspectiva do desenvolvimento sustentável. A Conferência foi realizada na UPE – Campus Petrolina, dia 04 de outubro de 2013. Contou com a participação de 86 pessoas, entre elas, secretários de educação dos municípios da região, educadores e estudantes das licenciaturas. Os trabalhos foram iniciados com uma mesa de abertura em que o professor Moisés Almeida deu as Boas Vindas, falou da importância do tema que seria tratado naquela tarde, e do empenho da Universidade em relação as questões de educação no semiárido. Após a abertura, a mesa redonda foi coordenada pelo professor
262
Moisés Almeida e composta por: professor Audísio Costa (coordenador do grupo de estudo/pesquisa sobre Educação como Direitos Humano e Convivência com o Semiárido nas Redes Públicas de Ensino em Pernambuco - UFPE), [AS2] Edileuza Rocha (coordenadora do IRPA) e Joelma Martins (MST). A sequência das falas segue de forma sintética em tópicos, alguns [AS3] dos pontos refletidos/debatidos durante as apresentações da mesa redonda. EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO A educação como direito humano deve abarcar questões concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos procedimentos pedagógicos, às agendas e instrumentos que possibilitam uma ação pedagógica conscientizadora e libertadora, voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa. CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO X COMBATE À SECA Não se pode associar uma questão política a uma questão climática. Até hoje a educação tem sido alheia à realidade do semiárido. A educação para esta região precisa transformar velhos paradigmas. O pensamento de combate à seca precisa ser substituído por convivência com o semiárido. A desigualdade social existente nessa região não resulta do clima... Há algum tempo, estudos vem comprovando que as secas não passam de uma questão natural e que a miséria, sim, [AS4] resulta da ausência de políticas apropriadas ao semiárido. EDUCAÇÃO NO SEMIÁRIDO Ao repensar o semiárido, precisamos refletir a educação no semiá-
263
rido e para o semiárido. Neste sentido precisamos postular uma educação que se constitui por meio de um diálogo permanente entre o conhecimento científico e o saber popular e entre o que se aprende na escola e a possibilidade concreta do desenvolvimento humano sustentável. Após a apresentação da mesa, o coordenador orientou que os participantes se dividissem em dois grupos para refletirem e debaterem sobre a temática, e a partir disso, construir proposições para CONAE 2014. Num segundo momento, sob coordenação do professor Itamar Lages (ADUPE), as proposições dos dois grupos foram debatidas na plenária e foram organizadas no quadro abaixo. EIXO II – Educação e Diversidade: Justiça Social, Inclusão e Diretos Humanos.
264
Documento Referência
Proposta de alteração
Fomentar a produção de material didático específico para cada território etnoeducacional, bem como o desenvolvimento de currículos, conteúdos e metodologias específicas para o desenvolvimento da educação escolar indígena.
Fomentar a produção de material didático específico para cada território etnoeducacional, bem como o desenvolvimento de currículos, conteúdos e metodologias específicas para uma educação contextualizada dos povos do campo.
Justificativa
Na perspectiva da educação como direito humano, a educação contextualizada é fundamental para o respeito à diversidade.
Consolidar a educação escolar no campo, de populações tradicionais, de populações itinerantes, de povos indígenas, povos da floresta, povos das águas e comunidades quilombolas, respeitando a articulação entre os ambientes escolares e comunitários, e garantindo a sustentabilidade socioambiental e a preservação da
O grupo ratifica esta proposição, pois considera que na perspectiva da educação como direito humano, o reconhecimento da diversidade proporciona o encontro de saberes através de uma educa-
identidade cultural; a participação da comunidade na definição do modelo de organização pedagógica e de gestão das instituições, consideradas as práticas socioculturais e as formas particulares de organização do tempo; a oferta bilíngue da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, em língua materna das comunidades indígenas e em língua portuguesa; a restruturaç&atild e;o e a aquisição de equipamentos; a oferta de programa para formação inicial e continuada de profissionais de educação; e o atendimento educacional especializado complementar ou suplementar à escolarização.
ção contextualizada.
Acrescentar proposta Garantir as condições de Infraestrutura (física, material didático pedagógico, etc.) [AS5], assim como, intensificar as diferentes modalidades de atividades de Esporte e Cultura nas Escolas do campo.
Justificativa
Na perspectiva de uma educação para inclusão e para igualdade, é preciso garantir um padrão de qualidade para todas as unidades escolares.
265
Promover ações para melhorar a comunicação virtual das escolas do campo, assim como a comunicação entre gestores escolares e comunidade escolar.
Tendo em vista o fato de que os direitos humanos são interdependentes [AS6], o direito à educação deve estar correlacionado a outros direitos, como o direito à comunicação
Ampliar ações voltadas para educação no trânsito dentro das escolas da cidade e do campo.
Em razão do incremento significativo da motorização no campo e nos perímetros urbanos do país, é importante que as escolas ofereçam subsídios para uma educação no trânsito que valorize a solidariedade, a responsabilidade, o respeito à vida.
EIXO III –.Educação, Trabalho e Desenvolvimento Sustentável: Cultura, Ciência, Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente. Documento Referência
Incentivar a formação de profissionais para promoção da igualdade social, da inclusão, dos direitos da criança e adolescentes e para a promoção da sustentabilidade socioambiental.
266
Proposta de alteração
Criar política pública de formação inicial e continuada de profissionais para promoção da igualdade social, da inclusão, dos direitos de toda população considerando todas as modalidades e faixa etária e para a promoção da sustentabilidade socioambiental.
Justificativa -A criação de uma política pública de formação profissional tem condições de efetivar a ação porque vai além de incentivar. -É importante esclarecer que a formação precisa ser inicial e continuada. -Se a proposta visa promover igualdade e inclusão, então precisa considerar os direitos de toda população.
Acrescentar proposta
Justificativa
Priorizar, na merenda escolar, produtos agrícolas orgânicos para uma educação sustentável e estímulo econômico ao agricultor.
Tendo em vista a sustentabilidade socioambiental como um dos princípios da educação em direitos humanos, faz-se necessário priorizar ações condizentes a esse princípio.
EIXO VI – Valorização dos Profissionais de Educação: Formação, Remuneração, Carreira e Condições de trabalho. Documento Referência
Proposta de alteração
Justificativa
Garantir a formação inicial e continuada dos profissionais da educação voltada para diversidade.
Garantir a formação inicial e continuada dos profissionais da educação voltada para diversidade, assim como,[AS7] implementar dedicação exclusiva e salários dignos a professores que trabalham com educação em tempo integral.
A educação como direito humano está vinculada a um projeto de sociedade que busca um desenvolvimento justo e equilibrado socioambientalmente. É nessa perspectiva que o professor tem condições de trabalhar com educação em tempo integral.
267
I. IDENTIFICAÇÃO I.1. Instituição:
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
I.2. CNPJ:
24.134.488/0001-08
I.3. Endereço:
Av. Prof. Moraes Rego, 1235, Recife, PE, CEP 50.670-901,
I.4. Contatos:
81-2126-8627, gabinete@ufpe.br
I.5. Curso:
Educação, direitos humanos e convivência com o semiárido
I.6. Nível:
Extensão
I.7. Modalidade:
Semipresencial Total: 120 h
I.8. Carga Horária:
Presencial: 40h Semipresencial: Trabalho em campo 80h.
I.9. Meta Física: I.10.
Custeio:
162 participantes R$ 100.000,00 (cem mil reais)
269
I.12.
Início:
Serão três vagas por município Moreilândia, Granito, Sairé, São Caetano, Tuparetama, Lagoa do Ouro, Santa Cruz da Baixa Verde, Carnaubeira da Penha, Orocó, Venturosa, Serrita, Gravatá, Riacho das Almas, Lajedo, Panelas, Mirandiba, Lagoa Grande, Terra Nova, Quixaba, Brejão, Passira, Brejinho, Brejo da Madre de Deus, Betânia, Frei Miguelinho, João Alfredo, Quipapá, Afogados da Ingazeira, Agrestina, Araripina, Belém de São Francisco, Belo Jardim, Carnaíba, Caruaru, Ingazeira, Ipubi, Itapetim, Jupi, Parnamirim, Pesqueira, Petrolândia, Petrolina, Salgueiro,São Bento do Una, São José do Belmonte, São José do Egito, Solidão, Taquaritinga do Norte, Trindade, Triunfo, Calçado, Canhotinho, Garanhuns, Bodocó. Total de municípios: 54 Agosto 2014
I.13.
Término:
Abril 2015
I.11. Municípios de abrangência
José Luis Simões I.14. Coordenador do Curso:
Professor Adjunto IV e Coordenador do Núcleo de Teoria e História da Educação. (81)87417405, joseluis2711@yahoo.com.br
I.15. Coordenador do Comitê Institucional: I.16. Informações Sobre a Oferta
Maria Luiza Aléssio (81) 99648335 Nova oferta
II. JUSTIFICATIVA A União dos Dirigentes Municipais de Educação de Pernambuco (UNDIMEPE), comprometida com uma política de educação na perspectiva dos direitos humanos, articulou-se com a Associação dos Docentes
270
da UFPE (ADUFEPE) e com a UFPE, UFRPE, UNIVASF, FUNDAJ, UPE, SEE-PE, MST, FETAPE e o Comitê Pernambucano de Educação do Campo no sentido de realizar formação com o objetivo de subsidiar propostas que assegurem a escolaridade como um direito humano nas redes públicas de ensino, considerando a diversidade e o desenvolvimento sustentável no semiárido do estado de Pernambuco. Por essa razão, a formação está direcionada a dirigentes (também chamados de gestores) e conselheiros do estado e municípios pernambucanos que serão articulados com o apoio das entidades envolvidas no projeto. Esta é a perspectiva dos Parâmetros para a Educação Básica que estabelece expectativas de aprendizagem dos estudantes considerando que o projeto dá sequência ao processo de transformação que vem acontecendo na educação pernambucana, sem perder de vista o princípio norteador da política de educação do estado, a educação em direitos humanos, fundamental para a construção de uma sociedade com justiça social. O objetivo é contribuir para a qualidade da educação de Pernambuco, proporcionando a todos os pernambucanos uma formação de qualidade, pautada na Educação em Direitos Humanos, que garanta a sistematização dos conhecimentos desenvolvidos na sociedade e o desenvolvimento integral do ser humano. Além disso, se considerarmos o debate contemporâneo dos movimentos sociais e o avanço dos marcos regulatórios a respeito do desenvolvimento e da convivência com o semiárido, os desafios apontam que a nossa luta é por uma nova civilização que se baseie em uma relação de harmonia entre a natureza e a humanidade, na qual não prevaleça o consumismo e a lógica do lucro e do mercado, que devasta os recursos naturais, concentra a riqueza e poder nas mãos de poucos e gera pobreza e desigualdade. Nesse debate, o curso está voltado para o debate que articula educação e direitos humanos, com a especificidade da convivência com o semiárido. Neste sentido, é fundamental para compreender os desafios e as tensões desta pretensão, contemplar a concepção abrangente da educação da LDBEN associada à integração das diretrizes de políticas que são indispensáveis para assegurar processos capazes de satisfazer as necessidades da geração de hoje sem comprometer as gerações futuras. Neste aspecto, a formação dará destaque às relações que se estabelecem entre políticas de educação, meio ambiente, agricultura, desenvolvimento sus-
271
tentável e reforma agrária. III. OBJETIVOS Formar dirigentes municipais e conselheiros de educação do semiárido de Pernambuco, na perspectiva de direitos humanos e sustentabilidade. Subsidiar o processo de elaboração de diretrizes de políticas educacionais articuladas com as demais políticas direcionadas para a convivência com o semiárido. IV. PÚBLICO ALVO Dirigentes Municipais e Conselheiros de Educação. V. DESENVOLVIMENTO Metodologia O curso será constituído de 120 horas, sendo 40 horas aula na modalidade presencial e 80h com atividades nos diversos municípios dos participantes. As aulas presenciais serão mensais, intercaladas com estudos orientados e relacionados com os conteúdos ministrados. O curso está estruturado em quatro módulos especificados no conteúdo programático. Ao longo do curso, as atividades terão como finalidade subsidiar a formulação de diretrizes de políticas integradas de educação, direitos humanos e convivência com o semiárido no estado de Pernambuco. Para tanto duas atividades serão prioritárias: a avaliação dos planos municipais de educação e marcos regulatórios, acrescida do levantamento de informação sobre a atual configuração das políticas educacionais em Pernambuco.
272
Para atender ao conjunto dos participantes (162) serão formadas três turmas, distribuídas em microrregiões do estado de Pernambuco. Os municípios foram selecionados entre os que tiveram decretado estado de emergência, no período de 2009 a 2012. Destes 27 tinham instituído o sistema municipal de educação. 5.1 Estrutura Curricular Módulo I – Educação Direitos Humanos e Convivência com o Semiárido Carga horária presencial 16 h/a. Carga horária semipresencial 20 h. Ementa:Direitos humanos: perspectiva histórica.Educação e direitos humanos.Desenvolvimento sustentável e convivência com o Semiárido. Educação e desenvolvimento sustentável: diálogo com a visão contemporânea dos direitos humanos. Módulo II – Educação, Direitos humanos: democracia e marcos regulatórios. Carga horária presencial 16 h/a. Carga horária semipresencial 20 h Ementa: Democracia, diversidade e construção e políticas públicas. Agenda de lutas dos movimentos sociais.Marcos regulatórios: Plano Nacional de Direitos Humanos, PNEDH , Diretrizes Nacionais Para Educação em Direitos Humanos, Proposições da plataforma DHESCA. Democracia participativa e Conselhos de direito. Módulo III – Educação, direitos humanos e política de convivência com o semiárido.
273
Carga horária presencial 8 h/a. Carga horária semipresencial 20 h. Ementa: Políticas educacionais: diretrizes para convivência com o semiárido.Articulação de políticas e propostas de convivência com o semiárido no estado de Pernambuco.Análise critica dos planos municipais de educação. Módulo IV - Plano de Ação Educacional e Avaliação Elaboração de diretrizes de políticas integradas de educação e direitos humanos e convivência com o semiárido no estado de Pernambuco. 5.2 Equipe de desenvolvimento
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Nome
Instituição
Função
Titulação
José Luís Simões
UFPE
Coordenador
Doutor
José Audísio Costa
UFPE
Supervisor de Curso
Doutor
Edla de Araujo Lira Soares
UFPE
Professor pesquisador
Especialista em Educação
Maria Auxiliadora Leal Campos
UPE
Professor pesquisador
Doutora
Gilvania de Oliveira Silva de Vasconcelos
UFRPE
Professora pesquisadora
Mestre
Helena Maria Barros Padilha
UFPE
Professora pesquisadora
Doutora
Maria José Matos Luna
UFPE
Professora pesquisadora
Doutora
Antonio Paulo de Morais Rezende
UFPE
Professor pesquisador
Doutor
Antonio Jorge Siqueira
UFPE
Professor pesquisador
Doutor
5.3 Encontros Presenciais - Cinco encontros presenciais, com carga horária total de 40 horas. Atividades não presenciais– Em cada módulo serão realizados trabalhos relativos à análises dos Planos Municipais de Educação e demais instrumentos de articulação das políticas publica pertinentes aos temas, tendo como perspectiva a construção de diretrizes de políticas para convivência com o semiárido. A carga horária total para estasatividades é de 80h. 5.4 Avaliação – A avaliação em cada módulo será realizada através de três mecanismos, a saber: frequência mínima de 75%; participação efetiva nas aulas; relatório das atividades relacionadas ao módulo. O trabalho de conclusão do curso consistirá na elaboração de propostas de diretrizes de políticas educacionais, conforme as orientações no desenvolvimento do curso. O resultado do processo de avaliação deverá ser expresso em conceitos que represente todas as atividadesdesenvolvidas nos módulos. VI. CRONOGRAMA
Atividades/Subatividades
Período
1. Planejamento 1.1. Elaboração do projeto do curso.
Fevereiro a março de 2014
1.2. Tramitação e aprovação do projeto do curso.
Março 2014
275
1.3. Definição da coordenação do curso, equipe técnica pedagógica, administrativa e tecnológica.
Fevereiro a março de 2014
2. Preparação 2.1. Processo seletivo.
Agosto 2014
2.2. Matrículas.
Agosto 2014
2.3. Segunda chamada.
Agosto 2014
3. Desenvolvimento 3.1.Solenidade de abertura.
Agosto 2014
3.2.Desenvolvimento do curso.
Setembro 2014 a março 2015
3.3.Encontros presenciais.
Setembro 2014 a fevereiro 2015
3.4.Relatório final
Março 2015
3.5.Encerramento
Março de 2015
4. Finalização 4.1 Relatório final e parecer de cumprimento do objeto. VII.
Abril de 2015
CRONOGRAMA
Curso de extensão UFPE VIII.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo: o paroxismo do poder. Rio de Janeiro: Documentário, 1979. AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. 3ª Ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. (Coleção polêmicas do nosso tempo; vol. 56). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988
276
nal.
______.Lei 9394 de 1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
______. Diretrizes Curriculares Nacionais. Resolução CNE/CEB nº. 01/99. Brasília, 1999. ______. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Comitê Nacional para Educação em Direitos Humanos. Secretaria de Direitos Humanos (SEDH). Brasília, 2007. ______.Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH – 3), Decreto nº7037,dezembro de 2009. ______. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Comitê Nacional para Educação em Direitos Humanos. Secretaria de Direitos Humanos (SEDH). Brasília, 2007. ______.Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), Lei nº9795, abril de 1999. ______.Resolução CNE 01/2012 – Estabelece Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos. ______.Resolução CNE 02/2012 – Define as Diretrizes Curriculares para Educação Ambiental. CARVALHO,J.Sérgio(Org). Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Petropólis,RJ:Vozes,2004. CLAUDE, Richard; ANDREOPOULOS, George (Orgs.). Educação em Direitos Humanos para o século XXI. São Paulo: Edusp, 2007. BRASIL. Conselhos de Educação e Direitos Humanos: diálogos da contemporaneidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica; Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2009. CURY, C R. J. Os conselhos de educação e a gestão dos sistemas. In: FERREIRA, N S. Carapeto; AGUIAR, M A. S. Gestão da Educação:impasses, perspectivas e compromissos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. FERREIRA, Naura S. Carapeto; AGUIAR, Márcia A. S. Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. PERNAMBUCO. Lei 14.922/2013 – Institui Política Estadual de
277
Convivência com o Semiárido. HADDAD, Sergio e GRACIANO Mariângela(Orgs). A educação entre os direitos humanos. Campinas, São paulo. Autores Associados, 2006. HERRERA FLORES,J.Teoria crítica dos Direitos Humanos: os direitos humanos como produtos culturais.EditoraLumen Juris. Rio de Janeiro.2009. MARCOS REGULATÓRIOS SOBRE EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: normas internacionais e determinações das esferas Nacional/Estadual/Federal -1988/2013. MOLINA,Mônica; JuniorG.José/Neto F. costa (Orgs). Série: O Direito Achado na Rua, v.3. Introdução Crítica ao Direito Agrário. GGTRA/ DEX/NEP/NED/EDitora UNB/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-2002. Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais,Culturais e Ambientais. Relatorias Nacionais, são Paulo. 2005/2007. Plataforma DhESCA Brasil e Ação Educativa. Direito Humano à Educaçãovolume 07. 2ª edição São Paulo. 2011. Educação nas normas internacionais de direitos humanos Pactos e Convenções de direitos humanos. Secretaria de Educação/UNDIME-PE. Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco.
278
IX. QUADRO SIMPLIFICADO DE CUSTEIO
NATUREZA DA DESPESA
VALOR
CÓDIGO
DESCRIÇÃO
3.3.90.30
Material de Consumo
8.000,00
3.3.90.39
Serviços de Terceiros – Pessoa Jurídica
10.000,00
3.3.90.36
Serviços de Terceiros – Pessoa Física
55.000,00
3.3.90.14
Diárias
10.000,00
3.3.90.33
Passagens
6.000,00
3.3.91.47
Obrigações Tributárias e Contributivas
11.000,00
Total
100.000,00
R$
279
280
PROGRAMAÇÃO Dias 06 e 07 de novembro de 2014 Local: Auditório Reitor João Alfredo (Reitoria da UFPE) Dia 06 DE NOVEMBRO - 5ª feira 8h30 às 10h – MESA ABERTURA Coordenação: Gilberto Cunha (Presidente da ADUFEPE) Representante da UNDIME/PE, Edilson Fernandes (Proext/UFPE), Giovana Silva (Comitê de Educação do Campo), Representante da Secretaria de Educação de Pernambuco (SEEPE), Representante da UFRPE, Florisbela Campos (Diretora do CAV). 10h - INTERVALO 10h30 às 12h30 – Mesa 1: Educação, Democracia e Diversidade. Coordenação: Edilson Fernandes (PróReitor de Extensão/UFPE)Representante da UFRPE, da FUNDAJ, Arlindo Queiroz (MEC) 12h às 12h30 - Debate 14h às 15h30 - Mesa 2: Educação e Direitos Humanos: Marcos Regulatórios Coordenador: José Luis Simões Edla Soares (UNDIME/PE), Manoel Moraes (Membro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos), Maria José Luna (Comissão de Direitos Humanos da UFPE), Virgínia Passos (UNIVASF) 15h30 às 16h - INTERVALO
281
16h - DEBATE DIA - O7 DE NOVEMBRO - 6ª feira 8h30 às 10h30 - Mesa 3: Política Educacional e Sustentabilidade no Semiárido: desafios e proposições. Coordenador: Darlindo Ferreira (CAV) Prof. Anísio Brasileiro (Reitor UFPE), Representante da FUNDAJ, Representante da Secretaria de Educação de Pernambuco (SEEPE) José Plácido Junior (Comitê Pernambucano de Educação do Campo), representante da RESAB) e representante da ASA 10h30 – INTERVALO 11h - DEBATE
282
EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO E CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO NAS REDES PÚBLICAS DE ENSINO EM PERNAMBUCO Entrevista com Conselheiros do CEE
Identificação do entrevistado. Qual é o segmento que representa? Governo ( ) Sociedade civil ( ) Qual é a entidade/Instituição que representa? Nome: Sexo: Idade: Grau de Instrução: ( )Fundamental ( )Médio ( )Graduação ( )Pós-Graduação Há quanto tempo está neste colegiado?
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.
283
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Constituição Brasileira 1988) 1. Data de instituição do Conselho Estadual de Educação (CEE): 2. Quais foram os determinantes da criação do Conselho de Educação no Estado? 3. Qual é a composição do CEE? 4. Quais os critérios de escolha dos integrantes do Conselho? Eleição ( ) Indicação ( ) Outros ( ) 5. Principais problemas encontrados no exercício da atividade de conselheiro estadual de educação? 6. Existe alguma regulamentação que considere a educação, os direitos humanos e a convivência com o semiárido? Sim ( ) Quais? Não ( ) Por quê? 7. O CEE estabelece articulação com outros Conselhos de Direitos? Sim ( ) Quais? De que forma? Não ( ) Por quê? 8. O CEE participa do debate instituinte do novo Plano Estadual de Educação? Sim ( )
284
Quais são as proposições do CEE neste debate? Não ( ) Por quê? 9. O CEE participou de debates com a gestão estadual para garantir o direito à educação nas escolas estaduais e municipais do semiárido de Pernambuco que tiveram reconhecido estado de emergência (2010 a 2012)? Sim ( ) De que modo? Não ( ) Por quê? 10. O CEE considerou esta situação na regulamentações das atividades educacionais? Sim ( ) De que forma? Não ( ) Por quê? 11. As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos estabelece que “Os Conselhos de Educação definirão estratégias de acompanhamento das ações de Educação em Direitos Humanos” (Resolução nº 1 30/05/2012). 11.1. O CEE considerou esta atribuição na regulamentação da educação? Sim ( ) De que forma? Não ( ) Por quê? 12. O debate sobre educação como direito humano e a proposta de participação na gestão das políticas públicas sinalizou temas a exemplo da reforma agrária e do desenvolvimento sustentável no semiárido?
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José Artur de Barros Padilha José Audisio Costa Edla de Araújo Lira Soares Ednar Carvalho Cavalcanti Edneida Rabêlo Cavalcanti Flávia de Moura Campos Flávio Albert Brayner Helena Maria de Barros Padilha Isidoro ,,,, Jorge Lins Queiroz Juliana Couto Fazio de A. Lira Kátia Cunha Marileide de Carvalho Costa Messias Gilvânia Oliveira Rosa Cristina Torres Rubneuza Leandro de Souza Vaneska Adriana Neves Antonio Paulo de Morais Rezende Arlindo Queiroz Cibele Rodrigues
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Elizabeth Marchuschi Evanilson Alves de Sá Giovana Silva FETAPE Horacio Reis José Batista Neto Gustavo Cesar Barros Amaral Maria Auxiliadora Campos Letícia Ramos Manoel Severino Moraes de Almeida Maria do Socorro de Araujo Gomes Maurício Antunes - FUNDAJ Colaboradores: Secretários dos municípios das cidades participantes do projeto.
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