Espaço ENTRE - Uma nova oportunidade de inclusão na cidade do Rio de Janeiro

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ESPAÇO ENTRE – UMA NOVA OPORTUNIDADE DE INCLUSÃO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Bruna Nasser Farah

Resumo O presente artigo tem por objetivo apresentar o projeto do novo Centro de Apoio a Refugiados que será implantado no bairro da Glória, na cidade do Rio de Janeiro. Com o intuito de melhorar o processo de adaptação do refugiado, o Espaço ENTRE estabelece uma parceria com o PARES Cáritas (Programa de Atendimento A Refugiados e Solicitantes de Refúgio), associação da Igreja Católica do Rio de Janeiro, e expande o seu programa de apoio e inserção social. Funciona como um abrigo temporário que oferece alimentação e espaços alternativos para a realização de atividades, sejam elas da própria associação ou elaboradas pelos moradores como uma forma de reconstruir suas vidas no novo lugar. Palavras-chaves: Inserção social. Refugiado. Inclusão. Cáritas.

1. Introdução O Rio de Janeiro recebe cada vez mais refugiados, que vêm fugindo de guerras, perseguições políticas, de raça ou religiosas. Saindo de seus países com o mínimo possível, muitas vezes sem uma programação prévia, deixam suas vidas para trás, em busca de abrigo e segurança. Isso implica reconstruir uma vida em um lugar desconhecido, com outra cultura, outra língua e outras pessoas, exigindo que o indivíduo se adapte ao lugar, para nele se estabelecer. Os principais países de origem dos solicitantes de refúgio que têm chegado recentemente na cidade são: Angola, Venezuela, República Democrática do Congo, Cuba e Síria. Essa escolha pelo Rio de Janeiro não é deliberada: representa uma única oportunidade ou um visto de entrada em determinado país concedido de forma mais rápida. Os que chegam, em sua maioria homens, sozinhos e jovens, muitas vezes necessitam da boa vontade de desconhecidos para abrigá-los em primeira instância. Sempre muito cansados, com fome e mentalmente abalados por terem deixado suas vidas, além de confusos e preocupados com o futuro, têm como principais carências moradia, alimentação e geração de


renda. Portanto, seus desejos se baseiam em conseguir um emprego para refazer a vida no novo país e, caso estejam sozinhos, trazer a família. O PARES Cáritas RJ atua em três frentes: acolhimento, proteção legal e integração local. No trabalho de acolhimento são fornecidas orientações para suprir suas necessidades mais urgentes, como fornecimento de abrigo, alimentação, saúde, higiene e vestuário. Já no trabalho de proteção legal, os advogados acompanham o andamento do processo de solicitação de refúgio junto ao CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados), realizando entrevistas, elaborando pareceres sobre os casos e fornecendo todas as informações necessárias. Essa atuação inclui ainda assistência para obtenção e regularização de documentos. Por fim, o trabalho da integração local tem o objetivo de criar condições para que os refugiados se integrem à sociedade e se tornem autossuficientes, buscando garantir o acesso ao aprendizado do idioma, ao mercado de trabalho, à formação educacional e ao atendimento psicológico e de saúde. Para cumprir com esse objetivo, a instituição busca estabelecer parcerias com instituições públicas e privadas em diversas áreas. Os principais parceiros de trabalho atualmente são o ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) e o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o presente artigo analisa o projeto do novo abrigo inclusivo ENTRE, que conecta o refugiado à cidade e o insere na sociedade de forma participativa, sem estabelecer uma relação de dependência negativa entre ambos. 2. Localização e contexto O objeto de análise – Espaço ENTRE – está localizado no terreno da Santa Casa de Misericórdia que abrigava o antigo Asilo São Cornélio (1862), que anos depois passou a ser a Faculdade de Medicina Souza Marques (1971), e hoje está completamente abandonado. As edificações pré-existentes são: o casarão neoclássico tombado pelo IPHAN, o conjunto de prédios de arquitetura moderna que ocupam a periferia do terreno, e um grande pátio central. O todo corresponde a uma sobreposição histórica, com construções e programas de temporalidades diversas.


construções modernas

casarão neoclássico

pátio central

Localização: Rua do Catete, Glória – Rio de Janeiro

2.1 A fachada O casarão é o elemento de maior valor histórico. Porém, devido ao seu estilo arquitetônico rígido, se apresenta como uma barreira visual e prejudica a relação com o espaço urbano. Portanto, o programa nesse bloco foi desenvolvido para romper com o caráter introspectivo do espaço e transformá-lo em um pavilhão cultural de escala pública.


Casarão neoclássico tombado (fachada frontal): Rua do Catete, Glória – Rio de Janeiro

Esse é o primeiro contato do indivíduo com o conjunto, pensado para proporcionar trocas eficientes entre locais e novos habitantes da cidade. O programa consiste em um espaço expositivo no térreo, onde antes existia o porão inabitável, e um salão de eventos interativos no pavimento superior, ambos têm o objetivo de estimular o entretenimento e o contato dos locais com todas as diversas culturas que ali vivem através da arte.

Pavilhão Cultural


2.2 O perímetro Nas construções periféricas estão os alojamentos exclusivos dos refugiados, que devido à sua localização mais afastada da rua configuram um espaço privado e silencioso. Devido aos fechamentos bem definidos do bloco original, optou-se por manter sua estrutura de concreto e trocar as divisórias e aberturas para proporcionar ambientes mais arejados e flexíveis. Aproveitou-se da modulação estrutural para distribuir os quartos, deixando espaços livres e verdes entre eles para a ventilação e iluminação natural. A circulação dos alojamentos é frontal, funcionam como uma espécie de varanda contínua pensada para ter um papel social e incentivar ainda mais a interação entre os refugiados, que quase sempre irão se cruzar no caminho.

Alojamentos

Ainda nas bordas do terreno, surge um novo bloco com função multiuso que também aproveita a estrutura original e modifica apenas os fechamentos. Nesse espaço existe a lavanderia e mais três salas sem um programa definido, pensadas para diferentes tipos de apropriação. Acima desse pavimento encontra-se a horta comunitária que é de uso comum e está sob os cuidados dos próprios refugiados.


Horta Comunitária

2.3 O intermédio O prédio mais recente se localiza no centro do terreno e segue a mesma linguagem dos anteriores. Seus novos fechamentos são em sua maioria móveis e têm o objetivo de conectar interior e exterior (pátio central e dos fundos) de forma leve e permeável. Uma estrutura metálica foi instalada, externa à construção, para abrigar no térreo o grande refeitório. Já no primeiro e segundo pavimento, para melhor integrar os refugiados à sociedade, foram incorporados três projetos que fazem parte da pauta do Cáritas:1 I.

Curso de Português A parceria com a Uerj é um instrumento de integração cultural e emancipação do refugiado a partir do aprendizado da língua local.

II. CORES (Coletivo de Refugiados Empreendedores) A parceria com o Sebrae oferece formação em empreendedorismo, profissionalizando e incubando refugiados com vistas à inserção no mercado brasileiro.

1

Cf. Projetos de Integração do Cáritas. Disponível em: http://www.caritas-rj.org.br/projetos.html Cf. Apêndice A


III. Plataforma Trampolim Prevê o desenvolvimento de uma plataforma de busca e oferta de oportunidades e serviços, conectando refugiados a empresas e pessoas físicas para novas redes de contato e trabalho.

Atelier I (primeiro pavimento)

2.4 O âmago O elemento conector de todos os prédios e principal local de trocas entre os refugiados é o pátio central. Ele se transforma em espaço público durante alguns finais de semana para receber feiras e eventos e possui em todo o seu comprimento arquibancadas e bancos mais dinâmicos para uma melhor adaptação às diferentes apropriações que ali podem existir. As principais atividades internas promovidas pelo Cáritas são2: I. Grupos de Conversa Debates e orientações a respeito de temas importantes para o cotidiano dos refugiados, como trabalho, cultura, direitos e questões sobre a mulher.

2

Cf. Projetos de Integração do Cáritas. Disponível em: http://www.caritas-rj.org.br/projetos.html Cf. Apêndice A


II. Yoga para Refugiados Trabalho do corpo e da mente com o objetivo de promover melhorias para a saúde física e psicológica. III. Diálogos Interculturais Encontros entre profissionais renomados brasileiros e profissionais refugiados buscando a troca de experiência enriquecedora.

IV. Arteterapia com crianças Atividades lúdicas e brincadeiras para tratar as diferentes faces da situação de refúgio na infância.

Pátio central (feira no final de semana)


Pátio Central (espaço arteterapia)

Pátio dos Fundos (conexão com o refeitório)

3. Conclusão O projeto incorpora duas das três frentes do programa atual do Cáritas citadas: o acolhimento e a integração local, tendo em vista que a sede hoje existente no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, já é o suficiente para o desenvolvimento do trabalho de proteção legal realizado pela associação.


Espera-se que os refugiados se adaptem à cultura brasileira e à cidade sem perder suas origens, pois uma vez integrados, é mais raro voltarem à instituição, mas isso não os impede de compartilhar boas notícias, como casamentos, nascimento de filhos e outras conquistas. É possível também que, mesmo integrados, eles voltem à instituição em um momento de dificuldade pontual, como perda do emprego ou problema de saúde. O presente artigo evidencia a importância de espaços inclusivos para os refugiados no cenário atual de incerteza e desamparo do mundo, mais sobretudo do Brasil, e aposta na combinação de políticas públicas humanitárias e parcerias com instituições públicas e privadas em diversas áreas para que os novos habitantes sempre se tornem parte da sociedade de forma autônoma.


Referência: PARES Cáritas. Disponível em: http://www.caritas-rj.org.br/. Acesso em: 24 junho 2019.


Apêndice A – Entrevista com Ingrid Ferrari, assistente de comunicação no setor de vínculos solidários do PARES Cáritas.




Apêndice B – Planta Térreo

Apêndice C – Planta Primeiro Pavimento


Apêndice D – Planta Segundo Pavimento

Apêndice E – Corte Longitudinal


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