NO FIM DA TUDO CERTO

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No fim dá tudo certo CRÔNICAS DE

Magali Moraes

PUBLICADAS NO JORNAL DIÁRIO GAÚCHO


Esse livro te convida a começar a leitura pelo fim. Exatamente como muitos leitores do DG fazem nos dias em que a Coluna da Maga é publicada na contracapa do jornal. Mas você também pode ler a partir daqui, é só escolher.


No fim dรก tudo certo!


Copyright by Magali Moraes, 2016 Editor Fulano de Tal It quo to cum, ut rerum rem. Ovid utempor iatusa que conse ventio. Natio. Et atist, officab orest, te maximusam fugit veresendi to officitis eratiate mil mos sit od modis quam aruptati as ea volorpore con eum eos aces maioriam con parunt parum quatio. Ihicipsaecea iunt qui qui reped unt volestem doloreic tenti sit etur? Ita cupturero ea velignis quid mi, nos excesse cearum qui coremquiscim es volorecab int, et, occus, consequiam qui niet et et quasped enesera excearc ipsuntoria verchitatem hitis cusandam rerchitem delitatquas exerem qui autae velest od quos alia et occus ernam auditem haribus dolupta que doluptatem qui si bea doloresti ipis delliquas sit quuntor iatiatur sit officid essequodic te es aritiumque conseque desto quisquo consequatur? Quis dolupist audae lacil maionsenis doluptio. Ita vercius eaquide storumquis dignatus entem earum digendam, od et faceario conecer umquam alistiur, vendaer ovitati aeritas eatur sequam dus et odiant am, nisitem sum ero excerchita cus velessit fugit molutem poriat.

Conectat endit dolupturem es quati aut et ut evelita et lique volorio. Itaspelit, inctecte quas aut am doloremqui consedi qui beaturi orerion porumetur si



Migalhas do cotidiano

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Sabe aquele farelinho de pão que fica esquecido no canto da mesa? O pedacinho de chocolate que cai no chão e ninguém vê? É disso que eu me alimento pra escrever a coluna: migalhas do cotidiano. Troque o pão e o chocolate por situações minúsculas do dia a dia. Eu não desperdiço nada, vou juntando o que encontro por aí. Palavras, sentimentos, desabafos, histórias, sensações. Muitas vezes me pergunto se aquele farelinho simpático vai conseguir crescer, saltar aos olhos e interessar a mais alguém.

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Pode ser uma frase que disseram do meu lado, e tem amigos que já cuidam

o que vão falar porque sabem que tudo pode virar coluna. Semana passada recebi mais um email carinhoso de uma leitora. No meio da conversa, ela disse que eu escrevo como se estivesse em casa deitada no sofá. Quer cena mais cotidiana do que essa? Eu até brinquei que escrevo deitada, sentada, na rua, no chuveiro, na sinaleira fechada. É só uma ideia vir correndo na minha direção que eu me jogo nela. Quando abro o armário da cozinha e escolho qual caneca vou tomar café, posso encontrar o tema de uma coluna. Quando entro nos quartos dos meus filhos e observo eles dormindo, é uma cena tão cheia de amor e de detalhes que eu teria assunto pra um ano. Como não olhar pra esses homens quase maiores que o colchão e lembrar que eles já tiveram pés de bisnaguinha? Falando nisso, você já aproveitou o sono tranquilo de um filho pra voltar no tempo e se apaixonar de novo? Pessoas que eu não conheço também me inspiram. Podemos ter nomes e endereços diferentes, mas com certeza temos muitas coisas em comum. E é essa busca que me encanta. O mesmo jeito de temperar a salada? A mesma mania de arrumar as notas de dinheiro na carteira, do valor menor pro maior? Escrever é como respirar pra mim. E catar as migalhas do cotidiano é nunca cansar de olhar pra vida.

“É disso que eu me alimento pra escrever a coluna: migalhas do cotidiano.” 02


Fila do pão

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Fui comprar pão e voltei com essa coluna. Podia ser pior, voltar com sonho de creme. Não tô podendo, viu. Dá pra dizer que escrevi minha primeira coluna na fila do pão, anotando o que surgia na frente. Passava um pedaço de frase e um salaminho no balcão. Vinham duas palavras soltas, um começo de parágrafo. E eu querendo me concentrar, enquanto uma fôrma de nega maluca tentava roubar minha atenção (tão linda, eu faria uma selfie com ela). Santo bloco de notas do celular! Enquanto eu anotava

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tudo, vi com o canto do olho cuecas viradas, cuca torrada, pastéis, risoles, bombinhas de chocolate, pães de queijos. Acredita que só comprei pão? Obrigada, leitores! Vocês me ajudaram a manter a linha. Como a fila estava grande, deu tempo de deixar a coluna bem encaminhada até chegar a minha vez. Por que a gente encara fila de padaria? Ora bolas. Porque lá dentro, queimando a barriga no forno, existe um padeiro maravilhoso. Ele nos atrai a partir das 5 da tarde como se fosse um vendedor de crack. A fila do pão é o melhor termômetro do movimento no litoral. Às vezes aparece um desavisado, olha com revolta pro tamanho dela e diz alto: “Não vou ficar nessa fila!!” Tchauzinho, amor. Ninguém vai te segurar. Tem gente que veio direto do mar, sal grudado no cabelo e estômago colado nas costelas. Em respeito à fome deles, sem cenas de mau humor. As bicicletas estacionadas lá fora esperam pra levar a mercadoria quentinha. E quem pede 2 sacos de 20 pães cada? Ou trabalham numa pousada ou a casa está realmente cheia. No caixa, o ambiente é familiar. Todo mundo ajudando, marido e mulher, filho, nora, neta. Ao frequentar a mesma padaria, nos tornamos próximos. E na saída, eu ainda faço aquele comentário cúmplice que separa os forasteiros dos locais: “Já aumentou o movimento, hein. É sexta, eles começam a chegar.”

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Chegadas e partidas

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Na minha área, é comum mudar seguido de trabalho. Eu já mudei muito. É como o mercado funciona. A gente se acostuma com essa inquietude e aprende a se adaptar a diferentes ambientes e pessoas. Tem sempre um colega querido partindo e um chegando (o novo queridão?). Algumas saídas são bem difíceis. Culpa daquela magia que acontece no expediente: a gente faz amigos e quer eles ao alcance da mão. Claro que dá pra se encontrar fora do horário comercial, mas se perde o convívio diário.

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As risadas, os resmungos. Até o silêncio deles faz falta. Não batem mais o ponto. O banco de horas da saudade só aumenta. Semana passada tive algumas despedidas de arrancar o coração. Malditos que vão embora abraçando forte, criando cachoeira nos olhos, citando a gente em emails lindos. E fazem pior, esquecem de levar um objeto que decorava a mesa. Deixam pra trás seus nomes marcados nas cadeiras e nas canecas que usavam. Chamo isso de crueldade. Agora quem vai me cutucar com os pés espaçosos embaixo da mesa? Quem vai emprestar a cafeteira? Quem vai me chamar de Maguinha? Sorte que o tempo não acaba com amizades verdadeiras. Por onde passei, colecionei amigos e me orgulho disso mais do que tudo. De repente, surge uma mensagem intimando um encontro. Contando novidade. Pedindo conselho amoroso. Convidando pro níver. Nos últimos dias foi assim. Consegui equilibrar as perdas com reencontros que deixaram meu coração quentinho outra vez. Matei a saudade que me mata. Teve chá, festa, ideia pra coluna, WhatsApp, lágrimas online, teclado do computador alagado e nariz entupido. Amigo leitor, você não faz ideia do quanto chorei escrevendo essa coluna. Acabei com um rolo de Neve. Não se preocupe, foi choro bom. Sinal de que tô bem servida de amigos que vão e voltam. Posso dar uma dica? Use esse texto pra se reaproximar de alguém. O melhor trabalho do mundo é manter as amizades.

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Festa da firma

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Ah, dezembro! Época das confraternizações de empresas, fenômeno mais conhecido como festa da firma. É onde o povo solta os demônios do ano que passou. A ordem é deixar o crachá em casa, colocar uma roupa bonita, esquecer as picuinhas e abstrair que o chefe também vai estar lá. Com essa crise, melhor comemorar o simples fato de ter um trabalho. Já que o aumento não foi liberado, que liberem a bebida. Já que o vale-refeição tá zerado, que o buffet seja farto. Tomara que o colega

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escalado pra ser DJ segure a onda. Abriu a pista? Os departamentos, mesmo

misturados, vão dançar separados. Pode ser salsichão no pão no salão do João ou jantar chique no restaurante da moda. Pode ser balada forte ou só amigo-secreto no fim do expediente. O clássico é festa de noite, com a manhã seguinte reservada pra tomar soro. Mas tem festa da firma que dura o dia inteiro e ninguém trabalha (uhuuu!). Destaque para as festas no sítio (o drama do biquíni se tiver piscina) e à fantasia. Essas costumam ser polêmicas e divertidas. O que eu já vi nessas confraternizações daria pra escrever um livro. E os detalhes sórdidos e impublicáveis? Festa da firma é quando os novos casais saem do armário e os tímidos descem até o chão. Mesmo nas empresas certinhas tem sempre alguém que ganha o troféu Revelação Do Ano. Preste atenção nos estagiários, eles piram em festa da firma. O problema é o dia seguinte. Momento tenso quando alguém lembra algo que você queria esquecer. Pior é quando avisam que chegaram as fotos. Não dá um minuto e tá tudo no Facebook. Antigamente, valia o ditado “O que acontece em Vegas, fica em Vegas.” Depois que inventaram o celular com câmera, ferrou. Termino fazendo um brinde aos colegas que, apesar de atolados, acham tempo pra organizar a festa da firma. Eu pagaria uma rodada de chopp pra vocês, pena que o meu vale-refeição acabou.

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Que dia é hoje?

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Taí uma pergunta que a gente faz seguido quando entra em férias. Não é maldade, viu? Muito menos Alzheimer. É o corpo se ajustando aos novos horários, se é que eles existem. Antes de jogar essa pergunta no ar, sem esperar resposta, a gente olha pros lados com uma expressão levemente abobalhada, como se lembrasse de repente dessa coisa estranha chamada calendário. A sensação de estar perdida no tempo é uma adaptação à vida boa, e nos acostumamos rapidinho. Férias são feitas pra exercitar nosso direito de ir

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e vir: ir pra rede e vir pro cinema, ir pra cama e vir pra piscina. Ao longo do ano, cada final de semana é um treino pra quando chegarem as férias (mas a gente inventa mil tarefas e acaba com o sábado, tadinho). Um dia, finalmente, elas chegam. Daí estamos diante do maior fíndi do universo. Tem os que nunca tiram férias, os que acabaram de mudar de emprego, os que vendem, os que dividem em partes. E tem os que tiram tudo de uma só vez, meu caso. Fartura de dias, riqueza de horas, exuberância de minutos e segundos. Chora, agenda! Se eu fosse você, marcava logo suas férias porque esse ano vai ser dose pra leão: tem uma segunda-feira a mais, 29 de fevereiro. Podia ser sábado ou domingo, né. Em vez de reclamar, melhor pensar nas pessoas que nasceram justamente nesse dia e vão poder comemorar no momento certo, nem antes nem depois. Férias também podem ser perigosas, sabia? A gente tem tempo pra pensar no tipo de vida que leva, na correria exagerada, na pressão do trabalho, nas escolhas que não fazem bem pra saúde. A partir de agora, minha única preocupação vai ser a rapidez que as férias passam. Vou dar um jeito de amarrar esses dias no pé da mesa e fazer render ao máximo essa belezura toda. Que dia é hoje mesmo? Uma segunda com gosto de sábado ou um domingo que poderia ser quinta? Deixa pra lá, não importa

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O restinho de água na jarra

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O que é mais irritante? Abrir a geladeira e encontrar a jarra totalmente vazia ou com um mísero restinho de água? O restinho, com certeza! Ah, juro que sim. Porque esse restinho não enche um copo, não mata a sede e transborda a minha paciência. Só serve pra molhar vasinho de violeta, mas quem vai fazer isso com água filtrada? Se você provar esse restinho, vai sentir gosto de deboche. Ou quem sabe de indiferença. Já cansei de pedir pra encher a jarra. Em 92,7% das vezes, eu caminho

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resignada até o filtro e faço isso. Enquanto dou quatro ou cinco passos na cozinha, fico pensando se é TOC e tenho que me tratar. Ou se aprontei horrores em vidas passadas, como sambar com sandália de prata na Santa Ceia ou algo assim. Por isso comunico, através dessa coluna e com todos os meus amados leitores de testemunha, que a partir de hoje vou ignorar a jarra. Eu consigo viver sem água gelada numa boa. Se depender de mim, o restinho vai continuar lá até criar musgo. Essa coluna é sobre rasgar o meu papel de trouxa e mudar de comportamento da água pro vinho. Tinto, de preferência. Não quero todos lá em casa morrendo de sede. Apenas uma pessoa. Ele deve estar lendo essa coluna e dando risada. Maldita risada linda. Outros restinhos que também me tiram do sério: de sabonete e de papel higiênico. Como pode sair do banho e deixar à disposição do próximo vivente um cotoco de sabonete que não dá nem pra lavar o dedão do pé? Por que deixar no rolo só 10cm de papel que mal secam uma lágrima? Reposição é gentileza. E você sabe, gentileza gera gentileza. Repare que as minhas reclamações são necessidades básicas. Estou tentando sobreviver nessa nave louca chamada vida. Lembrei agora do restinho na jarra (pausa pra respirar fuuuuundo). Posso tomar um longo e gostoso banho com o cotoco de sabonete. Posso me virar com 10cm de papel higiênico. O restinho de água, eu não aceito mais.

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Vida de colunista

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Vou te contar um segredo. 90% de tudo que você lê aqui eu devo à música. Se você gosta das colunas, agradeça à minha playlist. Escrevo de noite em casa, depois do trabalho. Daí preciso de uma ajudinha pra me inspirar e dar o melhor de mim. Quero muito que você sinta algo bom ao ler a coluna. Eu termino meu dia pensando em como você vai começar o seu. Entendeu o compromisso? D epois de jantar e conversar com o pessoal pra saber como foi o

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dia de cada um, eu dou um rolê pela casa já procurando assunto e vou pro meu cantinho escrever. Colocar os fones de ouvido é parte do ritual. O único problema é ficar surda até o fim do ano. Porque tem que ser um volume bem alto pra mandar embora o cansaço. Às vezes (quase sempre) a música é tão boa que eu danço sentada, esqueço a frase que ia escrever, dou uma espiada no Facebook, lembro algo pra fazer no dia seguinte, olho pro relógio e penso “que tarde, ainda preciso tomar banho”, abro a geladeira, volto pro computador, levanto pra pegar uma tacinha de vinho (os outros 10% de tudo que você lê aqui eu devo a ele). Quando me dou conta, terminei a coluna. Pode demorar meia hora ou duas. Tem mais um segredo que não contei. Sou prevenida. Meu bloco de notas do celular tem uma lista de assuntos que vou juntando aqui e ali. As melhores ideias vêm do nada, quando não estou procurando. Anoto rápido. Se nem a música e o vinho ajudarem, essa lista vai me salvar. Seguro morreu de velho caquético, sabe assim? No dia em que sai a coluna, eu mando a próxima. E começo a pensar na seguinte. É um círculo vicioso, um desafio constante, um hábito que já incorporei e adoro. Tenho pavor de palavras repetidas, de errinhos de digitação, de parágrafos que provocam bocejo (acontece). No começo dava medo, agora sei que vou conseguir. Um dia de cada vez, e sempre imaginando você lendo a coluna. Isso me inspira mais do que tudo. Obrigada, viu!

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Sobre minhocas e sapos

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-Aaaaaaaaargh!! Minhoooocas!! Essa sou eu de férias. Talvez você tenha ouvido o meu grito aí na sua casa porque eu realmente gritei alto. A culpa? Duas minhocas criadas a Toddy, que brilhavam de tão gordas. Enfiei a pá na terra e elas saltaram pra fora. Santo Cristo, pra que me dar um susto desses? Sou guria de apartamento, não tô acostumada a tanta natureza. Elas podiam ter avisado que estavam por ali que eu teria chamado reforços. Minha distração número 1 aqui na praia é cuidar da grama e

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das plantas. O jardim é minúsculo, mas o bem-estar que eu sinto tem mil

hectares. Cato folha seca, procuro formigueiro, piso na roseta, compro terra preta, veneno pra formiga, mudas de folhagem, pedrinhas. A melhor hora do dia é molhar a grama (e quem estiver perto). A verdade é que não consigo ficar quieta e estou sempre inventando algo. A floricultura é o segundo lugar que eu mais vou, depois da padaria. É unha preta, joelho preto, costas doendo e a cabeça zeradinha. Voltando às minhocas. Depois do grito, adivinha o que fiz? Bati nelas como se estivesse matando barata. Fatiei as minhocas em muitos pedaços que sumiram na grama alta. Tipo assim rabo de lagartixa se mexendo vivo, e eu possuída fazendo picadinho de minhoca. Entenda o meu lado, foi puro instinto de sobrevivência. Eram elas ou eu. Depois lembrei de um livrinho que eu lia pros guris sobre a história de uma minhoca. Ela era tão legal e abria buracos na terra pras plantinhas respirarem. Fiquei com dó, viu? Antes que você brigue comigo, já me livrei sem violência de uma pererequinha que apareceu no box do banheiro. Com muito sangue frio, levantei o ralo e (não sei como) empurrei o bicho lá pra dentro. Outro dia eu fiz a fina e ignorei um sapinho quando molhava as plantas. Eu poderia ter afogado ele até a morte, mas respirei fundo e fingi que não vi. Entendeu por que as tardes passam rápido aqui?

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Sampaio, Joaquim e Dercy

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Quem me conhece sabe que tenho um probleminha com animais de estimação: medo, basicamente. Cachorros, gatos, caturritas, a lista é grande. Por favor, não insista em me curar. Também não adianta dizer que eles são mansinhos. Nesse momento não ouvirei uma palavra porque meu cérebro vai estar ocupado demais criando uma rota de fuga. Talvez eu pule algum muro de dois metros de altura até você terminar a frase. Traumas de infância não impedem que eu me divirta com os

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nomes dos pets. É muita criatividade envolvida! Sampaio, Joaquim e Dercy

são vira-latas sortudos que foram adotados por amigos meus. Nunca me cheiraram ou lamberam. Tia Maga só conhece eles por foto e está bom assim. Gamei por esses nomes incríveis. Lá nos antigamentes, quando eu era criança, tivemos uma cadela chamada Vanderléia. Ou Vandeca, pros íntimos (quem inventou esse nome, gente?!). Por motivos de força maior, ela foi transferida pra minha vó e passou o resto da vida lá, bem faceira. Se a experiência na nossa casa tivesse dado certo, a Vanderléia poderia ter ganho a companhia do Roberto e do Erasmo, imagina que sucesso! Acho curioso dar nomes de pessoas a animais. Necessidade de humanizar a relação? Quando descobri que um dos meus chefes tem uma gata chamada Magali, levei um tempo processando a informação. Coincidência ou premonição? Concluí que nenhum humano está a salvo de emprestar seu nome pra amigos de 4 patas. Não faz muito, cachorro se chamava apenas Rex e Totó. Hoje até personagem de novela inspira nomes (hello, gata Carminha!). Deve existir por aí uma poodle Tieta, um bulldog Sinhozinho Malta, uma dobbermann Odete Roitmann. Uma vez fiz um trabalho com a Fernanda Lima e ela contou que tinha um cachorro chamado Pato. Só pela zoeira de gritar pato e vir um cachorro, entende? Vou continuar prestando atenção nesses nomes divertidos. Atravessando a rua pra fugir deles.

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O queimadinho do arroz

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Existe uma grande diferença entre um arroz queimado e o queimadinho do arroz. O primeiro é acidente, má sorte, distração. O segundo é de propósito. Chega ser uma provocação. Ao contrário de quem deixa queimar a comida porque foi atender o celular ou está com a cabeça nas nuvens, quem planeja esse queimadinho sabe muito bem o que está fazendo. É um erro calculado pra lamber os beiços depois. Imagine um carreteiro ou um arroz com galinha feitos numa panela de ferro. E lá no

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fundo, discretas raspinhas tostadas na medida certa, esperando pra serem

disputadas. Porque o queimadinho é pouco, não dá pra todo mundo, mas é imperdível. A gente descobre essa iguaria quase sem querer, quando os talheres já estão cruzados em cima do prato e o estômago saciado. Como fingir que você não viu o queimadinho? Como não pegar de novo o garfo e partir pro ataque? Alguém vai contar calorias numa hora dessas? Tem que ser cozinheira de mão cheia pra sacrificar esses grãos de arroz, sem comprometer o sabor e a própria reputação. É como se ela nos mostrasse que domina mais que o sal, domina o fogo. O queimadinho não vai se alastrar feito um incêndio de verão na floresta. No momento exato, a panela sairá do fogão em direção à mesa. Corra pra garantir o seu lugar! Que sorteio do bife, que nada. O queimadinho do arroz é o novo filé. Tomara que você esteja lendo essa coluna perto do almoço, pra não morrer de fome. Eu salivei só de lembrar. Ainda estou sob o impacto de um queimadinho do arroz que comi recentemente. Os grãos tinham uma cor vermelho-alaranjada, não dava pra saber onde terminava o molho de tomate e onde começava o queimadinho. Eu poderia ter almoçado duas vezes naquele dia. Da próxima vez que você encontrar um queimadinho maravilhoso, esqueça que alguém está querendo te engordar. Dispute essa delícia como se fosse a última coxa de um peru perneta.

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Com


Existe uma grande diferença entre um arroz queimado e o queimadinho do arroz. O primeiro é acidente, má sorte, distração. O segundo é de propósito. Chega ser uma provocação. Ao contrário de quem deixa queimar a comida porque foi atender o celular ou está com a cabeça nas nuvens, quem planeja esse queimadinho sabe muito bem o que está fazendo. É um erro calculado pra lamber os beiços depois. Imagine um carreteiro ou um arroz com galinha feitos numa panela de ferro. E lá no

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Os quebradores de regras Eu sempre simpatizei com quem lê o jornal de trás pra frente, desafiando a lógica da leitura. Agora que ocupo esse lugar bacanudo aqui na contracapa do DG, eu simplesmente adoro esses transgressores por um motivo óbvio: se não der tempo de ler mais nada, pelo menos já leram a minha coluna. Você faz parte da turma? Parabéns! A família agradece emocionada. Esse comportamento não é apenas um hábito de leitura, é uma vontade de quebrar regras e inverter a ordem natural das coisas. Um pouco de rebeldia não mata ninguém. O mundo anda virado do avesso, podemos fazer igual. Alguém explica por que um cidadão que paga suas contas em dia é chamado de doido se começar a ler um livro pelo capítulo final? Ele está matando a ansiedade pra depois mergulhar tranquilamente na história. Porque de surpresa já chega o que a vida apronta. Quando alguém lê de trás pra frente, mostra que não teme perder o fio da meada. Esses leitores são as mesmas pessoas que comem o doce antes do salgado. Que sobem a escada rolante da descida provando que é possível. Que dão presente fora das datas comerciais e não se prendem ao calendário. Invejosos dirão “esses aí são do contra!” Discordo. É ousadia. Existem leitores que primeiro passam os olhos por todo o jornal e só então se sentem confortáveis pra ler de trás pra frente. Sem problemas, estou aqui de braços abertos esperando vocês. Agora o verdadeiro transgressor é aquele que ignora a manchete da capa e se joga com tudo na contracapa (meu herói!!). Antes que eu seja acusada de puxar a brasa pra minha sardinha, deixa eu contar o que aconteceu ano passado na Islândia. Um jornal fez uma edição comemorativa toda de trás pra frente, justamente pra homenagear esse comportamento dos leitores. A capa foi pro final. E a contracapa, lá pro começo. Imagina falar línguas tão diferentes e ler o jornal do mesmo jeito. Aqui ou do outro lado do mundo, somos bem parecidos.

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