Mulheres e Cidades: os desafios do urbanismo sob uma perspectiva de gênero no bairro José Bonifácio

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NATÁLIA RESEGUE MAMBLONA

MULHERES e CIDADES OS DESAFIOS DO URBANISMO SOB UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO NO CONJUNTO HABITACIONAL JOSÉ BONIFÁCIO 1



MULHERES e CIDADES OS DESAFIOS DO URBANISMO SOB UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO NO CONJUNTO HABITACIONAL JOSÉ BONIFÁCIO 5


universidade de são paulo faculdade de arquitetura e urbanismo trabalho final de graduação arquitetura e urbanismo natália resegue mamblona orientadora: paula santoro dezembro 2019 6

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Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Hilda Hilst Uma gota de leite me escorre entre os seios. Uma mancha de sangue me enfeita entre as pernas. Meia palavra mordida me foge da boca. Vagos desejos insinuam esperanças. Eu-mulher em rios vermelhos inauguro a vida. Em baixa voz violento os tímpanos do mundo. Antevejo. Antecipo. Antes-vivo Antes – agora – o que há de vir. Eu fêmea-matriz. Eu força-motriz. Eu-mulher abrigo da semente moto-contínuo do mundo.

Conceição Evaristo

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INTRODUÇÃO APRESENTAÇÃO DO TEMA 13 LUGAR DE FALA E O DESAFIO DE DESCOLONIZAR O PENSAMENTO 17 CONCEITOS ASSOCIADOS: GÊNERO, INTERSECCIONALIDADE.... 20 URBANISMO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO E INTERSECCIONAL 22 UMA PROPOSTA DE METODOLOGIA DA ANÁLISE TERRITORIAL SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO 31 ANÁLISE TERRITORIAL SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO APLICADA NO CONJUNTO HABITACIONAL JOSÉ BONIFÁCIO 34 DESCOLONIALISMO DO PENSAMENTO E DAS METODOLOGIAS DE LEITURA 36

METODOLOGIA APLICADA BAIRRO E REDE COTIDIANA: JOSÉ BONIFÁCIO 71 ESPAÇO DE RELAÇÃO: PRAÇA BRASIL 76 EQUIPAMENTO COTIDIANO: CASA DE CULTURA RAUL SEIXAS 80

LEITURA DO TERRITÓRIO ITAQUERA: PEDRA-DURA 42 COHAB E BRASIL 45 DISTRITO JOSÉ BONIFÁCIO 48 PRAÇA BRASIL 52 OCUPAR É NECESSÁRIO 58 A OCUPAÇÃO NA PRAÇA BRASIL 61

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES GERAIS 84

CARTAZES 97 AGRADECIMENTOS 121 BIBLIOGRAFIA 122


1.1. APRESENTAÇÃO DO TEMA

A

partir do interesse inicial em reivindicar a cidade de São Paulo como um lugar único no que diz respeito ao acesso à cultura, especificamente por ser o lócus de atividades culturais organizadas por grupos independentes, senti a necessidade de estudar certos coletivos . Considerando os movimentos das periferias como agentes principais dessa agitação em relação ao acesso à cultura na cidade de São Paulo, a Praça Brasil e as ocupações ao seu redor (no distrito José Bonifácio-COHAB II) surgiram como território potente, em decorrência da mobilização desses coletivos e da proposta das suas atividades. Por meio da Profa. Dra. Paula Santoro , soube da ocupação Tereza de Benguela, e, por contato do Aluízio Marino, pesquisador do LABCIDADE, tive o primeiro contato com o pessoal da Okupação Coragem, na audiência de reintegração de posse no Fórum de Itaquera, no dia 2 de outubro de 2018. A princípio, a ideia era estudar como esses coletivos culturais independentes geram diferentes centralidades numa cidade como São Paulo, isto é, como esses grupos suscitam a formação de redes e influenciam o fluxo de pessoas neste território segmentado. Interessei-me por este tema ao voltar de um ano de intercâmbio na Politécnica da

Catalunha, onde pude ter a experiência de vivenciar a cidade de Barcelona: suas casas de cultura, as ocupações culturais, festas de rua, etc. O Forat da Vergonya, por exemplo, é bem ilustrativo desta efervescência cultural e social em espaços públicos da cidade. Inserido em pleno centro histórico de Barcelona, no bairro El Born, constitui importante ponto de resistência da comunidade às políticas de gentrificação do governo. Nestes 5000 metros quadrados, era prevista a abertura de um estacionamento à disposição do turismo cultural, inserido num contexto de adequações urbanísticas de largo porte também com este objetivo. A iminência de sua construção gerou a mobilização dos moradores e tornou evidente o conflito entre cidade habitada e a cidade planejada.1 A população organizou-se para a apropriação do espaço através da construção de jardins, hortas, zonas para jogos infantis, etc. Tudo com suas próprias mãos. A partir da escala do bairro, surgiu um movimento de autogestão que se tornou referência dos movimentos sociais na cidade.2 A mobilização das associações de bairro também era admirável, representada pelos Casals de Barri (casas de cultura dos bairros). Durante a

Hernández Cordero, Adrián. (2016). El Forat de la Vergonya: el conflicto entre la ciudad planificada y la ciudad habitada.

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RUIZ, Manuel Delgado. El Forat de la Vergonya. Barcelona, 2006. 13


minha estadia em Barcelona, tive também o prazer de conhecer o Collectiu Punt 6: cooperativa de arquitetas, sociólogas e urbanistas que promovem oficinas em prol de cidades mais inclusivas, que priorizem a igualdade de gênero (o coletivo se formou após a promulgação da Lei de Bairros da Catalunha em 2004, que objetivava a equidade de gênero nos espaços públicos e equipamentos como um dos oito pontos básicos a desenvolver). Ao voltar para São Paulo, tive curiosidade em descobrir quais seriam e onde estariam os grupos que realizam um trabalho de microescala na cidade. Foi por sugestão da Profa. Paula Santoro que resolvi olhar para a periferia, (mais especificamente para a ocupação Tereza de Benguela), onde me deparei com um movimento intenso de mulheres, que formavam uma rede de apoio e reivindicavam um espaço apropriado de reunião. Durante esse percurso, pude observar que uma maior efervescência cultural partia dos territórios marginalizados, provavelmente por carecer de serviços públicos deste tipo, já que é no centro da cidade que está concentrada a rede de equipamentos culturais. Foi também neste momento que descobri a definição de espaços convidados e espaços inventados da Faranak Miraftab e que me auxiliou a perceber, por exemplo, as diferenças entre casas de cultura e ocupações culturais.3 Ao discorrer sobre as práticas insurgenMIRAFTAB, Faranak. Insurgência, Planejamento e a Perspectiva de um urbanismo humano. ). RECIFE,2016. 3

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tes de planejamento, isto é, as ações cidadãs que transformam a cidade, Miraftab diferencia esses dois tipos de ação: “O planejamento insurgente avança essa tradição ao abrir a teorização do planejamento a outras formas de ação, para incluir não apenas formas selecionadas de ação dos cidadãos e de suas organizações sancionadas pelos grupos dominantes, as quais designo de espaço de ação convidados; mas também as insurreições e insurgências que o Estado e as corporações sistematicamente buscam colocar no ostracismo e criminalizar - que designo de espaços de ação inventados.”(MIRAFTAB. 2016. 368)

E afirma ainda: “As práticas insurgentes e o planejamento insurgente não buscam por inclusão através de uma melhor representação (seja de especialistas ou de políticos); mas buscam a inclusão autodeterminada, na qual os direitos das pessoas são reais e praticados.” (MIRAFTAB. 2016. 368)

Miraftab salienta, no entanto, que a construção binária desses termos e de suas ações induz à ideia de uma certa estabilidade em cada um desses espaços e desconsidera a capacidade do capitalismo de rapidamente apropriar-se de novos discursos e práticas. Por isso, defende a necessidade de que esses movimentos radicais reinventem seus espaços de ação através das “práticas de ruptura e criação”. (MIRAFTAB. 2016. 369)

Dito isso, a praça Brasil contém num mesmo território três espaços muito potentes no sentido dos espaços inventados: a própria praça (palco de reivindicações políticas por parte da comunidade) e as duas ocupações no mesmo lote: uma cultural (CORAGEM) e a de acolhida às mulheres (Tereza de Benguela Foi só ao iniciar o trabalho de campo, que pude começar a entender e perceber a atuação desses grupos aqui em São Paulo, que é essencialmente, de resistência e, portanto, política. Sua atuação está intimamente ligada ao território e suas carências. Nesse sentido, essas ocupações de cunho cultural têm uma grande potência transformadora da cidade em que vivemos. A abordagem desde a perspectiva de gênero revelou-se ao longo do trabalho de campo uma questão intrínseca de conflito dentro deste território específico. Ao conhecer a proposta das atividades da Tereza de Benguela, passei a acreditar na importância de focar especificamente na abordagem de gênero dentro do território. No entanto, foi difícil estabelecer contato com as pessoas que atuavam na ocupação, já que ela se manteve fechada durante o período da pesquisa e, atualmente, está prestes a iniciar uma reforma juntamente com o grupo FAU SOCIAL. Ainda assim, muitas das atividades propostas por outros coletivos da região - como o Afro 2 e a própria Okupação CORAGEM - tinham um caráter feminista, de acolhida às mulheres e à comunidade LGBTQi, A partir das demandas da região, essas atividades constituem-se em espaços inventados por e para

mulheres. Ainda durante o período de estudo, ocorreu o pedido de reintegração de posse pela COHAB dos imóveis ao redor da praça Brasil, que incluem as ocupações CORAGEM, a Tereza de Benguela e outros pequenos comércios locais. Esses espaços, originalmente projetados pela Companhia Metropolitana de Habitação COHAB para o uso comercial na década de 1980, ficaram abandonados por quase 20 anos e foram apropriados há cerca de 2 anos por esses coletivos. Atualmente, portanto, as ocupações sofrem com a ameaça de perda destes locais o que é motivo de instabilidade e insegurança da continuidade de suas atividades. O presente trabalho busca uma análise territorial desde a perspectiva de gênero em determinado território - a praça Brasil - num contexto político específico - o Brasil de 2019. Propõe uma leitura do território com abordagem de gênero e interseccional, trazendo os sujeitos periféricos, no caso a mulher periférica, para a cena. As leituras teóricas foram importantes para definir conceitos gênero, interseccionalidade, urbanismo feminista, planejamento insurgente ou contra-hegemônico - e encontrar pesquisas que empiricamente ajudaram a fazer uma leitura do território com essas abordagens. Trata-se, portanto, de um projeto um tanto ambicioso, visto o grau de profundidade e complexidade desse tema. Por isso, é importante dizer que ao invés de conclusões, alcancei novas questões e reflexões: um projeto que não se finaliza, 15


mas está aberto para novas pesquisas, hipóteses e indagações.

1.2. LUGAR DE FALA E O DESAFIO DE DESCOLONIZAR O PENSAMEN-

Durante a realização desse trabalho, o trabalho de campo foi essencial, mas foi igualmente importante a aproximação teórica de conceitos atuais dentro do campo dos estudos feministas, como lugar de fala, representatividade, descolonização do pensamento, interseccionalidades, entre outros. É importante esclarecer o lugar de onde se fala, já que a maneira que cada um experiencia o mundo é influenciada, em grande parte, pelo lugar social que ocupa (RIBEIRO, Djamila. 2019. 69). Ressalta-se que o intuito desta pesquisa não é, de maneira alguma, representar a luta dessas mulheres, mas sim, observá-la e, como graduanda de arquitetura e urbanismo, refletir sobre ela e documentá-la. Ao diferenciar os termos lugar de fala e representatividade, tema de muita discussão e confusão, Djamila Ribeiro no seu livro, Lugar de Fala, comenta: “Um dos equívocos mais recorrentes que vemos acontecer é a confusão entre lugar de fala e representatividade. Uma travesti negra pode não se sentir representada por um homem branco cis, mas esse homem branco cis pode teorizar sobre a realidade das pessoas trans e travestis a partir do lugar que ele ocupa. Acreditamos que não pode haver essa desresponsabilização do sujeito do poder. A travesti negra fala a partir de sua localização social, assim como o branco 16

cis. Se existem poucas travestis negras em espaços de privilégio, é legítimo que exista uma luta para que elas de fato possam ter escolhas numa sociedade que as confina a um determinado lugar; logo, é justa a luta por representação, apesar dos seus limites. Porém, falar a partir de lugares é também romper com essa lógica de que somente os subalternos falem de suas localizações, fazendo com que aqueles inseridos na norma hegemônica nem sequer se pensem. Em outras palavras, é preciso cada vez mais que homens brancos cis estudem branquitude, cisgeneridade, masculinos. Como disse Rosane Barges para a matéria “O que é lugar de fala e como ele é aplicado no debate público”, pensar lugar de fala é uma postura ética, pois “saber o lugar de onde falamos é fundamental para pensarmos as hierarquias, as questões de desigualdade, pobreza, racismo e sexismo.” (RIBEIRO, Djamila. 2019. 82)

Neste trecho, Ribeiro defende a importância do debate, mas enfatiza que falar sobre determinado assunto ocupando uma determinada posição social não significa a representação desta causa específica. Da mesma maneira, ao estudar as mulheres e a periferia de São Paulo, não busquei diagnósticos ou manifestos, mas sim relatos sobre este encontro – do qual participei; destas pessoas e deste lugar. Ainda nesta chave, Bethania Assy4 indaga-se sobre como o sujeito com direitos deve relacionar-se com o sujeito sem direitos e afirma que a ideia de que cada um deve focar na sua própria 17


agenda de direitos é muito fraca no sentido de produzir um tecido coeso. Segundo ela, esta precarização de direitos existente e sua consequente violência envolve todos os corpos, e é neste sentido que surge a emergência da produção de espaços onde exista o cultivo de sentimentos públicos. Quanto ao termo descolonização do conhecimento, ainda no seu livro, Ribeiro comenta sobre a opinião de Foucault acerca do trabalho dos intelectuais, que seria o de analisar as relações de poder, jamais como representante das lutas específicas das massas (RIBEIRO,Djamila.2019.p.73). Segundo Foucault, as massas podem falar por si, porém existem impedimentos para que estas vozes sejam ouvidas e isso deve-se às estruturas de poder e às instituições que possuem um discurso baseado num sujeito universal: o homem branco. Daí a importância da descolonização do conhecimento. Assim, sobre a maneira de romper com as estruturas do discurso hegemônico, Djamila cita Grada Kilomba: “Algo possível de se tornar conhecimento torna-se então toda epistemologia que reflete os interesses políticos específicos de uma sociedade branca, colonial e patriarcal. Por favor, deixem-me lembrar-lhes o que significa o termo epistemologia. O termo é composto pela palavra grega episteme, que significa conhecimento, e logos, que significa ciência. Epistemologia é, então, a ciência da aquisição de conhecimento, que determina:

1) (os temas) quais temas ou tópicos merecem atenção e quais questões são dignas de serem feitas com o intuito de produzir conhecimento verdadeiro. 2) (os paradigmas) quais arrativas e interpretações podem ser usadas para explicar um fenômeno, isto é, a partir de qual perspectiva o conhecimento verdadeiro pode ser produzido. 3) (os métodos) e quais maneiras e formatos podem ser usados para a produção de conhecimento confiável e verdadeiro. Epistemologia, como eu já havia dito, define não somente como, mas também quem produz conhecimento verdadeiro e em quem acreditarmos.”

discurso autorizado e único, que se pretende universal. Busca-se aqui, sobretudo, lutar para romper com o regime de autorização discursiva” (RIBEIRO, Djamila. 2019. 69).

A descolonização do pensamento fala muito mais sobre promover a multiplicidade de vozes e a diversidade, do que a universalidade e o discurso hegemônico, ainda tão presente nas instituições. Procura, portanto, promover a coexistência de vários discursos ou a legitimação dos diversos pontos de vista ao invés da substituição de um discurso pelo outro. Há, então, urgência em se repensar o papel social dos indivíduos e das instituições, como finaliza a autora: “A teoria do ponto de vista feminista e lugar de fala nos faz refutar uma visão universal de mulher e de negritude, e outras identidades, assim como faz com que homens brancos, que se pensam universais, se racializem, entendam o que significa ser branco como metáfora do poder, como nos ensina Kilomba. Com isso, pretende-se também refutar uma pretensa universalidade. Ao promover uma multiplicidade de vozes o que se quer, acima de tudo, é quebrar com o

ASSY, Bethania. Novas fronteiras entre identidades e Direitos Humanos. São Paulo, 2019. 4

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1.3. CONCEITOS ASSOCIADOS: GÊNERO, INTERSECCIONALIDADE...

Antes de entender do que se trata o urbanismo com perspectiva de gênero, é importante diferenciar sexo e gênero. O sexo é atribuído de acordo com determinadas características biológicas, anatômicas e fisiológicas. Já o termo gênero é mais complexo, devido às distintas abordagens que assume ao longo do tempo entre diferentes atores sociais e políticos. A partir da análise de teóricas do movimento feminista como Scott e Haraway, Kohler discorre sobre a conotação do termo gênero ao longo da História.5 Esse conceito foi originalmente reivindicado pelas mulheres no pós-guerra. Na década de 1980, era frequentemente aplicado para referir-se a “mulheres” e bastante utilizado pelo público acadêmico devido à sua neutralidade e objetividade. A concepção do termo assume conotação política por contestar a naturalização dos papeis sociais geralmente atribuídos a cada um dos sexos nas diversas camadas da sociedade. Necessariamente refere-se às relações socioculturais construídas entre os sexos, o que determina espaços e estabelece hierarquias. Importante dizer ainda que se o gênero é definido a partir das relações sociais entre os dois sexos, uma análise sob perspectiva de gênero é um estudo tanto sobre as

questões das mulheres, quanto a dos homens. Esta divisão sexual está presente nas bases estruturais da sociedade como o mercado de trabalho e o modelo de família heterossexual e é por meio dessa estrutura que as relações de poder entre homens e mulheres são identificadas. Alguns autores costumam expor esta segmentação em pares complementares: privado e público, doméstico e urbano, trabalho produtivo (referente às funções do mercado de trabalho - mundo masculino) e trabalho reprodutivo (referente aos trabalhos de cuidado doméstico e de pessoas – mundo feminino). A dicotomia e a luta contra o patriarcado, assim como a divisão do trabalho entre produtivo e reprodutivo, foram importantes para colocar o feminismo na agenda de debate social, muito apoiada na agenda econômica. No entanto, há uma crítica sobre esta divisão de espaços. Este raciocínio binário sobre os espaços e seus agentes reforça a oposição e confronto entre estes dois mundos ao invés de induzir a um pensamento transversal, o que prejudica principalmente o campo das proposições transformadoras desse status quo. Esta dicotomia torna-se simplista também por ignorar outros sujeitos e desigualdades, como raça, clas-

se e o sujeito periférico ou latino (SANTORO, Paula. 2019). Esse tema leva ao debate do termo interseccionalidades e à necessidade da abordagem interseccional na leitura urbana. A expressão trata do estudo da sobreposição ou intersecção de identidades sociais sob sistemas de opressão e discriminação. Isto significa que os diferentes sujeitos experimentam a cidade de maneira diferente e, principalmente, desigual. Uma mulher negra percebe a cidade de modo bastante diverso de uma mulher indígena, amarela ou branca. As formas de opressão aplicam-se dependendo da intersecção entre essas identidades. A interseccionalidade pressupõe outras maneiras de leitura do espaço e, no Brasil, por exemplo, dão visibilidade ao racismo estrutural e à lógica de opressão determinante na conformação dos espaços, fator que precisa ser lido e interpretado pelos arquitetos e urbanistas. É possível notar, por exemplo, que existe um padrão de ocupação da população negra no território. São essas pessoas que têm maior dificuldade em estabelecer-se economicamente, alugar um espaço próprio e ter uma melhor qualidade de vida (SANTORO, Paula. 2019).

HARKOT, Marina Kohler. A bicicleta e as mulheres. São Paulo, 2018. 5

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1.4. URBANISMO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO E INTERSECCIONAL

O urbanismo com perspectiva de gênero é uma ferramenta para incorporar o feminismo ou a luta pela igualdade entre homens e mulheres na luta pelo acesso à cidade (MUXÍ, Zaida. 2018). Já que existe um discurso hegemônico (supostamente neutro) presente nas instituições, que é equivalente ao discurso do homem branco, é fácil induzir que no pensamento sobre as cidades prevalece também um discurso único a partir das necessidades específicas desse sujeito universal. No urbanismo com perspectiva de gênero, defende-se a necessidade de ressaltar as diferenças para a construção de cidades com mais igualdade. Ou seja, é preciso reconhecer espacialmente as necessidades de cada sujeito: que tipos de espaços a mulher precisa no seu cotidiano? E o homem? E as crianças e os idosos? Reconhecer estas diferenças - e não as desigualdades - seria um primeiro passo na construção de um mundo múltiplo e, às vezes complementar, afirma Zaida Muxí. (MUXÍ, Zaida. 2018). Santoro ressalta ainda a necessidade dos urbanistas tratarem a questão desde um ponto de vista interseccional, atendo-se às questões do ser periférico e latino (SANTORO, Paula. 2019). Por isso, além de complementar, é necessário buscar a transversalidade desses valores e, em termos de pensamento sobre os espaços, é importante pensar em formatos que subvertam esta lógica dicotô22

mica entre público e privado ou entre produtivo e reprodutivo. As experiências de apropriação dos diferentes sujeitos não são consideradas no modo de fazer e pensar sobre a cidade. Dessa maneira, padrões são reproduzidos como se a cidade fosse passível de ser apropriada universalmente. O fator da segurança é emblemático nesse sentido. Os corpos das mulheres e dos homens são compreendidos de maneira distinta no espaço. Muitas vezes, os corpos femininos são, inclusive, compreendidos como bens passíveis de serem apropriados e em alguns locais lidam constantemente com a vulnerabilidade a esse tipo de violência (MUXÍ, Zaida. 2018). Além de experienciar a cidade de maneira diferente, os trajetos percorridos no dia-a-dia de um homem e de uma mulher costumam apresentar distinções, principalmente devido às tarefas do cuidado com a casa e parentes que as mulheres têm que realizar no seu percurso. O esquema proposto pela Audítoría de Calidad Urbana (adaptado a seguir) demonstra isso ao comparar o percurso de um homem, uma mulher e uma mulher com filho. Numa cidade metropolitana como São Paulo, esses trajetos podem ocupar grande parte do tempo da rotina diária: grandes deslocamentos, ônibus lotados, baldeações entre distintos modais.

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O projeto de qualquer espaço público deveria colocar como prioridade a criação de locais abertos, visíveis, com diversidade de uso e zelados pela comunidade ao redor, por exemplo. Porém, o pensamento de projeto evoca o oposto em muitos casos, com espaços residuais e escondidos. A segmentação dos usos em ilhas, como é o caso do projeto discutido neste trabalho (praça Brasil no conjunto habitacional José Bonifácio), é uma característica que pouco favorece a apropriação social homogênea de um território. Cidades pensadas a partir da perspectiva de gênero e interseccional buscam incluir a multifuncionalidade e a diversidade de usos e serviços nos seus trajetos, além da possibilidade de serem acessadas por diferentes modais, sempre privilegiando os pedestres. As ruas não devem ser apenas local de passagem e comércio, mas também de permanência e lazer: boa iluminação, calçadas amplas e sinalização são alguns exemplos dessas qualidades. Na atualidade, existem várias autoras - Zaida Muxí, as participantes do Collectiu Punt 6 e do Equal Saree - que trabalham direta ou indiretamente com esta perspectiva. Os estudos são realizados utilizando o termo urbanismo com perspectiva de gênero ou esse tema pode estar contido dentro de uma agenda de planejamento contra-hegemônico com perspectiva abolicionista, antirracista, entre outros. Ao pesquisar o urbanismo com perspectiva de gênero, é possível vislumbrar duas linhas de pensamento: uma que foca nas transformações 24

pelo Estado com ações políticas mais concretas para mulheres - titulação em nome da mulher (SANTORO, 2017), política de educação ofertando creche, regulação dos crimes contra violência da mulher e cotas. A outra linha engloba as transformações via comunidade / comuns. Harvey trabalha o tema dos comuns, mas ainda sem o enfoque feminista. O autor traz o conceito de comuns urbanos sob um ponto de vista dialético em contraposição a uma organização urbana institucional aliada aos interesses de mercado. A cidade é produto da humanidade (FARIAS, T; DINIZ, R. 2018). Ao produzir as cidades, as sociedades também produzem suas relações sociais. Assim, segundo Harvey “a questão de que tipo de cidade queremos não pode ser divorciada do tipo de laços sociais, relação com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos que desejamos”(HARVEY, 2012. 74). O direito à cidade não se limita a um suposto livre acesso aos lugares construídos, mas refere-se ao direito de mudar nós mesmos pela mudança da cidade. (HARVEY, 2012. 74). A autora que trabalha as transformações via comunidade com um enfoque feminista é Silvia Federici. A princípio, Federici era a favor de que o Estado desse um salário para o trabalho reprodutivo (aspecto incluído na agenda europeia de Estado de Bem-Estar Social). No entanto, depois de sua experiência na África, observou que não haveria capital suficiente para suprir essa demanda e passou a lutar por outra bandeira: a dos trabalhos comunitários, das redes sociais comunitárias e da

luta pelo bem comum. Diferentemente de Harvey que pensa a luta do bem comum como uma luta de todos, Federici vê nas mulheres um conhecimento prévio sobre a vida em rede comunitária. No Brasil, é possível verificar esse fato na organização das mulheres nas favelas e em bairros periféricos, que se unem para compartilhar o cuidado dos filhos ou parentes e para a conquista de direitos como vagas em creches e em cursos profissionalizantes, por exemplo (NUNES, Nilza. 2015). No território da praça Brasil também existe um movimento de acolhida elaborado por e para mulheres, que parte da atuação da ocupação Tereza de Benguela e também da organização das mulheres do território em torno de atividades propostas em outros espaços. Esse fato pode ser observado em trechos da entrevista com Claudia Garcez (Claudinha), uma das lideranças da ocupação Tereza de Benguela, ao narrar o conflito com a COHAB que exigia a reintegração do terreno e a luta feminina pela manutenção de um espaço que atendesse às suas necessidades: “Aí aconteceu essa reintegração, a gente gritou, a gente chorou muito, a gente esperneou... A gente teve que se organizar de outra forma. Tinha algumas mobilizações marcadas na COHAB, de moradia. Então, a gente somou...as mulheres do movimento foram e reforçaram também, a gente foi abrindo o ato com a bandeira da Tereza de Benguela, e de todas as atividades que a gente tinha feito lá...Aí a gente conseguiu ser ouvida e começou o processo de negociação com a COHAB”

“Eles ficaram de apresentar alguns imóveis pra que fosse definitivo, ...Um local que era um conjunto grande, com uma casa no meio..Tinha um quintal, a gente poderia fazer ioga, a gente poderia fazer atividades naquele quintal legal, bacana, mas tinha moradores lá, moradores de rua, tinha muito cachorro, tinha muito lixo....Foi uma coisa absurda que eles queriam que a gente desse um jeito de se adaptar aos locais.” “Quando ele foi, a gente começou a propor que eles indicassem algum local mesmo, né? Que tivesse acesso pra gente, que fosse legal pra gente desenvolver nossas atividades porque não dava pra gente fazer roda de mulheres num local onde tava cheio de pessoal, né? Como que as mulheres iam ficar tranquilas, confortáveis de falar do seu corpo num local cheio de cachorros, lixo, um monte de coisa?

Sobre os temas abordados acima, foram elaborados quadros a partir dos textos Qué aporta la perspectiva de género al urbanismo do Collectiu Punt 6, A Criação dos Bens Comuns, do Harvey e Feminismo e a Política dos Comuns, de Silvia Federici. O primeiro contempla as distinções entre o urbanismo moderno e o urbanismo com perspectiva de gênero, o segundo trata dos comuns e a necessidade de transformação das relações sociais, e o último enfatiza a importância dessa transformação a partir dos comuns com um viés feminista.

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A criação dos bens comuns urbanos.(HARVEY) Qué aporta la perspectiva de género al urbanismo?

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Cidades atuais

Cidades rebeldes - Comuns urbanos

Hierárquico

Não hierárquico

Institucional

Não institucional

Impede novas formas de relações sociais

Cria novas formas de relações sociais (bens comuns)

Planejamento urbano moderno

Com perspectiva de gênero

Microescala (mapas)

Escala humana

Sujeito universal masculino (universalidade)

Muitos sujeitos (interseccionalidade)

Vinculado à propriedade privada ( e ela que legitima os direitos)

Vinculado à condição de ser humano

Ilhas de usos específicos

Multifuncionalidade (mescla de usos)

Trabalha com uma escala principal

Reconhece diversas escalas

Segmentação de problemas/soluções

Criação de redes/cooperação

Privilégio de um comum em prol de outro

Intersecção de comuns e preservação de todos envolvidos

Mundo produtivo mais valorizado que o mundo reprodutivo

Mundo produtivo = mundo reprodutivo (igualdade de condições)

Mercantilização de comuns culturais pela indústria do turismo

Preservação de comuns culturais (quem criou é quem mantém) - Relação coletiva e não mercantilizada

Espaço planejado desde a desigualdade

Espaço planejado desde a diferença (posicionar em igualdade de condições todas as demandas)

Criação de espaços públicos e bens públicos

Criação de comuns (a apropriação social origina um espaço que já é comum)

Dados quantitativos

Dados qualitativos/empíricos + quantitativos

Verticalidade e hierarquia

Transversalidade do trabalho dos envolvidos/cooperação

Figura contraditória do Estado (que é mínimo para algumas coisas e extremamente repressor, quando se faz necessário).

Planejamento de fluxos

Planejamento do ambiente em detalhes, atenção ao cotidiano ( Ex.: calçadas largas, bancos com sombras, etc.)

O planejamento não é do Estado. As pessoas se unem em redes de solidariedade para a construção e manutenção dos comuns, seja em pequena escala (bairro, cidades) ou em grande escala (nacional, global)

Baseia-se na teoria liberal clássica que filia os direitos humanos à propriedade da terra e, consequentemente, o direito do capital de apropriar-se de produções coletivas de outros e capitaliza-las

Análise dialética para explicar o direito à cidade para todos

Urbanização que tende à destruição da cidade como um “comum social, político e habitável”

Cidade como produto da humanidade

Apropriação privada

Apropriação coletiva

Prioridade a grandes meios de transporte

Prioridade ao pedestre, modos não motorizados

Participação indireta dos habitantes em algumas das etapas

Participação direta (interdisciplinar e tranversal) dos habitantes no processo

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Feminism and the politics of Commons. (FEDERICI)

Feminism and the politics of Commons. (FEDERICI)

Globalização/ capitalismo

Feminismo e Política dos Comuns

Globalização/ capitalismo

Feminismo e Política dos Comuns

Influência do pensamento patriarcal, mulheres pensadas como bens

Mulheres como protagonistas da reprodução da vida, que deve ser valorizada e ressignificada

O trabalho cotidiano de reprodução e cuidado é feito majoritariamente por mulheres

Coletivização do trabalho cotidiano de reprodução “Comunalização” do trabalho doméstico (cuidados domésticos coletivos)

Criação de espaços temporários ou zonas autônomas por mulheres

Construção dos comuns por parte das mulheres e criação de novos sistemas estruturais a partir desses comuns: novas formas de reprodução social

Casa como componente de opressão das mulheres (mulheres responsáveis pelo trabalho doméstico, muitas vezes presas a ele)

Casa como centro da vida coletiva, atravessada por múltiplas pessoas e formas de cooperação. Formas coletivas de reprodução

Casa com modelo pouco sustentável

Casa mais ecológica e funcional num modelo cooperativo

Comuns globais dos seres humanos, Cooperação para reproduzir e para suas necessidades e desejos estão manter a vida inseridos numa condição de sofrimento e separação da natureza e da riqueza comum que se produz Os trabalhos de subsistência da mulher e sua contribuição para a sobrevivência são invisibilizados

O trabalho de reprodução compreendido como essencial à sobrevivência humana, o mais importante de todos e que não pode, nem deve ser mecanizado

Criação e produção de comuns atreladas a um modelo econômico alienante de exploração

Modificação da maneira de criação e coletivização dos comuns desde a perspectiva da mulher

Divisão social do trabalho = separação (trabalho produtivo e reprodutivo)

Transformação da produção dos comuns em prol da união das etapas que a divisão social do trabalho criou

Ignorância das condições da produção do que se come, se bebe, ou com o que se trabalha

Conhecimento das etapas de produção e em que condições foram produzidos esses bens Superação estado de esquecimento, reconstrução dos comuns. Entendimento que os comuns não são possíveis a partir do sofrimento de outros.

Individualização (processo pelo qual Entendimento da subjetividade a parum organismo, espécie ou indivíduo, tir de um sujeito COMUM e do preço se torna diferente de todos os outros) ambiental e social da sobrevivência de todos

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No texto Feminismo e a Política dos Comuns, Federici discorre sobre o seu encontro com o movimento de mulheres do MST no Brasil e cita o exemplo de quando suas comunidades foram reconhecidas legalmente pelo Estado. Essas mulheres insistiram que as novas casas fossem construídas de maneira a manter o trabalho doméstico coletivo como faziam durante o processo de luta: lavar roupas juntas, cozinhar, trocar turno com homens e poder ajudar umas às outras em caso de violência doméstica ou abuso. O argumento era que as mulheres deveriam liderar a coletivização do trabalho reprodutivo e doméstico e não naturalizá-lo como vocação feminina.

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1.5. UMA PROPOSTA DE METODOLOGIA DA ANÁLISE TERRITORIAL SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO A análise territorial consiste em entender sob que lógica os territórios se formam, crescem e se transformam. Isso exige a intersecção de vários saberes: a abordagem histórica, geográfica, a observação das tipologias construtivas e, sobretudo, a observação do modo de vida das pessoas (Panerai, P. 1988). Especificamente sobre a metodologia para a aplicação de um projeto desde a perspectiva de gênero, Zaida Muxí é uma referência. Fundadora do Collectiu Punt 6 , Muxí propõe algumas ferramentas para o reconhecimento do território como primeiro passo nesse processo. As mulheres, segundo ela, têm um conhecimento que é essencial para descrever os entornos habitados e que pode ajudar a transmitir suas necessidades e desejos e também os das crianças, dos jovens e dos idosos com quem convivem (MONTANER, J. M.; MUXÍ, Z. 2014). No livro Auditoría de Calidad Urbana con Perspectiva de Género, o Collectiu Punt 6 sugere ferramentas de análise urbana para verificar se os bairros e cidades respondem às necessidades de todas as pessoas indiscriminadamente. Essas ferramentas compõem o processo de auditoria em que a análise integral dos aspectos sociais, físicos e funcionais que constituem um entorno urbano concreto permite comprovar a aplicação transversal da perspectiva de gênero, seja na configuração

dos espaços, seja na sua gestão (CIOCOLETTO, Adriana; 2014). O coletivo apresenta essa metodologia aplicada em cidades como Buenos Aires, Torelló, Manlleu, Castellgalí, Gavà e Granollers. No entanto, com exceção da experiência descrita no bairro de Ramón Carrilho, em Buenos Aires, que mais se assemelharia à realidade de países latino-americanos, essas cidades têm características muito distantes da área metropolitana de São Paulo. A Auditoría consiste em três etapas: 1) Primeira Etapa - Diagnóstico Urbano: através da aplicação de um questionário (Anexo I), trajetos de reconhecimento, entrevistas, observação participante e dinâmicas participativas. 2) Segunda Etapa - Avaliação do Espaço Urbano: através dos indicadores proximidade, diversidade, autonomia, vitalidade e representatividade • Proximidade corresponde à conectividade peatonal entre os espaços, livre de obstruções. Os espaços de relação, equipamentos cotidianos, paradas de transporte público e comércios devem estar conectados com as habitações e entre eles. O manual identifica três escalas de proximidade: a 300 metros (escala de vizinhança), a aproximadamente 600 metros 31


(escala de bairro) e a aproximadamente 1300 metros (escala extrabairro) que sejam acessíveis ao pedestre. • Diversidade corresponde à multiplicidade de valores (sociais, físicos e funcionais) na conformação do espaço que induza à variedade de tipos de usuários e de atividades, que atenda às diferentes necessidades – de gênero, sexo, idade, etc. • Autonomia corresponde a espaços universalmente acessíveis que geram a percepção de segurança. As pessoas gozam de autonomia quando os espaços que ocupam são percebidos como seguros, geram confiança para serem utilizados e quando as condições de acessibilidade são universais aos espaços do bairro e da rede cotidiana. • Vitalidade - A vitalidade de um espaço surge da presença simultânea e contínua de pessoas e da densidade de atividades e usos nas ruas, espaços de relação e equipamentos que favorecem o encontro, a socialização e a ajuda mútua entre as pessoas. Falta vitalidade em regiões subutilizadas como os espaços que são utilizados somente em determinados períodos do dia (áreas residenciais monofuncionais e de baixa densidade, zonas comerciais ou de negócios) e quando falta relação entre os edifícios e a rua. • Representatividade – valorização da memória e do patrimônio social e cultural com equidade de gênero e a participação dos cidadãos na tomada de decisões urbanas são fatores que promovem o reconhecimento e a visibilidade simbólica de toda a comunidade.

3) Terceira Etapa - Gestão Urbana: avalia a incorporação da equidade de gênero na 32

gestão de maneira que seja multiescalar, interdisciplinar e participativa. A gestão urbana inclui os seguintes itens na sua avaliação: • MULTIESCALAR: Avalia se a transformação do território é feita desde a escala do detalhe dos espaços públicos até a leitura integral do território, aplicada nas diferentes fases de planejamento urbano e evitando a sectorização. • INTERDISCIPLINAR: Pressupõe a integração das diferentes áreas do conhecimento no processo de elaboração dos planos administrativos. • PARTICIPATIVA: Contempla a comunicação entre as pessoas e os gestores e o acesso integral à informação.

Todas as etapas propostas pelo manual são aplicadas de acordo com três tipos de espaços cotidianos: 1) Bairro e rede cotidiana consiste na área determinada a priori como unidade de análise e é formado pelo tecido urbano e as pessoas que aí residem com suas particularidades. Formada pelo conjunto de espaços de relação, equipamentos, comércios, pontos de transportes públicos e as ruas que os conectam, a rede cotidiana é o espaço onde transitam as pessoas que vivem no bairro. A rede nem sempre atém-se aos limites do bairro, suas ruas devem permitir trajetos a pé, terem continuidade e, sobretudo, não se prestam apenas à conexão dos espaços, mas devem ser úteis.

2) Espaços de relação são aqueles espaços onde as pessoas interagem no momento de realizar suas atividades cotidianas, principalmente as relacionadas aos cuidados da casa e de outras pessoas, que permitem o fortalecimento das redes sociais e da ajuda mútua. São também os locais de ócio, de brincar e de encontro que possibilitam o convívio, que as pessoas se conheçam e aprendam a diversidade que cada indivíduo aporta à sociedade. São considerados espaços de relação, as praças, os espaços abertos na escala de bairro, as esquinas e também outros espaços intermediários entre público e privado ou espaços livres indeterminados que cumpram essas funções. 3) Equipamentos cotidianos são aqueles que utilizados diariamente e que são indispensáveis como suporte para o desenvolvimento da vida cotidiana em todas as etapas vitais e para a melhora da qualidade de vida das pessoas. São também os espaços de referência de uma comunidade, onde se gera a convivência, o intercâmbio, a socialização e a ajuda mútua. Exemplos: Unidades Básicas de Saúde, Centros de Educação Infantil, escolas, espaços para o cuidado de idosos, centros sociais para diferentes idades, centros com atividades culturais (centro cívico, biblioteca, etc..), espaços para atividade física (poliesportivo ou espaços onde possam realizar a atividade), etc. (CIOCOLETTO, Adriana. 2014. pg 7).

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1.6. ANÁLISE TERRITORIAL SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO NO DISTRITO JOSÉ BONIFÁCIO Entre as ferramentas propostas no manual na primeira etapa de análise para o diagnóstico urbano sob a perspectiva de gênero, foram testadas o questionário, os trajetos de reconhecimento, a observação participante e as entrevistas. O questionário (ver Anexo I) é descrito como um primeiro guia de aproximação que pode conter outras questões dependendo da realidade analisada (CIOCOLETTO, Adriana; 2014) e tem como objetivo detectar os principais déficits da região analisada em relação à aplicação de um urbanismo transversal. O questionário considera a pré-existência de um sistema básico de infraestrutura. As cidades analisadas, tanto as catalãs quanto a argentina, têm esse tipo de suporte, com alguma qualidade. No distrito José Bonifácio, observou-se que a maioria das questões tinham respostas negativas, denotando a falta de uma infraestrutura mínima. Por exemplo, sobre o Bairro e a Rede Cotidiana, pergunta-se: - Mercados e feiras são promovidos com pessoas produtoras da região?

Segundo mapeamento do QGIS, por exemplo, o distrito não conta com nenhum equipamento de abastecimento além dos pequenos mercados privados e alguns hipermercados (no34

ta-se, inclusive, o avanço da rede de hipermercados). Feiras livres, mercados livres, Bom prato, Sacolão e Mercados Municipais não atendem à região. - Existem tipos diversos de moradia no mesmo edifício e no bairro segundo os diferentes tipos de família?

Não existe diversidade na tipologia das moradias, já que se trata de um projeto residencial da COHAB que propõe três tamanhos distintos de apartamentos, porém todos seguem um mesmo padrão. Sobre os Espaços de Relação de bairro: - Os parques e as praças estão distribuídos homogeneamente de maneira que se encontrem próximos às habitações do bairro?

A região conta com apenas um parque (Raul Seixas) e uma praça de maior porte (praça Brasil). Os dois localizam-se na parte norte do distrito, onde foi implantado o projeto residencial da COHAB. Portanto, não há uma distribuição homogênea desse tipo de espaço. - O sistema de coleta de resíduos tem em conta todas as pessoas usuárias (localização, ergonomia, altura, distância entre latas de lixo, etc.)?

O sistema de coleta de resíduos não atende a todos os usuários. E, finalmente, sobre os Equipamentos Cotidianos: - Considera-se, no desenho exterior do edifício, aspectos como iluminação, acessibilidade, visibilidade e o uso de materiais apropriados para cada elemento?

O projeto original da COHAB apresenta muitos espaços residuais como ruas sem saída. Para além disso, existe pouca manutenção da estrutura. Pouca quantidade de postes de iluminação, etc. A autoconstrução de muros e privatização de certos espaços públicos também criaram espaços isolados e de pouca qualidade urbana. - Os equipamentos e outros serviços estão situados em uma rede de espaços de relação complementares acessíveis para todas as mobilidades? As calçadas, muitas vezes, apresentam condições precárias e a região visivelmente valoriza o transporte por carros. Os trajetos de reconhecimento foram realizados algumas vezes, quando houve coleta de material como fotografias, entrevistas com organizadores das atividades desses coletivos, conversas com moradores e comerciantes e levantamento de usos do espaço. Em um dos trajetos de reconhecimento, o Kido (colaborador da oKupação CORAGEM, vide entrevista em anexo) apresentou as outras ocupações próximas à Praça Brasil: Fala Negão e Reação Arte e Cultura. Interessante notar que todas elas encontram-se diante de

alguma praça ou espaço livre. Em relação às dinâmicas participativas, algumas atividades organizadas por coletivos da região foram frequentadas como o estudo sobre mulheres latino-americanas desde uma perspectiva marxista. Houve a tentativa de aproximação da FAU SOCIAL para acompanhar a proposta de reforma da Tereza de Benguela que, atualmente, encontra-se fechada por falta de infraestrutura básica como água e luz. Porém, apenas no final do estudo que o coletivo da FAU conseguiu realizar uma reunião com lideranças da ocupação. Muitas delas encontravam-se articuladas com a organização de outros movimentos de luta por moradia na cidade de São Paulo a exemplo do Encontro de Mulheres do MTST- SP. A possibilidade de realização de oficinas participativas demonstrou a necessidade de um trabalho prévio com os diversos coletivos da região. Não há como fazer uma leitura sem conhecer bem quem são os agentes sociais de um local. A fim de compreender as dinâmicas das atividades, foram feitas entrevistas com a Okupação Coragem e o Tiago, produtor cultural que promove a página do Instagram @Itaqueranacena. Lideranças da Tereza de Benguela também foram entrevistadas (vide entrevista Claudia Garcez em anexo).

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1.7. DESCOLONIALISMO DO PENSAMENTO E DAS METODOLOGIAS DE LEITURA Após tentativa de aplicação da metodologia internacional proposta pela Auditoría de Calidad Urbana do Collectiu Punt 6, identificaram-se algumas incompatibilidades com a realidade urbana encontrada, o que trouxe a reflexão acerca da necessidade de descolonizar o pensamento e as metodologias de leitura. A complexidade dos problemas enfrentados por uma mulher num bairro periférico de uma cidade como São Paulo difere enormemente dos desafios enfrentados por uma mulher numa cidade mais estruturada como as cidades europeias ou até mesmo Buenos Aires, que foram as cidades onde a metodologia proposta pelo Collectiu Punt 6 foi aplicada. Foi desenvolvida, assim, uma metodologia exploratória do distrito José Bonifácio (onde fica a praça Brasil), adaptada, que utilizou inicialmente o reconhecimento do território, a observação participante e as entrevistas. No processo de reconhecimento do território, observou-se para além da falta, a abundância. Abundância de detalhes. Detalhes da atividade humana que transformavam o território a partir de suas necessidades. Nesses detalhes, despontaram um conjunto de relatos, pequenas histórias

e criações artísticas realizados pelos grupos que, por meio de suas propostas culturais alternativas, criavam e autodeterminavam seus espaços. Transbordamentos de cultura, utilizando o termo do Coletivo Desbordes de la Cultura, que ultrapassavam o espaço geográfico e transbordavam nas redes sociais.6 Assim, na metodologia aplicada identificou-se o que existe de produção cultural para mulheres e como ela se expressa através de cartazes que divulgavam atividades como as rodas de conversa, grupos de autodefesa feminina, reuniões com advogadas, intervenções teatrais e discussões sobre violência doméstica.

COHABITAR ENTRE. Desbordar Barcelona. Barcelona, 2017.

6

36

37


ITAQUERA subprefeitura população (hab): Itaquera: 2014.871 Cidade Líder: 126.597 Parque do Carmo: 68.25 José Bonifácio:124.122

ITAQUERA

DISTRITOS itaquera, cidade líder, parque do carmo e josé bonifácio

área (km2): Itaquera: 14.60 Cidade Líder: 10.20 Parque do Carmo: 15.40 José Bonifácio:14.10 densidade demográfica: Itaquera: 14.031 hab/km2 Cidade Líder: 12.41 Parque do Carmo: 4.43 José Bonifácio: 8.803

0 38

5

10 km

ITAQUERA

CIDADE LÍDER

JOSÉ BONIFÁCIO PARQUE DO CARMO

0

1

239 km


LINHAS DE METRÔ

PONTOS DE DESTAQUE

① ARENA CORINTHIANS ② PARQUE RAUL SEIXAS ③ ANTIGO ATERRO ④ SESC ITAQUERA ⑤ COPA DO POVO ⑥ UNIFESP ⑦ CARREFOUR

AZUL AMARELA VERMELHA

① ②

VERDE PRATA

LILÁS

0

2.5

5 km

40

41


2.1. ITAQUERA: PEDRA-DURA

A subprefeitura de Itaquera conta hoje com os distritos: Cidade Líder, Itaquera, José Bonifácio e Parque do Carmo. Itaquera é uma palavra de origem guaianás que significa pedra adormecida ou pedra dura. Os primeiros registros de ocupação da área remetem a aldeias indígenas guaianases, que teriam aberto o caminho que chegava às Minas Gerais, depois explorado pelos bandeirantes na colonização jesuítica. Neste caminho. Andréa Gonçalves, moradora da Cohab I, explica que a origem da região também teve grande influência afro descendente em sua formação.7 Sobre sua ocupação, é possível dividi-la em dois momentos. O primeiro relativo à urbanização após a chegada da estação de trem e o outro referente à aplicação dos projetos dos conjuntos habitacionais pela Cohab-SP. Sobre o primeiro momento, observa-se maior urbanização da região após 1875, quando foi implantada a ferrovia Central do Brasil, que conectava São Paulo ao Rio de Janeiro., permitindo maior escoamento de produtos da região e deslocamento de pessoas. A instalação das vias férreas teria delimitado a área de crescimento da cidade de São Paulo no século XX (LEMOS, 1999, p. 44). O crescimento de Itaquera também está relacioGONÇALVES, Andréa. Documentário A História dos Bairros. São Paulo, 2012. 7

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nado à exploração de suas pedreiras, elemento característico da formação geológica local, a partir de 1920 e insere-se no contexto de industrialização nacional com a consequente transformação do território paulista. Trabalhadores das pedreiras que viviam na região central de São Paulo, mais precisamente em Santa Cecília, foram os primeiros compradores desses loteamentos, afirma Andréa . As pedras ali exploradas serviram para construir obras públicas como o Obelisco e a Catedral da Sé. Hoje, essas pedreiras estão situadas perto da Arena do Corinthians e encontram-se quase esgotadas. Sua exploração foi um símbolo importante da passagem do caráter rural para o caráter urbano deste território, que desde essa época, apresenta índices elevados de crescimento populacional. Finalmente, outro marco da fase de ocupação desse território foi a qualidade de cinturão verde que a região assumiu, com o plantio de café, laranjeiras, ervas medicinais, verduras, frutas e a criação de gado( LEMOS, 1999, P.24). Soma-se a isso a imigração japonesa após a Primeira Guerra Mundial, que reforça o caráter agrícola da região: A alimentação japonesa é fortemente ligada a coisas extraídas da Terra. Quem fez o loteamento em

Itaquera já imaginou que os japoneses poderiam ser úteis trabalhando na terra, mas coisa assim...não em café, cana-de-açúcar, essas coisas...mas em coisas mais miúdas, como verduras, hortaliças, coisas que não faziam parte da alimentação paulista, do brasileiro. Não porque eles não gostassem, mas não havia quem produzisse. Então aqui houve experiência com tomate, morango...Até que Itaquera se formou como produtora de pêssego. Daí o nome da Estrada do Pêssego – Avenida Jacu Pêssego hoje. Eduardo Kjé (morador cohab II – Itaquera) filme a história dos bairros

Foi dessa maneira, portanto, que Itaquera historicamente foi integrada a São Paulo. No início havia certa autonomia em relação ao centro: era uma região basicamente composta por chácaras e ainda contava com a ferrovia, o que gerava um pequeno centro urbano. Com um contingente populacional bastante diversificado, Itaquera estabeleceu-se como periferia da metrópole: População que passa de indígenas, camponeses, fazendeiros, escravizados e jesuítas para trabalhadores, operários de olarias e pedreiras, trabalhadores de pequenos serviços e armazéns, operários que eram empregados nas indústrias instaladas nas porções mais centrais da ZL, como Penha, ou nas regiões industrializadas como Guarulhos e Mogi das Cruzes, além dos imigrantes japoneses que exploravam comercialmente o ramo hortifrutigranjeiro para o abastecimento da cidade no mercado municipal pelo transporte do trem.” (FREITAS, Carolina.. 2018. 28)

Foi assim até aproximadamente a década de 1960, quando inicia-se outra fase de sua ocu-

pação: a construção dos conjuntos habitacionais. Nesse processo, é importante salientar a consolidação do modelo rodoviarista brasileiro de cidade, a partir da década de 1960, quando Faria Lima, prefeito de São Paulo, inaugurou a Avenida 23 de maio e a Avenida Bandeirantes, num projeto de expansão rápida da metrópole. É dessa época, o Plano Urbanístico de São Paulo (PUB), promovido pelo grupo de desenvolvimento urbano da prefeitura e o Grupo de Estudo Permanente (GEP), instância mista formada por gestores municipais e profissionais do setor privado. Segundo Freitas , o PUB teve grande influência na maneira de expansão da cidade. Com protagonismo de empresas nacionais e estrangeiras em sua elaboração, incentivou-se um rápido crescimento de São Paulo estimulando um processo de “conurbação”(FREITAS, Carolina. 2018). Nota-se a sequência de novas obras viárias o que certamente veio a diminuir a precariedade no deslocamento. Porém, na simples observação do quadro urbano do município, verifica-se a polarização linear dos trajetos, paralelos entre si, todos direcionados para o centro: o trem, o metrô e a Radial Leste. A única avenida que faz o percurso perimetral - a Jacu Pêssego, ficou sem acesso direto para a importante estrada de rodagem próxima por quase dez anos, o que dificultou a possibilidade de incentivo a novas centralidades para a área, que pudesse gerar mais empregos..” (FREITAS, Carolina. 2018. 5).

O PUB tinha a intenção de transformar Itaquera numa centralidade da periferia da cidade, através da construção de um complexo de servi43


ços e comércio para geração de empregos, além de equipamentos públicos ligados à saúde, educação, cultura e esporte. Freitas salienta que o interesse do plano centrava-se na iniciativa privada, que focava na demanda e no lucro que um centro da periferia poderia ter. É nesse período que começam a estudar a possibilidade da cessão de um terreno de grandes dimensões, ao redor das pedreiras, para a construção de um estádio de futebol pelo Sport Club Corinthians Paulista. No fim da década de 1970, a prefeitura cede a área ao clube, muito próxima à região onde foram construídos os primeiros conjuntos habitacionais da COHAB em Itaquera. Em 1950, a população de Itaquera era de 15 mil pessoas, em 1960 saltou para 36 mil e, em 1970, para impressionantes 130 mil (IBGE). O aumento entre 1960 e 1970 é decorrente da aplicação dos projetos massivos de habitação popular empreendidos pela COHAB-SP 8 e evidencia um aumento populacional emblemático do padrão periférico de crescimento urbano (D’ANDREA, Tiaraju. 2008. 144). O primeiro deles, Itaquera I, data de 1970. O conjunto José Bonifácio (correspondente aos conjuntos Itaquera II e Itaquera III), mais a leste, é de 1980. A própria COHAB, segundo consta, teria optado pela aquisição de terras distantes do COHAB-SP. “Cohab pode significar um órgão público, um bairro ou um modo de vida. (...) Incentivado pela verba internacional, em 1965 o governo brasileiro fundou a Cohab, nome genérico de várias companhias públicas que promovem ou que promoveram políticas habitacionais em diversas regiões do país. A Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo é hoje uma autarquia da Prefeitura Municipal de São 8

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centro, sendo a zona leste escolhida para esse projeto devido à quantidade de terras de origem pública, grande parte originárias dos institutos de aposentadorias e pensões. Para instalação desses projetos, foi necessário um deslocamento de terra considerável para nivelamento do terreno. O alto custo para esses grandes movimentos de terra equivaleria ao custo dessa produção habitacional em áreas mais centrais. Exemplo disso é o conjunto Santa Etelvina, um dos últimos do Conjunto Itaquera I. A Zona Leste possui as obras mais grandiosas da COHAB em toda sua história. Nessa região, observa-se a maior concentração de conjuntos habitacionais: conta com 39 conjuntos, em comparação à zona oeste com dois, à zona norte com 14 e à sul, com 19. (D’ANDREA, 2008) Nos últimos anos, Itaquera tem sido palco de conflitos com desalojamento de comunidades em decorrência do processo de valorizaçao da terra gerado a partir da Copa de 2014 e da construção da Arena Corinthians. Nesse contexto, insere-se o plano de desmobilização de ativos da COHAB que prevê a retomada de aproximadamente 900 imóveis da Companhia, muitos deles na Zona Leste e alguns com comércios locais e atividades propostas pelos próprios moradores.

2.2. COHAB E BRASIL

Sobre o processo de estruturação da COHAB, vale salientar a teia de relações que consiste a produção habitacional brasileira. Isso determina, em grande parte, o modelo de cidade nacional. Após o cenário do chamado milagre econômico brasileiro, o país encontrava-se em crise econômica - a década perdida de 1980 - e a indústria de construção estava estagnada e sem grandes lucros. É nessa época que as empresas começam a pressionar o governo para a produção habitacional em massa. Fatores como a diminuição do peso do terreno nos custos das obras e uma maior produtividade, devido a novas técnicas e materiais (grande parte deles importados), possibilitaram um sistema mais eficaz e barato. (MARICATO, Ermínia. 1987. 54.). A respeito disso, nota-se ainda a discrepância entre os valores destinados a cada item necessário para a construção das edificações da COHAB. Segundo tabela da COHAB-SP, de 1983, para a construção de apartamentos de 50 metros quadrados, 5% do valor total equivalia ao preço do terreno, 73% era destinado à construção do edifício, apenas 1% era direcionado para infra-estrutura (geralmente este item não inclui o fornecimento de água e nem esgoto, responsabilidades a cargo da empresa estadual de saneamento) e somente 2,5% era destinado às obras de urbanização, como caminhos de pedestre, escadarias, etc…

(MARICATO, ERMÍNIA. 1987. P. 54) Ermínia Maricato, salienta ainda um outro fator importante na expansão da provisão de habitações sociais. Segundo ela, grande parte desses conjuntos foi destinada a uma população com renda média entre quatro e cinco salários mínimos, excluindo as camadas mais pobres da população (com renda média entre zero e três salários), influenciando, portanto, a marginalização dessas pessoas em moradias ainda mais precárias, num processo de “favelização”. O desenvolvimento de um padrão de cidade atrelado à produção dos conjuntos habitacionais para a classe média é um processo histórico concomitante à favelização (MARICATO, Ermínia. 1987). Em suma, a produção habitacional da época da ditadura militar marca o fortalecimento do setor imobiliário, o protagonismo do Estado na política habitacional e reproduz um padrão excludente de cidade. Sobre isso, Maricato afirma: A política habitacional no Brasil é definida pela forte presença do Estado, através do Sistema Financeiro da Habitação e do órgão central, Banco Nacional da Habitação e do órgão central, Banco Nacional da Habitação, criados em 1965, que estruturou uma rede de agentes financeiros privados, fortaleceu o mercado imobiliário e a indústria da construção, viabilizando um movimento vigoroso em todo o país de provisão de habitações para as classes médias e altas, fundamentalmente. A ausência do Estado junto à grande maioria da população, a renda mais baixa, define outro 45


lado da política habitacional: o da ilegalidade, dos loteamentos clandestinos, da irregularidade das construções, das invasões de terra, das favelas, dos cortiços, do sobretrabalho na autoconstrução, do congestionamento habitacional, da promiscuidade, da insalubridade, etc. Essa divisão, embora esquemática (dual), espelha bastante a realidade: uma produção de residências tipicamente capitalista e outra que apela para expedientes de subsistência. Numa, o espaço da acumulação, noutra o espaço da miséria. Embora este espaço da miséria seja, em grande parte, mercado para as empresas capitalistas de materiais de construção e em parte também para as imobiliárias da periferia urbana, a provisão da casa não é “totalmente” capitalista. ( MARICATO, Ermínia.1987. 70).

Frente às outras opções no cenário imobiliário, as COHABs apresentaram-se como uma grande oportunidade. A grande disputa pelos edifícios da COHAB à época de sua construção deve-se mais à grande demanda habitacional do país do que à qualidade destes conjuntos em termos de cidade. De fato, quando os conjuntos habitacionais foram entregues aos beneficiários, muitos deles não contavam com uma infra-estrutura de qualidade. Os apartamentos, segundo relatos de moradores, foram entregues sem que as áreas públicas tivessem sido construídas. (D’ANDREA, 2012). Hoje, passados aproximadamente quarenta anos desde a construção desses edifícios, a falta de transporte público adequado, os poucos espaços de lazer e os comércios em puxadinhos são alguns dos exemplos da precariedade desses modelos. A segregação entre centro e periferia fica 46

evidente quando se compara a oferta de equipamentos e serviços. Sobre o conjunto habitacional da cidade Tiradentes, também na Zona Leste de São Paulo, Raquel Rolnik comenta: “Qual o pecado original dessa política? São, pelo menos, dois: o fato de se tratar de uma política de moradia e não de cidade, e a proposta de homogeneidade social. A localização e a relação com a cidade já construída é o ponto fundamental de enlace entre estes dois aspectos, já que, dependendo de onde são construídos, os conjuntos podem ou não ter acesso a equipamentos, serviços e empregos. A localização determina, inclusive, a possibilidade ou não de uma heterogeneidade social”.

E, ainda, sobre o histórico de construção da habitação social no Brasil, acrescenta: “Mas seria inexorável a baixíssima qualidade urbanística da moradia popular? De forma alguma. Mesmo no Brasil, nem sempre foi assim. No livro “Os pioneiros da habitação social”, ainda inédito, o urbanista Nabil Bonduki mostra que muitos projetos dos IAPs (Instituto de Aposentadoria e Pensão), dos anos 1930 e 1940, eram de altíssima qualidade urbanística e arquitetônica. Além disso, ao longo das últimas décadas, existiram vários projetos qualificados e generosos, construídos por autogestão dos próprios beneficiários, com apoio de assessorias técnicas e com custos tão baixos quanto o dos modelinhos das COHABS e CDHUs”.

Segundo ela, ainda hoje este padrão precário de cidade continua sendo reproduzido em programas habitacionais como o Minha Casa Mi-

nha Vida, hoje conectados diretamente com construtoras privadas ao invés das COHABs. “Pelo andar da carruagem, parece que continuamos reproduzindo os mesmos erros: o modelo é centrado apenas na construção de unidades habitacionais, sem que áreas comerciais, equipamentos públicos (de saúde, educação e lazer, por exemplo) e políticas de transporte público sejam parte dos projetos. Sem que a equação da localização tenha sido enfrentada…” (ROLNIK, 2011).

Ao que tudo indica, prevalece ainda um pensamento de cidade focado apenas na moradia. Pensar a cidade para além disso, com a provisão de serviços e equipamentos parece um desafio ainda muito difícil a ser alcançado no Brasil. Também na chave da compreensão de nossas cidades, Benjamin Seroussi9 comenta sobre o momento importante que o Plano Diretor trouxe para repensar São Paulo e seus usos, salientando os espaços ociosos e suas ocupações, uma questão também evidente nos projetos das Cohabs, mais retratada nos próximos itens.

SEROUSSI, Benjamin. http://vilaitororo.org.br/historias-em-construcao/escutar-audios/benjamin-seroussi/ 9

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2.3. DISTRITO JOSÉ BONIFÁCIO

O conjunto José Bonifácio foi inaugurado pelo Presidente João Batista de Oliveira Figueiredo (1979 -1985). Sua construção iniciou-se em 1972. À época, a região apresentava caráter majoritariamente rural e baixa ocupação (FREITAS, Carolina). Não houve uma apropriação integral do território por parte do projeto da COHAB. Ainda hoje, o distrito apresenta significante diferença entre a ocupação da sua parte norte - composta pelo conjunto habitacional e a sul - com reservas de mata atlântica. O terreno era de propriedade do Instituto Nacional de Previdência Social (instituição que unificou os institutos de pensão e aposentadoria) desde 1966. Suas propriedades ociosas foram direcionadas ao Banco Nacional de Habitação que, posteriormente, repassou para a COHAB-SP ( FREITAS, Carolina. 2018). O projeto divide-se em residencial e comercial. O primeiro conta com aproximadamente 19600 unidades habitacionais - divididas entre as tipologias de casas e apartamentos de três tamanhos (39, 49 e 58 m2). A parte comercial é composta pela tipologia de embriões concentrados num determinado núcleo, como é o caso da Praça Brasil. A maioria dos edifícios é de 4 a 5 pavimentos. A implantação deles é motivo de críticas por grande parte dos arquitetos, a monotonia do con48

junto, todos os edifícios voltados a mesma orientação, ressalta aos olhos. As unidades habitacionais foram direcionadas para famílias cuja faixa de renda fosse de 3 a 5 salários mínimos (na primeira fase foi focado projetos para famílias com renda até 3 salários mínimos).Freitas levanta, a partir de trabalho de campo e entrevista a moradores, a possibilidade de que o público de mutuários fosse, em sua maioria, trabalhadores da indústria (FREITAS, Carolina. 2018. p. 42). Hoje em dia, conta com cerca de 124 mil habitantes em aproximadamente 14,1 km2. Caracteriza-se pela sua rápida urbanização, típica de locais onde houve direcionamento da política habitacional por parte da Companhia metropolitana de Habitação COHAB SP. Entre 1980 e 1991, a população saltou de 24 mil habitantes para 103 mil. A implantação do projeto arquitetônico, assim como muitos outros projetos da COHAB, não acompanhou a construção de uma rede de infraestrutura adequada. Nos primeiros após sua inauguração, haviam apenas 3 linhas de ônibus (FREITAS, Carolina. 2018 ). Agenor Dionísio da Silva, morador da COHAB, descreve sua chegada ao José Bonifácio: Meu nome é Agenor Dionísio da Silva. Sou um caldeireiro de profissão, metalúrgico né. E exerço essa função de presidente da Associação de Mutuários do Estado de São Paulo. Cheguei aqui em agosto de

1982. E quando nós chegamos aqui, isso era um caos total. Imagine vocês, na época tinha 65 mil habitantes aqui e não tinha linha de ônibus. Na época, tinha só o trem que vinha de Mogi das Cruzes. Imagina você pegar trem aqui com essa quantidade de pessoas que chegaram de uma vez aqui. Eu até brinco que os conjuntos habitacionais têm uma diferença dos bairros. Os bairros nasce e cresce, os conjunto habitacional já nasce crescido, já nasce grande, entendeu? As pessoas não se conhecem. As pessoas chegam e vai cada um para o seu...nós nem chamava isso aqui de moradia, de habitação, nós chamava de abrigo. Cada um se abrigava na sua portinha. Saía de manhã para trabalhar e voltava à noite para dormir. Agenor Dionísio da Silva. Minuto 2:00. Documentário A História dos Bairros.

reais. Atualmente, nota-se o avanço das grandes redes comerciais nas periferias, visto a alta possibilidade de lucro. A chegada destes centros geralmente são de grande impacto, já que ocupam áreas extensas e não conversam com o entorno. As redes Extra e Negreiros são algumas das marcas que podem ser citadas.

A área do conjunto apresenta, hoje, relativa transformação quando comparada com o projeto original. Muitos locais, após implementação do projeto, ficaram ociosos e foram apropriados de diversas maneiras. Espaços vazios que eram destinados ao uso público e que não tiveram os projetos concretizados, por exemplo, foram privatizados pelos moradores. Com frequência, nota-se muros erguidos entre os prédios. Outro ponto de destaque são as garagens feitas também a partir de autoconstrução: muitas hoje em dia são ocupações de pequeno comércio (padaria, cabeleireiro, etc…). (FREITAS, Carolina. 2018). Freitas salienta que esta ocupação informal desvela-se também em um mercado informal entre os moradores. As garagens, com aproximadamente 12 metros quadrados, chegam a ser alugadas por valores que variam entre 500 e 800 49


jOSÉ BONIFÁCIO COHAB 2

JOSÉ BONIFÁCIO distrito

0 50

500

1000 m

0

500

1000 m

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2.4. PRAÇA BRASIL

A Praça Brasil, cujo nome original era Praça Mãe Menininha do Gantois, é a principal praça do bairro José Bonifácio. Como já salientado no item 1.2, o sistema de provisão de habitação da COHAB- SP apresenta diversas contradições. A não provisão de infraestrutura adequada alinhada a projetos residenciais de grande porte é uma delas. O entendimento de moradia é simplificado para a simples concepção de casas. Não considerando as necessidades do morar: trajetos, serviços de cultura, equipamentos, etc...O que acentua a diferença entre os territórios urbanos periféricos e os territórios centrais. Os territórios periféricos são marcados com barreiras urbanas. Entende-se por barreiras os diversos obstáculos na paisagem urbana e a sua consequente pouca fluidez: grandes avenidas, poucas passagens de pedestres, muros, etc… Sobre as maneiras de habitar um local, Benjamin Seroussi - curador do projeto da Vila Itororó - traz uma reflexão interessante acerca da necessidade de se repensar o conceito da palavra público. Segundo ele, um bem torna-se público através das práticas comuns e habitar um lugar não corresponde necessariamente ao seu uso residencial. Enfatiza, desta maneira, a importância da arquitetura dos usos e defende que a cidade de São Paulo encontra-se num momento de discussão e autoreflexão trazido pelo Plano Diretor, 52

os espaços ociosos e suas ocupações. Ressalta ainda a importância de transformar a concepção da palavra “público”: um bem só torna-se público através das práticas comuns. É neste contexto das práticas comuns que entra a potência do território ao redor da Praça Brasil, uma centralidade do distrito de José Bonifácio hoje. Ao longo de sua história, revelando-se como importante espaço político, de reivindicação e transformação por parte da população ali presente.

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54

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2.5. OCUPAR É NECESSÁRIO

Segundo mapeamento de equipamentos culturais públicos da Rede Nossa São Paulo, em 2017, o distrito José Bonifácio apresentava uma escala entre 0 e 1 (número de equipamentos culturais públicos por 100 mil habitantes), um valor muito baixo, ainda que a média da cidade também seja baixa, com um valor de 3,59. O índice do distrito com pior indicador, Jardim Ângela, foi de 0,61 em comparação com 54,67 do Butantã.10 Grande parte dos distritos estão numa escala de 0 a 18. Já no mapeamento de centros culturais, casas e espaços de cultura, o José Bonifácio está numa escala (número de equipamentos por 100 mil habitantes) de 0,01 a 0,09, em comparação com 0,03 do Grajau (distrito com pior indicador) e 3,09 da Sé (distrito com melhor indicador). A média da cidade é de 0,16.11 A provisão de serviços deste tipo pelas instâncias públicas é ainda algo pouco consolidado e priorizado. Os Centros Educacionais Unificados (CEUs) e as Casas de Cultura são iniciativas relativamente recentes que ajudaram a reduzir esse déficit, porém anda são incipientes. A cidade de São Paulo conta hoje em dia com apenas 17 casas de cultura.

Além da baixa quantidade desse atendimento, vale a pena ressaltar a diferença da atuação entre estas categorias e os coletivos independentes. Os serviços culturais públicos, no geral, não estabelecem um diálogo com a comunidade. Destaca-se ainda o modelo das Organizações Não Governamentais, que vem avançando na cidade de São Paulo e que inclusive é meta do governo municipal. Porém, este é um padrão que muito se assemelha à gestão privada dos espaços (MARINO, 2018). Em contrapartida, conforme estimativa do início de 2017, São Paulo conta com 17 ocupações culturais atuantes na periferia. A maioria ocupa terrenos da COHAB, prédios da prefeitura regionais e antigos telecentros. Vale ressaltar que, destas 17; 6 encontram-se na Zona Leste, 2 sob ameaça de reintegração de posse. A primeira ocupação cultural data de 2002, do Coletivo Dolores Boca Aberta (MARINO, 2018). O surgimento dos movimentos culturais é concomitante à origem desses territórios periféricos e denota dois processos vigentes que iniciaram em paralelo na cidade de São Paulo: a formação dos territórios na fronteira do legal - os

rede nossa são paulo. Número de equipamentos públicos de cultura, por 100 mil habitantes. Fórmula: Número total de equipamentos públicos/ População total x 100.000 Fontes do Indicador: SMC (Secretaria Municipal de Cultura/IBGE.

11

10

58

Rede Nossa São Paulo. Número de centros culturais, espaços e casas de cultura, municipais, estaduais, federais e particulares, por 10 mil habitantes.

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territórios marginalizados e carentes de infraestrutura de qualidade - e a articulação de coletivos independentes atentos às necessidades dessas comunidades específicas. A ameaça aos coletivos, sobretudo, por meio da sua criminalização é uma constante e, mais recentemente, tornou-se mais incisiva. O avanço do urbanismo neoliberal e a tentativa de mercantilização dos espaços públicos podem ser percebidos nos planos municipais mais recentes. Dentre eles, cita-se: a) O Plano Municipal de Desestatização (Lei Municipal número 16.703/2017), que lista bens públicos que podem ser concedidos e/ ou privatizados. São exemplos sacolões, parques, praças, etc... b) O projeto de desmobilização de ativos da Cohab de 2018 (LABCIDADE), que prevê a venda de cerca de 900 imóveis da COHAB. c) Os Projetos de Intervenção Urbanística (PIUs), que permitem a transferência de terras e sua exploração comercial. Segundo Marino, há uma maior efervescência dos grupos culturais, particularmente a partir de 2013, quando repara-se também maior articulação entre eles, o que pode estar relacionado às manifestações de junho e à mobilização política e cultural que viveu a cidade neste período. É uma articulação em rede marcada pela formação do 60

Movimento Cultural das Periferias, que organiza e reúne os diversos colaboradores desses coletivos e enfatiza as suas pautas como, por exemplo, o reconhecimento legal dos espaços. Em 2014, abriu-se a possibilidade para o diálogo com a gestão municipal, por meio da elaboração do Plano Municipal de Cultura (PMC), o qual, logo em seguida, foi desconsiderado e hoje esses espaços seguem na ilegalidade (MARINO, 2018). Das 17 ocupações, 4 já foram reintegradas. Dentre elas, o Barracão das Artes e o Reação Arte e Cultura. Os dois ocupavam galpões da COHAB na Zona Leste e o Reação, localizava-se muito próximo à Praça Brasil. É neste contexto que surge a quadra da Praça Brasil.

2.6. A OCUPAÇÃO NA PRAÇA BRASIL

Na mesma área, coexistem a oKupação cultural CORAGEM, a ocupação de acolhida de mulheres do MTST Tereza de Benguela, a praça Brasil, reivindicada por skatistas e usuários da região e uma rua peatonal ocupada com serviços, bares e padarias. Em quadras próximas, encontram-se ainda as ocupações Fala Negão e Reação 2. O coletivo Coragem já foi atuante na região através, principalmente, do Reggae na Rua. Após quinze anos de abandono, os colaboradores e a comunidade organizaram-se para ocupar o imóvel da Praça Brasil, apropriando-se de 4 unidades abandonadas das 48 previstas para o comércio. Em mutirão, limparam, pintaram e mobiliaram o local, provendo uma estrutura básica para suas atividades. Na Coragem, são realizadas: saraus, exposições, rodas de conversa, oficinas e uma biblioteca comunitária aberta ao público. Atualmente, a Gibiteca Balão - dedicada aos gibis e à cultura nerd - é a mais ativa e recebe auxílio econômico do programa de incentivo à cultura na periferia, da secretaria municipal de cultura - o VAI. Ressalta-se também a Calçada Literária - distribuição de livros para doação na calçada em frente à ocupação. O espaço da ocupação fica aberto de quinta-feira a domingo. É um importante ponto de reconhecimento dos artistas locais, através das

frequentes exposições de grafiteiros e artistas de rua. Logo atrás da ocupação cultural, encontra-se a ocupação de acolhida a mulheres em situação de vulnerabilidade, a Tereza de Benguela, cujo nome relaciona-se a sua inauguração, 25 de julho (dia do nascimento da Tereza de Benguela, líder quilombola). Trata-se de uma ocupação do MTST que se dedica ao apoio a mulheres em situação de vulnerabilidade social e articula-se com outras casas de mulheres na região como a casa Dandara e a casa Anastácia (no conjunto habitacional Castro Alves, na Cidade Tiradentes). Segundo Garcez, era um ponto de tráfico de drogas e foi inicialmente apropriada como moradia para mulheres. No entanto, essa finalidade gerou conflito na região por parte de algumas lideranças religiosas e outros que não entendiam o que significava uma casa para mulheres. Por isso, a casa transformou-se num ponto de acolhida realizando atividades como apoio jurídico, promoção de saúde, etc. A praça Brasil ficou abandonada durante um tempo. Houve uma mobilização da comunidade, organizada por skatistas, que realizou oficinas para transformação do local. Depois, contou com incentivo da prefeitura. Atualmente, a quadra é intensamente apropriada por pequenos serviços e comércios de moradores. 61


Segundo consta no Inquérito do Ministério Público de São Paulo, toda a região localiza-se numa área identificada como ZEIS 1 (L-118) Zona Especial de Interesse Social, o que implicaria na formação de conselho gestor para que a comunidade possa opinar sobre o processo de alienação e uso desses imóveis públicos. As Zeis 1 prevêm a garantia de equipamentos e serviços sociais/ culturais além de habitação de interesse social. No entanto, os planos de reintegração de posse foram alheios à população. No caso da Tereza de Benguela, a reintegração foi realizada de maneira violenta e arbitrária e o mandato correspondia a um processo de 2006, cuja ação era voltada ao antigo inquilino, conforme depoimento da Claudia Garcez:

bém em bares e pequenos comércios. Além disso, chama a atenção a quantidade de igrejas na região. Sobre a importância dos bares no local, Thiago (produtor cultural na Zona Leste e criador da página do Instagram @Itaqueranacena) comenta: Porque a COHAB tem alguns estacionamentos que são praticamente ruas sem saídas, que às vezes tem bares ou botecos nesta ruas e eles acabam promovendo essas roda de samba. (...) Eu fiz uma matéria falando justamente do bar como instituição cultural das periferias, porque geralmente é onde acontece a maior parte das coisas culturais, saraus, apresentações musicais, geralmente é onde que os artistas se apresentam pela primeira vez na vida sabe? E é onde que as divulgações das coisas acontecem. Então na periferia, o bar tem essa importância como instituição cultural.

Espaço interior okupação Coragem. Foto da autora

Quer dizer, a gente tava sendo reintegrado. Simplesmente, eles mostraram um documento de 2006, onde falava de uma reintegração daquele mesmo imóvel, mas não éramos nós que estávamos nesse processo, né. Não teve notificação pra nós. Então, eles reutilizaram um documento de 2006 pra fazer uma reintegração de 2018. (...) Aí aconteceu essa reintegração, a gente gritou, a gente chorou muito, a gente esperneou, falou que não era nosso documento, não era contra nós, que tava errado...Consultamos os advogados, tudo, os advogados da casa, mas não teve muito o que fazer. A gente teve que se organizar de outra forma.

Apesar da falta de equipamentos e serviços públicos, a praça Brasil e seu entorno denota diversos tipos de apropriação social configurados não apenas nas ocupações culturais, mas tam62

Folhetos de atividades culturais na okupação Coragem. Foto Giulia Massenz 63


Ponto de cultur a Reação

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Ponto de cultura Reação

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Interior Okupação Coragem

Okupação Coragem

Ponto de ônibus diante da okupação Coragem 66

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Portão de entrada da ocupação Tereza de Benguela

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Parede interior da ocupação Tereza de Benguela. Fonte: Facebook da ocupação.

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3. METODOLOGIA APLICADA: ETAPA 2 (AVALIAÇÃO URBANA)

A seguir, aplicou-se a segunda etapa (avaliação urbana) do manual com a análise dos três tipos de espaços cotidianos conforme descritos anteriormente. As fichas correspondentes à cada espaço seguiram o mesmo padrão aplicado no modelo da Auditoría de Calidad Urbana. Bairro e Rede Cotidiana: José Bonifácio Espaço de Relação: Praça Brasil Equipamento Cotidiano: Casa de Cultura Raul Seixas

70

71


jOSÉ BONIFÁCIO COHAB 2 MUNICÍPIO: São Paulo Superfície: 1521 km2 População: 12,18 milhões hab Bairro: José Bonifácio Superfície: 14 km2 Tipologia: Conjunto residencial e autoconstrução População: 124.122 hab

PROXIMIDADE

3,09

DIVERSIDADE

3

AUTONOMIA

3

VITALIDADE

1,90

REPRESENTATIVIDADE

2

0 72

500

1000 m

CARACTERÍSTICAS: Bairro de promoção pública da COHAB SP, construído na década de 1980. O bairro apresenta um tecido urbano cuja tipologia é majoritariamente residencial, ocupada por edifícios da COHAB e outra parte caracterizada pela informalidade de autoconstruções. Os comércios cotidianos, muitos deles localizados nas pequenas garagens autoconstruídas, proporcionam certa dinâmica às ruas da rede cotidiana devido à abertura das plantas baixas às ruas. No entanto, a percepção de segurança é baixa, muito devido a existência de espaços residuais (espaços pouco visíveis) e à pouca manutenção de iluminação e sinalização ou aplicação de mobiliário para criação de espaços de permanência. No geral, o bairro contém ilhas de usos específicos, comerciais ou residenciais, e pouca mescla de atividades o que faz com que algumas ruas e zonas fiquem completamente sem atividades dependendo da área do dia. Os equipamentos são poucos, porém os que existem são bastante utilizados. Muitas ocupações voltadas às atividades culturais. A rede cotidiana se desenvolve principalmente na parte norte do distrito (onde foi aplicado o projeto residencial da COHAB) e se estende até parte do distrito de Itaquera. O Parque do Carmo está próximo também, porém em outro distrito (Parque do Carmo). Poucos espaços de relação: a praça Brasil e o parque Raul Seixas. Existem pontos de ônibus distribuídos pela região, porém os ônibus passam em poucos horários. É uma zona isolada que prioriza o transporte de carro. Pouca qualidade das calçadas. A centralidade do espaço de relação da Praça Brasil e a presença de pequenos comércios nas ruas da rede cotidiana permitem criar uma rede de proximidade, porém existem dificuldades de conectividade devido à falta de manutenção e projeto das ruas, no geral. Pouca acessibilidade. 73


Limites do distrito muito maior: escala muito maior comparada com as cidades em que foram aplicadas pela auditoria. O raio de 1km a partir da praça brasil não inclui metade do distrito, mas alcança toda a parte do conjunto habitacional da COHAB 2. E a praça Brasil localiza-se bem no centro. A parte mais ao sul tem uma densidade demográfica menor devido ao caráter rural da área. As ruas sem saída do projeto original da COHAB são precárias nos indicadores de autonomia e diversidade por serem isoladas.

PRINCIPAIS LINHAS DE ATUAÇÃO: - Melhorar a qualidade das ruas da rede cotidiana possibilitando espaços de permanência e proporcionando melhor sinalização. - Incentivar o uso de outros modais de transporte e eliminar os canteiros centrais, valorizando os pedestres ao invés dos veículos. - Melhorar sinalização: trocar as placas em mal estado e colocar mais placas distribuídas de maneira homogênea no território. Localizar também mapas do distrito em pontos centrais do bairro. - Realizar ações que deem maior vitalidade ao bairro como a manutenção das áreas verdes, a instalação de mobiliário urbano em outras zonas. - Reconhecer legalmente os espaços de 74

ocupação como importantes ativadores e dinamizadores sociais. - Trabalhar com as pessoas a memória do bairro através da promoção de atividades em centros cívicos ou nas próprias ocupações culturais. - Incentivar a diversidade de usos em locais predominantemente residenciais como as ruas sem saída do projeto original do conjunto habitacional. - A praça brasil, as ocupações culturais e a rua peatonal constituem importante centralidade e potencial local de ativação desta rede cotidiana.

Ponto de ônibus perto do Parque Raul Seixas

Avenida Nagib Farah Maluf

Ruas sem saída da COHAB

Ruas sem saída da COHAB

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PROXIMIDADE

PRAÇA BRASIL

3,83

i

arbin

io b a silv

2,72

av. nag ib

ínia virg a

ru

av. jacú pêssego

AUTONOMIA

or joão ba fess tista o r av. p rdim a ja

VITALIDADE

o

oi tam

3,44

ru

equipamento cotidiano: educação rede privada 76 educação rede pública

3,11

farah

ferni

ru

DIVERSIDADE

teatro/cinema

praça brasil

biblioteca esporte

limites distrito

0

500

1000 m

CARACTERÍSTICAS: A praça possui boas qualidades no quesito proximidade, por localizar-se justo no centro do perímetro definido para a análise do bairro. Está próxima às principais ruas da rede cotidiana. Constitui importante centralidade do bairro. Palco de reivindicações populares ao longo da sua história, hoje em dia apresenta distintas atividades como shows, feiras, etc...Além disso, possui uma rua peatonal com pequenos serviços variados com espaços de permanência. Fora as ocupações culturais e de acolhida à mulher CORAGEM e Tereza de Benguela que promovem importantes atividades para a comunidade da região. No entanto, fatores como segurança, diversidade de mobiliário urbano e sinalização deixam a desejar. O entorno, repleto de edifícios residenciais, não proporciona uma vigilância contínua por parte da comunidade. A praça não apresenta espaços de transição (como marquises, por exemplo) em relação às ruas ao redor e, em grande parte de seu perímetro, é fechada ao resto do tecido urbano. Uma das ruas circundantes é a Avenida Nagib Farah Maluf, onde há pouca integração com a calçada, reiterando o modelo viário que dá pouca 77


PRINCIPAIS LINHAS DE ATUAÇÃO:

i

arbin

io b a silv

a

ru

av. jacú pêssego

av. nag ib

ínia virg

farah

ferni

ru

or joão ba fess tista o r av. p

rua

oio

polícia civil

am im t

jard

equipamento cotidiano: mercados 78 guarda civil

- Melhorar tipologias de mobiliário urbano - Aumentar sinalização e incluir mapas de localização na praça - Promover abertura da praça às ruas (abrir passagens laterais para as ruas) - Promover mais espaços de esporte e espaços voltado às crianças - Potencializar os espaços das ocupações de acolhida às mulheres e de ocupação cultural - Melhorar a conexão com as ruas da rede cotidiana - Priorizar os pedestres ao invés dos meios de transporte - Incluir trajetos que priorizem também outros modais de transporte, como as biciletas - aumentar a integração com os pontos de ônibus - Incentivar calçadas mais largas - Promover mais espaços de permanência com bancos, mesas, etc.

saúde

praça brasil

ecoponto

limites distrito

0

500

1000 m

Estacionamento diante da okupação Coragem

Ponto de ônibus diante da Praça Brasil

79


CASA DE CULTURA RAUL SEIXAS PROXIMIDADE

3,28

ínia virg

av. nag ib

a

av. jacú pêssego

1,37

or joão ba fess tista o r av. p

rua

ponto ônibus

2,88

AUTONOMIA

im jard

equipamento cotidiano: espaços de relação 80 1 parque raul seixas 2 praça brasil

DIVERSIDADE

2

ru

1

ni

barbi

farah

ferni

lvio rua si

praça brasil limites distrito

Constitui importante polo de atividades do distrito José Bonifácio e é um dos equipamentos de referência para a comunidade local. A casa de cultura encontra-se dentro do parque e propõe diversos tipos de atividades como exposições, oficinas, peças de teatro e o parque tem um desenho que possibilita diversos tipos de atividades simultâneas: aparelhos de ginástica, xadrez, sanitários públicos e quadras poliesportivas, além de um CECCO (equipamento da Secretaria Municipal de Saúde). No entanto, possui um baixo valor no quesito autonomia devido a sua pouca integração ao entorno: apesar de ter mais de uma entrada, o seu entorno é todo cercado e não há espaços de transição entre o parque e a rua.

VITALIDADE

io amo

2,2

t

0

CARACTERÍSTICAS:

500

1000 m

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PRINCIPAIS LINHAS DE ATUAÇÃO - Aumentar integração com a rua, principalmente onde estão localizados os pontos de ônibus e tentar que as atividades sejam vistas desde a rua. - Melhorar informação e sinalização. - Oferecer apoio para cuidado de crianças, de forma que as pessoas cuidadoras também possam realizar atividades e, assim, potencie sua diversidade. - Oferecer informação clara sobre os banheiros públicos de forma que seja possível utilizá-los para além da área correspondente ao equipamento, melhorando assim sua autonomia. - Incrementar a vitalidade através de atividades que possam se estender para fora do equipamento, melhorando a sua relação com a rua.

Entrada Parque Raul Seixas

Espaço interior Casa de Cultura Raul Seixas

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Casa de Cultura Raul Seixas

Grade do Parque Raul Seixas

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4. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES GERAIS

“Periferia, não por acaso, substantivo feminino no qual se inscreve a história corrente de inúmeras mulheres.” Trecho do Manifesto Periférico - FCZL/2013)

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Ao concluir esse projeto no conjunto habitacional José Bonifácio, observou-se que há muito o que fazer para alcançar um modelo de bairro planejado. São muitos os déficits: falta de estrutura, falta de manutenção, pouco mobiliário urbano, desenho precário de calçadas e ruas, poucos equipamentos culturais públicos. Do ponto de vista da gestão urbana, ainda é incipiente a integração entre as administrações e a variável de gênero é ignorada ou pouco reconhecida na aplicação dos projetos públicos. Durante esse processo foi possível observar a necessidade de uma metodologia adaptada à realidade brasileira. O olhar para a teoria do urbanismo com perspectiva de gênero é essencial, porém deve ser acompanhado de uma aproximação atenta à realidade de cada país, de cada cidade e aos seus fatores sociais, econômicos e culturais. Muitas regiões brasileiras (incluindo o distrito José Bonifácio) estão marcadas mais pelas carências do que pelas estruturas. Fora isso, existe um problema de escala: grandes cidades, bairros enormes, zonas superpovoadas. Ao incluir a análise da produção cultural, foi possível apreender outras demandas da região. Os cartazes das atividades das diferentes ocupações culturais desvelaram a existência de espaços de troca entre as mulheres e a importância de temas como segurança, maneiras de lidar com

violência doméstica, defesa pessoal, sexualidade, formação profissional. Esses temas, ao contrário do modo técnico e institucional com que geralmente são abordados, eram divulgados com uma estética inventiva e discutidos por meio de manifestações artísticas, como nos exemplos Bordado com Poesia, Politizando Beyoncé com aulas de inglês ou a peça teatral Gente que menstrua. Ao longo do processo, a dificuldade de aproximação do tema foi grande. Por um lado, a dificuldade de encontrar uma metodologia de leitura de um território periférico em São Paulo, por outro, a discrepância entre interiorizar conceitos estudados e experienciar o território através do meu corpo: mulher, branca, classe média. O processo de estudo incluiu, sobretudo, a desconstrução de preceitos e de um olhar que, já a princípio, buscava criticar e pontuar as ausências, mas que se deparou com a potência da apropriação social de um local. As condições das mulheres estão atreladas ao território e o urbanismo com perspectiva de gênero propõe o pensamento propositivo das cidades, a partir do cotidiano das mulheres. Pensar as cidades sob uma perspectiva de gênero trata de um olhar sugestivo que seja mais inclusivo e não exclusivo. Isso perpassa por uma ação de projeto que não seja individual, mas sim coletiva. 85


cartazes Praça Brasil

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ANEXO I. QUESTIONÁRIO AUDITORÍA DE CALIDAD URBANA

Perguntas extraídas da ferramenta DUG (Diagnóstico Urbano com perspectiva de gênero): serve para descrever e analisar os entornos cotidianos dos nossos bairros e cidades. Ajuda a mostrar tudo referente à experiência de viver em um entorno físico determinado e, assim, atender às questões físicas e sociais do contexto que vamos analisar. Trata-se de uma seleção aberta de perguntas que poderia conter muito mais e que atua como um primeiro guia para aproximar-se da realidade que será analisada. Foram destacados os conceitos que aparecem descritos para aprofundar-se na compreensão do que se está olhando. Para facilitar a avaliação posterior, dividimos as perguntas em três âmbitos físicos: bairro e rede cotidiana, espaços de relação e equipamentos cotidianos. Bairro e rede cotidiana (BRC): As habitações estão situadas em um entorno próximo que permita desenvolver a vida cotidiana, tanto as tarefas relacionadas ao cuidado do lar e das pessoas, quanto o ócio e o trabalho? • Existem diferentes opções de deslocamento que facilitem os trajetos cotidianos? • Foi realizado um estudo de mobilidade com perspectiva de gênero, participação cidadã e considerando as percepções das pessoas que mais utilizam cada modalidade de deslocamento (a pé, transporte público, veículo privado, bicicleta ou outros)? 106

• O transporte público oferece horários variados em função das diferentes necessidades sobre rotas e frequências entre linhas urbanas, interurbanas e interestaduais? • O transporte público oferece tarifas integradas e especiais para crianças, idosos, estudantes e pessoas desempregadas ou com condições especiais? • Medidas de controle são aplicadas para a gestão de veículos, como o controle de velocidade e dos estacionamentos nas entradas dos núcleos urbanos ou zonas de desembarque intermodal? • Diferentes opções de deslocamento são promovidas com meios alternativos de mobilidade, menos contaminantes e mais sustentáveis? • Existem comércios cotidianos e variados no bairro para cobrir as diferentes necessidades? • São fomentadas ajudas e iniciativas para promover o comércio cotidiano do bairro? • Mercados e feiras municipais são promovidos com pessoas produtoras da zona? • Estimula-se a compra nos mercados mediante iniciativas diversas (horários adequados que se ajustem a todas as pessoas, campanhas promocionais, eventos especiais, etc)? • Existem políticas e ações concretas sobre a moradia para o bairro que respondam às necessidades das diferentes pessoas que vivem nele? • Existem tipos diversos de moradia no mesmo edifício e no bairro segundo os diferentes tipos de família? • Existe uma política especial de reabilitação e adapta-

ção das moradias antigas para melhorar sua habitabilidade? • Coexistem nos edifícios de moradias outras atividades além das residenciais? • Existe na entrada dos edifícios um espaço disponível para o armazenamento de carrinhos infantis, carrinhos de compra, bicicletas ou outros elementos grandes que se utilizam na vida cotidiana? • Existem espaços no bairro onde meninas e meninos, de diferentes idades, possam mover-se e brincar com segurança? • Os caminhos são seguros para que os idosos possam locomover-se de maneira autônoma? • Existem trajetos alternativos, visíveis e claros, para deslocar-se nos trajetos a pé? • O mobiliário e os elementos urbanos (grelha para árvores, iluminação, lixeiras, etc.) de maneira que não dificultem a prioridade peatonal? • Existem rampas e escadas com guarda-corpo, mudanças de cor e textura dos pavimentos ou outros elementos que ajudem a visibilizar os desníveis? • As calçadas têm prioridade peatonal e a medida adequada para o passeio de todas as pessoas (com carrinho infantil ou de compra, em cadeira de rodas ou com acompanhante, pessoas com dificuldade de mobilidade, menores acompanhados, etc.)? • Existe prioridade peatonal nas intersecções das ruas e nos pontos de intercâmbio entre diferentes meios de transporte? • Foram levados em conta em primeiro lugar as ruas acessíveis e com prioridade peatonal nos trajetos em direção aos equipamentos e serviços? • Os semáforos levam em conta o tempo de mobilidade

de todas as pessoas? • Existe na rede cotidiana esquinas com “cruzamento universal”, ou seja, com todos os veículos parados ao mesmo tempo para facilitar a passagem livre do pedestre? • É levada em consideração situações ambientais, como o ruído ou a contaminação do ar, no desenho dos trajetos de pedestre? • As paradas são seguras e acessíveis e estão bem mantidas? • As paradas isoladas contam com pontos de emergência? • Os trajetos de pedestre são seguros, com iluminação de pedestre contínua, visíveis e dotados de vigilância informal? • Os acessos aos veículos ou vagões de transporte público se encontram no mesmo nível que a rua ou que a plataforma? • O transporte público dispõe de espaço para cadeira de rodas, carrinhos infantis ou de compra, maletas e outros elementos? • Existe informação clara, visível e de fácil compreensão para todas as pessoas sobre horários e frequências de passagem? • Existe informação clara sobre localização e direção que permita em todo o momento orientar-se no espaço? • Existem pontos de emergência colocados adequadamente nos trajetos cotidianos e relacionados com o transporte público? • Existem medidas para organizar o acesso aos centros educativos que evitem a concentração de carros nas entradas, que gera situações de risco para os pedes107


promocionais, eventos especiais, etc)? • Existem políticas e ações concretas sobre a moradia para o bairro que respondam às necessidades das diferentes pessoas que vivem nele? • Existem tipos diversos de moradia no mesmo edifício e no bairro segundo os diferentes tipos de família? • Existe uma política especial de reabilitação e adaptação das moradias antigas para melhorar sua habitabilidade? • Coexistem nos edifícios de moradias outras atividades além das residenciais? • Existe na entrada dos edifícios um espaço disponível para o armazenamento de carrinhos infantis, carrinhos de compra, bicicletas ou outros elementos grandes que se utilizam na vida cotidiana? • Existem espaços no bairro onde meninas e meninos, de diferentes idades, possam mover-se e brincar com segurança? • Os caminhos são seguros para que os idosos possam locomover-se de maneira autônoma? • Existem trajetos alternativos, visíveis e claros, para deslocar-se nos trajetos a pé? • O mobiliário e os elementos urbanos (grelha para árvores, iluminação, lixeiras, etc.) de maneira que não dificultem a prioridade peatonal? • Existem rampas e escadas com guarda-corpo, mudanças de cor e textura dos pavimentos ou outros elementos que ajudem a visibilizar os desníveis? • As calçadas têm prioridade peatonal e a medida adequada para o passeio de todas as pessoas (com carrinho infantil ou de compra, em cadeira de rodas ou com acompanhante, pessoas com dificuldade de mobilidade, menores acompanhados, etc.)? 108

• Existe prioridade peatonal nas intersecções das ruas e nos pontos de intercâmbio entre diferentes meios de transporte? • Foram levados em conta em primeiro lugar as ruas acessíveis e com prioridade peatonal nos trajetos em direção aos equipamentos e serviços? • Os semáforos levam em conta o tempo de mobilidade de todas as pessoas? • Existe na rede cotidiana esquinas com “cruz universal”, ou seja, com todos os veículos parados ao mesmo tempo para facilitar a passagem livre do pedestre? • É levada em consideração situações ambientais, como o ruído ou a contaminação do ar, no desenho dos trajetos de pedestre? • As paradas são seguras e acessíveis e estão bem mantidas? • As paradas isoladas contam com pontos de emergência? • Os trajetos de pedestre são seguros, com iluminação de pedestre contínua, visíveis e dotados de vigilância informal? • Os acessos aos veículos ou vagões de transporte público se encontram no mesmo nível que a rua ou que a plataforma? • O transporte público dispõe de espaço para cadeira de rodas, carrinhos infantis ou de compra, maletas e outros elementos? • Existe informação clara, visível e de fácil compreensão para todas as pessoas sobre horários e frequências de passagem? • Existe informação clara sobre localização e direção que permita em todo o momento orientar-se no espaço?

• Existem pontos de emergência colocados adequadamente nos trajetos cotidianos e relacionados com o transporte público? • Existem medidas para organizar o acesso aos centros educativos que evitem a concentração de carros nas entradas, que gera situações de risco para os pedestres? • A densidade edificatória favorece a atividade na rua e a presença de gente diversa? • As plantas baixas têm diferentes usos com atividades contínuas que favoreçam a vigilância informal do espaço pela presença de pessoas durante todas as horas do dia e da noite? • As moradias dispõem de um acesso ao edifício claro, visível e bem iluminado? • Existem espaços dentro dos edifícios das vivendas ou em seu entorno imediato que sirva a vizinhas e vizinhos para relacionar-se? • Os espaços de passagem dos edifícios, como acessos e corredores, têm uma medida que permita a meninas e meninos utilizá-los como lugar de encontro e jogos? • As passagens subterrâneas são seguras para cruzar estradas, vias de trem ou outros? • É possível sentar-se, reunir-se, conversar ou jogar nas ruas do bairro? • São promovidas atividades entre os vizinhos para gerar relações, convivência e conscientizar sobre o valor das relações sociais? • A diversidade social (incluídas as mulheres) na nomeação das ruas e praças do bairro da cidade? • Existem representações ou recordatórios da história do bairro que façam referência a toda a comunidade e que reconheçam também o trabalho realizado por mu-

lheres? • Existem obras de arte no espaço público que transmitam valores de igualdade na sociedade? • As mulheres e os homens são igualmente representados em pictogramas com a figura humana (por exemplo, as sinalizações de tráfego, os sinais de obra provisória, os semáforos e o tamanho de meninas e meninos em pictogramas escolares)? • Uma linguagem não sexista é utilizada nas indicações das ruas, isto é, são utilizados termos genéricos (por exemplo, cidadania ao invés de cidadão)? • Processos participativos interdisciplinares e transversais entre os diferentes atores (municipalidade, equipes técnicas e vizinhança) desde o diagnóstico até a avaliação? • São realizadas oficinas de participação vinculadas às reformas urbanas onde estão representadas as diferentes pessoas? • Medidas são tomadas para facilitar a participação em diferentes dias e horários, além de proporcionar serviços às pessoas que tenham familiares sob seus cuidados e cobrir os deslocamentos das pessoas que precisam? • Trabalha-se de forma setorial e conjunta com as diferentes experiências de mulheres e homens sobre o uso cotidiano dos entornos para chegar a um consenso? • As atividades relacionadas com a esfera reprodutiva são levadas em conta quando se planejam propostas? • Diagnósticos participados são realizados com diferentes pessoas do bairro para compreender o uso dos espaços e o desenvolvimento da vida cotidiana segundo suas necessidades? • São utilizadas outras metodologias que permitam obter informação não disponível nos dados estatísticos 109


para ter um conhecimento real da população?

Espaços de relação de bairro:

• Os parques e as praças estão distribuídos homogeneamente de maneira que se encontrem próximos às habitações do bairro? • Existem espaços que favoreçam a reunião e a socialização em relação com os equipamentos? • Os espaços com brinquedos estão situados em relação às atividades cotidianas das crianças (escolas, esportes, etc.)? • Os espaços de jogos infantis contemplam diferentes idades? • Os espaços foram equipados com bancos para o descanso das pessoas cuidadoras? • Existem espaços de ócio e estância tranquila para diferentes pessoas, que se possa conversar, ler ou descansar? • Existem bancos localizados no sol e na sombra? • Existem árvores ou vegetação que propicie zonas de sol no inverno e de sombra no verão? • Existem espaços de relação que promovam a convivência intergeracional e intercultural? • O mobiliário urbano está bem situado e seus materiais são agradáveis e adequados para a manutenção? • Existem banheiros públicos para mulheres e homens associados aos espaços de relação? • Existe uma conexão direta, visual e acessível, entre as habitações e os espaços de relação? • O desenho dos espaços evita os elementos físicos que gerem percepção de insegurança? • Os elementos de mobiliário urbano ou vegetação que 110

prejudiquem a visibilidade do espaço são evitados? • Existe iluminação peatonal contínua segundo os usos de todas as pessoas? • É realizada uma manutenção regular da iluminação para evitar sua obstrução por árvores ou outros elementos? • O sistema de coleta de resíduos tem em conta a todas as pessoas usuárias (localização, ergonomia, altura, distância entre latas de lixo, etc.)? • As paradas são seguras e acessíveis nos espaços de espera do transporte público? • Existe informação para localizar-se nas ruas? • Existe sinalização que informe trajetos alternativos por ruas acessíveis? • Existem elementos que possam transmitir insegurança, como transformadores elétricos, etc.? • Existem espaços que a uma determinada hora percam toda sua atividade? • Existem espaços monopolizados e socialmente críticos que não podem ser usufruídos livremente? • Existem espaços indeterminados que são utilizados como espaço para favorecer a reunião e a socialização? • Os espaços intermediários são cuidados e mantidos?

Equipamentos Cotidianos:

• Os equipamentos e outros serviços estão situados em uma rede de espaços de relação complementares acessíveis para todas as mobilidades? • Existem equipamentos e serviços para satisfazer as necessidades das diferentes pessoas e as diversas atividades da vida cotidiana, tanto as ligadas à reprodução

como à produção? • Os horários dos equipamentos são ajustados às necessidades das diferentes pessoas para o desenvolvimento da vida cotidiana? • Os programas ou atividades propostos nos equipamentos garantem o uso igualitário por parte de mulheres e homens? • Todos os equipamentos ou serviços públicos são acessíveis em igualdade de oportunidades para todas e todos, sem nenhum tipo de exclusão? (sexo, idade, classe, etnia, cultura ou religião)? • Os equipamentos oferecem serviços para a conciliação da gestão da vida cotidiana (por exemplo, serviço de berçário nos mercados, na academia, na universidade, nas escolas, etc.)? • Existem equipamentos polifuncionais que acolham diferentes usos ao mesmo tempo? • Existem iniciativas para proporcionar aos equipamentos usos diversos durante o dia e que não se utilizem exclusivamente de um horário (por exemplo, abertura dos pátios das escolas fora do horário escolar)? • Os equipamentos oferecem banheiros públicos para todas as pessoas? • Existe uma relação desde o equipamento com planta baixa aberta ao espaço público para favorecer a sensação de segurança? • Considera-se, no desenho exterior do edifício, aspectos como iluminação, acessibilidade, visibilidade e o uso de materiais apropriados para cada elemento? • Existe um espaço intermediário, amplo, seguro e livre de carros nas portas dos equipamentos? • O desenho do espaço interior dos equipamentos é adaptado às atividades que contém e oferece flexibili-

dade para acolher a outras atividades? • Os espaços estão repartidos de forma igualitária, sem que tenha hierarquia entre usos diferentes?

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ANEXO II. TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS Claudinha (liderança tereza de benguela) C: A gente ocupou o triplex do Lula na segunda feira. na quinta-feira, quando a gente foi pra tereza, as coisas estavam sendo carregadas pra dentro de dois caminhõezinhos. Quer dizer, a gente tava sendo reintegrado. Simplesmente, eles mostraram um documento de 2006, onde falava de uma reintegração daquele mesmo imóvel, mas não eramos nós que estávamos nesse processo, né. Não teve notificação pra nós. Então, eles reutilizaram um documento de 2006 pra fazer uma reintegração de 2018. Então, dia 25 de novembro de 2017 até dia 19 de abril de 2018, a gente teve em plena atividade, com força total. Aí aconteceu essa reintegração, a gente gritou, a gente chorou muito, a gente esperneou, falou que não era nosso documento, não era contra nós, que tava errado...Consultamos os advogados, tudo, os advogados da casa, mas não teve muito o que fazer. A gente teve que se organizar de outra forma. Tinha algumas mobilizações marcadas na COHAB, de moradia. Então, a gente somou...as mulheres do movimento foram e reforçaram também, a gente foi abrindo o ato com a bandeira da Tereza de Benguela, e de todas as atividades que a gente tinha feito lá. Acho que foi na outra semana que a gente fez isso..Aí a gente conseguiu ser ouvida e começou o processo de negociação com a COHAB, né. Esse processo de negociação foi durante 6 meses. Eles ficaram de apresentar alguns imóveis pra que fosse definitivo, pra que a gente ficasse definitivamente em algum lugar. Então, foram alguns locais bastante interessante...Um local que era um conjunto grande, com uma casa no meio..Tinha um quintal, a gente poderia fazer ioga, a gente poderia fazer atividades naquele quintal legal, bacana, mas tinha moradores lá, moradores de rua, tinha muito cachorro, tinha muito lixo. Outro imóvel que eles ofereceram foi na Cidade Tiradentes, tava ocupado por um professor de capoeira. Eles queriam que a 112

gente chegasse lá e falasse, sabe...Foi uma coisa absurda que eles queriam que a gente desse um jeito de se adaptar aos locais. Ou esse com moradores de rua, com cachorros e drogrados ou...enfim, eles queriam que a gente resolvesse o pepino todo. Aí foi em julho a gente resolveu radicalizar: “A gente não tá chegando a canto nenhum, a gente tá so andando em círculo com a COHAB, a COHAB tá tirando com a nossa cara e o nosso espaço que a gente tinha ocupado tava servindo de alojamento pro pessoal da GOSTIL(?), empresa de segurança que tava lá na porta no dia da reintegração. Ficaram lá alojados. Então tiraram um grupo de mulheres que tava fazendo um trabalho de prevenção, tava conversando com as mulheres, com os LGBTs, que tava tocando atividade cultural, tudo lá pra colocar um bando de macho, né. Que zombaram da nossa cara, inclusive né, no dia da reintegração. Então, a gente foi decidida lá pra COHAB, pra conversar, na nossa conversa que tava marcada. E a gente foi pronta, a gente colocou as nossas bandeiras dentro das bolsas. A gente foi pra negociação pronta pra radicalizar. E aí, a gente falou: a gente vai pra negociação, se sentir que não tá dando acordo a gente vai chamar um grande chá de bebe na COHAB. Na reunião, eles falaram que a gente que tava rodando em círculos, que a gente não tava querendo aceitar as propostas deles. E como que pode isso, né? Sendo que eles que mandavam a gente pruns lugares horrorosos, né..Com gente que tá com problema de saúde, que é um problema de saúde que eles precisam resolvem. E outra, a gente não tem contato de poder público pra poder reintegrar ninguém, nem de judiciário, nem de governo...de prefeitura, pra poder pegar e reintegrar o espaço pra gente utilizar...então, quem tava de má fé, lá? Não era a gente. Eles aceitaram negociar com a gente...Tava tendo um

impasse, eles tavam querendo endurecer pro nosso lado e aí nossas companheiras falou ó: a partir de agora, já que não tem negócio, a gente vai ocupar...a gente tá ocupando a COHAB nesse momento, levantou, foi pra porta e começou a falar no zap num grupo que a gente tem da Tereza de Benguela, né? “Vocês, mulheres que ajudaram a construir a Tereza de Benguela, os coletivos que tiveram lá, as mães com crianças, venham todos aqui pra COHAB, no edifício Martinelli. A gente vai fazer um grande chá de bebe e precisamos de vocês aqui pra reforçar, tal, não sei o que...” O pessoal na reunião ficou entender, olhando um pra cara do outro. E aí, enquanto a Luciana falava isso, eu e uma companheira chamada Geni começamos a arrancar das nossas bolsas a bandeira do movimento e a bandeira da Tereza de Benguela e começamos a colar na parede. A gente começou a colar com o adesivo do Boulos e Sônia Guajajara 50. Era a única coisa que a gente tinha de adesivo, né? Daí a gente falo: “Vamo com isso aqui mesmo!” Além de tudo, tiveram que aguentar o adesivo dos nossos candidatos colados lá na parede deles. É impactante...No dia do seminário eu contei isso pro pessoal e eles deram risada, tá lá no Podcast. Foi bem engraçado... E aí ficaram olhando com uma cara...e tinha um cara lá – eu esqueci o nome dele graças a deus que eu esqueci – ele era um bambambam, um grandãozão. Cabral, sei lá...Ele era um dos grandões. Ele falou assim: “Olha, vocês me dão 5 minutos?”Um senhor alto assim, sabe? Um europeuzão meio sério...Muito alto, meio magro...Daí ele: “Me de 5 minutos, já volto...”Quando ele foi, a gente começou a propor que eles indicassem algum local mesmo, né? Que tivesse acesso pra gente, que fosse legal pra gente desenvolver nossas atividades porque não dava pra gente fazer roda de mulheres num local onde tava cheio de pessoal, né? Como que as mulheres iam ficar tranquilas, confortáveis de falar do seu corpo num local cheio de cachorros, lixo, um monte de coisa? Então a gente começou a explorar também – eu lembro que eu fui a

primeira a falar isso – dele devolver talvez a gente pro nosso antigo endereço, né? A gente começou a bater nessa tecla: “Devolve a gente pro nosso antigo endereço, porque tá lá abrigando segurança, tá lá estruturadinho que foi a gente que arrumou, foi a gente que levou água, endireitou a luz, né?”E tava servindo pra macho lá, né? E aí a gente falou: a gente empenha nossa palavra que assim que vocês levantarem o local definitivo, a gente sai sem truculência. É só vocês arrumarem... Então a gente jogou essa bomba na mão deles, né? O cara lá, o bambambam, tava no escritório nessa hora. Quando ele voltou, você não imagina, ele veio com a mesma proposta que a gente sugeriu...era uma coisa assim, tava tipo selado, né? Quando ele saiu, ele pediu uns cinco minutos, a gente propôs isso pro restante do grupo. Quando ele voltou da sala dele, ele fez a mesma proposta que a gente, entendeu? E aí, a gente ouviu ele com atenção e a gente concordou...Porquê o grupo já tinha ouvido a mesma coisa, né? A mesma proposta...E aí ele falou que era pra dar 24 horas de prazo, tal...Enfim, isso aconteceu as 24 h depois teve uma reunião, mas aí tava o jurídico da Sâmia...a gente recorreu a ela porque a gente não sabia a quem recorrer, a gente levou advogado da Sâmia, a gente levou a Sílvia Ferraro, que saiu pra senadora, a gente levou nossa advogada, a gente levou mais outra companheira do MTST – então não era só três, eram quatro. E a gente, num outro dia, a gente conversou e ficou acordado isso. Que a gente ia voltar pra lá, ia ter uma pessoa que ia levar a chave...O primeiro dia que a gente tentou entrar, a PM achou que a gente tava invadindo daí impediu a gente de entrar lá...eles soldaram as portas por fora, né? Então tinha só uma portinha pra entrar lá...Então a gente não conseguiu...Na outra semana é que a gente conseguiu então pedir ajuda pra COHAB. Foi uma funcionária, com crachá, a gente não tinha documento porque tava no período eleitoral e eles pediram isso – pra que não tivesse documento. Pra que a gente não comprometesse eles nessa questão de papel, porquê senão ia dizer que estavam nos privilegiando por conta de alguma coisa da questão 113


eleitoral. Então a gente entrou mesmo ali com a garra, né? E com o acordo verbal, mesmo. Não teve nenhum papel, nada garantindo...E a gente tava no período eleitoral, foi final de julho. Julho a gente já tava fazendo a conversa com o núcleo, a gente tava se preparando pra eleição. Então, em agosto, a gente fez um mutirão só pra dar uma limpada no espaço, uma pinturinha. A gente não fez muita coisa e a gente conseguiu voltar só mesmo depois da eleição, em novembro. Novembro, a gente fez um grande almoço, a gente fez um mutirão de limpeza e pintura com mais gente... N: E com isso das eleições, digo, depois dos resultados, vocês se sentiram mais ameaçadas? C: Ah, eu senti. Posso dizer que senti. Eu tava morando aqui na Copa do Povo, que ainda não saiu construção, então eu tava morando no barraco, né? Eu tava bem...Hoje eu moro em dois cômodos, eu aluguei de novo. É duro pagar aluguel... N: Aonde você mora, Claudinha? C: Moro no Iguatemi agora. Próximo a Jacu-Pêssego. N: E você mora com teus filhos? C: Não...Meus filhos estão todos criados agora. De 2015 pra cá, eles já fizeram 18 anos...Tem um que vai fazer 22 e outro que vai fazer 20. E aí cada um foi morar num quartinho na vó pra eu não ter que pagar aluguel e eu resolvi voltar pra leste pra continuar minha luta, né? Até 2017 eu fiquei nessa de tá fazendo a luta, de tá na ocupação e indo pra casa pra descansar, sabe? Fazendo atividade e indo pra casa pra descansar...Mas agora eu to direto aqui na Leste e daqui eu não saio mais não. Eu pensei, agora que Bolsonaro foi eleito pode ter algum tipo de retaliação, sabe? Tem que ficar aqui...Tava uma agressividade já na eleição, né? N: É...e as pessoas que tavam quietas começaram a ter coragem de falar... C: É...as pessoas que tavam escondidas no armário da crueldade, né? Da raiva, do ódio...Começaram a sair es114

ses monstros, né. E foi assim que a gente voltou. A gente, em dezembro, fez uma última roda de conversa que a gente foi reviver tudo de bom que a gente tinha vivido na casa...o que a gente queria fazer no futuro como mulheres e aí veio 2019, veio muito trabalho, trabalho de base, a reforma que a gente não consegue concluir...poucas atividades porque a retomada tá sendo mais difícil que a própria ocupação. Porque na retomada, a gente não tem mais água. N: É mais falta de estrutura, mesmo? C: É falta de estrutura. N: Vocês tão com essa reforma combinada com a FAU SOCIAL? C: Isso. Aí agora a gente tá, aos pouquinhos, a gente preferiu não se comprometer muito com as atividades lá que pode por em risco o teto, que caiu o gesso...a gente não sabe se é seguro ficar lá, fazer a atividade, entendeu? A gente precisa tapar o buraco de vazamento e aí, depois que eu fui no seminário (seminário do LABCIDADE), chegaram vários contatos com a FAU. Daí a FAU SOCIAL ficou sabendo da Tereza e querem ajudar a fazer a reforma. E agora a gente tá organizando um encontro estadual de mulheres do MTST que as atividades que a gente fez no Tereza vão contribuir muito pra essa construção. Porque a gente não deu o pontapé inicial na luta das mulheres no movimento, mas as atividades que a gente propôs foram muito importantes...pro debate...Você pode ver na página, tem foto... N: Mas eu queria perguntar sobre o perfil das mulheres...Você acha que tem um perfil meio parecido? As histórias similares? C: Vou falar pra você, o que a gente tem mais parecido, o que mais nos une é a violência. A violência que a gente sofre. Porque a casa tava sendo coordenada por mulheres que sofreram violência doméstica...Tanto a Lu, como eu, como a Simone...

Kido (coordenador Gibiteca Balão - okupação Coragem)

N: O que a gente queria saber mais seria como você se envolveu com o coletivo, o que significa o CORAGEM pra você.
 K: Antes de tudo vocês são boas minas, então eu vou avisar: eu posso fechar um pouquinho a porta porque como não está aberto para visitação eu quero evitar que as pessoas entrem. Pra vocês não se sentirem com medo que tem um homem fechando a porta. Por isso que eu faço, eu sempre aviso, para ter o recorte, tá bom? N: Claro, claro, sem problemas. Valeu. (Fechamento do portão) K: Pode puxar uma cadeira, pode afastar os sofás se quiser. N: Mas é isso, acho que a gente queria entender um pouco quem são essas pessoas que vêm na CORAGEM, como se formou, porque que é um lugar importante pra vocês…Talvez um pouco dessa noção de comunidade que vocês criam né… K: Eu acho que a experiência de qualquer ação (mas tá gravando já, né?). Eu acho que a experiência de qualquer ação é muito particular, então é legal conversar com a Michelle, as outras pessoas também para ver…mesmo porque a Michelle e o Tássio são pessoas que estão aqui desde o início assim né, eles que ocuparam o espaço. Então, a visão que eu tenho assim é, eu cheguei posteriormente, né? Então, mesmo morando no bairro, mesmo as ações…Mas, enfim… N: Você mora aqui na COHAB? K: Sim, daqui dá pra ver minha casa. Muito próxima. N: Ah, legal! K: Bom, moro no bairro desde sempre. Eu tenho 28 anos. Há 28 anos moro aqui, tal. Eu sempre, eu comecei nos movimentos pelo movimento da educação. Fui presidente de

grêmio, aí comecei a militar pela educação com 11 anos, tal. Fui vendo as questões…Mas eu sempre fui fazendo eventos culturais. Então eu precisava, sei lá, o primeiro evento que eu fiz foi festa do sorvete assim sabe…Assim, pra mobilizar. Construi tudo sozinho, com coletividade. Eu sempre enxerguei potencial. Então sei lá, X amigo gosta de cantar, então ele vai cantar no evento assim...E surgiu assim, naturalmente. Eu nunca me percebi fazendo cultura, era mais uma demanda dentro da área da educação, que precisava. Então posteriormente me percebi como um homem gay, cis. É importante fazer esse recorte. Fui pro movimento LGBT né, na época ainda era GLS, mas isso é só um termo comercial né, nem leva em consideração quem tiver ouvindo isso. - Campeão, pode ficar a vontade, sentar, tem cadeiras ali, tal.. - Enfim, daí dentro disso eu tenho feito cultura, mas nunca me percebi fazendo né, então minha faculdade foi letras, a minha pós foi literatura e sempre fazendo evento cultural e nunca me percebendo como agente de cultura, como produtor cultural. Até que eu tive esse start assim: “Não, calma aí. Isso que eu to fazendo, sabe? “ As minhas áreas de atuação são todas ramificações da cultura, tal. Eu produzi um curta metragem, eu roterizei, eu dirigi. Eu já atuei, já fiz teatro, já fiz uma série de coisas sabe. Eu faço poesia e eu não me percebo como alguém da cultura assim…Então quando eu tive esse Start, quando eu tive eu fui buscar me profissionalizar. Eu sou periférico, então eu sempre procurei meios alternativos como bolsa, tal. Eu nunca parei de estudar, eu…Não é sobre mim, é sobre o Coragem, mas tudo bem também… N: Não, mas é sobre você também. K: Eu morei quatro anos e meio na rua. Eu fiz faculdade morando na rua. Eu nunca desisti de mim, nunca desisti do meu estudo, tal. E é isso assim. Fui fazendo uma série de 115


questões. E hoje me entendo como produtor cultural na periferia. Eu só vou pro centro pra - talvez para buscar entretenimento, mas nunca pra trabalho. E se for trabalho, é de maneira remunerada, então eu to em várias quebradas. Eu tava em São Mateus no domingo, eu vou estar numa quebrada na Brasilândia no próximo domingo, tal. Num festival LGBT sabe… Sempre fomentando as periferias. E é isso assim. N: você faz essa interação com diversos coletivos, além do CORAGEM? K: Sim. Isso porque o CORAGEM é um espaço. É um coletivo. São pessoas fomentando, mas é o espaço, né. Porque o coletivo que ocupou aqui é o reggae na rua, né. É através de outros grupos, também tal. A gente não pode tirar mérito dessas pessoas, mas quem teve a idealização, quem buscou as questões, tal, quem tá aqui e que continua fazendo evento na quebrada foi o Reggae na Rua, tal. É um coletivo… Não vou dizer todas as pessoas que fazem parte, porque eu não estou dentro dele. Então…Mas o Tássio, a Michelle. Eles estão fazendo as ações, né. E aí, é isso assim. Hoje o CORAGEM tem coletivos ocupando. Tem a Gibiteca Balão, tem o sarau que acontece todo terceiro sábado do mês. A gente vai iniciar agora aulas de arte e performance para mulheres e população LGBT. Mas a gente já teve demandas que a própria periferia sentia necessidade, né. Numa época opressora, a gente colocou aqui aulas de defesa pessoal, sabe. Para população negra, pra mulheres, pra população LGBT. E é um espaço de cultura. Eu jamais imaginaria estar abrindo o espaço aqui para ter aulas de defesa pessoal, mas é porque é uma demanda do espaço, numa época opressora onde nós víamos os nossos corpos, sabe sendo assassinados, sendo ofendidos, humilhados, sabe, por uma sociedade machista e opressora, nós buscamos, sabe, essas questões. E elas vem naturalmente, sabe. Se é uma pessoa que passa na porta, sente a necessidade, conversa com a gente, dialoga… N: É, rola isso? A galera vem falar tipo: Po, eu to achando que deveria ter uma aula de artes? 116

K: Sim. Como é um espaço gerido de maneira não governamental, a gente busca fomento nos próprios amigos. Então, se alguém pode ajudar…É muito sobre isso, e também é muito sobre esse tipo de profissional, porque eu tenho certeza que, se no mesmo horário, ele tiver algo remunerado ele vai optar por essa questão assim. Então, é um dos recortes que o espaço talvez não esteja aberto de segunda a segunda, porque a gente não tem pessoas que podem fazer essas questões. Eu trabalho remuneradamente de segunda à quarta e aí por isso que eu não estou aqui nesses dias. Mas nos outros, se eu puder, eu sempre estou abrindo, estou fechando, estou fazendo os corres. E se eu estiver em outro rolê, com certeza eu vou dar um salve, vou deixar minha chave com alguém sabe, pro espaço não ficar fechado…Ficar acessível para comunidade. A gente tava com alguma questão de não conseguir ter exposição porque dependia dos grafiteiros; porque aqui um dos recortes principais é ser uma galeria de arte, tal, pra grafite, que é uma arte marginalizada, que não chega nos grandes locais, tal, que os artistas não recebem a visibilidade. Então ficou um tempo grande assim sem exposição. Daí, dentro da Gibiteca Balão, a gente sentiu a necessidade de trazer esse recorte da exposição. Mas eu sei que não é o principal, não é sobre ilustradores, pessoas voltadas à HQ, mangá. Não é o foco daqui. É uma arte tão marginalizada quanto, tal, a cultura pop dentro dos recortes. Se eu puxar, sei lá: nos anos 80, 90, uma HQ era vendida a centavos, pela falta de valorização do trabalho do artista. O próprio PC Siqueira, que tem um nome hoje em dia, ele era ilustrador da Marvel, da TDSI (?), uma dessas duas empresas americanas que contratam brasileiros a preços muito baratos, sabe. Então tem esses recortes também dessas questões, mas é muito sobre ocupar o espaço sem desmerecer. A gente entende a função principal e é aí, surgindo a primeira exposição de grafiteiros que voltar pra cá a gente já retorna ao espaço como era anteriormente. É muito sobre entender né, como esse espaço é flexível: dá pra ter uma aula de defesa pessoal, mas dá pra ter no outro dia

uma roda de ciranda sobre (com) mulheres doulas, falando sobre outras demandas. É como essa flexibilidade permeia o espaço, como a gente contacta a comunidade, o diálogo. É entender também que é um bairro dormitório, entender essas questões. Então, como a gente leva a cultura pra periferia e aí o bairro não entende essas demandas, não entende essas questões assim…Porque ele tá acostumado…Tem gente que cola aqui, para aqui e pergunta assim: “Quanto que eu tenho que pagar pra entrar?” Sabe, porque tá acostumado com catraca, sabe. Tem essa cultura da catraca, sabe. Do valor que tem que ser sempre pago. Então, a gente se desdobra muito assim. Atualmente, a internet do espaço, a água e toda a manutenção sai dos bolsos das próprias pessoas, sabe, que não estão recebendo remuneração para estar aqui. E daí a gente faz, a gente se desdobra, a gente tem muito orgulho do espaço. Eu acredito muito no que ele significa pra comunidade, assim. E aí, é muito sobre isso também. Dessa importância, tal. E a maneira certa de contactar a comunidade, refletir…Mas, para mim, como LGBT, que cresci nos anos 1990, que não tinha uma representatividade na mídia, chegar, por exemplo, um garoto trans em PRÉ T (?) e chegar no espaço e ler um livro sobre trans, sobre as pautas da vivência dele, coisa que eu não tive na minha época como um gay…Eu sei que identidade e sexualidade são coisas diferentes, mas isso eu to falando de representatividade. Se sentir representado é muito importante. Assim como uma mina negra chega aqui no espaço e vê uma outra mina negra no espaço de idade mais avançada, cantando fazendo a sua arte e se empedrando pelo corpo e aí uma outra mina, pode ser -sei lá - uma mãe solo, chega ali no espaço, vê umas obras de uma mulher, sobre o corpo de uma mulher, sobre diferentes corpos de mulheres, tal e buscar essa representatividade, tal..Pra mim, isso é muito importante, assim. Sabe…É esse trabalho que é de formiga: é de pessoa pra pessoa, sabe. Tem uma pessoa - eu não vou expor, porque isso está sendo gravado - tem uma criança de 13 anos que chega aqui no

espaço e fala: ‘to com fome!’. Mas eu sei que ela é filha de um pai solo, o cara trabalha. E durante um tempo ele ficou internado e não conseguia trabalhar, ele não conseguia trazer o sustento para dentro de casa e aí essa menina vinha para aqui com fome eu não sou pobre, só não tenho dinheiro para dar para a menina assim sabe. Um conto é agente corre por ahi sabe para poder trazer dignidade para essas pessoas assim. E ai essa menina está comendo e tals, está bem já fizeram uma alimentação básica para ela, não é a minha função aqui dentro mas dentro da periferia a gente tem todas as conotações sociais assim sabe então eu tenho certeza que, sei lá, se vinha uma mina falando eu preciso de abrigo, meu marido é machista, eu vou acionar um coletivo de mulheres sabe, coletivo feminista e tals. N: Uma rede ne? K: Sim, e aí a gente vai tendo esse network assim, essas questões a gente vai fazendo pontes, e tals e eu sei lá jamais me imaginaria fazendo um curso de cartografia social se não fosse o Aluízio vindo aqui fazendo curso eu nem sabia que era eu fiz assim eu fiz o meu mapa tal e beleza, eu estou de boa eu entrei no Cartòde novo? não entrei mas eu sei que é, sei dessa plataforma online e se eu vejo alguém, uma criança jovem querendo falar sobre cartografia eu já tenho um assunto para falar com ela, ja aconteceu, sempre passo o número de Aluízio essa questão assim não é com frequência não é um bairro que cae geógrafo desde uma árvore mas acontece sabe e é isso então como o espaço influencia como buscar conhecimento, agir, é muito sobre mim mas é muito sobre o espaço e sobre as pessoas que frequentam assim, entao nao sei si eu estou divagando demais assim. N: Não imagina está sendo muito interessante. K: Eu estou pixelando o máximo que eu posso N: Eu tenho outra pergunta, pensando nessa coisa de rede o que você acha da quadra em si, com o coletivo da Tereza de Benguela, com tudo que aconteceu na praça, em fim, qual que é a relação? Dessa relação do espaço fechado 117


e do espaço aberto, tem influências umo com outro? K: Sim, vamos lá, o espaço aqui atrás é de moradia, nos caracterizam como ocupação cultural, ninguém dorme, não tem recorte do banho, essa questão assim. Então, nem fogão área alimentacao aqui nós temos o espaço, sabe? A gente nao tem as mesmas características, mas apoio e suporte é o básico. Vocês acabaram de ver um outro profissional de um outro espaço, aqui do bairro vindo e pegando um equipamento que estava guardado aqui no espaço, que é deles, assim agente tem uma ótima relação com a casa de cultura, que aqui é fomentada, a gente tem uma ótima relação com as outras ocupações o Reação, o Fala Negão e tals a própria Tereza de Benguela sabe, as cadeiras já foram para lá eu tentei criar atividades em conjuntos acabou não rolando por várias questões, mas pela relação delas com a Cohab mas que necessariamente a relação da CORAGEM com elas, agente tem um núcleo de atores aqui no espaço de quinta feira das 19 às 22 que tem uma ótima relação com elas, inclusive o material cênico deles é guardado no espaço delas assim.. Uma delas tem a chave do espaço, assim a relação assim que agente tem ótima, agente tem estruturada com o espaço, quando sei lá às vezes precisa um equipamento sonoro, mas aí, não é a minha área de atuação, o Tassio o que prezar faz esse corrito, leva pra lá o traz para aca depende das ações, agente funciona bem assim não tem uma estrutura de validade pelo contrário, assim se eu puder ir lá num evento del la sumar eu vou, eu sempre estou divulgando a gente tem plataforma como Itauquera na cenaque sempre está divulgando ações culturais e eu ate por exemplo barrio é muito conservador, é o bairro que mais voto no lixo, nao vou falar nem o nome, mas a gente tem um núcleo LGBT no espaço que é o cultura, e ai dentro das plataformas agente faz ações faz eventos e é isso está dando a cara tapa resistência sabe? N: tem muita galera religiosa aqui sim? K: Muita, até o núcleo da terceira idade, que acontece ali na Smuck(?) na quarta feira das duas a nao lembro a 118

hora que ela termina, talvez as 18 são senhoras elas puxam para uma demanda católica assim sabe, então elas fazem oração sendo que tem minas budistas ao lado do espaço, tem de outra religiões assim mas sempre prioriza as religiões normativas assim, mas é isso entender o espaço entender as questões mas sei lá por exemplo eu foi o produtor cultural, no ano passado, da festa do aniversário aqui do bairro e aí eu organizei, surgiu essa demanda desse pessoal queriam fazer um ato econamico, onde o padre juntasse as mãos de todos os outros líderes religiosos e rezasse uma oração católica e aí tipo um líder budista uma mãe de santo, e eu não vocês estão loucos… assim sabe? Cada um, vamos falar sobre pais, mas cada um fala de pais dentro das suas questões, sei lá um líder budista nao vai pegar um, eu sou budista ne, nao vai pegar o minho lider budist e pedir para ele falar..sobre nossa senhora que ja vai enrolado é assim que funciona.. (17:03) .Então tem um pouco dessa loucura quando as pessoas enxergam aquilo como normalidade invalidar as outras questões assim sabe tipo, é isso assim tem isso recorte agente conversa. N: Mas tem um pessoal que olha com de maneira negativa pela ocupação assim voce acha? K: Talvez no início, a Michelle pode falar melhor, eu hoje em dia nao sinto isso, não sinto ninguém que chegue diretamente e fale alguma coisa pejorativa sabe, os comentários assim enfim, não vejo sobre isso; eu vejo mais sei lá alguém que veio aqui no espaço que entende toda a demanda que entende todas as causas sociais, não tem nenhum pingo financiero aqui no espaço e vai la no google maps faz um comentário sobre a ocupação colocando a o espaço precisa de uma reforma. N: Nossa, nao entendeu nada.. K: Sim né, ele veio aqui, perguntou tudo, entendeu, a gente tirou a dúvida dele mas a pessoa foi lá no google maps a comentar, assim então são as coisas que fodem fora dos parâmetros de que a gente pode fazer, não sei, nem sei acionar o google para tentar remover esse comentário porque não dá

para trazer para o google e explicar o que que é então é isso.. então às vezes tem umas pessoas que dão uma odiada. N: Aleatória..e.. muitas crianças conseguem fazer atividades aqui? K: Sim sim tem a Gibiteca Balão que é um coletivo que surgiu para tratar com população nerd, população geek, cultura pop, mas criança se identifica muito, muito com o universo assim às vezes sem entender a criança tem uma sede de conhecimento e então eu senti a necessidade de mim eu fazer um curso de pedagogo social, para lidar com essas questões assim então eu hoje além disso sou pedagogo para lidar com as criança assim porque vem mais criança que a população que era alva, assim sabe da gibiteca e tudo bem também. Também para a presenta de criança na praça, de dia tem uma quantidade impressionante de criança.. Sim no fim de semana tem mais ainda, isso depende muito do clima, se está chovendo não tem, o eles correm pra cá. Se está aberto assim é isso é importante entender o diálogo ver que eles vêem, olham, e vão embora só de entender só de estar absorvendo cultura e virando com umas falas assim tipo: tio que dahora o que você está fazendo eu também quero fazer isso, sabe. Umas questões que vão acontecendo e me sento bem sabe essa própria menina que eu falei que nao tinha pra comer ela veio aqui no espaço ela saiu correndo com medo sem entender o que era porque quando ela veio aqui era outra formatação, você já veio na ocupação você sabe que a cada exposição os formatos passam a parede aqui nunca é a mesma, né e ai então ela se assustou e tal e eu pensava que ela nunca ia a voltar mas ela um dia voltou de novo assim ela estava com sete estava brincando na praça e ai ela veio começou a interagir já, o espaço estava de outro jeito e ela perguntou que tinha acontecido a outra vez e eu fiquei explicando para ela e ela falou: ‘nossa que isso isso é arte? nunca tinha ido, ao lado da minha casa’ e assim a gente vê quanto agente impacta a sociedade e tals.. sei lá.. Por exemplo esses livros são a vendas e a senhora que chega e fala ‘olha que legal esse livro

eu li quando era criança’ e aí remete outras memórias… N: E aí entra gente do meio do nada né? K: Sim sim entra gente do nada, gostaria que entrasse mais, gostaria que tivesse mais gente entrando mas, talvez sei la pelas pessoas por exemplo na gibiteca agora só estou eu e lucas e aí se entra muita pessoa eu nao consigo dar demanda assim..mas é muito sobre isso, como agente vai atender a demanda ne? N: Vocês fazem um trabalho legal de divulgação no instagram. K: Sim, sim, cada coletivo está fazendo a sua divulgação nas próprias redes eu entendo facebook como uma rede morta assim. Todos: Total K: Eu entro só para adicionar pessoas novas talvez assim.. então.. é isso mas, instagram é uma rede bem ativa assim da ocupação, quem coordena o instagram da ocupação é so a Michelle mas os outros coletivo todo mundo do coletivo está dentro da conta atuando e é isso.. A gente agora está com uma exposição, hoje as atividades têm de quarta feira das 19 às 22 aula com a Dani de performance artísticas, a Gibiteca Balão de quinta a domingo das 14 às 19, o núcleo de atores no teatro periférico de resistência né, sempre com recorte de resistência, a peça que vão ensaiar agora é sobre ditadura militar, eles vão se reunir das 19 às 22 mas tem outros espaços livres, a gente gosta sempre de deixar espaço livre por exemplo sexta feira a noite que é um dia a galera está mais de boa, tem possibilidade de ter eventos itinerantes não necessariamente acontecem toda sexta feira né, então é isso a gente recebeu agora no sábado um teatro e é isso, um espaço onde as coisas acontecem sabe..as pessoas sentem necessidade, elas chegam conversam comigo, com a Michelle, com Pablo, conversa com qualquer pessoa.

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AGRADECIMENTOS

Nesse percurso, muitas pessoas me acompanharam em diferentes etapas do processo. Sem as trocas, sem o coletivo, nenhum caminho seria possível. Obrigada a todos por me estimularem novas “miradas”.

À orientadora Paula Santoro que, desde o início, provocou novas inquietações e me apresentou esse local de estudo que tanto me transformou. Às pessoas que, com muita ternura, se dispuseram a conversar comigo sobre suas vidas, suas batalhas e alegrias, ajudando a construir esse processo: à Cláudia Garcez, à Michelle, ao Thiago, ao Kido, ao Aluízio Marino, à Carolina Freitas e à Nis Maria. Às professoras participantes da banca: Carolina Tonetti e Karina Leitão por aceitarem o convite e por participarem da conclusão desse trabalho. À Júlia, obrigada pelas risadas. Perto de você, a vida é leve. À Mariana, obrigada pela parceria. Que força temos juntas! À Rosa: obrigada pelo carinho e apoio. Tua sensibilidade me estimula novos caminhos. Ao Dirceu, por acreditar sempre em mim e por compartilhar comigo todos os tipos de planos mais mirabolantes. 120

À minhas queridas amigas que cresceram comigo e tanto partilham dessa história, obrigada pela cumplicidade: Ana e Isinha. À FAU, pelas incríveis trocas que tive o prazer de fazer durante esses anos: com os professores, funcionários e alunos… Aos meus amigos que conheci junto com esse novo universo: À Lo e à Midori, por terem sido parceiras nesse processo de finalização, compartilhando frustrações, alegrias e muitos sonhos futuros... Às minhas Ba e Fab. À Cla, à Lu e à Ju. Ao Mat. E tantos outros: Mel, Eric, Vicente,Calixto, Deb, Miguel,Lele. Aos meus primos: Joao, Rui e Kadu. E às mulheres da minha família, que me fizeram ver que o feminino pode ter diversas facetas: as minhas queridas tias Sandra, Paula e Carla e às minhas primas Cami e Bel. À Cilene!

E às minhas avós Carmem e Zilma.

Muito obrigada a todos.

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LISTA DE REFERÊNCIAS (CARTAZES)

1: Como acolher e fortalecer mulheres em situação de violência. Fonte: Instagram @Itaqueranacena 2: Curso Politizando Beyoncé. Com aulas de inglês! Fonte: Facebook Tereza de Benguela 3: Mulheres e sociedade de classes. Um olhar a partir da América Latina. Fonte: Facebook Coragem 4: Mulheres pretas no controle. Aqualtune. Fonte: @Itaqueranacena 5: Diálogo Lélia Gonzalez. Moda, Bordado e Poesia. Fonte: Facebook Tereza de Benguela 6: Ciclo formativo da rede leste de enfrentamento à violência doméstica. Fonte: Facebook Tereza de Benguela 7: Dança circular. Descobrindo o feminino. Fonte: Facebook Tereza de Benguela. 8: Roda de conversa Direitos LGBT. Fonte: Facebook Coragem 9: Essa gente que menstrua. Fonte: @Itaqueranacena 10: Diálogo Lélia Gonzalez. Fonte: Facebook Tereza de Benguela. 11: Mulheres pretas no controle. Fonte: @Itaqueranacena 12: Treinamento de improviso para mulheres periféricas. Fonte: @Itaqueranacena 13. Gerações de mulheres. Fonte: @Itaqueranacena. 14. Girls generation K-pop na Gibiteca Balão. Fon122

5. REFERÊNCIAS E BIBILIOGRAFIA

te: @Itaqueranacena. 15. Oficina de Kenpô havaiano defesa pessoal para mulheres e pessoas trans. Fonte: @Itaqueranacena. 16. Essa gente que menstrua. Fonte: @Itaqueranacena. 17. Roda terapêutica das pretas. Fonte: @Itaqueranacena.

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FONTES: AILERON, FUTURA, CHALKDUSTER, GOTHAM PAPEL: PÓLEN, 120 G/CM2 IMPRESSÃO: DIGITAL PELA INPRIMA TIRAGEM: 5 SÃO PAULO, DEZEMBRO 2019 126

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