Meu diรกrio de
Estรกgio 4 Nathรกlia Carvalho Ferreira
Universidade Federal de Pernambuco Curso de Licenciatura em Artes Visuais Recife, dezembro de 2018.
Apresentação Este diário conta minha experiência durante todos os dias do meu Estágio Curricular 4 tanto observando outros mediadores (30 horas) como sendo mediadora da exposição coletiva "Atos de Mover" realizada na galeria Capibaribe da Universidade Federal de Pernambuco (56 horas). Resolvi fazer nesse formato porque poderia sempre ir construindo o relatório durante os dias de estágio, no tempo livre que não vinha ninguém na galeria, e assim não deixaria o relatório para fazer só no final do semestre.Acabei perdendo bastante tempo na diagramação para que ficasse esteticamente parecido com o diário. Mas valeu a pena. Escrevia diários desde a 5ª série e depois da Universidade não fiz mais, apenas usando agendas online para lembretes rápidos. Gostava de olhá-los depois, ver quanto mudei. Eles também são uma espécie de acervo da minha vida, para o museu das minhas memórias. Quem sabe fazer uma exposição? Sobre a experiência de mediar, já tinha tido isso no estágio com bolsa do Museu do Homem do Nordeste/ Fundaj Casa Forte. Lia os textos, recebia muito público agendado de diversas situações, acompanhava a montagem das exposições, conversava com os artistas. Mas como todo o trabalho, havia muitas competições, muito individualismo e às vezes não poderíamos criar tanto na mediação por conta do tempo corrido dos grupos. Durante a experiência dentro da mediação da Galeria Capibaribe, pude conversar mais com os meus amigos de curso e conhecê-los, porque não havia o peso de um trabalho com dinheiro como antes. Nem uma chefia. Cada um fazia porque precisava terminar o curso, era muito mais auto-gestionado. Não mediei pra nenhum grupo agendado de fora das Artes Visuais, mas fiz muito com o público espontâneo, coisa que não fazia no MuhNE porque normalmente não pediam para um mediador acompanhar a longa visita e também a equipe focava mais nas escolas e o público agendado previamente. A exposição também falava sobre questões próximas a mim e propagavam outras concepções de galeria, fora da ideia de cubo-branco. O que me deixou bem mais à vontade para participar e trabalhar mediações. Aprendi muito.
Agenda Observação
RegĂŞncia
Observação De 19/09/18 à 17/10/18
Dia 1 19/09/2018 - 13:00 às 18:00 - 5h Dia 2 20/09/2018 - 13:00 às 18:00 - 5h Dia 3 21/09/2018 - 13:00 às 18:00 - 5h Dia 4 25/09/2018 - 13:00 às 18:00 - 5h Dia 5 26/09/2018 - 13:00 às 18:00 - 5h Dia 6 17/10/2018 - 13:00 às 18:00 - 5h
Fiquei indo nos primeiros dias de exposição da Teia Postal no IAC Benfica da Universidade Federal de Pernambuco. Os meninos que estão pagando cadeira de estágio comigo estão lá mas fiquei mais conversando com Glaucyellen, do 6º período que está la como estágio com bolsa não obrigatório. Não estava com o celular nessa época então lembro de poucos detalhes. Não vai quase ninguém lá no IAC. Acho que por conta da localização, bairro de classe média alta, poucas escolas perto. Vi mais gente da UFPE indo. Só vi Glaucy mediando uma vez para um grupo agendado, de Escola Pública. Lembro que ficou muito nesse medo de não tocar nos postais.
Prática De 18/10/18 à 23/11/18
Sobre a exposição “Atos de Mover” “A mostra agrega um conjunto de obras que se debruça sobre o cená rio dos direitos coletivos no Brasil contemporâ neo, além de um conjunto de ações que serão desenvolvidas tanto no campus Recife quanto nos bairros do entorno. Atos de Mover reúne projetos e ações que debatem nossas açõ es polí ticas cotidianas, por meio dos territó rios do sentir, em resposta a um contexto de sequestros de discursos presente na atual cena da polí tica brasileira. A mostra agrega, ainda, um programa pú blico contendo uma roda de conversa, uma ação de produçã o serigrá fica, duas performances e uma intervençã o urbana. Para o grupo de artistas e ativistas que compõem a mostra, produzir uma exibição aberta ao pú blico, em um espaço interno e em outro externo do Campus, amplia a possibilidade de intercâ mbios com estudantes e a comunidades vizinhas, incentivando experimentos, pautas para reflexõ es e diá logos em um momento de tantas rupturas. O objetivo do grupo é incentivar a produção e circulação de conhecimento coletivo, como forma de encaminhar novas construções para o contexto em que estamos inseridos. Neste sentido, a exposição inicia suas atividades com a performance Bonita de Corpo, de Aline Sales, com participação especial de Thaísa Espíndola. Uma reflexão sobre o movimento dos corpos no cotidiano, a partir dos padrões de controle impostos às mulheres consideradas gordas e/ou “fora do padrão de beleza”. Esta performance dialoga com a obra ESCOAS, uma das ações coletivas da exposição, em que visitantes podem produzir e trocar camisetas durante o período da mostra. A ideia é que o visitante leve uma camiseta e pegue uma da arara existente no espaço. As camisetas trarão expressões de diversos grupos e ativações que dialogam sobre direitos coletivos. Da performance, camisetas com a frase Bonita de Corpo, somente em tamanho GG, vão ser produzidas para inserir a temática entre as trocas. Serviço: Exposição Atos de Mover Data: 17 de outubro de 2018 Local: Galeria Capibaribe – Centro de Artes e Comunicação, Várzea, Recife. Horário: a partir das 18h Em cartaz até 23 de novembro de 2018. Visitação: segunda a sexta, das 08 às 12 e das 14 às 18 horas.”
Campus
UFPE,
Dia 1 18/10/2018 - 14:00 às 18:00 - 4h30 Primeiro dia de mediação. Ainda estou lendo os textos, discutindo com os outros mediadores sobre as intenções e descrições das ações. Mesmo já tendo mediado várias vezes quando estagiei no Museu do Homem do Nordeste, ainda bate aquela insegurança e o frio na barriga. Aqui na exposição tem as obras de Abiniel em conjunto com o pessoal do coletivo que fez a exposição, onde há fotografias antigas de amas-de-leite e na parte que tem as crianças brancas ele bota frases que as empregadas domésticas ouvem hoje em dia. Aí já chegou uma mulher branca, uns 50 anos, chave do carro na mão e falou: "É, essa obra me tocou muito, minha mãe mesmo jogava o dinheiro pra pagar a moça lá de casa no chão, pra não ter que tocar nela. E meu pai era professor daqui e perguntava aos alunos 'vocês confiariam dar o carro pra empregada de vocês dirigir?' Aí eles diziam que não. Aí ele dizia 'mas o filho vocês deixam né?' Tipo, é mais fácil dar um filho do que um bem material pra uma empregada". Fiquei espantada como isso realmente acontece de uma forma tão escancarada. Logo em seguida, chegou um grupo de 3 estudantes: Duas meninas brancas e um menino negro, que estudam aqui. Aí elas perguntaram se as frases eram do filme História Cruzadas (2011). Aí eu disse que não, que eram de áudios do Whatsapp do ano passado. Aí a branca ficou de cara porque não sabia que isso ainda acontecia, mas eu falei que acontece com um ar duro. Pra tentar se justificar de seu argumento se colocar na situação dizendo "ah, mas é porque minha mãe é negra, só meu pai que é branco e eu nunca vi isso..." Aí eu disse que tinha só que ela não viu porque ela branca e ter uma mãe preta não faz ela enxergar ou sentir o racismo como a mãe dela. Aí na hora o pretinho que tava com elas concordou comigo dizendo que ele mora nesses apartamentos de classe média alta (provavelmente mesmo bairro que elas) e as pessoas ainda mandam ele subir pelo elevador de serviço, acham que ele não mora lá no prédio. Tudo porque ele é negro. Eles ficaram perplexas ao saber que ele sofria desse jeito. É engraçado como o privilégio da branquitude brasileira coloca verdadeiras vendas para o mundo real.
Dia 2 22/10 - 14:00 às 18:00 - 4h Eu, Xadai e Leon abrimos a galeria. Dessa vez tá pegando o JBL com a poesia. É massa mas fica o tempo todo falando sobre armas, armamentos. Tô ficando mal e pensando que o dia 28 das eleições se aproxima. Também abrimos as portas de vidro que dá pro jardim interno. O ar tá ventilado, tou achando que tá ficando mais convidativo pras pessoas entrarem na exposição. Fica menos cubo-branco. O pessoal do curso de Cinema veio aqui com gravadores e microfones e nos entrevistaram, pra darmos opiniões sobre o que a exposição quer dizer, falamos um pouco, do significado das ações e algumas experiências que já tivemos como mediadores. Desde o primeiro dia fiquei me perguntando quando alguém iria vir para trocar alguma camisa. E aconteceu hoje. Duas meninas gordas e pretas vieram aqui e quando contei a proposta elas ficaram bem animadas e uma delas tirou a sua camisa na hora e pegou outra do cabide, a "Negra Luz que Reluz". Como eu falei que a ideia também era troca de mensagens das camisas, então ela usou o material de pintura na mesa da galeria e fez uma intervenção na que estava usando antes. Colocou "SEU CORPO É BONITO", usando já os stencils CORPO e BONITO. Acho que hoje foi um episódio que o material educativo atingiu bem sua proposta.
Dia 3 23/10 - 14h às 18h - 4h Hoje tinha muitos mediadores na exposição, foi massa pelas trocas. No início as portas de vidro estavam fechadas, não estava vindo quase ninguém. Depois resolvemos abrir e acho que a circulação de pessoas aumentou. Muitos só entravam pra ir ao Jardim interno pro hall, mas mesmo assim passavam, acho isso importante. Uma moça negra veio aqui outro dia pra ver a exposição e contei a ela da ideia das trocas de camisas. Ela ficou interessada na do "Negra que Reluz". Hoje ela veio de novo já com a camisa pra troca, mas a menina de ontem pegou e trocou pela que ela fez do "Bonita de Corpo". Mas mesmo assim a moça não desistiu da troca e pegou a que a menina fez ontem e colocou uma do projeto de extensão "Movimento #somosTodosUFPE" que inclui as comunidades próximas, inclusive a de onde ela é. Trocas das trocas. A proposta está funcionando.
No final do dia Glaucy veio aqui e expliquei pra ela da Exposição, da ideia do processo contínuo, da livre intervenção do público visitante. Aí ela me mostrou um vídeo de um passinho de brega novo, do "Mc Japa - Disputa das Potrancas". Aí pensei: "que tal fazermos uma intervenção agora?" Pegamos o JBL que fica recitando a poesia e colocamos o bregão pra tocar e aprender a coreografia. Nenhum mediador quis participar, ficaram meio desconfiados, até disseram que era melhor eu tirar se não "alguém" viria e não daria certo e eu ia ficar encrencada. Mas Ana Lira chegou logo em seguida, depois da terceira música. Todo mundo achou que ela ia reclamar. Ela olhou tudo e falou. "Tá ficando massa as intervenções né?"
Dia 4 25/10 - das 14h às 18h - 4h30 As meninas do coletivo Negro de Cinema vieram aqui hoje com camisas mão. Acho que elas já tinham vindo outro dia pra ver a exposição trouxeram as camisas pra pintar e trocar por outras. Colocaram "Fogo Racistas!" que faz referência à musica de rap do mineiro Djonga, "Olhos Tigre":
"Quem tem minha cor é ladrão Quem tem a cor de Eric Clapton é cleptomaníaco Na hora do julgamento, Deus é preto e brasileiro E, pra salvar o país, Cristo é um ex-militar Que acha que mulher reunida é puteiro
Machista tá osso E até eu que sou cachorro não consigo mais roer E esse castelo vai ruir E eles são fracos, vão chorar até se não doer Não queremos ser o futuro, somos o presente Na chamada a professora diz: Pantera Negra Eu respondo: Presente! Morreu mais um no seu bairro E você preocupado com a buceta branca Gritando com a preta: Sou eu quem te banca! Assustando ela, sou eu quem te espanca!"
na e nos de
Dia 5 05/11/2018 - 14h às 18h - 4h30
Hoje Thaik fez sua ação de mediação na galeria. Apareceu um menino que era grafiteiro aleatoriamente pra participar e fez a primeira intervencao na parede pelo público. Uma mão de punhos cerrados. Cada um escolheu uma música pra por. No começo fomos colocando músicas preferidas de cada um. Um colocava um metal, outro um brega, um Ragga... Começamos a perceber que as pessoas começaram a entrar mais do que nos outros dias. Então começamos a escolher cada um uma música que tivesse mais a ver com a exposição, não só com temáticas aleatórias. Acabou que cada um foi escolhendo um rap. Racionais, mv bill, djonga, rappers que falam sobre realidades políticas enquanto negros e de periferia e suas relações próprias com a violência.
Dia 6 6/11 - das 14:00 às 20:00 - 6h Abiniel, um dos artistas da expo, foi hoje lá trocar as performances que ficam passando no vídeo. Colocou coincidentemente de um videoclipe do FemiGang, grupo de rap só de mulheres lá de comunidades da Zona Norte (Água Fria, Alto do Pereirinha, etc) e em destaque uma poesia de Adelaide, minha amiga maravilhosa, que fala sobre a solidão da mulher negra periférica. Leon ficou treinando capoeira com um menino amigo em comum nosso dentro da exposição. Fiquei pensando nessa imagem da bandeira "com quantos calos da tua mão sustentam essa branca revolução" que eles estavam próximos. Comi a situação espontânea parecia fazer parte da exposição. Capoeira, calos, revolução. Uma menina de uns 7 anos apareceu pra nós meditarmos enquanto a mãe conversava lá fora. Como ela era esperta e falava tão bem! Eu fui perguntando o que ela achava da exposição e ela foi entendendo. Disse que achava errado as pessoas terem preconceito umas com as outras é que tem muito orgulho de ser negra. Também tive orgulho de uma menina dessa idade já ter uma consciência que só vim a ter quase adulta. Ela pediu pra desenhar na parede e fez com as poucas cores disponiveis o seu Zumbi dos Palmares (também patrono da capoeira). Fotografei as duas situações. Depois essas pessoas que não se conheciam começaram a interagir entre si. Coisas que uma exposição proporciona.
Dia 7 7/11/2018 das 13h às 20h - 7h Me reuni com Camila Para fazer um material educativo para a Exposição. Ficamos na produção física dos objetos e desse texto descritivo do material: Durante nossas inquietações viemos nos perguntando como mediar, como fazer as traduções das obras para o público sem dizê-los diretamente as respostas prontas. Fizemos então uma caixa preta, com os seguintes conteúdos dentro: - Cartões com uma breve introdução sobre a exposição, com ficha técnica, apresentando os artistas, a curadoria e outros envolvidos que fazem a Galeria; - Cartões com 3 perguntas trazendo provocações. 1. Dentre as ações que você viu, alguma é familiar para você? 2. Se você pudesse escolher uma delas para falar de si, qual seria? 3. Olhe em volta. Circule pelo espaço. Reflita sobre e tente fazer relações com as palavras abaixo: a. Envelope com as palavras-temas: cor, corpo, crítica, espaço público e identidade b. Outro envelope com fotos das ações da exposição. Então o público deverá relacionar as palavras do primeiro envelope com as fotos do segundo, como um espécie de jogo com peças. Pensamos nesse formato também para que o público possa usar a caixa e colocar nos envelopes depois para qualquer outra pessoa reutilizar quando quiser. c. Depois da atividade faremos uma discussão a partir das ligações que o público fez e o motivo. d. Dentro do primeiro envelope também terão papéis em branco para que ao final as pessoas deixem sugestões de palavras para serem usadas no material por um próximo grupo, assim as palavras também se moverão.
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Dentro da caixa também terá fitas para que o público possa colocar suas próprias conquistas que sejam relacione com a ação das fitas de conquistas LGBT+ que se encontra na exposição. Pensamos também na mediação sobre as fotocolagens das amas-de-leite. Após conversa com os participantes discutindo o seu conteúdo, pediremos para adicionarem outras frases ditas de conteúdos racistas e preconceituosos contra empregadas domésticas e/ou mulheres negras.
Público Alvo: estudantes da UFPE e comunidade Faixa etária: a partir de 8 anos
Dia 8 12/11/2018 das 8h às 13h - 5h Hoje eu e Camila fizemos a nossa ação educativa de mediação com o pessoal da disciplina de Metodologia 3. Ficamos meio nervosas no começo, abrimos a galeria desde as 8h pra preparar tudo. O pessoal participou bastante e sugerou novas ideias e palavras para por nos envelopes. A professora Vitória disse que tínhamos muitas opções de atividades.Eu levei isso como um elogio porque caso alguém quisesse usar nosso material pra mediar poderia escolher uma só ou mais. Eles adicionaram é levaram suas fitinhas, colocaram outras frases que empregadas domésticas já ouviram ou outras situações de racismo na série das amas-de-leite. Fico muito feliz de termos tido uma discussão sobre os temas é cada um ter contado suas próprias experiências. Não sabia que a mãe de Camila já tinha sido empregada doméstica. Me fez conhecer minha amiga mais. Acho que as imagens que consegui fotografar mediação valem mais do que minhas palavras:
durante
a
Dia 9 13/11 - 14h às 18h - 4h Com certeza a ação que mais me chama a atenção é a série das amas-de-leite. Não só por envolver questões de gênero e étnico-raciais que sou ativista, mas também em minha família um histórico em que todas as mulheres da geração antes da minha já foram empregadas domésticas. Ficava olhando durante o estágio para elas e pensando em como eu ressignificaria as imagens (pensando em uma releitura da releitura) de forma mais positiva, mas sem tirar a força da fotografia. Até que um dia Kecia, uma mulher preta tão menina mas que já passou por tantas coisas de gente grande, estava se maquiando enquanto a gente conversava na galeria. Pedi pra ela me maquiar também. Fiquei pensando no texto que li de Élida Aquino do Movimento Meninas Black Power, o "Parem de dizer às mulheres negras que sejam fortes!" me fiz pensar nessas armaduras e cascas grossas que a gente carrega do caminho, e que esse papel de "menina frágil" que via nos contos de mocinhas brancas era modelo padrão estabelecido de feminino, mas pra minha sobrevivência era sinal de fraqueza, frescura. Precisava sempre ser forte. Enquanto ela me maquiava eu ficava olhando praquelas amas-de-leite. Elas viveram todas as suas vidas cuidando de outras pessoas. Mas quem cuidou delas? Quem cuidou de tantas mães solteiras de periferias que tiveram que abdicar de tantas coisas para cuidar dos outros? Penso também naquela Anastácia do Sítio do Pica Pau Amarelo que era um símbolo de mãe preta tão romantizada “quase da família” mas que não sabíamos mais nada de sua história, apenas que ela já tinha sido escrava. Aí chegou Rayellen pra aula da disciplina de Performance que ela ia ter na galeria no dia, que inclusive está planejando fazer em seu trabalho final algo que relacione com esse auto-cuidado entre mulheres negras. Pedi pra gente posar pra uma foto nessa determinada posição. Elas ficaram sem entender. Disse que depois eu explicava. A gente precisa falar de nossas dores. E cuidar de nós mesmas.
Dia 10 19/11 14h às 18h30 - 4h30 Pessoas perceberam a mudança das paredes e vindo hoje tinha muuuita gente vindo pro jardim interno. Tive que ficar mais 30 min porque fiquei pedindo pro pessoal sair do Jardim pra poder fechar a porta se não eles ficariam presas. Ficou um pessoal de Letras lá ainda mesmo eu pedindo pra eles sairem. Disseram que ia ter reunião do DA de Letras mas que iam pedir pra um segurança vir abrir a outra porta. Eu fechei a galeria e o segurança ainda não tinha chegado. Não sei como ficaram lá, devem ter gritado pro segurança abrir a porta. Eu falei que ia sair hein!
Dia 11 21/11 das 10h30 às 12h e das 14h às 21h - 8h30 Hoje foi um dia muito intenso na galeria pra mim. Me dei conta que exposição fica aberta só até o final dessa semana então vou ter que caprichar bastante agora nas horas, tendo que abrir mão de trabalhos que iria receber grana e ter que começar a dar jeito de estudar dentro da galeria e fazer duas coisas ao mesmo tempo! Pela manhã eu e Camila aplicamos o nosso material educativo com o pessoal da disciplina. Explicamos tudo e escolhemos a proposta das palavras-chaves com as imagens, mas dessa vez usamos o piloto pra ligar a palavra com a imagem e pedimos pros meninos que participaram da atividade criaram novas palavras. Achei muito mais rico que na outra mediação porque todos participaram, e tinha muito mais opção de palavras. Resolvemos deixar as imagens e todo o resultado da mediação colado lá no chão, inclusive talvez ajude o público espontâneo que virá nos próximos dias a também relacionar essas palavras de alguma forma com a exposição. Após o almoço voltei a galeria com Camila e Xadai. Ficamos todos estudando, não teve muita interação entre nós. Mas muitas pessoas hoje vieram a galeria. Íamos nos revezando empiricamente, um grupo chegava, Camila ia atender, depois via outro, eu ia, etc. Mas hoje teve muitas intervenções. As pessoas tinham reações boas quando descobriam que podiam intervir nas paredes. O massa de hoje que dois homens trans entraram na exposição hoje. Ficaram muito felizes por verem as fitinhas! Foi passado pra nós que cada visitante só poderia levar uma. Mas deixei eles pegarem quanto quisessem. Achei importante. A noite hoje teve muito movimento das pessoas. Pode ser também porque, depois que Camila parou o estudo e foi embora, coloquei o som do reggae jamaicano mais alto. Uma intervenção hoje me chamou a atenção. Após ter explicado que poderia intervir nas paredes pra dois homens negros eles ficaram bem empolgados e resolveram intervir na parede que estão as bandeiras pretas e brancas. Um deles pintou o outro segurou a cadeira. Ele começou escrevendo: COTAS NÃO Comecei a ficar nervosa. Comecei a pensar no que fazer e tudo o que falaram sobre possíveis intervenções que não iam condizer com proposta da exposição. Até que o cara terminou a frase:
Dia 13 23/11 - 14h as 18h - 4h Fechando o último dia de mediação sozinha na galeria. Lendo o texto de Ana Mae Barbosa (1989), o "Arte-educação em museus", entendi o que já vinha sendo sucateado. Ela afirma que o primeiro curso de especialização para arte-educadores em museus foi criado por ela em 1986 na USP. E como foi e ainda é desvalorizado. Como as equipes e diretorias dessas instituições não dão valor para o mediador, chamando muitas vezes de "monitor", sendo que para ela o mediador seria tão importante quanto um curador. Ela fala também como na gringa a profissao é mais consolidada e quantas pessoas de classes mais populares estão perdendo ao não ir nesses locais. Me perguntei também se alguém da minha família e do meu bloco na Cohab além de mim, minha mãe e minha irmã tem costume de ir a esses espaços, e como foi importante pra minha identidade ter ido a eles na infância. Espero que as crianças que aqui visitam marquem pra sempre em suas vidas, como marcou a minha. Um menino de Letras e uma de Jornalismo vieram aqui treinar fotografia, enquadramento, ângulo... acabaram tirando fotos minhas também! Um dia espero que elas chegam no meu email. O pessoal de dança está montando uma performance pras 18h, com flores dentro de sacos plásticos. Não sei o que é direito mas tudo bem. Acho que faltou essa comunicação entre a organização que fazia a intervenções itinerantes com o educativo. Fiquei sem saber o que fazer e como ajudar. Os meninos pediram uma lâmpada para ajudar na iluminação e outras coisas mas eu nao tinha como porque não sabia onde pegar.
Fim.