Trabalho, Educação e reestruturação produtiva

Page 1



Robson Luiz de França Organizador

TRABALHO, EDUCAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA 1a Edição Eletrônica

Uberlândia / Minas Gerais Navegando Publicações 2017


Navegando Publicações CNPJ – 18274393000197

www.editoranavegando.com editoranavegando@gmail.com Uberlândia – MG Brasil

Conselho Editorial

Anselmo Alencar Colares – UFOPA Carlos Lucena – UFU Carlos Henrique de Carvalho – UFU Dermeval Saviani – Unicamp Fabiane Santana Previtali – UFU Gilberto Luiz Alves – UFMS István Mészáros – Universidade de Sussex – Inglaterra José Carlos de Souza Araújo – Uniube/UFU José Claudinei Lombardi – Unicamp José Luis Sanfelice – Univás/Unicamp Lívia Diana Rocha Magalhães – UESB Mara Regina Martins Jacomeli – Unicamp Miguel Perez – Universidade Nova Lisboa – Portugal Ricardo Antunes – Unicamp Robson Luiz de França – UFU Teresa Medina – Universidade do Minho – Portugal

O conteúdo deste livro é de exclusiva responsabilidade dos autores .

T758 – França, Robson Luiz. (org.) Trabalho, educação e reestruturação produtiva – Uberlândia: Navegando Publicações, 2017. ISBN: 978-85-92592-78-3 1. Educação 2. Trabalho 3. Marxismo I. Robson Luiz de França. II. Navegando Publicações. Título. CDD – 370

Preparação/ Revisão - Lurdes Lucena Arte Capa – Carlos Lucena Índices para catálogo sistemático Educação 370 Ciências Sociais 300


Sumário APRESENTAÇÃO Robson Luiz de França

1

1. O CONCEITO DE FETICHE DA MERCADORIA EM KARL MARX, A REESTRUTURA PRODUTIVA DO CAPITAL E OS LIMITES DO SINDICALISMO Ana Paula de Castro Sousa

7

2. PRINCIPAIS DIFICULDADES DO TRABALHO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO Sandra Gramilich Pedroso

19

3. TRABALHO E EDUCAÇÃO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA: A CLASSE DOMINANTE USUFRUINDO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA EM DETRIMENTO DA CLASSE DOMINADA Gilberto José de Melo

33

4. RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO: SEUS DESDOBRAMENTOS E PERSPECTIVAS Leoclécio Dobrovoski Silva Pereira

53

5. A SOCIEDADE CAPITALISTA COMO PEÇA TEATRAL: REFLEXÕES SOBRE AS MÁSCARAS SOCIAIS Laila Maria Medeiros Tavares

71

6. TRABALHO, CONDIÇÕES DO TRABALHO E SOFRIMENTO HUMANO Irella Borges dos Santos; Robson Luiz de França

85


7. O SIGNIFICADO DO TRABALHO DO TUTOR NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO MUNDO DO TRABALHO EM RELAÇÃO AO AVANÇO DAS TECNOLOGIAS Alicia Felisbino Ramos; Robson Luiz de França

103

8. AS FORMAS DE EXPLORAÇÃO E SUBMISSÃO DO TRABALHADOR NO CAPITALISMO: UMA TENTATIVA DE ENTENDER A REALIDADE DO MUNDO DO TRABALHO SOB A ÉGIDE DO MODELO TOYOTISTA Claudiane Mara Braga Belmiro; Carlos Lucena

151

9. CONJUNTURA POLÍTICA: EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO, RESISTÊNCIA E RETROCESSOS José Eduardo Fernandes

173

10. A ASSOCIAÇÃO MANTENEDORA DA GUARDA MIRIM DE MONTES CLAROS (MG) Cláudia Rosane Parrela; Robson Luiz de França

183

11. A EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE COMO DESAFIO: A CONTRIBUIÇÃO DE ANTÔNIO GRAMSCI Wilson Augusto Costa Cabral

215

SOBRE OS AUTORES

231


1

APRESENTAÇÃO Este livro, na forma de coletânea, se inclui em um processo mais amplo de reflexão sobre as questões do trabalho, da educação e a consequente transformação social. Pretendeu–se proceder uma análise das perspectivas das condições de trabalho no contexto da reestruturação produtiva. Constitui–se portanto em uma importante obra de reflexão e sistematização de conhecimentos. Resulta de uma intensa discussão no contexto de disciplina ministrada na Pós–Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia e a escolha dos capítulos norteou–se pela constatação de que a compreensão de que as transformações no e do mundo do trabalho tem exigido do trabalhador mudanças tanto na dimensão da produção da sua existência quanto na forma de relacionamento com os demais, alterando seu comportamento e tais mudanças se materializam em forma de precarização das relações, do trabalho, na manifestação de doenças laborais etc. Assim é que no Capítulo I a autora Ana Paula de Castro Souza discute “O CONCEITO DE FETICHE DA MERCADORIA EM KARL MARX, A REESTRUTURA PRODUTIVA DO CAPITAL E OS LIMITES DO SINDICALISMO”, cuja produção busca apresentar uma “análise do fetichismo da mercadoria” conforme “condensada na conclusão do primeiro capítulo: A mercadoria d’ O Capital”. No Capítulo II que se intitula em PRINCIPAIS DIFICULDADES DO TRABALHO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO de autoria de Sandra Gramilich Pedroso “analisa o conceito de trabalho em Marx pautado na temática sobre as condições de trabalho na sociedade capitalista ao enfocar a exploração do trabalho através do modo de produção capitalista que propicia a alienação do trabalhador”. Segundo a autora o “objetivo do trabalho foi analisar as principais dificuldades do trabalho docente no contexto capitalista através da pesquisa bibliográfica”. No Capítulo III de autoria de


2 Gilberto José de Melo trata do “TRABALHO E EDUCAÇÃO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA: A CLASSE DOMINANTE USUFRUINDO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA EM DETRIMENTO DA CLASSE DOMINADA” busca apresentar “o trabalho humano como sendo ação do homem produzindo bens materiais e ou imateriais que se inserem tanto no trabalho docente como em qualquer outra atividade de produção, e, acima de tudo, sendo de fundamental importância para a reprodução do modo de produção capitalista”. No Capítulo IV – RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO: SEUS DESDOBRAMENTOS E PERSPECTIVAS de autoria de Leoclécio Dobrovoski Silva Pereira que se propôs a “identificar formas de relações presentes nas dimensões política e social, no trabalho e na educação”. Buscou por sua vez abordar “os processos de transformação que as relações de trabalho sofreram ao longo da histórica, tendo o seu cume nas relações capitalistas de produção/exploração no mundo do trabalho, amparado pelo processo de educação, uso das tecnologias, formação de massas a serviço do capital”. Já no Capítulo V a autora Laila Maria Medeiros Tavares intitulado de “A SOCIEDADE CAPITALISTA COMO PEÇA TEATRAL: REFLEXÕES SOBRE AS MÁSCARAS SOCIAIS”, ocorre “análise teórica acerca da influência do Estado – bem como de seu aparelhamento ideológico – na construção e consolidação de máscaras sociais, estabelecidas aos moldes do padrão ideológico e estético dominante” por um lado e por outro buscou também demonstrar “como se dá a disseminação da violência desenfreada contra os usuários das máscaras coisificadoras por aqueles que vestem as máscaras humanizadoras no âmbito escolar”. No Capítulo VI que trata do tema TRABALHO, CONDIÇÕES DO TRABALHO E SOFRIMENTO HUMANO de autoria de Irella Borges dos Santos com orientação de Robson Luiz de França parte do pressuposto de que o “trabalho é responsável também pela humanização do homem, de modo que a precarização deste trabalho desumaniza o homem e suas relações, interferindo de forma violenta na forma de ser e agir dos indivíduos” de maneira que “em decorrência da importância que o trabalho ocupa no desenvolvimento da


3 vida humana como um todo, tanto nos aspectos sociais que constituem a identidade dos sujeitos quanto nos aspectos psíquicos relacionados às construções de sentido que cada indivíduo realiza sobre o seu fazer”. No CAPÍTULO VII cujo tema é o “SIGNIFICADO DO TRABALHO DO TUTOR NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO MUNDO DO TRABALHO EM RELAÇÃO AO AVANÇO DAS TECNOLOGIAS” de autoria de Alicia Felisbino Ramos orientada por Robson Luiz de França sugere que as mudanças no mundo do trabalho, ocorridas principalmente no final do século XX, trouxeram modificações estruturais para o processo de trabalho capitalista de maneira que as “novas formas de gestão, combinadas com as novas tecnologias, fizeram surgir novos postos de trabalho, novas formas de organização do processo produtivo e novas demandas para a formação dos trabalhadores”. Já no Capítulo VIII com o tema AS FORMAS DE EXPLORAÇÃO E SUBMISSÃO DO TRABALHADOR NO CAPITALISMO: UMA TENTATIVA DE ENTENDER A REALIDADE DO MUNDO DO TRABALHO SOB A ÉGIDE DO MODELO TOYOTISTA – Claudiane Mara Braga Belmiro e Carlos Lucena, partem do princípio que no “sistema capitalista toda a produção toma a forma de mercadoria e o próprio trabalho é reduzido a uma atividade sem sentido para simples confecção de objetos supérfluos” e ainda que “o trabalho deixa de ser uma atividade livre e consciente para se tornar uma atividade controlada, estranha e desumanizadora, submissa ao capital”. Os autores de forma precisa consideram que os “indivíduos, alienados e manipulados pelo poder ideológico do capital, tanto não percebem que estão sendo explorados na sua atividade cotidiana de trabalho, como também idolatram os objetos e “coisificam” as relações sociais”. No Capítulo IX – CONJUNTURA POLÍTICA: EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO, RESISTÊNCIA E RETROCESSOS de autoria de José Eduardo Fernandes procede a uma análise das principais mudanças ocorridas já na segunda metade da última década do Século XXI com destaque aos fatos ocorridos tanto no Brasil como em Vários países da Europa no que se refere às crises financeiras, imi-


4 gração, acirramento de posicionamentos fascistas e conservadores, caracterizando como retrocesso político e social em vários campos e ainda mais destaca um “grande aprofundamento das velhas práticas de dominação impostas pela burguesia aos trabalhadores, ou seja, a velha receita da recessão, desemprego, aumento da dívida externa e a imposição de um projeto de nação, não o da nossa nação”. O autor parte do princípio de que “uma movimentação sócio/política e cultural extremamente conservadora está sendo incentivada pelos instrumentos burgueses de propagação ideológica, de forma exacerbada em todas as esferas da sociedade e que produzirá efeitos extremamente nocivos no que diz respeito à formação (emancipatória) para o trabalho da classe trabalhadora”. No Capítulo X que trata do tema “A ASSOCIAÇÃO MANTENEDORA DA GUARDA MIRIM DE MONTES CLAROS (MG)” de autoria de Cláudia Rosane Parrela e orientada por Robson Luiz de França, problematiza questões relativas a Associação Mantenedora da Guarda Mirim de Montes Claros, tendo como reflexão central as ideias centrais de Althusser. Neste artigo os autores se propõem “a refletir sobre os limites e possibilidades desafiadoras inscritas nessa política pública voltada para o estrato juvenil, situando–a no bojo da reflexão acerca da assistência ao jovem adolescente em situação de vulnerabilidade social atendido por uma instituição não formal, que neles imprime o respeito às leis e autoridades constituídas, justiça e disciplina a fim de que possam adotar como princípio, um comportamento ético”. No Capítulo XI – A EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE COMO DESAFIO: A CONTRIBUIÇÃO DE ANTÔNIO GRAMSCI, texto produzido por Wilson Augusto Costa Cabral produz uma análise sobre o pensamento do italiano Antonio Gramsci, a partir de “sua biografia e as consequências do contexto histórico do autor” busca também compreender o esse Gramsci “tinha do pensamento marxiano e da compreensão da sociedade de seu tempo”.


5 Como se percebe essa obra possui cunho clássico acadêmico e busca sem dúvida, contribuir para o aprofundamento da discussão sobre temas emergentes no campo do trabalho, educação e formação humana.

O organizador



7

O CONCEITO DE FETICHE DA MERCADORIA EM KARL MARX, A REESTRUTURA PRODUTIVA DO CAPITAL E OS LIMITES DO SINDICALISMO Ana Paula de Castro Sousa INTRODUÇÃO A produção deste texto, em forma de ensaio, sobre as discussões realizadas na disciplina “Educação e Transformação Social” mostra a troca como uma condição necessária para a subsistência de todos nesta sociedade e a esse produto a ser trocado, resultado do trabalho, denomina–se mercadoria. A análise do fetichismo da mercadoria, está condensada na conclusão do primeiro capítulo: A mercadoria d’ O Capital, é um dos aspectos mais significativos da fase adulta da obra de Karl Marx. Dada a sua importância exige–se um esforço interpretativo profundo, uma vez que o fetichismo tem um lugar central na sua obra e dessa interpretação depende a correta compreensão da crítica de Marx ao modo capitalista de produção. Desse modo, um produto do trabalho ao se tornar mercadoria me possibilita apreender o conceito de reificação na sociedade capitalista. Além de pontuar, que quando o capital se reestrutura ele muda as relações de trabalho, o que coloca limite no sindicalismo. DO FETICHISMO DA MERCADORIA AO FETICHISMO DO CAPITAL O fetiche é uma mágica que se atribui à mercadoria, às pessoas, às coisas da natureza. Mas, Marx vai além dessa conceituação: O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como características objetivas


8 dos próprios produtos de trabalho, como propriedades naturais sociais, dessas coisas e, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social existente fora deles, entre objetos (MARX, 1996, p. 198)

Para elaborar esse conceito de fetiche ele desvela características que vão para além da face material. Ele aponta como características intrínsecas aquilo que envolve o trabalho, como: circunstâncias de produção, as relações sociais estabelecidas na produção. O fetiche que se embute na mercadoria é fruto do caráter social peculiar do trabalho humano empregado na produção de mercadoria. Karl Marx, quer mostrar como objetos de uso se tornam mercadorias e deixa claro que há confusões entre o que são as qualidades naturais das coisas e aquilo que depende das relações sociais de produção. A mercadoria é produto do trabalho privado. Mas, na mercadoria está embutido um complexo de trabalhos privados que formam o trabalho social total. A partir desse trabalho social total que se realiza por meio das relações de troca estabelecidas entre os produtores privados é que aparecem as características especificamente sociais de seus trabalhos privados. Portanto, as características das mercadorias resultam das relações sociais de trabalho. Não são características físicas das mercadorias, mas sim características metafísicas. “Os trabalhos privados só atuam, de fato, como membros do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos, entre os produtores” (MARX, 1996, p. 199). É no sistema capitalista de produção que a mercadoria ganha forma relevante, pois se objetivam nela os produtos do trabalho humano. Isso é fundamental para entendermos a reificação e a coisificação. Uma vez que em outros modos de produção anteriores, à mercadoria tinha um valor de uso. A reificação significa que os trabalhadores não se enxergam naquilo que fazem, passa–se a dar vida a quem não tem vida. Desse modo, os homens defrontam–se com os


9 produtos de seus trabalhos como coisas que não lhes pertencem, que estão fora de seu controle e que acabam dominando–os. Vimos que um valor de uso ou um artigo qualquer só tem valor na medida que nele está (objetivizado) materializado trabalho humano abstrato. Pela quantidade da substância “criadora de valor” nele contida, isto é, pela quantidade de trabalho. Por sua vez, a quantidade de trabalho tem por medida a sua duração e o tempo de trabalho mede–se em unidades de tempo, tais como a hora, o dia, etc. Para Marx, a mercadoria num primeiro momento aparece como uma coisa trivial, porém analisando–a percebe–se como é complicada e dotada de sutilezas. O autor retorna a análise da mercadoria enquanto valor de uso para tratar da questão do caráter fetichista da mercadoria. As mercadorias enquanto valor de uso satisfazem necessidades humanas pelas suas próprias necessidades, estas são produto do trabalho humano, dispêndio de cérebro, músculos dos homens. Sobre isto Karl Marx afirma, que o caráter místico da mercadoria não provém de seu valor de uso. O trabalho humano transforma aquilo que a natureza lhe oferece em algo útil. Por exemplo, a madeira é uma mercadoria que quando modificada pelo trabalho humano adquire uma forma física, mas Karl Marx nos adverte que a mercadoria tem outros aspectos. Ela tem algo intrínseco que ultrapassa a própria aparência, isto é, uma propriedade fisicamente metafísica. Toda mercadoria apresenta um valor de uso e um valor de troca. Ao entrar na esfera das relações de troca, as mercadorias perdem suas características de valor de uso e transformam–se em equivalentes objetivos de outras mercadorias, passando a ter um valor de troca. A grandeza do valor contido na mercadoria é medido pelo quantum de trabalho, que é a “substância constituidora do valor”. Portanto, o que gera valor é apenas o trabalho. Neste momento, Karl Marx opera algo magistral, que o diferencia dos economistas bur-


10 gueses, a saber: a descoberta do trabalho como fundamento da forma valor. Ele adverte que as mercadorias enquanto possuídas de valor de uso são de diferente qualidade e que as mercadorias como valores de troca só podem ser de quantidade diferentes. É apenas no capitalismo que a riqueza é criada pelo trabalho, ou seja, no capitalismo o valor de uso é criado pelo valor de troca. No modo de produção capitalista a mercadoria é produzida com valor de troca (excedente) a ponto de ocorrer a separação entre o trabalho e produto do trabalho. O trabalhador não se vê naquilo que ele produziu e o seu trabalho é apropriado pelo dono do capital. A mercadoria que o trabalhador produziu apresenta–se no mercado como autônoma, dotada de qualidades “sobrenaturais” como se tivesse surgido não por conta de seu trabalho, mas em um passe de mágica. Esse é o caráter fetichista da mercadoria. A separação entre produtor e produto do seu trabalho faz com que a mercadoria esconda o seu fundamento, ou seja, o fato de ser “trabalho humano cristalizado”. A igualdade dos trabalhos humanos assume a forma material de igual objetividade de valor dos produtos de trabalho, a medida do dispêndio de força de trabalho do homem, por meio da sua duração, assume a forma da grandeza de valor dos produtos de trabalho, finalmente, as relações entre os produtores, em que aquelas características sociais de seus trabalhos são ativadas, assumem a forma de uma relação social entre os produtos de trabalho (MARX, 1996, p. 198).

O valor de troca é que está implícito na mercadoria, mas o valor visível é o valor de troca. Esse valor é um valor relativo ao tempo gasto para produzir o objeto. O trabalho humano abstrato é comum a todas as mercadorias, melhor dizendo, a qualidade comum existente é o fato de ter existido pessoas que despenderam força de trabalho para a sua produção. Ao considerar o resíduo dos produtos do trabalho verifica–se


11 que os objetos enquanto cristais desse dispêndio da força de trabalho substância social comum são considerados valores mercantis. O fetiche que se embute na mercadoria é fruto do caráter social peculiar do trabalho humano empregado na produção de mercadoria. O produtor feudal, em sua grande maioria servos, produziam para se manter e ao sistema. Sem pressupor produção de excedente e nem tão pouco o lucro, apenas a satisfação das necessidades imediatas. O sistema capitalista de produção implica na existência de duas classes sociais distintas e antagônicas: a burguesia detentora do capital e o proletariado que não dispondo dos meios de produção, se vê obrigado a vender a sua única propriedade que é a força de trabalho. Quando começa a atividade comercial livre têm se o surgimento do trabalho assalariado que por sua vez é um produto do capitalismo. O capitalismo altera as relações dos homens entre si e com a natureza diferentemente dos outros modos de produção. Assim, quando o modo de produção capitalista separa os meios de produção e o trabalhador ele já está alterando as relações dos homens entre si e com a natureza. Para Karl Marx, a mercadoria ganha uma vida própria e adere às coisas que não são produto do trabalho humano. Desse modo, a consciência, a honra, as artes podem ser postas à venda por dinheiro tornando a forma de mercadoria. A divisão social do trabalho é uma das condições prévias, característica da sociedade capitalista. O progresso técnico que ocorreu no capitalismo levou a uma complexidade cada vez maior na divisão social do trabalho, contribuindo para o aumento de produção da riqueza e abrindo caminho para o uso cada vez mais interno da máquina no interior do processo produtivo. As modificações que se introduziram no processo produtivo pela burguesia não visavam a intensificação da produção, mas potencializar a exploração dos trabalhadores comandados por ela. Além disso, a medida que as forças produtivas se desenvolvem em


12 seu interior vão surgindo elementos que contribuem para sua autodestruição e surgimento de novas formas sociais de produção que permitirão uma renovação do sistema e sua continuação. Um dos determinantes do valor de uma mercadoria é a quantidade de trabalho abstrato objetivado em sua produção. O objetivado é entendido como o uso de tecnologia que potencializam o trabalho humano. O que produz o valor é o trabalho humano. Nenhuma mercadoria tem valor de troca intrínseco. Pois, o seu valor de troca está sujeito ao tempo e ao espaço. O valor do objeto está condicionado ao tempo e ao espaço onde ele é oferecido. Porém, é só no modo de produção capitalista que são criadas necessidades para uso e consumo de mercadorias com valor de troca, ou seja, o valor de uso é criado pelo valor de troca. As mercadorias possuem características distintas: o valor de uso e o valor de troca. Assim, o produtor sabendo que o valor de uso decorre da necessidade que satisfaz o uso e o consumo ele estabelece pelo valor de troca condições de comparação com outras mercadorias. Desse modo, o objetivo do produtor é produzir coisas que são portadoras de valor de troca. Para Karl Marx, a mercadoria tem que realizar–se como valor de troca antes de realizar–se como valor de uso. Já para o consumidor, é imprescindível que a mercadoria se comprove primeiramente como valor de uso antes de realizar–se como valor de troca. Assim, o produtor e o consumidor possuem comportamentos distintos diante da mesma mercadoria. Para produzir mercadorias, é preciso não somente de produzir valores de uso, mas valores de uso sociais. Para ser mercadoria é necessário que o produto seja transferido para outrem, que o utilize como valor de uso, por meio de troca. Finalmente, nenhum objeto pode ser um valor de troca se não for uma coisa útil. A grandeza do valor de uma mercadoria permaneceria portanto constante, caso permanecesse também constante o tempo de trabalho necessário para sua produção. Este muda, porém, com cada mudança na força produtiva do trabalho. A força produtiva do trabalho é determinada por meio de circunstân-


13 cias diversas, entre outras pelo grau médio de habilidade dos trabalhadores, o nível de desenvolvimento da ciência e sua aplicabilidade tecnológica, a combinação social do processo de produção, o volume e a eficácia dos meios de produção e as condições naturais. (MARX, 1996, p. 169).

O valor de uma mercadoria depende do tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Este tempo oscila de acordo com cada mudança na força produtiva de trabalho, como também, a força produtiva do trabalho é determinada por diversas circunstâncias tais como: pelo grau médio de habilidade dos trabalhadores, o nível de desenvolvimento das ciências e sua aplicabilidade tecnológica, a necessidade social da mercadoria vinculada à possibilidade de consumo da sociedade e às condições naturais. Por fim, pode–se concluir que a fetichização não se limita a análise da mercadoria, posto que ela é parte fundamental e integrante do modo de produção capitalista, mas para além dela outros fatores como juros, lucro, dinheiro, capital contribuem diretamente na atribuição de valor e na própria fetichização. Atualmente, o modo de produção capitalista, à medida que se expande e se sofistica em benefício da multiplicação das forças produtivas, transforma as instituições em mercadoria, por exemplo, a tendência da privatização dos espaços públicos como a educação, saúde. A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, AS RELAÇÕES TRABALHISTAS E OS LIMITES DO SINDICALISMO O sindicato em suas diferentes formas de atuação não impede a voracidade do capital, nem tampouco, impede a precarização do trabalho. Quando o capital se reestrutura ele muda as relações de trabalho. A reestrutura produtiva do capital é que coloca limite no sindicalismo. No capitalismo contemporâneo, observa–se no mundo do trabalho uma múltipla processualidade, mudança complexa como: a


14 desproletarização do trabalho industrial e fabril entendida através da diminuição do número de profissionais nesses setores e a substituição desses trabalhadores pela tecnologia ou a subcontratação mediante a terceirização. Paralelamente, verifica–se a expansão do número dos trabalhadores assalariados, a partir da ampliação do assalariamento no setor de serviços, constatando–se uma heterogeneização do trabalho vista através da crescente incorporação do contingente feminino no mundo operário; também constata–se a subproletarização, isto é, o aumento da expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, “terceirizado”. Um dos resultados dessa mudança complexa é o desemprego estrutural em escala global. Essa mudança ocorrida nos países de capitalismo avançado tem repercussão variada em países industrializados do terceiro mundo, como o Brasil. Paralelamente a essa tendência, existe a subproletarização do trabalho que consiste na reduzida garantia dos direitos trabalhistas encontrado nas formas de trabalho precário, parcial, temporário, “terceirizado”. Os trabalhadores não ficam assegurados numa empresa com vínculos empregatícios que garantam os direitos trabalhistas formais. Para Ricardo Antunes, as inúmeras categorias de trabalhadores, […] têm em comum a precariedade do emprego e da remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a consequente regressão dos direitos sociais, bem como a ausência de proteção e expressão sindicais configurando uma tendência à individualização extrema da relação salarial” (ANTUNES, 1999, p.44).

Outra característica importante das transformações em andamento no interior da classe trabalhadora é a incorporação da força de trabalho feminina nos trabalhos em tempo parcial porque não dizer nas formas de subproletarização. Um grande contingente de mulheres se encontra não só no setor têxtil mas em outros ramos como na indústria microeletrônica, setor de serviços. Essa mudança na for-


15 ma como se aloca e assalaria (estrutura produtiva) e na oferta entrada e saída de trabalhadores (mercado de trabalho) é um dos fatores que propiciou a incorporação e o aumento da exploração da força de trabalho das mulheres em condições de tempo parcial. Já que antes da década de 1980 os homens constituíam uma maioria quase absoluta e após, a mulher se constitui numa força crescente. A composição da classe trabalhadora foi alterada com a presença máxima da mulher no mercado de trabalho (informalizado) e o aumento de trabalho no terceiro setor (serviços). Uma das tendências do movimento sindical em consequência das crises do sistema capitalista de produção é o aumento da burocratização e institucionalização das entidades sindicais. A burocratização entendida como o distanciamento do sindicato com a base. A institucionalização também é uma parte constituinte da entidade sindical, na atualidade, que tem legitimidade devido ao arcabouço legal que garante a sua atuação. O sindicato funciona legitimado pelo Estado. A partir de 1930, precisamente nos golpes de 1937 e 1964, definiram mais precisamente os limites e as normas de exercício da autoridade legal burocrática. A Revolução de 1964 definiu leis de greve, política salarial, formas de eleição sindical, questão de estabilidade que tornaram cada vez mais claro o papel do sindicato como intermediário entre o Estado e a classe trabalhadora. Em consequência da industrialização ocorrem medidas trabalhistas a fim de conter movimentos sociais e a manutenção da ordem econômica. A mudança econômica exige do Estado uma participação maior para a expansão capitalista e, ao mesmo tempo, manter a ordem social. A exigência de uma ordem que garanta a expansão do capitalismo aproveitando as condições que já existiam vai atingir todos os setores da sociedade, seja o Estado, o empresariado e o assalariado. Nesse contexto, o Estado vai ter um papel fundamental como legislador. Essa necessidade vai atingir também os sindicatos que até então defendiam os interesses dos assalariados. A partir desse momento, com a interferência do Estado o sindicato vai organizar seus objetivos e definir os padrões de conduta daí para


16 frente. A princípio o sindicato é tido como um promotor de distúrbio social, mas a medida que cresce a industrialização em decorrência do crescimento do poder econômico o Estado se vê ampliado, e os sindicatos adquirem uma importância fundamental nas relações com o patronato e o próprio Estado. E, isso se justifica porque naquele momento necessitava eliminar a existência de conflito entre a classe trabalhadora e o empregador. Assim, surge o sindicato como uma instituição ao lado do governo, com suas funções definidas pelo Estado, principalmente para canalizar diferentes interesses entre os quais nem sempre estão incluídos os da classe trabalhadora. Ainda como exigência para manter a ordem econômica o Estado além de direcionar o que o sindicato deve fazer passa a ditar como deve ser a sua atuação. Uma vez tendo a via de percurso feita pelo Estado, o sindicato adquire uma função participativa e não combativa. Desse modo, é evidente a burocratização e a institucionalização que trazem o distanciamento da base e cujas ideias que se organizam através da comunhão mútua de seus integrantes se remetem apenas ao patronato e o Estado. Desse modo, o conceito fetiche da mercadoria tema desenvolvido anteriormente, aponta que o uso de instrumentos ideológicos e manipulatórios feitos pelo capital para ampliar sua força sobre os movimentos de esquerda de modo coibidor, principalmente aqueles que agem numa visão anticapitalista. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do exposto acima, pode–se concluir que o processo de aumento da exploração do trabalho aparece travestido por uma falsa ideia de maior autonomia do trabalhador. O trabalhador se vê é enquanto parte do processo produtivo, como se fosse capaz de controlar esse processo. No entanto, além de aumentar a produtividade do trabalho, a artimanha do sistema capitalista consiste em conquistar o consentimento passivo do trabalhador diante das inovações na organização do trabalho, implicando isso sim em novas formas de


17 subordinação do trabalho ao capital, especialmente pelo engajamento do trabalho na produção. Em consequência de tudo isso, o sindicato que deveria defender exclusivamente o interesse dos trabalhadores, passa a exercer um duplo papel: de um lado, tentando defender esses interesses através de negociações, do outro lado, atrelar–se ao Estado ajudando a garantir os interesses do Estado e do próprio interesse capitalista como um todo. Portanto, o sindicato não tem se apresentado como um instrumento de mudança do sistema. A contemporaneidade possui caráter antagônico: a tecnologia concede ao ser humano um grande potencial emancipatório, uma vez que democratiza o saber, porém esta tecnologia é usada também como mecanismo repressivo que impede a efetivação desse processo emancipatório, libertador. É necessário compreender o conceito de fetiche de Karl Marx, dentro dessa realidade que busca embasar as relações de produção no capitalismo. REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 6ª ed. – São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1999. FLERK, Amaro. O conceito de fetichismo na obra marxiana: uma tentativa de interpretação. Florianópolis: UFSC/Brasil, v.11, n. 1, p.141–158, jun. 2012. DOI: <http://dx.doi.org/10.5007/1677– 2954.2012v11n1>. SANTOS, Paulo Roberto Félix dos. A intensificação da exploração da força de trabalho com a produção flexível: elementos para o debate. O Social em questão. Ano XlV, nº 25/26, 2011. p. 137 à 156. Disponível em <http://osocialemquestao.ser.puc–rio.br/media/8 OSQ 25 26 Santos.pdf.> Acesso em 25/05/2017



19

PRINCIPAIS DIFICULDADES DO TRABALHO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO1 Sandra Gramilich Pedroso INTRODUÇÃO A sociedade vivencia atualmente transformações que envolvem a esfera econômica, social e política. Nesse contexto, encontram–se também a educação e o trabalho com grandes desafios a serem conquistados. O trabalho tem sofrido modificações em sua estrutura, em seu sentido como princípio educativo e como atividade benéfica ao ser humano, pois no contexto dessas transformações tem se tornado um fator alienante. No contexto dessas mudanças, ocorre o surgimento de novos padrões sociais que configuram o mundo produtivo com novas características no perfil do trabalhador. Esse perfil está relacionado a um profissional competente, multifuncional, disposto a se adaptar às normas estabelecidas pela instituição, independente das condições de trabalho impostas pela mesma. Esses padrões estão presentes no dia a dia do professor, propiciando grandes dificuldades e problemas que se referem às condições de trabalho docente. Muitos são os fatores de descontentamento desse profissional, como o alto grau de responsabilidade imposto a ele; o controle do trabalho docente; a hierarquia profissional; a diminuição de sua autonomia e remunerações; exaustivas horas de tra1

Através de estudos realizados na disciplina "Educação e Transformação Social", esse trabalho buscou analisar nos textos de Marx e demais textos questões pontuais relacionadas ao trabalho numa sociedade capitalista relacionando–o as dificuldades do trabalho docente.


20 balho; e tudo isso proporciona uma intensificação do trabalho docente. Diante da realidade citada, o objetivo do trabalho foi analisar as principais dificuldades de trabalho do professor da educação básica através da pesquisa bibliográfica. Abordar a temática sobre as principais dificuldades do trabalho docente torna–se essencial mediante os antagonismos vividos por esse profissional. O fato dos docentes conviverem com problemas relacionados as condições de trabalho, produz consequências ao processo educacional. E devido a isso, torna–se relevante a interação com o assunto abordado, para que haja consciência entre os governos e profissionais da educação sobre a importância do trabalho do professor. O TRABALHO – EMANCIPAÇÃO OU SUBORDINAÇÃO? No decorrer dos séculos, o homem tem realizado o trabalho através de sua força, no sentido de transformar a natureza, para suprir as necessidades. Nesse sentido, o trabalho, inerente a vida humana, tem sido um fator de liberdade por propiciar ao homem uma condição de vida digna para sua sobrevivência. Ao buscar a compreensão da essência do trabalho no contexto de vida do ser humano, entende–se a sua importância no dia–a– dia para a transformação do meio e da natureza para suprir as necessidades humanas. Sendo uma atividade essencial, torna–se inerente ao homem para benefício e como processo mediador entre homem e natureza. Marx, no quinto capítulo de O Capital, aborda esse processo de transformação e utilidade do trabalho para o homem. Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a


21 sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar–se da matéria natural, numa forma útil à sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá–la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX, 1996, p. 297).

O trabalho como atividade inerente na vida do ser humano, acaba ocupando um patamar de grande importância em seu contexto diário. Como fator essencial e benéfico ao homem, propicia o bem–estar ao suprir as necessidades vitais da vida humana. Braverman menciona o trabalho como transformação da natureza e satisfação das necessidades. Todas as formas de vida mantêm–se em seu meio ambiente natural; assim é que todos desempenham atividades com o propósito de apoderar–se de produtos naturais em seu próprio proveito. […] Mas apoderar–se desses materiais da natureza tais como são não é trabalho; o trabalho é uma atividade que altera o estado natural desses materiais para melhorar sua utilidade. […] Assim, a espécie partilha com as demais a atividade de atuar sobre a natureza de modo a transformá–la para melhor satisfazer suas necessidades (BRAVERMAN, p. 49, 1981).

Marx afirma que ao se relacionar com a natureza, o homem a modifica para suprir suas necessidades, usando sua força através do trabalho. Sendo elemento de mediação entre homem e natureza, o trabalho configura–se no contexto de emancipação e história, instaurando o seu processo de produção no decorrer dos anos. Dessa maneira, o trabalho, faz parte da história de vida do ser humano e forma também sua história. Tornando–se mediador no seu convívio com a natureza, pois é através da transformação da mesma e com a força de seu trabalho que ele acaba realizando o processo de produção. Pedroso afirma que: Como parte da vida humana, deve ser uma atividade que o beneficie, mas como seu processo estrutural vem sofrendo modificações no decorrer dos anos, o trabalho vem se configuran-


22 do historicamente de uma maneira que sua organização e administração acontecem de forma a propiciar a produtividade (PEDROSO, 2015, p. 21).

O processo de produção nesse sentido, propicia ao trabalhador tempo para a satisfação de suas necessidades, tornando o trabalho fator prazeroso na vida humana. Diferente do trabalho sob a esfera do capital que busca sua expansão ao consumir a força de trabalho para a produção da mais–valia. O trabalhador precisa de tempo para satisfação de suas necessidades que estão além do trabalho. Precisa de tempo para recompor suas forças vitais. Marx (1992) menciona que o operário precisa de parte do dia para repousar, dormir além de alimentar–se, vestir–se… Assim como precisa de um tempo para lazer e estar com a família, pois através da satisfação dessas necessidades, o ser humano consegue recompor suas forças para uma nova jornada de trabalho. Na esfera do capital, o verdadeiro significado do trabalho na vida humana é modificado, pois o capital além de se expandir, tem seu objetivo primordial que está relacionado à lucratividade do capitalista através do consumo da força de trabalho para a produção da mais–valia. Marx demonstra a importância do trabalho na vida do operário e também afirma que o trabalho se torna uma mercadoria na qual o operário transfere a um terceiro. A força de trabalho em ação, o trabalho mesmo, é, portanto, a atividade vital peculiar ao operário, seu modo peculiar de manifestar a vida. E é esta atividade vital que ele vende a um terceiro para assegurar–se dos meios de subsistência necessários. Sua atividade vital não lhe é, pois, senão um meio de poder existir. Trabalha para viver. Para ele próprio, o trabalho não faz parte de sua vida; é antes um sacrifício de sua vida. É uma mercadoria que adjudicou a um terceiro ( MARX, 1992, p.30).


23 O operário ao realizar o processo de produção com a sua força de trabalho produz a mercadoria para um terceiro, pois sua produção ultrapassa a quantidade que lhe propicia os meios para sua subsistência. Nessa produção excedente de mercadoria que o capitalista tem a sua lucratividade e busca maneiras de expandir o capital. Braverman alude que os novos modos de trabalho criados se tornam recursos para a expansão do capital beneficiando ao capitalista. Os processos de trabalho ativo que residem em potencial na força de trabalho dos homens são tão diversos quanto ao tipo, modo de desempenho etc. que para todos os fins práticos podem ser considerados infinitos, tanto mais que novos modos de trabalho podem ser facilmente criados mais rapidamente do que serem explorados. O capitalista acha nesse caráter infinitamente plástico do trabalho humano o recurso essencial para a expansão do seu capital (BRAVERMAN, 1981, p. 57).

Ao trabalhar para seu benefício, torna–se um meio de suprir suas necessidades, mas o trabalho no contexto do capital, tem propiciado ao ser humano sua alienação, se tornando um meio para a produção da mais–valia. Nessa esfera de produção encontra–se o trabalho produtivo e improdutivo. Braverman menciona implicitamente o trabalho produtivo e improdutivo e ambos com o mesmo objetivo que é a produção do valor de troca e valor excedente de mercadorias para o capitalista. O trabalho posto em ação na produção de bens não está por isso nitidamente separado do trabalho aplicado `a produção de serviços, visto que ambos são formas de produção de mercadorias, e produção em base capitalista cujo objetivo é a produção não apenas de valor de troca mas de valor excedente para o capitalista (BRAVERMAN, 1981, p. 347).

O trabalho produtivo e improdutivo e a maneira como o assalariado o vivencia em seu meio social, pode tornar–se uma análise, assim como uma reflexão sobre os meios de produção do capitalista.


24 O trabalho produtivo é o que produz a mais–valia, ou seja, produz a mercadoria que se transforma em capital para o capitalista. Braverman (1981, p. 350) afirma que “o trabalho produtivo que serve como alicerce da sociedade capitalista é o trabalho que produz o valor de mercadoria”. Esse trabalho realizado por assalariado, tem como resultado a produção de material, produto, ou seja, a mercadoria. Marx ao definir o trabalho produtivo, mostra que ele está envolvido numa relação comprador e vendedor. Trabalho produtivo é o que – no sistema de produção capitalista – produz mais valia para o empregador ou que transforma as condições materiais de trabalho em capital e o dono delas em capitalista, por conseguinte trabalho que produz o próprio produto como capital. Assim, ao falar de trabalho produtivo, falamos de trabalho socialmente definido, trabalho que envolve relação bem determinada entre o comprador e o vendedor do trabalho (MARX, 1987, p. 391).

Na sociedade capitalista, a relação trabalhador e trabalho produtivo é utilitária e essencial para a expansão do capital, mas torna–se muitas vezes prejudicial ao levar o ser humano a uma alienação que transforma o trabalhador num objeto de produção para a produção da mais valia. No que se refere ao trabalho improdutivo, Braverman o define demonstrando como o capitalista o utiliza para a acumulação do capital. […] Deve–se muito mais `a sua ocupação com tarefas que contribuem apenas para a concretização do valor no mercado, ou para a luta de capitais em concorrência pelo valor, e sua transferência e redistribuição de acordo com exigências individuais, especulações e os “serviços” do capital sob a forma de crédito etc. O trabalho pode pois ser improdutivo simplesmente devido a que ocorre fora do modo capitalista de produção, ou devido a que, enquanto ocorrendo no seio dele, é utilizado pelo capitalista, em seu impulso para acumulação, para funções improdutivas mais que produtivas (BRAVERMAN, 1981, p. 351).


25 Através da execução de tarefas que auxiliam na conquista de valores ou acumulação do capital, o trabalho improdutivo é realizado no modo capitalista de produção. Ou seja, como Braverman expõe “o trabalho aplicado `a produção de serviços”. O trabalho produtivo e improdutivo no modo capitalista de produção é utilizado para acúmulo e expansão do capital. Nesse contexto, a força de trabalho é utilizada nos processos de produção, criando uma esfera com características capitalistas no meio social, fazendo com que, cada vez mais, o homem torne–se dependente desse processo de trabalho alienante com o objetivo de beneficiar o capitalista. Há mudança no verdadeiro sentido do trabalho quando o mesmo aliena o ser humano, pois o processo de trabalho no contexto capitalista busca no trabalhador um elemento de produção, ou seja, sua força de trabalho, independente das condições de trabalho proporcionadas ao ser humano. Ao violar as condições humanas, o trabalho deixa de ser um meio de transformação da natureza para suprir as necessidades do ser humano e se torna um meio de transformar o trabalhador num elemento de produção para beneficiar o capitalista. Engels (1992) menciona que o trabalho é o modo peculiar do operário manifestar a vida e como fator de mediação entre o homem e a natureza deveria proporcionar emancipação da vida humana, no sentido do homem transformar a natureza para suprir suas necessidades, promovendo o seu bem–estar individual e social. O TRABALHO DOCENTE E SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO SOCIAL A docência, sendo uma atividade antiga, tem levado o professor, no decorrer dos anos, a conquistar sua identidade num contexto histórico, político e social para definir sua categoria na classe trabalhadora. Tardif e Lessard (2008, p. 17) demonstram a importância do professor ao afirmarem que “longe de ser uma ocupação se-


26 cundária ou periférica em relação à hegemonia do trabalho material, o trabalho docente constituiu uma das chaves para a compreensão das transformações atuais das sociedades do trabalho”. O professor tem vivido num âmbito educacional caracterizado pelo capitalismo, assim a educação sofre as consequências desse contexto trazendo mudanças no cotidiano escolar. A educação (sentido generalizado) sempre esteve ligada a sociedade, proporcionando ao ser humano conhecimento em todos os aspectos da vida. Conhecimentos que possibilitam ao homem exercer sua cidadania, a aquisição de valores, uma formação profissional e sua inserção no mercado de trabalho. Mas, a educação 2 e o trabalho vem sofrendo uma nova configuração em sua estrutura, devido ao contexto político, econômico e social em que se encontram inseridos, formando novos valores com características neoliberais no ser humano. Um fator essencial a ser considerado, é como a educação vem se desenvolvendo e se estruturando num contexto de crises políticas, financeiras, sociais e educacionais, adequando–se às características do contexto histórico, trazendo consequências nas bases e estruturas das áreas econômicas, políticas e sociais, proporcionando antagonismos no mundo do trabalho e na educação. Nesse contexto, encontra–se o professor exercendo seu papel na adequação de um processo educacional que atende às demandas de um mercado de trabalho, quanto à própria instituição em sua estrutura inserida no contexto capitalista. Frigotto (2010, p. 51) afirma que o processo educativo é reduzido a ponto de desenvolver habilidades, atitudes que acabam capacitando para o trabalho e consequentemente tornando geradores de produção. O professor numa sala de aula, ao trabalhar com o aluno, deve desenvolver sua consciência crítica para que esse aluno tenha O conceito de educação refere–se ao processo ensino–aprendizagem realizado numa instituição de ensino – escola. Rocha menciona que essa educação pode ser realizada numa escola pública, privada regida por uma legislação específica. Cf. Rocha (2010). 2


27 condições de ver além das barreiras que limitam o pensamento. Esse profissional deve ser valorizado na realização do seu trabalho, pois se constitui numa peça chave nas transformações sociais que têm ocorrido historicamente. Mas, como vive numa situação em que suas características são redefinidas constantemente por causa dos contextos social, econômico, político, educacional, os quais apresentam exigências relacionadas à formação, qualificação e preparação para atender ao mercado trabalhista em constante reestruturação, o docente tem experimentado antagonismos que atingem sua subjetividade propiciando uma apatia profissional. DIFICULDADES NO TRABALHO DOCENTE: INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS O cotidiano numa instituição de ensino é caracterizado por situações inusitadas que requer do docente uma disposição física e psicológica para medidas e soluções diante de qualquer imprevisto. Além dessas situações, o docente vive num contexto repleto de dificuldades relacionadas a estrutura do seu trabalho que muitas vezes propiciam desânimo frente aos desafios inerentes ao seu dia– a–dia escolar. Assim, esse profissional vivencia situações difíceis e conflituosas em seu ambiente de trabalho que propiciam dificuldades. Os professores em instituições de ensino públicas, diferente de ser um trabalhador produtivo, vivencia em seu contexto a intensificação e difíceis condições de trabalho. Oliveira menciona que esse profissional vivencia vários problemas em sua sala de aula o que propicia uma demanda de situações que dificultam o trabalho docente. Muitas das demandas apresentadas ao professor não podem ser resolvidas por ele, que não detêm meios e nem condições de trabalho para tal, e daí advém o lado perverso da autoin-


28 tensifição, que isso causa sofrimento, insatisfação, doença, frustração e fadiga (OLIVEIRA et al., 2003, p. 10).

Na tentativa em solucionar vários problemas que estão além de sua formação, como também de sua profissão, o trabalho torna– se intensificado levando o docente a se frustrar por não conseguir solucionar problemas. Fullan e Hargreaves (2000, p. 18) veem a sala de aula como um “microcosmo dos problemas da sociedade”, pois os alunos trazem de casa suas dificuldades, que acabam sendo expostas na sala de aula. Interessante, que esse microcosmo de problemas sociais, leva o professor a ter atitudes de psicólogo na tentativa de solucionar as dificuldades expostas pelos alunos na sala de aula. Ao mesmo tempo em que tende a agir como assistente social ao trabalhar com crianças necessitadas que vão à escola em busca de alimento. Existem outras situações que exigem do docente muitas vezes agir como nutricionista, enfermeiro, dentre outras atividades. Quanto mais atividades exigidas do professor, maior é a carga horária e o empenho físico, mental ou emocional, tudo isso contribui para maior intensificação do trabalho docente. As más condições acarreta a intensificação do trabalho, as quais podem atingir a subjetividade docente, levando–o ao estresse, ao desânimo, a apatia profissional e algumas vezes a desistir da própria profissão. O artigo “Adeus, docência” publicado pela Revista Educação aborda os motivos pelos quais muitos professores desistem da profissão: baixos salários, insatisfação no trabalho e desprestígio profissional. Professores da rede pública têm exonerado do seu cargo em busca de outra profissão. No que se refere ao professor de instituições de ensino privadas, enquanto profissional que proporciona aprendizagem e exerce seu papel como um mediador no processo ensino–aprendizagem, torna–se um funcionário nessa instituição de ensino. E como tal, vai sendo submetido às normas e condições de trabalho impostas pela empresa (instituição de ensino na qual está inserido), e assim, suas características são definidas novamente.


29 O docente de uma Instituição de Ensino Privada acaba se tornando alienado ao processo organizacional da instituição, pois, vive sob mecanismos de controle. E a cada ano a situação piora, pois, o profissional acaba aceitando as condições de trabalho impostas pela organização por causa da necessidade do trabalho para a sua sobrevivência. As dificuldades vivenciadas por esse profissional em seu cotidiano escolar afetam todo o processo de educação, causando graves consequências na relação entre o docente e a instituição. Esses impactos estão relacionados à situação em que o docente se submete às mais variadas condições de seu trabalho para a manutenção do mesmo. Dessa maneira, o professor acaba vivenciando situações de insatisfação em seu cotidiano escolar. As consequências dessa inserção da instituição escolar no contexto capitalista afetam a vida do ser humano e são presenciadas mediante incertezas existentes no mercado de trabalho e no contexto educacional, de modo que são vivenciadas nas condições de trabalho do professor em seu dia a dia escolar que se torna um trabalhador produtivo aceitando as condições impostas ao seu trabalho. No capitalismo, só é produtivo o trabalhador que produz mais valia para o capitalista, servindo assim a auto–expansão do capital. Utilizando um exemplo fora da esfera da produção material: um mestre–escola é um trabalhador produtivo quando trabalha não só para desenvolver a mente das crianças, mas também para enriquecer o dono da escola. Que este invista seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa de fazer salsicha, em nada modifica a situação. (MARX, 1992, p. 84).

É importante destacar que o docente ao se submeter à esfera de intensificação do trabalho, sujeitando sua subjetividade às condições de trabalho na instituição que se encontra, sob a égide do controle do capital, pode adquirir um cansaço trazendo consequências na saúde. Assunção e Oliveira (2009, p. 361) afirmam que essas situações de sobreposição, ou seja, de intensificação, são capazes de “ex-


30 plicar o cansaço físico, vocal e mental do docente” que vivenciado constantemente pode levar ao adoecimento. Em decorrência disso, é necessário discutir e buscar melhorias no que se refere às condições de trabalho do professor, pois, ainda existe omissão nesse contexto. Para que haja uma boa qualidade no trabalho, faz–se necessário também proporcionar ao trabalhador boas condições para executar suas atividades. Há muita exigência na qualidade do produto, mas a circunstância restringe e limita o desenvolvimento de um trabalho de boa qualidade. O professor precisa ter apoio diante dos problemas que surgem no decorrer da realização da sua atividade, precisa ter reconhecimento quanto à sua autonomia, quanto ao fator financeiro, à sua carreira e à sua identidade profissional, e para que o trabalho docente se torne satisfatório, é necessário que o docente se sinta valorizado e que sua atividade seja realizada em boas condições de trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo consideramos que o trabalho deve ser um fator de socialização e benefício para a vida humana, propiciando realização para o homem no sentido de se alcançar o objetivo final. E que atualmente, há constantes transformações ocorrendo, relacionadas à globalização e à reestruturação produtiva inerente ao capitalismo, e é neste contexto que se encontra o processo educacional. Processo que deveria desenvolver o homem no sentido da humanização, da moral, dos valores que envolvam princípios norteadores que proporcionem o crescimento pessoal e social, apropriação da cultura e preparação para o exercício do trabalho. No entanto, a educação tem se desenvolvido como veículo para disseminação do capitalismo. As instituições de ensino são parte desse contexto e acabam aderindo a essas características sociais sob influência do capitalismo no contexto político e econômico que se encontram inseridas. Assim, acabam exigindo dos docentes características inerentes ao contexto trabalhista o que leva a intensificação do trabalho e


31 más condições vivenciadas por esse profissional no cotidiano escolar. O docente vivencia dificuldades através de um processo organizacional que cobra um alto nível de responsabilidade na realização das atividades, e que também exige um elevado desempenho profissional. Essas atividades sobrecarregam o trabalho docente. Por fim, diante do exposto, fica evidente que desenvolver um contexto educacional relacionado ao mundo do trabalho com qualidade, não é uma tarefa simples, mas sim, muito complexa, diante da realidade, sofrida e sem apoio. Um processo de mudanças na educação não é simples, pois é longo, doloroso, marcado por conflitos e antagonismos sociais, sendo que requer muita determinação e dedicação de todos os envolvidos. É, portanto, inquestionável que o professor precisa ter apoio diante dos problemas que surgem no decorrer da realização da sua atividade, é necessário que a instituição escolar (sujeitos envolvidos na educação) compreenda a importância do professor, ou seja, valorize o seu papel na vida escolar e social. REFERÊNCIAS ASSUNÇÃO, A. da Ávila; OLIVEIRA, Dalila Andrade. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação e Sociedade, Campinas, SP, v. 30, n. 107, maio/ago. 2009. p. 349–372. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101– 73302009000200003>. Acesso em: 10 set. 2014. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. CORSINI, Rodnei. Adeus, docência. Revista Educação – Por que os professores desistem e como a evasão docente está ajudando a agravar a crise da educação brasileira, Editora Segmento: São Paulo/SP, nº 195, Ano 17, p. 40–48, julho. 2013.


32 FRIGOTTO, Gaudêncio. A Produtividade da Escola Improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico– social capitalista. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2010. FULLAN, Michael; HARGREAVES, Andy. A escola como organização aprendente: buscando uma educação de qualidade. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. MARX, K. O Capital: crítica da economia política: vol. 1. Livro 1. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 247, 397. ________. O Capital: crítica da economia política. vol. 1. Livro 4. São Paulo: Bertrand, 1996. p. 384 – 406. MARX, K.; ENGELS, F. Textos sobre educação e ensino. São Paulo: Moraes, 1992. p. 19, 84. OLIVEIRA, Dalila Andrade et al. Transformações na organização do processo de trabalho docente e o sofrimento do professor. 2003. p. 1–15. Disponível em: <http://www.redeestrado.org/web/archivos/publicaciones/10.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2014. PEDROSO, Sandra G. Trabalho e Educação: as estratégias de controle e precarização do trabalho docente nas instituições de ensino privadas a partir do ano 2000. 2015. 96 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós–Graduação em Educação, Universidade de Uberlândia, Uberlândia. 2015. ROCHA, Maria da Consolação. Educação regular. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana Maria Cancella; VIEIRA, Lívia Fraga. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG, Faculdade de Educação, 2010. 1 CD–ROM. TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.


33

TRABALHO E EDUCAÇÃO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA: A CLASSE DOMINANTE USUFRUINDO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA EM DETRIMENTO DA CLASSE DOMINADA1 Gilberto José de Melo INTRODUÇÃO O presente artigo faz uma análise sobre o trabalho a partir do pensamento marxista, buscando demonstrar a relação direta entre o trabalho do professor com a maneira ortodoxa de compreendermos a ação do homem sobre a natureza transformando–a e caracterizando–se assim a realização de trabalho material intrinsecamente ligado a uma produção de bens para a garantia da vida humana. O trabalhador docente se transforma em uma mercadoria, mas dentro de sua práxis pode interferir no reprodutivismo reinante na sociedade a partir dos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE); sendo a escola, seu espaço de trabalho, o mais importante AIE. O objetivo é contribuir com um ascenso dos jovens trabalhadores à educação formal. O professor, como qualquer outro trabalhador, vende sua força de trabalho e, consequentemente a si próprio, para o capitalista usufruir dela em seu benefício. Sendo assim, ele, enquanto mercadoria, pode interferir na formação de seus alunos. Contudo, ainda não está claro que possa haver a possibilidade dessa teoria ser realmente colocada em prática, de que possa decisivamente direcionar a formação do jovem trabalhador para a internalização, não da ideologia do-

Ensaio apresentado ao Programa de Pós–Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para aprovação na disciplina Educação e Transformação Social: Educação e Culturas populares. 1


34 minante, mas da noção de transformação socioeconômica que poderá adquirir e realizar. Sendo assim, esse artigo tem como objeto de trabalho a compreensão de que o trabalhador docente, __ mesmo sofrendo com a reprodução ideológica, social e de produção do modo de produção capitalista__ pode, unindo teoria e prática, contribuir, mas não ser definitivo na formação revolucionária dos jovens trabalhadores. Para isso buscamos informações em textos já muito conhecidos para subsidiarmos este trabalho. Encontramos em Louis Althusser, 1999; István Mészáros, 2005; Karl Marx, 2013; Karl Marx e Friedrich Engels, 2005, a base fundamental para essa discussão. Busca–se assim realizar uma pesquisa para que breves análises sobre esse tema possam ser feitas e que sirvam, então, de subsídios para futuros trabalhos que poderão ter um aprofundamento bem maior, possibilitando um maior entendimento sobre como o professor, mesmo sendo uma gente da reprodução, pode também ser um agente revolucionário junto aos jovens trabalhadores. Este artigo é qualitativo e baseou–se em uma pesquisa bibliográfica. Esta, por sua vez, permitiu o levantamento de estudos importantes já realizados sobre o presente tema e garantiu novas leituras para outros artigos. O TRABALHO DOCENTE COMO MERCADORIA O trabalho é uma atividade humana por meio da qual o homem, sistemática e reflexivamente, modifica a realidade material e imaterial em que vive. Esta ação modifica a natureza e o humano, realizando criações materiais e imateriais. É por meio do trabalho que o homem se realiza enquanto ser. De acordo com Marx (2013), o trabalho possui um duplo caráter representado nas mercadorias em seus valores de uso e de troca. E, se o trabalho passou a ter valor de uso, ele próprio é uma mercadoria. Sendo o homem o responsável por seu trabalho e se colocando à disposição de outrem ele também se tornou uma mercadoria. A esse respeito Marx afirmou:


35 Para se tornar mercadoria, é preciso que o produto, por meio da troca, seja transferido a outrem, a quem vai servir como valor de uso. Por último, nenhuma coisa pode ser valor sem ser objeto de uso. Se ela é inútil, também o é o trabalho nela contido, não conta como trabalho e não cria, por isso, nenhum valor. (MARX, livro I, 2013 P. 119)

Desta forma o trabalhador é uma mercadoria, pois sua força de trabalho, que é ele mesmo __ como bem apresenta Althusser ao afirmar que o indivíduo só têm os seus braços, quando não é o seu próprio corpo, para vender (Althusser 1999) __ possui valor de uso e valor de troca. O trabalhador se troca por um determinado momento e por uma determinada quantidade de dinheiro que também é uma mercadoria que, por sua vez, também possui valor de troca. Por trabalho e, consequentemente, produção material do homem, entendemos a modificação da natureza e apropriação da mesma para a criação de objetos úteis ao homem, como por exemplo, quando ele realiza um desmatamento para, em seguida, utilizar a madeira e transformá–la em móveis e, a terra que dava lugar à floresta agora lhe sirva para a agricultura. A produção imaterial diz respeito ao que nos atende no prazer intelectual e imaginário. Da mesma madeira retirada da floresta __ usada no exemplo anterior __ pode ser feito um instrumento musical que proporcionará a criação de uma música que nos atenderá pelo prazer do som emitido por tal instrumento. Com isso percebemos como a natureza pode ser modificada pela atividade do trabalho humano e como este produz bens materiais e imateriais. Se o trabalho é uma mercadoria por ser utilizado na produção de bens imateriais como a música e a dança, entre outros, e é também uma mercadoria por ter valor de troca, o trabalho docente, então, por oferecer um produto imaterial que é o conhecimento, também é uma mercadoria. Marx assim se referiu à mercadoria: A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer. A natureza dessas necessidades –


36 se, por exemplo, ela provêm do estômago ou da imaginação – não altera em nada a questão. Tampouco se trata aqui de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência, [Lebensmittel], isto é, como objeto de fruição, ou indiretamente, como meio de produção. (MARX, Livro I, 2013 P. 113)

Neste sentido, o homem, por oferecer seu trabalho de transmissão de conhecimento e ou informação, e por ter se comprometido a estar em um determinado lugar – geralmente em uma escola, mas não necessariamente – por um determinado tempo, para que, como mercadoria seja usufruído por outras pessoas, foi transformado em coisa, em objeto, em mercadoria. Em suma: o trabalhador docente é uma mercadoria que como tal está à disposição de seus compradores para que possam fazer valer seu direito de usarem a mercadoria que adquiram. A esse respeito Marx esclarece que: A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de trabalho a consome fazendo com que seu vendedor trabalhe. Desse modo, este último se torna actu [em ato] aquilo que antes ele era apenas potentia [em potência], a saber, força de trabalho em ação, trabalhador. Para incorporar seu trabalho em mercadorias, ele tem de incorporá–lo, antes de mais nada, em valores de uso, isto é, em coisas que sirvam à satisfação de necessidades de algum tipo. (MARX, Livro I, 2013 P. 255)

O professor, então, produz um bem imaterial que, no caso, é a educação, uma vez que interfere diretamente na vida dos estudantes oferecendo–lhes conhecimentos e informações, ora vendidas, que estes usarão profissionalmente e socialmente em suas vidas. Sendo assim, o conhecimento e ou a informação, que são produtos do trabalho do professor, possuem valor de troca, uma vez que o professor, ao ministrar suas aulas possibilita ao estudante assimilar e ou construir seu conhecimento. Este conhecimento se torna possível a partir do momento que o trabalhador – professor vende sua força de trabalho e a si próprio,


37 como mercadoria, para uma escola, uma pessoa ou mesmo para o Estado, sendo esse último responsável pela educação pública. Este não receberá mais valia, mas explorará o trabalhador como qualquer instituição educacional privada, pois o professor será contratado por um número específico de horas de trabalho. O professor venderá sua força de trabalho, ou seja, ele mesmo, por um determinado tempo ao Estado, que usufruirá dele como mercadoria, para que atenda a seus anseios educacionais reprodutivistas que são os de transmitir a ideologia da classe dominante aos jovens estudantes e filhos de trabalhadores. Ideologia, esta, que se insere nas relações de produção e nas relações de troca a partir dos modos de produção, que no caso específico é o modo de produção capitalista. Diante dessa análise citamos Marx para bem entendê–la: “O produto – a propriedade do capitalista – é um valor de uso”. (MARX, Livro I, 2013 P. 263). No entanto, esse valor de uso torna–se um valor de troca ao ser adquirido e posteriormente podendo ser vendido novamente. Ou seja, o conhecimento e ou informação é adquirida por alguém que depois poderá repassá–la adiante recebendo algo em troca, e assim sucessivamente, dentro da lógica do mercado no modo de produção capitalista. Mas, como calcular o valor do trabalho do professor, se como afirmou Marx “o valor de toda mercadoria é determinada pela quantidade de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário a sua produção.”? (MARX, Livro I, 2013 P. 263–264). Buscamos na análise de que o trabalho improdutivo não gera valor, no entanto o trabalho do professor sendo imaterial pode ser transformado em trabalho material e uma vez que seu produto seja transformado em material ou mesmo que esse produto imaterial possa ser comercializado posteriormente por outra pessoa__ que seja também um professor __ que em determinado momento adquiriu o conhecimento e ou informação que era e continua sendo imaterial, no entanto com valor de uso e também valor de troca. Sendo assim será necessário realizar um cálculo sobre o trabalho ter se materializado ou mesmo se mantendo imaterial, mas podendo


38 ser comercializado. Portanto é possível calcular o valor de uso e de troca a partir do entendimento do tempo necessário para alguém assimilar o resultado do trabalho imaterial e também sua possível transformação em trabalho material. O MODO DE PRODUÇÃO E SUAS REPRODUÇÕES FORA E DENTRO DA ESCOLA O capitalismo, com seus respectivos governos, não se preocupam com o ser humano e sim com o mercado e com as benesses oriundas desse sistema que proporciona um tipo de Estado que atende aos anseios dos exploradores. Isso não foi diferente em modos de produção anteriores. O que os diferencia é o objetivo final que no capitalismo é a obtenção da mais valia2, __ independentemente se a mercadoria tem ou não utilidade social __ e, nos modos de produção que antecederam o modo de produção capitalista, era a obtenção de riquezas configuradas em bens materiais para seu bem viver à custa do trabalho de seus servos e ou escravos, mas que não poderia ser caracterizada como mais valia, pois o trabalho não se fundamentava nas relações de produção capitalistas por meio de salário. No que se refere ao pagamento de salário se faz necessário reiterar a caracterização e esclarecimento sobre a jornada de trabalho e a obtenção de mais valia. E, para isso, o presente texto se reporta Marx que assim escreveu em O Capital: Partimos do pressuposto de que a força de trabalho é comprada e vendida pelo seu valor, o qual, como o de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção. Se, portanto, a produção dos meios de subsistência médios diários do trabalhador requer 6 horas de trabalho, então ele tem de trabalhar 6 horas por dia para produzir

2

Um valor que foi criado a mais, que não é pago a quem criou. (GADOTTI, 1989, p.69)


39 diariamente sua força de trabalho ou para reproduzir o valor recebido em sua venda. (MARX, livro I, 2013 P. 305)

A formação social, que “é um conceito científico enquanto faz parte de um sistema teórico de conceitos, completamente estranho ao sistema de noções ideológicas ao qual se refere a noção idealista de “sociedade”.” (ALTHUSSER,1999, p. 42), fundamenta–se no modo de produção capitalista e tendo esse modo de produção como dominante, conduz a sociedade que também, de acordo com Althusser (1999, p.41), “está sobrecarregado de ressonâncias morais, religiosas, jurídicas, em suma, trata–se de uma noção ideológica que deve ser substituída por um conceito científico: o conceito de formação social”, construída a partir do Aparelho Repressor (AR) que de acordo com Althusser (1999), é o Estado e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) que, também de acordo com Althusser (1999), são instituições, como por exemplo, família, Igreja, partidos políticos, sindicatos entre outros e tendo o escolar como base para a alienação 3. E, como consequência disso, para a aceitação da superestrutura 4 e da infraestrutura5 vigente. Sendo assim, a formação social contemporânea se desenvolve e se organiza a partir e com a reprodução do modo de produção capitalista e suas relações sociais, de produção e ideológica. Para bem entender essa questão Althusser assim se referiu à formação social: Digamos simplesmente, para sermos compreendidos por todos e por cada um, que uma formação social designa toda “sociedade concreta” historicamente existente, e que é individualizada, portanto, distinta de suas contemporâneas e de seu próprio passado, pelo modo de produção que domina aí. (ALTHUSSER, 1999, p. 42) Separar–se (de si mesmo, do produto do seu trabalho), tornar–se estranho, viver passivamente, como objeto. 4 Que comporta em si mesma dois “níveis” ou “instâncias”: o jurídico–político (o Direito e o Estado) e o ideológico (as diferentes ideologias: religiosa, moral, jurídica, política, etc.). (ALTHUSSER, 1999, p. 79) 5 Base econômica (“unidade” das forças produtivas com as relações de produção). (ALTHUSSER, 1999, p. 79) 3


40 O modo de produção capitalista, que de acordo com Althusser (1999, p.45) “é uma maneira, uma forma de produzir… o quê? Os bens materiais indispensáveis para a existência material dos homens, mulheres e crianças, que vivem em determinada formação social,” está bem claramente inserido no trabalho do educador, uma vez que é a venda de sua força de trabalho que lhe garante a aquisição dos bens materiais indispensáveis pra sua sobrevivência. O professor, que é uma mercadoria, fica à disposição para realizar seu trabalho que é ministrar aulas reproduzindo tudo aquilo que é necessário para que o status quo6 se mantenha, ou seja, manter o modo de produção capitalista com todos os seus vieses e características predominantes para a realização da exploração da classe dominante e a manutenção da classe dominada como classe dominada. O professor não pode ser chamado de operário pelo fato de não produzir bens materiais, mas poderia ser entendido como produtor de operários ao ser um dos grandes, ou mesmo, talvez o mais importante reprodutor da ideologia dominante com o modo de produção capitalista à frente nessa reprodução. O professor, a partir de sua formação anterior e a que receberá por toda sua vida__ que é resultado da reprodução das relações de produção, sociais e ideológicas do capitalismo __ agora, enquanto professor, faz o mesmo que fizeram com ele, ou seja, se torna um agente reprodutor das relações ideológicas do capitalismo; contribuindo dessa maneira para a manutenção e até mesmo pela intensificação da exploração capitalista. Com isso o AIE–escolar se constitui como principal AIE reprodutor do modo de produção capitalista. Contudo, não podemos abandonar a principal tese da reprodução da força de trabalho, pois “Ela é garantida dando à força de trabalho o meio material de se reproduzir: o salário.” (ALTHUSSER, 1999, p. 73) Garantindo assim a reprodução da força de trabalho será mantida a obtenção da mais valia que é gerada pela força de trabalho vendida pelo homem da classe dominada aos capitalistas. ResUma expressão do latim que significa “estado atual”.

6


41 salta–se ainda que o objetivo último do capitalismo que é a produção da mais valia o impede de se preocupar com os homens e assim Althusser escreveu, fundamentado Marx: “o capitalismo é um modo de produção que tem como objetivo nº1 não a produção da mais valia e a produção do próprio capital.” (ALTHUSSER, 1999, P.56). Althusser (1999, p. 57), ainda ressalta que “No modo de produção capitalista, a produção dos objetos de utilidade social é inteiramente subordinada à “produção” da mais valia.” Também por isso o trabalho do professor é tão importante, pois com ele a reprodução ideológica estará garantida e novos operários serão formados para atenderem à demanda do capital. A partir desta lógica e a atuação dos professores, a classe dominante tem no AIE–escolar sua fração enquanto classe. Na escola existem diversas categorias. Mesmo que alguns queiram nomeá–las todos de educadores, isso não é verdade. Temos os professores, os trabalhadores de secretaria, os trabalhadores que executam a limpeza e os que preparam o alimento para todos os trabalhadores e para os alunos. A reprodução do modo de produção capitalista dentro da escola é clara e notória. Os educadores, propriamente ditos, exercem a função de classe dominante, enquanto os demais a de classe dominada. Um dos fatores para essa realidade dentro das escolas é justamente a formação acadêmica. A esse respeito Althusser escreveu: A divisão em classes sociais está, portanto, presente na divisão, organização e direção do processo de produção, pela distribuição dos postos em função da classe social (e da correspondente “formação” escolar mais ou menos “curta” ou longa) dos indivíduos que os ocupam. (ALTHUSSER, 1999, P.60)

Contudo a origem social dos trabalhadores na escola também é percebida nessa divisão social e de categorias dentro da escola. Mesmo que alguns, ou que todos os professores sejam oriundos da classe dominada, pelo fato de estarem na posição de professores, assumem o papel de dominantes em relação às demais categorias e ou funções da escola. E, isso, evidentemente é resultado do reproduti-


42 vismo a que foram submetidos durante toda a vida por meio dos mais variados AIE. E, “as relações de produção não são relações puramente técnicas, mas relações da exploração capitalista, inscritas como tais na vida concreta da produção inteira” (ALTHUSSER, 1999, P. 68). Althusser (1999, p. 68), disse ainda, se referindo a Marx: “A condição última da produção é, portanto, a reprodução das condições da produção.” E, especificamente, sobre o AIE–escolar, como reprodutor do modo de produção capitalista Althusser analisou: Mas, o que se aprende na escola? Todo mundo “sabe”: é possível prosseguir os estudos até um nível mais ou menos avançado, sendo que aprende–se, de qualquer modo, a ler, escrever e contar, portanto, algumas técnicas e ainda uma quantidade de outras coisas, inclusive determinados elementos (que podem ser rudimentares ou, ao contrário, aprofundados) de “cultura científica” ou “literária” diretamente utilizáveis nos diferentes postos da produção (uma instrução para os operários, outra para técnicos, uma terceira para os engenheiros, enfim, uma outra para os quadros superiores, etc.). Aprende–se, portanto, alguns “savoir–faire.” (ALTHUSSER, 1999, P.75)

O aluno trabalhador e ou filho de trabalhador está na escola para que possa se formar para bem atender a classe dominante, se enquadrando no modelo e processo de estruturação do modo de produção capitalista. A classe dominante precisa se manter dominante, mas para isso a classe dominada precisa continuar dominada. Assim o papel da escola é fundamental e de suma importância nesse contexto. Novamente Althusser analisa o papel da escola nessa questão oferecendo a seguinte análise: Mas o que todo mundo também “sabe”, isto é, o que ninguém quer saber, é que – ao mesmo tempo e junto com essas “técnicas” (leitura–escrita–cálculo)e esse “conhecimentos” (elementos de “cultura científica e literária”) que funcionam como determinados “savoir–faire” – aprendem–se na escola as “regras” das


43 boas maneiras, isto é, da conveniência que todo agente da divisão do trabalho deve observar, segundo o posto que lhe é “destinado”: regras de moral e consciência profissionais, o que significa dizer, de forma clara, regras de ordem estabelecida pela dominação de classe.também aprende–se aí a “falar corretamente a língua materna”, “redigir” bem, isto é, de fato (para os futuros capitalistas e seus servidores) “saber dar ordens, ou seja (solução ideal), “saber falar” aos operários para os intimidar ou iludir, em suma, para “enrolar”. É para isso que serve, entre outras coisas, o ensino “literário” no Secundário e Superior. (ALTHUSSER, 1999, P.75–76)

A reprodução das relações de produção, então, é garantida pela superestrutura que tem na escola seu maior AIE, que é garantido pelo AR que é o Estado. Percebe–se, assim, a importância da escola, bem como do professor, na manutenção e na reprodução do modo de produção capitalista. Os professores, conscientes ou não dessa realidade, são os principais atores desse processo reprodutivista. E, com relação a isso Althusser escreveu: Peço desculpas aos mestres–escola que, em condições impossíveis, até mesmo terríveis, tentam voltar contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas nas quais estão confinados, as armas científicas e políticas que chegam a encontrar na história e no saber que “ensinam”. São uma espécie de heróis. Mas são bastante raros e muitos (a imensa maioria!) nem chegam a ter um começo de suspeita do “trabalho” que o sistema (que os supera e esmaga) os obriga a fazer ou, o que é pior, empenham–se com todo o entusiasmo e engenhosidade (os famosos novos métodos!) em executá–lo com o maior rigor, por exemplo, nas classes “piloto” do Maternal, do ensino primário, secundário e técnico. (ALTHUSSER, 1999, P.169–170)

Sendo assim, o professor que trabalha bem, entusiasmado e aflito por contribuir com seus alunos, está, na verdade __ por meio da manipulação e alienação que sofre e vive__ contribuindo mesmo é com a manutenção e até mesmo intensificação da exploração capitalista sobre os trabalhadores.


44 AS CLASSES DOMINANTE E DOMINADA E SUAS RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO PÚBLICA A educação pública, tanto básica quanto superior, está, no sistema capitalista, indubitavelmente a serviço da classe dominante. Mesmo apresentando suas contradições, como por exemplo, os filhos de pais trabalhadores e jovens trabalhadores estudam em escolas públicas de educação básica, e, os filhos de pais que compõem a classe dominante estudam em escolas de educação básica privadas, uma vez que estas existem, na atualidade, com o objetivo de “educar” os jovens para fazerem provas de processos seletivos das universidades públicas; que seja o ENEM ou o vestibular. Essa realidade concreta se inverte quando da análise dos estudantes que estão matriculados nas universidades. As universidades públicas têm a maioria de seus alunos oriundos da educação básica privada. Nas universidades privadas, o número de alunos provenientes da escola pública de educação básica é maior do que os que estudaram nas escolas de educação básica particular. Esta realidade faz parte da estruturação de nossa sociedade e pouco ou quase nada pode ser feito para sua transformação em favor da classe dominada. Referindo–se a essa realidade, Mészáros fez o seguinte comentário: Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Consequentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança. (MÉSZÁROS, 2005, P.25)

Isso ocorre, evidentemente, pelo fato já mencionado anteriormente, de que as escolas particulares estão voltadas para formar seus alunos para enfrentarem processos seletivos conteudistas e que para isso utilizam os mais variados treinamentos, como por exemplo, a aplicação de simulados das provas que realizarão nesses processos seletivos, além de oferecerem mais aulas regulares e também


45 plantões7 de algumas disciplinas, como a redação que tem grande valor em nota nos processos de seleção. Nas escolas públicas de educação básica, os professores ficam limitados a ministrarem suas aulas, sem a possibilidade de ampliarem, por meio de aulas extras e extraturnos, as condições de competitividade de seus alunos nos referidos processos seletivos para o ingresso nas universidades. O professor não pode, oficialmente, realizar tais plantões extraturnos como os que são feitos nas escolas privadas. Caso os fizer, poderá ser punido pelo Estado por estarem exercendo a profissão em espaço público sem autorização, uma vez que a legislação8 não prevê essa prática devido à relação entre a jornada de trabalho e o salário recebido. Sendo assim, ele não tem o amparo legal em aulas ministradas além das previstas no contrato. Ou seja, caso o professor dê mais aulas do que as contratadas não terá o amparo do Estado, podendo até ser culpabilizado caso aconteçam quaisquer coisas que venham a afetar a integridade física e ou psíquica tanto dele, professor, quanto dos alunos. Percebe–se, então, claramente que mesmo que alguns professores estejam bem–intencionados, desejando contribuir com seus alunos das escolas públicas de educação básica para que estes alcancem o nível superior de educação; pouco podem fazer. Diante dessa realidade, a análise bem mais complexa feita por Mészáros pode ser relacionada para melhor se entender esse tema: Não surpreende, portanto, que mesmo as mais nobres utopias educacionais, anteriormente formuladas do ponto de vista do capital, tivessem de permanecer estritamente dentro dos limites da perpetuação do domínio do capital como modo de reprodução social metabólica. Os interesses objetivos de classe tinham de prevalecer mesmo quando os subjetivamente bem– 7

Aulas extraturno ministradas por professore para atenderem às demandas de dúvidas dos alunos em suas referidas disciplinas 8 § 1o O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.


46 intencionados autores dessas utopias e discursos críticos observavam claramente e criticavam as manifestações desumanas dos interesses materiais dominantes. (MÉSZÁROS, 2005, P.26)

Diante disso quase não se encontra docentes que se disponham a realizar tais aulas (plantões) com o objetivo de contribuírem com seus alunos na assimilação de conteúdos para competirem nos processos seletivos, com certa igualdade, com os estudantes oriundos das escolas de educação básica privada. Para que essas aulas extraturnos aconteçam é necessário que a escola elabore um projeto e, então, o envie para a Secretaria de Estado de Educação (SEE) e ou Ministério da Educação e Cultura (MEC) para que seja analisado e, posteriormente, possivelmente, aprovado para que seja colocado em prática. Contudo a burocracia inviabiliza a tentativa de organização desse tipo de atividade por parte das escolas, pois as mesmas não podem parar com as atividades diárias para investirem tempo em projetos cuja aprovação demanda tempo __e nem se sabe se serão acatados ou não __ pelo fato da existência do excesso de burocracia. Mas isso não é assim por acaso. Existe um motivo por trás dessa situação de dificultar o que muitos educadores gostariam de fazer para bem contribuir com a aprendizagem de seus alunos. Ou seja, a classe dominante não pode sofrer nenhum tipo de ameaça a seu domínio político, social e econômico. A classe dominada precisa continuar dominada. Relacionado a isso Mészáros escreveu: A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas. (MÉSZÁROS, 2005, P.35)


47 Mas é bom ressaltarmos que outras atividades podem ser realizadas e, a bem da verdade, muitas já são implementadas no próprio turno. Mesmo que limitadas, elas poderão contribuir com os alunos pertencentes à classe dominada que, de alguma forma, poderão participar dos processos seletivos com maiores condições de competição. Entretanto essas atividades são isoladas e partem da iniciativa dos próprios professores. São atividades como realizar, em seus horários, simulados do ENEM e de vestibulares, complementados com debates sobre temas importantes para esses processos seletivos e para própria formação humanística e revolucionária de seus alunos. É necessário ficar claro que a disputa por vagas nas universidades públicas não é a solução para a transformação social. Esta precisa ser travada no campo político e ideológico. Necessita–se de um acirramento da luta de classes para que haja a possibilidade de reconstrução da sociedade fundamentada na igualdade. Sendo assim Mészáros esclarece: Nessa perspectiva, fica bastante claro que a educação formal não é a força ideologicamente primária que consolida a sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só, fornecer uma alternativa emancipadora radical. Uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados. (MÉSZÁROS, 2005, P.45)

A ocupação de uma vaga por um trabalhador e ou filho de trabalhador na universidade pública não pode ser considerada como um fim em si mesmo, mas, sim como uma ferramenta para que a classe trabalhadora tenha mais subsídios para a luta contra a exploração do capital. O estudante da classe dominada muitas vezes se perde em meio aos deslumbres da classe dominante frequentadora das universidades. Contudo, mesmo com essa possível mudança de atitude, ele precisa lutar contra essa tentação e persistir em sua luta pela trans-


48 formação social, mesmo estando, momentaneamente, se beneficiando do que a classe dominante em sua maioria se beneficia. Sua estada nessa situação de privilegiado é para contribuir com seus pares na luta de classes, uma vez que a educação é reprodutivista, sendo, então, um processo e não um produto revolucionário. A educação é uma consequência do modo de produção e não o contrário. A educação precisa ser utilizada pela classe dominada para que as transformações revolucionárias ocorram e a esse respeito Mészáros escreveu: Mas para tornar essa verdade algo óbvio, como deveria ser, temos de reivindicar uma educação plena para toda a vida, para que seja possível colocar em perspectiva a sua parte formal, a fim de instituir, também aí, uma reforma radical. Isso não pode ser feito sem desafiar as formas atualmente dominantes de internalização, fortemente consolidadas a favor do capital pelo próprio sistema educacional formal. (MÉSZÁROS, 2005, P.55)

Percebe–se, assim, que os jovens estudantes pertencentes à classe dominante estão sendo preparados para estudarem nas universidades públicas __ que são notoriamente superiores, academicamente, à maioria das universidades privadas__ enquanto os jovens filhos de trabalhadores e trabalhadores estão sendo preparados para serem operários e se perpetuarem na classe dominada como seus pais, ou no máximo, cursarem uma universidade privada. Althusser assim esclareceu sobre isso: A imensa maioria dos operários são operários por toda a vida. O inverso é ainda mais verídico: nunca um engenheiro ou quadro superior chegará a “cair” na condição operária, salvo (limite raríssimo e mesmo assim!) nos casos de crises econômicas catastróficas. Uma linha impiedosa de demarcação de classe separa efetivamente duas categorias de homens: a divisão “técnica” do trabalho é muito simplesmente a máscara do “parqueamento” de uns na condição operária e a possibilidade para os outros, seja de postos elevados imediatamente atri-


49 buídos, seja de “carreira” bastante ou (muito) amplamente abertas. (ALTHUSSER, 1999, P.61)

Nota–se, então, o processo reprodutivista na educação que está formando os filhos da classe dominante para ocuparem o lugar de seus pais no poder econômico e consequentemente político. Esta realidade concreta mostra, ainda, e de maneira bem clara, que os filhos dos trabalhadores e os jovens trabalhadores continuarão pertencentes, em sua extrema maioria, como membros da classe dominada. O modo de produção reproduz sua ideologia, suas relações de produção e social. Com isso o papel da educação é manter a infraestrutura e a superestrutura funcionando, no caso atual, para manter o status quo9 do capitalismo, manter a existência, com os mesmos integrantes da classe dominante e dominada. Ocorrendo as reproduções mencionadas, elas atuam também nas escolas e os jovens estudantes internalizam o que é repassado, especificamente, o que corresponde à atuação do poder para a sua referida classe social. Além disso, a formação é voltada para mantê– lo em suas classes sociais. Contudo, se “A história de toda sociedade até nossos dias é história a luta de classes” (MARX, 2005, P. 23), então podemos e devemos agir sobre essa realidade e transformá–la. Mészáros, então escreveu: Necessitamos, então, urgentemente, de uma atividade de “contra–internalização”, coerente e sustentada, que não se esgote na negação – não importando quão necessário isso seja como uma fase nesse empreendimento – e que defina seus objetivos fundamentais, como a criação de uma alternativa abrangente concretamente sustentável ao que já existe. (MÉSZÁROS, 2005, P.56)

Entretanto, enquanto isso não acontece, o professor, mesmo que não conivente com esta situação, não tem condições de modificar a estrutura escolar para que a realidade se transforme, pois as escolas foram construídas para o objetivo, de acordo com o modo de 9

Expressão latina que significa "no mesmo estado que antes" ou "o estado atual das coisas".


50 produção capitalista, de a educação ser dualista, e assim, contraditória; pois a educação pública básica é para a classe dominada, enquanto a educação pública superior é para a classe dominante. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a análise realizada e apresentada nesse artigo, concluímos que o trabalho humano, independente se seu produto é material ou imaterial, é responsável pela manutenção da vida no processo de construção social, econômica, política e cultural fundamentada no materialismo histórico dialético. O trabalhador é explorado pelo capitalista independente da categoria que componha. O professor, que foi ator desse trabalho, se vê explorado, mas, se perceber a tempo de agir, poderá ser ator também no processo de transformação da sociedade, uma vez que ele está presente no mais importante Aparelho Ideológico de Estado que é a escola. Mesmo reproduzindo a ideologia dominante e, evidentemente, o modo de produção capitalista, o professor pode ser de suma importância na formação de jovens que lutarão pela transformação almejada pelos que não se alienam na sociedade capitalista. É importante que mais estudos sobre esse tema sejam realizados para descobrirmos se a ação do professor realmente pode ser útil e efetiva na sociedade, pois mesmo concluindo que o professor pode e tem condições de interferir no processo histórico como agente transformador, ainda são poucos os que aparentemente agem conscientemente para essa transformação. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. GADOTTI, Moacir. Transformar o Mundo. São Paulo: FTD, 1989.


51 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Porto Alegre, RS: L&PM, 2001. 132p. MARX, Karl. O Capital: crítica à economia política Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. MÉSZÁROS, István. A Educação Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo. 2005. 77 p.



53

RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO: SEUS DESDOBRAMENTOS E PERSPECTIVAS Leoclécio Dobrovoski Silva Pereira TRABALHO E EDUCAÇÃO: CONDICIONAMENTOS Marx compreende a realidade a partir dos modos de produção capitalista, pela relação histórica e econômica, psicológica e política onde o homem se constrói pelo trabalho, pelo modo de produção da vida material e se desvencilha das formas de compreensão idealistas e empiricistas da realidade, onde ela é uma determinação da consciência ou uma pura realidade. Para Marx, a dialética consiste na compreensão do movimento da história e das formas pelas quais o homem se organiza nela, tendo como produto o entendimento de que está–se diante e entre fatores que não são um fim em si mesmos, mas em constante construção, seja pela sua manutenção ou pela transformação a partir da ação do homem ou do meio que o envolve. De acordo com Gadotti (1990), com Hegel a dialética retorna como tema filosófico e como proposta filosófica para o conhecimento. Na sua perspectiva, as múltiplas determinações da realidade são construções postas no plano da abstração, de modo que a razão assume a perspectiva de controle e ordenamento da realidade, onde a realidade é a concretização do pensamento, é o seu produto. Os opostos, realidade ideal e realidade real, têm na sua relação o controle pela ideia e a subsunção do real torna–se natural no processo binário. Assim, para Hegel, a contradição e oposição são o motor do pensamento e a história é a realização de pensamentos idealmente concebidos. De Hegel, Marx extrai sua base epistemológica da dialética. Ela lhe serviu de fundamento, em contrapartida, refutou–a tempes-


54 tuosamente na sua estrutura e forma de conceber o mundo, que se dava a partir de uma ideia central, totalizante da sociedade. Marx considerou o homem real, histórico, na imanência dos fatos, nas contradições de suas relações e na forma que o ser social é e se constrói. Para o pensamento marxista, importa descobrir as leis dos fenômenos de cuja investigação se ocupa; o que importa é captar, detalhadamente, as articulações dos problemas em estudo, analisar as evoluções, rastrear as conexões sobre os fenômenos que os envolvem. (PIRES, 1997, p. 85)

O materialismo histórico dialético tem como instrumento de desmistificação do aparente o movimento do pensamento, que consiste em partir do real concreto na direção da identificação de quais regras regem a organização do real, demonstrando sua estrutura alinhavada sob a perspectiva de uma maquinaria social, criada para o controle da sociedade e na sua domesticação. “Parte–se do empírico, passa–se pelo abstrato e chega–se no concreto”. (PIRES, 1997, p. 86) Neste ínterim, a relação que a autora faz da dialética marxista com a educação visa a constatação de que a educação não se dá num processo desprovido de parcialidade, que a sua organização prática é carregada de ideologia, onde a concretização do ato educativo se transforma em recurso de manipulação. Como a educação é um processo obrigatório na sociedade, urge identificar no plano do concreto, quais são as estruturas que norteiam abstratamente a prática educativa na forma que ela se encontra (empírica). Marx (1979) concebe a sociedade como um todo, na qual o ser social é determinado pela estrutura que o cerca, de modo que sua consciência e sua forma de ser no mundo é condicionada pela externalidade. Como o ser social não é consciente de si, torna–se massa de manobra nas mãos de mentes manipuladoras que criam uma sociedade de benefícios a uns poucos. Ontologicamente, o trabalho é a ação pelo qual o homem transforma o meio e a si mesmo como forma de garantir sua existência e a ordem do espaço que o cerca, proporcionando a condição de,


55 na relação com a natureza, adquirir o necessário para sua subsistência. Nestes termos, o trabalho é uma condição vital para o ser humano, recurso inalienável e próprio da sua espécie como forma de transformação da natureza para a sobrevivência de forma planejada. Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar–se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. (MARX, 1996, p. 297)

As relações capitalistas de trabalho caracterizam o ápice da subsunção do trabalhador ao capital, pois de um processo que envolve manipulação da educação ou o seu cerceamento, o capitalismo maximiza sua carga sobre o trabalhador que se encontra desprovido de alternativas, transformando as relações de trabalho em duas direções prejudiciais aos explorados: por um lado tira–lhe um atributo inerente à sua existência, o trabalho, através da produção dos exércitos de reserva e, por outro, mantém o trabalho, mas de forma alienada. De acordo com Kuenzer (2010), o trabalho ganha conotação negativa nas atividades dos homens, pois pelo processo de incorporação das habilidades humanas nas máquinas, ele passa a ser o elemento executor das atividades medidas em quantidade e tempo como apêndice dela, desumanizando o homem e o trabalho. O capital se apropria da tecnologia e o incorpora no seu ambiente de produção e passa a construir perfis de trabalhadores moldados para atender à dinâmica da superprodução, ditada pelo ritmo das máquinas, desenvolvendo processos parciais dentro do processo de produção, o que conduz o trabalhador à não se reconhecer no trabalho e a sua consequente alienação. Nas sociedades organizadas em torno do trabalho sob controle do capitalismo, o trabalhador, mesmo que resguardado juridi-


56 camente por direitos trabalhistas, é obrigado a vender sua força de trabalho ao capital como meio de garantir sua subsistência e acesso aos bens de produção e consumo, contribuindo por um lado com a produção em alta escala e, por outro, tornando–se também consumidor, seja dos recursos essenciais ou daqueles que lhe são introjetados através da manipulação do marketing mercadológico. Dessa forma, a emancipação humana não é efetivada por dois princípios básicos: o trabalho como alienação do homem e seu consequente não reconhecimento nele e a construção das consciências para o consumo, como garantia do valor de troca das mercadorias e a domesticação dos indivíduos em consumidores vorazes, sendo explorados objetivamente na sua produção e subjetivamente no seu consumo, conduzindo assim ao processo de “eliminar as condições de existir do homem”, subsumido pelo trabalho e no trabalho alienado. (FRIGOTTO, 2010, p. 86) A estrutura do trabalho, na relação capitalismo e proletariado, desumaniza as duas partes na efetivação da exploração. Por um lado o que exerce controle sobre o trabalho é alienado no sentido extrair do trabalho – exploração – algo que vai além da auto realização, no sentido de que ele não se realiza numa atividade ontologicamente benéfica e como meio de transformação da natureza para a sobrevivência e, na outra ponta, de modo servil, aquele que é obrigado a vender sua força de trabalho como único meio de subsistência. No que diz respeito ao aspecto da desumanização do trabalho no capitalismo, evidencia–se a necessidade de ressignificação deste mecanismo de produção de riquezas, controle social e exploração em duas vertentes: por um lado na dimensão do explorador e por outro na do explorado. Necessário se faz também considerar que, em hipótese alguma, o explorador fornecerá ao explorado as condições para o alcance da igualdade nas relações. Como o próprio Marx elucida, na relação das partes, a história se constrói na e pela luta de classes, onde o capital se reinventa e oprime sempre mais o trabalhador.


57 Doravante, ressalvado o ideal não num plano de idealismo, mas como concepção de realidade a ser construída na luta de classes, o aspecto educativo representa a condição pela qual o princípio desta mudança é alavancada, desde a educação escolar até a educação política, para a capacidade de formação da consciência crítica à capacidade de interpretar a realidade e mobilização para a mudança. Há que se considerar, no devir da história, o ranço enigmático até então imperante sobre a educação formal, no que diz respeito à educação de classes, como forma de controle velado, contudo o aspecto educativo, que envolve desde a conscientização até a mobilização e formação de nova concepção da realidade, apresenta–se como condição significativa, […] para que todos os homens, explorados e exploradores, possam alcançar uma condição de emancipação humana e de omnilateralidade, deve–se mudar radicalmente as relações sociais atuais de produção da vida. Quer dizer, a atividade laboral deve ser autorrealizadora, na qual a atividade vital do homem – o trabalho – seja efetivamente a objetivação das necessidades humanas. (PORTO, 2015, p. 4)

TRABALHO E EDUCAÇÃO COMO APARATOS DO CAPITAL E OUTRAS ALTERNATIVAS. Historicamente, a educação foi proposta em formas diferenciadas para a classe dominante e para a classe dominada, não diferente ocorreu com a revolução industrial, porém com um aspecto diferenciado. Com o advento das tecnologias, o próprio capital se viu obrigado a fornecer aos trabalhadores formação técnica que lhes permitissem operar as máquinas, aproximando–se muito da capacidade de conhecimento dos produtores ou inventores das tecnologias. Doravante, como forma de manter o controle, o capital passa a especializar o trabalhador por área ou setor, tornando–o executor parcial das operações e, com isso, mantém o controle sobre o trabalho.


58 O aspecto ainda mais nefasto que a industrialização provocou no trabalhador é que, de dominador integral de seu ofício e conhecedor do produto de seu trabalho, o proletariado passa a ser trabalhador parcelar, sendo explorado pelo ritmo de produção da máquina e ao mesmo tempo alienado, pois não se reconhece em seu trabalho. Nesta mesma direção, a escola controlada pelo Estado a serviço do capital, de maneira indireta e sucinta, continua a formar indivíduos, com exceções, a ocuparem lugares já definidos no mercado de trabalho, uns o trabalho intelectual e outros o trabalho manual. Contudo, na escola também está a possibilidade de superação do que se apresenta à sociedade como fato consolidado e inalterado, nos termos de Snyders: […] escola não é o feudo da classe dominante; ela é terreno de luta entre a classe dominante e a classe explorada; ela é o terreno em que se defrontam as forças do progresso e as forças conservadoras. O que lá se passa reflete a exploração e a luta contra a exploração. A escola é, simultaneamente, reprodução das estruturas existentes, correia de transmissão da ideologia oficial, domesticação – mas também ameaça à ordem estabelecida e possibilidade de libertação (SNYDERS, 2005, p. 102).

De acordo com Manacorda (2010); Lombardi (2011), não encontramos em Marx textos dedicados ao objeto educação, contudo em partes de suas obras faz apontamentos sobre o tema, com a perspectiva do ensino gratuito e público, com a indicação das características do ensino no aspecto intelectual, atividade física e fundamentos científicos de todos os processos de produção. Conforme Lombardi 2011, há a necessidade de domínio intelectual e compreensão científica dos processos, permitindo ao indivíduo o conhecimento e domínio daquilo que faz, envolvendo os princípios da produção, das técnicas e das tecnologias. Em outra dimensão, aponta que o trabalho não deve ser excluído da realidade das crianças, doravante não como nas formas da época, com a superexploração, mas de forma a permitir o contato e o conhecimento, pois


59 entendia que era nesta relação que seria possível as ideias inovadoras e nesta interação dar–se–ia uma educação revolucionária das classes trabalhadoras. Em uma sociedade racional, qualquer criança deve ser um trabalhador produtivo a partir dos nove anos, da mesma forma que um adulto em posse de todos os seus meios, não pode escapar da lei da natureza, segundo a qual aquele que quer comer tem de trabalhar, não só com o seu cérebro, mas também com suas mãos. (LOMBARDI, 2011, p. 83)

Assim, seria construída a educação que rompe com a separação trabalho intelectual e manual, proporcionaria educação pública e com a iniciação das crianças nas fábricas conhecendo todo o seu processo, viabilizaria o processo de superação da estrutura do trabalho. Ao mesmo tempo, a educação da classe trabalhadora é a objetivação do domínio sobre o saber dos trabalhadores. Dão–se lhes o estritamente necessário para a capacitação e manuseio das tecnologias, introduzindo–os ainda mais no processo de exploração e geração de mais valia, pois ao mesmo tempo que se produz mais, as tecnologias, através do trabalho morto, expurga para a classe dos sub–empregos e dos desempregados milhares de trabalhadores. Neste sentido, o conhecimento permitido das tecnologias não se trata de um benefício ao trabalhador, mas tão somente um aprimoramento na sua superexploração, com controle absoluto do tempo, da produção e da constante necessidade de aprimoramento do trabalhador aos recursos a serem operados. Se de certa forma a escola permite a emancipação do indivíduo e a sua participação com melhor qualidade nos meios de produção e ao acesso ao consumo, da mesma forma ela fornece para o capital o escalonamento de trabalhadores que ele precisa, pois em hipótese alguma formará indivíduos igualitários, seja na capacidade intelectual ou no acesso aos meios de produção e, ao mesmo tempo, forma competidores, sujeitos vorazes entre si e predadores do espaço do outro. Necessário se faz a questão: tal situação é condição humana ou trata–se da produção de indivíduos com estes caracteres?


60 Podemos distinguir o homem dos animais pela consciência, pela religião ou por qualquer coisa que se queira. Porém, o homem se diferencia propriamente dos animais a partir do momento em que começa a produzir seus meios de vida, passo este que se encontra condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material. (SAVIANI, 2007, p.3 apud Marx & Engels, 1974, p. 19, grifos do original).

Diante das definições generalistas sobre o homem ao longo da história, Marx o define pelo trabalho, meio pela qual constrói as condições de subsistência, transforma e adéqua a natureza às suas necessidades. Neste sentido, o trabalho é condição sem a qual o homem não sobrevive, pois depende de adaptar–se e adaptar o que está à sua volta como garantia de sua vida, num continuum intermitente às suas necessidades e garantias que extrai do meio. Saviani (2007) apresenta os fundamentos histórico–ontológicos da relação trabalho e educação na forma pela qual o homem passa a se constituir homem no processo histórico da humanidade, através da relação com a natureza e sua transformação para sobrevivência. Assim, o homem não nasce homem, ele torna–se homem, faz–se homem e produz o seu ser homem produzindo e transformando a natureza segundo suas necessidades. Ao mesmo tempo, este processo de ser, transformar–se, adaptar–se, requer todo um movimento de adaptação do próprio homem aos recursos, meios, condições e alternativas que a natureza lhe oferece, gerando com isso um processo de aprendizado, conhecimento e domínio dos recursos e técnicas necessárias para extrair os recursos mínimos necessários. Como este processo perpassou de geração em geração nas comunidades primitivas, ao mesmo tempo dizemos que o conhecimento e o domínio da natureza foram garantidos pela transmissão do saber, como um processo de educação. Nestes termos, as categorias trabalho e educação, em seus fundamentos, estão interligadas no processo histórico da relação homem, trabalho e educação.


61 Necessário se faz salientar que a relação trabalho e educação se identificam e interpenetram de forma que uma não é sem a outra enquanto condição básica do homem garantir sua sobrevivência de forma integral. Se o trabalho é o que define o homem, constata–se na realidade histórica que ao mesmo tempo em que ele lhe garante os meios para sobrevivência também pode ser, e é, seu jugo, na transformação que a categoria trabalho perpassa quando visto como possibilidade de controle do meio e transformação da natureza em mercadoria com valor de troca. Com a apropriação da propriedade privada por alguns, o processo de trabalho sofreu a transformação de recurso de o homem garantir e transformar a natureza para sua sobrevivência para a produção de bens, distintamente marcada pela separação de proprietários e não proprietários e, por condição, a educação também ganha novos caracteres, de saber transmitido de geração e geração à educação voltada a dimensão intelectual e para a educação manual. Com a cisão do trabalho, enquanto característica ontológica do homem, transforma–se também o processo de educação. Conforme Saviani (2006), é na cisão da educação em classes que forma–se a institucionalização da educação: Estamos, a partir desse momento, diante do processo de institucionalização da educação, correlato do processo de surgimento da sociedade de classes que, por sua vez, tem a ver com o processo de aprofundamento da divisão do trabalho” (SAVIANI, 2007, p. 4).

A escola passa a representar o local de educação da classe dominante, escola enquanto ócio, localidade das artes, cultura e formação intelectual, enquanto que a educação da classe dos não proprietários está associada ao processo de trabalho – dominado pela classe dominante – como ato de produção. Tal processo, já na Grécia antiga, representa a educação Paidéia e Duléia1, uma voltada para os homens livres e a outra para os Ao que segue o comentário de Saviani (2006) sobre os termos: “Jogo, aqui, com as duas palavras gregas e. A primeira significa educação enquanto inserção da criança 1


62 escravos, enquanto conformação à sua situação é intimamente associada ao processo de produção, seja pela falta de autonomia na produção ou pela lei do açoite quando da tentativa de não adequação ao que se impunha. Com o surgimento do capitalismo, as relações produção e troca são alteradas, se na sociedade feudal dava–se pelo consumo, no capitalismo a produção é o que determina o consumo e, com isso, a necessidade elevada de produção aprofunda ainda mais a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, transformando o trabalhador num apêndice da máquina, sendo–lhe tirado o domínio e saber integral de seu ofício à execução de determinada função ditada pelo ritmo que não o seu. O processo de educação sofreu a transição de educação no trabalho, já como forma de exploração, na educação para o trabalho, o que caracterizou a perda de autonomia do trabalhador na execução do ofício. Neste sentido, a escola passa a tornar os indivíduos partícipes, em parte, do processo de formação intelectual para operar as máquinas, dando–lhes condições mínimas para o exercício da função obtida pela qualificação. Esta participação mínima na qualificação permitiu por um lado à indústria elevar ainda mais a produção e por outro a conformação de que a escola prepara o sujeito e dá–lhe condições para participar da revolução no cenário do trabalho que também pode lhe ser positiva. Ao mesmo tempo, a escola também precisava preparar os indivíduos capazes de garantir a dinâmica de evolução dos meios de produção, com formação teórica que oferecia as bases para aperfeiçoamento constante das tecnologias, os chamados dirigentes. Assim, mais uma vez a escola representa o processo histórico de continuidade e ruptura nos meios de produção, continuidade no sentido de garantia do domínio das classes dominantes e ruptura enquanto forma de retirar do trabalhador o seu saber e empregá–lo nas máquinas. na cultura; a segunda, significando escravidão, remete à educação enquanto conformação do escravo à sua condição”. (SAVIANI, 2007, p. 5).


63 No que se refere ao contexto educacional brasileiro, Saviani (2007), inspirado nas reflexões de Gramsci, identifica o princípio da educação unitária em nosso sistema de ensino básico, pelo currículo que envolve as questões acerca de ciências naturais, ciências sociais, linguagens e matemática. Pelos componentes que fazem parte do ensino fundamental, propõe que a relação trabalho e educação se dá de forma indireta, através dos requisitos ler, escrever e contar, caracterizando formas de apropriar os indivíduos a perceberem o trabalho como realidade presente nos conhecimentos e na vida. No ensino médio, apresenta a concepção de que a escola deverá representar a relação direta entre trabalho e educação, passando para além do domínio teórico da estrutura da relação para a dimensão da experiência de como tal processo se concretiza na prática. Propõe que a educação escolar seja desenvolvida com recursos que permitam aos alunos a relação direta com os meios de produção, o conhecimento de seu processo e as múltiplas facetas que envolvem o processo, tornando–os conhecedores ad hoc. Importa destacar que sua proposta não significa uma especialização do sujeito na prática produtiva das múltiplas técnicos que envolvem os saberes matemáticos, químicos, físicos etc ou polivalentes, mas politécnicos 2, com domínio científico dos processos que envolvem a manipulação ou produção de determinados produtos. O autor alerta para que a proposta da escola politênica não seja confundida com a prática de educação profissionalizante com a qual se consiste no adestramento do indivíduo a determinado processo de produção sem o conhecimento das múltiplas facetas de tal processo. Trata–se da noção gramsciana de educação unitária, através da qual une–se todos os sujeitos numa base comum e igualitária, chegando ao final do ensino médio com a possibilidade da escolha pelo ensino superior universitário ou a adesão ao processo produtivo que melhor lhe aprouver. Para Saviani (2007), mesmo com as controvérsias acerca do termo e a concepção de trabalho tecnológico apresentado por Manacorda, dizem respeito à mesma questão: união entre escola e trabalho, instrução intelectual e trabalho produtivo. 2


64 Para Saviani (2007), o ato educativo tem no processo de subsunção ao capital a inerente capacidade de construção da humanização entre os indivíduos, num processo de apropriação e construção de elementos que garantam a identificação e desmistificação de mecanismos que hora se apresentam como realidades determinadas. Neste sentido, se com o movimento da precariedade da realidade os indivíduos conseguem chegar a constatação de que ela é uma construção, ao mesmo tempo tem as condições de construir a sua desconstrução, ou seja, se não se trata de uma realidade natural, e ainda, não faz parte da totalidade das relações e da espécie humana, evidentemente há fatores que os condicionam. Neste sentido, a educação como construção crítica do saber e da tomada de consciência da realidade conduz o indivíduo a identificar a realidade como uma construção objetivada e a sua problematização, identificando as contradições e as possibilidades de sua superação através de instrumentos primeiramente de aparato socialmente construído pela tradição, ou seja, na investigação e apropriação do saber, passando de um pragmatismo à construção de um projeto estruturado com base na autonomia e humanização dos sujeitos, para a construção da realidade sob outros pressupostos, que superem aqueles que pareciam determinados e determinantes. Neste sentido, em A educação para além do capital Mészáros (2005) denuncia a concepção de educação como mecanismo sociometabólico3 do capital na reificação do ser social, na produção de seres desconexos da sua relação com o trabalho na perspectiva ontológica. Assim, o trabalho e a educação que são atributos intrínsecos da existência humana tornam–se os fatores pelos quais os indivíduos são condicionados a serem objetos ou mecanismos de objetivos secundários, aqueles de interesse dos que detêm os meios de produção. Para Mészáros (2005), a educação historicamente é utilizada como recurso das classes dominantes para fins de manutenção da Que se refere ao aparato/metabolismo de domínio do capital sobre as demais estruturas da sociedade, não permitindo outra opção declarada para a organização do meio. 3


65 estrutura do capital. Suas ações, desde a formação de força de trabalho até a absorção delas, estão permeadas do controle sobre as classes trabalhadoras, seja pelo condicionamento do que fazer e do consumo até a formação das consciências alienadas. Esta se concretiza pelo motivo de que a educação é a ferramenta da projeção do homem no processo de transformação da natureza. O capital entendeu perfeitamente a similitude da relação e a adulterou para o direcionamento de uns sobre os outros, nas práticas milenares entre o servo e seu senhor, o senhor feudal e seus escravos, entre patrão e empregados, entre o empreendedor e os colaboradores numa relação de dominação sociometabólica representada pelos ideais mais nobres de formação dos sujeitos, doravante alinhavada aos limites circunscritos pelo capitalismo, com aparato de legalidade legitimada pela ideologia dominante. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das essências definidoras do homem, apresentadas ao longo da história da filosofia, Marx compreende–o nas relações de produção e identifica–o no e pelo trabalho como ser que se diferencia dos demais animais. Pelo trabalho transforma o meio e a si mesmo e, nesta relação, constrói as condições de possibilidades de sua existência, diferenciando–se dos animais que também trabalham, mas numa dimensão do instinto, tendo na execução de seus atos o desenvolvimento de ações pré–concebidas. A propriedade privada ensejou o surgimento de duas classes distintas entre os homens: os proprietários e os não proprietários dos meios de produção. A uns o direito de usufruir dos recursos da natureza transformando–os em mercadorias com valor de troca através da exploração do trabalho alheio, a outros a necessidade de vender/ceder sua força de trabalho como única condição de garantir sua subsistência. Tais relações ao longo da história foram consideradas naturais, por considerar–se vontade divina, para garantia e manutenção


66 dos impérios ou como condição sem a qual a humanidade não sobreviveria, tendo no capitalismo uma necessidade inerente à existência humana. Com o advento das tecnologias, o capital atua desde o seu desenvolvimento e estabelecimento de finalidades até o seu controle, envolvendo aspectos relacionados ao seu emprego no processo de trabalho e o condicionamento do trabalho pela determinação que a tecnologia implica, no que diz respeito ao tempo e à produtividade. Importa ressaltar que tal relação se dá sob controle do capital e a crítica marxista se dá neste sentido, pois desumaniza o homem e o obriga a trabalhar numa dimensão de estranhamento com o produto do seu trabalho, pois além de ser parcelar, o homem não se reconhece nele. Como mecanismo de controle, o capital interfere/controla a formação da mão de obra para empregar no trabalho, em processos educacionais envolvendo a dimensão formal pela educação nas escolas, cujo discurso posto é mascarado pela sua real intencionalidade e pela educação informal, através da formação de mão de obra no interior das próprias indústrias, num processo de adequação do trabalhador para as funções que ele deve basicamente desenvolver. A mudança da estrutura educacional e de trabalho na sociedade capitalista não seria providenciada por reformas que ameaçassem o sistema. Elas somente visam adequar algumas características que aparentam ser conflitantes, mas de modo algum a regra geral do sistema. […] Portanto, seria realmente um absurdo esperar uma formulação de um ideal educacional, do ponto de vista da ordem feudal em vigor, que considerasse a hipótese da dominação dos servos, como classe, sobre os senhores da bem–estabelecida classe dominante. (MÉSZÁROS, 2005, p. 26).

A este argumento Mészáros (2005) estende o devir da relação trabalho, educação e sociedade, numa constante forma do capital determinar, direta e indiretamente, os limites e possibilidades a serem traçadas. Enfatiza que esta forma de relação se dá pelo motivo de


67 que como pano de fundo, por um lado as relações se dão orientadas pelo capital, e por outro, visa–se a pertença a sua estrutura, forçosamente pela impossibilidade circunscrita de alternativas. Ressalta–se que para o autor, o capitalismo não é um sistema inalterável, contudo esperar que mudanças benéficas para a maioria partam de seu interior é a contradição inerente à reificação do homem. Cita o fato histórico envolvendo o capitalismo primitivo até o capitalismo industrial, onde naquele as formas de controle do trabalho e na educação formal e informal eram extremamente hostis. Apresentando a concepção do liberalista Locke, o qual diligentemente apresenta a proposta de obrigatoriedade de crianças entre 4 e 13 anos de idade freqüentarem escolas profissionalizantes, a fim de aprender um ofício e produzirem neste tempo de ociosidade, para evitar que ficassem mendigando e se tornassem um “problema” para a sociedade. Por outro lado, Locke propõe que os considerados infratores4 fossem mutilados ou obrigados a trabalhar por três anos seguidos, como castigo pela sua não pertença ou submissão ao trabalho. O que diferencia o capitalismo primitivo do moderno/contemporâneo, no que diz respeito à educação dos sujeitos, é que aquele condicionava os indivíduos a aderirem a ordem estabelecida de forma declarada, seja através da violência autorizada entre o senhor e seu escravo e através das leis e este se dá, nos termos de Mészáros (2005), através da internalização das normas por meio das instituições formais de ensino, nos seus limites circunscritos na precariedade da formação de mão de obra e, como consequência, a aceitação da ordem natural do estabelecimento das classes, como um mal necessário, onde os donos do capital promovem o benefício de conceder trabalho às massas para que essas adquiram os bens mínimos para sobrevivência. […] Em contraste, cair na tentação dos reparos institucionais formais – “passo a passo”, como afirma a sabedoria reformista desde tempos imemoriais – significa permanecer aprisionado 4

Ou aqueles que mendigavam.


68 dentro do círculo vicioso institucionalmente articulado e protegido dessa lógica autocentrada do capital. (MÉSZÁROS, 2005, p. 48)

Por outro lado, Mészáros (2005) destaca a importância do movimento da contraconciência como estabelecimento conjunto, de toda massa da sociedade, de novas alternativas àquelas estabelecidas, pois o simples movimento da crítica fica condicionado ao objeto criticado. Neste sentido, Oliveira (2006) destaca o grande número de produções na linha marxista que não apresentam ou não façam o ensaio da superação, como se a crítica fosse uma alternativa de superação em si mesma do fenômeno ou realidade em análise. O marco importante na proposta marxista da educação como fenômeno de rompimento com a lógica do capital, nos termos de Mészáros (2005), se dá com o desenvolvimento de um processo que envolva a contraconciência e a contrainternalização dos valores estabelecidos como verdades e regras imutáveis capitalistas de manipulação das consciências. Trata–se de uma educação que não se prenda aos limites das instituições formais, modeladas a atender as demandas de fornecimento de mão de obra – barata e submissa– ao mercado, mas que ofereça a capacidade de transcendência da autoalienação do trabalho, num processo de rompimento radical e contínuo com a ordem estabelecida. O processo de rompimento não é possível somente pela capacidade crítica que os indivíduos venham a adquirir sobre o sistema, mas de maneira conjunta dos pares, em um movimento que envolva as bases das estruturas sustentadoras do capital, os trabalhadores, possibilitando–lhes se tornarem partícipes dos processos decisórios que envolvessem a sua prática diária. Considera–se que a participação na tomada de decisões envolva desde a formulação de perspectivas até a definição do escrutínio de seu devir, com a elaboração dos desafios e metas a serem superadas conjuntamente, em processo contínuo de desenvolvimento das consciências. Em substituição à ordem capitalista de determinação das relações de trabalho, Mészáros (2005) propõe que a concepção do tra-


69 balho passe de tempo de trabalho necessário para tempo de trabalho disponível, num processo de tomada de consciência dos trabalhadores sobre sua conjuntura, de modo que os estigmas presentes nas relações de trabalho no sistema do capital passariam da venda da força de trabalho ao seu uso de forma não explorada, sem a geração de mais valia. REFERÊNCIAS FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2010. GADOTTI, Moacir. “A dialética: concepção e método” in: Concepção Dialética da Educação. 7 ed. São Paulo: Cortez, Campinas: Autores Associados, 1990. p. 15–38. KUENZER, Acácia. Pedagogia da fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2010. MANACORDA, Mario. Marx e a pedagogia moderna. 2. ed. Campinas: Alínea, 2010. MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1979. ______. O capital. Crítica da Economia Política. Livro 1: O processo de produção Capitalista. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1996. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Campinas, SP: Navegando, 2011. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Trad. Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2005. PIRES, M. F. C. O materialismo histórico dialético e a educação. Interface – Comunicação, Saúde Educação. v. 1, p. 83–92, ag., 1997. PORTO, Camila Castelo Branco de Almeida. A educação da classe trabalhadora: de Marx a Saviani. Revista Contemporânea de Educação, vol. 10, n. 20, julho/dezembro de 2015.


70 SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico–crítica: primeiras aproximações. 10. ed. Campinas: Autores Associados, 2008. ________________. Trabalho e educação: fundamentos históricos e ontológicos. Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34, jan./abr. 2007 SNYDERS, George. Escola, classe e luta de classes. São Paulo: Centauro, 2005.


71

A SOCIEDADE CAPITALISTA COMO PEÇA TEATRAL: REFLEXÕES SOBRE AS MÁSCARAS SOCIAIS1 Laila Maria Medeiros Tavares INTRODUÇÃO Uma onda de conservadorismo assola o mundo contemporâneo, revelando um zeitgeist2 que aponta na direção de tempos sombrios que pensávamos terem sido superados. A cadeira da presidência dos Estados Unidos, um dos símbolos–mor de poder no contexto político–econômico mundial, está prestes a ser chefiada pelo empresário milionário do ramo imobiliário Donald Trump. No início da obra “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, Karl Marx (1818–1883) mencionou a ideia hegeliana de que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem duas vezes, complementando que a primeira seria como tragédia e, a segunda, como farsa. Trazendo essa perspectiva para o contexto nacional, é possível inferir que a tragédia consolidou suas bases no Golpe Militar sofrido em 1964. Já a farsa constitui–se no atual e contraditório processo de impeachment que culminou no afastamento da então presidente Dilma Rousseff, bem como na tomada do poder 1

Trabalho apresentado ao Programa de Pós–Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para aprovação na disciplina Educação e Transformação Social, sob a orientação do Prof. Dr. Robson Luiz de França. 2

Segundo a definição hegeliana, o zeitgeist (espírito do tempo) “é sempre um determinado modo de ser, um determinado caráter, que invade todas as diversas partes e se manifesta tanto nas formas políticas como nas demais formas culturais, fundindo num todo as várias partes; e estas, por sua vez, não contêm coisa alguma de heterogêneo à condição fundamental dele, pois que podem aparecer diversas e acidentais, embora se afigure que muitas delas se contradizem mutuamente.” (HEGEL, 2005, p.362).


72 por um pequeno grupo cuja orientação ideológica reflete posicionamentos predominantemente ultradireitistas. Sob a égide do capitalismo, podemos pensar a sociedade como uma grande peça teatral: aqueles que escrevem o roteiro e dirigem a história representam a ínfima parcela que detém a maior parte do capital. Quem sobe ao palco é a burguesia; a plateia, que assiste passivamente ao espetáculo, é o povo. Guy Debord (1931–1994) já havia discorrido sobre esse tema na obra “A Sociedade do Espetáculo”, afirmando que “toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação.” (DEBORD, 2003, p. 13). Para ele, esse espetáculo […] é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada. (DEBORD, 2003, p. 14).

O filósofo brasileiro Matias Aires Ramos da Silva de Eça (1705–1763) também sinalizou na obra “Reflexões sobre a Vaidade dos Homens” a farsa de uma sociedade guiada pela vaidade e pela fortuna. Segundo ele A vaidade e a fortuna são as que governam a farsa desta vida; cada um se põe no teatro com a pompa, com que fortuna, e a vaidade o põem; ninguém escolhe o papel; cada um recebe o que lhe dão. Aquele que sai sem fausto, nem cortejo, e que logo no rosto indica, que é sujeito à dor, à aflição, e à miséria, esse é o que representa o papel de homem. (EÇA, 1752, P. 101)

Analisando o atual cenário político, econômico e ideológico no Brasil, acreditamos ser possível tecer reflexões no tocante à construção e consolidação das máscaras sociais, moldadas pelo Estado


73 com o auxílio do seu aparato ideológico. Para isso vamos nos ater, num primeiro momento ao AIE escolar. AS MÁSCARAS SOCIAIS A existência das máscaras sociais também foi apontada por Matias Aires (1752), a partir de um cenário social que privilegia a aparência em detrimento da essência humana. Em suas palavras: O homem não vem ao mundo mostrar o que é, mas o que parece; não vem feito, vem fazer–se; finalmente não vem ser homem, vem ser um homem graduado, ilustrado, inspirado; de sorte que os atributos, com que a vaidade veste ao homem, são substituídos no lugar do mesmo homem; e êste fica sendo como um acidente superficial, e estranho: a máscara, que encobre, fica identificada, e consubstancial à coisa encoberta; o véu que esconde, fica unido intimamente à coisa escondida; e assim não olhamos para o homem; olhamos para aquilo que o cobre, e que o cinge; a guarnição é a que faz o homem, e a êste homem de fora é a quem se dirigem os respeitos, e atenções; ao de dentro não; êste despreza–se como uma coisa comum, vulgar e uniforme em todos. (EÇA, 1752, P. 101).

O criador do Teatro do Oprimido, Augusto Boal (1931–2009), também trouxe suas contribuições acerca das máscaras sociais. Segundo ele, “o conjunto de papéis que uma pessoa desempenha na realidade impõe sobre ela uma ‘máscara social’ de comportamento.” (BOAL, 1980, p.133). Ele ainda argumenta que: Somos o que somos porque pertencemos a uma determinada classe social, cumprimos determinadas funções sociais e por isso “temos” que desempenhar certos rituais, tantas e tantas vezes que por fim a nossa cara, a nossa maneira de andar, a nossa forma de pensar, de rir, de chorar ou de fazer amor, acabam por adquirir uma forma rígida, preestabelecida, uma “máscara social”. É horrível, mas é verdade: se não nos precavemos, até mesmo na cama acabamos por nos mecanizar; até o


74 carinho acaba perdendo a graça; até o amor se ritualiza. (BOAL, 1982, P. 18)

A partir de uma análise mais cuidadosa sobre essa questão, é possível constatar na sociedade capitalista a existência de duas máscaras sociais, a saber: a humanizadora e a coisificadora. MÁSCARAS HUMANIZADORAS X MÁSCARAS COISIFICADORAS A máscara humanizadora carrega em seus moldes a imagem do homem–branco–cisgênero3–heterossexual4–cristão, que não por coincidência corresponde à imagem do pequeno grupo detentor do capital. Esse modelo reúne elementos nos quais as pessoas devem estar encaixadas para garantir o respeito à sua humanidade, em detrimento da desumanização de qualquer indivíduo que destoe dessa regra, com seu consequente rebaixamento à condição de objeto. A respeito disso, cabe resgatar o conceito do termo reificação que, segundo Bottomore (2001), […] é ato (ou resultado do ato) de transformação das propriedades, relações e ações humanas em propriedades, relações e ações de coisas produzidas pelo homem, que se tornaram independentes (e que são imaginadas como originalmente independentes) do homem e governam sua vida. Significa igualmente a transformação dos seres humanos em seres semelhantes a coisas, que não se comportam de forma humana, mas de acordo com as leis do mundo das coisas. A reificação é um caso “especial” de ALIENAÇÃO, sua forma mais radical e generalizada, característica da moderna sociedade capitalista. (BOTTOMORE, 2001, p.315).

Em oposição à transgeneridade, a cisgeneridade diz respeito à pessoa que se identifica como pertencendo ao mesmo gênero (masculino ou feminino) que lhe foi designado ao nascer 4 A heterossexualidade refere–se à atração afetivo–sexual por pessoas do gênero oposto. 3


75 O povo, aquele que veste as máscaras coisificadoras – aquelas que os transforma em coisas – passa inconscientemente do papel de protagonista para espectador de sua própria existência, numa sociedade devidamente equipada pela burguesia por meio das instituições que a teoria althusseriana chamou de aparelhos ideológicos do Estado. O APARELHAMENTO IDEOLÓGICO DO ESTADO De acordo com o filósofo francês Louis Althusser (1918– 1990), “o Estado é uma ‘máquina’ de repressão que permite às classes dominantes […] assegurar a sua dominação sobre a classe operária […]” (ALTHUSSER, 1985, p. 62). Para isso, o Estado introjeta a ideologia dominante na classe dominada, determinando seu modo de ser e de pensar. Aqui, é essencial recuperar o conceito de ideologia, cuja definição Althusser realiza por meio das palavras de Marx. Este concebe a ideologia como “[…] um sistema de ideias, de representações que domina o espírito de um homem ou de um grupo social.” (ALTHUSSER, 1985, p. 81). Essas ideias adquirem materialidade por meio de instituições chamadas de aparelhos ideológicos do Estado, definidos por ele como “[…] um certo número de realidades que apresentam–se ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas” (ALTHUSSER, 1985, p. 68). Althusser propõe uma “lista empírica” das instituições que compõem o aparelhamento ideológico do Estado, a saber: AIE religiosos (o sistema das diferentes igrejas) AIE escolar (o sistema das diferentes “escolas” públicas e privadas) AIE familiar AIE jurídico AIE político (o sistema político, os diferentes Partidos) AIE sindical AIE de informação (a imprensa, o rádio, a televisão, etc…)


76 AIE cultural (Letras, Belas Artes, esportes, etc…) 5 (ALTHUSSER, 1985, p. 68).

Os aparelhos ideológicos do Estado, enquanto instituições destinadas a disseminar a ideologia burguesa, são responsáveis também pela construção e consolidação das máscaras sociais. Podemos trazer como um exemplo concreto de doutrinação ideológica do Estado o AIE midiático, que por meio de novelas, propagandas, filmes, revistas e internet, ditam freneticamente um padrão estético inatingível, que converge intencionalmente com o modelo da máscara humanizadora, mantendo a massa trabalhadora num estado efetivo de alienação. No que diz respeito às máscaras coisificadoras, podemos dizer que elas são responsáveis por promoverem nos oprimidos uma profunda e dolorosa contradição: o eu, que deveria ser senhor de si mesmo, passa a ser escravo de si mesmo; cada boicote à liberdade corresponde a um grau de submissão. A cada permissão inconsciente para a adoção das máscaras impostas pela pequena parcela dirigente da sociedade corresponde inevitavelmente a proibição da máscara da autenticidade, da possibilidade – em termos freirianos – de ser mais. Os oprimidos não possuem controle sobre sua consciência, tampouco sobre seu próprio corpo. Este, que deveria ser, sobretudo, um espaço de construção, expressão e manifestação do direito de ser mais e da autenticidade, na sociedade e no mundo, nada mais é que um ente estranho aos oprimidos, que não conseguem se reconhecer na imagem refletida pelo espelho. A máscara coisificadora aprisiona os oprimidos em consciências e corpos e homogeneizados, enrijecidos e engessados pelos moldes da ideologia burgueso–opressora. 5

Provavelmente, Althusser não poderia prever em sua época a existência – e consequente influência – do AIE virtual (no que diz respeito especificamente ao atual fenômeno das redes sociais) como um forte aliado na doutrinação da massa trabalhadora. Da mesma forma, também não mencionou o AIE laboral, talvez o que afeta mais direta e intensamente o trabalhador, visto que este está submetido àquele por, pelo menos, oito horas diárias.


77 Não obstante, a máscara humanizadora traz como usuários indivíduos que se perdem em suas incoerências. Basta lançar um olhar mais atento às notícias que envolvem políticos como Donald Trump, Eduardo Cunha, Aécio Neves, Jair Bolsonaro, Marco Feliciano, etc. São homens que se escondem sob o padrão homem–branco– heterossexual–cisgênero–cristão, ao passo que alimentam discursos de ódio, de apologia ao estupro e de reverência à ditadura. Em consequência disso, deparamo–nos com um cenário nacional desolador, onde a violência exacerbada contra os oprimidos – os mesmos que tem sua essência sufocada pelas máscaras coisificadoras – consolida diariamente as estatísticas de 13 mulheres assassinadas por dia 6, o genocídio de jovens negros7, uma morte LGBT a cada 28 horas8 e ataques constantes contra os adeptos de religiões de matriz africana 9. São crimes impregnados de ódio e intolerância contra todo indivíduo que esteja à margem do modelo estético e ideológico daquele determinado pela classe dominante. O AIE ESCOLAR A história da educação brasileira está indiscutivelmente incorporada ao processo de colonização do nosso país, haja vista que a tomada do território brasileiro pelos portugueses praticamente coin6

MAPA da violência revela que 13 mulheres são mortas por dia no Brasil. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS– HUMANOS/500721–MAPA–DA–VIOLENCIA–REVELA–QUE–13–MULHERES– SAO–MORTAS–POR–DIA–NO–BRASIL.html>. Acesso em 29 de novembro de 2016. 7

ESCÓSSIA, Fernanda da. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil, diz CPI. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil–36461295>. Acesso em 29 de novembro de 2016. 8

Vinícius de Vita. UMA pessoa LGBT morre a cada 28 horas no Brasil. Disponível em: <http://sinprominas.org.br/noticias/uma–pessoa–lgbt–morre–a–cada–28–horas– no–brasil/>. Acesso em: 29 de novembro de 2016. 9 PUFF, Jefferson. Por que as religiões de matriz africana são o principal alvo de intolerância no Brasil? Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160120_intolerancia_religioes_af ricanas_jp_rm>. Acesso em 30 de novembro de 2016.


78 cide com o movimento de catequização dos povos aqui encontrados pelos jesuítas. Os resquícios desse evento se mostram, ainda hoje, presentes na forma de organização da sociedade brasileira, constituída sobre as bases das desigualdades sociais. De um lado, os opressores procuram convulsivamente fortalecer seu poderio, moldando o comportamento da classe proletária em prol de seus interesses. Isso significa extirpar–lhes qualquer possibilidade de consciência, autonomia, criticidade e atitude diante das injustiças sofridas. Do outro lado, os oprimidos assumem inconscientemente uma postura arquitetada ao bel–prazer da burguesia, transformando–se em marionetes a serem manejadas por aqueles que detêm o capital. Esse movimento ilegítimo de controle é abordado por Paulo Freire (1981), segundo o qual: A manipulação aparece como uma necessidade imperiosa das elites dominadoras, com o fim de, através dela, conseguir um tipo inautêntico de ‘organização’, com que evite o seu contrário, que é a verdadeira organização das massas populares emersas e emergindo. (FREIRE, 1981, p. 173).

À vista disso, Freire discorre acerca da relação inversamente proporcional entre a manipulação e o pensar crítico. Isso significa que, quanto menos um indivíduo pense criticamente sobre seu papel no mundo, mais passível de ser manipulado pela elite ele será. Por conseguinte: A manipulação […] tem de anestesiar as massas populares para que não pensem. Se as massas associam à sua emersão, à sua presença no processo histórico, um pensar crítico sobre este mesmo processo, sobre sua realidade, então sua ameaça se concretiza na revolução. Chame–se a este pensar de “consciência revolucionária” ou de “consciência de classe”, é indispensável à revolução, que não se faz sem ele. As elites dominadoras sabem tão bem disto que, em certos níveis seus, até instintivamente, usam todos os meios, mesmo a violência física, para proibir que as massas pensem. (FREIRE, 1981, p. 174).


79 No âmbito escolar, o processo de anestesiamento das classes oprimidas com vistas à incursão da ideologia opressora consolida–se por meio do que Freire (1981) chamou de educação bancária, em menção ao depósito de informações por parte dos educadores aos educandos, considerados como recipientes vazios, incapazes de promover questionamentos, reflexões ou problematizações acerca de seu papel no mundo. Segundo ele: Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.” (FREIRE, 1981, p.67).

Recorremos novamente às palavras de Althusser (1985), que atribui a eficácia do modelo de educação bancária ao fato de se permanecer obrigatoriamente na escola por um longo período: […] nenhum aparelho ideológico do Estado dispõe durante tantos anos da audiência obrigatória (e por menos que isso signifique, gratuita…), 5 a 6 dias num total de 7, numa média de 8 horas por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista. (ALTHUSSER, 1985, p. 80).

Nessa perspectiva, conclui–se que o AIE escolar favorece a introjeção da ideologia dominante por intermédio da educação bancária que, por sua vez, traz como grande aliada a obrigatoriedade prolongada dessa educação. O AIE ESCOLAR NA DISSEMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA Como mencionado anteriormente, a classe dominante determina um modelo de máscara a ser utilizada pelos oprimidos, apartada do padrão homem–branco–cisgênero–heterossexual–cristão. Direcionando essa questão ao âmbito escolar, mais precisamente à figura do professor, observamos que embora este não se enquadre no padrão


80 instituído pela elite, o mesmo é atingido – enquanto parte da massa trabalhadora – pelos respingos ideológicos do Estado burguês. A respeito disso, vale resgatar as palavras de Freire (1981) acerca da consciência hospedeira do oprimido, que vive “a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor” (FREIRE, 1981, p. 32–33). Isso quer dizer que a classe oprimida está imersa de tal forma na realidade opressora, que seu modo de ser acaba por ser contaminado pelo modo de ser dos opressores. O que acontece na sala de aula não é diferente, posto que o professor assume, nessa perspectiva, uma postura similar àquela atribuída aos capitães–do–mato, que na sociedade escravocrata utilizavam de extrema violência para capturar escravos fugitivos, seguindo à risca o modo de ser de seus opressores. O filme Vidas Secas (1963), inspirado na obra de Graciliano Ramos, traz uma cena emblemática sobre esse tema. Num raro momento de solidão com a cachorra Baleia, um dos filhos da família que atravessa o sertão fugindo da seca e da miséria se põe a reproduzir com o animal os mesmos gestos de violência que tão frequentemente via no pai. Pode–se até inferir que, diante de um contexto de sofrimento, miséria e pobreza, onde nenhum membro da família pôde presenciar as mínimas condições de amor, afeto e dignidade, decorre uma espécie de naturalização do ódio e da violência. Tais exemplos nos ajudam a perceber um movimento de empatia pela máscara humanizadora, ao mesmo tempo em que se provoca a antipatia por aqueles que carregam a máscara coisificadora. Ou seja, o indivíduo situado fora da estrutura homem–branco–cisgênero–heterossexual–cristão é tratado como mero objeto. Dessa forma, a antipatia como um dos pré–requisitos para a violência é o ponto de partida para que crimes motivados pelo ódio e pela intolerância atinjam majoritariamente mulheres, negros, LGBTs e adeptos de religiões de matriz africana. Como resultado disso, o que se constata é um movimento de perpetuação da prescrição, que Freire (1981, p. 34) define como “a imposição da opção de uma consciência a outra”. Isso implica num movimento de perpetuação da ideologia dominan-


81 te, visto que a consciência opressora transferida pelo Estado elitista ao professor contamina também os alunos desse professor, que continuarão inconscientemente propagando–a nos diversos contextos sociais. Segundo Freire (1981): Daí, o sentido alienador das prescrições que transformam a consciência recebedora no que vimos chamando de consciência “hospedeira” da consciência opressora. Por isso, o comportamento dos oprimidos é um comportamento prescrito. Faz–se à base de pautas estranhas a eles – as pautas dos opressores. (FREIRE, 1981, p. 34–35).

A consciência hospedeira distorce a realidade efetiva dos fatos, mantendo os oprimidos alienados a uma realidade ilusória, ou ainda, uma pseudo–realidade, cujo solo constitui um terreno fértil para fazer brotar as sementes da superioridade de um povo em relação a outro (neste caso, a superioridade da classe dominante sobre a classe oprimida). A respeito disso, Hannah Arendt (1973) traz à tona a doutrina do “eterno anti–semitismo”, que carrega em seu cerne a naturalização do ódio nutrido contra os judeus ao longo da história, sem levar em conta os vícios ou virtudes pessoais. Segundo Arendt (1973): É deveras notável que as doutrinas que ao menos tentam explicar o significado político do movimento anti–semita neguem qualquer responsabilidade específica da parte dos judeus e se recusem a discutir o assunto nestes termos. Ao implicitamente recusarem abordar o significado da conduta humana, assemelham–se às modernas práticas e formas dos governos que, por meio do terror arbitrário, liquidam a própria possibilidade de ação humana. (ARENDT, XXXX*).

Seguindo o mesmo raciocínio de Arendt, pode–se estabelecer analogicamente a doutrina do “eterno anti–proletariado”, cuja explicação oferecida faz–se meramente à razão do ódio pela classe trabalhadora, em detrimento de sua razão de ser. Ademais, acrescente–se aos processos de identificação do oprimido com o opressor e à naturalização da violência a questão da


82 falta de representatividade. É muito difícil encontrar, por exemplo, livros didáticos que contemplem a figura da mulher em posições de empoderamento. Na maioria das vezes, elas estão associadas a uma imagem fragilizada, submissa e inferiorizada em relação ao homem, fortalecendo a cultura sexista, machista e patriarcal. Quanto aos negros, não é raro vinculá–los estritamente à história de colonização do Brasil e a datas comemorativas, como Abolição da Escravatura e Dia da Consciência Negra. A questão torna–se ainda mais delicada quando se trata de identidade de gênero e orientação sexual. A transgeneridade bem como a sexualidade divergente da heterossexual sequer é mencionada nos livros e, quando o tema é abordado em sala de aula, isto é feito pelo professor em tom de recriminação, coerção e violência psicológica, típicos da aderência à consciência opressora. Embora tenham ocorrido lentas mudanças no tocante a essa situação, a falta de representatividade é, ainda, um fator determinante na manutenção do status quo, de forma a colaborar para o enfraquecimento da empatia já tão debilitada pela questão da consciência prescrita pela classe dominante. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em face da violência desenfreada que vem atingindo os indivíduos apartados da máscara humanizadora, idealizada aos moldes da classe burguesa, é possível constatar a poderosa influência do Estado, cujo aparelhamento ideológico proposto pelo pensamento althusseriano constitui as bases para a preservação de sua soberania, em consonância com a ideologia dominante. Nesse processo, o AIE escolar assume um papel crucial, posto que o fator da audiência obrigatória e gratuita constitui um campo fecundo para a propagação da educação bancária, cujo principal objetivo é boicotar qualquer possibilidade de consciência crítica por parte dos oprimidos e garantir a manutenção do status quo. Também decorre dessa situação a promoção da manipulação, no que concerne à transformação da


83 massa trabalhadora em marionetes a serem manejadas de modo a servirem tão somente os interesses elitistas. A educação bancária, como possibilitadora do que Freire (1981) concebeu como prescrição, é permeada pela incapacidade dos oprimidos de serem autênticos, ao passo que lhes oferece como única expectativa de existência um modelo inatingível, à imagem e semelhança do pequeno grupo detentor do capital. Esse aspecto, associado aos anteriormente apresentados, contribui efetivamente no fortalecimento da empatia pela máscara humanizadora – representada pela estrutura homem–branco–cisgênero–heterossexual–cristão, à medida que desperta a antipatia por aqueles que não se encaixam nesse protótipo. Ora, se a empatia é condição sine qua non para a prática da alteridade, que atua como mola propulsora para o exercício de amor aos outros, a antipatia faz, neste cenário, um impiedoso contraponto, quando fomenta pelo próximo atitudes de violência – justificadas tão somente à razão do ódio – contra aqueles que vestem inconscientemente as máscaras coisificadoras, Cabe, numa última análise, tomar emprestadas as palavras rousseaunianas de que o homem nasce bom mas a sociedade o corrompe e transcrevê–las à luz da ideia de que “o homem nasce bom mas o Estado o corrompe”, ou ainda mais especificamente, “o homem nasce bom mas os AIE o corrompem”. Nessa perspectiva, vale também suscitar reflexões acerca da influência do aparelhamento ideológico do Estado (sem nos restringir ao AIE escolar) para além da promoção não somente do desamor ao próximo, mas também enquanto um poderoso assassino do amor–próprio. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Tradução de Valter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1985. ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


84 BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. _____________. 200 Jogos para o Ator e o Não–Ator com Vontade de Dizer Algo Através do Teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: Projeto Periferia. Ebooks Brasil.com, 2003. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/socespetaculo.pdf>. Acesso em 30 de nov. de 2016. EÇA, Matias Aires Ramos da Silva de. Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens. Disponível em: <http://www.iphi.org.br/sites/filosofia_brasil/Matias_Aires_–_Reflex %C3%B5es_sobre_a_vaidade_dos_homens.pdf>. Acesso em 30 de novembro de 2016. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Introdução à História da Filosofia. Tradução Heloísa da Graça Burati. São Paulo: Rideel, 2005. MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. Tradução Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. ROUSSEAU, Jean– Jacques. Emílio ou da educação. São Paulo: Difel, 1979.


85

TRABALHO, CONDIÇÕES DO TRABALHO E SOFRIMENTO HUMANO Irella Borges dos Santos Robson Luiz de França INTRODUÇÃO Muito se discute sobre o significante trabalho, principalmente na contemporaneidade, o trabalho tem ganhado espaço importante nas discussões interdisciplinares. Falar do trabalho é falar profundamente do homem, das condições de sua existência e de suas características, é compreender suas relações sociais, seu comportamento. É através do entendimento da intrínseca relação homem–trabalho que podemos alcançar melhores entendimentos a respeito do encontro do indivíduo com seu desejo, com suas realizações e busca pela tão sonhada felicidade. Mas sobretudo falar também do sofrimento e adoecimento muitas vezes associado às relações do homem com o seu trabalho. Portanto, como a Psicologia trata do entendimento do homem e de suas relações, seu comportamento e subjetividade, “onde há um ser humano, ou ele é um produto do trabalho ou é um produtor de trabalho ou as duas coisas”. Dessa forma, o trabalho passa a ser uma nova categoria bem recente, uma “categoria recuperada como fundante do ser humano e, portanto, como explicação necessária para qualquer fenômeno psicológico”, como aponta Codo (2010, p. 85– 87). Etimologicamente, a palavra trabalho vem do latim tripalium, termo formado pela junção dos elementos tri, que significa “três”, e palum, que quer dizer “madeira”. Tripalium era o nome de um instrumento de tortura constituído de três estacas de madeira bastante afiadas e que era comum em tempos remotos na região europeia.


86 Não obstante, trabalhar ficou associado a tortura e destinados àqueles que não tinham posses. A partir do latim, o termo passou para o francês travailler, que significa “sentir dor” ou “sofrer”. Com o passar do tempo, o sentido da palavra passou a significar “fazer uma atividade exaustiva” ou “fazer uma atividade difícil, dura”. Ainda neste contexto, Chauí (1999), na introdução do livro “O direito à preguiça de Paul Lafargue”, aponta para alguns excertos bíblicos para explicar a conotação que a palavra trabalho vai sendo constituída. Ao ócio feliz do Paraíso segue–se o sofrimento do trabalho como pena imposta pela justiça divina e por isso os filhos de Adão e Eva, isto é, a humanidade inteira, pecarão novamente se não se submeterem à obrigação de trabalhar. (LAFARGUE APUD CHAUÍ, 1999 p. 9–10)

Desta forma, não é difícil compreender como o significado da palavra trabalho vai se tornando um termo associado a sofrimento, dor e punição ao longo da história, uma vez que estava ancorado em questões principalmente religiosas. Justificando uma certa aversão ao trabalho pelo homem ao longo do tempo. O trabalho está presente na história do desenvolvimento do ser humano, sendo que nos mais diversos períodos da história, desde a antiguidade, o ser humano com ele se relacionou sob as mais diferentes condições: ora foi escravo, ora servo e ora artesão. Segundo De Masi (2003), o trabalho é um vício recente uma vez que nossa organização social moderna associou demasiadamente o existir humano com a realização do trabalho. Todos aqueles que querem ser aceitos no convívio social e sobretudo conseguirem sobreviver deverão trabalhar. Desta forma, a ausência de trabalho pode se tornar um terrível pesadelo, algo extremamente sócio moral excludente e danoso para a saúde psíquica do indivíduo. Para este mesmo autor, o trabalho passou de castigo a privilegio na era da industrialização. Sendo atribuídos ao termo trabalho aditivos positivos e até mágicos. Posteriormente, com a era da urba-


87 nização e intensificação da produção, surge a divisão de classes de trabalhadores subordinados não mais à natureza, mas agora às máquinas. Aqui vale ressaltar que o trabalho passa a ser um direito no qual os trabalhadores vão lutar e perseguir arduamente, e o ócio passa a ser percebido como um pecado capital, graças ao puritanismo que apresenta o novo homem virtuoso, como descreve Chauí : […] Weber salienta que, agora, ser cristão virtuoso é seguir um conjunto de normas de conduta nas quais o trabalho surge não apenas como obrigação moral, mas como poderoso racionalizador da atividade econômica geradora de lucro. Aquele que faz seu trabalho render dinheiro e, em lugar de gastá–lo, o investe em mais trabalho para gerar mais dinheiro e mais lucro, vivendo frugalmente e honestamente (isto é, pagando em dia suas dívidas para assim obter mais crédito), é um homem virtuoso.( CHAUÏ, 1999 p. 14)

Parece que em especial neste momento histórico, século XVIII/XIX que surgem grandes necessidades de explicações do entendimento de questões referentes ao termo: trabalho, no que se refere às tentativas de explorar seu significado atual, já que foram alvo de grandes mudanças de significado. Mas acima de tudo, foi com Marx que realmente o conceito de trabalho ganha visibilidade na concepção de um entendimento de uma nova amplitude de significações. Portanto, o trabalho tal como é percebido atualmente, é algo que foi construído historicamente e ao mesmo tempo construtor de uma subjetividade dos indivíduos, com enorme potencial (interno e externo) transformador. O conceito de trabalho é fundamental na filosofia de Marx. É através do trabalho que o homem transforma e produz a si mesmo, constrói a sua própria história se tornando resultado de sua ação produtiva. O trabalho mediante o qual o homem vem a ser, pelo qual o mundo da cultura é engendrado é antes de tudo uma atividade prática do homem em intercâmbio com a natureza. “[…] o ato de produção e reprodução da vida humana realiza–se pelo trabalho. É a


88 partir do trabalho, em sua cotidianidade, que o homem torna–se ser social, distinguindo–se de todas as formas não humanas”. (ANTUNES, 2015 p. 168) O conceito de trabalho na obra de Marx extrapola o conceito de trabalho entendido até então, transformando seu entendimento como uma condição diferenciada do humano, que inclusive nos difere dos demais animais e garante nossa superioridade enquanto raça. Segundo.Moura (2012,) esta visão de Marx é inicial, sendo alterada em sua principal obra “O Capital” com as noções de valor de uso e o trabalho enquanto produtor de valor. Este conceito é revolucionário no contexto do entendimento do homem, pois possibilita um novo olhar sobre a humanidade. Apoderar–se desses materiais da natureza tais como são não é trabalho; o trabalho é uma atividade que altera o estado natural desses materiais para melhorar sua utilidade […] a espécie humana partilha com as demais a atividade de atuar sobre a natureza de modo a transformá–la para melhor satisfazer suas necessidades. […] o arquiteto figura na mente sua construção antes de transformá–la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece o resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. […] O trabalho que ultrapassa a mera atividade instintiva é assim a força que criou a espécie humana e a força pela qual a humanidade criou o mundo como o conhecemos. ( BRAVERMAN , 1981 p. 49– 53)

Porém o conceito de trabalho na obra de Marx é muito amplo e complexo e não é necessariamente objeto de estudo deste texto. Mas cabe apenas apontar sua importância no contexto histórico de transformação do pensamento humano e seus reflexos nas relações sociais. Não há mais um destino inexorável aos homens, há uma consciência de uma realidade que pode ser alterada pelo próprio indivíduo, que deve assumir suas próprias responsabilidades por suas ações, mas principalmente que esta realidade pode ser transformada se entendida em seu processo desalienador.


89 No texto de Aranha (1989), a autora vai narrando de forma muito clara a diferença entre a inteligência humana e dos animais e como a experiência é importante em uma sequência de tempo na condição humana. Os animais possuem um tipo de inteligência concreta que é determinada pelo aqui agora, resolução de problemas imediatos, se esgota em si mesmo. Em animais mais primitivos de acordo com os níveis de evolução não possuem este tipo de inteligência. Suas ações são características de cada espécie. Já o ser humano possui o tipo de inteligência que a autora chamou de abstrata. O homem transforma a natureza em busca de soluções de seus problemas, modifica sua realidade e aprende com a experiência de outros homens. A experiência humana é fundamental, o homem torna–se capaz de lembrar a ação feita no passado e de projetar a ação futura, graças a utilização de símbolos ao representar a realidade e a linguagem substitui as coisas por símbolos, como as palavras. Segundo Habermas (1982), a inteligência do homem pode se distinguir dos animais na questão da análise do comportamento adaptativo quando da importância da linguagem. “A espécie humana se distingue do animal por uma” […] complicação através da qual processos internos no ego podem adquirir, igualmente, a qualidade de ser–consciente. Tal c o trabalho da função da linguagem; ela conecta, de forma compacta, conteúdos do ego com resíduos mnêmicos, próprios a percepções visuais mas, mais particularmente (ainda), a percepções acústicas. Daí por diante, a periferia perceptiva da camada cortical pode ser excitada em grau bem maior a partir de seu cerne mais íntimo, acontecimentos internos como seqüências e processos de pensamentos podem tornar–se conscientes; c já se requer um artifício todo especial para distinguir entre ambas as possibilidades — o chamado teste da realidade. A equação percepção–realidade (mundo exterior) não faz mais sentido. Erros, que doravante resultam com facilidade e nos


90 sonhos com regularidade, são denominados de alucinações. (FREUD APUD HABERMAS, 1982, p. 255)

A transformação que o homem faz da natureza chama–se trabalho. “o trabalho é a ação transformadora dirigida por finalidades conscientes, a partir da qual o homem responde aos desafios da natureza”, segundo Aranha (1989, p. 16). Mas esta transformação ocorre de forma social. Os seres humanos vão se relacionando no sentido de produzirem sua própria existência e isto ocorre através da cultura. A cultura é, portanto, a transformação que o homem exerce sobre a natureza, mediante o trabalho, os instrumentos e as ideias utilizadas nessa transformação, bem como os produtos resultantes. E, mais ainda, nesse processo, o homem se autoproduz, se faz a si mesmo em homem. (ARANHA, 1989, p. 4)

O que Aranha traz em seu texto é que o homem se faz ou se reconhece enquanto ser humano no contato com os outros homens, se faz mediado pela cultura. A questão do trabalho e alienação é um ponto fundamental, uma vez que parece ser uma contradição que o trabalho é condição de liberdade (liberdade no sentido da condição do homem de compreender o mundo), quando que na realidade o produto do trabalho do indivíduo é alienado de quem o produziu, tornando o homem também alienado de si mesmo. Dessa forma, a liberdade do homem fica comprometida, pois quando o homem fica alienado do seu trabalho e de si próprio, ele se desumaniza. Ainda neste contexto, para a autora, o trabalho intelectual tem como função uma organização do saber do senso comum. Sendo importante a formação de intelectuais vindo do povo e que tenham interesse em defender as ideias que favoreçam os interesses da classe trabalhadora em detrimento à classe dominante. Dessa forma, fica fácil um entendimento do ancoramento existencial que o trabalho ocupa na vida das pessoas na atualidade.


91 É inquestionável que o trabalho ocupe grande parte do tempo e de importância no desenvolvimento da vida humana, não sendo mero meio exclusivo de satisfação das necessidades básicas, mas fonte de alcançar realizações, identificações e autoestima. ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE As contribuições da psicanálise ao tema do trabalho são bastante significativas. Freud (1856–1939) em seu texto: O mal–estar na civilização (1929), vai demonstrar como a sociedade moderna vai lidar com as questões do desamparo humano e o preço pela convivência em sociedade. O homem ao se tornar civilizado abre mão de sua realização da satisfação libidinal e agressiva para conviver e ser aceito em sociedade. Então, o trabalho seria uma das formas encontradas pelo caminho psíquico da pulsão de encontrar a satisfação libidinal. O trabalho seria como uma resposta sublimatória ao desamparo, ou seja, uma forma de dar vazão como forma saudável evitando um possível adoecimento. Ou melhor, é como uma válvula de escape às pulsões inibidas. Desta forma, Freud preconiza a importância do trabalho na saúde psíquica do homem. Evidentemente que, para ocorrer tal processo, o trabalho tem que ser prazeroso e não penoso. Isto ocorre pois há um contraste entre a dor e a satisfação de uma necessidade, descrito por Freud em Além do princípio do prazer (1920) em que nosso aparelho psíquico, tende a buscar uma condição de equilíbrio, ou pela busca do prazer ou pela busca da evitação do desprazer. Portanto, a busca pela felicidade ocorre para Freud, na busca pela satisfação de uma necessidade represada. E psiquismo e civilização estão constituídos de tal forma que tornam a meta da felicidade inalcançável. Assim, nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar. O sofrimento nos ameaça a par-


92 tir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar–se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. (FREUD, 1927–1931 p. 84– 85)

Pode–se entender que, quando não há possibilidade de liberação das tensões libidinais pela válvula de escape através do trabalho ou pela arte (cultura), provoca um mal estar no trabalho e consequentemente na vida do indivíduo. Talvez decorrentes dos tipos de estruturas normativas e reguladoras das organizações de trabalho e da sociedade capitalista, provocando muitas vezes colapsos psíquicos e infelicidade, na medida em que a realidade se torna frustrante. Neste contexto, fica ressaltado na obra Freudiana a importância do trabalho na condição de vínculo saudável do indivíduo com a realidade e a família na questão das gratificações amorosas. Para Freud, trabalhar e amar são as duas principais fontes libidinais. Em uma análise mais ampla, Birman (2014), ressalta que o conceito de civilização para Freud, se refere ao discurso civilizatório disseminado pela ciência e pela industrialização da era moderna. E o mal–estar da civilização, é, na verdade, uma crítica a esta sociedade ocidental moderna do século XIX. Desta forma, a psicanálise seria um tipo de saber próprio da constituição da sociedade moderna, em que critica suas contradições e impasses como as repressões sexuais e os estilos de vida e padrões burgueses e denuncia o adoecimento mental como resultado destes impasses. Evidentemente que a psicanálise pós–freudiana, lamentavelmente negligenciou o segundo momento do discurso de Freud sobre o social, em que faz sua leitura crítica do mundo moderno. Restringindo a psicanálise em uma mera perspectiva terapêutica, abstraindo seu caráter ético e político. Ainda para Birman (2014), o discurso Freudiano posicionou a “figura do desamparo no fundamento do sujeito”. Agora o homem


93 da modernidade está marcado pela complexidade e vazio existencial provocados pela ausência de um Deus protetor, e pela constatação de uma finitude atroz e pelo imprevisível de si mesmo. Tornando o desamparo o que institui o mal–estar moderno.” os homens são frágeis, finitos e mortais que eles precisam criar todos os artifícios para o tamponamento daquelas marcas que se materializam com os ouropéis da vanidade, da suposta autossuficiência e da onipotência”. (BIRMAN, 2014, p. 39) No entanto, apesar das contribuições da psicanálise para um melhor entendimento da problemática do desamparo moderno, as teorias Freudianas foram bastante questionadas, principalmente quanto à capacidade de entendimento do homem social. Nesta questão, Viana (2010), nos lembra das críticas implacáveis de Fromn, (um freudo–marxista) a Freud, na questão metodológica do materialismo burguês mecanicista, ao biologismo. Questões políticas como o conservadorismo, autoritarismo, patriarcalismo entre outras. A crítica metodológica é devido a própria formação de Freud que foi educado em função do materialismo fisiológico–mecanicista de sua época, o materialismo burguês (diferente do materialismo de Marx) e cientificismo. Neste contexto, Fromn apud Viana (2010), acusa Freud de um “racionalismo obsessivo”, com desdém completo pela realidade, produto de uma tradição iluminista. As interpretações estariam vinculadas principalmente à concepções restabelecidas de suas ideias. A crítica ao biologismo e pansexualismo também ocorreu, através do entendimento que Freud buscava uma base fisiológica para sua teoria. O que parecia razoável face a preocupação de Freud em tornar a psicanálise uma ciência. E ciência na época tinha por base o positivismo, tinha que seguir tais padrões científicos para ser aceita, acreditada. Em contrapartida, Fromn apud Viana (2010), ressalta que Freud por sustentar que os instintos sexuais são como força impulsionadora da ação do homem, desconsidera a amplitude do entendi-


94 mento sobre os indivíduos, uma vez que os aspectos sociais não foram devidamente considerados. Segundo Viana (2010), a percepção de ser humano de Fromn é ampla, na medida em que trouxe maior ênfase na questão social. Mostrando como a sociedade é importante na composição do indivíduo, principalmente no seu universo psíquico, dessa forma contribuiu sobremaneira com a psicanálise. E por último, a crítica política realizada por Fromn a Freud foi muito extensa segundo Viana (2010), em que é destacado o caráter conservador, autoritário e patriarcal de Freud. As críticas de Fromn sobre as teorias Freudianas foram e são importantes principalmente para aqueles que querem ter uma visão crítica e ampliada do homem. É importante por considerar limitações da psicanálise em suas avaliações costumeiras, contribuindo para ampliação das ideias e pesquisas. E principalmente são importantes por demonstrar que existem limitações em qualquer ciência humana, não existem verdades absolutas e indiscutíveis sobre o psiquismo humano. EMBATE ENTRE PSICANÁLISE E MARXISMO Durante o século XIX, duas grandes descobertas no campo das ciências humanas surpreenderam o mundo com suas descobertas e formas de interpretar a humanidade. São elas: o Marxismo e a Psicanálise Freudiana. Tais ciências desestruturaram o universo cultural desta época e trouxeram novos e frutíferos debates a respeito das relações humanas. Fica importante neste texto, tentar fazer uma breve explanação a respeito dos embates que ocorrem entorno das discussões a respeito das semelhanças, diferenças e contribuições destas ciências no campo do entendimento e explicação sobre o homem e suas relações. Quem tratou brilhantemente desta questão foi o filósofo Louis Althusser, através principalmente de seus textos: “Freud e La-


95 can” (1964) e “Marx e Freud” (1976) e muito bem explicados na introdução crítico–histórica feita por Evangelista (2000). Nestes textos Althusser vai tratar de uma luta teórica, na defesa de uma revisão da teoria de Marx, propor um anti–stalinismo, uma nova definição para a filosofia marxista, assim como Lacan o fez com a reinterpretação das obras de Freud. Um retorno ao pensamento original, na tentativa de desfazer equívocos. Um destes equívocos, segundo Evangelista (2000) é o dilema de 1949: ou Marx, ou Freud. Nesta época o Stalinismo estava em vigência e a psicanálise era muito criticada por ser uma ciência do individualismo e manutenção dos ideais burgueses, uma ideologia reacionária por seu irracionalismo. Ainda para este autor, a psicanálise era uma ciência nova e trouxe uma revolução para o pensamento materialista, um reconhecimento de uma dialética da psicanálise. “Provoca um (re)começo do Materialismo Dialético”, através do retorno a Marx e às tradições marxistas. Evangelista (2000), nos conta que Althusser era fascinado por Lacan, utilizando seu conceito de superdeterminação, que permite pensar que: […] o traço mais profundo da dialética marxista”, que permite distinguir essa dialética da hegeliana e, pois, finalmente, empreender, no nível teórico, um corte com o dogmatismo stalinista vem desse doutor explicitamente condenado pelos “marxistas de 48”, que enfrentara uma significativa cisão com a ortodoxia psicanalítica em 1953, e que, finalmente, nessa mesma época (1963), está sendo excomungado pela Sociedade Francesa de Psicanálise. (EVANGELISTA, 2000 p. 16).

No lado oposto desta discussão, em 1965 houve uma tendência de fundir os discursos de Freud e Marx em uma superciência capaz de explicar o homem em sua totalidade, uma epistemologia geral, que se tornaria uma ideologia totalitária. O que foi afastado através do texto de Althusser: “Marx e Freud” (1976), em que pôde ser especificado os objetos de estudo da psicanálise: o inconsciente e seu


96 funcionamento e do marxismo: o indivíduo na sociedade de classes, produto de suas relações sociais. Ainda para Evangelista (2000), outro equívoco desfeito por Althusser foi a questão do irracionalismo e individualismo que a psicanálise era acusada pelos marxistas. Que na verdade eram apenas aspectos fundamentais e integrantes da construção de uma nova ciência, condições essenciais de sua construção científica. Pois o que vai definir uma ciência é o seu objeto–de–conhecimento e sua capacidade de se apropriar do real. Tal contribuição vai muito mais além, ela desmonta com a ideia de um supersaber, uma ciência única capaz de responder todas as questões sobre o ser humano. Existem várias ciências, vários saberes cada qual com o seu objeto definido de estudo e podendo ser complementares por vezes. Portanto, tanto o Marxismo, quanto a Psicanálise são ciências, cada qual com seu objeto–de–conhecimento específico, não se referindo ao sujeito real, existente, mas como formas peculiares de apoderamento desse real. Evitando assim o poder ideológico de escolas intelectuais, fundadas em falácias de saberes absolutos e verdades dogmáticas. Para complementar, Foucault (1997) ressalta que Marx e Freud, ao lado de Nietzsche, trouxeram para a humanidade uma forma diferente de técnicas de interpretação da realidade, do mundo, do indivíduo. Houve uma mudança na natureza do símbolo e na forma de sua interpretação. A interpretação da obra Freudiana por Marcuse apud Pisani (2004), considera que a relação entre o marxismo e a psicanálise Freudiana são dialéticas. Se “completam e se refutam”. O marxismo e a psicanálise freudiana expressam os dois lados de um mesmo “fato”, duas perspectivas de uma mesma realidade, a realidade do indivíduo “cindido”, explorado e alienado. Neste sentido, elas se completam”. (PISANI, 2004 p. 26) Se refutam, na medida em que possuem objetos de estudos diferentes e por isso não podem ser unidos em uma única disciplina


97 global, capaz de explicar a realidade da sociedade explorada. Cada uma possui um instrumento de análise, são apenas modos diferentes de explicar o mundo. A QUESTÃO DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO E DO TRABALHADOR PELO CAPITAL. Assim como na formulação marxista e freudiana, o trabalho é o ponto de partida para a humanização, socialização e felicidade do homem, também é verdade que na sociedade capitalista o trabalho torna–se degradado e aviltado, conforme nos diz Antunes (2015) e perverso no entendimento psicanalítico. O que deveria ser uma forma sublimatória de realização do indivíduo, reduz–se à condição de degradação e submissão do ser despossuído de bens ao capital, tornando o trabalho condição exclusiva de subsistência material, levando ao penoso caminhar primitivo da sobrevivência exclusivamente. Dessa forma o indivíduo se torna mercadoria, conforme preconizado por Marx, em O Capital. Seus desejos, sua identidade passa a ser não sua, mais do capital, a serviço exclusivo de uma degradação com base na exploração do homem pelo homem. Nas palavras de Antunes (2015, p. 172) “sob o capitalismo, o trabalhador repudia o trabalho; não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece, mas se nega”. O trabalho passa ser forçado, compulsório e não algo capaz de satisfazer uma necessidade pulsional. É escravizador, sem condições de escolha, alienante e “estranhado” em si mesmo, na subjetividade do indivíduo. Como consequência, o trabalho passa a ser interpretado como algo fora do indivíduo, estranho a ele, sem pertencimento. Tornando a atividade laboral odiosa e enfadonha muitas vezes, sem condições de expressar o mundo interno do indivíduo, sem relação alguma de representar uma identidade, desumanizado.


98 O homem passa a ser um objeto de satisfação para interesses particulares do capitalista. Na sociedade regida pelo capital, os homens e suas relações sociais são coisas, mercadorias fetichizadas, que tem no corpo e mente as marcas dos modelos humanos produzidos pela sociedade burguesa. A produção do capital é também uma forma de produção e negação de subjetividades humanas. A teoria marxiana como nenhuma outra, soube esclarecer e mapear a questão do processo de exploração do trabalho e do trabalhador na sociedade capitalista. A importância da obra de Marx, mais precisamente em O Capital, que nos interessa neste texto. Em uma análise simplista e resumida, a discussão sobre as mercadorias que são criadas pelo trabalho humano e sua tentativa de equiparação através dos processos de intercâmbio mercantil, vão mostrar como o trabalho é abstraído de suas propriedades materiais, passando a ser uma atividade abstrata, sem muitas condições de lealdade em suas equiparações. Ao trocarem mercadorias, os homens também estão trocando entre si os produtos dos seus trabalhos e o tempo médio é uma tentativa de medir este trabalho. O que os homens fazem é trocar montes iguais de tempo de trabalho. No entanto, o dinheiro é o porta voz, a encarnação do valor de troca e não de uso. Daí o caráter da fetichização da sociedade subordinada ao capital. Muito se evoluiu nestes debates, mas o que nos interessa é demonstrar como as relações de trabalho entre os homens na sociedade capitalista é cada vez mais injusta, perversa e precarizacada. Devido também às grandes transformações que a sociedade contemporânea vem sofrendo ao longo destas últimas décadas, tanto nas relações de trabalho, quanto nas formas de subjetividades. Como exemplo, o crescente desemprego e degradação das condições de trabalho, a terceirização, os impactos ambientais e o crescimento populacional desorganizado, crises socioeconômicas e politicas mundiais, guerras e o desenvolvimento tecnológico são algumas expressões.


99 Antunes (1999), faz uma análise muito interessante do capital como sistema dominante de mediação produtiva, que na modernidade, vimos a emergência deste sistema para mediações de segunda ordem. O que significa que: expandir constantemente o valor de troca, ao qual todos os demais – desde as mais básicas e mais íntimas necessidades dos indivíduos até as mais variadas atividades de produção, materiais e culturais, – devem estar estritamente subordinadas. Partindo dessa premissa, o traço mais notável da capacidade de expansão do capital dede sua origem, seria a capacidade de total subordinação das necessidades humanas à reprodução do valor de troca. Desse modo, ainda segundo Antunes (1999), existe um novo sistema de metabolismo social no qual há uma necessidade cada vez mais crescente de ampliação dos valores de troca. O capital não pode ser racionalmente controlado, é ele que controla, e os seres humanos não tem outra saída, devem se adaptar. Dessa forma, não encontra limites para sua expansão. Tudo pode ser trocado por dinheiro, todas as relações humanas são mediadas pela troca com a finalidade de acumulação e consumo. O capital é hegemônico em sua dominação, e suas leis favorecem sempre os mais fortes em detrimentos aos mais fracos. […] nesse “processo de alienação, o capital degrada o sujeito real da produção, o trabalho, à condição de uma objetividade reificada – um mero ‘fator material de produção’ – subvertendo desse modo, não só na teoria mas também na prática social mais palpável, a relação real do sujeito/objeto. (ANTUNES, 1999 p. 25)

Pode–se verificar na atualidade, em nosso dia a dia, os aspectos destrutivos do capital, que em plena crise estrutural, tem um poder de devastação ainda maior, destruindo tanto o sistema reprodutivo social até a humanidade, denuncia Antunes (1999). Não há uma ética nestas relações, ela se configura unilateralmente através da exploração em benefício da expansão do capital, “doa a quem doer”. O capital é perverso, pois inverte o objetivo ini-


100 cial da produção voltada genuinamente para o atendimento das necessidades (mediações de primeira ordem), para um interesse exclusivo de autorreprodução de si próprio. Tais aspectos destrutivos, podem ser facilmente percebidos não somente nas questões sociais estruturais como desemprego e precarização das relações de trabalho, mas no adoecimento psíquico dos sujeitos modernos, no qual falaremos em outro tópico. A partir de uma leitura psicanalítica sobre o capital e sua relação de exploração do trabalho e do trabalhador, podemos dizer que o capitalismo encontra terreno fértil na busca desenfreada pelo gozo a qualquer preço pelos homens. Neste sentido a mais–valia é o gozo do capitalista e “o princípio do prazer é o freio do gozo”, conforme discutido por Jorge e Bastos (2009). Para estes autores, esta busca infrene pelo gozo interminável é bárbara, pois não respeita os limites fronteiriços e culturais, muito menos o corpo do outro. Não há respeito à leis simbólicas. O capital invade tudo e todos, e se constitui de uma onipotência desmedida, se torna perverso, na medida que toma o outro por objeto exclusivo de satisfação. Tal aspecto sem dúvida, deixa um rastro de destruição na cultura e no psiquismo humano. Corroborando, a relação entre o desamparo e a precarização do trabalho foi discutido por Menezes (2012), estabelecendo uma leitura psicanalítica dos fenômenos sociais. Desta forma, “o processo de precarização do trabalho poderia ser compreendido como um dos destinos funestos para o desamparo”, como reflexo de uma sociedade que salvaguarda tipos de laços sociais de funcionamento perverso. Como exemplos disso, pode ser citado as relações de poder, as servidões masoquistas e as compulsões, entre outras, disseminadas nas relações humanas e que podem causar muito sofrimento e adoecimento psíquico.


101 REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud: introdução crítica–histórica/ Louis Althusser; tradução e notas Walter José Evangelista; revisão Alaíde Inah Gonzales. Rio de Janeiro: Graal, 4 edição, 2000. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2015. _________. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. BIRMAN, Joel. Mal–estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: A Degradação do Trabalho no Século XX. Rio de Janeiro, 1981. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (Ed.). Psicologia crítica do trabalho na sociedade contemporânea. Brasília: Priscila D. Carvalho — Ascom/cfp, 2010. 144 p. Disponível em: <http://www.crp04.org.br/crp04_com_br2/index.php/publicacoes/publicacoes– cfp/56–psicologia–critica–do–trabalho–na–sociedade–contemporanea.html>. Acesso em: 05 dez. 2016. CHAUÏ, Marilena. “Introdução”. In: LAFARGUE, P. O direito à Preguiça. São Paulo: Hucitec/Unesp, 1999. DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo: Entrevista a Maria Serena Palieri. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. FOUCAULT, Michel. Nietzsche, Freud e Marx Thetrum Philosoficum. São Paulo: Princípio, 1997 FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. In: Edição Standart brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, V 18, 1996., p. 17–72.


102 ________. O Mal–Estar na Civilização. In: Edição Standart brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. V 21, p. 73–148. JORGE, Marco Antonio Coutinho; BASTOS, Flávio Corrêa Pinto. Trabalho e Capitalismo: uma visão psicanalítica. 2009. Disponível em: <https://www.uva.br/trivium/edicao1/artigos–tematicos/2–trabalho–e–capitalismo.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2016. MENEZES, Lucianne Sant’Anna. Psicanálise e saúde do trabalhador: nos rastros da precarização do trabalho. São Paulo: Primavera, 2012. PISANI, Marilia Mello. Marxismo e psicanálise no pensamento de Herbert Marcuse: uma polêmica. Rev. Mal–Estar e Subj., Fortaleza: v. 4, n. 1, mar. 2004. p. 23–64 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518– 61482004000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 24 dez. 2016. VIANA, Nildo Silva. Fromm crítico de Freud. 2010. Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/issue/view/433>. Acesso em: 05 dez. 2016.


103

O SIGNIFICADO DO TRABALHO DO TUTOR NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO MUNDO DO TRABALHO EM RELAÇÃO AO AVANÇO DAS TECNOLOGIAS Alicia Felisbino Ramos Robson Luiz de França Da janela do presente observa–se o presente com os olhos do passado. Da janela do presente observa–se o futuro como extensão do passado (BORGES, 2017, online). PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS COM AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO As mudanças no mundo do trabalho, ocorridas principalmente no final do século XX, trouxeram modificações estruturais para o processo de trabalho capitalista. Novas formas de gestão, combinadas com as novas tecnologias, fizeram surgir novos postos de trabalho, novas formas de organização do processo produtivo e novas demandas para a formação dos trabalhadores. Analisa–se agora, em especial, as Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs e seu papel no contexto explorado por este estudo. Vale ressaltar que antes era utilizado o termo Novas Tecnologias de Comunicação e Informação – NTIC, mas, com a habitualidade vivencial das novas tecnologias, o adjetivo “nova” vem desaparecendo, cedendo espaço para o termo TICs e suas especificidades.


104 Sabe–se que as TICs difundiram–se na virada do último milênio, com um grande número de recursos informatizados surgindo com um abundante nível de informação. O surgimento delas é bem explorado no estudo de Brandão (1982), quando ele aponta que os recursos informatizados extrapolaram o papel de simples veículo portador de informações, pois excederam os dispositivos e ambientes comuns de comunicação, proporcionando maior interação entre os envolvidos no processo comunicativo e alterando os conceitos de espaço e tempo. Com isso, as TICs1 tornaram–se elementos essenciais nas relações de produção e do trabalho. Segundo Barreto (2003), as mudanças ocorridas no mundo do trabalho também podem ser observadas no campo educacional, que passa a receber influências de novos aparatos tecnológicos e novas relações de trabalho. Perante as novas exigências demandadas pelo processo de globalização, a profissão docente, da mesma forma que as demais profissões, passa por uma série de adequações, incorporando habilidades e competências no manuseio das novas tecnologias da informação e da comunicação. As transformações tecnológicas requerem do professor a aquisição de novas competências sócio–profissionais embasadas na abertura, flexibilidade, conscientização e integração da utilização das TICs e o tratamento da diversidade intercultural. De acordo com Barreto (2003), são dois os tipos de competências básicas que o professor precisa adquirir: a competência intercultural e a competência tecnológica. A primeira se refere à atenção dada às diferenças educativas interculturais dos estudantes, que são provenientes de diferentes contextos e culturas, e também ao reconhecimento da própria identidade cultural de cada aula. A segunda competência está situaPor novas tecnologias, em educação, estamos entendendo o uso da informática, do computador, da internet, do CD–ROM, da hipermídia, da multimídia, de ferramentas para educação a distância – como chats, grupos ou listas de discussão, correio eletrônico etc. e de outros recursos de linguagens digitais de que atualmente dispomos e que podem colaborar significativamente para tornar o processo de educação mais eficiente e mais eficaz. (MASETTO, 2000, p. 152). 1


105 da no contexto do letramento digital e requer do professor a aquisição de habilidades para integrar as tecnologias no processo de ensino–aprendizagem. Nesse sentido, vários estudiosos abordam a influência das transformações tecnológicas no mundo da educação, mais especificamente no contexto capitalista e na análise das estratégias e dos métodos do ensino e da aprendizagem que se dotam de novas formas de gestão pedagógica. Campos e Mill (2005, p.41), por exemplo, acreditam que com a introdução das TICs, “a prática docente requer outros saberes: do domínio das máquinas, o acesso, o processamento e a síntese das informações para a construção de novos conhecimentos”. Já no entender de Prandini (2009), a possibilidade da utilização das TICs nas situações de ensino criou um novo cenário educacional e com ele uma série de questões para a atuação docente. No desenvolvimento do trabalho nesse novo cenário, os professores defrontam–se com dificuldades inéditas para eles até então e a partir daí constroem novos conhecimentos e criam alternativas de atuação sobre o trabalho mediatizado pelas TICs, conhecimentos sobre um novo tipo de relação pedagógica e condições de trabalho. Por sua vez, Kensky (2002), entende que as TCIs, caracterizadas como midiáticas, são mais do que simples suportes: Elas interferem em nosso modo de pensar, sentir, agir, de nos relacionarmos socialmente e adquirirmos conhecimentos. Criam uma nova cultura e um novo modelo de sociedade […].Estamos vivendo um novo momento tecnológico. A ampliação das possibilidades de comunicação e de informação, por meio de equipamentos como o telefone, a televisão e o computador, altera nossa forma de viver e de aprender na atualidade (KENSKY, 2002, p.24).

Para essa autora, as TICs passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas e são vistas não como instrumentos tecnológicos e sim como companhias, continuação de seu espaço de vida. A televisão, o computador, o telefone celular passou a fazer parte da vida das pes-


106 soas e modificaram seus comportamentos. Além dessa consideração de Kensky, este trabalho aponta alguns fatores que são de suma importância e prévios às iniciativas que buscam implementar as TICs no contexto educacional, com base em outros estudiosos. De acordo com os estudos de Sathler (2008), um desses fatores é a experiência técnica e didático–pedagógica dos docentes no que se refere ao uso dessas tecnologias em sala de aula ou a distância. Em um país de desigualdades radicais, é possível encontrar desde tecnoaditos (viciados em tecnologia) a tecnofóbicos (que tem medo de tecnologia). Quanto mais contato prático o professor tiver com as tecnologias, maior é a possibilidade de se aperfeiçoar na utilização delas de forma criativa. Por isso, é preciso criar oportunidades para gerar maior assimilação das possibilidades abertas aos profissionais e o fortalecimento da autoestima, primordial para se conscientizar sobre a capacidade de dominação da máquina. Outro fator importante também é a infraestrutura disponível aos alunos e docentes, que influencia significativamente a apropriação das tecnologias na educação. Com isso, faz–se necessário levar em conta o acesso delas em casa, na escola e em outros espaços que possam ser utilizados quando necessário, pois quando essas possibilidades externas não são consideradas, corre–se o risco de se paralisar todo o trabalho, por extrapolar as possibilidades financeiras organizacionais. Essas organizações devem oferecer suporte administrativo e financeiro aos educadores para que eles possam se desenvolver no uso das TICs, tanto em nível pessoal quanto no trabalho. É preciso também criar incentivos à formação docente, investindo–se assim em seu aperfeiçoamento contínuo, facilitando–lhe o acesso a equipamentos, softwares e telecomunicações. A inovação no trabalho docente pode ser constatada não pelo uso puro e simples do computador em seu cotidiano, mas a partir do momento em que esses equipamentos alteram de forma significativa o olhar do docente diante do seu trabalho, suas concepções de educação, seus modelos de ensino–aprendizagem, etc. […] Ao se referir ao uso de computadores no sis-


107 tema escolar, os PCNs consideram que a incorporação deles no ensino não deve ser apenas a informatização dos processos de ensino já existente, pois não se trata de uma aula com ‘efeitos especiais’. O computador permite criar ambientes de aprendizagem que fazem surgir novas formas de pensar e aprender (ARRUDA, 2004, p.68).

Desse modo, pode–se inferir que as tecnologias têm apresentado a capacidade de modificar–se com certa rapidez e essa característica pode dificultar a sua apropriação. Com isso, faz–se necessário que a educação as integre de forma a se beneficiar dos recursos que elas disponibilizam, já que essa é uma realidade social que se impõem ao homem da modernidade como condição de existência. Há uma disseminação geral das tecnologias da informação e comunicação. É possível perceber que de forma geral elas integram a vida das pessoas, estão presentes em diversos seguimentos e influenciam a vida social. A escola como centro de formação e do saber não pode negar o relacionamento entre o conhecimento no campo da informática e os demais campos do saber humano. Trata–se de uma nova forma de linguagem e de comunicação, trata–se da linguagem digital. Sua história é como a história das demais formas de comunicação que surgiram anteriormente e para as quais os seres humanos mostraram resistência (GRINSPUN, 1999, p.12).

A presença das novas TICs, segundo Barreto (2003), tem sido investida de sentidos múltiplos, que vão da alternativa de ultrapassagem dos limites postos pelas velhas tecnologias, representadas principalmente pelo quadro de giz e materiais impressos, à resposta para os mais diversos problemas educacionais ou até mesmo para questões socioeconômicas e políticas. Ensinar com as novas mídias será uma revolução se mudarmos simultaneamente os paradigmas convencionais do ensino, que mantêm distantes professores e alunos. Caso contrário, conseguiremos dar um novo verniz de modernidade, sem mexer no essencial. A internet é um novo meio de comunicação, ainda incipiente, mas que pode nos ajudar a rever, a ampliar e


108 a modificar muitas das formas atuais de ensinar e de aprender (MORAN, 2000, p.630).

Com os argumentos apresentados até aqui se pode provar que, diante de um contexto globalizado e cada vez mais automatizado, que desfruta das mais diversas tecnologias para aperfeiçoar inúmeras áreas do conhecimento, convém dar o devido destaque à tecnologia da informação voltada à educação, que vem ganhando espaço na realidade educacional brasileira. É inegável que todo o funcionamento da vida social está entrelaçado com as tecnologias. As NTICs oferecem possibilidades inéditas de interação mediatizada (professor/aluno; estudante/estudante) e de interatividade com materiais de boa qualidade de grande variedade. As técnicas de interação mediatizada criadas pelas redes telemáticas (e–mail, listas e grupos de discussão, websites etc.) apresentam grandes vantagens. Pois permitem combinar a flexibilidade da interação humana (com relação à fixidez dos programas informáticos, por mais interativos que sejam) com a independência no tempo e no espaço, sem por isso perder velocidade (BELLONI, 2012, p. 64).

Com o atual nível de extremo desenvolvimento dos meios de telecomunicação, como as redes interativas de computadores, vídeos e áudios, é possível um diálogo mais ágil e particular com o professor e, principalmente, com os próprios alunos. Assim, esses meios de comunicação viabilizam programas menos estruturados que os meios de comunicação impressos e gravados. Com o desenvolvimento das tecnologias, como a internet, o aluno tornou–se cada vez mais autônomo e independente sem ficar limitado pelas restrições de tempo e espaço. O mundo da educação dispõe de diversas mídias educacionais, dentre as mais utilizadas estão o computador e a internet e o grande desafio é saber utilizá–los de forma eficiente e permitir que elas contribuam com o aperfeiçoamento da prática pedagógica. Segundo Belloni (2012, p.64), “a eficácia do uso destas TICs vai depender, portanto muito mais da concepção de cursos e estratégias do


109 que das características e potencialidades técnicas destas ferramentas”. A inclusão das TICs na educação implica em outras questões, que, por vezes, podem passar despercebidas. O valor da tecnologia na educação é derivado inteiramente da sua aplicação. Saber direcionar o uso da Internet na sala de aula deve ser uma atividade de responsabilidade, pois exige que o professor preze, dentro da perspectiva progressista, a construção do conhecimento, de modo a contemplar o desenvolvimento de habilidades cognitivas que instigam o aluno a refletir e compreender, conforme acessam, armazenam, manipulam e analisam as informações que sondam na Internet (ARAÚJO, 2005, p. 23–24).

Nessa linha de raciocínio, surgem também as advertências. Belloni (2012) alerta contra os modismos em relação ao uso das novas tecnologias na educação. A autora lembra que não podemos esquecer de que a introdução de uma nova técnica no processo de ensino e aprendizagem deve estar orientada para uma melhoria da qualidade e da eficácia do sistema e também para priorizar os objetivos educacionais e não as características técnicas. Por sua vez, Diezeude (1991) chama a atenção para três preocupações que devem orientar o uso das NTICs na educação. ▪ A utilização dessas técnicas não deve ser resultado de uma adesão às modas que fazem da informação e da comunicação (“conceitos elásticos e ambíguas, altrape–tout”) o motor da sociedade moderna, a solução de seus disfuncionamentos e a ferramenta para resolução de todos os conflitos […]. A educação não é um “sistema de máquinas de comunicar informação”, ou de simplesmente transmitir conhecimentos. A educação deve “problematizar o saber”, contextualizar os conhecimentos, colocá–los em perspectiva, para que os aprendentes possam apropriar–se deles e utilizá–los em outras situações.

▪ A segunda precaução refere–se à diferença entre conhecimento e informação, ou seja, a consideração do conhecimento como algo diferente e mais amplo: “O conheci-


110 mento ainda não é o saber, e o saber escolar não é todo saber: ele é seleção e interpretação dos conhecimentos cuja aquisição é julgada indispensável ao desenvolvimento pessoal e à competência dos que aprendem”. ▪ Enfim, a terceira precaução de princípio refere–se ao fato, bastante comum, do recurso às NTICs para resolver problemas dos sistemas em dificuldades ou como panaceia para doenças crônicas da educação, o que significa, ceder a ideologia dominante da comunicação–milagre, resolvendo as desigualdades sociais e os conflitos de poder nas frivolidades lúdicas e consumistas (DIEUZEIDE, 1991, apud BELLONI, 2012, p.67). Esses estudos revelam que as novas tecnologias, quando utilizadas com compromisso social e competência técnica, além de serem mecanismos de socialização do saber que implica qualidade social da educação, também qualificam o trabalho docente do professor, à medida que ele é o principal mediador do conhecimento no processo de ensino–aprendizagem. É inegável também que a introdução das novas tecnologias ligadas ao saber docente pode sim contribuir para a melhoria das condições de acesso à informação, pois elas minimizam limitações relacionadas ao tempo e espaço e permitem também uma maior agilização na comunicação entre professores, alunos e a instituição. Podemos dizer ainda que as novas tecnologias, inseridas na educação, podem contribuir na inovação da prática diária do trabalho do professor em sala de aula. As tecnologias da comunicação não substituem o professor, mas modificam algumas das suas funções. A tarefa de passar informações pode ser deixada aos bancos de dados, livros, vídeos, programas em CD. O professor se transforma agora no estimulador da curiosidade do aluno por querer conhecer, por pesquisar, por buscar a informações mais relevantes. Num segundo momento, coordena o processo de apresentação dos resultados pelos alunos. Depois, questiona alguns dos dados


111 apresentados, contextualiza os resultados, adapta–os à realidade dos alunos, questiona os dados apresentados. Transforma informação em conhecimento e conhecimento em saber, em vida, em sabedoria – o conhecimento com ética (PAPERT,1988, p. 21).

É importante ressaltar que cabe ao professor estar comprometido no processo, consciente não só das reais capacidades da tecnologia, do seu potencial e de suas limitações para que possa selecionar qual é a melhor utilização a ser explorada num determinado conteúdo. É dessa forma que as TICs contribuem para a melhoria do processo ensino–aprendizagem, por meio de uma renovação da prática pedagógica do professor e da transformação do aluno em sujeito ativo na construção do seu conhecimento, levando–os, através da apropriação dessa nova linguagem, a inserir–se na contemporaneidade (FRIGOTTO, 1996). Com relação à prática pedagógica, Moran (2000) assinala que: por mais que a educação se transforme com o emprego das novas tecnologias e metodologias, o professor, através de sua postura e do seu conhecimento, é quem efetiva a utilização desse aparato científico e tecnológico. Com isso redimensiona o seu papel deixando de ser o transmissor do conhecimento pra ser um orientador do processo de aprendizagem, trabalhando de maneira equilibrada a orientação intelectual, emocional e gerencial dos alunos. Nesse sentido, Freire (1996, p. 630) tende a concordar com essa linha de pensamento, pois para ele “divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado”. Não podemos deixar de falar que, além dos benefícios que são inegáveis, as novas tecnologias também têm seu lado perverso, pois na prática do dia a dia do professor, elas podem intensificar o trabalho dele2. A categoria trabalho docente abarca tanto os sujeitos nas suas complexas dimensões, experiências e identidades quanto as condições em que as atividades são realizadas no ambiente escolar. Compreende, portanto, as atividades, responsabilidades e relações que se realizam na escola para além da regência de classe, sujeitas, no conjunto, a mecanismos implantados pela gestão na busca por 2


112 A intensidade do trabalho é, pois, mais que esforço físico, pois envolve todas as capacidades do trabalhador, sejam as capacidades de seu corpo, a acuidade de sua mente, a afetividade despendida, os saberes adquiridos através do tempo ou transmitidos pelo processo de socialização. Além do envolvimento pessoal, o trabalhador faz uso de relações estabelecidas com outros sujeitos trabalhadores sem as quais o trabalho se tornaria inviável. As relações de cooperação com o coletivo dos trabalhadores, a transmissão de conhecimentos entre si, que permite um aprendizado mútuo, as relações familiares, grupais e societais, que acompanham o trabalhador em seu dia a dia e que se refletem nos locais de trabalho, quer como problemas, quer como potencialidades construtivas, são levadas em conta na análise da intensificação do trabalho (DAL ROSSO, 2006, p. 68).

Se por um lado existe o intuito de aumentar a produção através do emprego de novas tecnologias, por outro lado, elas também alteram concomitantemente o próprio trabalho, que passa a ser reestruturado readaptado e, com isso, geralmente, exige–se do trabalhador um maior esforço e envolvimento. O que se verifica é que as modificações ocorridas no mundo do trabalho trouxeram novos desafios e perspectivas também para o trabalho docente, principalmente com o avanço das novas tecnologias. Sendo assim até que ponto essas novas tecnologias têm intensificado o trabalho docente? Barreto e Leher (2003) acreditam que a dinâmica das inovações tecnológicas está nos vários seguimentos produtivos demarcados pelas reformas educacionais de formação e trabalho docente. A consequência, segundo esses autores, é constatada na descentralização e intensificação do trabalho docente diluído nas novas tecnologias educacionais, no âmbito curricular e escolar. De acordo com Fidalgo e Fidalgo (2009), a introdução e o emprego constante das tecnologias informáticas e multimídias nos processos de ensino–aprendizagem e suas implicações para a atividade redução dos custos e aumento da eficácia (Oliveira, 2006, p. 223).


113 docente constituem um problema teórico importante e de grandes implicações práticas. Por sua vez, Belloni (2012) tende a concordar com essa linha de raciocínio, pois para ela, “mediatizar” será uma das competências mais importantes e indispensáveis à concepção e realização de qualquer ação da EaD: De certa forma, ao preparar suas aulas e os materiais que vai utilizar, o professor “mediatiza”, embora o meio mais importante nesse caso seja a linguagem verbal direta, o que significa que mediatizar o ensino não é uma competência totalmente nova. O que é novo é o grande elenco de mídias cada vez mais “performantes” disponíveis hoje no mercado, já sendo utilizadas por muitos dos aprendentes fora da escola, o que acarreta uma crescente exigência de qualidade técnica da parte dos estudantes (BELLONI, 2012, p..67, grifos da autora).

Por meio dessas análises, podemos concluir que as tecnologias digitais, vistas como instrumentos de mediação do processo de trabalho docente, podem afetar profundamente a relação entre os sujeitos envolvidos, assim como sua relação com os objetos de conhecimento. O docente e o seu trabalho são fortemente impactados, no que se refere tanto à sua individualidade quanto à relação com os outros. Com isso, para compreender e incorporar de forma consciente e criativa as inovações didático–pedagógicas é necessário que o seu emprego não seja puramente episódico, isolado. É preciso perceber as relações que se estabelecem entre as tecnologias digitais e os planos objetivo e subjetivos do trabalho. O professor ideal agora é um híbrido de cientista e corretor de valores. Grande parte do seu tempo deve ser dedicada a preencher relatórios, alimentar estatísticas, levantar verbas e promover visibilidade para si e seu departamento. O campus vai se reconfigurando num gigantesco pregão. O gerenciamento de meio acabou se tornando fim na universidade. A ideia é que todos se empenhem no limite de suas forças (SEVCENKO, 2000, p. 7).


114 Ao estudar a questão, Mancebo (2007) assevera que, com a informatização dos serviços, sem dúvida nenhuma desaparecem ou diminuem também algumas tarefas tediosas, que antes eram de responsabilidade docente, como a elaboração de listas, cálculo de qualificações, elaboração de textos datilografados, dentre outras. No entanto, em contrapartida, novas atribuições são agendadas para os professores, que passam a ser responsáveis não apenas pela sala de aula e pelo desenvolvimento de suas pesquisas, mas por um crescente número de tarefas, como o preenchimento de inúmeros relatórios e formulários, a emissão de pareceres, a captação de recursos para viabilizar seu trabalho e até para o bom funcionamento da universidade. As mudanças tecnológicas contemporâneas, particularmente aquelas no campo da informação e da comunicação, constituem instrumentos fundamentais para reduzir a “porosidade” do trabalho, os momentos de não trabalho dentro do tempo de trabalho. […] Os computadores portáteis, os telefones móveis e as conexões pela Internet abriram as portas para o trabalho mais intenso. […] O tempo livre, o tempo de não trabalho, passou a ser engolido pelo trabalho (DAL ROSSO, 2006, p. 70–71).

Em suma, a tecnologia altera a relação temporal e redefine os espaços de atuação profissional. O professor passa a trabalhar em qualquer lugar, basta estar conectado e interagindo com o trabalho. Essa relação dele com o trabalho mediada pelas tecnologias, segundo Kenski (2013), avança pelos seus tempos diários, que antes eram programados com espaços livres e agora alcançam os finais de semana a até mesmo as férias, porque basta se conectar. A relação do indivíduo–coletivo é fortemente afetada, pois o primeiro tende a substituir a presencialidade dessa relação em várias instâncias por mensagens pela internet, telefonemas e até mesmo encontros na rede, como as salas de bate–papo virtual, e instrumentos mais sofisticados como as videoteleconferências. Sinais de um processo de individualização das relações sociais e de trabalho em curso no desenvolvimento das


115 sociedades atuais. Dessa forma, parece ocorrer um esvaziamento de espaços coletivos como reuniões, assembleias e até mesmo palestras e debates, que podem receber a colaboração do público por meio de e–mails, arquivos virtuais, gravações em vídeo ou CD (FIDALGO; FIDALGO, 2009, p.106).

Nesses casos, percebemos que as tecnologias promovem práticas que são colaborativas e alienantes ao mesmo tempo. Elas servem tanto para acionar quanto para controlar os docentes com demandas de trabalho durante o tempo livre fora dos espaços acadêmicos. Ao se relacionar o fenômeno de intensificação no trabalho docente com a incorporação das novas tecnologias no processo de ensino, destacamos que, no contexto atual, a presença universal do computador e dos novos recursos virtuais passou a integrar a transmissão do conhecimento e da informação. As principais características dessa de intensificação, segundo Ferreira (2015), podem ser resumidas como um processo em que docentes respondem a pressões cada vez mais fortes e são levados a consentir com inovações tecnológicas em condições de trabalho que tendem a se manter as mesmas, ou piorar, como frequentemente pode ser identificado naquilo que se chama de precarização do trabalho. Evidenciamos também que as facilidades de interação com as TICs acabaram por redefinir procedimentos no cotidiano docente. Também mostraram a necessidade de o professor estar atento ao pensamento crítico sobre as mudanças na escola e, consequentemente, ao tempo docente diante da popularização das novas tecnologias. Antes de delinearmos com mais profundidade a respeito do trabalhador que atua nos cursos de EaD, é importante apontarmos algumas questões referentes quanto ao seu contexto histórico, bem como seus marcos legais para melhor se entender e explicar essa modalidade de ensino no contexto atual da educação brasileira. Concebe–se a educação como formadora do ser humano, para além da perspectiva de capacitação de “recursos humanos”, de modo a que contemple não apenas soluções para atender as


116 atuais necessidades materiais da população, mas que contribua para a emancipação humana como um dos requisitos para o exercício da cidadania. A educação a distância compartilha dessas mesmas finalidades (MORAES, 2012, p.65).

Os processos de globalização da economia na sociedade contemporânea geram novas demandas por formação inicial e continuada, seja pela ampliação significativa da procura, seja pela diversificação dos campos profissionais, representando um desafio para as instituições educacionais, em particular as de nível superior que, pelos meios convencionais, não têm condições para atender às atuais exigências de qualificação. Com isso, de acordo com Moraes (2012), impõe–se a reorganização do trabalho docente e dos processos educativos realizados no âmbito do ensino superior. A ênfase recai, então, nas universidades públicas, por meio de uma política voltada para a oferta regular de cursos a distância, como propõe a Universidade Aberta do Brasil – UAB, ao lado da oferta de modelos pedagógicos híbridos, envolvendo espaços curriculares mediados pelas tecnologias de informação e comunicação, que assegurem a democratização e a qualidade dessa formação. Há várias definições para o termo “educação a distância”. Neste estudo, a fim de compreendermos a natureza multidimensional dessa modalidade de ensino e da forma como ela acontece no curso de Pedagogia a Distância, do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Pafor, da UFU, utilizaremos a definição do Decreto 5.622/2005, que regulamenta o Art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Caracteriza–se a educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático–pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. (BRASIL, 2005, online).


117 A EaD, segundo Alves (2011), pode ser considerada a mais democrática das modalidades de educação, pois ao se utilizar de tecnologias de informação e comunicação transpõe obstáculos à conquista do conhecimento. Essa modalidade de educação vem ampliando sua colaboração na ampliação da democratização do ensino e na aquisição dos mais variados conhecimentos, principalmente por ela se constituir em um instrumento capaz de atender um grande número de pessoas simultaneamente, chegar a indivíduos que estão distantes dos locais onde são ministrados os ensinamentos e/ou que não podem estudar em horários preestabelecidos. Com o objetivo de ampliar os espaços de ensino aprendizagem, cada universidade, de acordo com Moran (2010), determinará um ponto de equilíbrio entre o ensino presencial e o virtual em cada área do conhecimento. Muitos cursos, mesmo sendo a distância, preveem momentos presenciais3 visando propiciar explicações complementares e até mesmo para sanar dúvidas. BREVE CONTEXTO HISTÓRICO DA EAD NO BRASIL A evolução histórica da EaD no Brasil, nos estudos de Alves (2009), é marcada pelo surgimento e disseminação dos meios de comunicação. Ao contrário do que muitos possam pensar, a EaD não é uma nova modalidade de ensino advinda do surgimento da internet, embora esta assuma hoje uma grande importância em relação a novas possibilidades de interações. Tal modalidade passou pela fase da correspondência, do rádio e da televisão, até chegar à atuação conjugada dos diferentes meios de comunicação, dentre os quais, os favorecidos pelo meio da internet. A EaD no Brasil é marcada por uma trajetória de sucessos, não obstante a existência de alguns momentos de estagnação provocados por ausência de políticas públicas para o setor. Em mais de cem anos, excelentes programas foram criados e, gra3

No curso de Pedagogia a Distância – Faced/UFU, além das avaliações presencias, há também encontros presencias no início de cada semestre.


118 ças à existência deles, fortes contribuições foram dadas ao setor para que se democratizasse a educação de qualidade, atendendo principalmente, cidadãos fora das regiões menos favorecidas (ALVES, 2009, p. 9).

Baseado se em estudos de Moore e Kearsley (2008), a EaD evoluiu e pode ser dividida em cinco gerações. QUADRO 1: Gerações da Educação a distância. GERAÇÃO TECNOLOGIA/MÍDIA 1ª Geração Ensino por correspondência 2ª Geração Transmissão por rádio e televisão 3ª Geração Universidades abertas 4ª Geração Teleconferência 5ª Geração Internet/Web FONTE: Moore e Kearsley (2007, p. 26), adaptado pela autora.

PERÍODO Século XIX Início do Século XX Década de 1960 Década de 1980 Década de 1990

A pesquisa de Moore e Kearsley (2007) aponta que a primeira geração ocorreu quando o meio de comunicação era o texto e a instrução, por correspondência, isto é, pelo envio de materiais didáticos impressos via correio ou transporte marítimo e ferroviário. A segunda geração foi o ensino por meio da difusão pelo rádio e televisão. A terceira geração foi quando despontaram as chamadas universidades abertas que, impulsionadas por políticas governamentais de ampliação do acesso à educação, começaram a oferecer cursos superiores através não só de materiais impressos, do rádio e da televisão, como também do telefone e de fitas de vídeo, por exemplo. Em seguida na quarta geração, foi quando ocorreu a primeira experiência de interação de um grupo em tempo real a distância, em cursos por áudio e videoconferência transmitidos por telefone, satélite, cabo e redes de computadores. Em 2017, estamos vivenciando a quinta geração de educação a distância, caracterizada pelo uso, principalmente, do computador e ainda mais notadamente da internet, na qual se convergem diversas tecnologias digitais multimídias. Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVAs, nesse estágio, são fundamentais aos cursos


119 de EaD por oferecerem não só espaços para a disponibilização dos materiais didáticos, como também ferramentas que propiciam a interlocução (seja síncrona, como o chat, ou assíncrona, como os fóruns de discussão) entre professores e alunos. Os materiais didáticos, no entanto, ainda ocupam lugar de destaque nessa quinta geração do processo de ensino–aprendizagem a distância, a despeito de não serem mais os únicos instrumentos de mediação entre os atores desse processo. Além disso, apesar da importância do computador e da internet, as tecnologias das gerações anteriores não foram abandonadas. Ao contrário, a elas somaram–se novas, tornando os materiais didáticos mais ricos e dinâmicos. Ainda com base em Alves (2009), vale registrar alguns pontos históricos na EaD no Brasil. Tudo começou por volta do ano de 1900, através de anúncios em jornais onde professores particulares ofereciam cursos profissionalizantes. A referência oficial deu–se em 1904 com a instalação de escolas internacionais, quando uma organização norte–americana filiou–se no Brasil com o intuito de ofertar cursos por correspondência, enviando materiais didáticos pelos correios. Esses cursos visavam capacitar pessoas principalmente na área do comércio e serviços. O ano de 1923 foi de essencial para a EaD. Através da iniciativa privada, foi fundada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que teve como principal objetivo levar a educação popular através das ondas do rádio. Por possuir um enorme alcance em termos geográficos e facilitar o acesso à informação por pessoas de baixa renda, mobilidade e baixo custo, impulsionou a educação a distância no país (MARTINS, 2005). Palavras ditas por Roquete Pinto4 transcritas no texto de Martins (2005), nos mostra a importância que o rádio desempenhava na formação do cidadão. O rádio é a escola dos que não têm escola. É o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o di4

Edgar Roquete Pinto: médico legista, professor, antropólogo e ensaísta brasileiro, considerado o pai da Rádio Difusão.


120 vertimento gratuito do pobre; é o animador de novas esperanças, o consolador dos enfermos e o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito altruísta e elevado. (MARTINS, 2005, pg. 27).

Em 1941 foi fundado o Instituto Universal Brasileiro5, que visava à preparação de jovens com o objetivo de ministrar cursos profissionalizantes, sem o professor em sala de aula, na modalidade de ensino profissionalizante por correspondência (PALHARES, 2009). Tabela 1: A Educação a Distância no Brasil: iniciativas pioneiras de 1923 a 1941. Período

Evento

1923

Fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro

1934 1936 1937 1939

Criação da Escola–Rádio Municipal do RJ Doação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao Ministério da Educação e Saúde Criação do Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação Criado a Escola de Comando do Estado Maior e o Centro de Estudos Pessoal (CEPE)

1939

A Marinha utiliza os correios para qualificação em EAD

1941

Criado o Instituto Universal Brasileiro

FONTE: Unesco (2005); Dipity (2005).

No início dos anos de 1960, destaca–se o Movimento de Educação de Base – MEB6, cuja preocupação central era alfabetizar e apoiar os primeiros passos da educação de jovens e adultos através das escolas radiofônicas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. O Movimento Educacional de Base distinguiu–se pela utilização do rádio e montagem de uma perspectiva de sistema O Instituto Universal Brasileiro é considerado pioneiro no ensino a distância no Brasil e há mais de 60 anos vem desempenhando uma relevante função de modernização nessa modalidade. Hoje, além dos cursos livres e preparatórios, oferece cursos supletivos do ensino fundamental e médio e também ensino técnico. 6 O MEB é um organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, constituído como sociedade civil, de direito privado, sem fins lucrativos, com sede e foro no Distrito Federal. Foi fundado em 21 de março de 1961. 5


121 articulado de ensino com as classes populares. Após a repressão política que se seguiu ao Golpe de 1964, o projeto inicial do Movimento foi desmantelado pelo governo, fazendo assim com que as propostas e os ideais de educação popular de massa daquela instituição fossem abandonados. Nos anos de 1970, o destaque é o Projeto Minerva 7, vinculado ao Ministério da Educação, que enfatizava a educação de adultos. O projeto Minerva era transmitido em rede nacional, por emissoras de rádio e emissoras de televisão, e seu objetivo era preparar alunos para os exames supletivos de Capacitação Ginasial. Esse programa foi implantado como uma solução, em curto prazo, aos problemas de desenvolvimento econômico do Brasil, já que visava preparar mão de obra para fazer frente ao desenvolvimento e à competição internacional. No entanto, teve severas críticas devido ao baixo índice de aprovação, 77% dos inscritos não conseguiam obter o diploma (ALVES, 2009). Nos anos de 1970, no meio acadêmico, segundo Vasconcelos (2009), a Universidade de Brasília – UNB desenvolveu sua primeira experiência em EaD, cujo funcionamento permanece até os dias atuais. Em 1978, a Fundação Padre Anchieta (TV Cultura) e a Fundação Roberto Marinho fundaram o Telecurso 2° Grau 8, no ar até os 7

O Projeto Minerva nasceu no Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação e Cultura. Foi iniciado em 1º de setembro de 1970. O nome Minerva é uma homenagem à deusa grega da sabedoria. Do ponto de vista legal, foi ao ar tendo como escopo um decreto presidencial e uma portaria interministerial de nº 408/70, que determinava a transmissão de programação educativa em caráter obrigatório, por todas as emissoras de rádio do Brasil. A obrigatoriedade é fundamentada na Lei 5.692/71. Cf. MOORE, Michael G.; KEARSLEY, Greg. Educação a distância: uma visão integrada. Edição especial ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância. São Paulo: Thomson Learning, 2007. 8

O Telecurso é um sistema educacional de educação a distância brasileiro brasileiro mantido pela Fundação Roberto Marinho e pelo sistema da Federação das Indústrias de São Paulo – Fiesp, sendo exibido pela Rede Globo. O programa consiste em teleaulas das últimas séries do ensino fundamental (antigo 1º Grau) e do ensino médio (2º grau) que podem ser assitistidas em casa ou em telessalas.


122 dias atuais, e que utiliza programa de TV e material impresso vendidos nas bancas de jornal, que prepara os alunos para o exame supletivo. No início dos anos de 1990, de acordo com Marques (2004), as emissoras de televisão não têm mais obrigações em relação aos programas educativos e, a partir daí, houve um retrocesso, porque os programas começaram a ser transmitidos em horários praticamente impossíveis de serem acompanhados pelo seu público–alvo. Mesmo assim esses programas ainda são exibidos, como os Telecursos, da Fundação Roberto Marinho, as TVs Universitárias, o Canal Futura, a TV Cultura e a TV Escola. Em 1991, teve início o programa Um salto para o futuro, em parceria com o Governo Federal, as Secretarias Estaduais de Educação e a Fundação Roquete Pinto, sendo destinado à formação de professores. Em 1995, o Governo Federal cria a Subsecretaria de Educação a Distância. Nesse mesmo ano, marca também o lançamento da TV Escola, programa concebido e coordenado pelo Ministério da Educação – MEC, em âmbito nacional. O objetivo principal é o aperfeiçoamento e valorização dos professores da rede pública e a melhoria da qualidade de ensino, por meio de um canal de televisão dedicado exclusivamente à educação. O lançamento do programa foi lançado em caráter experimental, em setembro de 1995, operando definitivamente a partir de março de 1996 (MOORE; KEARSLEY, 2007). Esta breve contextualização histórica da EaD no Brasil nos ajudou a perceber os caminhos percorridos dessa modalidade de ensino, ressaltando que pode ser vista também sob o ponto de vista da regulamentação legal pela qual passou ao longo dos tempos. Tal regulamentação legal foi uma reposta do poder público para as necessidades da sociedade.

Também existe a modalidade profissionalizante na área de mecânica.


123 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA No processo de universalização e democratização do ensino, especialmente no Brasil, onde os déficits educativos e as desigualdades sociais são elevados, os desafios educacionais existentes podem ter, na EaD, um meio auxiliar de indiscutível eficácia. Além do mais, os programas educativos podem desempenhar um papel inestimável no desenvolvimento cultural da população em geral. Nessa linha de raciocínio, Moraes (2012) afirma que as propostas de inovações educativa, no Brasil, são colocadas para solucionar problemas de acesso e permanência de alunos nos sistemas de ensino, o que, segundo ele, merece uma ressalva: […] não podemos confundir propostas relacionadas à educação a distância e a necessidade de romper o ciclo da seletividade e exclusão do sistema educacional brasileiro. A educação a distância tem em sua base a ideia de democratização e facilitação do acesso à escola, não a ideia de suplência ao sistema regular estabelecido, tampouco a implantação de sistemas provisórios, mas a de sistemas fundados na Educação Permanente demanda que a sociedade nos impõe hoje, como forma de superação de problemas relativos ao desenvolvimento econômico e tecnológico vivenciados atualmente (MORAES, 2012, p.66).

Desde os anos de 1970, assistimos às tentativas de organização de experiências em EaD no Brasil, sem que isso se consolidasse efetivamente em sistemas baseados nessa modalidade de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 5.692/71 (BRASIL, 1971), que fixa diretrizes e bases para o ensino de primeiro e segundo graus, também trouxe sua contribuição para a abertura da trilha que levaria à regulamentação específica da EaD. O Artigo 25 dessa Lei permitia os cursos ministrados “mediante a utilização de rádio, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam alcançar o maior número de alunos”, mas apenas nos cursos de função supletiva. Assim, os programas de EaD passam a funcio-


124 nar no país precariamente e recebem pareceres dos Conselhos Federais e Estaduais de Educação, classificando–os como experimentais. Inúmeros outros atos legislativos foram editados, tanto pelo Governo Federal, quanto pelo Distrito Federal e estados. Várias tentativas de criação de universidades abertas e a distância surgiram no Congresso Nacional, mas a maioria não teve êxito, sendo os projetos de lei arquivados pelas mais diversas razões (ALVES, 2006, p. 418).

A legislação em EaD no Brasil só teve respaldo legal para sua realização com a Lei de Diretrizes e Base da Educação – Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996), que estabelece em seu Artigo 80, a possibilidade de uso orgânico da modalidade de educação a distância em todos os níveis e modalidades de ensino e de educação continuada. Parágrafo 1º– A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União. Parágrafo 2º – A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diplomas relativos a cursos de educação a distância. Parágrafo 3º – As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas. Parágrafo 4º – A educação a distância gozará de tratamento diferenciado que incluirá: I – custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens; II – concessão de canais com finalidade exclusivamente educativas; III – reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais. (BRASIL, 1996, online).

Dessa forma, podemos observar que a Lei 9.394/96 reconhece a EaD como um processo positivo de formação do cidadão e poderá


125 ser aplicada em todos os níveis e modalidades educacionais. Determina também que EaD terá uma regulamentação própria e que o credenciamento será feito pela União. Ao entrar em vigor, essa lei marca a era normativa da educação a distância no Brasil, como uma modalidade válida e equivalente ao ensino presencial em todos os níveis, e isso possibilitou sua emergência junto ao ensino superior brasileiro. No entendimento de Moran (2002), houve um crescimento na oferta de cursos na modalidade a distância no ensino superior a partir do reconhecimento da EaD, pois um grande número de instituições solicitaram autorização para oferta de cursos e credenciamento da instituição junto ao MEC, atendendo às disposições da legislação educacional vigente. O artigo 80 da LDB foi regulamentado, inicialmente, pelos Decretos Federais nº 2.4949; de 10 de fevereiro de 1998 e de nº 2.56110, de 27 de abril de 1998. “Tais decretos serviram de apoio para os priRegulamenta o Art. 80 da Lei 9.394/96, atribuindo neste, normas quanto à elaboração, certificação, regulamentação, oferta, credenciamento das Instituições, autorização, reconhecimento de cursos, avaliação, padrões de qualidade, matrículas, transferências, aproveitamento de créditos, que deverão, no prazo de um ano da vigência deste Decreto, atender às exigências nele estabelecidas. Cita ainda que os cursos de educação a distância podem ser organizados em regime especial, com flexibilidade de horários, duração e requisitos para admissão, porém sem prejuízo dos objetivos e das diretrizes curriculares fixadas em nível nacional. Cf. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pradime : Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação / Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2006. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pradime/cader_tex_2.pdf>. Acesso em 30 ago. 2014.> 10 “Art. 11. Fica delegada competência ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, em conformidade ao estabelecido nos Arts. 11 e 12 do Decreto–Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, para promover os atos de credenciamento de que trata o §1º do art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, das instituições vinculadas ao sistema federal de ensino e das instituições de educação profissional em nível tecnológico e de ensino superior dos demais sistemas.” “Art. 12. Fica delegada competência às autoridades integrantes dos demais sistemas de ensino de que trata 9


126 meiros credenciamentos de cursos superiores de graduação a distância, entretanto não contemplavam os programas de doutorado e mestrado” (ALVES, 2009, p. 419). Para esse mesmo autor, os decretos de 1988 eram tímidos para um país moderno como o Brasil e com isso apareceram outros movimentos para que um novo texto fosse editado. Desse modo, no ano de 2005, os Decretos 2.494 e 2.561 foram revogados pelo Decreto n° 5.622 (BRASIL, 2005) – ver Anexo 1. Este decreto é bem amplo e detalhado e possui 37 artigos e estabelece toda a organização a ser adotada pelos sistemas de EaD e também alguns objetivos previstos no Plano Nacional de Educação – PNE. Dentre os principais aspectos dessa nova regulamentação podemos destacar os seguintes: (a) O leque dos momentos presenciais obrigatórios se amplia, incluindo, além das avaliações, os estágios obrigatórios, a defesa dos trabalhos de conclusão de cursos e atividades de laboratório (nos três casos, quando previsto na legislação ou quando for o caso) e serão realizados na sede da instituição ou nos polos, estes também credenciados mediante avaliação. (b) A EaD, quando se refere à educação básica, pode ser praticada apenas como complementação de estudos ou em situações emergenciais (essas situações estão definidas nos documentos em análise). (c) A duração dos cursos a distância é a mesma dos cursos presenciais. (d) Os exames presenciais serão elaborados pela própria instituição credenciada e prevalecerão sobre as outras formas de avaliação.

o art. 8º da Lei nº 9.394, de 1996, para promover os atos de credenciamento de instituições localizadas no âmbito de suas respectivas atribuições, para oferta de cursos a distância dirigidos à educação de jovens e adultos, ensino médio e educação profissional de nível técnico.”


127 (e) Todos os acordos de cooperação serão submetidos ao órgão regulador do respectivo sistema de ensino. (f) Instituições de pesquisa científica e tecnológica, públicas ou privadas, de comprovada excelência, poderão ser credenciadas para ofertarem cursos de pós–graduação (lato e stricto sensu) e de tecnologia. (g) O sistema federal credenciará também as instituições dos outros sistemas que desejarem ofertar cursos de educação a distância de nível superior e de educação básica, neste caso, quando sua abrangência ultrapassar o âmbito geográfico do respectivo sistema. As autorizações, reconhecimentos e renovação de reconhecimento dos cursos tramitarão apenas no âmbito dos respectivos sistemas de educação. (h) A Lei do SINAES (n. 10.861/2004) aplica–se integralmente à educação a distância. (i) As prerrogativas da autonomia das universidades e centros universitários são asseguradas também quanto se trata de EaD. (j) Será dada publicidade, tanto pelos sistemas de ensino quanto pelas instituições, dos atos regulatórios referentes às IES e seus cursos. (GIOLO, 2008, online).

O Decreto 5.622/05 (BRASIL, 2005) detalha de modo mais preciso as normas para o credenciamento de instituições, bem como para a autorização de funcionamento de cursos na modalidade EaD, inclusive considerando as particularidades dos diferentes níveis de ensino. De outro lado, afastou a possibilidade de flexibilização quanto aos requisitos para admissão, horários e duração. Ao contrário, estabeleceu que os cursos deverão ter a mesma duração dos cursos presenciais e ampliou as exigências relativas a atividades presenciais. Além dos exames presenciais com o fim de verificar o rendimento dos alunos, cujos resultados devem prevalecer sobre as demais avaliações, também são presenciais os estágios obrigatórios, as defe-


128 sas de trabalhos de conclusão de curso, quando essas atividades estiverem definidas na legislação, e as atividades relacionadas a laboratórios de ensino. Ao mesmo tempo, o Decreto 5.622/05 (BRASIL, 2005) determinou aspectos obrigatórios a serem considerados nos projetos pedagógicos dos cursos ofertados na modalidade a distância, que estão no Artigo 13: I – Obedecer às diretrizes curriculares nacionais, estabelecidas pelo Ministério da Educação para os respectivos níveis e modalidades educacionais; II – Prever atendimento apropriado a estudantes portadores de necessidades especiais; III – Explicitar a concepção pedagógica dos cursos e programas a distância com a apresentação de:– Os respectivos currículos; a) – O número de vagas proposto; b) – O Sistema de avaliação dos estudantes, prevendo avaliações presenciais e a distância, c) – Descrição das atividades presenciais obrigatórias, tais como estágios curriculares, defesa presencial de trabalho de conclusão de curso e das atividades em laboratórios científicos, bem como o sistema de controle de frequência dos estudantes nessas atividades, quando for o caso (BRASIL, 2005, online).

O mérito maior desse decreto “é contemplar a possibilidade de programas de pós–graduação stricto sensu”, conforme assinala Alves (2009, p. 67). E ainda mais: parece manter a necessidade do mesmo ordenamento legal aos cursos presenciais (regras de tramitação), e acrescentou elementos para garantir indicadores de qualidade aos cursos a distância, favorecendo sua expansão pela iniciativa privada e induzindo sua oferta pelas públicas.


129 No Gráfico 1, é possível observar que, entre 2002 e 2012, a taxa de crescimento das IES credenciadas para EaD foi de 500%, saltando de 25, em 2002, para 150 instituições em 2012. As IES públicas cresceram 400%, entre 2002 e 2012, e as IES privadas tiveram uma taxa de crescimento superior, chegando a uma taxa de 677,8%. O quantitativo de IES privadas com EaD só foi significativamente superior ao quantitativo de IES públicas nos anos de 2005 e 2006 (BRASIL, 2014). GRÁFICO 1: Número de Instituições de Educação Superior de graduação a distância por categoria administrativa – Brasil 2002–2012.

FONTE: Brasil (2014a, p.10).

Podemos destacar também outra legislação importante para a EaD, o Decreto n° 5.800, de 8 de julho de 2006 (BRASIL, 2006a), que dispõe sobre a Universidade aberta do Brasil – UAB, um sistema integrado por universidades públicas que oferece cursos de nível superior para camadas da população que têm dificuldade de acesso à formação universitária, por meio do uso da metodologia da educação a distância. O público em geral é atendido, mas os professores que atuam na educação básica têm prioridade de formação, segui-


130 dos dos dirigentes, gestores e trabalhadores em educação básica dos estados, municípios e do Distrito Federal. Tendo como base o aprimoramento da EaD, o sistema UAB visa expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior. Para isso, o sistema busca fortes parcerias entre as esferas federais, estaduais e municipais de governo. O sistema UAB não propõe criação de uma nova instituição de ensino, mas sim a articulação das já existentes, possibilitando levar ensino superior público de qualidade aos municípios brasileiros que não possuem cursos de formação superior ou cujos cursos ofertados não são suficientes para atender a todos os cidadãos. Essa articulação estabelece qual instituição de ensino deve ser responsável por ministrar determinado curso em certo município ou certa microrregião por meio dos polos de apoio presencial. Feita a articulação entre as instituições públicas de ensino e os polos de apoio presencial, o Sistema UAB assegura o fomento de determinadas ações de modo a assegurar o bom funcionamento dos cursos (MOTA, 2009). No Brasil, muitas universidades estão se capacitando para trabalhar com a EaD. Considera–se que a implantação do sistema UAB do Brasil se configurou como uma etapa de amadurecimento da EaD, de legitimação e consolidação de instituições públicas competentes. No entanto, ressalta–se a importância da aproximação entre os núcleos da EaD nas instituições com os demais departamentos e grupos para o desenvolvimento de pesquisas e experiências que integram o virtual e o presencial garantindo a aprendizagem significativa (MORAN, 2007, p. 10). Ao recorrermos ao Gráfico 1, podemos notar que, após a criação do Sistema UAB, no ano de 2006, houve uma expansão dos números das IES credenciadas para ofertarem EaD. Essa expansão foi de 142%, saindo de 33 IES públicas credenciadas em 2006, para 80, em 2012, prevalecendo sobre as IES privadas credenciadas. Segundo dados do Censo da Educação Superior, realizado no ano de 2012 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira – Inep, no período de 2003–2014, o número de


131 matrículas em cursos de graduação presenciais cresceu 5,4% entre 2013 e 2014. Na modalidade a distância, o aumento foi de 16,3%. As matrículas de cursos a distância tiveram o maior crescimento percentual registrado nas universidades (17,8%). GRÁFICO 2: Evolução da matrícula na educação superior por modalidade de ensino – Brasil 2003–2014.

FONTE: Brasil (2014b, p.6).

Esse aumento significativo no número de matrículas de EAD mostra a integração da modalidade do ensino a distância com o ensino superior e também a sua participação total no processo educativo. Segundo dados do Censo EaD 2015, (ABED, 2016, p. 68), o número de alunos matriculados na educação a distância até o ano de 2015, atingiu quase 1,4 milhão, o que representa uma participação de 17, 4% do total de matrículas da educação superior. Em 77,77% das instituições do Sistema Nacional de Aprendizagem – SNA houve aumento em matrículas de cursos semipresenciais. Órgãos públicos, instituições públicas municipais e instituições privadas com fins lucrativos apresentaram aumento significativo de matrículas nos cursos totalmente a distância, com 60%, 50% e 45,46%, respectivamente. Os cursos livres se destacaram nas ONGs, que apresentaram aumento de matrículas na faixa dos 66,67%:


132

GRÁFICO 3: Instituições que apresentaram aumento de matrículas, por categoria administrativa (%).

FONTE: Abed (2016, p.71)

Conforme podemos observar no gráfico abaixo, no período de 2002 – 2012 as matrículas cresceram 4,6% nos cursos de bacharelado, 0,8% nos cursos de licenciatura e 8,5% nos cursos tecnológicos. Os cursos de bacharelado tem uma participação de 67,1% nas matrículas, enquanto os cursos de licenciatura e tecnológicos participaram com 19,5% e 13,5%, respectivamente.


133 GRÁFICO 4: Evolução da matrícula na educação superior de graduação por grau acadêmico do curso – Brasil, 2012.

FONTE: Brasil (2012, p.7).

Para complementar o Decreto nº 5.622, em 2007 entra em vigor o Decreto nº 6.303, de 12 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007a), que determina a alteração dos dispositivos dos Decretos 5.622, de 19 de Dezembro de 2005 e estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e o Decreto 5.773, de 9 de maio de 2006 (BRASIL, 2006b), que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de Instituições de Educação Superior e cursos superiores de graduação e sequencial no sistema nacional de ensino (Anexo 2). Após a promulgação da Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996), a política de formação de professores no Brasil ganha destaque nas últimas décadas. Dentre as políticas de formação, podemos destacar o Plano Nacional de Educação – PNE, lançado no ano de 2007 e também pelo Decreto 6.94 de 24/04/2007 (BRASIL, 2007b), que dispõe sobre o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, cujo objetivo é atuar em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados a fim de melhorar a qualidade da educação básica.


134 A demanda de formação inicial e continuada de profissionais do magistério da educação básica no país requer hoje novas interfaces na formação e estratégias de integração entre os estados, os municípios e o Distrito Federal e as instituições de ensino superior. São requeridas iniciativas de caráter tanto conjuntural como emergencial. Este é o desafio […] (SCHEIBE, 2008, p. 49).

Devido ao desafio e a urgência de novas políticas públicas voltadas para a formação de professores, além do Plano de Metas foi criado, no ano de 2009, no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, uma nova política de formação de professores, o Plano Nacional de Formação de Professores – Parfor, através do decreto n° 6.755, de 29/01/2009 (BRASIL, 2009), para atender o profissional que não possui formação adequada, de acordo com a Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional, LDBEN de nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), na modalidade presencial e a distância e que esteja em efetivo exercício nas redes públicas de ensino, escolas estaduais e municipais e também para resolver os problemas de insuficiência de profissionais na área da educação básica. Podemos destacar os seguintes cursos oferecidos pelo Parfor: – Primeira Licenciatura – destinado aos docentes da rede pública de educação básica que não tenham formação superior. – Segunda Licenciatura – para docentes da rede pública da educação básica que atuam em área distinta de sua formação inicial. – Formação Pedagógica – para docentes da rede pública da educação básica graduado, porém não licenciada (BRASIL, 2009, p.8)

Segundo dados do Inep, em 2009, ano em que o Parfor foi criado, quase um terço dos professores da educação básica das redes pública e particular do Brasil não tinham formação adequada. Do total de 1 milhão e 977 mil de docentes, 636,8 mil, ou seja, 32,19% ensinavam sem diploma universitário.


135 Observamos que a EaD no Brasil, ao longo da história e da legislação, tem representado uma modalidade de ensino cada vez mais responsável pela inclusão social de um grande contingente de pessoas que buscam oportunidades de educação para a conquistar seus direitos enquanto cidadãs. Destacamos também a importância das políticas públicas implementadas pelo MEC, ao longo dos anos, pois elas demonstram que a EaD presente na legislação brasileira pode sim contribuir para o processo de democratização da educação do Brasil, principalmente por meio do ensino superior. Isso vem de encontro com o certo preconceito com o qual é tratada a EaD nos países onde está implantada. Cientificamente, esse preconceito também é analisado. Para Almeida (2013), a origem desse preconceito contra a EaD, que está enraizado na sociedade, parte da crença de que os alunos não aprendem efetivamente, ou seja, essa modalidade de ensino não propiciaria a construção do conhecimento. A EaD é rotulada de ter um nível de dificuldade menor, de ser mais fácil em termo de conteúdo. Nessa perspectiva, o aluno da modalidade a distância estaria “brincando de estudar”, ou ainda mais: “comprando” diploma, devido a uma formação inconsistente em comparação à educação presencial. Para algumas pessoas, o diploma obtido por meio da EaD possui menos valia, se comparado aos diplomas oriundos dos cursos presenciais. De acordo com estudiosos, esse preconceito pode estar ligado ao fato de iniciativas malsucedidas que marcaram o início da EaD no Brasil. O preconceito é uma realidade frente a qualquer novidade. O que é preciso ser feito é realmente trabalhar a EaD de forma certa, pois só resultados conseguirão por um fim a estes preconceitos. Não acreditamos que seja uma forma de ensinar desprovida de problemas. Todavia, sabemos que se bem trabalhada, pode gerar frutos bons e de qualidade, sendo, portanto, uma grande aliada daquelas pessoas que precisam se formar ou se capacitar e não dispõe de tempo para frequentar uma instituição presencial (VASCONCELOS, 2013).


136 Parece–nos importante ressaltar que a modalidade EaD passa por um amadurecimento que vem rompendo a resistência contra ela. O preconceito contra essa modalidade está sendo diluído, embora não se possa afirmar que é coisa do passado. Romper com essa resistência e demonstrar a validade e relevância dessa forma de ensinar e aprender, precisa se tornar compromisso de todos os alunos e profissionais envolvidos nesse inevitável processo. A EAD E SEUS ATORES NO CONTEXTO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL No entendimento de Moreira (2009), a EaD tem–se caracterizado como uma modalidade de educação que se dá, predominantemente, por meio do tratamento dado aos conteúdos e formas de expressão, mediados por materiais didáticos, meios tecnológicos, sistemas de tutoria e avaliação. Nesse sentido, falar sobre a EaD demanda um olhar cuidadoso sobre as interações dos participantes do processo ensino/aprendizagem: o aprendiz, o professor/formador, o tutor, os materiais didáticos e a tecnologia, bem como os processos de mediação pedagógica e de gestão, de maneira mais ampla. Para que possamos ter um melhor entendimento sobre a composição da equipe que atua nos cursos de EaD, é necessário ressaltar que não existe um modelo único entre as instituições que oferecem cursos nessa modalidade. A formação dessa equipe depende dos objetivos institucionais, demandas, recursos e modalidade de gestão e do sistema de EaD adotado por instituição. Não há um modelo único de educação à distância! Os programas podem apresentar diferentes desenhos e múltiplas combinações de linguagens e recursos educacionais e tecnológicos. A natureza do curso e as reais condições do cotidiano e necessidades dos estudantes são os elementos que irão definir a melhor tecnologia e metodologia a ser utilizada, bem como a definição dos momentos presenciais necessários e obrigatórios, prevista em lei, estágios supervisionados, prática em laborató-


137 rios de ensino, trabalhos de conclusão de curso, quando for o caso, tutorias presenciais nos polos descentralizados de apoio presencial e outras estratégias (BRASIL, 2007c, p.7).

Mesmo com a possibilidade de diversos modos de organização, a compreensão de educação como fundamento primeiro, deve ser um ponto comum a todas as instituições que desenvolvem projetos na modalidade EaD. Devido à complexidade e à necessidade de uma abordagem sistêmica, referenciais de qualidade para projetos de cursos nessa modalidade devem compreender categorias que envolvem, fundamentalmente, aspectos pedagógicos, recursos humanos e infraestrutura. Para dar conta dessas dimensões, devem estar integralmente expressos no Projeto Político Pedagógico de um curso na modalidade EaD os seguintes tópicos: (i) Concepção de educação e currículo no processo de ensino e aprendizagem; (ii) Sistemas de Comunicação; (iii) Material didático; (iv) Avaliação; (v) Equipe multidisciplinar; (vi) Infraestrutura de apoio; (vii) Gestão Acadêmico–Administrativa; (viii) Sustentabilidade financeira (BRASIL, 2007c, p.8).

Para que um curso de EaD aconteça de forma eficaz e com qualidade deve, segundo Behar (2009), ser pensado, organizado desde a sua proposta até a sua prática. Ao propor um curso nessa modalidade, é preciso pensar em como ele será, sua estrutura, recursos humanos, preparação e distribuição do material didático, organiza-


138 ção do plano de ensino e das aulas, organização administrativa e de responsabilidades. De acordo com o sistema da UAB, para o funcionamento de um curso na modalidade de EaD, “além do professor responsável pela elaboração do conteúdo de uma disciplina e/ou módulos, existe também uma equipe qualificada de apoio durante todo o curso”. (ARRUDA; MOURÃO; ROMERO, 2012, p. 83). Esta equipe é composta pelos seguintes atores: QUADRO 2: Resumo dos colaboradores da UAB. Função Descrição Coordenador São professores responsáveis pelas atividades gerenciais e adUAB ministrativas referentes à UAB na instituição. Coordenador de São professores com vínculo institucional com a função de plaCurso nejamento e execução dos cursos a distância. O coordenador de curso é responsável pela gestão acadêmica e pedagógica. Professor São professores com vínculo institucional com a função de planejar e ministrar as disciplinas a distância sob suas responsabilidades. Coordenador de O coordenador de tutoria coordena e verifica as atividades dos tutoria tutores presenciais e a distância fazendo a mediação entre professor e tutor. Tutor a distância São profissionais graduados com vínculo no setor público. A função do tutor a distância é auxiliar os alunos nas atividades propostas pelo professor fazendo a mediação dele com o aluno. Tutor presencial São profissionais graduados com vínculo no setor público para atendimento aos alunos no polo de apoio presencial. FONTE: Brenner, Machado, Pinto ( 2014, p.4).

Além de todos desses profissionais enumerados na Tabela 2, em praticamente todos os cursos de EaD, há ainda uma equipe multidisciplinar que também é essencial para o funcionamento do curso. Esse grupo de profissionais é composto de: Especialistas em mídia impressa (diagramadores, revisores linguísticos, digitadores, desenhistas, gráficos, etc.), audiovisual (operador de câmera, produtor audiovisual, editor de áudio e vídeo, locutor, animador, etc.), virtual (webdesigner,


139 programador, diagramador, desenhista, técnicos de informática, editores, que organizam o material didático no AVA, videoconferência ou webconferência (operador de câmera, técnico de audiovisual e lousa digital, técnico de informática), além do projetista educacional e outros eventuais profissionais (MILL, 2010, p. 36).

A organização de uma equipe multidisciplinar, dentro das Instituições do Ensino Superior, é uma recomendação feita pela UAB, com o intuito de constituir uma rede para apoiar as ações para a realização dos cursos. Cada equipe, segundo Cunha, Ferreira e Paiva (2001), possui característica própria, um conjunto de ações e um fluxo de trabalho diferente da outra; entretanto, uma equipe por si só não se justifica e nem se sustenta isoladamente. O funcionamento de cada uma fica permanentemente atrelado a uma dinâmica, na qual um conjunto de ações, específicas ou não, depende do funcionamento adequado de todos, ou seja, o cumprimento normal do trabalho de uma equipe compromete a qualidade e o funcionamento de outra e vice–versa. É necessário, pois, uma interação, uma troca de experiências, um diálogo permanente para a consolidação das metas propostas por programa. Podemos observar que o trabalho na EaD se organiza de forma coletiva e extremamente fragmentada e cada parte das atividades do curso é atribuída a um trabalhador diferente. Porém, apesar dessa fragmentação, há uma interdependência entre as tarefas dos diferentes profissionais envolvidos, de modo que um profissional possa não conseguir realizar seu trabalho, sem que o outro colega tenha feito a parte dele (MILL, 2010). A organização do trabalho na EaD aproxima–se bastante do modelo estabelecido pelo taylorismo/fordismo e possui também características toyotistas devido à flexibilidade que ela tem. Estudo a distância é um método racionalizado (envolvendo a definição de trabalho) de fornecer conhecimento que (tanto como resultado da aplicação de princípios de organização industrial, quanto pelo uso intensivo da tecnologia que facilita a


140 reprodução da atividade objetiva de ensino em qualquer escala) permite o acesso aos estudos universitários a um grande número de estudantes independentemente de seu lugar de residência e de ocupação (PETERS, 1983, p. 111).

Para esse autor, dentre os princípios do modelo taylorista/fordista, observados na EaD, três são classificados como sendo os mais importantes: racionalização, divisão do trabalho e produção de massa. Além desses, o processo de ensino, de forma gradual, passa a ser reestruturado através de crescentes mecanização e automação. Um aspecto latente na EaD é a fragmentação do trabalho: a elaboração do material didático, o acompanhamento das atividades, a avaliação da aprendizagem são algumas das muitas etapas do processo educacional e cada uma delas sob a responsabilidade de um profissional. Isto traz todas as implicações (geralmente negativas) inerentes ao taylor–fordismo. Assim, essa separação de atividades cria distinções entre os educadores da EaD: tutores fazem parte do processo, professores conteudistas realizam outra parte e outros profissionais também participam do processo. É clara a separação de cunho taylorista entre quem pensa e quem executa as atividades na EaD (MILL; SANTIAGO; VIANA, 2008, p. 11).

Sabe–se que planejar e gestar cursos na modalidade a distância é algo complexo e dinâmico que necessita compreender aspectos pedagógicos, humanos e de infraestrutura. Por isso, é importante que o planejamento desse curso tenha compromisso institucional em termos de garantir o processo de formação que contemple a dimensão técnico–científica para o mundo do trabalho e a dimensão política para a formação do cidadão. Pensar na gestão em EaD, então, consiste na organização da estrutura administrativa, na distribuição dos recursos humanos e financeiros e na definição de atividades, áreas e processos de trabalhos com intuito de construir condições pedagógicas institucionalizadas que considerem as demandas dos estudantes. Em função dessa complexidade envolvida num sistema


141 de EaD, o desafio é constituir um sistema de gestão horizontal que atue no fazer coletivo da gestão e que permita alcançar os objetivos (LAURINO; NOVELLO, 2012). O que foi colocado até aqui são considerações iniciais para ressaltar a importância de toda a equipe que atua nos cursos de EaD, enfatizando que o trabalho de todos é necessário para um bom funcionamento do curso. Em se tratamento dessa modalidade, o campo de estudo e abrangeria também análise sobre o papel dos professores, do design instrucional, sobre os responsáveis pela produção de materiais, pois são detalhes que exercem um papel fundamental na EaD. No entanto, o foco deste estudo será nosso trabalho no elemento da tutoria, especificamente no trabalho do tutor do curso de Pedagogia a Distância da UFU, por considerarmos que tanto a prática dele assim como prática docente presencial se complementam e se tornam elementos essenciais para a formação do cidadão, não obstante, algumas diferenças entre uma e outra modalidade de ensino. REFERÊNCIAS ABED (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA). Relatório Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil 2015. Censo EAD.BR: Analytic Report of Distance Learning in Brazil 2015/ [organização] ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância; [traduzido por Maria Thereza Moss de Abreu]. Curitiba: InterSaberes, 2016. Disponível em: <http://abed.org.br/arquivos/Censo_EAD_2015_POR.pdf>. Acesso em: 12 maio 2017. ALMEIDA, M. E. Educação a distância na Internet: abordagens e contribuições dos ambientes digitais de aprendizagem. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003. ALVES, J. R. M. A nova regulamentação da EAD no Brasil. In: SILVA, M. (Org.) Educação online. 2° Edição. Edições Loyola, 2006. p. 417–439


142 ALVES, L. EaD – Educação a Distância: Conceitos e história no Brasil e no mundo. RBAAD – Revista da Associação Brasileira de Educação a Distância, vol. 10, 2011, p. 83 a 92. Disponível em: <http://seer.abed.net.br/edicoes/2011/Artigo_07.pdf> . Acesso em: 23 maio 2016. ALVES, F. C.; FILHO, C. A.; SALES, V. M. B.;. A identidade docente do tutor da educação a distância. In: Simpósio Internacional de Educação a Distância e Encontro de Pesquisadores em Educação a Distância (SIED: EnPED), 1., 2012, Sorocaba. Anais… Sorocaba: UFSCar, 2012. ANTUNES, R.. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999 ARANHA, A. V. S. Trabalho, subjetividade, educação. In: Revista Outras Falas. Revista de Formação da Escola Sindical 7 de Outubro/ CUT, nº3. Belo Horizonte, 2000. p. 55–63. ARROYO, M. G. As relações sociais na escola e a formação do trabalhador. In: FERRETTI, Celso João; SILVA JUNIOR, João dos Reis; OLIVEIRA, Ma. R. N. S. (Org.). Trabalho, formação e currículo: para onde vai a escola? São Paulo: Xamã, 1999. p. 13–41. ARRUDA, D.E.P.; MOURÃO, M. P.; ROMERO, M.H.C. As estratégias norteadoras da tutoria no curso de Pedagogia a Distância. In: ARRUDA, E.P. (Org.). Educação a Distância no Brasil: a Pedagogia em foco. Uberlândia: Edufu, 2012, p.81 – 99. ARRUDA, E. P.; FREITAS, M. T.M. Educação a Distância na UFU: alguns percursos históricos e a implantação do curso de pedagogia/UAB. In: ARRUDA, E.P. (Org.). Educação a Distância no Brasil: a Pedagogia em foco. Uberlândia: EDUFU, 2012, p. 9 – 25. BARRETO, R.; LEHER, R. Trabalho docente e as reformas neoliberais. In: OLIVEIRA, D.A. As reformas educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.


143 BELLONI, M. L. Avaliação da Universidade: por uma proposta de avaliação consequente e compromissada política e cientificamente. IN: VIEIRA, Sofia Lerche et al. A Universidade em Questão. São Paulo: Cortez, 1989, p.55 –70. BELLONI, M. L. Educação a Distância. 6 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. BRASIL. Decreto–lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Decreto–lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, RJ, 1 maio 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto–lei/del5452.htm>. Acesso em: 19 abr. 2017. _______. Lei Nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 20 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 12 maio 2017. _______. Decreto nº 5.622, de 19 de Dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 19 dez. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004– 2006/2005/decreto/d5622.htm>. Acesso em: 12 maio 2017. _______. PL 2.435/2011. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da atividade de Tutoria em Educação a Distância. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/974243.pdf >. Acesso em: 18 maio 2017. _______. Decreto Nº 6.303, de 12 de Dezembro de 2007. Altera dispositivos dos Decretos nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 5.773, de 9 de maio de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino. Brasília, DF, 12 dez. 2007a. Disponível em:


144 <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2007/decreto–6303–12– dezembro–2007–566386–publicacaooriginal–89961–pe.html>. Acesso em: 12 maio 2017. _______. Decreto Nº 6.094, de 24 de Abril de 2007. Brasília, DF, 24 abr. 2007b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007– 2010/2007/decreto/d6094.htm>. Acesso em: 12 maio 2017. _______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância. Brasília, DF. Ministério da Educação, 2007c. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/legislacao/refead1.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2015. BRASIL. Decreto n°. 6.755, de 29 de janeiro de 2009. Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 de janeiro de 2009. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/educacao– basica/parfor>. Acesso em: 07 mar. 2015. BRASIL. Decreto Nº 5.773, de 9 de Maio de 2006. Brasília, DF, 9 maio 2006b. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2006/decreto–5773–9– maio–2006–542125–publicacaooriginal–49470–pe.html >. Acesso em: 12 maio 2017. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. BRENNER, F.; MACHADO, K. S; PINTO, I. Educação a Distância: Um panorama baseado no modelo da Universidade Aberta do Brasil. ESUD 2014. Disponível em: <http://esud2014.nute.ufsc.br/anais– esud2014/files/pdf/128179.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2015. CAMPOS, R.; MILL, D. Prática Docente em educação a distância: Uma análise do Curso Veredas em Minas Gerais. In: ARANHA, An-


145 tônia, CUNHA, Daisy, LAUDARES, João (Org.). Diálogos sobre o Trabalho. Campinas: Papirus, 2005. CEAD (CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – Uberlândia). Universidade Federal de Uberlândia. Conheça o Centro de Educação a Distância: São atribuições do CEaD. 2017. Disponível em: <http://www.cead.ufu.br/institucional>. Acesso em: 18 maio 2017. FIDALGO, F.; NEVES, I. Docente virtual na educação a distância: condições de trabalho na rede privada de ensino. SENEPT, 2008. Disponível em: <http://www.senept.cefetmg.br/galerias/Arquivos_senept/anais/quar ta_tema3/QuartaTema3Artigo7.pdf >. Acesso em: 05 out. 2016. FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 12°. Ed. São Paulo: Cortez, 2010, p. 75–101. GIMENES, Olíria Mendes. Educação a Distância online na Universidade Federal de Uberlândia: um percursso em consolidação. In: Revista EDaPECI.São Cristóvão (SE) v.14. n. 1, p. 204–220, jan. /abr. 2014. Disponível em: file:///C:/Users/user/Downloads/1556–7904–1–

PB.pdf GIOLO, J. A educação à distância e a formação de professores. Educação & Sociedade. Campinas, v. 29, n. 105, p. 1211 1234, set./dez. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0101–73302008000400013 >. Acesso em: 04 set. 2014. GRINSPUN, M. P. S. Z. Educação Tecnológica. In: GRINSPUN, Mírian Paura Sabrosa Zippin (Org.) Educação Tecnológica: desafios e perspectivas. São Paulo, Ed. Cortez, 1999. KENSKI, V. M. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP: Papirus, 2013. _______. V.M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2002.


146 KUENZER, A. Z. As mudanças no mundo do trabalho e a educação: Novos desafios para a gestão. In: FERREIRA, Naura S.C. Gestão democrática da educação: Atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez, 1998. pp. 33–58. LANDIM, Claudia Maria das Mercês Paes Ferreira. Educação à Distância: algumas considerações. Rio de Janeiro, 1997. LAPA, A.; PRETTO, N. L. Educação a distância e precarização do trabalho docente. Brasília: Em Aberto, v.23, n.84, p.79–97, nov. 2010. LAURINO, D. P.; NOVELLO, T. . Educação a Distância: seus cenários e autores. Revista Iberoamericana de Educación (Online), v. 58, 2012. p. 1–15 LEAL, R. B. A importância do tutor no processo de aprendizagem à distância. Universidade de Fortaleza, 2001. Disponível em: <http://www.rieoei.org/deloslectores/947Barros.PDF>. Acesso em: 12 abr. 2015. LITWIN, E. (Org.). Educação a Distância: temas para debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre, Artmed, 2001. LOCH, M. Tutoria na educação a distância. Indaial: Grupo Uniasselvi, 2009. MAGGIO, M. O tutor na educação a distância. In: LITWIN, E. (Org.). Educação a Distância: temas para Debate de uma Nova Agenda Educativa. Porto Alegre, Artmed, 2001. MAIA, Leandro Dornellas. Quanto vale um tutor? Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/quanto–vale–um–tutor/74822/>. Acesso em: 28 set. 2011. MAIA, C.; MATTAR, João. ABC da EaD: a educação a distância hoje. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007. MANCEBO, D. Trabalho Docente: subjetividade, sobreimplicação e prazer. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ %0D/prc/v20n1/a10v20n1.pdf>. Acesso em: 28 out. 2016.


147 MANFREDI, S. M. Trabalho, qualificação e competência profissional – das dimensões conceituais e políticas. Campinas: Educ. Soc. Vol. 19, n. 64, Set. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? pid=S0101–73301998000300002&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 21 nov. 2014. MARX, K. Manuscritos Econômico–filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. __________. Para a crítica da economia política. São Paulo: Nova cultural, 1999 (Coleção pensadores). __________. O Capital. Vol. I, São Paulo: Diefel, 1985. MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Tradução Luis Cláudio de Castro e Costa. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. MASETTO, M. T. Mediação Pedagógica e o uso da tecnologia. In. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000. MATTAR, J. Tutoria e Interação em Educação a Distância. São Paulo: Cengage Learning, 2012 (Série Educação e Tecnologia). MATTOSO, J. O Brasil Desempregado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. MASETTO, M. T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: Moran, José Manuel (Org.). Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000. MILL, D.. Educação a distância e trabalho docente virtual: sobre tecnologias, espaços, tempos, coletividade e relações e relações sociais de sexo na idade mídia. Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. Disponível em: <http://www.danielmill.com.br/tese>. Acesso em: 22 jul. 2011. MILL, D.; SANTIAGO C. F.; VIANA, I. Trabalho docente na educação a distância: Condições de trabalho e implicações trabalhistas. In: Revista extra–classe, n° 1, V.1, fevereiro, 2008. Disponível em:


148 <http://www.sinprominas.org.br/imagensDin/arquivos/341.pdf>. Acesso em: 11 out. 2011. MILL, D.; OLIVEIRA, M. R. G. de; RIBEIRO, L. R. C. Múltiplos enfoques sobre a polidocência na Educação a Distância virtual. In: Polidocência na educação a distância: múltiplos enfoques. São Paulo: EdUFSCar, 2010, p. 13–22. MILL, D. Sobre o conceito de polidocência ou sobre a natureza do processo de trabalho pedagógico na Educação a Distância. In: MILL, D.; RIBEIRO, L. R. C.; OLIVEIRA, M. R. G. (Org.) Polidocência na Educação a Distância: múltiplos enfoques. EdUFSCar: São Carlos, 2010. MILL, D.; CAMPOS, R.. 2005. Prática Docente em educação a distância: uma análise do Curso Veredas em Minas Gerais. In: ARANHA, Antônia, CUNHA, Daisy, LAUDARES, João (Org.). Diálogos sobre o Trabalho. Campinas: Papirus. MONDOLFO, R. Estudos sobre Marx. São Paulo: Editora Mestre, 1967. MOORE, M. G.; KEARSLEY, G. Educação a distância: uma visão integrada. Edição especial ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância. São Paulo: Thomson Learning, 2007. MORAES, M. de; TORRES, P. L. A monitoria online no apoio ao aluno a distância: o modelo do LED. (Curitiba), v. 2, n. 5, 2003, p. 1– 13. Disponível em: <http://pead.ucpel.tche.br/revistas/index.php/colabora/article/view/36/33>. Acesso em: 12 mai. 2015. MORAES, M. C..Educação a distância: fundamentos e práticas. Campinas, SP: Unicamp/ Nied, 2012 . MORAN, J. M. A gestão da educação a Distância no Brasil. In: MILL, D.; PIMENTEL, N. (Org.). Educação a distância: desafios contemporâneos. São Carlos: EdUFSCar, 2010. MOREIRA, M. A. Teorias de Aprendizagem. 3. Ed. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 2009.


149 MOTA, R. A Universidade Aberta do Brasil. In: LITTO, F. M.; FORMIGA, M. M. M. (orgs). Educação a distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. NASCIMENTO, A. M.. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho. 23ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. NETO, L. FERREIRA. J. S. Regulamentação da educação a distância: caminhos e descaminhos. In: SILVA. Educação online. São Paulo: Edições Loyola. 2005 NEVES, C. M. de C. Referenciais de qualidade para cursos a distância. 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/ReferenciaisdeEAD.pdf>. Acesso em: 22 set. 2016. NEVES, I.; FIDALGO, F. Docente virtual na educação a distância: condições de trabalho na rede privada de ensino. SENEPT 2008. Disponível em: <http://www.senept.cefetmg.br/galerias/Arquivos_senept/anais/quarta_tema3/QuartaTema3Artigo7.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2015. NOVELLO, T. ; LAURINO, D. Educação a Distância: seus cenários e autores. Revista Iberoamericana de Educación (Online), v. 58, 2012. p. 1–15. OLIVEIRA, R. de. A teoria do capital humano e a educação profissional brasileira. Boletim Técnico do SENAC. Rio de Janeiro: v.27, n.1, abr. 2001, p. 26–37,. OLIVEIRA, F. P. M.; LIMA, C. M. de. Tutoria e docência no ensino superior a distância: Aproximações e distanciamento. EnPED. Encontro de Pesquisadores em Educação a Distância. Anais... 2012. Disponível em: http://sistemas3.sead.ufscar.br/ojs/Trabalhos/310– 924–1–ED.pdf PAPERT, S. Logo: computadores e educação. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.


150 PINTO, G. A. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2007. PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? 11. ed. São Paulo: Cortez, 2012. POCHMANN, M. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001. PRANDINI, R. C. Formação do formador para a atuação docente mediatizada. In: HESSEL, A.; PESCE, L.; ALLEGRETTI, S. Formação online de educadores: identidade em construção. São Paulo: RG Editores, 2009, p. 63–88. PREVITALI, F.S. Aspectos Teórico–Metodológicos Acerca do Trabalho no Capitalismo. In: BARBOSA, M. L.; FRANÇA, R. L.; FRANÇA, P. I. S. de.; LUCENA, C.; PREVITALI, F. S.; SCOCUGLIA, A. (Org.). O controle do trabalho no contexto da reestruturação produtiva do capital. 1º ed. Curitiba, PR: CRV, 2011, p. 35 – 83. RAMOS, M. N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001. SOUZA, J. S. de. Trabalho, educação e sindicalismo no Brasil nos anos 90. Campinas: Autores Associados, 2002.


151

AS FORMAS DE EXPLORAÇÃO E SUBMISSÃO DO TRABALHADOR NO CAPITALISMO: UMA TENTATIVA DE ENTENDER A REALIDADE DO MUNDO DO TRABALHO SOB A ÉGIDE DO MODELO TOYOTISTA1 Claudiane Mara Braga Belmiro Carlos Lucena CONSIDERATION INICIAIS Os conceitos de trabalho e mercadoria representam a gênese da teoria crítica de Karl Marx (1818–1883) ao capitalismo. A mercadoria representa a existência molecular do capitalismo porque, de certa forma, toda a produção capitalista toma a forma de mercadoria. “A mercadoria é, antes de mais, um objeto exterior, uma coisa, que, por meio das suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie” (Marx, 2011). A mercadoria possui dupla existência, dupla realidade: ela é composta por uma unidade de valor de uso e valor de troca. O valor de uso da mercadoria refere–se à utilidade da mercadoria. O valor de troca é uma relação quantitativa. Poderíamos definir valor de troca como a forma de manifestação do valor contido no objeto, ou seja, valor de troca é o preço da mercadoria. O mérito de Marx foi perceber que, se a mercadoria tem um duplo caráter (valor de uso e de troca) o trabalho representado na mercadoria também o tem, sendo eles: o trabalho abstrato e o trabalho concreto. O trabalho concreto se manifesta no valor de uso das mercadorias; é o trabalho “vivo” que é indispensável ao ser humano Artigo apresentado ao Prof. Dr. Robson como requisito para conclusão da disciplina “Educação e Transformação Social” do mestrado acadêmico da Universidade Federal de Uberlândia – ano 2016 1


152 porque dele resulta a produção das mercadorias que vão satisfazer às suas necessidades. O trabalho abstrato se materializa, por sua vez, no valor de troca das mercadorias; é o trabalho “morto”; uma forma de trabalho contido na mercadoria que tem como função materializar o valor desta; reproduzir o capital; gerar mais–valia (lucro excedente); autovalorizar o capital. Enquanto o trabalho concreto é qualitativo, o abstrato é quantitativo, é apenas gasto de força de trabalho, é a substância do valor. Para Marx, o trabalho é uma atividade coletiva e exclusivamente humana – visto que somente o homem a realiza com um propósito definido e não por instinto – de autodesenvolvimento, de interação com a natureza e com outros homens e, portanto, condição da própria existência humana. O homem precisa produzir mercadorias úteis para a satisfação de suas necessidades e necessita do trabalho para se auto realizar e se socializar. Sendo assim, Marx não defende o fim do trabalho, mas sim a eliminação da degradação do trabalho, a negação do trabalho abstrato. Posto que, para ele, essa forma de trabalho só é útil para acumulação de capital; para assegurar a reprodução do sistema capitalista e satisfazer necessidades egoístas. Assim, quando o trabalho é expresso por um valor; quando ele é reduzido a um “preço”, ele perde o sentido. Para Marx, em toda sociedade baseada na propriedade privada o trabalho deixa de ser uma atividade livre e consciente para se tornar uma atividade controlada, estranha e “desumanizadora”, posto que, numa sociedade capitalista, o trabalho não aparece apenas como trabalho concreto, mas, principalmente como trabalho abstrato – simples gasto de força de trabalho e produtor de valor de troca. Melhor dizendo, o trabalho abstrato – próprio do capitalismo – é a cristalização da atividade humana num produto, num objeto, numa mercadoria. Se antes o homem produzia uma mercadoria exclusivamente para seu consumo (valor de uso), no capitalismo o homem produz com a finalidade de obtenção de lucro (valor de troca). Nesse contexto, as relações econômicas se tornam tão objetivas e poderosas que o


153 próprio homem se torna submisso a elas. Na sociedade capitalista o trabalho e a vida humana são convertidos em “valor”; tudo tem preço, tudo tem que gerar lucro, o “valor” é a forma de mediação social. Portanto, essa objetivação do trabalho, essa “coisificação” é um fenômeno que se desenvolve historicamente e é característico da sociedade capitalista. Refere–se ao predomínio da “coisa”, do objeto sobre o sujeito. Marx chamou essa objetivação de “Fetichismo da mercadoria” e ele ocorre quando “ o homem é dominado pela obra produzida por suas próprias mãos”. Esse fenômeno, diz FLECK (2012) ao analisar a obra de Marx, é realizado pelo homem sem que ele perceba e sobre o qual ele não tem nenhum controle. O fetiche domina o homem e faz com que ele produza muito mais que sua necessidade ou vontade; ele passa a produzir para uma satisfação da realização do valor. É como se a mercadoria ganhasse vida e passasse a ser objeto de adoração. A expropriação dos meios de produção – que obriga o trabalhador a vender sua força de trabalho – e a objetivação decorrente desse processo, constituem a base do conceito de alienação construído por Marx. A partir do momento em que os indivíduos passam a idolatrar os objetos e “coisificar” as relações sociais colocando o valor (dinheiro) acima da consciência e dos sentimentos, isso implica dizer que estão alienados, posto que, dominados pelo valor das coisas, os indivíduos não se enxergam no outro, são controlados pelo sentimento de individualidade e não percebem as relações de exploração a que estão submissos. A alienação é, pois, um processo histórico e tem dimensão psicológica. Esse conceito foi usado por Marx para fazer uma crítica à religião, posto que, para ele, na religião o homem é dominado por construções criadas por ele mesmo e no capitalismo o homem “endeusa” a mercadoria, sendo ele dominado pela obra de suas próprias mãos. Quando do desenvolvimento científico–tecnológico e consequente divisão do trabalho, as máquinas passam a fazer parte do dia da produção transformando o trabalhador em mero “braço da máquina”. No sistema de produção baseado na maquinaria e divi-


154 são de funções não é o trabalhador que usa as máquinas para produzir é a máquina que usa o trabalhador. Este realiza apenas uma parte do processo de produção da mercadoria e não conhece toda a parte científica deste, bem como também não participa dos lucros da venda desta mercadoria e nem tão pouco poderá comprá–la. O trabalhador não pode se orgulhar do produto de seu trabalho porque a mercadoria não foi produzida por ele individualmente, ele não reconhece o fruto de seu trabalho. Esse fenômeno, chamado de estranhamento do trabalho, justifica o processo alienante ao qual o trabalhador é submetido no sistema capitalista, uma vez que o trabalho é estranhado em decorrência do predomínio do valor. Os conceitos de mercadoria, trabalho abstrato, alienação e estranhamento são imprescindíveis para dar início à discussão que pretendemos fazer quanto às formas de exploração do trabalho na atualidade e a condição de submissão do trabalhador ao capital. O texto pode ser dividido em cinco partes sendo que na primeira fizemos uma exposição dos conceitos–chave de Marx para análise do contexto atual do mundo do trabalho (na expectativa de mostrar o quanto os conceitos de Marx são importantes e vigentes); na segunda parte faremos uma contextualização para situar o leitor do contexto histórico em que ocorreu a substituição do padrão de produção fordista pelo padrão atual toyotista e, também, serão apresentadas as características desses dois processos a fim de mostrar que o capitalismo se valeu de ambos para solucionar suas crises internas, no entanto, os dois padrões apresentam em comum a característica de exploração do trabalhador – um explora pelo excesso de trabalho manual rigidamente controlado e o outro explora pela intensificação das atividades intelectuais, também controladas, mas que aparentam não o ser. Na terceira parte trataremos de discutir a dominação que o capital exerce sobre a subjetividade do trabalhador. Na quarta parte, falaremos da relação entre capitalismo, trabalho e educação (embora sem aprofundar no tema). Nossa intenção aqui é mostrar que, além do capital se apropriar da subjetividade do trabalhador, todo o sistema educativo também obedece aos ditames do capital.


155 Nesse contexto é que introduziremos o objeto de nosso estudo de mestrado: a inserção dos jovens no mercado de trabalho – sob a falsa promessa do primeiro emprego – e a dominação de sua subjetividade. Entendemos que as políticas públicas, bem como o currículo escolar, estão a serviço do capital e, portanto, os programas de inserção de jovens no mercado de trabalho atendem à necessidade de formação de mão–de–obra barata, eficiente e obediente para manutenção do sistema de acumulação flexível de capital. Os jovens são induzidos a acreditar que serão empregados no mercado de trabalho mediante alto nível de escolarização e qualificação, mas, para o capital, o que interessa não é empregar, pelo contrário, é o lucro e o desemprego que movem e sustentam o sistema capitalista, sendo assim, haverá sempre exploração e desemprego. A BUSCA PELA LUCRATIVIDADE: A SUBSTITUIÇÃO DO FORDISMO PELO TOYOTISMO, OU MELHOR, DE UMA FORMA DE EXPLORAÇÃO POR OUTRA De início, é preciso deixar claro que existem duas condições para a manutenção e permanência do sistema capitalista: o lucro e o desemprego. Já dissemos anteriormente que no modo de produção capitalista o trabalhador é obrigado a vender sua força de trabalho ao proprietário dos meios de produção, o que o coloca em condição de submissão. Em nosso entendimento, porém, o trabalhador ainda é proprietário de algo – sua força de trabalho – tanto que a vende. Mas, sobre o valor da sua força de trabalho, o trabalhador não tem nenhum poder de decisão. O valor da força de trabalho é dado pela relação entre a oferta e a procura. Dessa forma, quanto mais desempregados houver no mercado de trabalho, menor será o valor do salário pago aos trabalhadores. Ao capitalismo interessa, portanto, o desemprego, posto que ele determina os baixos salários e, o exército de reserva – número de trabalhadores desempregados – é extremamente útil ao capital.


156 Quanto ao lucro, podemos dizer que a busca pelo aumento de lucratividade é que tem provocado uma série de mudanças nas relações sociais e no mundo do trabalho. O capitalismo viveu duas grandes crises nas quais houve redução da acumulação de capital e, como solução, introduziu modificações que afetaram a vida e o comportamento dos trabalhadores. Sobre essas crises e as estratégias do capital para superá–las, é que trataremos adiante. SANTOS (2011, Pág. 139) aponta para o fato de que, a partir da Segunda Revolução industrial2 – com o advento da eletricidade e utilização de material sintético – o capitalismo conseguiu grandes concentrações de lucros e, segundo o autor, a inserção de novas tecnologias colaborou para o crescimento da economia. No entanto, a primeira grande crise do capitalismo ocorreu entre 1873 a 1896 exigindo novas estratégias para acúmulo de capital. O autor acrescenta ainda que, até então, a Inglaterra era a potência mundial que “ditava as regras” no campo econômico–político, porém, com a crise – que colocou em dúvida a eficiência dos padrões ingleses – os Estados Unidos consolidaram sua hegemonia e difundiram pelo mundo a doutrina do “americanismo” que, pautada no modelo de “regulação das relações de produção” (taylorismo/fordismo 3) impunha a lei do “produtivismo” e do consumismo. Sob a influência dos EUA o padrão fordista passou a ser considerado a solução para a primeira crise do capital. A Segunda Revolução Industrial iniciou–se na segunda metade do século XIX (1850 – 1870), e terminou durante a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), envolvendo uma série de desenvolvimentos dentro da indústria química, elétrica, de petróleo e de aço 3 O fordismo refere–se a um sistema de produção em massa desenvolvido por Henry Ford. Trata–se de organizar o trabalho com inovações técnicas e organizacionais para produção e consumo em massa. Ford introduziu essas técnicas na produção de automóveis cuja principal característica foi o aperfeiçoamento da linha de montagem com a introdução da esteira de rolagem. O taylorismo ou A é um modelo de organização do trabalho criado por Frederick Winslow Taylor através do qual pretende–se alcançar o máximo de produtividade e rendimento dos trabalhadores (produzir mais e em menos tempo), é também chamado de Administração científica e é pautada no controle de ações e de tempo. 2


157 O modelo fordista foi “materializado” em 1913 e tinha como pressuposto o aumento da produção e venda a preço reduzido para estimular o consumo em massa. SANTOS (2011) adverte para o fato de que o fordismo foi o primeiro sistema usado como instrumento para aumento de produtividade. Entre as décadas de 1940 a 1970 a acumulação de capital apresentou nível de grande expansão enquanto estava sob a égide do padrão fordista/taylorista. Esse período foi chamado de período de ouro, os “anos dourados” do capitalismo. No entanto, a partir de 1970 – com a crise do petróleo 4 – o capitalismo começa a apresentar sinais de desequilíbrio, eis a segunda grande crise do capital. ANTUNES (2009, Pág. 31) explica que, nesse momento de crise, o padrão fordista/taylorista não atendia mais às necessidades do capital uma vez que havia excesso de produção e pouco poder de compra dos consumidores – tendo em vista o desemprego estrutural que se iniciava. A crise do fordismo pode ser entendida como resultado de seu próprio progresso. O excesso de capacidade dos trabalhadores e de produção de mercadorias resultou num acúmulo de estoque que não tinha para quem ser vendido. Em resposta ao quadro crítico de excesso de produção e crise do capitalismo iniciou–se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo 5, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a des4

Para compreender a crise do petróleo sugerimos ler: Lucena, Carlos. Tempos de destruição: educação, trabalho e indústria do petróleo no Brasil. SP: Autores Associados; Uberlândia: Edufu, 2004 5 Neoliberalismo é uma doutrina que surgiu no final dos anos 70 em meio à globalização e postula a não participação do Estado na Economia. Defende o livre comércio/mercado, a política de privatização, a circulação de capital internacional, abertura às multinacionais, aumento da produção entre outros. São apontadas como consequência: desemprego, baixos salários, aumento das diferenças sociais e dependência do capital internacional. A educação, no neoliberalismo, é integrada ao mercado. Importante lembrar que o neoliberalismo deriva do liberalismo e, como tal, é pautado nos ideais de liberdade e igualdade, individualismo e competitividade.


158 montagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher–Reagan foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para a tentar repor os patamares de expansão anteriores. (ANTUNES, 2009, Pág. 33) (Grifos do autor) Cabe destacar que, segundo ANTUNES (2009), durante o período fordista houve intensa mobilização dos operários por melhores condições de trabalho, salários e seguridade social. Nas décadas de 60 e 70 os trabalhadores questionavam os pilares do capital e houve uma luta social contra os métodos desse padrão de produção em massa, pois ele “realizava uma expropriação intensificada do operário–massa, destituindo–o de qualquer participação na organização do processo de trabalho, que se resumia a uma atividade repetitiva e desprovida de sentido.” (ANTUNES, 2009, Pág. 43). O trabalhador era intensamente explorado pelos métodos fordistas que impunham a divisão entre o saber e o fazer e instaurava um sistema de disciplinamento e subordinação do trabalho ao capital. No entanto, a ação dos trabalhadores – representados pelos sindicatos – foi enfraquecida em face da constatação do poder do capital sobre o trabalho. A luta operária sofreu uma derrota pelo controle social da produção. Esse enfraquecimento do operariado deu as bases para a instauração do novo projeto de reestruturação do capital. Nesse contexto, em resposta a essa crise (dos anos 70), para reorganizar o processo de acumulação de capital e conter o movimento sindical foram inseridas novas técnicas de gerenciamento da força de trabalho. O padrão fordista/taylorista foi substituído pelo modelo Toyotista6 que é regido por uma nova fórmula de acumula6

O Toyotismo é um modelo produtivo cuja finalidade é produzir de acordo com a demanda de mercado, apenas o suficiente, evitando desperdícios. O padrão de produção toyotista é de origem japonesa e foi implantado primeiro na fábrica Toyota e difundido pelo mundo a partir da década de 1970, sob influência do neoliberalismo, para resolver a crise do capital. Características do toyotismo: maõ– de–obra qualificada e multifuncional, treinada para conhecer todos os processos da


159 ção de capital – a chamada acumulação flexível. Nesse contexto é que as ideias neoliberais surgem como auxílio para sanar a crise, no entanto, ANTUNES (2009) enfatiza que essas novas técnicas somadas à liberação comercial e às novas formas de domínio técnico–científico, “acentuaram o caráter centralizador, discriminador e destrutivo desse processo” (Pág. 34). Para o autor, significa estabelecer novos mecanismos de acumulação, mas, preservando os fundamentos do capital, ou seja, obter lucro explorando os trabalhadores e submetendo–os às precárias formas de trabalho. Tendo em vista a emergência das lutas sociais, fez–se mister para o capital reorganizar as formas de dominação da sociedade a fim de recuperar sua hegemonia. Foi a partir de então, que no plano ideológico, difundiu–se o “culto ao subjetivismo”, ao individualismo exacerbado” e competitividade – premissas da política neoliberal. Essa apologia contraria todas as formas de coletividade e solidariedade que deveriam ser os pilares de uma sociedade. Remete ao que havíamos discutido no início: ocorre, na sociedade capitalista, o processo de “desumanização”, onde impera a competitividade e o princípio do “cada um por si” e o predomínio do “ter” sobre o “ser” – coisificação. Esse contexto de inserção do toyotismo exige, evidentemente, um novo tipo de trabalhador: mais “qualificado, participativo, multifuncional, polivalente” (ANTUNES, 2009, Pág. 50). O autor também alerta para o fato de que, ao contrário do que possa parecer e do que defendem alguns autores, essa reorganização do trabalho com a implantação do padrão toyotista revela uma posição muito mais a favor do empregador que do empregado. Não podemos deixar de frisar que uma das características do modelo toyotista é a cenprodução; introdução de alto nível de tecnologia para aprimoramento da produção; sistema flexível; uso do controle visual em todas as etapas da produção a fim de controlar o processo; implantação do sistema de qualidade total (dos produtos e do trabalhador); aplicação do sistema Just In Time ( “no tempo certo” – eliminar estoque e agilizar produção); introdução da ideia de trabalhador “participativo”, “colaborador”, “adaptável”; redução da oferta de emprego; terceirização da economia e do trabalho;


160 tralização do saber produtivo, o que, é claro, não beneficia ao trabalhador. O novo perfil de trabalhador polivalente e multifuncional exigido para o mercado de trabalho no toyotismo se contrapõe ao modelo fordista baseado na rígida divisão de tarefas e no baixo nível de qualificação. Enquanto no fordismo havia a relação de um homem/uma máquina no toyotismo o trabalhador tem que operar até cinco máquinas, sendo que, para esse serviço é necessário mais empenho, polivalência e o conhecido “trabalho em equipe”. A característica de polivalência está relacionada a uma maior intensificação do trabalho, pois requer muito mais esforço mental do trabalhador sobrecarregando–o na medida em que lhe pressiona para uma maior produtividade e qualidade de serviço. O mais importante, porém, a destacar, é que enquanto no fordismo havia um elevado número de operários para realização das múltiplas tarefas, na “fábrica moderna” a ordem é eliminar o maior número possível de postos de trabalho. No toyotismo impera a lógica da “empresa enxuta”, sendo que as empresas que mais se destacam hoje são aquelas que possuem “[…] menor contingente de força de trabalho e que apesar disso tem maiores índices de produtividade.” (ANTUNES, 2009, Pág. 55). Essa afirmação implica dizer que jamais haverá emprego para todos no mercado! Isso porque não é intensão do capitalismo; e não é por várias razões: primeiro porque é uma premissa do modelo toyotista reduzir o número de trabalhadores e depois porque, como já dissemos, o salário dos trabalhadores depende da oferta e da procura o que significa que, para o capitalismo, a reserva de desempregados é útil e favorável. Uma das consequências dessa formatação de “empresa enxuta” é a terceirização dos postos de trabalho que precarizam ainda mais as condições dos trabalhadores. As empresas “contratam força de trabalho de maneira precarizada, muitas vezes sem as mínimas garantias trabalhistas” (SANTOS, 2011, Pág. 147). Além do mais, a duração média de emprego nessas empresas é muito pequena porque as empresas renovam constantemente seu quadro de funcioná-


161 rios. Assim, “[…] tem–se um grande contingente de trabalhadores que vendem sua força de trabalho a partir de contratos precários, submetendo–se à rotatividade das leis de mercado.” (SANTOS, 2011, Pág. 148). SANTOS (2011, Pág.149) acrescenta que o padrão toyotista exige um perfil de trabalhador polivalente e flexível e que essa flexibilidade se estende aos salários (que variam de acordo com a produção e a habilidade do trabalhador), aos contratos de trabalho, às horas de dedicação, à função do trabalhador na empresa. Um trabalhador flexível para um regime de acumulação flexível. Para além do que já foi exposto, SANTOS (2011, Pág. 148) aponta para a questão da extração da mais–valia relativa 7 – característica específica do toyotismo. De fato, a extração da mais–valia constitui a base do capitalismo e “é resultado do trabalho não pago”. Nesse contexto de inserção de novas tecnologias, inaugura–se uma nova modalidade de exploração que não mais tem a ver com o aumento da jornada de trabalho, mas sim com a intensificação das atividades intelectuais para operação das máquinas. Seja pela extração de mais–valia absoluta ou relativa, o trabalhador está sendo explorado e submetido, evidentemente, aos processos de estranhamento do trabalho e alienação. Em síntese, esse modelo de produção […] supõe, portanto, uma intensificação da exploração do trabalho, quer pelo fato de os operários trabalharem simultaneamente com várias máquinas diversificadas, quer pelo ritmo e a velocidade da cadeia produtiva[…], presencia–se uma intensificação do ritmo produtivo dentro do mesmo tempo de trabalho ou até mesmo quando esse se reduz. […] (ANTUNES, 2009, Pág. 58) 7

Mais–valia é o mesmo que lucro excedente. No capitalismo, para que o empregador obtenha lucro (diferença entre o que ele investiu e o valor que foi vendida a mercadoria) ele lança mão de duas estratégias: estende a jornada de trabalho e mantém o salário constante (mais–valia absoluta) ou amplia a capacidade produtiva dos trabalhadores por via da mecanização e mantém o salário constante (mais–valia relativa).


162 A substituição da objetivação (padrão fordista) pela racionalização e acumulação flexível (padrão toyotista), significou uma mudança sistemática da organização do trabalho, e mais, significou uma mudança de comportamento dos trabalhadores para se adequarem às exigências do mercado e à ideologia do novo sistema. O modelo toyotista pode ser visto como uma reorganização da dinâmica de exploração do trabalhador, no entanto, usa de uma estratégia ideológica tão eficaz que esse alienado trabalhador não o percebe. É assim que a luta de classes se enfraquece, e que as possibilidades de conflito são esgotadas. MUDANÇA DE COMPORTAMENTO: A DIMENSÃO DA APROPRIAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DO TRABALHADOR O capital necessita de condições materiais e ideológicas para reproduzir a força de trabalho e garantir sua hegemonia. Nessa perspectiva, pode–se afirmar que o capital se apropria das formas de constituição da subjetividade do trabalhador tanto para moldar um trabalhador mais eficiente quanto para assegurar as condições de alienação e torná–lo ideologicamente mais obediente e submisso. Quando da introdução de uma determinada forma de organização do trabalho, seja ela qual for, é necessário mudar a mentalidade dos trabalhadores a fim de conseguir sua adesão consentida ao processo e eliminar qualquer possibilidade de resistência. Nesse sentido é que, para converter a cooperação do trabalhador em eficiência e se apropriar do seu conhecimento, são tomadas medidas de controle da subjetividade. Esse controle é estritamente importante à reprodução do capital e é nesse âmbito que se estabelece um acordo entre capital e trabalhador, sendo esse último, como já dissemos, submisso ao primeiro. De acordo com ANTUNES (2009), para gerir a força de trabalho do novo sistema toyotista as organizações recorrem a técnicas como: difundir a ideia do “trabalho em equipe”, das “células de produção”, dos “times de trabalho”, da substituição do título de “em-


163 pregado” por “colaborador”, do discurso do “trabalhador participativo”. Concordamos com o autor que diz que isso tudo não passa de estratégias ideológicas manipulativas e que preservam na sua essência as condições do trabalho alienado e estranhado – cuja definição discutimos anteriormente. SANTOS (2011) também faz uma discussão sobre esse tema. Iniciando sua análise ele explica que no fordismo havia uma rígida separação entre os planejavam e os que realizam as atividades dentro da fábrica. No sistema toyotista, no entanto, o trabalhador é “convidado” a participar do processo de tomada de decisões, ele é impelido a acreditar que ele seja um “colaborador” da empresa, responsável pelo crescimento dela e também pelo seu próprio desempenho e qualificação. Para SANTOS (2011, Pág. 150) chamar o trabalhador a opinar sobre o processo de elaboração e execução do trabalho nada mais é do que uma estratégia para “apreender o componente intelectual do trabalhador” a fim de garantir que ele contribua integralmente na produção. Desse modo, o autor esclarece que a “intensificação da exploração aparece travestida de uma maior autonomia do trabalhador frente ao processo produtivo.” (SANTOS, Pág. 150) Dessa forma, os trabalhadores são explorados sem perceber e sem resistir porque o sistema tem o falso discurso de igualdade entre trabalhador e empregador, a falsa ideia de um trabalhador “livre” – porque é ele quem organiza o processo de trabalho – de “pseudoparceiros”, o que induz esse trabalhador a se considerar parte do processo e livre da hierarquia; assim, ele mesmo aumenta sua jornada de trabalho e se qualifica para que seja considerado o melhor parceiro; o mais capacitado; o mais flexível; a melhor força de trabalho. Para SANTOS (2011, Pág. 151) a “captura desse elemento subjetivo do trabalhador evidencia tão somente que há uma necessidade atual do capitalista em cooptar integralmente a força de trabalho, extraindo–lhe, em benefício da empresa, não só o seu corpo, mas também sua alma”. Formar “equipes de trabalho”; convidar o


164 trabalhador a ser “gerente do seu trabalho” e “parceiro da empresa” (traduzido pelo “vestir a camisa da empresa”) e substituir o serviço individualizado pela “sequência de grupos de trabalhadores” são apenas estratégias para conseguir uma maior adesão do trabalhador ao sistema de produção e, principalmente, garantir aumento de lucratividade. O toyotismo tem uma forma própria de gerir o inconsciente do trabalhador; esse novo padrão produtivo não se trata apenas de uma reforma econômica, mas reforma intelectual e comportamental. Os pressupostos neoliberais (aliados do/ao toyotismo) incutem nas pessoas um sentimento de competitividade e de individualismo tamanho, que faz com que elas acreditem que não conseguir uma melhor posição social se deve ao fato de não terem sido capazes para tanto. Os indivíduos perdem o senso de coletividade e solidariedade, é “cada um por si” e “que vença o melhor”. É dessa forma que, dominado por esses pressupostos, o desemprego passa a ser compreendido numa perspectiva individual, consolidando o princípio do “Darwinismo social”. O trabalhador, então, se responsabiliza tanto por seu sucesso quanto por seu fracasso e as pessoas acreditam no discurso de que “há muitas vagas de emprego, mas poucos são os qualificados” e, consequentemente, a educação, a qualificação, o conhecimento se transformam em mercadoria de alto valor. O trabalhador empregado se comporta como “parceiro da empresa” e o desempregado como responsável por sua condição. Contudo, a atual forma de organização do trabalho revela uma “naturalização das relações sociais e produtivas” o que significa dizer que, para o trabalhador, tudo se torna natural porque faz parte do processo; a exploração é naturalizada. O processo de interação entre a inteligência humana e as máquinas necessita da dominação da consciência do trabalhador o que, evidentemente, “aumenta ainda mais o estranhamento e a alienação do trabalho, amplia as formas modernas de reificação8 […]” (ANTUNES, 2002, Pág. 43). Mas 8

A Reificação é um conceito desenvolvido por Georg Lukács (1885–1971) a fim de enriquecer o debate de Marx quanto à “coisificação”. Para Lukács, a atividade


165 como o trabalhador será preparado para ser submisso e para atuar no mercado de trabalho toyotista? É o que discutiremos a partir de agora. A RELAÇÃO ENTRE CAPITALISMO, TRABALHO E EDUCAÇÃO. É nesse contexto econômico–social que a educação se transforma também em mercadoria, subsumida ao capital, porque, ao exigir uma maior qualificação, o nível de escolaridade do indivíduo passa a indicar status social e condição para conseguir um emprego. SAVIANI (2002, Pág. 22), ao discutir o papel atribuído à escola nessa fase de pleno desenvolvimento tecnológico e mudanças econômicas, acrescenta que a educação, nesse momento, em vez de propiciar o pleno desenvolvimento dos indivíduos para sua emancipação, é colocada “sob a determinação direta das condições de funcionamento do mercado capitalista”. Essa visão expressa a “concepção produtivista de educação” que dominou o panorama educativo da segunda metade do século XX e encontra suas bases na “ Teoria do Capital Humano”. Sob influência da Teoria do capital humano a educação passa a ser entendida como “um ‘bem de produção’ e não apenas de consumo” posto que ela teria importância decisiva no processo econômico–produtivo. Assim, a educação é vista como uma mercadoria de valor e um “investimento”. SAVIANI (2002, Pág. 22) explica, que seguindo essa linha de raciocínio, “os dispêndios com educação passaram a ser considerados desejáveis, não apensas por razoes sociais ou culturais, mas especificamente por motivos econômicos”. O investimento na educação e qualificação daria ao capital um retorno compensador, muito maior que qualquer outro. Em resumo, trata–se de produtiva promove uma transformação nas relações sociais e na subjetividade humana, sujeitadas cada vez mais ao caráter inanimado e quantitativo dos objetos ou mercadorias. Reificação significa a perda da autonomia e da consciência diante dos objetos, ou seja, é o mesmo que objetivação, coisificação; é o predomínio da coisa sobre o sujeito.


166 qualificador os indivíduos para que, posteriormente, o trabalhador qualificado renda lucro ao capital. À escola caberia, então, formar mão–de–obra qualificada para que fosse incorporada ao mercado de trabalho. Quanto mais bem qualificado fosse o indivíduo, maior a chance de ser empregado. A dúvida que surge dessa proposição é simples: ser qualificado garante mesmo uma vaga no mercado de trabalho? Uma nova pedagogia deriva dessa visão de uma “educação produtivista” e, dessa maneira, podemos verificar que o sistema produtivo é que determina as características e os rumos da educação A visão produtivista da educação empenhou–se no primeiro período, entre os anos de 1950 e 1970, em organizar a educação de acordo com os ditames do taylorismo–fordismo através da chamada “pedagogia tecnicista”, que se procurou implantar, no Brasil, através da lei n. 5.692/71, quando se buscou transportar para as escolas os mecanismos de objetivação do trabalho vigentes nas fábricas. No segundo período, a partir do final dos anos de 1980, entram em cena as reformas educativas ditas neoliberais que se encontram em andamento. Sob a inspiração do toyotismo, busca–se flexibilizar e diversificar a organização das escolas e o trabalho pedagógico, assim como as formas de investimento. Neste último caso, o papel do Estado torna–se secundário e apela–se para a benemerência e voluntariado. Em ambos os períodos, prevalece a busca pela produtividade guiada pelo princípio de racionalidade, que se traduz no empenho em se atingir o máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. […]” (SAVIANI, 2002, Pág. 23)

Nessa busca pela produtividade e racionalização dos processos produtivos a escola teve que se adequar para formar o tipo de homem necessário à sociedade, à produção. Assim é surge o ensino profissionalizante como forma de atender ao mercado e as modificações no currículo do ensino médio, quando ocorre nitidamente o predomínio de uma educação dual: aos filhos dos ricos uma educação para o ensino superior e aos filhos dos pobres uma educação para o trabalho.


167 Nesse contexto é importante destacar a elaboração de políticas públicas voltadas para a inserção dos jovens no mercado de trabalho a fim de assegurar a formação de mão–de–obra e amenizar os conflitos entre as classes. Quanto a essas políticas, citaremos, como exemplo, o incentivo à contratação de Jovens Aprendizes instituído pela Lei da Aprendizagem 10.097/2000 e regulamentada pelo Decreto nº. 5.598/2005 e que foi alterado pelo Decreto nº 8.740/2016. Essa lei obriga as empresas a contratarem, através de um contrato especial de trabalho, jovens aprendizes que, ao mesmo tempo em que exercem funções na empresa contratante, são matriculados em cursos de aprendizagem, em instituições qualificadas reconhecidas e responsáveis por emitir certificado quando da conclusão e término do processo. A fim de concluir nossas discussões sobre a relação entre trabalho e educação, é importante atentar para a consideração de que, a regulamentação do programa Jovem Aprendiz enquanto política pública, traz a marca das relações econômicas e produtivas que tangenciam a crise estrutural do capital e atendem ao interesse em formar mão–de–obra servil, obediente e barata. Essa capacitação profissional é nada mais que um aparelho de adestramento para extrair mais–valia e manter o sistema de produção. Tanto o sistema de ensino quanto as políticas públicas estão a serviço do capital, preparando os “futuros trabalhadores alienados” para a reprodução do sistema. No nosso entendimento, uma vez que o capital se apodera da subjetividade dos indivíduos para garantir a reprodução da força de trabalho, essas políticas do “primeiro emprego” são instrumentos ideológicos e não podem ser vistas como forma de propiciar a oportunidade de emprego – uma vez que não há empregos para todos – mas sim, como forma de dominar a mente da classe trabalhadora para que a exploração seja “naturalizada” e para que sejam criadas, desde muito cedo, mentalidades submissas ao capital: alienadas, porém, preparadas para o trabalho, ou seja, jovens eficientes e muito obedientes e servis. Significa tornar os jovens empregáveis – qualifi-


168 cados – mas esses programas sociais não garantem que eles sejam empregados, posto que não há vagas para todos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos propusemos a discutir a subsunção do trabalho e da educação ao capital, bem como as formas de exploração às quais o trabalhador está sujeito na atual organização do trabalho. Nesse sentido, quando no início desse texto nos referimos aos conceitos de alienação, de estranhamento e “coisificação” foi para que, ao chegarmos ao final dele, o leitor pudesse perceber que esses conceitos, embora tenham sido concebidos muito antes da fase atual do capitalismo, ainda estão presentes no mundo do trabalho e cada vez mais vivos e triunfantes. As análises de Marx nos ajudam a compreender que nos dias atuais há o predomínio da coisa sobre o sujeito, a valorização extrema do consumo de mercadorias supérfluas, e o trabalho – que deveria ser uma atividade de humanização e socialização –é cristalizado em objetos, em valor. Some o trabalho e fica a matéria produzida, a mercadoria. Assim, o trabalho não passa de uma atividade cuja função é manter o capitalismo através da extração da mais–valia e da exploração do trabalhador. A nova configuração econômica pautada na produção de mercadorias inúteis e supérfluas – e com baixa durabilidade para agilizar o círculo produtivo – tem gerado mentes desumanas, inconscientes de seu papel social, desestruturadas, submissas e extremamente consumistas, fúteis e alienadas. Há o predomínio do “ter” sobre o “ser” e desaparecem os sentimentos de coletividade e solidariedade. As relações sociais e de trabalho são completamente afetadas pelo capital e é por isso que percebemos cada vez mais o trabalhador submisso à coisa e ao outro e o empregador cada vez mais explorador, posto que se perderam os valores morais. Além do mais, o trabalhador não sente prazer em trabalhar, trabalha para possuir “coi-


169 sas” supérfluas – posto que está reificado – e ele mesmo passa a ser uma “coisa”. A educação – que deveria ser instrumento de “libertação da classe oprimida” – é transformada em mercadoria e objeto submisso ao capital, útil à manutenção do sistema. Tudo se transforma em mercadoria e atende aos interesses do capital. É uma verdadeira fábrica onde o capital é o proprietário, os trabalhadores são máquinas, a gerência é administrada pelo grupo de inteligência e a educação é o setor de treinamento da empresa. A face mais perversa do novo modelo de acumulação de capital, é a dominação da subjetividade dos indivíduos. Para exemplificar seus efeitos, podemos citar o fato de que os indivíduos acreditam que as altas taxas de desemprego resultam não da falta de vagas no mercado e sim por falta de capacitação dos trabalhadores. As pessoas não percebem que o desemprego é condição de existência do capital e a massa de desempregados – o exército de reserva – é o que garante que os trabalhadores empregados recebam os menores salários. O capital tem uma maneira muito eficaz de dominar as mentes e o comportamento das pessoas e elas, já que estão dominadas pela mercadoria e pela ideologia, são levadas a competirem umas com as outras, a consumir em excesso e trabalhar sob qualquer condição. Ocorre, enfim, que essa visão acrítica em relação à exploração, às formas de precarização do trabalho e ao significado do desemprego é útil ao capital em todos os sentidos e, por isso, enquanto os indivíduos estiverem alienados e reificados pelo capital, permanecerão as formas de exploração e dominação. REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo Luis Coltro. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. Sao Paulo: Boitempo, 2009. BRASIL. Constituição (2000). Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Lei da Aprendizagem: Menor Aprendiz. Disponível em:


170 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L10097.htm> Acesso em: 30 de Nov de 2016. ______ . Constituição (2016). Decreto de Lei nº 8.740, de 04 de maio de 2016. Altera o Decreto nº 5.598, de 1º de dezembro de 2005, para dispor sobre a experiência prática do aprendiz. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015–2018/2016/Decreto/D8740.htm>. Acesso em: 30 de Nov de 2016. FLECK. Amaro. O conceito de fetichismo na obra marxiana: uma tentativa de interpretação. Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 141 – 158 Jun. 2012. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/article/view/1677–2954.2012v11n1p141/22909> Acesso em: 29 de nov. de 2016 José Claudinei Lombardi; Dermeval Saviani; José Luís Sanfelice et al (Orgs.). Capitalismo, Trabalho e Educação. Campinas, SP: Autores Associados, Histedbr, 2002 Marx, Karl. Livro 1, volume 1: O capital – Crítica da Economia Política: O Processo de Produção do Capital. Editora Civilização Brasileira 2º Edição, 2011. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital–v1/vol1cap01.htm> Acesso em: 29 de nov. de 2016 ______. Livro 1, volume 1: O capital – Crítica da Economia Política: O Processo de Produção do Capital. Editora Civilização Brasileira, 2º Edição, 2011. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital–v1/vol1cap07.htm#c7s2> Acesso em: 29 de nov. de 2016 MARX, Karl; ENGELS Friedrich. Textos sobre Educação e Ensino / Campinas, SP: Navegando, 2011 SANTOS. Paulo Roberto Félix dos. A intensificação da exploração da força de trabalho com a produção flexível: elementos para o debate. O social em questão. Ano XIV, nº 25/26, 2011. p. 137 à 156. Disponível em: <http://osocialemquestao.ser.puc–


171 rio.br/media/8_OSQ_25_26_Santos.pdf> Acesso em: 29 de nov. de 2016 SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.



173

CONJUNTURA POLÍTICA: EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO, RESISTÊNCIA E RETROCESSOS José Eduardo Fernandes “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores.” Karl Marx

CONJUNTURA E DESAFIOS O ano de 2016 poderá ser lembrado como um marco, aparentemente, de mudanças de rumo para nosso país, bem como para quase todos os países. Na Europa, a saída da Grã–Bretanha da União Europeia, a grave crise que quase levou a Grécia à bancarrota, entre outras crises, como a chegada de refugiados em quantidades assustadoras à Alemanha, França, etc. Além do posicionamento conservador com fundamentos fascistas que está se alastrando por todos os cantos. Na América Latina, esse movimento de retrocesso chegou com força e começa a apresentar indícios de que teremos, de fato, ou novas formas de organização social, política e econômica ou, um grande aprofundamento das velhas práticas de dominação impostas pela burguesia aos trabalhadores, ou seja, a velha receita da recessão, desemprego, aumento da dívida externa e a imposição de um projeto de nação, não o da nossa nação. Os ventos conservadores que sopram em nosso continente trazem elementos econômicos e políticos que pressionam a desestabilização de projetos como o Socialismo Cubano, ou da possibilidade de novos governos progressistas, como o de José Mujica, que no decorrer de seu mandato recebeu ataques desleais de desmoralização midiática, sem mencionar a difícil situação que vivem a Venezuela e Bolívia. Esses acontecimentos estão intrinsecamente ligados ao


174 desenvolvimento de políticas públicas elaboradas pelo capital internacional. Em particular, no Brasil, foi possível até o fim de 2014, um desenvolvimento positivo para os movimentos sociais ligados ao cooperativismo e à Economia Popular Solidária. E essa ligação aconteceu porque os grupos políticos, que estiveram ou ainda estão à frente dos governos de alguns países, incentivando avanços nos programas sociais e econômicos, especificamente direcionados para os trabalhadores, são oriundos das organizações políticas dos trabalhadores, com forte tendências socialistas. Porém, não apontam claramente a ruptura com os ideários liberais impostos por bancos e corporações capitalistas que atuam em todo o planeta. A percepção deste pesquisador é de que uma movimentação sócio/política e cultural extremamente conservadora está sendo incentivada pelos instrumentos burgueses de propagação ideológica, de forma exacerbada em todas as esferas da sociedade e que produzirá efeitos extremamente nocivos no que diz respeito à formação (emancipatória) para o trabalho da classe trabalhadora, pois, muitas das ações que foram impulsionadas pelos governos Lula e Dilma, assim que houve a posse do vice–presidente de Dilma Russef após seu impeachment, praticamente as intervenções voltadas para a Economia Popular Solidária foram estancadas. Soma–se a isso a extinção da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) que, muito provavelmente, se por algum motivo houver interesse de continuidade no governo "golpista", essas ações entram no "maravilhoso repertório propositivo das retóricas ludibriantes" dos grupos políticos que se apossaram do governo federal. Não é intenção afirmar que nos outros dois governos passados as políticas para a promoção da construção de um mundo diferente foram definitivas ou totalmente positivas para os trabalhadores. Não podemos esquecer que a intensificação da formação técnica profissionalizante foi entregue prioritariamente ao Sistema S que pertence ao patronato nacional e tem um lado político muito bem definido, além disso, sempre promoveu a ideia de que a educação para os trabalhadores deve ser controlada e dosada conveniente-


175 mente aos interesses do capital, privando os trabalhadores de desafios mentais e transformando–os em meros operadores mecânicos. Erros foram cometidos de forma sistemática nos governos Lula/Dilma, e as opções de impulsionar projetos que fomentassem a emancipação real da classe trabalhadora, seja por meio da educação, ou da construção de condições objetivas para outra consciência social de classe pudesse se consolidar, não aconteceram. Nem de longe o que aconteceu nos governos Lula e Dilma podem ser considerados como tal. Apenas para resumir, salienta–se que nesse período o reajuste do salário mínimo foi exemplar, mas nada, em hipótese alguma se compara com o lucro dos banqueiros, dos usineiros e dos empreiteiros. Então, o ganho real da valorização monetária da porção diária para sobreviver que o salário mínimo proporcionou aos trabalhadores não pode de forma alguma justificar o financiamento dos capitalistas por meio de políticas públicas. Nos últimos vinte anos no Brasil, pudemos vivenciar um clima de ascensão econômica significativo de algumas camadas sociais marginalizadas ao longo de muitas décadas, mas, visto de perto, aumentou também exponencialmente a alienação da classe trabalhadora no que diz respeito a construção da consciência e de união em torno de lutas coletivas e por garantias de direitos ou mesmo a ampliação das conquistas dos últimos tempos. Muito se fez pelo desenvolvimento individual da sociedade e, aos poucos, o sentimento da grande parcela da população que sempre esteve à margem do mundo do consumo, e que se beneficiou como nunca dos programas de crédito fácil, e dos programas que injetaram dinheiro nas relações familiares, foi se ampliando e querendo mais. Da mesma forma, a classe média também se posicionou na mesma perspectiva, querendo mais, bem como a burguesia, também quer mais. O óbvio inevitavelmente chegaria, ou seja, no sistema capitalista não é possível atender a todos. "Alguém, e invariavelmente é a classe trabalhadora, deve fazer sacrifícios e abrir mão de seus sonhos para que alguém continue acumulando riqueza", não tem para todo mundo. Essa é a lógica dominante, é assim que as elites em qualquer lugar do mundo pensam


176 e agem. Assim chegamos a um questionamento intrigante: a classe trabalhadora conseguirá dar continuidade aos projetos emancipatórios dentro de um ambiente político desfavorável e com tendências individualistas, fascistas e extremamente refratário a manutenção de políticas de igualdade de direitos? A proposta de intervenção na esfera econômica, que possibilite aos trabalhadores a criação de mecanismos de geração de renda, acompanhada de qualidade de vida e ao mesmo tempo lhe proporcione que a experiência desenvolvida possa apontar para sua emancipação econômica em primeira instância e na sequência todas as outras emancipações necessárias para a transformação dessa sociedade opressora e geradora de desigualdade em uma sociedade mais justa, fraterna e socialista, ainda está em construção. Muitas são as armadilhas colocadas no caminho. A mais cruel de todas está embutida na formação da cultura por meio dos instrumentos burgueses de propagação ideológicos, aos quais, a classe trabalhadora está restrita seja por meio do acesso aos meios de produção ligadas ao capital, seja pela intervenção estatal que regula e impede o acesso, como é o caso dos meios de comunicação. Mesmo que nos últimos governos não tivéssemos avanços no que diz respeito à democratização desses instrumentos, a classe trabalhadora inventou muitas formas de sobreviver a essas questões, como as rádios comunitárias, ONGs responsáveis e verdadeiras promotoras de políticas públicas e grupos de pesquisa espalhados por todas as universidades federais do país, que produziram projetos de intervenção, promovendo a justiça social em várias áreas, dentre muitas outras formas ligadas aos movimentos sociais e aos sindicatos. Trabalhadores se organizaram em cooperativas ou associações, visando a geração de renda e melhorias nas condições de vida, principalmente buscando libertação das formas opressoras que o capitalismo impõe aos processos produtivos. A autogestão é um caminho bastante viável para a geração de autonomia econômica, mas impõe por outro lado, uma série de desafios aos trabalhadores. Um dos maiores desafios está associado à divisão social do trabalho.


177 Durante décadas os trabalhadores, de uma forma geral, foram e continuam sendo treinados para assumir postos de trabalho numa perspectiva que lhes permita apenas garantir a sobrevivência num determinado período. A ideia de que as pessoas devem se adequar ao momento em que a economia está passando, determina o nível de treinamento que o trabalhador deve receber e se desenvolver. Sua qualificação tecnológica pode até alcançar níveis de complexidade, mas a grande massa de trabalhadores deve ser contida em sua evolução laboral e consequentemente social, pois não há lugar para que todos possam usufruir de tudo ao mesmo tempo. Há muitas vagas para que o trabalhador possa desenvolver sua capacidade criativa para ganhar sua ração diária por meio de trabalho físico ou intelectual, mas o próprio trabalhador determinar os rumos de sua existência ainda não está nos planos da burguesia. Então, mesmo quando se tem uma organização produtiva solidária, autogestionária e bem–sucedida, em termos econômicos e políticos, ainda não se tem a possibilidade de dominar toda a cadeia produtiva em que atua, seja por barreiras do desenvolvimento tecnológico, seja na execução de tarefas extremamente otimizadas. A divisão do trabalho parece ser tão natural para a grande parcela de trabalhadores alienados, que a sensação é de que não se deve questionar nada. Se a ração financeira de sobrevivência faltar, o trabalhador pode até entrar em greve, mas a legitimidade ainda será julgada pela máquina do Estado. Assim, percebe–se que o trabalho e sua essência são subsumidos por algo que, nas relações capitalistas de mercado, representa a existência para o outro, e somente pela percepção do outro é que aceito que minha percepção de mundo é inferior àquele que pode se apoderar do que eu produzo, pois se a "mercadoria" que eu produzo é tão valiosa e não me pertence, a quem puder tê–la eu obedecerei. Então, é muito mais importante fazer com que as consequências do trabalho, que são produtos, sejam mais fundamentais para a vida das pessoas do que a sua própria ação de viver. Logo, parece ser tão insignificante a possibilidade de poder inventar um procedimento


178 produtivo, pois a sua vocação não é para inventar e sim para fazer e usar. Esse movimento de expropriação da capacidade produtiva não é um privilégio das oligarquias burguesas que representam a classe dominante em nosso país. Nossos burgueses aprenderam (ou não) com as classes dominantes que se consolidaram com o poder nos primórdios do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos. Dos países ricos ainda vem a ordem hegemônica para dominar e explorar a outra parcela da população mundial, os trabalhadores, estejam eles onde estiverem. Um trabalhador grego tem, em sua formação cultural, muitas diferenças em relação ao trabalhador brasileiro, muito embora uma cultura pode em algum momento do desenvolvimento das nações e regiões, ter influenciado o outro, mas cada um tem seu jeito particular de ser, menos por um conjunto de categorias que Marx nos apresenta na narração da luta de classes. Independente se um trabalhador está inserido no Mercado Comum Europeu ou se está produzindo e vivendo no Mercado Comum Sul–Americano, o trabalho dos dois é entendido como um trabalho alienado, transformador da natureza e em fonte geradora de mercadorias, que transforma seres humanos em coisas e provoca um profundo estranhamento entre o que os seres humanos produzem e a sua existência no ambiente em que convivem. Nesse sentido o papel da educação como articulação entre as necessidades do capital e da burguesia para manter o poder hegemônico nas sociedades, em qualquer canto, pode ser percebida como uma grande barreira que impede os trabalhadores de superar a imposição da divisão social do trabalho. A inculcação dos valores que a burguesia impõe desde cedo nas Escola, como o individualismo, o empreendedorismos e a meritocracia são fundantes do pensamento hegemônico dominante. O que estamos vendo em nossos dias, é uma conjuntura bastante rica em termos de possibilidades de transformações sociais, pois a classe trabalhadora está sendo conduzida não mais pela força bruta, muito embora isso ainda aconteça e de forma pouco sutil, mas


179 as transformações estão sendo tocadas para frente por meio de ações parlamentares ou judiciais. Gramsci aponta para a complexa formação das relações ideológicas e culturais como o centro emanante de conciliação das relações sociais. A superestrutura aparentemente está determinando a estrutura em seu modo de reprodução. A ideia de democracia é uma das grandes armadilhas colocadas à frente dos sonhos da classe trabalhadora, pois com a possibilidade de alcançar o status garantido pelo poder para a burguesia, o trabalhador sente a possibilidade de um dia sentar–se à mesa junto com um burguês. A ideia da escola para todos, jargão utilizado por Lula em seu governo (Um País para Todos) mexe com o imaginário das pessoas no sentido de acreditar de que é possível que seus filhos tenham a mesmas oportunidades que os filhos dos burgueses. Olhando mais de perto, a proposta de um a escola para todos pode trazer à tona surpresas como a construção de formação da consciência para se aceitar a vida como ela foi posta para os trabalhadores. Dando a impressão de que sempre foi assim e sempre deverá ser do jeito que está, portanto, o trabalhador deve aceitar os fatos e não avançar na ideia de ruptura com seu predestinado caminho de profissionalização pela educação formal. A escola profissionalizante ou a escola tradicional são de fato apenas mais um instrumento da superestrutura que alimenta e mantém o poder hegemônico nas mãos das classes dominantes. Reproduz em seu interior todas as questões culturais e valores necessários para que tanto o trabalhador quanto seu filho na escola acreditem que o que está sendo ali elaborado e apresentado como conhecimento de uma sociedade, basta para garantir que seu futuro seja distante da barbárie. Mesmo que a história não faça jus à forma hegemônica burguesa de pensar, há uma série de momentos históricos que podem claramente derrubar essa proposta burguesa de educação, no entanto ela permanece sólida e faminta. Em contraponto à educação adestradora, em momentos em que a sociedade está mais sensibilizada para aceitar governos progressistas, é possível observar alguns avanços para romper com o processo alienante. Mas mesmo assim ainda


180 estão colocadas as armadilhas da retórica mercadológicas. Os processos de educação tradicional, de forma muito sutil e eficiente, reforçam o conceito de mobilidade de classes, a partir do sucesso que alguém alcança, por meio de uma escalada de mérito próprio para conquistar melhores condições de vida. Assim, em qualquer área que se aponte, os trabalhadores que se arriscam em construir uma alternativa a esse modelo hegemônico dominante são brutalmente atacados. Mas não se pode pensar em ruptura com esse modelo opressor sem fazer enfrentamentos. Processos de formação de consciência de classe são absolutamente necessário e configuram–se como base para qualquer resistência. Nos movimentos de emancipação da classe trabalhadora, a formação para o trabalho ganha importância na media que as organizações produtivas solidárias carecem de suporte técnico para se estabelecerem com o sucesso necessário para promover novos avanços, como também, para poder interferir de forma muito mais efetiva nas relações sociais. Dentre elas, uma das mais importantes é a construção e manutenção de políticas públicas, financiadas com dinheiro público e administradas para atender às necessidades postas pelos trabalhadores. Nesse sentido, a conjuntura política está amarrada às condições objetivas de se promover tal resistência. Temos a oportunidade de analisar mais um ciclo histórico de nosso país que se encerrou abruptamente, em que se pretendeu erguer um projeto político por meio da conciliação de classes. Podemos perceber que o resultado dessa aposta não melhorou as condições da classe trabalhadora para fazer o enfrentamento dos ideais democráticos burgueses. Mas proporcionou o acesso a bens de consumo que produziu uma aleivosa sensação de empoderamento. A classe trabalhadora conseguiu avançar em alguns aspectos na construção de sua emancipação. Avançamos na oferta de escolas administradas pelos trabalhadores, enfrentando dificuldades e preconceitos. Existem hoje alternativas, como a Escola Florestan Fernandes do MST, que devem ser defendidas e ampliadas como propostas de consolidação de instrumentos da classe trabalhadora para a cons-


181 trução de condições objetivas de formação de uma nova consciência de classe, em que continua evoluindo a ideia de uma sociedade comunista. Nos governos Lula e Dilma houve um investimento grande, se comparado aos governos passados, mas irrisório se comparado aos investimentos públicos destinados no mesmo período para os "ricos". Quando citamos o privilégio dos "ricos" em relação à educação, é necessário ver em duas dimensões: uma em relação ao aparato social construído para manter o status quo das classes mais abastadas para o acesso às melhores instituições, incluindo as universidades públicas; e de outro lado o incentivo acentuado de políticas públicas para aquecer os ativos financeiros das instituições privadas por meio de financiamentos e facilidades. É nossa tarefa analisar com mais profundidade se o Estado, como conhecemos hoje, deve continuar sendo o tutor das relações sociais, se deve continuar a determinar o que nossas crianças e jovens devem ou não acumular de conhecimento para atuarem na sociedade. Se o Estado tem um grande poder de determinar quem nós seremos, mesmo contra nossa vontade, também é direito dos trabalhadores entender melhor quem é esse Estado, quem o sustenta, define e o conduz. Portanto, os interesses econômicos que estão impondo mudanças políticas mundo afora, são os mesmos que estão patrocinando os ataques brutais aos direitos dos trabalhadores em toda a América Latina, em especial no Brasil, que passa por uma crise institucional, ética e política. Essa crise deixará cicatrizes profundas para as próximas gerações, caso a classe trabalhadora não se organize, mobilize e resista, nas ruas ou nas escolas, em cada canto onde essa disputa acontecer. A escola para todos deve assumir o caráter classista e ser uma escola para o pelos trabalhadores, emancipatória e na sua totalidade humana. Enquanto tivermos um pseudo–burguês ensinando o filho do camponês sobre como deve ser sua cultura e valores, jamais teremos uma classe homogeneamente consciente e com capacidade de emancipação.


182 REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009. HARVEY, David. 17 Contradições e o fim do capitalismo. 1. ed. – São Paulo: Boitempo, 2016. MANASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Tradução Paulo Nosella. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Textos sobre Educação e Ensino. Campinas: Navegando, 2011. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.


183

A ASSOCIAÇÃO MANTENEDORA DA GUARDA MIRIM DE MONTES CLAROS (MG)1 Cláudia Rosane Parrela Robson Luiz de França INTRODUÇÃO Com o célere crescimento da população jovem, cresceu também o ritmo das demandas por serviços básicos, atenção à saúde, educação e capacidade de absorção da mão–de–obra. Além disto, a participação social, política e cultural são novos desafios que se somam aos já existentes, com a incorporação das pessoas jovens na sociedade de forma produtiva e criativa. Cresce portanto o reconhecimento da importância dos jovens na implementação de políticas públicas. A problematização central desse artigo ressalta as proximidades entre as políticas de inserção do jovem adolescente ao mercado e a educação não formal, no município de Montes Claros – MG. Entendemos que a inserção ao mercado, na lógica capitalista, possuem as políticas sociais um cunho focalizador, categorial e emergencial, e as dimensões de recuperação, educação e oportunização dos sujeitos desprovidos de bens sociais, é o que busca o enquadramento do sujeito no campo produtivo, ampliando a produção da mais valia. Nesse sentido, entendemos que analisar o Programa Guarda Mirim de Montes Claros como um serviço não exclusivo pode auxiliar no esclarecimento de questões que envolvem a educação não formal, além de possibilitar esclarecer se este complementa a educação formal na formação humana. Capítulo resultante da conclusão da Disciplina ofertada no Doutorado Educação e Transformação Social ministrada pelo Professor Robson Luiz de França, no Programa de Pós–Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – Minas Gerais, durante o segundo semestre de 2016. 1


184 Metodologicamente, partimos da exposição das ideias centrais de Althusser, no que diz respeito à formação social e os aparelhos ideológicos do Estado (AIE), a abordagem da política social, a discussão sobre os jovens e a juventude e a conexão desses temas à Associação Mantenedora da Guarda Mirim de Montes Claros. Nas Considerações Finais respondemos à questão que gerou a presente discussão, retomamos aos objetivos e refletimos sobre eles, apresentamos a relevância da aplicabilidade do tema em tela, e refletimos sobre o problema e abrimos campo para futuras investigações. INTERLOCUÇÕES ENTRE ALTHUSSER, A QUESTÃO SOCIAL, O JOVEM E A JUVENTUDE E A GUARDA MIRIM DE MONTES CLAROS ALGUMAS IDEIAS DE ALTHUSSER

Em Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado – AIE (1985), Althusser aborda questões sobre a reprodução das condições de produção. O autor informa que, as evidências persistentes do ponto de vista da produção e da prática produtiva se incorporam de tal forma à nossa consciência cotidiana que é difícil alcançar o ponto de vista da reprodução. Assim, em seu texto, o autor se atem ao processo de produção que aciona forças produtivas existentes e sob relação de produção definida. Afirma ainda o autor que, “toda formação social para existir, ao mesmo tempo que produz, e para poder produzir, deve reproduzir as condições de sua produção (p. 54). A reprodução da força de trabalho, das forças produtivas é assegurada oferecendo à força de trabalho o meio material de se reproduzir: o salário. Este figura na contabilidade de cada empresa, como “capital mão de obra”. Representa somente a parte do valor produzida pelo dispêndio da força de trabalho. Mas segundo Althusser, não basta que se assegure à força de trabalho as condições materiais de sua reprodução para que se reproduza como força de


185 trabalho. Esta deve ser qualificada e reproduzida como tal, diferentemente, conforme as exigências da divisão social–técnica do trabalho, nos diferentes cargos e empregos. Para que isso se cumpra, Althusser afirma que esta reprodução da qualificação da força de trabalho no regime capitalista tende a dar–se fora do local de trabalho, fora da produção, através do sistema escolar capitalista e de outras instâncias e instituições (p. 57). É no contexto de uma instituição que presta serviços sociais, que vamos discorrer sobre o domínio da educação, informação sobre a reprodução qualificada da força de trabalho, bem como a reprodução da submissão dos atendidos à ideologia dominante e reprodução da capacidade do domínio por parte dos agentes de exploração e repressão, para que assegurem o predomínio da classe dominante. Dito de outra forma, a instituição educativa, assim como a Igreja e outros aparelhos, ensina e asseguram a submissão à ideologia dominante ou o domínio de sua prática. Ao se referir à Marx, Althusser, para conceituar sociedade, concebe a estrutura de toda a sociedade como formada por “níveis” ou “instâncias” articuladas: a infraestrutura ou base de produção e a superestrutura que abrange dois níveis ou instâncias: a jurídico–política (direito e Estado) e a ideológica (distintas ideologias: religiosa, moral, jurídica, política, etc.). Althusser entende o Estado como um aparelho repressivo, uma máquina que permite assegurar a dominação da classe dominante sobre a classe operária, para submetê–la ao processo de extorsão da mais valia (p. 62). O autor ainda acredita que toda luta política das classes gira em torno do Estado. Nesse sentido, segundo a teoria marxista do Estado, é necessário compreender o Estado e o aparelho repressivo do Estado; que deve–se distinguir o poder de estado do aparelho de Estado, bem como conceituar os aparelhos ideológicos do Estado. O Aparelho de Estado (AE) compreende: o Governo, a Administração, o Exército, a Polícia, os Tribunais, as Prisões, etc. (p. 67). Althusser os classificam como Aparelhos Repressivos, uma vez que


186 funcionam pela violência (inclusive a física) pode secundariamente também, funcionar através da ideologia e podem revestir–se de forma não física e pertencendo inteiramente ao domínio público. Já os Aparelhos Ideológicos do Estado compreendem distintas instituições, especializadas: o religioso (as diferentes Igrejas), o escolar (diferentes escolas públicas e particulares), o familiar, o jurídico, o político (fazem parte os diferentes partidos), o sindical, o da informação (imprensa, rádio, televisão, etc.) e o cultural (Letras, Belas Artes, Desporto, etc.). Estes não se confundem com o Aparelho Repressivo do Estado. É unificado, pertence inteiramente ao domínio privado e funciona através da ideologia (p.69). Lembra o autor ainda, que estes podem secundariamente, funcionar através da repressão atenuada, dissimulada ou simbólica (p, 70). Deste modo, a Escola, as Igrejas “moldam” por métodos próprios de sanções, exclusões, seleção, etc. tanto os funcionários como os atendidos. Althusser observa que nas formações sociais de modos de produção capitalistas maduros domina o aparelho ideológico escolar (p. 71). A escola se encarrega das crianças de todas as classes sociais, desde a mais tenra idade, lhes inculca, por longos anos, os saberes contidos na ideologia dominante – o cálculo, a história natural, as ciências, a literatura e também a moral, a educação cívica, a filosofia. Daí, por volta do 16º ano, estes ingressam na “produção”, se transformando em operários ou pequenos camponeses. Outra parte da juventude escolarizável prossegue e se encaixam em cargos dos pequenos e médios quadros, empregados, funcionários e pequenos burgueses. Contudo, cada grupo dispõe da ideologia que convêm ao seu devido papel a ser preenchido na sociedade: de explorado ou agente da exploração. A escola assim configurada dispõe de uma duração maior de audiência obrigatória e é por meio da aprendizagem de alguns saberes inculcados, reproduzidos nas relações de produção de uma formação social capitalista (explorados e exploradores) que os mecanismos produtores desse resultado se naturalizam e encobrem e dissimulam a ideologia universalmente aceita (que representa a es-


187 cola como neutra, desprovida de ideologia). Mas qual é a real intenção de se ter contado toda essa história, apontar as ideias de Althusser? Atrelemos todo esse enredo com a temática da política social e vejamos onde vai dar essa narrativa. A POLÍTICA SOCIAL

A política social vem desempenhando distintos papéis na dinâmica capitalista, mas comumente tem desempenhado funções expressivas na esfera da reprodução do capital e na esfera ideológica, simbólica ou cultural. É um tema intrigante que tem provocado constantes debates no mundo contemporâneo. Diversos autores analisam de forma incisiva a implementação de políticas públicas que minimizam os perversos efeitos da desigualdade social. No campo das Políticas Sociais, pode–se encontrar itens como: a saúde, a habitação, a previdência social, a assistência social, a educação, as condições de trabalho, lazer e outros mais que congregam a “cesta social” e se constituem em serviços imprescindíveis à reprodução da vida das classes populares, que não conseguem adquiri–los no mercado, onde a competição é continuamente muito desigual. Desse modo, o fato da política social exercer um papel orgânico à produção, faz com que ela permaneça sempre articulada à política econômica. Deste modo, Evaldo Vieira assinala que a política social e política econômica são faces da mesma moeda, e não podem ser dissociadas, como se fossem projetos sócio–político distintos. Ambas possuem um vínculo direto com o padrão de acumulação de capital e com os projetos socioeconômicos hegemônicos vigentes na sociedade e no Estado. Logo, a política social tem uma estreita relação com a configuração dos conflitos sociais e a organização das classes sociais, uma vez que se manifesta no confronto de interesses. Assim, as medidas na área social não poderão dissentir das medidas do campo econômico. Argumenta ainda que a concepção liberal, a política social objetiva permitir aos indivíduos a satisfação de certas necessida-


188 des não levadas em conta pelo mercado capitalista (VIEIRA, 1992, p. 16) Wanderley Guilherme Santos em A trágica condição da política social (1989), descreve que a política social “é em realidade uma ordem superior, metapolítica que justifica todo o ordenamento de quaisquer outras políticas”. Vicente de Paula Faleiros (2006), relata que o campo da política social requer a consideração do movimento real e concreto das forças sociais e da conjuntura (p. 59). Para o autor, há aqueles que consideram as políticas sociais como o resultado de um maquiavelismo do capital, e, de sua acumulação, sem uma análise dos limites impostos ao capital pela própria realidade e pelas lutas sociais. Enfatiza que a análise da política social implica, a consideração do movimento do capital e dos movimentos sociais concretos que o obrigam a cuidar da saúde, da duração da vida do trabalhador, de sua reprodução imediata e a longo prazo. Além de ser preponderante se considerar as conjunturas econômicas e os movimentos políticos em que se oferecem alternativas a uma atuação do Estado. Faleiros considera ainda que as políticas sociais do Estado não são benesses e nem medidas boas em si mesmas, como se mostram e, tampouco, são más em si mesmas, como dizem, afirmando que as políticas sociais são instrumentos de manipulação e de pura escamoteação da realidade da exploração da classe operária. Acrescenta ainda, que as políticas sociais só podem ser entendidas no contexto da estrutura capitalista e no movimento histórico das transformações sociais dessas mesmas estruturas. Em relação à natureza da intervenção do Estado, de forma empírica, ou como comumente é chamada “medidas de política social”, consiste na implantação de assistência, de previdência social, de prestação de serviços, de proteção jurídica, de construção de equipamentos sociais e de subsídios. (p. 60). É notório que as políticas sociais apresentam–se com duplo papel, isto é, tem um papel orgânico, ligado às necessidades materiais da produção capitalista, e, um papel persuasivo, ligado à necessi-


189 dade do exercício de hegemonia pela classe dominante que precisa fortalecer sua concepção de mundo na cultura geral. Para esse estudo, abordaremos a assistência privada, prestada pela sociedade beneficente e voluntária de Montes Claros, que recebe subsídios dos governos, distribui os recursos (arbitrários e variáveis) e a cada ano os consegue angariar com lobbies, coletas públicas, doações e trabalhos voluntários. A prestação de serviços sociais, compreendida por uma gama variada de intervenções é realizada por profissionais ou técnicos, dentro de normas administrativas preestabelecidas e com controle superior. Evaldo Vieira ultima que a política social expressa e carrega encargos do Estado, materializados em serviços e em atividades de natureza pública e geral, encargos estes também voltados à reprodução da força de trabalho de que o capitalismo não pode prescindir. Esta germina nos interesses e nos embates políticos e se nutre deles. Reveste–se pois, de forma legal, em que prevalece em diversas ocasiões às injunções do mercado capitalista (VIEIRA, 1992, p. 98). Vicente de Paula Faleiros em A Política social do Estado Capitalista (2006), enfatiza que as políticas sociais conduzidas pelo Estado capitalista representam um resultado da relação e do complexo desenvolvimento das forças produtivas e das forças sociais. Elas são assim, resultado da luta de classes e ao mesmo tempo contribuem para a reprodução das classes sociais (p. 46). Para ele, há quem considere que as políticas sociais como resultado de uma maquiavelismo do capital, e, de sua acumulação, sem uma análise dos limites impostos ao capital pela própria realidade e pelas lutas sociais (p. 59). Evaldo Vieira em Democracia e Política Social (1992) enfatiza que a política econômica e a política social relacionam–se intimamente com a evolução do capitalismo e que ambas vinculam–se à acumulação do capital (p. 15). O autor ainda assevera que “constituindo uma unidade, tanto a política econômica quanto a política social podem expressar mudanças nas relações entre as classes sociais


190 ou nas relações entre distintos grupos sociais existentes no interior de uma só classe”. Para Vieira, não se pode analisar a política social sem se remeter à questão do desenvolvimento econômico, isto é, à transformação quantitativa e qualitativa das relações econômicas, decorrente de processo de acumulação particular de capital (p. 21). Entende ainda este autor que a política social é uma maneira de expressar as relações sociais, cujas raízes se localizam no mundo da produção. Na concepção liberal, a política social objetiva permitir aos indivíduos a satisfação de certas necessidades não levadas em conta pelo mercado capitalista (p.29). Para Xavier e Deitos (2006), a política social nada mais é do que uma parte da síntese possível das tensões e disputas econômicas, sociais e políticas, e, portanto, das contradições que geram. Para estes autores, não é possível compreender a política social fora dessa dimensão; até porque a política social só seria possível como alternativa socialmente concebida para satisfazer, como universalização, as necessidades sociais coletivamente produzidas (p. 69). Faleiros (2006), adverte que analisar a política social implica considerar o movimento do capital, e, ao mesmo tempo, dos movimentos sociais concretos que o obrigam a cuidar da saúde, da duração de vida do trabalhador, da sua reprodução imediata e a longo prazo. Enfatiza ainda que, o sujeito converte–se num produto do sistema, a serviço da produção e esta produz os objetos, mas também um sujeito para o objeto. Isto significa considerar o homem como um suporte da estrutura determinado pelo lugar que ocupa no sistema de produção. Para esse autor, o sistema de lugares é determinado pela produção material (p. 39). Considera ainda que o homem não é somente a força de trabalho. Ele estabelece relações sociais fora do meio de trabalho, na família, no sistema de distribuição, em sua participação política (p. 41). Assim, observa que ao implantar políticas sociais com intenção de reintegrar os desviados sociais, estes são marcados pela própria existência dessa política social em relação ao desvio definido como anormal (p. 63).


191 Ideologicamente, pressupõe–se que o indivíduo possa trabalhar para poder com o salário obtido, satisfazer as suas necessidades de subsistência e as de sua família. Como critério normal para viver bem, aqueles que não conseguem trabalho, são censurados socialmente pelas próprias políticas sociais, que atribuem a este indivíduo, seu fracasso. Culpabiliza–se as vítimas. Como se não bastasse, a política social, ao mesmo tempo que estigmatiza e controla, escamoteia da população as relações dos problemas sentidos com o contexto global da sociedade. Segundo relata Faleiros, a ordem pública, a paz social, a integração, não só a reprodução da força de trabalho, mas a reprodução de sua aceitação da ordem social dominante são fundamentais para o funcionamento da acumulação a longo prazo, o que não se faz sem hegemonia e sem dominação, sem luta e consenso, concessão e imposição (FALEIROS, 2006, p. 78). Então, onde se encaixam, nesse contexto, os jovens e a juventude? OS JOVENS E A JUVENTUDE

No centro da questão social estão os jovens, muitos deles reincidentes em atos infracionais, situação divulgada com avidez pela mídia, que nos faz questionar: o que, exatamente, podem fazer? Aparentemente nada de preciso mas, também, dizem muita coisa. Não representam a classe laboriosa, ainda que por vezes, trabalhem; não emanam das classes perigosas, ainda que cometam, quando oportuno, atos delituosos; não são pobres, pois não são resignados nem assistidos e se viram no cotidiano; não são expressão de uma cultura específica, porque partilham valores culturais e são consumistas de sua classe de idade; não são completamente estranhos à ordem escolar, porque são escolarizados, mesmo que em más condições. Segundo Robert Castel (1998), eles não são nada disso, mas são ao mesmo tempo, um pouco de tudo isso. Interrogam todas as instâncias de socialização, mas nenhuma pode lhes responder. Susci-


192 tam uma questão transversal, sobre a qual se pode dizer que é a questão de sua integração e que debruça sobre múltiplas facetas: em relação ao trabalho, ao quadro de vida, à polícia e à justiça, aos serviços públicos, à educação. Castel enfatiza que é na verdade um problema de lugar, ter um lugar na sociedade, isto é, uma concomitância entre um lugar na sociedade, uma base sólida e uma utilidade sociais (p. 545). O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, considera criança, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquele entre doze e dezoito anos de idade (ECA, 1990, p. 23). A JUVENTUDE Compreendemos a juventude como uma categoria sócio histórica que modifica de sociedade para sociedade e no decorrer do tempo. Instituições como a escola, o Estado, o direito, o mundo do trabalho industrial e a ciência reforçaram o surgimento dessa categoria e desse modo, entendemos que também existem juventudes, e diversos grupos juvenis que estabelecem distintas formas de pertencimentos e manifestações. A situação de classe dessa categoria encontra–se abarcada pelos pertencimentos étnico culturais e mostra as condições objetivas que assinalam as subjetividades juvenis tais como o local de moradia, o estudo, o trabalho, a rotina, enfim, as práticas e as representações que diferenciam os grupos juvenis. A diversidade juvenil surge na raça ou etnia, na religiosidade, no gosto, no estilo, no gênero, na manifestação cultural, na espacialidade e em uma multiplicidade de situações que assinalam os jovens em suas diferenças e desigualdades. Tantas situações delimitam a complexidade em demarcar essa fase da vida. São vários os parâmetros etários que definem a juventude que não é fácil tarefa quando se tem uma variação nesse aspecto. Para a Organização Mundial da Saúde – OMS, a adolescência é compreendida na faixa etária dos 10 aos 19 anos. Já para a Organização Pan–Americana de Saúde – OPAS, a adolescência abrange a fase dos 10 aos 14 anos, compreendida como pré–adolescência, e a


193 adolescência propriamente dita é compreendida dos 15 aos 19 anos. Para a biologia e a psicologia, a adolescência é um período de amplas transformações biológicas e nesse período se estrutura a personalidade. No entanto, a juventude, entendida como categoria sociológica, indica processo em que os indivíduos se preparam para assumir o papel de adultos na sociedade, e desse modo, limites etários são mais difíceis de serem definidos, uma vez que dependem de fatores sociais. A juventude, sobretudo nos últimos dez anos, tem sido demandante de diversas políticas públicas, principalmente no que diz respeito à proteção social, à inserção profissional, ao combate à violência e à participação cidadã. Para Dayrell, a juventude é, ao mesmo tempo, uma condição social e um tipo de representação. Para ele há um caráter universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, nas quais completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas, é muito variada a forma como cada sociedade, em um tempo histórico determinado, e, no seu interior, cada grupo social vão lidar com esse momento e representá–lo. Essa diversidade se concretiza com base nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores) e de gênero, e também das regiões geográficas, dentre outros aspectos (DAYREL, 2003, p. 41–42). Numa tentativa de minorar o desafio que essa categoria da população busca superar, entendemos que se faz necessário buscar operações e centralização sobre objetivos precisos, mobilização de diversos atores, profissionais e não profissionais (parceiros), novas relações entre o central e o local. É nesse contexto, da demanda juvenil, que nos colocamos a observar a atuação da Associação Mantenedora da Guarda Mirim em Montes Claros, instituição que busca assistir jovens adolescentes no referido município. Entendemos ser o objetivo da assistência suprir, de maneira organizada e especializada, as carências daqueles que dela necessitam. Esta, depende de um domicílio de atendimento, ter um lugar


194 marcado na comunidade para ser assistido. Mas o que é possível fazer para recolocar no jogo social a população juvenil no corpo social da cidade em questão? Uma das iniciativas encontradas pela Delegada da Polícia Civil, em 1992, foi a implantação da Associação Mantenedora da Guarda Mirim de Montes Claros, que representa uma tentativa de articulação do econômico e do social e experienciada em uma era em que os compromissos sociais não são permitidos pelo crescimento. Nesse sentido, com o vínculo problemático solidário, busca assegurar a complementação dos componentes de uma sociedade a despeito da complexidade crescente de sua organização, o que Durkheim formulou de pacto social. No ano de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passou a vigorar como balizamento legal ou institucional voltado a essa fase da vida. Nele. O conceito de criança representava a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade, mas há, por motivos óbvios, que considerarmos as grandes diferenças de especificidades fisiológicas, psicológicas e sociológicas. A adolescência, constitui um processo essencialmente biológico em que se antecipa o acelerar do desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade. O conceito de juventude se liga a uma categoria fundamentalmente sociológica, em razão do processo de preparação para o indivíduo assumir o papel de adulto na sociedade, de tal maneira que o assuma no plano familiar quanto no profissional, na produção e reprodução da vida humana. Desde 2015, no Brasil, com o surgimento da Secretaria Nacional de Políticas de Juventude e do Conselho Nacional de Juventude, a juventude é considerada como aquela compreendida por pessoas com idade entre 15 a 29 anos de idade, considerando o aumento do tempo dedicado à formação escolar e profissional, a permanência maior com as famílias de origem e as dificuldades para se conseguir o primeiro emprego, o que sugere a necessidade de maior proteção social quanto a vulnerabilidade e a ideia de que tal faixa etária não deveria precisar trabalhar, mas estudar para o ingresso numa melhor colocação na vida e ter mais tempo para sua formação.


195 No entanto, o fator idade define criança, adolescente, jovem, adulto e velho para finalidades políticas, serviços, reconhecimento de necessidades, de acordo com as fases do desenvolvimento biológico–psico–social. Contudo, no contexto vigente, sabemos que há jovens que não possuem o direito de construir sua autonomia por caminhos previstos legalmente, pela inexistência do seu tempo para brincar, estudar, enfim, descobrir e até planear novos direitos. São distintas as experiências de vida e as trajetórias experimentadas por essa população e tal diversidade de experiências muitas vezes são impostas pela desigualdade social. Certo é que, a experiência de ser jovem, sempre se realiza em um tempo, com possibilidades e limitações. Nos anos 60, a juventude experimentou a ditadura militar e nesse cenário, estavam a lutar para garantir projetos de liberdade para o País. No entanto, atualmente, são dadas outras circunstâncias e em maior parte, os jovens militam por distintas formas, até mesmo por meio de políticas públicas, em suas escolas, no bairro que reside, por direitos de grupos minoritários, nos movimentos ecológicos, em partidos políticos e agremiações culturais ou por meio de projetos pessoais. Independentemente do tempo histórico, em comum, os jovens enfrentam condições sociais, em relação a autonomia para ser o que desejam ser. Se por outro lado, os jovens encontram limitações, por outro demonstram vontade de mudar, afinco, ousadia, destemor, que dá– lhes propriedade para falar dos anseios e desejos da juventude. Consideremos assim, seus ambientes sociais e as relações que estabelecem com a família, a escola, os amigos e outros espaços, A ASSOCIAÇÃO Segundo as ideias de Szazi (2006), uma associação é pode ser definida como uma pessoa jurídica criada a partir da união de ideias e esforços de pessoas em torno de um propósito que não tenha finalidade lucrativa. Ainda segundo o citado autor, com a aquisição da


196 personalidade jurídica a associação passará a ser sujeito de direitos e obrigações. De acordo com o Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406 / 2002, em seu art. 53, constituem–se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não Desse modo, a Associação Mantenedora da Guarda Mirim de Montes Claros se encaixa dentro da prestação de serviços sociais que compreende os serviços prestados por profissionais ou técnicos, dentro de normas administrativas preestabelecidas e com o controle superior. Assim, está no domínio da educação, informação e serviços sociais. Apresenta–se à categoria juvenil da população e segundo Faleiros (2006), objetiva controlá–la e realizar uma etiquetagem que a isola e a caracteriza como tal. A GUARDA MIRIM A Guarda Mirim é um projeto social com mais de 50 anos de existência na assistência ao jovem de 14 a 18 anos. Tem como ponto central o direcionamento de jovens e adolescentes ao mercado de trabalho, assegurada pela lei do menor aprendiz, projeto pré profissionalizante e complementar à educação regular. A história desse projeto se inicia como uma ação genuinamente assistencialista, que com o tempo adquiriu novas dimensões e perspectivas, ganhando um novo desenho e se transformando em um novo agente na formação moral, profissional e ética dos seus demandantes. De acordo com Domingos Armani um Projeto Social é uma ação social planejada, com começo, meio e fim, estruturada logicamente em torno de objetivos e resultados a serem alcançados, dentro de parâmetros pré–definidos de tempo e de recursos (ARMANI, 2000, p. 18). Para o autor, os Projetos Sociais são formas específicas de ação em sociedade. Estes se contrapõem ao espontaneísmo e ao ativismo e são a forma contemporânea de operacionalizar Planos e Pro-


197 gramas. Se caracterizam por basear–se em princípios tais como: ação planejada, foco definido, resultados prefigurados, cadeia de hipóteses de causa–efeito, gerenciamento constante e flexível, prazo definido e recursos limitados. Armani argumenta que os projetos representam ações de curta duração que buscam incidir em processos sociais mais duradouros e que, a depender da escala e complexidade do problema ou da envergadura do projeto, suas chances de incidir ou influir no problema serão maiores ou menores (p. 9). Segue o autor enfatizando que o grau de conhecimento dos processos sociais nos quais o problema emerge, a definição clara do foco (o problema) e o gerenciamento da estratégia de incidência tornam–se variáveis–chave da vida do projeto (p.10). Na perspectiva sociológica, Armani defende que o êxito nos projetos sócias é definido e circunscrito pela visão político–social que os orienta. Assim, os projetos sociais impingem visões determinadas da relação Estado – Organizações Sociais, sempre expressando perspectivas metodológicas: assistencialismo versus emancipação cidadã (p. 14). Do ponto de vista epistemológico, para Armani, os Projetos Sociais se assentam em uma cadeia de hipóteses de causa e efeito. É fundamental, desse modo, conhecer bem o contexto, refletir sistematicamente sobre a estratégia e produzir conhecimento para aperfeiçoar a prática (p. 16). O projeto Guarda Mirim de Montes Claros não é perfilado por nenhuma ordem religiosa e política e da mesma forma, não se organiza em nenhuma estrutura rígida de comando. Este projeto se desenvolve na maioria das vezes nas cidades do interior de Minas Gerais e São Paulo, mas se faz presente também em outros estados e regiões. Contudo, verifica–se sua falta de unidade que apresenta variações e distinções onde se faz presente. Na região norte de Minas Gerais, as marcas sociais estão impressas na região sob uma paisagem sociocultural a muito construída, esculpida numa sociedade sertaneja. Com o seu crescimento de-


198 sordenado, causado pelo vertiginoso fluxo migratório e à falta de planejamento, Montes Claros revela uma diferenciação espacial demarcada por focos de pobreza que contrasta com bairros subdesenvolvidos. Em relação à demografia, em 2015, a população do município, descrita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, alcançava o número de 394.350 mil habitantes. E, de acordo com o portal ONG Brasil (2016), em Montes Claros há 47 ONG’s no município e dentre estas está a Associação Mantenedora da Guarda Mirim de Montes Claros. A Associação Mantenedora da Guarda Mirim de Montes Claros foi criada em 17 de junho de 1992, por iniciativa da Delegada de Polícia Civil, Maria Neusa Rodrigues, sensibilizada com o grande número de adolescente apreendidos, envolvidos com atos infracionais. Foi durante suas conversas com os adolescentes que eram conduzidos para a Delegacia, que percebeu em suas falas a carência afetiva, a falta de assistência e o direcionamento. A maioria deles eram e sãos filhos de pais separados, com históricos conturbados. Essa Associação se declara utilidade pública Federal, Estadual e Municipal, inscrita no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Nacional de Assistência Social. É portanto, Entidade Filantrópica que ampara adolescentes carentes, os quais passam pelo curso preparatório para Guardas Mirins, pelo período de 3 (três) meses. Com a formatura, tornam–se Guardas Mirins, recebem o uniforme, e integram–se ao Programa de Aprendizagem para Formação do Adolescente Aprendiz, convênio firmado com o Ministério Público do Trabalho – 3ª Região, com a duração de 2 (dois) anos. Quando são empregados como aprendizes nas empresas, comércios, com profissionais liberais, etc, recebem salário mínimo hora, com garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários, assistência diária, das 8h às 17h30, com lanche pela manhã, almoço e lanche à tarde. Também usufruem de acompanhamento familiar, médico, odontológico, psicológico e outros. Aos sábados, das 8h às 12h, frequentam as oficinas profissionalizantes na sede da Associa-


199 ção. Já foram assistidos 783 menores carentes em 22ª turmas (AMGMMC, 2015). Sua missão é ter como base a inclusão social dos adolescentes, buscando a qualificação pessoal e profissional, direcionando–os para um futuro digno, onde se respeita às leis e autoridades constituídas, justiça e disciplina e a certeza de que o bem dos outros representa, também, nosso bem. A Associação se atem ao cuidado e zelo para com os adolescentes amparados, preparando–os para a vida em sociedade. Para tanto, utiliza o afeto, a atenção, a evangelização e a disciplina, não faltando também o amor. Esta tem por expectativa que a sociedade colha os frutos, cujas sementes estão sendo semeadas pela Associação, pois, são adolescentes resgatados de um mundo onde há falta de oportunidade no dia–a–dia. Assim, é dada a oportunidade aos adolescentes amparados, de observar a vida de outra maneira, dando–lhes esperança, permitindo–lhes ser fortes o suficiente para realizar sonhos, cumprir metas que os levem aos objetivos almejados. Com isso, o interesse da Associação, conforme seus argumentos, é a realização plena do ser humano (AMGMMC, 2015). SUA OPERACIONALIZAÇÃO A atuação da Guarda Mirim não está atrelada a um público específico, mas sim aos adolescentes na faixa etária já anteriormente citada, quer seja por demanda espontânea e realização de cadastro na Instituição. Suas ações seguem a Lei Orgânica de Assistência Social, que são denominadas ações socioassistenciais. De acordo com o Sistema Único da Assistência Social – SUAS, estas ações da Guarda Mirim são delimitadas e tipificadas como uma Política de Proteção Social Básica, no que respeita às atividades pedagógicas, formação profissional e inserção no mercado formal de trabalho na condição de adolescente aprendiz. Cabe considerar, conforme o faz Saviani (2013), a hipertrofia da escola, ao colocar a questão que, a partir da sociedade moderna


200 ainda vigente pelo menos no Ocidente, a forma dominante de educação é a escolar (p. 84). Para Gohn, fazer a articulação da educação, em seu sentido mais amplo, com os processos de formação dos indivíduos como cidadãos, ou articular a escola com a comunidade educativa de um território, é um sonho, uma utopia, mas também uma urgência e uma demanda da sociedade atual (p. 14–15). Desenvolvendo ações no contexto não formal, ou seja, aquela que se aprende “no mundo da vida”, via processos de compartilhamento de experiências, sobretudo em espaços e ações coletivas cotidianos. Segundo Maria da Glória Gohn, seus participantes são preparados para serem competentes, para serem aptos para atuar no sistema complexo do processo de produção. Desenvolve–se pois, as forças produtivas qualificando–as e reproduzindo–as. Nesse sentido, com a figura do educador social, onde o grande educador é o “outro”, aquele com quem interagimos ou nos integramos, esse espaço educativo se localiza em um território onde é possível acompanhar as trajetórias de vida dos grupos e indivíduos, fora das escolas, onde há processos interativos intencionais, elemento importante de diferenciação das demais formas de educação (GOHN, 2013, p. 15–17). Ao contrário das demais formas de educação, o trabalho educativo da Guarda Mirim, em espaço não formal, não é herdado, mas sim, adquirido. Segundo Gohn, ele capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo. Um nodo de educar é construído como resultado do processo voltado para os interesses e as necessidades dos que participam (p. 17). Dessa forma, a educação não formal prepara formando e produzindo saberes nos cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, ao individualismo, etc. Gohn ainda acrescenta que como atributos desta modalidade educacional, pode–se destacar que ela não é organizada por séries / idade / conteúdos, atua sobre aspectos subjetivos do grupo; trabalha


201 e forma sua cultura política de um grupo. Desenvolve laços de pertencimento. Ajuda na construção de identidade coletiva do grupo; ela pode colaborar para o desenvolvimento e fortalecimento do grupo, criando o que alguns analistas denominam o capital social de um grupo (p.18). Analisando a Instituição, voltamos à afirmação de Althusser que diz “somos determinados pelas condições estruturais da sociedade”. Essa afirmação abarca a rejeição da autonomia humana, recusando à atuação individual um papel na história. Para considerar o Projeto da Guarda Mirim e seus atendidos, examinando a questão social de forma individualizada, fundamentamos em pensadores que acastelavam ou buscavam explicar essa relação do ser humano com seus pares numa ótica capitalista, começamos nossa reflexão pelas afirmações de Durkheim quando diz que o sistema sociológico baseia–se em quatro princípios fundamentais: 1. A sociologia é uma ciência independente das demais ciências sociais e da filosofia. 2. A realidade social é formada pelos fenômenos coletivos, considerados como coisas. 3. A causa de cada fato social deve ser procurada entre os fenômenos sociais que o antecedem, e que para explicar o fenômeno social, é importante procurar a causa. 4. Todos os fatos sociais exteriores aos indivíduos, formam uma realidade específica. Ainda para Durkheim, “o ser humano é um animal que só se humaniza pela socialização”. As atividades do Projeto Guarda Mirim, a nosso ver, são planejadas e desenvolvidas no desejo de enfatizar suas ações para assessorar no desenvolvimento dos jovens adolescentes quanto ao pensar criticamente, o respeito e o desenvolvimento humano. Também é possível verificar no contexto dessa Associação, o trabalho de monitoria. Isso revela que os alunos mais velhos ou destaques dentro das atividades emprestam suas competências a outros alunos que ainda não se desenvolveram como o esperado. Confiam na metodologia que ficou conhecida como “Método de Lancaster” ou “Lancasteriano”, ou “método mútuo”, uma vez que há a partici-


202 pação de monitores durante a realização das atividades, responsáveis diretos que entremeiam o professor e os demais alunos. Com a adoção desse método, a Guarda Mirim complementa a teoria de Lancaster, pois os alunos compreendem esse procedimento como a maior conquista para assumir essa função. É percebida como uma premiação, aprovação ou promoção para assumir esta responsabilidade, além de representar um grau superior de posto frente aos demais colegas que estão frequentando as aulas no mesmo expediente. Vale ressaltar que todos os trabalhos desenvolvidos pelos monitores estão sob os auspícios de uma orientação e / ou supervisão de um professor, relativizada pela natureza da atividade. Embora não seja frequente nas escolas públicas o uso dessa estratégia de ensino, parece–nos que aos adolescentes atendidos pela Guarda Mirim, veem essa relação de acompanhar e administrar colegas permite ao atendido monitor aperfeiçoar este conhecimento para a vida, quando em muitas ocasiões, este tenta conhecer e desenvolver habilidades que lhes serão úteis em qualquer contexto. Ainda há nesse exercício da monitoria, uma premiação que eleva a autoestima dos monitores. Estes recebem uma insígnia que o nomeia para a função de monitor, diferenciando–o dos demais assistidos de sua turma e da Instituição. Essa é uma prática que se pode observar no corpo militar e corpo docente de instituições militares, em seu cotidiano de atividades, que buscam fazer cumprir e garantir um modelo nesse trabalho. Isso porque entende–se que a função de monitoria requer amadurecimento, prática de cidadania e respeito em todo e qualquer ambiente que se venha participar, o que propicia ampliação dos conhecimentos apreendidos para a vida. Ao se observar o comportamento dos atendidos, pode–se dizer que a metodologia utilizada se configura na teoria de Skinner, ao se aplicar o condicionamento operante. É possível verificar a sua teoria nas atividades de ordem única, em que a repetição de movimentos condicionados leva o atendido a um comportamento físico e mental. Cabe ao professor / educador a tarefa de modelar respostas apropriadas, em outras palavras, a ele cabe a tarefa de obrigar os


203 atendidos a emitirem respostas adequadas e dirigidas por estímulos modeladores do comportamento. A Guarda Mirim proporciona ao atendido oficinas e operações de campo, onde os atendidos são testados através do condicionamento físico e mental, para que numa situação real, estes possam se habituar às necessidades surgidas no momento e a circunstanciais urgências determinadas pelo tempo como precedentes na região. É de Dewey, a defesa dessa forma de educação. O referido autor se absorveu com o lado prático, pragmático da educação, sobretudo com a adequação desta ao meio e a evolução social. Nesse sentido, Larroyo enfatiza: Quando os homens viviam em pequenos grupos que tinham pouco que ver com os demais, o dano que a educação intelectualista e memorista causava era realmente muito pequeno. Mas agora é diferente. Os métodos e operações industriais dependem, hoje, do conhecimento dos fatos e leis das ciências naturais e sociais, num grupo muito maior do que o foram antes. Nossas ferrovias e barcos, os bondes, telégrafos e telefones, fábricas e granjas de trabalho, e até nossos recursos domésticos comuns dependem para sua existência de intricados conhecimentos materiais, físicos químicos e biológicos. Dependem. Em sua melhor e última aplicação, de uma compreensão dos fatos e relações da vida social. (DEWEY, apud Larroyo, F. op cit., p. 769).

Abbagnano ao se referir a Dewey, enfatiza que a educação não só deve adequar–se ao mundo em que se verifica, mas igualmente é fator de progresso desse mundo. Desse modo, o autor ainda diz que “a educação é o método fundamental do progresso e da ação social” e “o professor ao ensinar, não só educa indivíduos, mas contribui para formar uma vida social justa” (ABBAGNANO, 1964, p. 644). Postula assim o autor, que o processo educativo possui dois aspectos a considerar: 1. Os Psicológicos, que se volta à exteriorização das potencialidades do indivíduo; e, 2.O Social, que se refere ao pre-


204 paro do indivíduo para as tarefas que desempenhará na sociedade. Deste modo, verifica–se que as potencialidades do atendido só encontram significado no bojo de um ambiente social. O trabalho desenvolvido pela Guarda Mirim revela uma preocupação em estabelecer em sua estrutura curricular, atividades e / ou tarefas que contribuam para o trabalho de vida dos atendidos na perspectiva de atividades que partem das mais simples até chegar às mais complexas. Fundamentam essas medidas, o alemão Georg Kerschenteiner, que recomenda que a escola do trabalho se oponha ao trabalho da escola intelectualista e memorista. É em O Conceito da Escola do Trabalho (1912) que o autor enfatiza que seu princípio reside no conceito de trabalho educativo: O Trabalho, em sentido pedagógico, supõe uma atividade cada vez mais objetiva, quer dizer, o predomínio dos interesses objetivos e heterocêntricos sobre os egocêntricos; em uma palavra, exige que tenhamos a capacidade de nos transfundir com todo o nosso empenho e atenção em um produto objetivo bem determinado. Esta objetividade do trabalho educativo tem como caracterização mais evidente o critério da Utilidade (ABBAGNANO; VISALBERGHI, 1999, p. 661–662).

Ao observar o trabalho desenvolvido pela Guarda Mirim em Montes Claros, na oferta da formação estética e intelectual, nota–se a propositura de um caminho para a formação do homem ideal, demonstrando nitidamente a ideia de homem útil. A Guarda Mirim, por meio de suas atividades direcionadas aos atendidos dá confiabilidade à qualificação profissional aos jovens adolescentes que atuarão em espaços da cidade montesclarense. Ainda pode–se perceber que os trabalhos de grupo desenvolvidos pela Instituição se aproximam em muito, a diversos aspectos das ideias de Anton Makarenko. Este autor postulava que para a educação deveria haver um processo com fundamento no trabalho produtivo e na premência do “coletivo” em relação ao indivíduo, na disciplina e na solidariedade humana. Observando o quadro de ati-


205 vidades propostas pela Instituição, nota–se distintas atividades individuais e coletivas, mas a predominância recai sobre as atividades coletivas, tendo como intento, preservar a socialização dos atendidos, da família e da sociedade como um todo, sempre favorecendo o indivíduo frente as dificuldades que ora surjam na relação social, sobretudo, na relação familiar e escolar. Em relação ao processo socioeducativo, é oportunizado aos atendidos trabalhar com textos, jogos, cálculos, uma vez que não há a obrigatoriedade curricular em relação à propositura de atividades. As atividades ali desenvolvidas são complementares às das escolas que os atendidos frequentam e estas visam melhorar o engajamento dos mesmos nos seus estudos. Celestin Freinet, com suas ideias defende que “o trabalho será o grande princípio, o motor e a filosofia da pedagogia popular; a atividade de que decorrerão todas as aquisições”. Para o autor, na sociedade do trabalho, a escola assim regenerada e corrigida estará perfeitamente integrada ao processo geral da vida ambiente, uma engrenagem do grande mecanismo de que, hoje, ela está demasiado arbitrariamente desconectada (FREINET, 2001, p. 11). A Guarda Mirim de Montes Claros, desde sua fundação, sempre se lançou ao trabalho interativo com a comunidade, e para tanto, suas ações são complementares às atividades direcionadas a questões sociais. Nos ideais de Fernando de Azevedo, encontramos esses princípios. Este autor pontuava que é imperioso pensar no desenvolvimento econômico e na democracia, por meio de uma acurada reflexão sobre o tema educação. Para Pena, A educação poderá ser força renovadora se for recuperada a sua dimensão política e social. Como? […] dentro das condições democráticas de participação, com a conquista de mecanismos de expressão social e comunitária. A educação (e deve) ser instrumento de democratização e modernização social. (PENNA, 1987, p. 93)


206 Foi uma preocupação de Fernando de Azevedo a questão social. Ele pensava haver uma estreita relação entre a transformação da educação e a transformação social. A escola por ele idealizada aspirava abreviar estas duas visões, ou seja, a preparação do educando em sua moral e ética, ao mesmo tempo em que este estivesse disponível para o trabalho e para a vida social. É pautada nessa visão que a Guarda Mirim de Montes Claros objetiva incluir socialmente os adolescentes, ao buscar neles desenvolver a qualificação pessoal e profissional direcionando–os, segundo sua missão, para um futuro digno (AMGMMC, 2016). Educar nos moldes da Guarda Mirim de Montes Claros nos parece significar dar conteúdo civilizatório aos jovens, dirigindo–os no sentido de realizar este conteúdo no plano de cada indivíduo, isto é, socialmente. Autentica essa visão, Anísio Spínola Teixeira, citado por Ana Luiza Bustamante Smolka e Maria Cristina Menezes em Anísio Teixeira, 1900–2000: provocações em educação, ao afirmar que “A educação e a sociedade são dois processos fundamentais da vida, que mutuamente se influenciam” (SMOLKA; MENEZES, 2000, p. 34). Segundo Anísio Teixeira, a educação deve ter sentido pragmático seguindo três revoluções da vida contemporânea: 1. A Intelectual, proveniente das ciências; 2. A Industrial, derivada da tecnologia e 3. A Social, decorrida da democracia. Pensar à luz dessa concepção requer, segundo o autor, “uma educação em mudança permanente, em permanente reconstrução” (TEIXEIRA, 2008, p. 27). Nota–se que a instrução dada aos atendidos possuem senso prático na vida de cada um ali matriculados. É constatado que os alunos matriculados na Guarda Mirim de Montes Claros, ao serem matriculados no ensino regular passam a ter, em sua formação, um ensino integral, mas esta se desenvolve em instâncias educativas distintas uma da outra. Nas atividades desenvolvidas pela Instituição, é oportunizado ao atendido escolher que tipo de atividade deseja exercitar de acordo com suas próprias habilidades. Isso demonstra uma das pro-


207 postas de Teixeira que descrevia que aprendemos aquilo que nos dá satisfação, logo é o interesse do aluno deve orientar o que ele vai aprender, portanto, é preciso que ele escolha suas atividades. PAPEL DAS ONG’S Neste século observamos a marca de mudanças advindas das inovações tecnológicas e grandes consequências para os padrões de consumo. Paralelo a essa situação, vemos um agravo das tensões sociais catalogado pelos conflitos armados, desigualdades sociais, superpopulação, degradação da natureza e consequente mudanças climáticas. A esse contexto se soma o enredamento dos problemas e torna o seu enfrentamento uma tarefa desafiadora. Considerando o amplo espectro de Organizações Não Governamentais (ONG’s) em relação aos seus perfis, missão, estratégia e escopo de atuação tão distintos, segundo dados de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 290.692 fundações privadas e associações sem fins lucrativos no País. A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais possui 226 afiliados. O Grupo de Institutos, Fundações e Empresas possui 130 integrantes e os categoriza em fundações e institutos empresariais, fundações e associações familiares, independentes e comunitárias e empresas. Os afiliados do Gife investem anualmente 2,2 bilhões de reais em projetos sociais, culturais e ambientais. Os movimentos sociais representam outro segmento, muito mais numeroso e com menos recursos financeiros, e reúnem associações de moradores e de classe, muitas informais. As empresas também possuem organizações de representação de classe. Ao considerar a heterogeneidade dessas instituições, é difícil mensurar o papel das organizações não governamentais no momento histórico que ora se vive. Contudo, é imprescindível analisar a relevância dessas instituições para as sociedades. Segundo o site Carta Capital (2016), destacam–se sete papéis das organizações não governamentais: Tornarem–se centros de ino-


208 vação e criatividade no desenvolvimento de soluções para problemas complexos; São articuladoras de parcerias trissetoriais – envolvem governos e empresas; Aproximam as instituições de ensino, pesquisa e inovação tecnológica do mundo real; Denunciam problemas e incomodam os tomadores de decisão, tanto nos governos quanto nas empresas; Contribuem para o aumento da eficiência das políticas públicas; Contribuem para a cooperação em redes de conhecimento, inovação e ação, com especial atenção para a cooperação Sul–Sul entre países; Alimentam a utopia. As crises globais, especialmente aquelas associadas às mudanças climáticas e conflitos armados, colocam uma nuvem de desesperança no ar, alimentando angústia, apatia e alienação, especialmente entre os jovens. As organizações não governamentais podem servir como vetores de esperança e criação de um senso de propósito na vida dos indivíduos. Isso é muito importante para a felicidade humana. Com essa lista, os papéis ora apresentados apontam para a evidente necessidade de se valorizar o papel das ONGs nas sociedades. A essas instituições cumpre o papel estratégico para empreender energia cogente para desenvolver soluções inovadoras para as intrincadas dificuldades e desafios desse século. De acordo com o art. 3º da (LOAS), as entidades de Assistência Social consideradas sem fins lucrativos são caracterizadas em três tipos: 1) entidades de atendimento (prestam serviços, executam programas ou projetos e concedem benefícios de prestação social básica ou especial, dirigidos às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade ou risco social e pessoa), conforme Resolução 109/2005, Resolução CNAS nº 33/2011 e Resolução CNAS nº 34/2011, 2) entidades de assessoramento (prestam serviços e executam programas ou projetos voltados prioritariamente para o fortalecimento dos movimentos sociais e das organizações de usuários, formação e capacitação de lideranças, dirigidos ao público da política de Assistência Social), conforme Resolução CNAS nº 27/2011, e 3) entidades de defesa e garantia de direitos (prestam serviços e executam programas e projetos voltados prioritariamente para a defesa e efetivação dos di-


209 reitos socioassistenciais, construção de novos direitos, promoção da cidadania, enfrentamento das desigualdades sociais, articulação com órgãos públicos de defesa de direitos, dirigidos ao público da política de Assistência Social), conforme Resolução CNAS nº 27/2011. Ainda segundo o IBGE (2013), existiam no Brasil 14.791 entidades de Assistência Social Privadas sem fins Lucrativos, distribuídas de forma desigual pelo território brasileiro. Estavam em maior concentração no Sudeste, 52,0%, acompanhada pela Região Sul, com 24,9%, Nordeste, com 13,3%, Centro–Oeste com 7,0% e Norte com 2,9%. Segundo o IBGE, a grande concentração de entidades na Região Sudeste deveu–se, sobretudo, à participação do Estado de São Paulo, que reunia 27,6 destas, e Minas Gerais, com 16,8%, totalizando 44,4% de todas as entidades do País em 2013. No outro extremo estavam os Estados de Roraima, Amapá e Acre que juntos somavam 0,2 das entidades. PARA NÃO CONCLUIR À luz do que nos propomos discutir nesse artigo, conhecer as repercussões da prática educativa em espaço não formal no município de Montes Claros (MG) e analisar a formação humana de jovens adolescentes no Programa da Guarda Mirim vinculando isso à sua análise, seus processos e intervenções e ações socioeducativas nos leva a pensar nos graves equívocos que podem repercutir na formação das várias geração, quando observamos a militarização na formação dos jovens e adolescentes que são demandantes desse programa. Pensar o trabalho desenvolvido pela Guarda Mirim como forma de contribuições voluntárias, seu não questionamento pelas famílias e autoridades por fazer cumprir suas ações, denota diferença e exclusão. A heterogeneidade de rumos tomados pelas políticas sociais nesse momento histórico sinaliza que, em um país como o Brasil, to-


210 mado pela desigualdade social, não se pode colocar a questão Estado versus mercado, visto que o Estado assume papel central na garantia de acesso a serviços e benefícios sociais básicos. Sabe–se que o público não se reduz ao estatal. Tornar o Estado mais permeável à sociedade é pensar os direitos sociais como direitos de cidadania. Descentralizar as políticas sociais favorece, mas não garante a democratização, a maior eficiência e a maior eficácia dessas políticas. A Associação Mantenedora da Guarda Mirim de Montes Claros expressa, independentemente da análise do impacto e de projeção de possíveis impactos, o movimento que parte da sociedade para o Estado, que sofre do mal crônico das políticas e programas sociais no País: insuficiência e instabilidade de recursos disponíveis, visto que prevalece os ditames econômicos sobre os sociais e talvez por isso, esteja condenada a uma abreviada efetividade, quando não à reprodução da desigualdade que se propõe combater. Resgatar a dívida social que hoje se apresenta é alçar à condição de cidadãos, não restrita apenas ao acesso a serviços e benefícios sociais básicos, representa desarticular o enfoque das políticas sociais do campo da necessidade para o campo da cidadania. A Guarda Mirim, objeto desse apontamento, vive um processo contínuo de mudança, visto que esta Associação se insere em um contexto em que se altera de modo recorrente. O conhecimento aqui elaborado é, ainda, necessariamente interpretativo e nessa direção, espera–se produzir significados conforme a condução do estudo a ser adensado pela pesquisa de campo. Contudo, espera–se ter contribuído para melhor compreensão do trabalho ora desenvolvido pela Guarda Mirim em Montes Claros (MG). REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola, VISALBERGHI, A. Historia de la pedagogia. Tradução: Jorge Hernández Campos. México: FCE, Colec. Filosofia, 1964.


211 ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Tradução de Joaquim José de Moura Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1970. ______. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado (AIE). Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 53–107. ARMANI. Domingos. Como elaborar projetos? Guia para elaboração e gestão de projetos sociais. Coleção Amencar. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2001 ASSOCIAÇÃO MANTENEDORA DA GUARDA MIRIM DE MONTES CLAROS. Nossa História. Disponível em: <http://www.guardamirim,com.br/>. Acesso em 03 de nov. 2016. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: disposições constitucionais pertinentes: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 6. Ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005. _______. Lei nº 8.742. Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Brasília: Distrito Federal. 7 de dezembro de 1993. Ed. Brasília: Senado Federal, 2011 _______. Resolução CNAS nº109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Ed. Brasília: Senado Federal, 2011 _______. Resolução Nº 27, de 19 de setembro de 2011. Caracteriza as ações de assessoramento e defesa e garantia de direitos no âmbito da Assistência Social. Ed. Brasília: Senado Federal, 2011 _______. Resolução Nº 32, de 28 de novembro de 2011. Estabelece percentual dos recursos do SUAS, cofinanciados pelo governo federal, que poderão ser gastos no pagamento dos profissionais que integrarem as equipes de referência, de acordo com o art. 6º–E da Lei nº 8.742/1993, inserido pela Lei 12.435/2011. Ed. Brasília: Senado Federal, 2011


212 _______. Resolução Nº 34, de 28 de novembro de 2011. Define a Habilitação e Reabilitação da pessoa com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária no campo da assistência social e estabelece seus requisitos. Ed. Brasília: Senado Federal, 2011 CASTEL, Robert. Metamorfoses da questão social. Petrópolis, Editora Vozes, 1998. CEPAL / OEA /CENDEC. Manual de Formulação e Avaliação de Projetos Sociais. Programa Conjunto Sobre Políticas Sociales para América Latina. 1997. DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 11ª ed. Tradução de Lourenço Filho. São Paulo: Melhoramentos, 1978. FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do Estado Capitalista: as funções da previdência e assistência social. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2006. FREINET, Célestin. Para uma escola do povo: guia prático para a organização material, técnica e pedagógica da escola popular. Tradução: Eduardo Brandão. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e o educador social. São Paulo: Cortez, 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017 KERSCHENSTEINER, Georg. Concepto de la escuela del trabajo. Trad. por Lorenzo Luzuriaga da 5.ª ed. alemã. Madrid: Ediciones de la Lectura. 1928. O papel das ong’s no século XXI. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/revista/866/o–papel–das–ongs–no–seculo–xxi– 7630.html.> Acesso em 03. Mai. 2016. PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e transformação. São Paulo: Perspectiva, 1987.


213 REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. Nº 24. Set /Out /Nov /Dez, 2003, SANTOS, Wanderley Guilherme dos. A trágica condição da política social. In: ABRANCHES, S. H; SANTOS, W. G; COIMBRA, M. A (Orgs). Política Social e combate à pobreza. Rio de Janeiro: Zahar, 1989, p. 33–63. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico–crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2013. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. São Paulo: Cortez, 2007. SMOLKA, Ana Luiza Bustamante e MENEZES, Maria Cristina (orgs.). Anísio Teixeira 1900–2000: provocações em educação. Campinas, São Paulo: Autores Associados; Bragança Paulista, SP: Universidade São Francisco, 2000. TEIXEIRA, Anísio. Revista Nova Escola. São Paulo: Abril, 2008. SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulamentação no Brasil. 4. Ed. São Paulo: Peirópolis, 2006. VIEIRA, Evaldo. Democracia e Política Social. São Paulo: Cortez: Autores Associados, Coleção polêmicas do nosso tempo; v. 49, 1992. XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado e DEITOS, Roberto Antonio. Estado e política educacional no Brasil. In: DEITOS, Roberto Antonio e RODRIGUES, Rosa Maria (Orgs.) et al. Estado, desenvolvimento, democracia & políticas sociais. 1ª. ed. Cascavel, PR: Edunioeste: CAPES: Unioeste / GPPS / Unicamp / FE / PRAESA / HISTEDBR / LAPPLANE, 2006.



215

A EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE COMO DESAFIO: A CONTRIBUIÇÃO DE ANTÔNIO GRAMSCI Wilson Augusto Costa Cabral INTRODUÇÃO A discussão sobre a formação do trabalhador no contexto atual não é tarefa fácil. O processo de crise político–econômica pela qual o Brasil passou no decorrer do segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff e agora no governo do presidente Michel Temer, com os seus desdobramentos, trouxe consigo a necessidade de uma revisão/avaliação dos passos dados nesta direção, trazendo consigo dissensos e contradições. Por trás do discurso oficial do governo quanto à expansão das vagas e dos campi dos Institutos Federais, discute–se a questão da política norteadora desta expansão, em um olhar preliminar, benéfico e apontando para uma formação integral do indivíduo, mas ao olharmos com um olhar mais crítico percebemos, contraditoriamente, a manutenção de concepções e práticas consolidadas na década de 90 no governo Fernando Henrique Cardoso e agora retomadas com toda força nas apressadas medidas de reforma do ensino médio no governo Temer. A tendência que se consolida, ao caminhar para o término da segunda década do século XXI é de confirmação das práticas propostas na década de 90, como a parceria público/privado que, na verdade ampliam a dualidade estrutural da educação, especialmente no âmbito da educação técnico e tecnológica (FRIGOTTO, 2011). Na verdade, o pano de fundo para esta realidade está fundado na própria realidade histórica. Vivemos na sociedade do Capital, e, são os interesses do capital que enviesam as políticas de estado e de governo neste país. Desde a estruturação do capitalismo no mun-


216 do ocidental, estruturou–se a divisão de classes, de um lado estão os donos do capital, os burgueses, os homens de negócio; e, de outro a classe trabalhadora, o proletariado. Com características diferentes, ao longo da história, o capitalismo, com os seus ideólogos elaboram formas diferentes de ação para, no fim atingir o grande objetivo do capitalismo: o lucro. Perpassa em todo este processo a questão da educação–formação do trabalhador, e, por que não também, dos próprios donos do capital. Se, na perspectiva destes últimos, a educação deveria ser universal, pautada pelos princípios e evoluções da ciência moderna, preparando–os para o planejamento das ações e para o controle e domínio da sociedade; para a classe trabalhadora a educação deveria garantir– lhes o conhecimento rudimentar e necessário para a execução de atividades básicas, simplificadas, de modo que, sobretudo no modelo fordista–taylorista, o operário pudesse ser facilmente substituído por outro, segundo as demandas da empresa. Denominamos este modelo de educação dual, uma vez que temos dois tipos de educação, uma, dita clássica e científica para a classe dominante e outra técnica e profissional para a classe trabalhadora. Ao analisarmos os textos do pensador sardo Antonio Gramsci, nos deparamos com uma realidade na Itália da primeira metade do século XX, comparável ainda em nossos dias com a realidade brasileira, apesar das mudanças do mundo do trabalho, sobretudo quanto ao toyotismo e as novas formas de sua organização. Ao aprofundarmos nos textos de Gramsci, somos automaticamente conduzidos à reflexão sobre as condições do mundo atual. Buscaremos, portanto, conhecer melhor o autor dos Cadernos do Cárcere, depois discutir seus textos sobre a educação e a necessária formação para o trabalho, discutindo os para isso, o conceito de hegemonia, e depois fundamentar a atualidade do pensamento de Gramsci para a proposta de uma educação que seja emancipadora.


217 ANTONIO GRAMSCI: UM INTELECTUAL ENGAJADO. UM TEÓRICO DA EDUCAÇÃO Estamos comumente habituados a nomear com o título de intelectuais engajados o conjunto de pensadores que, a partir dos protestos estudantis da Europa, marcharam junto aos jovens estudantes ávidos por liberdade e por uma nova cultura. Dentre estes intelectuais podemos recordar Jean Paul Sartre, Michel Foucault, Guy Debord, dentre outros. Vamos agora voltar um pouco mais no tempo e encontrar um outro intelectual, no conturbado período da primeira metade do século XX, oriundo da periférica Sardenha, o pensador socialista Antonio Gramsci. A Sardenha de Gramsci era uma das regiões mais pobres da Itália, com forte identidade cultural com idioma próprio e uma identidade sobretudo agrária. O pequeno Antonio nasceu em Ales, em uma família numerosa. Com a saúde debilitada contrastando com uma imensa capacidade intelectual, aos 21 anos conseguiu um prêmio para estudar Letras na universidade de Torino. Em sua nova casa, o jovem Gramsci teve contato com um novo mundo, mais industrializado, no qual se aplicavam as teorias de Taylor e Ford, mas também no qual as teorias de Karl Marx, sobretudo a ideia de uma práxis, buscando a aplicação das teorias socialistas para a transformação efetiva da sociedade. Gramsci começou sua aprendizagem política e educativa durante a Primeira Guerra Mundial, como jornalista e crítico de teatro. Nas tardes, costumava assistir às reuniões da organização sindical Confederação Geral do Trabalho e do Partido Socialista. Depois da guerra, profundamente identificado com o Turim “vermelho” socialista, criou dois periódicos, Ordine Nuovo e Unità, com um objetivo explícito: educar a nova classe operária criada pela indústria e pela guerra (MONASTA, 2010, p. 14).

Foi no Ordine Nuovo que Gramsci começou a refletir sobre a educação na Itália. Foram muitas as polêmicas com o pensamento


218 Benedetto Croce e Giovanni Gentile. Este último, a partir de 1923, tornou–se primeiro–secretário de Estado ou ministro da Educação do governo fascista de Benito Mussolini. O que se viu foi a “acentuação da separação ideológica entre a formação técnica e profissional (para o trabalho) e a formação cultural e científica para o desenvolvimento ‘espiritual’ da humanidade e, naturalmente, para a direção política do país (MONASTA, 2010, p.14). A atuação de Gramsci durante o regime fascista acabou tendo para si graves consequências. Em 1926, quando Mussolini promulgou uma “legislação especial” dissolvendo o parlamento, Gramsci foi encarcerado. São conhecidas as palavras do procurador– geral italiano quando concluiu sua requisitória de acusação: “Devemos impedir esse cérebro de funcionar durante vinte anos”. Entretanto, foi este o estopim para que Gramsci pudesse produzir a sua obra principal, os Cadernos do Cárcere. O cérebro de Gramsci não deixou de funcionar no cárcere; ao contrário, pouco depois de seu aprisionamento, começou a projetar uma série de estudos que se tornaram naquilo que hoje é considerada a análise mais importante e jamais realizada sobre a hegemonia. […] Em uma carta dirigida à sua cunhada Tatiana, com data de 9 de março de 1927, Gramsci se refere à sua ideia de escrever algo fur ewig (para sempre) (MONASTA, 2010, p. 16).

Na prisão, Gramsci escreveu uma série de cartas, condensadas depois na obra Cartas do Cárcere. Sua cunhada, Tatiana foi uma pessoa importante em sua vida, pois foi ela a responsável por recolher toda a produção do autor sardo. Em 1932, um projeto para a troca de prisioneiros políticos entre Itália e União Soviética, que poderia dar a liberdade a Gramsci, falhou. Em 1934, sua saúde estava seriamente abalada, e ele recebeu a liberdade condicional, após ter passado por alguns hospitais em Civitavecchia, Formia e Roma. Gramsci morreu aos 46 anos, algum tempo depois de ter sido libertado.


219 Somente depois do fim do regime fascista na Itália, é que os escritos de Gramsci tornaram–se conhecidos na Itália. No Brasil, somente na década de 80 que seus escritos ganharam popularidade no mundo acadêmico. Até os nossos dias, Gramsci se torna uma referência dentro do Marxismo, sobretudo para aqueles que buscam uma aproximação do pensamento marxista à realidade dos nossos tempos. A RELEITURA DE MARX FEITA POR GRAMSCI Não obstante a pretensão deste título, uma análise acurada da apropriação do pensamento de Karl Marx por Antonio Gramsci transcende os limites de um artigo. De fato, o pensamento marxista enviesa toda a obra do pensador sardo. Este empreendeu em sua vida uma luta hercúlea para compreender o pensamento marxiano 1, bem como à atualização deste pensamento para o mundo no qual vivia. Neste sentido, dedicaremos a dois textos de Gramsci datados de sua atuação anterior ao seu aprisionamento. O primeiro, de 1918, com uma crítica direta à revolução russa, denominado “A revolução contra ‘O Capital’” (GRAMSCI, 1998). O segundo, “O nosso Marx” (GRAMSCI, 1998) escrito por ocasião da celebração do centenário de nascimento do filósofo, Gramsci dedica–se à crítica do dogmatismo de alguns marxistas. Ao analisar o primeiro texto percebemos a crítica de Gramsci a revolução russa, que havia se transformado no grande exemplo do marxismo na primeira metade do século XX. Longe de considerá–la como exemplo, o autor sardo afirma: A revolução dos bolcheviques está mais feita de ideologia que de fatos. […] É a revolução contra O Capital de Karl Marx. O Capital, de Marx, era na Rússia o livro dos burgueses mais que 1

Distingue–se deste modo o pensamento próprio de Karl Marx, através do conceito de “pensamento marxiano enquanto a alcunha pensamento marxista enfatiza também o pensamento do filósofo alemão, ampliado pela tradição dos diversos autores que se dedicaram à interpretação e a divulgação de seus escritos.


220 o dos proletários. Era a demonstração crítica da fatal necessidade de que na Rússia se formara uma burguesia, começara uma era capitalista, se instaurasse uma civilização de tipo ocidental, antes que o proletariado pudesse pensar sequer em sua ofensiva, em suas reivindicações de classe, em sua revolução. Os fatos superaram as ideologias (GRAMSCI, 1998, p. 37).

O que Gramsci aponta para a realidade da Rússia e dos bolcheviques é que esta foi mais uma revolução de intelectuais que uma revolução do proletariado. Deste modo, a própria revolução seria uma negação do desenvolvimento histórico como pensado por Marx. No entanto, ele demonstra que, não obstante esta realidade, foi “a pregação socialista que permitiu ao povo russo o contato com as experiências dos demais proletariados” (GRAMSCI, 1998, p. 38). Consequentemente foi esta realidade que deu legitimidade ideológica ao movimento bolchevique. De fato, durante toda sua vida, Gramsci teve uma relação de amor e ódio com o regime russo, o que teve por consequência o abandono do autor sardo nos cárceres italianos pelos próprios comunistas russos. Este elemento da revolução russa foi um elemento importante para Gramsci questionar o dogmatismo de alguns marxistas de seu tempo. Ele escreve: Marx não escreveu um credo, não é um messias que tenha deixado uma lista de parábolas carregadas de imperativos categóricos, de normas indiscutíveis, absolutas, fora das categorias do tempo e do espaço. Seu único imperativo categórico, sua única norma é: “Proletários do mundo inteiro, uni–vos” (GRAMSCI, 1998, p. 40).

Gramsci chega a argumentar que diante deste apelo pela união dos trabalhadores feito por Marx, necessário em qualquer tempo para todos os povos, que todos, marxistas ou não seria dever de todos, e, afinal de contas, todos seriam marxistas. Mais ainda, o autor sardo apresenta como grande contribuição de Karl Marx a compreensão da história, que alguns chamarão de historicismo, mas que Gramsci coloca como fundamental para a transformação social.


221 A compreensão da real causalidade histórica tem valor de revelação para a outra classe, se converte em princípio de ordem para o ilimitado rebanho sem pastor. A grei consegue consciência de si mesma, da tarefa que tem que realizar atualmente para que a outra classe se afirme, toma consciência de que seus fins individuais caíram em mera arbitrariedade, em pura palavra, em veleidade vazia e enfática enquanto a veleidade não se converta em vontade (GRAMSCI, 1998, p. 43).

Não se trata aqui de interpretar o pensamento marxiano como um voluntarismo, mas de compreender que não há como modificar a sociedade sem que a classe dominada, ou seja, o proletariado tome consciência de sua situação. Encontra–se aqui um ponto nodal de aproximação, mas também de distanciamento entre Marx e Gramsci. De fato, o pensador alemão compreendeu que a sociedade em seu funcionamento, se divide entre estrutura – ou seja, a junção entre os meios de produção e as forças sociais de produção – e a superestrutura – as esferas responsáveis pela produção ideológica da sociedade, isto é, governo, legislação, educação, religião, etc. Ou seja, para Marx, o conjunto das relações de produção, […] forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. […] Ao mudar a base econômica, revoluciona–se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela (Marx, 1983, p. 24 e 25).

Para que ocorra, de acordo com o pensamento marxiano, uma mudança social, é necessário que se modifique profundamente a estrutura da sociedade (MARX, 2003). Ao voltarmos o olhar para o pensamento gramsciano, veremos que o autor sardo, […] estabeleceu uma relação dialética entre estrutura e superestrutura e pressupõem a existência de fenômenos superestruturais necessários à estrutura. Assim elevou o conceito de superestrutura desenvolvido por Marx e diferenciou–se deste


222 quando considerou as relações ideológicas e culturais mais importantes que as relações de produção (NASCIMENTO, SBARDELOTTO, 2008, p. 278)

Pode–se afirmar que esta característica do pensamento gramsciano se deu sobretudo por causa da sensibilidade do pensador sardo para compreender as transformações sociais ocorridas já no final do século XIX e início do século XX. As relações de classe modificaram–se com relação à antiga dominação e distanciamento dos tempos de Marx. Os capitalistas, nesta configuração adquiriram um novo modo de relação com os trabalhadores. A força e a opressão cederam lugar à negociação com os sindicatos e ao domínio ideológico da sociedade (DORE, 2006). O mister da classe dominante agora é a luta pelo convencimento da classe trabalhadora, para que esta continue a se submeter ao domínio dos donos do capital. O poder coercitivo do Estado cede lugar ao convencimento, buscando um consenso aparentemente espontâneo entre as classes. OS CONCEITOS DE HEGEMONIA E CONTRA HEGEMONIA E O PAPEL DO INTELECTUAL Chegamos ao que se considera o ponto central do pensamento gramsciano, a centralidade da cultura e que esta está intimamente ligada ao capital, isto é, ao poder dominante. É a esta dominação ideológica que Gramsci chama hegemonia. Segundo Dore (2006, p.) A hegemonia significa que o Estado capitalista não baseia o seu poder apenas na força, na pura repressão aos seus adversários, embora a repressão não seja extinta. Para que os grupos dominantes obtenham o consenso na sociedade, eles permitem que os grupos subalternos se organizem e expressem seus projetos sociais e políticos. Com isso, vão se constituindo mediações entre a economia e o Estado, que se expressam na sociedade civil: o partido político, o sindicato, a imprensa, a escola. É um movimento próximo daquilo que Gramsci, certamente inspirado na reflexão de Hegel, entendeu como “trama priva-


223 da”, chamando a sociedade civil de “aparelho ‘privado’ de hegemonia”.

Para Gramsci, o controle do Estado é apenas um elemento no caminho de transformação da sociedade burguesa (CARNOY, 1994, p. 108). A transformação teria de ser mais radical, atingindo o cerne desta sociedade, ou seja, uma verdadeira transformação cultural. Sem isto, a transformação nunca seria completa. Hegemonia significava contra–hegemonia; domínio da burguesia através da superestrutura significava a necessidade de lutar por transformações estruturais fundamentais através do desenvolvimento de novas instituições super–estruturais – e da criação de um novo conceito de sociedade que não fosse burguês, mas proletário. A liderança política passava por uma guerra de posição – ascendência moral e cultural tanto com predomínio econômico (CARNOY, 1994, p. 116).

Assim é que pode–se compreender, dentro da obra de Gramsci, voltada a esta mudança de perspectiva dentro do marxismo verso a importância da superestrutrura para uma verdadeira transformação social, a questão dos intelectuais. Uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “por si” sem organizar–se (em sentido lato) e não há organização sem intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes, isto é, sem que o aspecto teórico do nexo teoria–pratica se distinga concretamente em um extrato de pessoas “especializadas” na elaboração conceitual e filosófica. Mas este processo de criação dos intelectuais é longo, difícil, pleno de contradições, de avanços e retrocessos, de dispersões e de reagrupamentos, no qual a “fidelidade” da massa […] é colocada, por vezes, a duras provas. O processo de desenvolvimento é ligado a uma dialética intelectuais–massa; o extrato dos intelectuais se desenvolve quantitativamente e qualitativamente, mas cada salto em direção a uma nova “amplitude” e complexidade do extrato dos intelectuais é ligado a um movimento análogo da massa dos simples que se eleva em direção a níveis su-


224 periores de cultura e alargam simultaneamente o seu círculo de influência (GRAMSCI, 1997, p. 306).

A este poder de controle da sociedade, exercido pela hegemonia, está ligado o papel dos intelectuais. Os intelectuais não podem ser definidos pelo trabalho que fazem, mas pelo papel que desempenham na sociedade; essa função, de forma mais ou menos consciente, é sempre função de “liderar” técnica e politicamente um grupo, quer o grupo dominante, quer outro grupo que aspire a uma posição de dominação (MONASTA, 2010, p. 20).

No Caderno 12, Gramsci dedica–se a definir a sua teoria do intelectual orgânico, que mais do que a figura tradicional do intelectual, do sábio, isolado e desinteressado, é o pensador que representa a classe da qual ele faz parte e defende os seus interesses. Segundo Gramsci (1997, p. 343), Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político.

A primeira categoria de intelectuais apresentada por Gramsci é a do empresário, que por sua vez, forma ao seu redor um grupo de outros intelectuais, […] o empresário representa uma elaboração social superior, já caracterizada por uma certa capacidade dirigente e técnica (isto é, intelectual): ele deve possuir uma certa capacidade técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua iniciativa, mas ainda em outras esferas, pelo menos nas mais próximas à produção econômica (deve ser um organizador de massa de homens, deve ser um organizador da “confiança” dos que investem em sua empresa, dos compradores de sua mercadoria, etc.) (GRAMSCI, 1997, p. 343).


225 É importante notar que este conhecimento do empresário enquanto intelectual orgânico de sua categoria transcende os limites do conhecimento empresarial. Para o autor dos Cadernos do Cárcere, os empresários devem possuir a capacidade de organizar a sociedade em seus aspectos mais gerais, até mesmo no organismo estatal, em vista de criar as condições favoráveis a expansão da própria classe, ou a expansão de seus objetivos (GRAMSCI, 1997). Coexistem com os intelectuais orgânicos, aqueles intelectuais que Gramsci denomina “intelectuais tradicionais ou independentes. São, na verdade, categorias sociais preexistentes, as quais apareciam, aliás, como representantes de uma continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas” (GRAMSCI, 1997, p. 344). A este grupo pertencem os eclesiásticos que compõem na Igreja uma hierarquia que sobrevive aos tempos. Gramsci reconhece entre os intelectuais de seu tempo, sobretudo os adeptos da filosofia idealista e, neste ponto ele atinge a Croce e Gentili, que se colocavam como independentes e autônomos em sua argumentação e defendiam uma educação de igual interesse sobretudo para o que consideravam que deveria ser a formação dita humanística. Gramsci ao afirmar a existência de outros tipos de intelectuais ele alarga o conceito, compreendendo não somente aqueles que se dedicam ao mister dos saberes e dos estudos. De fato, Gramsci (1997, p. 344) afirma: Na verdade, o operário ou o proletário, por exemplo, não se caracteriza especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por exercer este trabalho em determinadas condições e em determinadas relações sociais (sem falar que não existe trabalho puramente físico e de que mesmo a expressão de Taylor, “gorila amestrado”, é uma metáfora para indicar um limite numa certa direção: em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade criadora (GRAMSCI, 1997, p. 345).


226 Ao derrubar a distinção entre intelectuais e não intelectuais, Gramsci coloca uma questão que para ele é basilar: a questão quanto à formação dos trabalhadores. A FORMAÇÃO DOS TRABALHADORES O problema das massas não terem seus intelectuais, ou destes não estarem devidamente preparados para defenderem os seus interesses, é motivado pelo modelo de escola distinta para os burgueses e para o povo em geral. Gramsci defende então uma escola que seja unitária, ou seja, uma organização educacional que ligue organicamente a formação humanística concreta e a atividade prática. Esta escola realizaria a função de quebrar a hegemonia através da qual se produz a consciência do homem. Deste modo se introduz a ideia de que tão ou mais importante quanto o controle dos processos de produção, é o controle da consciência do homem. O ponto central da estratégia educacional gramsciana, então, é a criação da contra–hegemonia fora da educação tradicional e o uso desta para o desenvolvimento de intelectuais orgânicos (CARNOY, 1990). É fundamental, contudo, reformular a educação. Por isso, o autor dos Cadernos se opõe tanto à educação tradicional, quanto à proposta por Gentili e o governo fascista de Mussolini, apresentando o que deveria ser a proposta de uma nova escola e de um novo intelectual. No mundo moderno a educação técnica, estreitamente ligada ao trabalho industrial mesmo o mais primitivo ou desqualificado, deve formar a base do novo tipo de intelectual. […] O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir–se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente” e não somente um simples orador – e todavia superior ao espírito abstrato matemático; desde a técnica–como–trabalho, passa–se à técnica–como–ciência e à concepção humanística da história,


227 sem a qual se permanece “especialista” e não se passa à categoria de dirigente (GRAMSCI, 1997, p. 354).

A nova escola proposta por Gramsci é a escola unitária. Para ele, o advento da escola unitária significa o início de novas relações entre o trabalho intelectual e trabalho industrial, não apenas na escola, mas em toda a vida social. Gramsci (1982, p. 118) denunciava a escola de seu tempo: A divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um esquema racional: a escola profissional destinava–se às classes instrumentais, ao passo que a clássica destinava–se às classes dominantes e aos intelectuais. O desenvolvimento da base industrial, tanto na cidade como no campo, provocava uma crescente necessidade do novo tipo de intelectual urbano: desenvolveu–se, ao lado da escola clássica, a escola técnica (profissional mas não manual), o que colocou em discussão o próprio princípio da orientação concreta de cultura geral, da orientação humanista da cultura geral fundada sobre a tradição greco–romana. Esta orientação, uma vez posta em discussão, foi destruída, pode–se dizer, já que sua capacidade formativa era em grande parte baseada sobre o prestígio geral e tradicionalmente indiscutido de uma determinada forma de civilização. Gramsci defendia que a educação deveria ser comum, única e desinteressada. Em primeiro lugar comum porque o acesso à escola deve ser para todos. Única, porque a escola não poderia ser hierarquizada de acordo com as classes sociais, mais ou menos favorecidas, mas sim escolas de todos os níveis de ensino que prepare igualmente todos os indivíduos de maneira igual. Por fim, desinteressada, por não pré–determinar o futuro do aluno. A ideia de uma escola “desinteressada” está ligada a uma concepção de educação que oportunize a absorção e assimilação pelo educando de todo o seu passado cultural, acumulado historicamente e que deu origem à sociedade em que o indivíduo está inserido. Em seu tempo, Gramsci defendia uma educação que proporcionasse ao educando o conhecimento de toda a


228 história anterior à civilização moderna, condição para ser e conhecer conscientemente a si mesmo (NASCIMENTO; SBARDELOTTO, 2008, p. 282).

A proposta de escola unitária fundamenta–se na busca pela emancipação humana e pela aquisição de maturidade intelectual. Por isso, a importância dada por Gramsci em incorporar às reivindicações da classe trabalhadora uma escola que proporcionasse uma formação, antimecanicista, de liberdade e livre iniciativa, que garantisse o verdadeiro acesso à cultura aos trabalhadores e a seus filhos. Não que o interesse fosse de uma cultura enciclopédica, mas uma cultura, segundo Mochcovich (1990, p. 50) “[…] próxima da vida e situada na história, cuja aquisição habilita o homem para interpretar a herança histórica e cultural da humanidade e definir–se diante dela.” É importante ressaltar que para Gramsci, ao lado da escola, o sindicato, o partido e também os conselhos de fábrica exercem um papel fundamental na formação do intelectual, bem como no acompanhamento da escola que seria de fato, emancipadora. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao fazermos um percurso de estudo do pensamento gramsciano, situando o nosso autor a partir de sua biografia conturbada pelas consequências de seu pensamento e de seus escritos, deparamo–nos primeiramente com a conclusão de que se o intento fascista era de paralisar o seu cérebro, impedi–lo de pensar, este intento fracassou. Sua obra presente nos Cadernos do Cárcere e nas Cartas do Cárcere revela que longe de pará–lo, a prisão, ironicamente proporcionou que o pensador sardo amadurecesse suas ideias, as sistematizassem e produzisse uma obra que resultou na eternização de seu pensamento. Neste sentido, Gramsci é um clássico ao lado dos grandes nomes da Filosofia, Sociologia e da Ciência Política. Gramsci proporcionou uma contribuição significativa ao pensamento marxista, interpretando as mudanças no controle do capital


229 e a importância da superestrutura no controle social com o conceito de hegemonia e contra–hegemonia. Torna–se necessário em nossos dias retomar e aprofundar estes conceitos. Se intentarmos pensar a formação da classe trabalhadora no Brasil, temos de passar por esta reflexão. Os projetos de formação presentes nas políticas públicas no Brasil passam por um embate entre, de um lado, os defensores da escola unitária, preconizada por Gramsci e de outro pelos liberais, aos quais interessa a manutenção do sistema dual tão criticado pelo autor dos Cadernos do Cárcere por favorecer simplesmente a reprodução do status quo da sociedade capitalista. Repensar a escola e a formação profissional é uma missão para os intelectuais da classe trabalhadora hoje, sob pena de contribuirmos para a submissão e o domínio burgueses. REFERÊNCIAS CARNOY, M. Educação, Economia e Estado – Base e Superestrutura, relações e mediações. São Paulo: Cortez & Autores Associados, 1990. _______. Estado e teoria política. São Paulo: Editora Papirus, 1994. DORE, Rosemary. Gramsci e o debate sobre a escola pública no Brasil. Caderno Cedes, Campinas, vol. 26, n. 70, p. 329–352, set/dez 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v26n70/a04v2670.pdf.> Acesso em 25 de novembro de 2016. FRIGOTTO, G. Os circuitos da história e o balanço da educação na primeira década do século XXI. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v. 16, n. 46, jan/abr. 2011. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 4ª Edição Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. _________ Le opere. La prima antologia di tutti gli scritti. Roma: Editori Riuniti, 1997.


230 _________. Para la Reforma Moral e Intelectual. Madrid: Los Libros de la Catarata, 1998. MARX, Karl Contribuição à crítica da economia política. Trad. de Maria Helena Barreiro Alves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983.. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2003. MOCHCOVITCH, Luna Galano. Gramsci e a Escola. São Paulo: Editora Ática, 1990 MONASTA, Atílio. Antonio Gramsci. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. SBARDELOTTO, Denise Kloeckner. A Escola Unitária: Educação e Trabalho em Gramsci. HISTEDBR On–line. Campinas, n. 30, p. 275–291, jun. 2008. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes / 30/art17_30.pdf.> Acesso em: 20 de agosto de 2016.


231 SOBRE OS AUTORES

Robson Luiz de França Pós–Doutor em Política Educacional pela Universidade Federal da Paraíba e Universidade de Portugal – PT (2010). Doutor em Educação na Linha de Politicas Públicas pela Universidade Julio Mesquita Filho – UNESP/Araraquara (2002). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (1997). Especialista em Tecnologias para Educação a Distância (2009). Especialista em Direito Educacional (2010). Especialista em Supervisão e Administração Escolar (1994). Bacharel em Direito (2009). Graduado em Pedagogia UNI– BH (1990). Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia atua do Programa de Pós–Graduação em Educação na Linha de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação – TSE e no Programa de Pós–Graduação em Comunicação e Sociedade, Curso de Tecnologias, Comunicação e Educação, Mestrado Profissional. Participa também como Pesquisador do Centro de Investigação em Educação – CIE da Universidade da Madeira – Funchal em Portugal.

Carlos Lucena Cientista Social pela Puccamp. Mestre em Eucação pela Puccamp. Doutor em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Pós–doutorado em Educação pela Ufscar. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 do CNPQ. Pesquisador do Histedbr. Professor Associado IV na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, atuando na graduação, mestrado, doutorado e pós–doutorado em educação. Coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Formação Humana. Editor da Editora Navegando. Desenvolve pesquisas nas áreas de Trabalho e Economia da Educação, investigando as mediações entre a mundialização do capital e a formação dos trabalhadores.


232

Alicia Felisbino Ramos Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia (2007), Especialização em Educação e Organização do Trabalho em Instituições de Ensino Superior (2009), mestrado e doutorado em Educação (2010), ambos realizados na Universidade Federal de Uberlândia. Atua como docente na Educação Infantil, na E.M.E.I do bairro Dom Almir.

Sandra Gramilich Pedroso Possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina (2001), com uma pós–graduação em Administração Escolar e outra pós–graduação em Planejamento Educacional. Realizou o primeiro mestrado na Universidad Autónoma de Asunción e o segundo mestrado foi realizado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atualmente é doutoranda na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

José Eduardo Fernandes Doutorando no Programa de Pós–graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, Mestre pelo Programa de Pós–graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (2015), especialista em Gestão da Produção pela Universidade Federal de São Carlos (2010) e Graduado em Gestão de Marketing pela Universidade Paulista (2006). Atuou como Consultor na área de gestão de marketing e negócios, trabalhando com organizações do primeiro, segundo e terceiro setores nas áreas de Gestão de Marketing e Comunicação, com foco nas ações estratégicas de planejamento e execução de projetos. Atua como pesquisador dos Programas desenvolvidos pelo Cieps/Proex/UFU.

Cláudia Rosane Parrela Doutoranda (2016) e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – Linha de Pesquisa Trabalho, Sociedade e Educação (2015). Pós–graduada em Gestão de Pessoas nas Organizações SOEBRAS – Núcleo Montes Claros (2010) e em Psicopedagogia pela UNIMONTES (2001). Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia


233 Ciências e Letras (1994), com habilitação em Magistério (Didática, Psicologia da Educação e Sociologia da Educação); Inspeção Escolar e Supervisão Escolar. Atua como docente da Universidade Estadual de Montes Claros.

Wilson Augusto Costa Cabral Doutorando do Programa de Pós–Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Uberlândia – PPGED–FACED–UFU. Graduado em Filosofia e Teologia pela Faculdade dos Jesuítas de Belo Horizonte. Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Filosofia / Sociologia do Instituto Federal do Triângulo Mineiro – IFTM – Campus Uberaba desde setembro de 2014

Irella Borges dos Santos Psicologa, Especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Faculdade Cidade de Coromandel. Mestranda em Educação pela FACED/UFU

Claudiane Mara Braga Belmiro Mestranda em Educação pelo programa de pós–graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) na linha de Pesquisa: Trabalho, Sociedade e Educação – sob orientação do Prof. Dr. Carlos Alberto Lucena; Graduada em Pedagogia pela UFU e em Letras pela FUCAMP – Monte Carmelo. Integrante do Grupo de Pesquisa: Estado, Democracia e Educação (GPEDE) coordenado pelo Prof. Dr. Antônio de Lima.

Leoclécio Dobrovoski Silva Pereira Mestrando em Educação pela FACED UFU. Possui graduação em Filosofia bacharelado pela Faculdade Católica de Uberlândia (2010). Especialização em Docência nos Ensinos Médio, Técnico e Superior pela UNIASSELVI/Passo1 (2012). Especialização em Gestão de Pessoas pela UNIASSELVI/Passo1(2013).


234

Wilson Augusto Costa Cabral Doutorando do Programa de Pós–Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Uberlândia – PPGED–FACED–UFU. Graduado em Filosofia e Teologia pela Faculdade dos Jesuítas de Belo Horizonte. Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Filosofia / Sociologia do Instituto Federal do Triângulo Mineiro – IFTM – Campus Uberaba desde setembro de 2014

Laila Maria Medeiros Tavares Mestranda na Linha de Pesquisa Trabalho, Sociedade e Educação, pelo Programa de Pós–Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Bosco de Lima. Bolsista da FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais

Ana Paula de Castro Sousa Mestranda do Programa de Pós–Graduação em Trabalho, Sociedade e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (FACED/UFU). Participa do Grupo de Pesquisa em Experiências e Processos Sociais (GPEPS).

Gilberto José de Melo Possui graduação em História pelo Centro Universitário do Cerrado Patrocínio – Unicerp (1995) e graduação em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL (2011). Possui especialização em História Moderna e Contemporânea pelo Centro Universitário do Cerrado Patrocínio – Unicerp e Especialização em Docência do Ensino Superior pelo Instituto de Ensino Superior de Patrocínio com parceria com o Centro Universitário de Maringá – CESUMAR. Atualmente é professor de História na Escola Estadual Nély Amaral em Patrocínio/MG (Professor efetivo aprovado em concurso público no ano de 2002), professor de Filosofia no Colégio Prisma do sistema COC também na cidade de Patrocínio. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Moderna e Contemporânea e tam-


235 bém em Filosofia e Sociologia. Aluno especial do Programa de Pós– Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Uberlândia – PPGED–FACED–UFU.



237 Esperamos que esse livro contribua para o debate político e filosófico sobre a educação. Afirmamos que caso seja infringido qualquer direito autoral, imediatamente, retiraremos a obra da internet. Reafirmamos que é vedada a comercialização deste produto.

Título Organizador Revisão Páginas Formato 1a Edição

Trabalho, Educação e Reestruturação Produtiva Robson Luiz de França Lurdes Lucena 239 A5 Agosto de 2017 Navegando Publicações CNPJ – 18274393000197

www.editoranavegando.com editoranavegando@gmail.com Uberlândia – MG Brasil





Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.