Terceirização - Contracorrente

CONT R A-CORRENTE A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim bimestral de conjuntura econômica do ILAESE

Ano 07, N° 71 - Maio de 2017

TERCEIRIZAÇÃO: A SERVIÇO DE QUEM?

por Ana Paula Santana e Gustavo Machado

N

o dia 31 de março foi sancionado, pelo atual presidente Michel Temer, o projeto de lei sobre a terceirização. O essencial desse projeto de lei é que agora não apenas as atividades meio poderão ser terceirizadas, mas também as atividades fim. Isso

significa, a partir de agora, a legalização da terceirização sem limites, sem qualquer fronteira, sem qualquer escrúpulo. Ou seja, com a nova lei, uma indústria qualquer, escola ou hospital, poderá ter todos os seus trabalhadores contratados por meio da terceirização, sem que uma só pessoa pos-

sua vínculo empregatício com a empresa em que trabalha diretamente. Em função desse contexto, o novo Boletim Contra-Corrente aborda o tema da terceirização, seu impacto no Brasil e no mundo até o momento, bem como as implicações do novo projeto de lei sancionado por Temer.

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Terceirização já é uma realidade no Brasil há muito tempo T

al como foi no caso da PEC dos gastos, bem como na atual reforma da previdência, uma grande campanha de propaganda vem sendo realizada em torno do projeto de lei que legaliza a terceirização de forma irrestrita. Apesar disso, a campanha não pega. Em pesquisa realizada pela agência Hello Research, do total de entrevistados, apenas 6,8% se disseram favoráveis ao projeto de terceirização sancionado pelo governo Temer, ainda que a maior parte dos entrevistados (62%) informassem não conhecer o teor do documento aprovado na Câmara dos Deputados. Esse segundo dado é, igualmente, alarmante. Afinal, demonstra que uma medida tão importante e com tão drásticos impactos sobre o conjunto da sociedade, vem tramitando sem qualquer debate mais amplo, sem qualquer esclarecimento sobre o conteúdo das medidas em curso.

De qualquer modo, não é de hoje que o setor patronal e os governos

defendem a terceirização irrestrita dos serviços tanto no setor público como no privado. A diferença é que, no caso da terceirização, os argumentos são escassos. Nunca ultrapassam a enumeração de adjetivos vazios, tais como modernização, flexibilidade, eficiência e assim por diante. O motivo, nesse caso, é que não é possível justificar o injustificável. Se no caso da previdência é possível manipular os dados e a razão social da previdência, para dizer que ela possui um rombo; se no caso da PEC dos gastos é possível falar das dívidas dos estados e do rombo em seus respectivos orçamentos, sem explicar quais são as prioridades e para onde se dirige a maior parcela dos gastos públicos; no caso da terceirização a tática é outra: esconder os dados e justificá-la com qualificativos vazios. Afinal, por que cargas d’água o processo de trabalho seria “modernizado” pela introjeção de mais e mais elos intermediários entre a empresa que produz e o

trabalhador? Vejamos um exemplo.

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda do governo Sarney e, atualmente, colunista da Veja, defendeu em um artigo escrito em meados de 2015 cujo título é: “A incrível resistência à terceirização”. Nesse artigo ele escreve que ao “contrário do que se diz, a terceirização é favorável aos trabalhadores. Seu propósito não é diminuir direitos e salários”. Ora, se isso é verdade, em que ela seria benéfica aos trabalhadores? O autor não menciona um exemplo sequer. Para sustentar seu argumento, diz apenas que a terceirização é “mais antiga do que se pensa”, remetendo ao trabalho doméstico de trabalhadores ingleses na época da industrialização.

Curioso que ele procure mostrar que a terceirização é “moderna” pelo fato de ser “muito antiga”. Pior ainda. Não encontrou melhor exemplo que o rude trabalho domiciliar dos primórdios da industrialização, em que o trabalho era vendido por peça e não

por tempo, produzindo um ritmo de trabalho febril e marcado pela miséria extrema. Mas, afinal, o que ela tem de positivo para os trabalhadores?

Absolutamente nada, tanto que Maílson da Nóbrega não usa um só argumento direto a esse respeito. Diz apenas que no “Brasil, a terceirização cresceu com a abertura da economia (1988-1995).

E continuou sob o imperativo da necessidade de eficiência, produtividade e competitividade”.

Como sempre, são apenas usadas palavras vazias de qualquer conteúdo para justificar a terceirização, porque ela é injustificável.

Faltou agregar a palavra: flexibilidade. O arsenal de palavras vazias estaria completo.

Mas não é preciso esperar o passar dos anos para avaliar os impactos da terceirização. Ela já está em curso no Brasil e no mundo há muito tempo. Analisaremos nos próximos artigos, os impactos da terceirização até aqui, para desmascarar o seu único e real objetivo.

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Dividir para conquistar: a terceirização e o desmantelamento dos sindicatos A

té o novo projeto de lei da terceirização, a argumentação de seu uso estava centrada no seguinte: o objetivo da terceirização é separar atividades fins de atividade meio. Ou seja, criar empresas especializadas para atender demandas também especializadas, melhorando a qualidade dos serviços. Nesse sentido, uma empresa de mineração, metalurgia ou educação, delegaria para outras empresas especializadas serviços como segurança, telemarketing e limpeza.

Esse argumento, que formalmente parece fazer algum sentido, encobria, na verdade, a realidade mesma da terceirização: as terceiras, longe de promover qualquer qualificação especializada dos serviços oferecidos, eram apenas intermediárias que empregam mão de obra barata, com alta taxa de rotatividade e absoluta facilidade de demissão. Literalmente, as terceirizadas apenas reúnem os trabalhadores e os enviam para trabalhar nessa ou naquela empresa.

Trata-se unica-

mente da interposição de parasitas entre o empresário e o trabalhador assalariado. Nessa situação, o ganho dos intermediários decorre exclusivamente da diferença entre o preço do trabalho que o empresário paga e a parte desse preço que eles realmente deixam chegar ao trabalhador. Não é preciso muito esforço para entender que a remuneração do trabalhador cai drasticamente, permitindo, ainda, a demissão em massa de trabalhadores apenas encerrando o contrato com as empresas terceirizadas.

Que nobre e moderna função!

Mas afinal, o que vem a ser exatamente uma atividade-fim e uma atividade-meio? Qual a diferença? A CLT, no art.

581, § 2º determina que se entende por atividade-fim a que caracterizar a unidade do produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam. Isso significa que, em uma escola, por exemplo, os professores realizam a atividade fim tendo

em vista a razão social da empresa, todas as demais tarefas seriam atividades meio, como por exemplo, a merenda escolar, limpeza etc. Ora, mas, por outro lado, perguntamos: todas atividades realizadas no interior do local de trabalho não tem por finalidade garantir o serviço ou produto oferecido? É possível produzir mercadorias em uma indústria sem a limpeza, manutenção, transporte e segurança do local de trabalho e dos produtos e pessoas que nele atuam? É atividade-fim apenas a montagem final do produto ou também as peças e partes que o compõem?

Essas perguntas apenas evidenciam que a cisão do trabalho em atividade-fim e atividade-meio não tem nenhuma razão de ser, nenhum sentido, é absurda. Por um lado, todos os tipos de trabalho são apenas um meio para se chegar ao produto final, por outro, todas essas atividades existem unicamente em função de uma dada finalidade. Essa cisão jamais teve como objetivo a modernização

e especialização do processo produtivo. Além de ser uma forma eficaz para rebaixar as condições, estabilidade e remuneração dos trabalhadores, são também, e isso raramente é dito, uma forma de fragmentar a classe trabalhadora em seu próprio local de trabalho.

Com a terceirização, uma siderúrgica, uma montadora de automóveis, uma escola ou hospital possuem trabalhadores vinculados a distintas categorias e representados por distintos sindicatos. A terceirização generalizada tem por objetivo fragmentar a classe trabalhadora em seu próprio local de trabalho, impedindo que esses sejam agentes de lutas por objetivos comuns.

Nessa direção, a terceirização se vincula a estrutura sindical brasileira, herdada desde Getúlio Vargas, que tem por finalidade atomizar e burocratizar as entidades sindicais. Em suma, impedir uma luta coesa da classe trabalhadora, cuja principal força é o seu número, sua concentração e,

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sobretudo, a possibilidade de controlar o local de trabalho.

Não sem razão, o crescimento da terceirização em todo o mundo está diretamente associada a redução da taxa de filiação nas entidades sindicais. Como podemos ver no gráfico ao lado.

O percentual de sindicalização que no ano de 1980 era de 43,7%, começou a despencar justamente no momento em que o mundo era tomado pelas medidas neoliberais e a terceirização se alastrava de país para país. Com isso, em 2013, a taxa de filiação as entidades sindicais caiu drasticamente para 25,5%.

No caso brasilei-

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ro, em que o processo de terceirização desenfreada começou depois, podemos perceber o mesmo processo, como indica o gráfico abaixo.

Como podemos ver, a taxa de sindicalização no Brasil esteve sempre abaixo da média mundial.

No entanto, cresceu impulsionada pelo ascenso

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das lutas no país no curso de todos os anos 80. No entanto, essa taxa vem caindo desde 2006. Certamente, a total conciliação do governo petistas com a classe dominante tem um papel importante nesse processo, mas essa data também coincide com o crescimento vertiginoso da terceirização no país.

Em resumo, é necessário observar os dois lados da moeda. A finalidade da terceirização, do ponto de vista da patronal e de seus governos, não é somente econômico. O objetivo principal é fragmentar e enfraquecer o poder de mobilização da classe trabalhadora, minando das bases de sua organização e, sobretudo, sua principal força: o local de trabalho.

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O fim do concurso público

Fonte: Tesouro Nacional. Elaboração: ILAESE

título desse artigo não é um exagero retórico. A nova Lei da Terceirização não faz nenhuma referência direta ao caso do servidor público. Isto deixa em aberto a possibilidade de terceirizar inúmeros serviços públicos essenciais, que pela Constituição Brasileira deveriam ser garantidos pelo Estado.

Nesse sentido, essa nova Lei se choca com a Constituição que prevê, no artigo 173, o concurso público, inclusive não admitindo exceção em diversas situações. Mas ainda que admitíssemos,

Fonte: COMITÊ GESTOR DO SISTEMA NACIONAL DE SEGURANÇA DO PODER

O

por hipótese, que serviços sociais básicos como Educação, Saúde, bem como funções intrinsecamente públicas como a Justiça,

não estarão sujeitas a terceirização; o certo é que empresas “estatais” de capital misto, como o Banco do Brasil e a Petrobras, se

enquadram integralmente na atual lei. A tendência é a extinção por completo dos concursos nessas empresas. Vejamos um caso concreto.

Como podemos ver no gráfico acima, a adoção de agentes de segurança terceirizados no judiciário brasileiro levou a extinção do concurso público nesse setor, o que não ocorre há mais de uma década.

Hoje, a quase totalidade dos agentes de segurança são oriundos de empresas terceirizadas. Os concursados remanescentes são quase todos oriundos de concursos realizados nos anos 90 e estão em vias de

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Figura 1: Fonte: TCMRJ. Elaboração: Ilaese

se extinguir.

Esse quadro, na verdade, já está em curso no Brasil faz muito tempo. A terceirização não é uma novidade e cresceu de forma acentuada na esfera pública brasileira nos últimos 20 anos. Para se ter uma ideia, listamos abaixo o percentual dos gastos com atividades terceirizadas em relação a Receita Total em algumas das principais prefeituras brasileiras nos anos de 2014 e 2015.

Como se nota, o percentual gasto com terceirização nas prefeituras brasileiras gira em torno de 25% do orçamento, superando os 30% em capitais importantes como Belém-PA e Curitiba-PR. Se levarmos em conta que uma parcela expressiva dos orçamentos públicos são gastos com atividades puramente financeiras (como

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os serviços da dívida) ou então com compra de produtos diversos que não envolve a remuneração direta pelo trabalho, esses números nos mostram que o montante gasto em atividades terceirizadas já está próximo de superar os gastos com contratados diretos pelo Estado, cada vez mais sufocados pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Na verdade, mesmo atividades básicas e de responsabilidade do Estado tais como saúde e educação, já estão a muito tempo sendo sufocadas pela terceirização a partir do uso de brechas legais, como é o caso das entidades paraestatais.

As paraestatais consistem em pessoas jurídicas de Direito Privado, autorizadas por lei a prestar serviços, assim como realizar atividades de inte-

resse coletivo ou público.

São consideradas sem fins lucrativos, mas em função de seus serviços podem receber recursos públicos e mesmo tratamento tributário diferenciado. As duas principais formas de paraestatais em curso no Brasil são as Organizações Sociais (OSs) e os Serviços Sociais Autônomos (SSAs), também conhecidas como Sistema S. Estes dois tipos de paraestatais se diferenciam, fundamentalmente, pelo tipo de atividades que realizam.

No presente contexto, as primeiras já são utilizadas há 18 anos nos serviços de saúde, mas só recentemente as SSAs passam a ser utilizadas no gerenciamento da educação pública. Trata-se de uma forma sutil de terceirização, que além de passar a administração para o setor privado, permite a terceirização

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por meio de convênios e demais requisitos exigidos por uma licitação.

As OSs já estão disseminadas no serviço público de saúde em todas as regiões do Brasil, particularmente nos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo. Foram criadas por Fernando Henrique Cardoso em 1998, quando passaram a ser utilizadas no estado de São Paulo.

Mas se disseminaram durante os anos da gestão petista. Atualmente, estão presentes em 12 estados.

Destes, Goias tem a maior participação de OSs que abarca nada mais nada menos que todas as unidades de saúde. Em 2015, o estado de Goias gastou 42% de seu orçamento para Saúde nesses contratos, o que significa 785 milhões de reais. Vejamos, agora os impactos da Oss no orçamento da saúde do Rio de Janeiro em 2016.

Qual a consequência da disseminação das OSs na saúde pública do Rio de Janeiro? Seria a tão propagada “eficiência, produtividade e competitividade” de que falava Maílson da Nóbrega no inicio de nosso Boletim? O resultado está nas páginas dos jornais: uma de suas piores crises do setor no Brasil, com filas, unidades em funcionamento irregular, salários atrasados, recla-

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mações, como demonstra o estado de emergência decretado pelo governador no setor no dia 23 de Dezembro de 2015. Mas não é apenas isso, o Estado do Rio de Janeiro tem mostrado toda eficiência desse mecanismo com a atual crise econômica de enormes proporções do Estado, que chegou a decretar calamidade pública.

Longe de ser uma si-

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tuação particular do Rio de Janeiro, vários inquéritos do Ministério Público Federal, somente no período de 2014 e 2015, investigam contratos com OSs na área de saúde que somados equivalem a 452 milhões de reais. Estes casos abrangem os Estados de São Paulo, Bahia, Pará, Mato Grosso, Paraná, Sergipe e Maranhão. Ou seja, 7 dos 12 es-

tados em que as OSs se fazem presentes nos serviços de saúde. Tais investigações envolvem superfaturamento e desvios de recursos, além de contratações irregulares de profissionais.

Os dados não deixam margem para dúvidas. Longe de tornar mais eficiente a administração estatal, a terceirização apenas precariza os serviços públicos, bem

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como a situação dos trabalhadores. Coloca fim nos concursos públicos para remunerar empresas privadas terceirizadas, cujo objetivo central é o lucro. Esse processo iniciado no governo de Fernando Henrique Cardoso, se aprofundou nos governos petistas de Lula e Dilma e, agora, Michel Temer quer desferir o golpe final.

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Terceirização no setor privado E

xiste uma enorme dificuldade de se fazer uma análise empírica da terceirização no setor privado. O problema central é que os dados não são divulgados. O Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) é a principal fonte de dados primários que possibilita identificar os trabalhadores terceirizados dos não terceirizados.

Ocorre que o governo federal não disponibiliza acesso a esses dados a nenhuma instituição de pesquisa, apesar das muitas tentativas que já

foram realizadas nesse sentido. Ora, não é difícil deduzir o motivo.

Fosse as condições dos trabalhadores terceirizados similares aos não terceirizados, seria o governo o primeiro interessado a disponibilizar tais dados de modo a justificar seu atual discurso de que a terceirização não é precarização.

Em função dessa limitação no acesso aos dados, a maior parte dos estudos sobre terceirização é realizada em base aos dados disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e

Emprego por meio da RAIS. Acontece que a RAIS não explicita se os vínculos empregatícios são ou não ligados a terceirizadas. O que os pesquisadores normalmente fazem é comparar atividades tipicamente terceirizadas (como vigilância, segurança, investigação, telemarketing e certos tipos específicos de serviços) com atividades tipicamente contratantes. O problema é que esse método compara atividades com níveis de qualificação muito diferentes, limitando o alcance dos resultados

atingidos e deixando flancos abertos.

Por exemplo, os estudos do DIEESE sobre o tema usam esse método. Apesar de muito válidos em diversos aspectos, deixam aberto flancos para a classe patronal brasileira (evidentemente, não por culpa do DIEESE, mas pela limitação dos dados existentes). Nessa direção, usando a mesma base de dados da RAIS, a FIESP realizou um estudo* em que procura mostrar que a situação dos terceirizados, no final das contas, não é assim tão ruim. Eles concluem que “as condições de trabalho estão muito mais associadas às características do setor de atividade que ao fato das empresas atuarem como terceirizadoras de mão-de-obra”. Em função desse cenário, iremos utilizar, nesse artigo, o estudo da FIESP como referência. Vejamos a sua “coerência”.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que a

* Pesquisa Terceirização Trabalhadores - publicada no dia 06/04/2015

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metodologia da FIESP, apesar de se assentar em um fato correto, o fato de que atividades muito precarizadas são comumente terceirizadas, já que normalmente entendidas como atividades meio, fazem, a partir daí, uma manobra de quinta categoria.

Separam todas as atividades terceirizadas de baixa qualificação como sendo “típicas” e classifica as outras, de alta qualificação, como “demais terceirizadas”.

Feito isso, eles compararam a remuneração dessas últimas com as atividades não terceirizadas ou tipicamente contratantes. Vejamos

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os números.

Ora, como a RAIS não disponibiliza a informação de quais trabalhadores são ou não terceirizados, o “critério” da FIESP é retirar todos os serviços tipicamente terceirizados como sendo trabalho de baixa qualificação e, assim, usar apenas os

serviços também tipicamente terceirizados mas que se distinguem pela alta qualificação e, assim, mostrar que não existe diferenças salariais entre terceirizados e não terceirizados. É como se a FIESP respondesse ao DIEESE: “Vocês manipulam os dados! Comparam em

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uma indústria metalúrgica o salário dos metalúrgicos com os trabalhadores da limpeza e segurança.” A crítica não deixa de ser justa.

No entanto, no lugar disso, a FIESP propõe: “nós, por outro lado, eliminamos os trabalhadores terceirizados da limpeza e segurança e, depois disso, comparamos os salários dos analistas de sistema terceirizados com os trabalhadores metalúrgicos”. Que método sublime!!! Tanto é assim que a FIESP sequer explicita em seu estudo que atividades ela enquadra no setor de “demais terceirizados”, sob pena de desmascarar a sua manobra metodológica.

No entanto, se a FIESP joga selecionando apenas as atividades terceirizadas que lhe interessa, existe um elemento que sua

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manobra não permite escapar. A taxa de rotatividade do trabalho.

Afinal, se a remuneração varia enormemente com a qualificação, a rotatividade, ao contrário, se estamos certos que a terceirização precariza as relações de trabalho, deve ser muito alta independente da qualificação.

Pois bem, o índice de rotatividade, como indica os números acima da FIESP (indicados como “tempo de trabalho”) é bem mais alta nas atividades terceirizadas. Mesmo o trabalho terceirizado qualificado tem uma taxa de rotatividade 73% maior que as atividades não terceirizadas. Esse dado está em acordo

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com a análise do DIEESE, como podemos no gráfico anterior.

Como podemos perceber, nesse caso, a análise da FIESP e do DIEESE coincidem. A rotatividades dos trabalhadores terceirizados é quase o dobro daqueles contratados diretamente.

Além disso, outra evidência interessante da inadequação dos dados da RAIS para analisar a presente questão é o percentual, indicado no gráfico mais acima, de 24,9% para as atividades terceirizadas.

Ora, vários casos concretos conhecidos indicam que esse número deve ser bem mais alto.

Vejamos o caso da Petrobras.

Como podemos ver, na Petrobras, os funcionários terceirizados representam um percentual muito superior aos referidos 24,9%. Eram 80,71% em 2013 e 63,07% em 2016. Mais ainda. Com a crise econômica e política, podemos ver que o ônus foi jogado para os trabalhadores.

São cerca de 260 mil empregos a menos em um período de apenas 4 anos. Dessas 260 mil demissões, mais de 242 mil foram entre os funcionários terceirizados, nada mais nada menos que 93,3% das demissões. E não é somente isso. Os terceirizados na Petrobras eram 120 mil ao final do governo de Fernando Henri-

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que Cardoso, atingindo a marca de 300 mil ao final do governo Lula e 360 mil com o governo Dilma, quando representava 78% da mão de obra da empresa. Esses números mostram de forma inequívoca que a terceirização já corre solta no Brasil desde os anos 90, ganhando significativa amplitude nos governos petistas.

Fica evidente, então, que os dados da RAIS são absolutamente inadequados para analisar os reais impactos da terceirização nas empresas privadas no Brasil. Ao comparar setores distintos (uns como tipicamente terceirizados e outros não) estamos a comparar coisas muito diferentes, qualitativamente distintas e que variam de caso a caso. Por isso, se o governo federal quer mesmos nos fazer acreditar que a terceirização não prejudica o trabalhador, que divulguem os dados do CNIS. Estamos aguardando! Importante lembrar que esses números permaneceram a sete chaves também durante os 13 anos de gestão petista.

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Uma das faces da terceirização sem limites: aumentar a exploração dos mais oprimidos A

terceirização sem limites atinge de forma particularmente cruel a vida de negros e negras, mulheres e LGBT’s, que já compõem a maioria dos trabalhadores terceirizados ou precarizados. A lógica do capitalismo é combinar opressão com exploração, assim, para explorar ainda mais uma parcela significativa da classe trabalhadora a ideologia da classe dominante dissemina crenças racistas, machistas e homofóbicas de que determinados serviços são mais adequados aos trabalhadores que historicamente são marginalizados.

O deputado Laércio de Oliveira, relator do projeto de terceirização, dono da Multiserv, empresa que presta serviços terceirizados para vários órgãos públicos, afirmou dias antes do presidente Michel Temer sancionar o projeto que: “ninguém faz limpeza melhor que as mulheres”.

Para àqueles que vivenciam a lógica machista que permeia o modo de produção capitalista, não há nenhum espanto na declaração do empresário e deputado, de certo a pretensão de figuras como esta é relegar a uma parcela da classe trabalhadora serviços invisíveis, inseguros e degradantes. Para

eles cabe às mulheres somente os serviços semelhantes ao trabalho doméstico, e como para tais abutres o trabalho doméstico não tem valor, vale legitimar a lógica que mantem as mulheres nos trabalhos mais precários e com menor remuneração.

O mais recente levantamento realizado pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) mostrou que 70.6% das mulheres negras que trabalham nas regiões metropolitanas das principais capitais estão nos setores de serviços, na sua enorme maioria já como terceirizadas. Logo podemos concluir, que para as mulheres negras a situação é ainda mais cruel, é a continuidade sob outras formas de mais de 400 anos de escravidão no Brasil.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2010 e 2014, 90% dos trabalhadores resgatados em condições de trabalho análoga ao escravo, eram terceirizados

em setores como construção civil, confecções e manutenção elétrica. Por isso, a analogia com os 400 anos de escravidão no Brasil, não é um exagero. A terceirização é, sem sombra de dúvidas, uma porta para o trabalho semiescravo.

Não é menos alarmante, os impactos da terceirização para a população LGBT. No mercado de trabalho brasileiro prevalece o preconceito e a homofobia, com formas que pretendem cada vez mais invisibilizar mais uma parcela de trabalhadores. Não é à toa que boa parte de trabalhadores LGBT’s estão alocados em serviços como telemarketing. Pesquisa realizada pela Elancers, companhia que atua na área de sistemas de recrutamento e seleção, revelou que cerca de 7% das empresas não contratariam homossexuais “de modo algum”, enquanto 11% só considerariam a contratação se o candidato jamais pudesse chegar a algum cargo

de visibilidade. Não bastasse a dificuldade para efetivar a contratação, os trabalhadores LGBT’s também sofrem com diferentes formas de violência no cotidiano do local de trabalho, o que faz com que mais de 60% destes optem por não revelar sua identidade sexual no ambiente laboral.

Este conjunto de fatores que afetam de forma particular mulheres, negros e LGBT’s, que são submetidos a maior rotatividade no mercado de trabalho, salários menores, condições de trabalho mais precárias, etc., tem acarretado o aumento dos índices de sofrimento psíquico e suicídios decorrentes da opressão e superexploração.

Estas são as consequências da tal “produtividade do trabalho e competitividade da indústria nacional”. A verdadeira face da terceirização sem limites é manter as altas taxas de lucros dos grandes empresários às custas do sofrimento dos trabalhadores mais oprimidos.

Fonte: Folha de São Paulo.

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A terceirização vem acompanhada do aumento de acidentes, mutilações e mortes de trabalhadores A

firmamos até aqui que a terceirização significa necessariamente precarização das condições e relações laborais. Os trabalhadores terceirizados estão sujeitos a condições piores e mais inseguras do que aqueles que possuem contratos diretos, além de serem vítimas de mais acidentes de trabalho e doenças ocupacionais O Brasil é o 4º país do mundo com maior ocorrência de acidentes de trabalho, são em média 700 mil registros por ano, não estando incluídos aqui os vitimados que estão em postos de trabalho informais que são cerca de 50% dos ocupados no país. Mesmo os índices oficiais sendo alarmantes, eles ainda não representam a dimensão da insegurança do trabalhador brasileiro, pois há um elevado grau de subnotificação das informações. Quanto maior

o registro de acidentes em uma empresa, maior é a tributação aplicada a ela.

Então, para fugir destas tributações os empresários se recusam a registrar as ocorrências e várias mortes e mutilações de trabalhadores ficam invisíveis às estatísticas.

A ganância dos capitalistas não tem limites, há àqueles que se passam de bonzinhos e levam os trabalhadores acidentados para hospitais particulares (para fugir da triagem do SUS), há àqueles que convencem o trabalhador

acidentado que a culpa do evento é dele e se houver notificação a empresa será prejudicada por uma ‘irresponsabilidade individual’, há casos que os empresários ou gatos escondem corpos de trabalhadores. Todas estas artimanhas são mais fáceis de serem realizadas quando se trata de trabalhadores terceirizados.

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo IBGE em 2013, para cada acidente de trabalho registrado, há sete casos em média que

não foram notificados oficialmente. Oito em cada dez acidentes de trabalho acontecem com terceirizados, e ainda, a cada cinco mortes de trabalhadores por insegurança no trabalho, quatro são de terceirizados.

Aqui cabe um parêntese: estamos usando a terminologia “acidentes de trabalho”, que é o termo usual para eventos que vitimam os trabalhadores fruto de uma situação insegura no ambiente laboral. Porém, vale ressaltar que o conceito de acidente faz referência à um evento que foi ocasionado por uma ação involuntária, é algo inesperado, não intencional. Assim, o que acontece cotidianamente nos locais de trabalho não são acidentes, pois não são eventos casuais ou inesperados. Faz parte da lógica da produção capitalista reproduzir a insegurança à serviço do lucro máximo.

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Acidente ou crime premeditado contra os trabalhadores?

P trâmites burocráticos. Importante destacar, também, que os sócios desses “gatos” não são propriamente empresários; são simples operários, sem qualquer preparo empresarial que caem no “canto da sereia” das grandes empreiteiras, acreditando que o simples registro de uma empresa lhe propiciará a riqueza. É a lógica do capital.

O resultado são, assim, empresas desestruturadas que não oferecem as menores condições de saúde, higiene e segurança na relação de trabalho, que se aventuram no mercado causando enormes malefícios.

Um deles, como é o tema desse tópico, são justamente os acidentes de trabalho, que podem ter várias causas, como por exemplo falta de fornecimento e/ou troca de EPI`s, fiscalização de sua utilização, ausência de fornecimento de alimentação adequada e submissão dos trabalhadores a jornadas de trabalhos extenuantes.

Outra faceta desta moeda e que se mostrou muito presente quando do “boom” da construção civil, propiciado pelas obras do PAC, dentre outras, (entre os anos de 2006 a 2014)

é o aliciamento de trabalhadores. Veja-se que que os “gatos”, diante da grande oferta de serviços e escassa mão-de-obra, literalmente se deslocavam às regiões mais pobres e menos desenvolvidas do país (região do norte de Minas Gerais e região do nordeste brasileiro, por exemplo) para ali aliciarem trabalhadores, prometendo-lhes mundos e fundos. Os trabalhadores, na expectativa de saírem da condição de miserabilidade em que se encontravam, caíam na armadilha e se deparavam, então, com a

triste realidade de submissão a condições análogas à de escravo, o se refletia em péssimas condições de trabalho e alojamentos precários. Aliás, nesse período não foram poucas as oportunidades em que o setor de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego foi acionado para “desmontar” os “cativeiros” e tomar as medidas mínimas de proteção aos trabalhadores.

O levantamento da Comissão Pastoral da Terra, sistematizado no gráfico abaixo, mostra como o setor da construção civil foi em

Fonte: CPT, 02/2014

artindo-se do ramo da construção civil, importante salientar que as empresas, em sua insana voracidade pelo lucro, já adotam, há tempos, a terceirização de sua atividade fim. A lógica funciona da seguinte maneira: as grandes construtoras e empreiteiras contratam empreiteiras de menor porte para prestarem serviços em seus canteiros de obra. Com isso, as mesmas se eximem de responsabilidades com encargos trabalhistas e cumprimento de normas de segurança do trabalho, posto que sua única obrigação, a princípio, se dá na esfera civil, que é justamente o contrato celebrado com essas pequenas empreiteiras.

As pequenas empreiteiras, também conhecidas como “gatos”, em geral são empresas de “gaveta”. Em outras palavras, as mesmas existem formalmente no mundo jurídico, porém sem qualquer estrutura das mais comezinhas, como escritório, técnico em segurança do trabalho, dentre outras...O máximo que possuem é um “contador” que se presta ao serviço de fazer o pagamento dos trabalhadores e cuidar de outros

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2013 o campeão de ocorrências de trabalho análogo ao escravo.

Outra dura realidade é que, hoje, passado o “boom” não é difícil perceber o saldo negativo: não bastassem os trabalhadores que foram mortos ou mutilados, vitimados pelos “acidentes de trabalho”, não é difícil verificar a verdadeira mendicância a qual virou os grandes centros brasileiros, constituída muitas das vezes por esses trabalhadores que, sem novas oportunidades de trabalho, sequer tem condições de voltar à sua terra natal. Em resumo, houve apenas uma transferência geográfica de miserabilidade.

Outro ponto que se faz importante fazer menção é a responsabilidade trabalhista das grandes empreiteiras e dos “gatos”. Dissemos acima que, a princípio, a responsabilidade entre um e outro se dava apenas na esfera do direito civil. Isso não é sem propósito. Conforme dissemos também, caracterizando-se os “gatos” como empresas sem qualquer estrutura, logicamente que a probabilidade de calote sempre foi grande e se demonstrou na prática.

Os trabalhadores eram, por assim dizer, deixados à míngua. Ora, num universo de milhares de trabalhadores, a

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esmagadora maioria pessoas simples e de parcos conhecimentos, poucas foram as que sabiam que poderiam demandar as grandes empreiteiras, as tomadoras do serviço. Tudo dentro da lógica perversa do capital representado pelas grandes empreiteiras, que é o risco calculado. Veja-se: paga-se os “gatos”, livra-se dos encargos burocráticos, maximizando seus lucros e vindo uma ou outra demanda trabalhista, certamente tudo está dentro deste risco calculado, não causando qualquer “arranhão” em seus grandes empreendimentos altamente lucrativos.

A situação é tão bizarra, que já se chegou ao ponto de um trabalhador vitimado de acidente de trabalho chegar ao óbito e estar formalmente vinculado por uma MEI cuja proprietária era sua própria esposa.

Não é difícil concluir, portanto, o quão maléfica é a terceirização, inclusive das atividades fim, já em voga no país: precarização das relações de trabalho, trabalho em condições análogas ao escravo, falta de garantia de pagamento de salários e verbas rescisórias, maior probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho, aumento da miserabilidade, dentre outras...

Agora imagine-se com o

alastramento para outros segmentos?

Imagine-se sem a responsabilidade da empresa tomadora, conforme pretende o governo de Michel Temer?

Aliás, aqui cabe fazer um adendo. A legitimação da terceirização para atividades fim, serve tão-somente para trazer maior segurança jurídica aos empresários, posto que na prática tal conduta já vem ocorrendo há anos em alguns setores da economia.

Esses setores são os que apresentam, na prática, uma das maiores precarizações nas relações de trabalho, o que traz como consequência, dentre outros malefícios, justamente os acidentes, mortes e mutilações de trabalhadores.

Uma tragédia anunciada Um exemplo emblemático, centrando-se na reprodução de insegurança nos locais de trabalho, são os acontecimentos das obras do PAC, em especial a construção da Usina Hidrelétrica de Jirau, mesmo sabendo que os dados do setor privado carecem de mais precisão como afirmamos anteriormente. A condição dos operários que trabalhavam nesta obra é o retrato fiel do que pode produzir a terceirização.

Os operários em sua maio-

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ria migrantes, aliciados em regiões rurais por “gatos”, chegavam nas obras e eram expostos a formas de trabalho análogas ao trabalho escravo, sem nenhum treinamento prévio para atuar em grandes construções, submetidos a trabalho noturno e em ritmo acelerado, sem nenhum contato com familiares, ausência de descanso obrigatório, etc. O que se pode esperar desta combinação?

Os próprios operários denunciaram a ocorrência de mais de 85 mortes entre os anos de 2010 e 2013 e ainda um sem número de trabalhadores desaparecidos, que podem ter sido concretados nas enormes estruturas das obras, levados pelos rios que circundam a hidrelétrica após algum evento fatal ou “sumidos” pelos capatazes das obras. Vários destes casos foram amplamente divulgados na época pela imprensa local, porém somente 41 mortes foram oficialmente registradas até 2013, segundo o levantamento da Delegacia Sindical em Rondônia do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT. Ressalta-se que em torno de 80% dos casos de acidentes, mutilações e mortes aconteceram com operários terceirizados.

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Vamos ao setor elétrico...

O

utra realidade que exemplifica alguns dos aspectos abordados até aqui – enfraquecimento da organização dos trabalhadores, fim de concurso público, insegurança nos locais de trabalho – é a do setor elétrico no Brasil.

Dados do Relatório de Estatísticas de Acidentes no Setor Elétrico Brasileiro revela que entre 2002 e 2011, 139 empregados do quadro próprio das empresas do setor elétrico brasileiro perderam suas vidas em acidentes fatais, enquanto as empresas terceirizadas que atuam no setor contabilizaram 609 mortes. Além das mortes, o setor é um campões em mutilações, registrando no mesmo período 8.940 vítimas. Para se ter uma ideia do quanto este setor carrega condições inseguras, foi registrado em 2011 a taxa de 44,3 mortes em cada 100.000 trabalhadores no setor elétrico enquanto a taxa de acidentes fatais típicos de todos os trabalhadores brasileiros foi calculada em 5,8 por 100.000 trabalhadores no mesmo período. O fato é que a terceirização no setor tem aumentado vertiginosamente.

A Companhia energética de Minas Gerais

- CEMIG, é um exemplo marcante de terceirização dentre as empresas do setor elétrico brasileiro. Diferentemente de outras grandes estatais do setor que foram privatizadas no segundo mandato do governo de FHC, como nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, em Minas Gerais ocorreu outro fenômeno. Todos se lembram que, àquela época, o então governador do estado de Minas Gerais, Itamar Franco, travou uma batalha junto ao governo federal para, justamente, evitar a privatização total da empresa (leia-se total porque se trata de empresa estatal de economia mista e capital aberto, sendo que o Estado de Minas Gerais é o acionista majoritário).

Contudo, evitada a privatização, o que ocorreu em seguida foi justamente o aumento contínuo e vertiginoso da terceirização da atividade fim da empresa.

Os contratos firmados entre a CEMIG e as terceirizadas, em geral prevêem a execução de serviços de construção e manutenção civil e eletromecânica em Redes de Distribuição Aérea (RDA); instalação ou retirada de ramal de serviço aéreo e ligação de unidade consumidora; desligação e

religação de unidades consumidoras; manutenção e ronda de iluminação pública; operação e restabelecimento do sistema elétrico; enfim, a atividade fim da empresa é toda executada por trabalhadores terceirizados, cabendo aos eletricitários do quadro próprio somente o trabalho mais especializado, como engenharia e planejamento.

Para realização das tarefas determinadas nos contratos com as terceirizadas, os trabalhadores deveriam passar por um rigoroso treinamento, já que se trata de trabalhos em rede energizada e em altura. Reafirmando: a atividade prestada pelos terceirizados não é, em hipótese alguma, periférica, meramente de apoio ou acessória, mas, pelo contrário, necessária aos serviços de distribuição de energia elétrica. O trabalho para que os operários das terceirizadas são contratados trata-se de atividade-fim da CEMIG. Os trabalhadores das terceirizadas são subordinados e recebem ordens empresárias diretamente da CEMIG, ficando as equipes das terceirizadas com ligação direta ao Centro de Operações e Distribuição da CEMIG (via computador de bordo ou telefone

do encarregado da turma), determinando o deslocamento para o atendimento de eventos diversos, assim como também passam informações de falhas de equipamentos.

E ainda, é a CEMIG quem define a estrutura básica das equipes; determina a quantidade de equipes por cidade/região; determina o treinamento específico exigido dos membros da equipe; determina o treinamento que deve ser ministrado para o trabalho em redes energizadas, dispõe qual a quantidade de funcionários da empresa terceirizada que trabalharão em regime de sobreaviso; determina qual o início e término da jornada de trabalho dos empregados da empresa terceirizada; fixa prazos para a realização e entrega dos serviços realizados pelas equipes de empregados da empresa terceirizada.

O quadro abaixo mostra qual a composição da força de trabalho que opera para CEMIG, dados do ano de 2016. O número de terceirizados chega a ser quase três vezes maior do que o número de trabalhadores do quadro próprio da empresa.

O processo de terceirização da empresa é tama-

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Fonte: Funcoge (2011) - Elaboração: ILAESE

nho, que praticamente inexistem trabalhadores que vão a campo vinculados diretamente à CEMIG, o que reproduz todas as mazelas já expostas: um mar de trabalhadores submetidos a atividades perigosas, sem treinamento e/ou com treinamento inadequado, em excesso de jornada, recebendo remunerações muito aquém dos trabalhadores da tomadora, dentre outras. Em outros tempos, antes do início do processo de terceirização, quando os trabalhadores eram diretamente vinculados à tomadora, tais efeitos inexistiam ou existiam em escala mínima. Inclusive, trabalhar para a CEMIG era motivo de “orgulho” e garantia uma vida digna. O lado perverso da história é que o trabalhador terceirizado, em sua inocência, se vê como um trabalhador da CEMIG, pois anda em

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Cartaz de propaganda do documentário que relata os efeitos da terceirização no setor elétrico

um carro com a logomarca da empresa, todo o equipamento de trabalho é vinculado a CEMIG, enfim, há uma infinidade de razões que levam o trabalhador acreditar que é um cemigueiro (como os terceirizados dizem). Daí eles são persuadidos a se arriscarem e perderem suas vidas, como relata o documentário “Dublê de Eletricista”: “A eletricidade pressupõe que as pessoas sejam bem treinadas, e isso não acontece nas empresas terceirizadas”, diz o trabalhador terceirizado no

documentário. “As empresas terceirizadas pegam o trabalhador, levam ele para fazer um treinamento que na verdade é muito mais um trabalho de persuasão do instrutor que diz ‘Olha, quando eu trabalhei eu fazia isso e aquilo, você vai fazer, você se vira’”, completa. Toda essa combinação fez com que o trabalhador que protagoniza o documentário perdesse os dois braços e as duas pernas, após uma descarga elétrica na rede de alta tensão.

Veja-se, portanto, que a terceirização da atividade

fim já é uma triste realidade existente na sociedade brasileira, sendo que os setores da construção civil e das empresas de energia elétrica são apenas exemplos palpáveis existentes no cotidiano já a bastante tempo.

Interessante, nesse aspecto, é dizer que há uma grande similitude entre essas duas categorias de trabalhadores, haja vista que ambos pertencem ao 3º grupo do Quadro de Atividades e Profissões a que alude o artigo 577da CLT. A similitude, aliás, não se dá apenas no plano formal ou legal, revelando-se, pelo contrário, na prática. Tratam-se, com efeito, de trabalhadores de origem humilde, com baixo grau de instrução e que para, literalmente, sobreviver, são os alvos perfeitos para a exploração capitalista representada pelas grandes empreiteiras nacionais e internacionais.

Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais.

Coordenação Nacional do ILAESE: Ana Paula Santana, Antonio Fernandes Neto, Daniel Romero, Érika Andreassy, Gustavo Machado, Nando Poeta e Nazareno Godeiro. Contato: Rua Curitiba, 862, sala 307. Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30170-124. Telefone: (31) 2520-2008 - (31) 99223-8876- ilaese@ilaese.org.br - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Diagramação: Phill Natal.

Editor responsável: Gustavo Machado.