Prisma _ Edição Etarismo [Casa Lab]

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introdução

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Quando voltamos o olhar para o envelhecimento feminino, nos deparamos com a ideia de corpo como capital que a filósofa Simone de Beauvoir aborda em seus livros “A velhice” e “O segundo sexo”. No Brasil, a pandemia acentuou a questão do envelhecimento e revelou a “velhofobia” entranhada na cultura brasileira. Então não temos apenas uma questão de preconceito, capacitismo e “body shaming” em personalidades que envelhecem publicamente, mas uma mensagem explícita de que o envelhecimento é indesejado e é fator de exclusão social para toda uma população considerada “idosa” a partir dos 60 anos. E como consequência se amplia um pavor do envelhecimento a partir dos 30 anos, em especial com as mulheres, como a sinalização de que o caminho da existência começou a correr ladeira abaixo. Esse é o imaginário social dominante na publicidade e na indústria cultural e do entretenimento. Mas por quê? Para pensarmos em como abordar esta narrativa precisamos entender a extensão do tema e transversalidade no caso das mulheres públicas ou não, e o que esta geração que revolucionou comportamentos, a partir dos anos 1960 está se movimentando agora ao questionar padrões, etiquetas e comportamentos ligados à longevidade. Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, que estuda o tema há mais de 30 anos e tem um TEDX com mais de um milhão de views com o tema do seu livro “ A bela Velhice” existem muitas categorias neste universo pós 40+. (trechos de entrevista na Vogue):

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Assim como a infância foi um conceito etário construído na modernidade, a velhice ou o envelhecer está tomando tração como uma etapa da vida a ser ressignificada a partir da longevidade, dos avanços tecnológicos e da própria busca do ser humano pela imortalidade.


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“O fato de as brasileiras estarem nos primeiros lugares do mundo em procedimentos estéticos tem relação direta com essa cultura do corpo como capital, não só no mercado de casamento, sexual, mas de trabalho, das relações. Nos livros Bela Velhice e Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade eu abordo a distância entre o poder objetivo que as brasileiras estão conquistando em todos os mercados e uma miséria subjetiva, uma sensação de invisibilidade, de desvalorização se elas não estiverem dentro do modelo do corpo como capital. Não observei esse paradoxo em outros países, como a Alemanha. Lá, as mulheres são poderosas objetiva e subjetivamente. Como adquirir esse poder subjetivo de escolher o nosso próprio jeito de ser mulher? É um nó que precisamos desatar”, declara Mirian à Vogue.

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“Os Ageless são as pessoas que não aceitam uma etiqueta: agora eu tenho 50 anos, 60 anos, 70 anos e não posso mais fazer isso ou aquilo. Elas não se deixam rotular e não se limitam pela idade, continuam fazendo o que sempre gostaram, e até melhor do que antes. (...) Na minha pesquisa, com cinco mil mulheres e homens brasileiros, a atriz Fernanda Montenegro, de 90 anos, é citada como o melhor exemplo de ageless. Ela é uma mulher potente, que exala produção, criatividade e beleza em todos os sentidos.”


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Em 2019 a Casa Lab foi convidada a estudar a comunicação digital de uma marca no segmento de varejo de moda que queria se relacionar melhor com seu público, naquela época formado por mulheres entre 35 e 45 anos. Após algumas rodadas de imersão conjunta, pesquisas de campo e estudos de dados, detectamos que o público da marca era mais velho do que se pensava até então e que essas mulheres não se viam representadas dentro não só daquela marca mas de todo o segmento. Mais do que uma discrepância entre a visão que a marca tinha do seu público e de quem eram as reais consumidoras, existia um gargalo de comunicação que ignorava não apenas o poder de consumo dessas mulheres mas a necessidade delas de se enxergarem em suas marcas preferidas. Esse cenário, que explicita a falta de representação, está longe de ser exclusivo dessa marca e é um panorama de uma sociedade que ignora as transformações tanto da noção de idade quanto da própria divisão etária que hoje faz muito menos sentido do que já fez um dia. E se quem já passou da casa dos 35 anos já consegue perceber que é urgente a mudança na mentalidade dos profissionais de comunicação, as nossas vivências mostram que a questão é muito mais profunda do que três décadas de vida podem prever. Não duvide. Ao abrir uma vaga recente para a área de planejamento, contratamos uma profissional que estava para completar mais de 40 anos, o que para nós era algo inédito. O plot twist: passado um mês, ela nos contou que, na verdade, estava para completar 50 anos. O que isso diz sobre nós?

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Gênero e representação na comunicação

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Na música e nas artes

A imprensa brasileira já falou amplamente sobre ageísmo (ou etarismo) e como o preconceito contra idade atinge principalmente as mulheres. Termos como ageless e perennials, criados a partir do estudo do envelhecimento e de como o envelhecer vem se transformando ao longo dos anos nos ajudam a compreender alguns desses movimentos. Mas, para além das definições geracionais e do sentimento de pertencimento, a cobrança da sociedade - e vamos entender aqui indústria e indivíduos, homens e mulheres - ainda é enorme. Não à toa a apresentadora Xuxa fez uma coluna sobre o tema, a cantora Madonna sofre constantes xingamentos públicos e até a cantora Bjork foi questionada sobre sua capacidade vocal em apresentações mais recentes.


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Ao contrário do que aconteceu com Madonna, Xuxa e Bjork, algumas personalidades das artes e da música têm envelhecido sob as lentes de uma mídia e de uma indústria do entretenimento menos crítica. É o caso, por exemplo, das atrizes Fernanda Montenegro (91) e Sônia Braga (71) e da cantora Maria Bethânia (75). Sônia Braga, que um dia personificou na Gabriela de Jorge Amado e em Dona Flor, do mesmo autor, o símbolo da juventude e do desejo, hoje segue atuando no Brasil e em Hollywood, tendo sido a única atriz brasileira a apresentar uma categoria no Oscar e tendo estampado ainda a capa da Vogue Brasil em 2019 (já antes de Cannes 2021), em entrevista na qual fala de trabalho e comenta brevemente a escolha por manter seus cabelos brancos. O mesmo acontece com a cantora Maria Bethânia. Se em 2009 ela estava na capa da extinta revista Bravo! com os cabelos levemente prateados sob o título “A nossa diva”, em 2021 ela segue sendo um ícone e é considerada uma das maiores intérpretes da MPB. “Olha, eu adoro uma frase da Fernanda Montenegro em que ela fala assim ‘Envelhecer traz dificuldades, traz dores da nossa vida, mas a outra opção é muito pior, né? Ou envelhece ou morre então”, diz. Outros exemplos de mulheres que têm envelhecido à margem do julgamento pesado da indústria são Vera Holtz (67), já com seus cabelos brancos há muitos anos e Cássia Kiss (63), que falou sobre envelhecimento quando do lançamento da série Desalma (GloboPlay, 2020) e Fafá de Belém.

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Se é adequado, é permitido


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Velha e Louca

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Se o termo ageless se mostra cada vez mais adequado ao movimento de longevidade e saúde relacionado ao estilo de vida e condição financeira da mulher, a busca por liberdade, autoconhecimento e respeito aos ciclos e sabedoria milenar feminina nos faz questionar a idade linear como uma invenção social.

Quando estudamos arquétipos, mitologias e saberes populares sobre o ser mulher, nos deparamos com mulheres sábias sendo retratadas como velhas, bruxas e loucas, assim como mulheres jovens como indefesas, aprendizes e vaidosas. Ambas, porém, com um predador em comum: o padrão masculino, presente tanto nos homens como nas mulheres - sempre sorrateiro e pronto para cortar, arrancar e aprisionar o que nos torna autênticas e únicas. Uma mulher que compreende a liberdade e totalidade do seu ser representa sempre um risco ao padrão social imposto e isso nos leva a essa ilusão de fases da vida, que nos aprisionam em caixas. A psicanalista, escritora e poeta Clarissa Pinkolas Estés, criadora do bestseller “Mulheres que Correm com o Lobos - Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem”, aborda exatamente essa consciência de que a nenhuma mulher é feliz aprisionada entre paredes e que poderosa é aquela que se liberta. Para além de todas as críticas ao individualismo e essencialismo relacionado ao Sagrado Feminino que conversa com a obra de Clarissa, a mesma potência libertária é a abordada também pela historiadora Silvia Federici, em seu livro “O Calibã e a Bruxa”, mas de maneira oposta, uma vez que ela defende que não é responsabilidade da mulher se libertar. Para ela, a falta de liberdade imposta às mulheres é um dos pilares do capitalismo e do patriarcado, que historicamente são os responsáveis pela submissão feminina e pela divisão sexual do trabalho.


Imagem e arquétipos

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Esse ponto de vista, de que ao longo da vida vivemos ciclos de início e fim concomitantes, não ditados pela passagem do tempo mas sim pela jornada e acontecimentos ao longo de nossas histórias, condições culturais e sociais, traz para nós, mulheres, um olhar mais gentil em relação à nossa capacidade e vontade de aprender, recomeçar, assumir sabedoria sobre algo (sendo ainda muito jovem ou muito velha) e nos coloca em uma posição de poder infinitamente maior. Está na hora de exigirmos essa posição.

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Qualquer uma de nós que já se dedicou ao estudo de simbologias, como o tarot, por exemplo, pode ter a oportunidade de conhecer um outro jeito de contar o tempo, que não o linear capitalista. Ao nos debruçarmos sobre o tarot vemos que as cartas representam uma jornada heróica que se inicia na carta do louco (que significa o nascimento, a liberdade e excitação do desconhecido) e termina na carta do louco, ou seja, é um ciclo de começo e fim dentro da mesma representação.


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Novos hábitos para exercitar uma postura não etarista Como atividade física milenar e ferramenta espiritual, a Ioga já é amplamente conhecida no mundo todo. Porém, desde o início da pandemia de Covid-19, muitas pessoas encontraram na prática uma forma de acalmar a mente e se conectar com o momento presente. Esse contato com nosso corpo, limitações e surpresas sobre o que achamos que não conseguimos e, com a prática, passamos a conseguir executar é uma sensação incrível e independente da idade do nosso corpo físico. Fazer ioga é abrir um portal invertido, para dentro das nossas potências e isso com certeza vai te trazer segurança, em qualquer idade.

Experimente observar a você e aos outros a partir de ciclos e não pelos anos do calendário: somos acostumadas a contar o tempo por dias, meses e anos, mas se observarmos nosso corpo e a natureza como um todo pela ótica de acontecimentos que acontecem em ciclos, podemos criar uma narrativa muito mais rica sobre nosso tempo de vida. Observar a nós mesmas e às coisas ao nosso redor como ciclos contínuos tira o peso do envelhecer.

Aprenda mais sobre algo que você ama, pelo puro e simples prazer de aprender: mais uma vez, as mudanças comportamentais trazidas pela pandemia da covid-19 nos mostra novos caminhos para o presente e futuro. Desde que a pandemia começou, a insegurança sobre trabalho, carreira, economia, relacionamentos e saúde aceleraram a necessidade de seguir uma vida de aprendizado constante, mesmo depois de adultos e estabilizados (ainda existe estabilidade?). Essa permissão de passar a vida aprendendo coisas novas pode ser muito divertida se usarmos essa liberdade para expressar nossas paixões e prazer de viver. Ter coragem para começar algo do zero, aprender uma coisa totalmente nova, mas que nos enche de alegria, dá um reboot na mente e nos mostra que qualquer um, inclusive nós mesmas, podemos sempre aprender.

Leia mulheres. Não existe antídoto melhor para o etarismo do que ler mulheres narrando suas próprias histórias, criando histórias e decodificando o mundo sobre suas perspectivas.

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Faça ioga.

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4 comunicadoras 40+

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para você se inspirar

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Egnalda Côrtes ___ @egnaldacorte

Cristina Naumovs ___ @crisnaumovs

Patricia Carneiro ___ @patycarneiro

Samantha Almeida ___ @sahlmeid


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Concepção_ Debora Rocha e Luana Ribeiro Ideação_ Debora Rocha, Luana Ribeiro, Natalia Nunes e Patricia Carneiro Texto e pesquisa_ Debora Rocha, Luana Ribeiro e Patricia Carneiro Desenvolvimento gráfico e direção de arte_ Natalia Nunes Motion Graphic_ Liza Spirandelli

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Bibliografia

BEN-DOV, Yoav. Tarô de Marselha CBD. São Paulo. Pensamento Cultrix, 2020. ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem. Rio de Janeiro. Rocco, 2018. BITTENCOURT, Bruna. Menina de Oyá. ELLE. Volume 3, 2021. FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo. Elefante, 2017.

SHARMAN-BURKE, Juliet e GREEN, Liz. O Tarô mitológico. São Paulo. Madras, 2018. Universa, 2020. Fafá de Belém assume os fios brancos e diz ‘Não tenho medo de envelhecer’. >>> Splash Uol. Fefito. Fernanda Montenegro chega aos 91 anos imparável e mais moderna que nunca. >>>

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NEGREIROS, Teresa Creusa de Góes Monteiro. Sexualidade e Gênero no Envelhecimento. 2004, Revista Alceu. >>>


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