Seminários de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação: o novo nazifascismo e a Educação

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Seminários de Pesquisa em

Trabalho, Sociedade e Educação:

o novo nazifascismo e a Educação

Gerusa Emília da Silva Lima & Carlos Lucena Organizadores
Seminários

de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação: onovo nazifascismo e a Educação

Gerusa Emília da Silva Lima

Seminários de Pesquisa em Trabalho,

Sociedade e Educação: onovo nazifascismo e a Educação

1ª Edição Eletrônica

Uberlândia / Minas Gerais Navegando Publicações 2024

www.editoranavegando.com editoranavegando@gmail.com

Uberlândia - MG Brasil

Direção Editorial: Navegando Publicações

Projeto gráfico e diagramação: Lurdes Lucena Revisão do original: Julliany Machado Matos Arte da capa: Letícia Lucena

Copyright © by autor, 2024.

T758 – LIMA, G. E. S. – LUCENA, C. (Orgs.) Seminário de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação: o novo nazifascismo e a educação. Uberlândia: Navegando Publicações, 2024.

ISBN: 978-65-6070-054-3

Vários autores

1.Educação 2. Novo Nazifascismo 3. Trabalho. I. Gerusa Emília da Silva LimaCarlos Lucena. II. Navegando Publicações. Título.

CDD - 370

Índice para catálogo sistemático

Educação 370

Navegando Publicações

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Uberlândia - MG Brasil

Editores

Lurdes Lucena - Esamc - Brasil

Carlos Lucena - UFU - Brasil

José Claudinei Lombardi - Unicamp - Brasil

José Carlos de Souza Araújo - Uniube/UFU - Brasil

Conselho Editorial Multidisciplinar

Pesquisadores Nacionais

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Carlos Lucena - UFU - Brasil

Carlos Henrique de Carvalho - UFU, Brasil

Cílson César Fagiani - Uniube - Brasil

Dermeval Saviani - Unicamp - Brasil

Elmiro Santos Resende - UFU - Brasil

Fabiane Santana Previtali - UFU, Brasil

Gilberto Luiz Alves - UFMS - Brasil

Inez Stampa - PUCRJ - Brasil

João dos Reis Silva Júnior - UFSCar - Brasil

José Carlos de Souza Araújo - Uniube/UFU - Brasil

José Claudinei Lombardi - Unicamp - Brasil

Larissa Dahmer Pereira - UFF - Brasil

Lívia Diana Rocha Magalhães - UESB - Brasil

Marcelo Caetano Parreira da Silva - UFU - Brasil

Mara Regina Martins Jacomeli - Unicamp, Brasil

Maria J. A. Rosário - UFPA - Brasil

Newton Antonio Paciulli Bryan - Unicamp, Brasil

Paulino José Orso - Unioeste - Brasil

Ricardo Antunes - Unicamp, Brasil

Robson Luiz de França - UFU, Brasil

Tatiana Dahmer Pereira - UFF - Brasil

Valdemar Sguissardi - UFSCar - (Apos.) - Brasil

Valeria Lucilia Forti - UERJ - Brasil

Yolanda Guerra - UFRJ - Brasil

Pesquisadores Internacionais

Alberto L. Bialakowsky - Universidad de Buenos Aires - Argentina.

Alcina Maria de Castro Martins - (I.S.M.T.), Coimbra - Portugal

Alexander Steffanell - Lee University - EUA

Ángela A. Fernández - Univ. Aut. de St. Domingo - Rep. Dominicana

Antonino Vidal Ortega - Pont. Un. Cat. M. y Me - Rep. Dominicana

Armando Martinez Rosales - Universidad Popular de Cesar - Colômbia

Artemis Torres Valenzuela - Universidad San Carlos de Guatemala - Guatemala

Carolina Crisorio - Universidad de Buenos Aires - Argentina

Christian Cwik - Universität Graz - Austria

Christian Hausser - Universidad de Talca - Chile

Daniel Schugurensky - Arizona State University - EUA

Elizet Payne Iglesias - Universidad de Costa Rica - Costa Rica

Elsa Capron - Université de Nimés / Univ. de la Reunión - France

Elvira Aballi Morell - Vanderbilt University - EUA.

Fernando Camacho Padilla - Univ. Autónoma de Madrid - Espanha

José Javier Maza Avila - Universidad de Cartagena - Colômbia

Hernán Venegas Delgado - Univ. Autónoma de Coahuila - México

Iside Gjergji - Universidade de Coimbra - Portugal

Iván Sánchez - Universidad del Magdalena - Colômbia

Johanna von Grafenstein, Instituto Mora - México

Lionel Muñoz Paz - Universidad Central de Venezuela - Venezuela

Jorge Enrique Elías-Caro - Universidad del Magdalena - Colômbia

José Jesus Borjón Nieto - El Colégio de Vera Cruz - México

José Luis de los Reyes - Universidad Autónoma de Madrid - Espanha

Juan Marchena Fernandez - Universidad Pablo de Olavide - Espanha

Juan Paz y Miño Cepeda, Pont. Univ. Católica del Ecuador - Equador

Lerber Dimas Vasquez - Universidad de La Guajira - Colômbia

Marvin Barahona - Universidad Nacional Autónoma de Honduras - Honduras

Michael Zeuske - Universität Zu Köln - Alemanha

Miguel Perez - Universidade Nova Lisboa - Portugal

Pilar Cagiao Vila - Universidad de Santiago de Compostela - Espanha

Raul Roman Romero - Univ. Nacional de Colombia - Colômbia

Roberto Gonzáles Aranas -Universidad del Norte - Colômbia

Ronny Viales Hurtado - Universidad de Costa Rica - Costa Rica

Rosana de Matos Silveira Santos - Universidad de Granada - Espanha

Rosario Marquez Macias, Universidad de Huelva - Espanha

Sérgio Guerra Vilaboy - Universidad de la Habana - Cuba

Silvia Mancini - Université de Lausanne - Suíça

Teresa Medina - Universidade do Minho - Portugal

Tristan MacCoaw - Universit of London - Inglaterra

Victor-Jacinto Flecha - Univ. Cat. N. Señora de la Asunción - Paraguai

Yoel Cordoví Núñes - Instituto de História de Cuba v Cuba - Cuba

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

Gerusa

I.LUTA DE CLASSES NO ESTADO BRASILEIRO UMA ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS

Gerusa

Carlos

II. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO SOCIAL DA IGNORÂNCIA E A ASCENSÃO DO NEOFASCISMO

III. JOJO RABBIT E A HEGEMONIA CULTURAL DA ALEMANHA NAZISTA

SOB O OLHAR GRAMSCIANO. Fernanda

V.CAPITALISMO EM CRISE: A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E O NOVO NAZIFASCISMO

Nicolli

VI.O PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO DO TRABALHO:

PARTE III - O novo nazifascismo e seus impactos na educação

VII.NEOFASCISMO NO BRASIL E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO ESCOLAR”

Eulália Gonçalves Souza Oliveira

Fabiane Santana Previtali

VIII. AS INFLUÊNCIAS NEOLIBERAIS E NEOFASCISTAS DE PROGRAMAS EDUCACIONAIS IMPLEMENTADOS NO BRASIL NO PERÍODO PÓSIMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF (2017 –2022)”

Ana Angélica Belório

Carlos Lucena

APRESENTAÇÃO

A política mundial passa por processos conturbados nas últimas décadas. O questionamento à Democracia Participativa e à República traduzem um universo de disputas que apontam conflitos no presente e futuro.

O totalitarismo ganha nova roupagem reascendendo disputas que aparentemente estavam superadas. As conquistas sociais obtidas através de lutas históricas começam a ser questionadas. Violência, espancamentos, mortes, discriminação resultam desta relação.

O mundo do trabalho passa por um processo de profunda opressão expressa na consolidação de formas técnicas de organização da produção que elevam a exploração já existente. Da mesma forma, ocorre os processos opressivos no âmbito da educação. A liberdade inventiva e de cátedra é colocada em xeque, apostando na prevalência de pedagogias autoritárias que atentam ao retrocesso. A atuação de professores críticos ao conservadorismo é questionada e, em muitos casos, com ações que inviabilizam a sua atuação profissional.

No primeiro semestre do ano de 2024, desenvolvemos uma disciplina junto ao PPGED/Faced/UFU denominada Seminários de Pesquisa em Trabalho, Educação e Sociedade: o novo nazifascismo e a Educação, título homônimo deste livro.

Nela discutimos os fundamentos do nazismo e do novo nazifascismo, estabelecendo relações entre a Alemanha Nazista nos anos 30 do século XX e a retomada de seus principais elementos no início do século XXI. Como agente impulsionador de ambos os processos, tomamos como referência a teoria das crises cíclicas expressa no pensamento marxiano e marxista.

Este livro, dividido em três partes que se complementam, consiste nas reflexões que foram feitas no interior desta

disciplina, dando ênfase nas reflexões dos alunos de mestrado e doutorado que a cursaram e seus respectivos orientadores.

A primeira parte, denominada como “O novo nazifascismo – considerações teóricas”, é composta por três capítulos. No primeiro, Gerusa Emília da Silva Lima e Carlos Lucena em “Luta de classes no estado brasileiro: uma análise de evidências neofascista, durante o período de 2018 a 2022” analisam as categorias de classe de classe” proletariado e proprietários da produção na obra de Marx. Em seus desdobramentos, debatem com o novo nazifascismo expressa as contradições referentes à luta de classes no Estado Brasileiro.

No segundo, intitulado “Breves considerações sobre a produção social da ignorância e a ascensão do neofascismo”, Mariana Vieira Santos e Adriana Cristina Omena dos Santos debatem as diferentes dimensões do fascismo, tendo como referência a dimensão de ignorância existente na sociedade capitalista. Para isso desenvolvem o conceito de agnotologia, o estudo social da ignorância, tendo como referência os trabalhos de Robert Proctor e Augustin Macchio.

Em “Jojo Rabbit e a hegemonia cultural da Alemanha nazista sob o olhar gramsciano”, Fernanda Mendonça de Oliveira e Carlos Lucena dissertam sobre a teoria da hegemonia de Antonio Gramsci (Gruppi, 1991; Carmo, 2009) com o filme Jojo Rabbit (2019), dirigido por Taika Waititi. Com um olhar teórico, busca-se compreender a demonstração de tal conceito no filme e as consequências exercidas pelo domínio cultural sobre uma nação que, em um esforço para se fazer pertencer, é manipulada pela classe dominante.

A parte dois, composta por três capítulos, é denominada como “O novo nazifascismo e a precarização do trabalho”. No capítulo quatro, Julliany Machado Matos e Fabiane Santana Previtali no capítulo intitulado “Neofascismo e inovações tecnológicas:

algumas considerações” analisam os impactos das inovações tecnológicas no trabalho docente num contexto de novo nazifascismo, destacando como essas tecnologias, quando usadas de forma acrítica, podem contribuir para a desumanização e o controle do trabalho docente, minando a autonomia do professor/a e contribuindo para uma educação de qualidade formal apenas, isto é, com foco no alcance de métricas de desempenho sem que haja o compromisso com a formação integral do/a estudante na educação básica.

O capítulo cinco, intitulado “Capitalismo em crise: a precarização do trabalho e o novo nazifascismo”, Nicolli Moreira Soares e Carlos Lucena desenvolvem uma reflexão sobre as crises cíclicas do capitalismo, a precarização do trabalho decorrentes destas crises e, por conseguinte, a reemergência do nazifascismo.

Felipe Duarte e Sérgio Paulo Morais no capítulo seis denominado “O processo de terceirização do trabalho: conflitos e tensões” contextualizam o processo de terceirização dos trabalhadores na Universidade Federal de Uberlândia. Pontuam os diferentes embates e lutas que transcorreram na forma de organizar o modo de produção capitalista, bem como analisam as diferentes propostas e perspectivas a partir de narrativas orais dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados da limpeza considerando a maneira que estes se posicionam e constroem suas visões de mundo.

A parte três, composta por dois capítulos, é denominada “O novo nazifascismo e seus impactos na educação”. No capítulo sete, cujo título é “Neofascismo no Brasil e suas implicações na educação escolar”, Eulália Gonçalves Souza Oliveira e Fabiane Santana Previtali analisam a gênese do fascismo e suas implicações na educação brasileira, tendo como referência as contribuições de Paxton (2007), Eco (2018) e Lucena (2023). Recuperam

como os elementos fundantes do fascismo no Brasil recuperam os princípios do pensamento de Mussolini na Itália.

No capítulo oito, intitulado “As influências neoliberais e neofascistas de programas educacionais implementados no brasil no período pós-impeachment de Dilma Rousseff (2017 –2022)”, Ana Angélica Belório e Carlos Lucena discorrem sobre a ascensão das políticas neofascistas e neoliberais no Brasil no período pós-impeachment de Dilma Rousseff (2017-2022). Tomam como referência os governos de Michel Temer e do presidente Jair Messias Bolsonaro, e como exerceram influência sobre a educação no Brasil, revelando uma junção de ideologias que moldaram e distorceram o futuro educacional do país.

Esperamos que este livro contribua para a discussão no novo nazifascismo no Brasil, trazendo elementos para o debate de professores e alunos interessados no tema em questão.

Carlos Lucena Gerusa Emília da Silva Lima

Produzido em meio ao Inverno e as queimadas de 2024

PARTE I

O novo nazifascismo – considerações teóricas

I.

LUTA DE CLASSES NO ESTADO BRASILEIRO: UMA

ANÁLISE

DE EVIDÊNCIAS NEOFASCISTA,

DURANTE O PERÍODO DE 2018 A 2022

Gerusa Emília da Silva Lima

Carlos Lucena

1. Introdução

“É o processo social humano, que potencializa as escolhas sociais humanas, que excluem/tiram postos de trabalho” (Lucena, 2024).

Este texto surge a partir das elucidações, inquietações e questões a serem investigadas/pesquisadas, que foram suscitadas durante a disciplina curricular Neofascismo e Educação do curso de Pós-graduação em Educação na modalidade Mestrado Acadêmico, da Universidade Federal de Uberlândia/MG.

A profundidade que as discussões em sala trouxeram, geraram provocações as quais entendeu-se que não poderiam cessar ali, no terreiro da sala, sendo este terreiro maior, é chão, é meio, é alto e é ar. Discorrer sobre luta de classes, Estado brasileiro e Neofascismo, tira-nos do lugar superficial da “burguesia progressista“ e dos “retrógrados latifundiários”, para mergulharmos nas questões intrínsecas que as “massas trabalhadoras”, como Marx com sua “inteligência crítica” brilhante nos apresentou.

Ainda sobre as concepções de Marx, há duas “categorias de classe” proletariado e proprietários da produção. O que nos faz

compreender que com o passar dos tempos, as formas, maneiras e controles dos detentores da produção se reinventam sofisticadamente, para seduzir o proletariado e o reificando. E foi justamente esta constatação, que instigou com intensas provocações o adentrar na temática Luta de Classes no Estado Brasileiro: uma análise de evidências neofascita, durante o período de 2018 a 2022.

Compreender como, no tempo da produção desta pesquisa, se dão as Luta de Classes tornou-se crucial para construir o início desta. Sucessivamente reconhecer o que é Estado e como ele se configura no período da pesquisa é parte do construto para reconhecer nesse as evidências neofascistas - estas serão a partir das 14 (quatorze) características apresentadas por Eco (2018), doque ele chama de “facismo eterno”, também com as contribuições de Gramsci (1978), Ianni (1998) e para uma análise não anacronista Lucena (2023) contribui com pesquisa/análises recentes. Nesse entremeio as “massas trabalhadoras” travam suas lutas, apresentar como elas se materializam na sociedade, com o descortinar das estratégias neoliberais, como o gerencialismo da máquina pública, na educação, nas residências do proletariado alcançando sua sociabilidade que concretiza o Ser Social. Assim, este texto utilizar-se análise de revisão de referencial teórico bibliográfica.

2. Luta de Classes assunto velho e debate atual

Entende-se que Luta de Classes é um assunto velho, porque nos anos a partir de 1850 Marx já tecia sobre, e esta vem sendo desde então debatida e transformada pelas estratégias do neoliberalismo em outras terminologias, sendo acortinada, por esse motivo discorrer sobre o debate atual na ainda Luta de

Classes. Desenvolver sobre Luta de Classes, perpassa por Marx, até para os que o fazem crítica, ele tornou-se a referência para afirmá-la ou negá-la.

Marx (1867, p. 26), já no embrião das condições propícias para estourar a revolução burguesa alemã, identificou no proletariado “a classe agente da transformação mais profunda”, ele via que essa seria capaz de acabar com a divisão da sociedade. A utilização da expressão “classe agente”, deu-se pela sua aproximação inicial com Hegel e Feuerbach. Avançando à perspectiva desses autores, Marx apropria-se de suas convicções e introduz o chamado [...] “terceiro componente, que seria o fator mais dinâmico da evolução do pensamento do autor: a ideia do comunismo e do papel do proletariado na luta de classes.”

Diferentemente de outros autores/pensadores, Marx (1867, p. 30), reconheceu e entendeu o homem como [...]“ser social determinado pela história das relações sociais por ele próprio criadas.” Assim, ele nos apresenta o equívoco da ideologia no que tange a realidade, considerando a consciência sobre essa, equivocada. Pois,

[...] os ideólogos acreditam que as ideias modelam a vida material, concreta, dos homens, quando se dá o contrário: de maneira mistificada, fantasmagórica, enviesada, as ideologias expressam situações e interesses radicados nas relações materiais, de caráter econômico, que os homens, agrupados em classes sociais, estabelecem entre si (Marx, 1867, p. 30).

Ainda, para sustentar os conflitos e a natureza que contemplam a Luta de Classes, Souza, alinhado às concepções marxianas, esclarece

O termo “luta de classes” é preciso porque concilia duas ideias centrais para o pensamento político marxista. O primeiro é a ideia de conflito, de disputa. O segundo especifica a natureza deste conflito, porque ele não ocorre entre instâncias outras que não aquelas constitutivas da formação social, as classes sociais. Como a “conjunção de duas palavras” se transforma em “categoria”? Em análises de conjunturas concretas, com situações reais de disputas de atores efetivos (Souza, 2007, p. 14).

Marx, nos elucida a dimensão complexa, contraditória, de interesses e de satisfação das necessidades que estão envoltas as transformações sociais, onde aprofundar-se nas entranhas de como se dão as correlações e de que maneira elas vão permeando o proletariado, exige-nos a crítica ao Estado burguês, para essa ele traz:

[...] os fatores dinâmicos das transformações sociais devem ser buscados no desenvolvimento das forças produtivas e nas relações que os homens são compelidos a estabelecer entre si ao empregar as forças produtivas por eles acumuladas a fim de satisfazer suas necessidades materiais.

Não é o Estado, como pensava Hegel, que cria a sociedade civil: ao contrário, é a sociedade civil que cria o Estado. A concepção materialista da história implicava a reformulação radical da perspectiva do socialismo (Marx, 1867, p. 31).

Tamanha é a relevância que o autor emprega à Luta de Classes, que este concebe o pensamento de que as utopias do socialismo dar-se-iam por colocarem às massas, propostas definidas e prontas. Superar-se-iam essa utopia, se esse (o

socialismo), fosse advindo do proletariado, ou seja, da própria massa. Uma alternativa seria ultrapassar o utópico para a ciência. Ultrapassagem que não negasse a retórica, mas que fosse/seja contraposição a partir e/ou baseada na ciência social. Esta que já existia - a economia política, “a ciência das relações materiais de vida”, porém foi criada pela burguesia, assim Engels e Marx viam nessa a alimentação dos “interesses capitalistas”. É com a potência apresentada acima, que Marx reconhece as “massas trabalhadoras” e a Luta de Classes. Frederico (2009, p.256) retrata que opostamente o termo classes, que no Estado neoliberal denomina-se classes sociais, aqui realizo recorte de grifo próprio - uma das estratégias do neoliberalismo-gerencialismo está justamente no seduzir com terminologias de vanguarda e distorções dos significados etimológicos. Assim, o caráter estratificante da terminologia ganha espaço, passando a ser critérios relacionados a renda e padrões de consumo, ou seja, resumemse às camadas e segmentos da sociedade. Tal concepção tornase aproximação abstrata e estratégica, uma vez que coloca no mesmo balaio pessoas e grupos sociais, os quais possuem condições, reivindicações e necessidades em sua grande maioria opostas e/ou minimamente diferentes.

Em complemento às concepções de massas e suas lutas, Marx (1847),

As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Essa massa, pois, é já, em face do capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, [...], essa massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os interesses que defende se tornam interesses

de classe. Mas a luta entre classes é uma luta política (Braz, 2014, p.1, apud Marx, 1847).

Face à dominação do capital, este irá alterar o significado de Luta de Classes e suas reivindicações, de modo a tentar extingui-lá. Tornar-se parte do processo a modificação das necessidades e das condições para, mas as barbáries permanecem. O cumprimento dos direitos trabalhistas, bem como a retirada destes, o reconhecimento das minorias, a ausência da moradia, a insegurança alimentar, a segregação dos povos pelas suas realidades sociais, econômicas, étnicas, territoriais, a terceirização, a uberização, dentre várias outras são as expressões da Questão Social que assolam a classe trabalhadora. A qual, no capitalismo adotado pelo neoliberalismo-gerencialismo denominou-se Movimentos Sociais, como se as motivações anteriores tivessem sido sanadas. Mas estas continuam, e o Estado participa ao fazer da classe dominante, contribui/atua para a manutenção delas, de maneira que

Entretanto, o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é uma luta de uma classe contra outra, luta que, levada à sua expressão mais alta, é uma revolução total. [...] Não se diga que o movimento social exclui o movimento político. Não há, jamais, movimento político que não seja, ao mesmo tempo, social (Braz, 2014, p.1, apud Marx, 1847).

Nesta lógica a luta é política e se entrelaça com o Estado.

A dominação e manutenção da ordem social vigente, passa pela via do Estado, com um mínimo ofertado aos que reivindicam e atua para favorecer o encantamento neoliberal junto a classe trabalhadora.

No Brasil, as grandes “transformações modernizadoras foram realizadas pelo alto”, as elites/burguesia excluiu a população

dessas, durante relevante e marcante momento para o país - o período da Independência ao “fim da ditadura militar” e aqui coloca-se entre aspas, por compreendermos que as ditaduras perfilam a massa trabalhadora, com suas reinvenções, mas ainda violenta e cerceadora.

Frederico (2009, p.264), coloca que nos moldes do tempo de agora no Brasil [...] a luta de classes ganha tons dramáticos e um novo campo de batalha. “[...] “mas principalmente na completa captura dos aparatos estatais. Por isso, o que está em jogo hoje é o controle do fundo público, [...].

Pelas considerações, contribuições e discussões expostas neste, percebe-se a complexidade das batalhas que as massas trabalhadoras travaram e ainda travam. Fazendo-se necessário compreendermos sobre o Estado, como ele se configura, quais suas pretensões, articulações e sua legitimação como instituição pública e para o público.

3. Reconhecendo o Estado

Para Pereira (2009, p. 286) os séculos XVII e XVIII, são períodos emergentes entre o público e o privado, “nas formações sociais burguesas.” Nesse tempo histórico, dão-se a distinção de Governo e Estado, este último caminhou para diferenciar-se da sociedade, através do seu fortalecer no domínio sobre a última, por meio dos seus arcabouços burocráticos, legais, policiais e ideológicos, conformando o Estado absolutista Monárquico.”

São nestas relações de diferenciação e dominação, que vão tornando-se evidentes o distinguir o público do privado. Ibidem (2009, p. 286), o primeiro [...] “instância de caráter universal, …(coberta pela lei e usualmente associada ao Estado) o segundo [...] particular…, na qual as pessoas teriam individualmente,

liberdades civis protegidas (de constituir família, de firmar contratos, de fazer testamentos, de ir e vir, de pensamento e de fé).

Sobre o Estado, Souza (2007, p.4) ancorado em Marx, [...] “Executivo do Estado Moderno é apenas um comitê gerenciador dos negócios de toda a classe burguesa.” Estas concepções no apresentam que este já em sua criação, atua para a burguesia e consequentemente para o mercado. Da ideia de “liberdade individual” do séc. XVII, onde os liberais clássicos defendiam e aderiam ao laissez-faire, o neoliberalismo, tido como o novo liberalismo, que perpetua desde 1970, propagando a “liberdade negativa”. Essa recusa que o Estado e governos interfiram nas questões e assuntos privados e de mercado, mas coloca neste a responsabilidade de conter o proletariado. Corroborando Marx (1847, p.87) traz, “Note-se que o Estado sempre esteve presente no desenvolvimento capitalista, mas o mercado, principalmente na sua fase adulta, recusa essa interferência acreditando ser mais eficaz do que qualquer intervenção pública.”

Em Pereira (2009, p.287), encontramos que a depressão de 1929, as “crises cíclicas” do capitalismo, a conquista do direito ao voto através das lutas dos movimentos sociais, ´termo essecomo já explicitado insere-se na lógica neoliberal como estratégia de reduzir e separar as lutas (grifo próprio), o aparecimento dos partidos das/de massas e dos sindicatos, foram terrenos férteis para que a política fosse socializada e houvesse a “ampliação das funções do Estado.” Eis que emerge, a “liberdade positiva”

[...] que invocava a efetiva participação do Estado nos assuntos da sociedade, para, inclusive, tornar as liberdades possíveis. Subjacentes a essa concepção, encontra-se a ideia de que a liberdade, como princípio matricial, não deve ser engessada numa postura negadora da participação

social do Estado e, por isso, precisa associar-se a um outro princípio matricial: a igualdade substantiva (e não só formal), que implica equidade e justiça social [...] (Pereira, 2009, p.287)

Vale destacar que a autora, nos traz que equidade e justiça social são reconhecidas por Della Volpe, como “liberdade igualitária”. De maneira que este reconhecimento culminou “na conquista democrática dos direitos sociais.” Neste sentido, o caráter público dá materialidade qualificando a política como não estatal e sim pública, ou seja, todos participam porque todos, dela, podem e devem usufruir. Neste momento, realizo grifo próprio para destacar características do gerencialismo no Estado neoliberal agora desta pesquisa, o qual coloca como individual questões as quais são expressões da Questão Social, emergidas pelas barbáries do capital. Destoando e descaracterizando o Estado.

Diversos autores, possuem entendimentos divergentes sobre o que é/seria o Estado. Não sendo divergente entre eles, que são 3 (três) as características viscerais

a) um conjunto de instituições e prerrogativas, entre as quais, o poder coercitivo, que só o Estado possui por delegação da própria sociedade;

b) o território, isto é, um espaço geograficamente delimitado por onde o poder estatal é exercido. Muitos denominam esse território de sociedade, ressaltando sua relação com o Estado, embora essa mantenha relações com outras sociedades, para além de seu território;

c) um conjunto de regras e condutas reguladas dentro de um território, o que ajuda criar e manter uma cultura política comum a todos os que fazem parte da sociedade

nacional ou do que muitos chamam de nação (Pereira, 2009, p.289).

Torna-se materializado, como o Estado se dá na construção histórica e nas relações e suas tensões. Pensar este sem a luta de classes, é adotar o argumento dos donos da produção, desconstruir, desvalidar e enfraquecer a classe trabalhadora e suas conquistas, travadas em duras guerras e muitas vezes com a própria vida. Questões estas, que nos evidenciam a existência do Estado, ainda que muitas vezes afastado de sua função pública, uma instituição conquistada pela e para as “massas trabalhadoras”. Nesse árduo e triste retrato ao qual essas defrontam-se, está o neofascismo que vem travando violentas e muitas vezes acortinadas batalhas, onde a ausência da resistência, tende à retomada das guerras em seus amplos cenários, se é que já não são estas, silenciosas em vários guetos, das quais o neofascismo se alimenta. Neste sentido, o silêncio do Estado, de seus governantes sugerem concordância e consentimento para atitudes e ações neofascistas, sob o prisma anticomunismo, constroem suas narrativas, defendem suas ideologias, minimizam a luta de classes, permanecendo no acirramento para apagar as conquistas do proletariado.

3.1 Neofascismo e Evidências Neofascistas no Estado

Brasileiro - 2018 a 2022

O risco de pesquisar um período recente, com um movimento político de um tempo histórico distante, é de uma análise anacrônica, que nesta pesquisa entende-se não acontecer, por embasar-se cientificamente em pesquisas recentes sobre como o fascismo se adaptou no modelo econômico do neoliberalismo e

assim persiste e permeia em diversos países de sistema capitalista.

O Estado brasileiro, como diversos autores trazem, não conseguiu por completo implantar um Estado de Bem-estar Social - Welfare State, houve ações de proteção social que se aproximaram desse, mas sua clara e concreta implantação nunca existiu neste. Pensadores, em suas contribuições e pesquisas destacam que isso se deu devido o país, no pós-guerra, entre os anos 40 e 70 ter sofrido forte influência dos Estados Unidos da América, através dos acordos comerciais com Fundo Monetário Internacional - FMI, o Banco Mundial International - BMI, com o expansionismo do capitalismo associado ao crescimento econômico em “países centrais”. Momento este que se instaura o “pacto fordistakeynesiano”. Assim no [...] Brasil foi resultado de um processo de modernização conservadora que consolidou a industrialização e o crescimento econômico, mas que não redistribuiu os resultados dessa expansão com a maioria da população trabalhadora (Mota, 2009, p.7). Os países periféricos, viam o posicionamento defensor do desenvolvimentismo na integração destes em prol da “Ordem Econômica mundial.”

Há que desconceituar para conceituar, o Estado brasileiro vivenciou nos anos de 2018 a 2022, a efervescência de uma narrativa anticomunista e anticorrupção, bandeira esta que foi arqueada e balançada por muitos representantes públicos e por significativa parcela da população. Considera-se que esta última, pouco ou nada conhece sobre comunismo, uma vez que as lutas travadas na história do Estado brasileiro, pouco se aproximaram do comunismo e estiveram mais próximas do socialismo. Neste encantamento desta parcela, o discurso religioso cristão ocupou seu espaço, “diga-se de passagem” populoso e imenso espaço, apropriando-se ainda de se colocarem como [...] guardiões e

arautos da democracia [...] (Ianni, 1998, p.112). Calcado nesta lógica, o neoliberalismo se reinventa carregando fortes traços e modos de agir e fazer do nazifascismo. Ianni (1998, p. 112), nos traz a “disneylândia global”. Há que se reposicionar do lugar sedutor que as superficialidades do neoliberalismo nos introjetaram, para compreendermos a quem estas nossas falsas conquistas atendem e satisfazem. O consumismo, o imediatismo, o individualismo, a mundialização/” ocidentalização” das forças produtivas, a competitividade, a virtualização/digitalização materializam as estratégias burguesas do neoliberalismo na rota da manutenção de supremacia e apropriação na “vida social” das “massas trabalhadoras”, tornando visível o ocupar deste no que é coletivo e individual também, deste modo

[...] o neoliberalismo implica a crescente administração das atividades e ideias de indivíduos e coletividade. Algo que se desenvolve com o fascismo e o nazismo, nas décadas de vinte, trinta e quarenta, continua a desenvolver-se no curso da da Guerra Fria e subsiste depois desta. De modo difuso ou organizado, incipiente ou evidente, são diversos os ingredientes nazifascistas presente no jogo das forças sociais que desenvolvem com a globalização neoliberal pelo alto (Ianni, 1998, p. 112).

Evidencia-se que, tornou-se fábrica de crises e “conflitos sociais” o modo de produção capitalista, onde o neoliberalismo gerencialismo, aproxima-se truculentamente das facetas do fascismo, as quais nos aparentava que tivessem sido superadas. Mas como bem nos apresenta Lucena (2023, p.101) sobre o neoliberalismo [...] O seu potencial destrutivo atinge tal dimensão, que a própria tragédia humana se transforma em mercadoria”.

Considerável faz-se compreendermos que, a “cultura nazifascista” permeou e ainda permeia por diferentes nações, e não apenas na Alemanha - Hitler, na Itália - Mussolini. Com refinada e aprofundamento na observação/análise identifica-se essa em países europeus, asiáticos, africanos e na américa latina. Diante destas evidências, a luta de classes já decorrido o tempo e modificada pelas transformações e reinvenções do capitalismo neoliberal, como já citado neste, fragmentou-se, dividiu-se em subclasses/subgrupos - aqui, destaca-se que estas subdivisões atendem os interesses do neoliberalismo, na perspectiva de reduzir e/ou minar as reivindicações, atendendo mínima ou nada destas, mas enfraquecendo a luta de classes, ainda que com etimologia alterada. Importante reconhecer que, nesta mesma luta estavam presentes as minorias, e que no seduzir atual elas são modificadas/separadas em homofobia, xenofobia, aporofobia, racismo, preconceito, machismo, intolerância religiosa, dentre outros, adoções neofascistas. Neste mesmo pensamento,

O fascismo, como movimento de reacção armada que se propõe o objetivo de desagregar e de desorganizar a classe trabalhadora para a imobilizar, enquadra-se no plano da política tradicional das classes dirigentes italianas e na luta do capitalismo contra a classe operária. E por isso favorecido, na sua origem, na sua organização e no seu caminho por todos os velhos grupos dirigentes, indistintamente, com preferência, porém, pelos agrários que sentem mais ameaçadora a pressão das plebes rurais. Socialmente, porém, o fascismo encontra a sua base na pequena burguesia urbana e numa nova burguesia agraria saída de uma transformação da propriedade rural em algumas regiões [...] (Gramsci, 1978, p.256).

O nazifascismo, ou “fascismo eterno”, e para não sermos anacrônicos, o neofascismo, tiveram seu crescimento ativado pelo capitalismo global, assim como o neoliberalismo, fazendo com que os moldes da sociedade no mundo, fossem os administrados pelos neoliberais, aqui insere-se a estes, tradicionais, conservadores, extremistas, supremacistas, exploradores etc. Ecco (2018, p. 1), nos apresenta que [...] “liberdade” ainda não significava “liberação”. Participando desta reflexão que está cunhada no fascismo de Mussolini, o qual ele nunca criou uma filosofia própria, mas sim, bebeu [...] fundamentalmente em Giovanni Gentile, mas refletia uma noção hegeliana tardia do “Estado ético absoluto”, que Mussolini nunca realizou completamente. Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica”. Liberdade não significa que estamos liberados para fazer ou dizer, e sim que enquanto fiéis aos ditos de quem governa, temos liberdade. Reconhece-se no Estado brasileiro no período de 2018 a 2022, esta não filosofia própria.

O Estado brasileiro durante os anos de 2018 a 2022, esteve sob as exacerbadas e extremistas políticas e ações do neofascismo, destacando as pautas conservadoras e tradicionalistas, Lucena (2023, p.140) destaca que este “[...]tem diferentes vertentes interpretativas, todas elas centradas no tradicionalismo [...], ou seja voltar ao passado. Stephen Bannon, tem sido figura importante na disseminação, perpetuação e manutenção da extrema direita apropriada das características neofascista. Liderou a campanha eleitoral da extrema direita nos Estados Unidos em 2016, conquistando simpatizantes em todo o mundo, inclusive no Brasil. Aponta uma sociedade que não haja diferenças de culturas e de identidades - novamente características nazista e fascista - o novo nazifascismo/fascismo eterno/neofascismo. Com sua ideologia [...] dentro de uma crítica radical ao liberalismo progressista

e às elites por ele denominadas como globalistas [...]. Neste sentido,

O tradicionalismo se soma ao populismo e ao nacionalismo, produzindo uma retórica política de nostalgia ao passado como forma de resolver os problemas do presente. O objetivo é a reinterpretação conservadora da história humana e de todas as suas relações geopolíticas e sociais (Lucena. 2023, p.141).

Ancorado ao discurso da ameaça à família, incertezas, dos valores cristãos, dos bons costumes, do “bom homem” com adaptação do lema oriundo do nazismo alemão “Deus, pátria e família”, o qual da campanha eleitoral à vitória, o governo conservador de extrema direita no Estado brasileiro pelos períodos de 2018 a 2022, discursou-o, propagou-o e reuniu seus identificantes/apoiadores com o lema “Deus, pátria, família e liberdade”, Ecco, (2018, p.7) destaca que

[...] O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista [...] A despeito dessa confusão, considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de chamar de “Ur-Fascismo”, ou “fascismo eterno”. Tais características não podem ser reunidas em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista (Ibidem, 2018, p.7).

Materializar para identificar e reconhecer evidências neofascistas, no Estado brasileiro entre 2018 a 2022, torna-se preciso, de maneira que Ecco, (2028, p. 7 - 11) apresenta 14 (quatorze) características sendo: o tradicionalismo, a recusa à modernidade/tecnologia, o irracionalismo, o sincretismo, o racismo, a frustração da classe burguesa/média com o desenvolvimento social/financeiro do proletariado, o nacionalismo extremista, o fracasso em qualquer que sejam suas guerras, a recusa ao pacifismo, a aristocracia/elitismo , o culto à figura do mito/herói, o machismo aliado à oposição das questões de gênero, o populismo qualitativo - que não insere o povo (proletariado) poder decidir e a fala novilíngua que implica em linguagem popular.

A BBC News Brasil (2018), trouxe resultados de uma pesquisa sobre os motivos do porque as mulheres brasileiras escolheram um governo de extrema direita para o Estado brasileiro, alinhada às concepções e características do neofascismo apresentadas neste, o tradicionalismo, a defesa da família, a recusa à ideologia de gênero - relevante destacar o pânico que o governo brasileiro fez, propagado por fake news e nos templos religiosos de doutrina cristã, quanto à distorção do ensino escolarizado sobre sexualidade, através da desconfiguração deste como a falsa ideia de que seus filhos/as seriam ensinados a tornarem-se qualquer uma das identificações Lésbica, Gay, Bissexual, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexaul, Pansexual, Não Binario/edade - LGBTQIAPN+, ficam explícitos nas falas e dados encontrados na pesquisa. Ainda nesta, a recusa às pautas feministas, a falsa concepção de comunismo que no governo da extrema direita foi propagando como sinônimo de corrupção. A manutenção da classe média e a defesa de seus bens e da propriedade privada, o livre comércio, a escola sem partido, as falas populares com objetivo de fazer o mito - do qual o presidente do Brasil, no período citado,

foi aclamado sobre os gritos populares de “mito, mito, mito” e reconhecido por seus apoiadores como tal, dentre outros, foram evidenciados nessa.

O Senado Federal (2020), apresentou em seu site, análises de diversos diferentes pesquisadores, os quais destacaram a recusa ao novo, pelo viés de barrar a “nova política”, política esta, que para o governo ocupante do Estado brasileiro no período compreendido entre 2018 a 2022, não alinhava-se com questões que envolvem as transformações das “massas trabalhadoras”, mas sim comungar da ideia de Bannon “o capitalismo virtuoso”.

Ainda alinhado às características neofascista, a falácia do terraplanismo, o questionamento e não aceitação dos métodos tecnológicos que não favoreciam suas retóricas e narrativas, foram amplamente amaldiçoados, bem como colocados em xeque sua permanência, utilização e eficácia - à exemplo as urnas eletrônicas. Os cortes e mudanças nas configurações dos Órgãos de Controle Social - conquista da luta de classes, foram tentados e desmontados, porém cunhado nas conquistas jurídicas desta, através do Estado enquanto público, foram retomados. A negação à ciência, pois ao negar a ciência quaisquer coisas se tornam válidas, ocasionando a morte de significativa parcela da população brasileira, durante a pandemia da COVID 19, a invenção constante de guerras (como a ameaça à propriedade privada) causando o medo e a desconfiança a tudo e a todos que não são seus apoiadores, que rejeitam e negam suas teses.

O ataque ao judiciário, sob a retórica de que esse atuava contra a constituição federal e que se fazia necessário defender essa a todo custo, inclusive com a própria vida, bem como impulsionando, ecoando, estimulando o discurso armamentista, levou a população apoiadora da figura governista no período analisado neste, a convocar ato com tochas e máscaras brancas

- acessórios/símbolos estes que são característicos do nazismo. Essas investidas, possuíam o objetivo de destituir ministros do Supremo Tribunal Federal, os quais não legitimavam a barbárie e as ilegalidades cometidas contra a democracia, suas instituições e o povo brasileiro. Todas essas foram evidências concretas neofascistas no Estado brasileiro, durante o período de 2018 a 2022, conforme fundamentada sua materialização no discorrer deste.

4. Considerações Finais

Debruçar-se nesta pesquisa, tecer a escrita após as discussões que foram suscitadas, apresenta-nos a necessidade de firmarmos nosso lugar na luta de classes, posicionarmos de qual lado estamos, afinal não há neutralidade, descortinar o que está acortinado, para reconhecer antigas e conhecer modificações adotadas pela lógica neoliberal, sob a ordem neofascista que visa minar as conquistas da luta de classes e a própria “massa trabalhadora”. Dar outro nome, desconfigurar as reivindicações, segmentar e fragmentar o que é luta de classes, perpassa por consentimento do proletariado, ainda que de maneira inconsciente. A não aceitação e a desconfiança dos discursos que se aproximam dos trabalhadores, vindo daqueles que nunca se identificaram como tal, precisam tornar-se hábito frequente.

Aceitar que em muitas vezes, o discurso vem sedutor e com palavras de nos colocarem como do mesmo chão, é crucial. Nos períodos de agora, as estratégias do “capitalismo virtuoso” fortemente abraçadas ao ideal neofascista, chegam encantadoras, com promessas de igualdade, liberdade e riqueza - igualdade a quem? liberdade para quem? riqueza de quem? Igualdade na manutenção da classe proprietária da produção e da burguesia,

liberdade para a classe dominante - por opressão e exploração com consentimento do Estado, permanecer em supremacia e riqueza elevada sob a escravização “modernizada” da força de trabalho.

Pelo discurso da escolarização para sermos empreendedores de nós mesmos, sustentado na padronização, na competência em vez de conhecimento e habilidades ao invés de qualificação. É por este caminho que o Estado brasileiro andou sob o neofascismo durante o período de 2018 a 2022, o que não sumiu, esteve e ainda está presente no Brasil. Criando suas guerras para amedrontar a sociedade e assim surgir, que eu diria permanecer como herói que livra o povo das guerras que o comunismo causa. Comunismo que no atual momento do tempo citado nesta, não é com quem/que governos neofascistas travam suas lutas, mas sim, contra a república e a democracia que contemplam as “massas trabalhadoras”, como bem nos apresentou Marx, é por meio desta que se é possível existir o Estado.

Assim, reduzir ao mínimo a luta de classes é ter um Estado mínimo que atende às concepções neoliberais - extinguindo as reivindicações da classe trabalhadora, desmontando políticas públicas, suprimindo direitos, ampliando a ordem burguesa, enriquecendo o mercado e os donos da produção, fortalecendo o conservadorismo/tradicionalismo, propagando a intolerância religiosa, enfatizando a rejeição étnico racial e LGBTQIAPN+ - em suma, esvaziando a democracia para alcançar o seu fim e instaurar a supremacia pautada na ideologia neofascista, que atua pela barbárie em múltiplas expressões, manifestações, métodos contra as minorias, proletariado, massas e classe trabalhadora. Ou seja, pelo fim da luta de classes.

Referências

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MARIA, R. C. Neoliberalismo, Gerencialismo e Educação: O projeto do empresariado para a América Latina. Disponível em: https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/57593 - Acesso em 27 jun. 2024 às 08:41h

MARX, K. O capital. 10.ed. São Paulo: Editora Boitempo, 1985. Livro 1. v.I, II.

II.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO

SOCIAL DA IGNORÂNCIA E A ASCENSÃO DO

NEOFASCISMO

Mariana Vieira Santos

Adriana Cristina Omena dos Santos

1. Introdução

Há alguns anos o mundo vem acompanhando a ascensão da extrema direita em diversos governos. A partir disso, surge a preocupação com o retorno de ideais fascistas ao redor do mundo, o que torna necessário o entendimento do fascismo e de fatores que contribuem para o seu fortalecimento.

O Brasil também foi influenciado por esse acontecimento e nos últimos anos a sociedade passou a demonstrar alguns comportamentos que podem ser considerados fascistas. Este trabalho busca, então, entender o que é o fascismo e as características que podem caracterizar o seu retorno a partir dos campos de ignorância existentes na sociedade e dos sujeitos envolvidos em cada campo.

No tópico a seguir, é trabalhado o conceito da agnotologia, que é o estudo social da ignorância. Tendo como um de seus principais autores o americano Robert Proctor, este estudo partiu do trabalho de Agustín Macchio, que trouxe em sua obra elementos para que a produção social da ignorância pudesse ser analisada, sendo utilizados para posterior análise os campos de ignorância e o conhecimento dos sujeitos no triângulo da ignorância.

Na sequência, demonstra-se o que é o fascismo, bem como os elementos necessários para o seu surgimento. Além das razões econômicas, demonstra-se que existem outros fatores que contribuíram para a ascensão do fascismo. A partir desses fatores, a discussão avança para a finalização, onde através do estudo de Umberto Eco sobre o fascismo eterno é realizada a análise das quatorze características por ele elencadas em conjunto com fatos verificados na sociedade brasileira. Para cada característica foi destacado um possível campo de ignorância relacionado e os sujeitos que fazem parte dele.

A agnotologia é um campo de estudo que busca contribuir com as ciências da mesma forma que o estudo da produção de conhecimento, mas a partir da perspectiva do estudo da produção da ignorância, assunto que será trabalhado no capítulo a seguir.

2. Agnotologia - o estudo da produção social da ignorância

Para entender a agnotologia, foi utilizada a obra de Agustín Galan Macchio, publicada no ano de 2020 após a sua defesa como tese de doutoramento no ano de 2019 pela Universidade Complutense de Madri. Para o autor, a agnotologia é uma ciência que tem por objetivo conhecer a ignorância que é produzida socialmente, sendo considerada uma nova perspectiva da Sociologia do Conhecimento. Essa produção social é estimulada por motivações humanas, que estão permeadas por seus valores, propósitos e inclinações (Machío, 2020).

Machío analisa: “A ignorância, escreve a respeito Proctor (2008, p.7), é um produto da falta de atenção, e já que não podemos estudar todas as coisas, algumas necessariamente, quase todas, devemos deixá-las de lado” (tradução nossa)

(Machío, 2020 local 3835). No entanto, para Machío (2020), é importante destacar que a ignorância não é só uma ausência de conhecimento e que ela deve ser analisada de acordo com uma perspectiva, dentro de um contexto e de determinado momento histórico, pois não é possível a existência de uma ignorância absoluta, pois a ignorância pode ser um complexo composto pelo que não se sabe a respeito de contextos sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos ou organizacionais.

Podem-se classificar as ignorâncias dentre: ignorâncias úteis e ignorâncias danosas. Um exemplo dado pelo autor (Macchío, 2020) de uma ignorância útil é a proteção da privacidade e da intimidade, ou seja, aquilo que é íntimo de uma pessoa, realmente deve ser desconhecido pelas outras pessoas ao seu redor.

A verificação das lacunas de um conhecimento também pode ser considerada uma ignorância útil, pois a partir dessa lacuna podem ser realizados estudos para preenchê-la.

Já as ignorâncias danosas são:

[...] a censura, a manipulação e a politização do conhecimento, as já famosas fake news, o preconceito cultural, o tabu, a tradição inquestionável, a incompetência ou a negligência, as múltiplas formas inerentes ou evitáveis de seletividade político-cultural ou a produção deliberada de ignorância sob a forma de estratégias para enganar, agnogênese, na terminologia de Proctor (Tradução nossa) (Macchío, 2020, local 440).

Assim, é um exemplo a censura realizada pela ditadura militar brasileira, como forma de esconder fatos da sociedade em geral e continuar exercendo o poder. Como tradição inquestionável, podem-se citar os dogmas religiosos, que são criados para não serem questionados, apenas aceitos por aquele grupo.

A ignorância possui, portanto, um aspecto cultural, considerando que ela constitui um elemento fundamental nas relações sociais e nas organizações (Macchío, 2020). Para entendê-la, é necessária a compreensão de quem são os sujeitos envolvidos, pois “toda ignorância tem um sujeito que a observa em si mesmo e nos outros, um que a suporta e outro que a produz e difunde, de forma consciente ou inconsciente.” (tradução nossa) (Macchío, 2020, local 147), formando, portanto, um “triângulo da ignorância” e entender qual é o campo da ignorância destes sujeitos, ou seja, qual é o “conteúdo informativo ausente para o ignorante” (tradução nossa) (Macchío, 2020, local 154).

Assim, este trabalho se debruça sobre a análise dos campos de ignorância e na identificação dos possíveis sujeitos que compõem o triângulo da ignorância, sendo eles, o sujeito ignorante, o sujeito produtor e o sujeito observador nas características que demonstram a ascensão do neofascismo no Brasil, que será analisado a partir do que é o fascismo, a seguir.

3. O fascismo

Para falar de fascismo, é importante ressaltar a conexão histórica principal com o fascismo italiano e com o nazismo alemão, que surgiram após a Primeira Guerra Mundial. Apesar dos diferentes contextos destes países na guerra, ambos sofreram consequências negativas. A humilhação alemã ao aceitar as condições impostas pelos países vencedores no Tratado de Versalhes é tida como um dos elementos que possibilitaram o surgimento do nazismo. Já a Itália, apesar de estar ao lado dos vencedores, não obteve grandes conquistas com o conflito e não teve suas demandas atendidas na confecção do tratado de paz (Ribeiro, 2013).

O fascismo é entendido como uma corrente de pensamento político, porém não possui uma definição única de sentido, em razão da complexidade deste objeto. No Dicionário de Política produzido por Norberto Bobbio, Niccola Matteuci e Gianfranco Pasquino (2004), pode-se verificar esta dificuldade de conceituação ao ter como item número I sobre o vocábulo os “problemas de definição”.

O estudo “A anatomia do fascismo” escrito por Robert O. Paxton também ajuda a ilustrar a complexidade da definição deste objeto. Nesta obra, Paxton utiliza 7 capítulos para analisar diversos processos verificados principalmente nas sociedades alemã e italiana durante o período em que vivenciaram o fascismo. É realizado um estudo sobre a criação dos movimentos, o seu enraizamento, a chegada ao poder e como este foi exercido, se houve uma radicalização ou entropia e por fim, se este regime seria possível no futuro. Apenas após todas essas reflexões, Paxton finaliza com um último capítulo trazendo sua definição para o objeto.

Para o autor, essa estratégia de análise era necessária pois “o fascismo, longe de ser estático, era uma sucessão de processos e escolhas.” (Paxton, 2007, p. 49) E é exatamente esse sistema de estudo que consegue analisar as características comuns e singulares de cada sociedade, entendendo por que o fascismo emergiu na Alemanha e na Itália, porém não obteve o mesmo sucesso na França. Após extensivas análises e comparações, no capítulo final Paxton traz a seguinte definição:

O fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade,

da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza. (Paxton, 2007, p. 358/359).

Assim, percebe-se que a definição não traz em si a necessidade de um líder carismático, apesar de ser um ícone característico dos regimes fascistas. Isto ocorre para que o regime fascista não se confunda com o totalitarista, que também possui uma forte imagem de um líder, porém não se importa com a mobilização das massas. E a mobilização das massas, sua participação no partido, seu senso de coletividade são construídos a partir da comunicação do líder carismático. Sendo a sociedade composta por camadas tão diversas, de que forma o fascismo consegue atrair tanto as elites quanto as massas? Para entender esse fato, é relevante entender o papel da ideologia no fascismo. Apesar de a ideologia fascista aparentar ter um conteúdo forte e determinado, é possível afirmar que, na verdade, não havia um conjunto de ideias e convicções estipuladas. Paxton, ao perceber essa ausência de ideologia afirmou que: “a peculiar relação do fascismo com sua ideologia que, ao mesmo tempo em que era proclamada como de importância central, era incessantemente modificada ou violada, conforme a conveniência do momento” (Paxton, 2007, p. 74) Já Umberto Eco (2018), ao investigar o regime implantado por Mussolini, também faz um apontamento nesse sentido: “O fascismo foi certamente uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se

pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria.” (Eco, 2018, p.4)

Entendido o conceito de fascismo, é relevante entender o contexto em que o fascismo surge e consequentemente, observar a possibilidade de uma nova ascensão deste regime. De modo que, passa-se a explorar o trabalho realizado por Carlos Lucena em sua obra pós-doutoral: “O novo nazifascismo”. A fim de entender a ascensão de um novo fascismo, o autor investiga inicialmente as causas do surgimento do nazismo alemão, o que se passa a discutir de forma resumida.

Uma causa que foi exaustivamente estudada se origina na influência do capitalismo na ascensão do fascismo. A partir dos estudos realizados por Marx, foi possível notar que o capital é um objeto que se reproduz (Lucena, 2023) e que consequentemente se expande, como notado por Lênin (2011), ao estudar o imperialismo. No livro 3º de “O Capital”, Marx (1984) também notou que os antagonismos gerados neste processo de reprodução do capital culminam na geração de crises do capital, que geram impacto em toda a sociedade, independente da classe social. Essa conclusão se originou por meio da investigação da superprodução de mercadorias em relação à teoria da tendência decrescente da taxa de lucro.

No entanto, ainda que pareça que a cada crise o capitalismo poderá atingir o seu fim, o que realmente ocorre é uma readaptação e continuidade do sistema até a ocorrência de uma nova crise. Afinal, “a degeneração do capitalismo é o resultado de seu desenvolvimento” (Lenin, 2011, p.47). O capitalismo já sofreu a crise de 1870, a grande depressão de 1929, a crise do petróleo da década de 1970 e a crise imobiliária de 2008 e seu funcionamento continua cada vez mais robusto.

A crise de 1870, gerada pela superprodução de bens dentro de um mercado limitado, resultou na reestruturação produtiva que se baseou na centralização de capitais, dando ao capitalismo um enfoque na sua forma monopolista (Lucena, 2023). O desenvolvimento do capitalismo resultou em várias modificações da exploração do capital, sendo uma delas o surgimento do imperialismo. Como definido por Lenin:

“Se fosse necessário dar uma definição, a mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais, e, por outro lado, a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma potência capitalista para a política colonial de posse monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido.” (Lenin, 2011, p. 217).

No processo de acumulação primitiva do capital, a disputa pelo domínio de colônias como provedoras de matérias primas e como mercado consumidor dos produtos de seu colonizador culminou na Primeira Guerra Mundial. Os grupos em guerra eram formados pela Tríplice Aliança, inicialmente formada pela Alemanha, Itália e pelo Império Austro-Húngaro e pela Tríplice Entente, formada pela Rússia, França e Inglaterra. No decorrer da guerra a Itália deixa a Tríplice Aliança e outros países passam a apoiar a Tríplice Entente, como o Japão e os Estados Unidos (Lucena, 2023).

A Alemanha, derrotada na guerra, sofre, primeiramente, as consequências econômicas. Entretanto, o aspecto econômico não é o único a contribuir para a ascensão do nazismo. A nação alemã foi colocada numa posição de “desmoralização internacional” causando danos aos Kultur alemão (Lucena, 2023) E o que seria esse Kultur? Para os alemães, há uma crença que a essência dos seres humanos não é revelada apenas por suas ações, mas sim por suas conquistas. A derrota na guerra não é apenas uma derrota que interferiu na corrida imperialista da Alemanha por colônias para sua exploração, mas também uma derrota do modo de vida alemão, gerando um sentimento de humilhação para uma nação que sempre prezou por sua honra e glória (Lucena, 2023). Como dito por Lucena: “Para os alemães, a reconstrução do seu país a partir das vergonhosas imposições do Tratado de Versalhes implicou em resgatar o sentido de sua civilidade” (Lucena, 2023, p. 46)

E a partir dessa necessidade de reconstrução dessa civilidade, há a ascensão dos ideais nazistas.

Sendo o capitalismo constituído de crises cíclicas, que ocorreram por diversas vezes desde sua constituição, destaca-se para a análise em questão a crise ocorrida em 2008. Neste ano ocorreu a crise imobiliária dos Estados Unidos da América que, por ser um país central no capitalismo, afetou todo o mundo. Segundo Barizão (2012), a partir da ampliação do crédito no modelo hipotecário, onde um crédito é concedido através da utilização de um imóvel como garantia, houve o aumento dos preços dos imóveis. Consequentemente, o número de empréstimos para a aquisição de imóveis também cresceu. Entretanto, a disponibilização de crédito começou a ser concedida inclusive para indivíduos que não possuíam muitas garantias de quem poderiam arcar com os custos dos empréstimos. Quando estes empréstimos começaram a ser descumpridos, eles impactaram na liquidez bancária, o que

dificultou a adoção de ações que poderiam reduzir os impactos da crise. (Barizão, 2012)

No Brasil, a crise imobiliária influenciou na oferta de crédito, que foi reduzida e houve diminuição da produção e do comércio nacional, o que gerou um aumento no desemprego. Apesar do maior impacto na cadeia de produção, a tentativa do governo de manter o mercado de consumo através do aumento da oferta de crédito não foi o suficiente para que a crise fosse apenas uma “marolinha” (Barizão, 2012).

Conforme analisado por Cunha (2016), os impactos nos parceiros comerciais do Brasil, como a China, culminaram na prorrogação dos efeitos da crise de 2008, que começaram a se agravar em 2013, afetando o desempenho da balança comercial brasileira. Apesar das estratégias utilizados pelo governo brasileiro para evitar os efeitos da crise no Brasil, foi necessária a realização de ajustes fiscais e aumento das taxas de juros, gerando uma crise econômica o que contribuiu para que um forte movimento ocorresse contra a então presidente, Dilma Rousseff, que sofreu um processo de impeachment em 2016.

Percebe-se, portanto, que existe um conjunto de fatores necessários para uma possível escalada do fascismo. Fatores econômicos fazem parte do processo, mas não são a única peça necessária. Passa-se, portanto, a um estudo sobre as características do fascismo que estão relacionadas à comunicação com as massas e que podem estar relacionadas à produção social da ignorância.

4. A ascensão do neofascismo e a produção social da ignorância

Para entender melhor as questões que ultrapassam as crises econômicas, optou-se por analisar as características do Fascimo Eterno de Umberto Eco, que por fornecer uma categorização mais estruturada, é utilizado como base para esta investigação. Eco (2018) considera que dentre essas características, qualquer uma que passe a existir dentro de uma sociedade pode tornar possível o surgimento do que ele chama de “nebulosa fascista”. A partir da apresentação de cada característica, será realizada a análise do campo de ignorância a que ela pode estar relacionada e aos sujeitos envolvidos no triângulo da produção social da ignorância.

A primeira característica destacada é o culto da tradição. O brasileiro não possui um senso de honra e glória do passado como o povo alemão. No entanto, a cultura cristã é muito forte no Brasil, tendo em vista que de acordo com o Censo realizado em 2010, 86,8% dos brasileiros são cristãos (Azevedo, 2012). Em razão disso, o movimento liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, pautou sua campanha e seu governo na defesa da família tradicional e utilizou como lema o slogan fascista “Deus, pátria e família” (Almeida, 2020).

No âmbito da questão religiosa, por ser um produto social, podem-se verificar as características que possibilitam seu estudo, tendo em vista que ela é “impulsionada por motivações humanas, valores, objetivos e interesses.” (Machío, 2020, p. 45). As religiões são criações humanas, existindo evidências de cultos religiosos com data aproximada a 35.000 a.C. (Bezerra, 2011, p.2). Com os progressos alcançados pela humanidade, diversos valores e objetivos se modificaram com o passar do tempo, sendo relevante

para esta análise os valores e objetivos cristãos, que exercem influência no presente. Apesar da existência de cristãos liberais e cristãos conservadores, Ross Douthat (2012) percebeu que os conservadores têm sido mais bem-sucedidos e é possível encontrar maior tentativa de influência na política por este grupo (Ferreira, 2020). Além disso, como destacado por Lucena: “A perda de valores cristãos acaba por enfraquecer e denegrir toda a sociedade. A busca da moral e dos bons costumes do passado é apresentada como a saída para a recuperação das tradições ocidentais para todos os povos.” (Lucena, 2023, p. 148). Dentre os objetivos de qualquer religião cristã está o crescimento do número de fiéis e a manutenção de seus valores para a sociedade como um todo. A manutenção dos valores na sociedade pode ser vista, por exemplo, nas discussões legislativas que envolvem a pauta aborto, onde existe uma influência da moral cristã nos argumentos apresentados por aqueles a favor da permanência de tal ato como crime (Marsicanoa e Burityb, 2021).

As religiões em geral buscam com que seus fiéis aceitem os dogmas apresentados a eles, sem qualquer tipo de questionamento. Assim, o conhecimento repassado é limitado e controlado ao que é dito pelo padre, pastor ou qualquer outra denominação dada àquele que instrui os indivíduos que participam de cada comunidade religiosa. Os sujeitos dessa relação de produção social da ignorância são: cada entidade religiosa e seus representantes, enquanto produtores, os fiéis de cada uma ocupam o papel de ignorantes e enquanto observadores estão os sujeitos fora dessa comunidade, que trazem questionamentos aos dogmas e aos conhecimentos repassados

Os partidos de extrema-direita, então, se aproveitam dessas pessoas que estão acostumadas a não desenvolver um pensamento crítico para convencê-las de que, se eleitos, eles

defenderão os valores cristãos durante suas legislaturas. Os candidatos e parlamentares demonstram compartilhar das mesmas crenças e constituir uma família como eles acreditam ser correta. Inclusive, a relação entre as igrejas evangélicas e a ascensão da extrema direita é objeto de estudo de pesquisadores no Brasil (Ferreira, 2024).

A partir do tradicionalismo se dá a rejeição da modernidade (Eco, 2018). A forma com que a pandemia da Covid-19 e, consequentemente, da oferta da vacina foi tratada pelo governo brasileiro demonstra uma forma de recusa à modernidade. Um vírus que estava causando diversas mortes no mundo todo foi considerado apenas uma gripe comum. Ao ver o aumento das mortes, havia um discurso de que não era o vírus o responsável por elas. Vacinas foram tratadas como meios de implantar chips chineses nos indivíduos, como causadoras de outras doenças e houve até uma sugestão de possíveis metamorfoses nos seres humanos.

A rejeição das vacinas que foram criadas de forma rápida em razão da emergência sanitária que assolou o mundo partiu de um campo de ignorância sobre como as vacinas são criadas, testadas e sobre o seu funcionamento. O uso incorreto de máscaras também demonstrou um campo de ignorância relacionado à informação sobre as formas de transmissão de vírus. Nesse exemplo, o que se destaca é a ignorância em relação a conhecimentos sanitários básicos.

Um dos principais produtores destas ignorâncias foi o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, que afirmou que não se responsabilizaria por possíveis efeitos colaterais da vacina, ao dizer que: “Se você virar um jacaré é problema seu.” (Uol, 2020) e seus aliados políticos, que incentivaram as aglomerações e a desnecessidade do uso de máscaras. Os sujeitos ignorantes se

compõem pela parcela da população brasileira que não realizou isolamento social e o uso correto das máscaras e daqueles que não se vacinaram contra a covid-19 e até contra outras enfermidades. Os sujeitos observadores são aqueles que possuem conhecimentos sanitários e perceberam como incorreta a forma de tratamento da pandemia no Brasil.

Também há o irracionalismo, que fomenta a execução de atos sem qualquer ponderação. Há uma repudia a cultura e o pensar é considerado uma “forma de castração” (Eco, 2018, p.8)

Desta característica advém os ataques às Universidades, tratadas pelo Ministro da Educação do governo Bolsonaro como um local de balbúrdia e doutrinação comunista (Ferreira, 2024).

Tanto os ideais do tradicionalismo e do irracionalismo podem ter seus campos de ignorância analisados conforme a ausência de conhecimento científico por grande parte da população brasileira. Esta situação pode ser corroborada com o dado do IBGE de 2023 que apenas 19,8% da população brasileira possui ensino superior (Serrano, 2024), sendo este nível de educação onde se tem maior contato com o aprendizado de metodologias científicas, tendo em vista que há pesquisa em algumas escolas e Institutos Federais. Além disso, também contribui para a criação de campos de ignorância o negacionismo científico, que não se dá apenas por sujeitos que não concluíram o ensino superior, mas ocorre também com indivíduos de alta escolarização, como o exemplo de médicos que receitaram remédios ineficazes para a Covid-19 durante a pandemia. Aqui temos sujeitos distintos, com diferentes níveis de escolaridade, e que ignoram a ciência por motivos distintos, que se pode colocar como hipóteses o medo e a desconfiança da ciência, por exemplo.

Constata-se que, havendo um desconhecimento da ciência em geral, torna-se mais fácil que a extrema direita se aproveite

desse fato para unir as pessoas através desse medo e desconfiança, construindo narrativas que reforcem seus ideais. Por exemplo, a ideia de que a Covid-19 era só uma gripezinha e que nenhum setor econômico poderia parar. Assim, indivíduos que se viam como provedores de sua subsistência, que dependiam de seus salários ou de seu pequeno negócio não queriam parar de trabalhar e se recusavam a cumprir as ordens sanitárias de isolamento social, por medo das consequências financeiras e econômicas que essa paralisação poderia causar. Como no fascismo há um incentivo ao não pensar e uma fuga à modernidade, consequentemente há uma rejeição às críticas. Isto porque para criticar algo é preciso pensar sobre aquilo e a partir da crítica pode haver avanço do conhecimento, modernizando a sociedade. Desde o período eleitoral, tanto quanto no período do governo presidencial exercido no Brasil de 2019 a 2022, o que era considerado crítico ao Presidente era tratado como “fake news”, termo utilizado de forma incorreta, como destacado por Claire Wardle:

“O termo ‘fake news’ também começou a ser apropriado por políticos em todo o mundo para descrever organizações de notícias cuja cobertura os desagradam. Dessa forma, o recurso à expressão ‘fake news’ está se tornando um mecanismo pelo qual os poderosos podem reprimir, restringir, minar e contornar a imprensa livre.” (Wardle, 2023, p.12).

Como explicado por Wardle, a apropriação errônea do termo foi uma forma encontrada pela equipe de Jair Bolsonaro para nem confirmar, nem rejeitar os fatos que lhe eram imputados e de descredibilizar a mídia, fazendo com que seus apoiadores duvidassem daquilo que era divulgado e apenas confiassem no

que recebiam de seus pares em grupos de redes de mensagens. Serrano (2015) afirma que esse tipo de ação pode se configurar como um tipo de censura, onde a verdade é escondida através do uso de informações inverídicas ou fútil.

No âmbito da criação de desinformação no período préeleitoral e durante o exercício de Jair Bolsonaro, o campo de ignorância em comum a grande parte das situações é a ausência de educação midiática da população. Buckingham (2022) entende a educação midiática como um conhecimento que deve habilitar as pessoas a entenderem o panorama social, político, econômico e cultural das mídias, especialmente no cenário do capitalismo digital, tendo em vista que as grandes empresas de comunicação exercem uma influência significativa na criação e distribuição de conteúdo. Ainda que a educação midiática seja objeto de estudos há muitos anos, essa ideia de Buckingham é importante no contexto do crescimento das mídias sociais na internet. Em 2022, foi divulgada uma pesquisa realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que apontou que 67% dos jovens brasileiros não sabem diferenciar um fato de uma opinião, o que foi considerado acima da média esperada. Além disso, é possível perceber nos gráficos apresentados no Relatório “Leitores do século 21: Desenvolvendo habilidades de alfabetização em um mundo digital” que o ensino para detecção de informação subjetiva ou enviesada está abaixo da média no Brasil (OECD, 2021, p. 44.). Esses dados existem em relação a pesquisas realizadas com jovens, porém não há dados que demonstrem essa capacidade de distinção entre opinião e fato em outras faixas etárias, sendo essa competência uma dentre tantas que compõem a educação midiática. A despeito disso, deve-se levar em consideração que em 2020 o ensino dessa habilidade ainda se encontra defasado, o que leva a hipótese de

que adultos também podem ter dificuldade em executar essa competência.

Aqui, os sujeitos ignorantes são compostos pelo grupo de pessoas que não dominam os conhecimentos que compõem a educação midiática e, além disso, não se preocupam em checar as informações a que tem acesso tornando-se, assim, alvo da desinformação criada pelos sujeitos produtores, ao apenas aceitar a informação que é compartilhada pelos seus pares. Em relação a isso, também há de se considerar a questão das mídias terem se tornado um “quarto poder”, que garante a vitória do neoliberalismo ao ser utilizado tal qual a igreja para dominar a população e manter a sociedade no status em que se encontra (Ramonet, 2015), pois a mídia se utiliza de uma forma de censura onde deixa de comunicar a população com todas as informações pertinentes a um caso, como demonstrado pelo episódio do Wikileaks, que não teria ocorrido, caso a mídia tradicional tivesse realizado a sua função de investigação, divulgando as informações que só vieram a conhecimento do público a partir do vazamento de documentos através da plataforma criada por Julian Assange (Ramonet, 2015). Estes podem ser os próprios candidatos ou parlamentares alvos das críticas, seus partidos e até as grandes mídias que são apoiadoras destes e os sujeitos observantes se tornam aqueles com as competências midiáticas necessárias para interpretar as informações recebidas.

A ideia do ur-fascismo, buscando a mobilização da massa, parte da busca do consenso entre ela. Desse modo, há desprezo por aquilo que é diferente (Eco, 2018). No nazismo alemão a perseguição ocorreu principalmente aos judeus. No Brasil, aqueles que tinham seus preconceitos e os expressavam de forma velada, viram seu representante dar voz aos preconceitos contra as minorias. Bolsonaro era conhecido por falar que seus filhos eram

educados o suficiente para se envolver com uma pessoa negra e que preferia que seu filho morresse a saber que ele era homossexual (Globo, 2011).

O campo de ignorância nesse caso se dá em relação às próprias minorias. Existem pessoas que não possuem negros ou pessoas que se identificam como LGBTQIAPN+ em seus círculos sociais. Outro exemplo de ignorância mais claro se refere ao conhecimento em relação às lutas dessas minorias, como o feminismo. Existem mulheres que se dizem contrárias a essas lutas (Soihet, 2018), por não saberem exatamente do que elas se tratam, como relatado por Bell Hooks (2018).

Nesse caso, apesar da impossibilidade de delimitar todos os sujeitos ignorantes, há um destaque para as elites dominantes brasileiras, que buscam manter seus privilégios (Frigotto, 1988) e para os religiosos conservadores, que querem manter os seus costumes impostos a toda a população (Campos; Lima; Pinheiro, 2023). Como sujeitos produtores, aqui há a participação dos próprios sujeitos ignorantes, que produzem e reproduzem ideias e ações preconceituosas contra as minorias tratadas acima. E como sujeitos observantes temos as minorias, que têm buscado a igualdade de direitos e a diminuição da discriminação realizada contra elas.

As crises econômicas possibilitam o surgimento de insatisfações individuais ou sociais. A partir dessas insatisfações, principalmente as classes médias, apresentam uma tendência a fortalecer ideais fascistas, razão pela qual os fascismos que já ocorreram buscaram a atenção dessa classe. (Eco, 2018) Desde as consequências da crise imobiliária de 2008 nos Estados Unidos, que causaram reflexos em todo o mundo, o Brasil lidou com uma série de eventos que demonstram a ascensão da direita no país, que culminou na eleição de Jair Bolsonaro. Isso se

baseou principalmente no discurso contra a violência urbana, por exemplo com a discussão do pacote anticrime, que resultou na promulgação da Lei 13964/2019, e contra a corrupção, como o projeto 10 medidas contra a corrupção criado pelo Ministério Público Federal e que contou com o apoio de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.

Nesse caso, a relação de insatisfações individuais ou sociais não decorrem de um campo de ignorância, mas sim de fatores econômicos ou da dificuldade em se concretizar com maior efetividade determinadas políticas públicas como, por exemplo, o Sistema Único de Saúde. O SUS, que por atender diversas demandas da saúde pública, por algumas vezes apresenta falhas, tais como demora na realização de exames, quantidade de leitos insuficientes ou até falta de equipamentos e medicações (Silva, 2014).

Outro pressuposto também ligado à ideia de fortificação do grupo é o nacionalismo e a fixação pela conspiração. O fascismo cresce a partir de uma ideia de grupo, que é mais fácil de ser criada a partir da coincidência de ter nascido no mesmo território A partir dessa formação de grupo há o fortalecimento do pensamento de que grupos externos sejam vistos como inimigos para robustecer o senso coletivo.

Assim, o lema de Bolsonaro ilustra essa tentativa de criação do ideal nacionalista: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.” A reutilização da ameaça comunista foi utilizada também para a criação do inimigo, sendo os inimigos internos os partidos de esquerda, que supostamente tinham por objetivo transformar o Brasil em um país comunista e a ameaça externa se demonstrava nos países em crise na América Latina, com os quais o Brasil mantém relações econômicas, que eram utilizados

como referência de crise, caso o Brasil elegesse representantes da esquerda.

A ideia do complô deve ser forte o suficiente para causar medo no grupo, mas o grupo deve ter convicção que pode vencer o seu opositor. (Eco, 2018) O comunismo era forte o suficiente para fazer com que todos tivessem medo dele: a possibilidade de crise econômica generalizada, o pânico de comer seus próprios animais de estimação, a vida sem liberdade diante de um governo ditatorial (Lucena, 2023). No entanto, a batalha apresentada era fácil de ser vencida: bastava que o candidato da esquerda perdesse as eleições, o que efetivamente ocorreu em 2018.

As questões baseadas no nacionalismo, na fixação pelo complô e na criação de um ideal de inimigo forte para dar medo, mas que pode ser vencido foram todas exemplificadas com o uso do “fantasma do comunismo”. Aqui temos um campo de ignorância bem delimitado que é o conhecimento das ciências sociais e dos modelos por elas propostos de sociedade. Conforme Schenini (2009), o ensino de filosofia e sociologia no currículo do ensino médio foi retirado no ano de 1971 e só foi novamente reincorporado no ano de 2008. Foram quase 4 décadas em que todos aqueles que passaram pelo ensino médio no ensino público não aprenderam quem é Marx, o que ele estudou e o que realmente é o comunismo. Essa ignorância possibilitou a construção de uma ideia de comunismo totalmente diferente do conceito criado por Marx. Há também a ignorância relativa aos países latino-americanos, suas crises e suas relações políticas com o Brasil, de forma que os atores da extrema-direita passaram a utilizar imagens e notícias sobre esses países como exemplos dos efeitos do comunismo, gerando medo naqueles que desconhecem a real situação destes países.

Apesar da convicção de derrota do inimigo, a guerra é uma constante no Ur-fascismo. O inimigo, mesmo vencido, não está morto e pode, portanto, ameaçar o grupo a qualquer momento. Nesse sentido, Lucena explica a função do inimigo no neofascismo:

Todos os inimigos do Novo Nazifascismo são entendidos como subversivos ou terroristas. A ideia é criar o medo e o pânico, a desconfiança contínua entre todos os seres humanos para materializar o desespero e a busca de um líder demagógico que os protejam, a busca de um novo Führer aos moldes do nazifascismo alemão. (Lucena, 2023, p.136).

A mobilização de um grande grupo parece demonstrar uma situação de popularização, mas deve haver uma dose de elitismo. O grupo deve ser composto pelos melhores, que serão obedientes ao líder. No Brasil, aqueles que apoiam Jair Bolsonaro se consideram patriotas, enquanto seus opositores não o são e, portanto, os “bolsonaristas” compõem o melhor grupo de brasileiros, que realmente defendem seu país, que sabem a verdade sobre todas as coisas que a mídia quer esconder e não são controlados por ela.

Por serem melhores, os pertencentes a esse grupo se sentem como heróis, os únicos aptos a salvar a nação brasileira. O melhor exemplo do heroísmo dos apoiadores de Bolsonaro pôde ser visto nas organizações de protestos em frente aos quartéis após o resultado das eleições realizadas no ano de 2022. Em vários locais do país, grupos permaneceram em protesto em rodovias e em portas de quartéis por vários dias, aguardando apoio dos militares e de caminhoneiros para parar o Brasil, pois discordavam do resultado das eleições. Outro exemplo é a

tentativa de golpe realizada em 8 de janeiro de 2023, quando os heróis patriotas se juntaram em Brasília com o objetivo de invadir os prédios públicos federais, como forma de enfrentar o presidente já em exercício. Como a polícia não agiu de forma efetiva, eles adentraram o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e depredaram diversas mobílias, artefatos históricos e de arte que ali estavam.

O elitismo e o heroísmo enquanto características aparentam ser mais relacionadas a como os membros do próprio grupo se veem do que construídas a partir de um campo de ignorância.

O heroísmo é um papel que, por muito tempo, foi representado em sua maioria por homens. Assim, há também o papel do machismo no Ur-fascismo. Eco afirma que a origem deste se dá pois “como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais” (Eco, 2018, p.10) o que também explica o fascínio pelas armas, onde o homem projeta a sua admiração pelo falo. Como o brasileiro está acostumado à linguagem gestual, enquanto um candidato era conhecido pelo gesto de “fazer o L”, Bolsonaro em suas campanhas presidenciais esteve sempre relacionado ao gesto de fazer uma arma. Também tem registros de falas de ameaças armadas como: “vamos metralhar a petralhada” e sempre foi um apoiador da liberação do armamento da população.

Segundo Drumont (1980), o machismo é constituído como uma relação que representa um domínio do homem em relação à mulher na sociedade. Se não há igualdade, parte-se do pressuposto que um gênero é superior ao outro, no caso, o gênero masculino é superior ao feminino. Este comportamento se mantém como uma forma de manutenção dos privilégios dos homens em relação às mulheres, porém, como ele se baseia nos

estereótipos de gênero é possível refletir se há um campo de ignorância nessa base.

A crença de que o gênero masculino é superior ao gênero feminino pode ser considerado o campo de ignorância nessa situação, pois o machismo parte de um “sistema de representações-dominação que utiliza o argumento do sexo, mistificando assim as relações entre os homens e as mulheres, reduzindo-os a sexos hierarquizados, divididos em polo dominante e dominado que se confirmam mutuamente numa situação de objetos.” (Drumont, 1980, p. 82.)

Os sujeitos produtores do machismo são os homens, podendo ocorrer a reprodução dele por mulheres. Dentre os sujeitos ignorantes podemos ter ambos, tanto os homens que buscam manter essa relação de dominação, que possuem essa crença de serem seres superiores e agem de acordo com esse pensamento, quanto as mulheres, quando se encontram dominadas por um indivíduo do sexo masculino, colocadas em uma posição de inferioridade da qual não conseguem sair, ou até mesmo aceitam ser submissas por seguirem dogmas religiosos, por exemplo. Por fim, temos os sujeitos observadores, formados principalmente por mulheres que buscam as condições de igualdade negadas pelo machismo.

O Ur-fascismo se apoia na ideia de “populismo qualitativo” onde ele se demonstra contrário aos governos parlamentares ao se declarar a própria voz do povo. Esta característica do ur-fascismo, durante o Governo Bolsonaro, pode ter sido a menos visível. O ex-presidente proferia discursos de ataques às instituições, mas em sua maioria esses discursos se davam em relação ao Supremo Tribunal Federal. Uma das hipóteses que justificam a não ocorrência de ataques diretos ao Congresso Nacional é a de que as negociações com a maioria do parlamento eram bem-

sucedidas, com a concessão de cargos e de emendas parlamentares. Nesse sentido, Lucena explica que aqueles que ficam ao lado dos neofascistas são por estes blindados:

A desmoralização constante dos seus inimigos enfraquece suas visões e projetos políticos, retirando-os do caminho. Ele se transforma em árbitro de todos os conflitos políticos e sociais, decidindo, a partir de sólida retórica política, o que é certo ou errado. Uma vez que esta retórica se consolida, o Novo Nazifascismo blinda as instituições, desde que elas respondam aos seus interesses. É nesse sentido que a Constituição pode ser fraudada e tribunais cooptados sem qualquer investigação. A lei passa a ser imposta de forma seletiva. (Lucena, 2023, p. 137).

Nesse caso, percebe-se um campo de ignorância relacionado à ditadura e à liberdade. Isto porque, no exemplo de Bolsonaro contra a esquerda que tornaria o Brasil uma ditadura comunista há uma suposta luta pela liberdade. No entanto, a atitude do ex-presidente de ameaçar as instituições democráticas demonstrava a possibilidade de tentativa de implantação de uma ditadura por ele e quem o apoiava ignorava essa possibilidade, ou por desconhecimento de como uma ditadura é implantada ou de modo deliberado, entendendo a possibilidade, mas acreditando que ela não iria acontecer.

Os sujeitos ignorantes são aqueles que apoiam os ataques às instituições democráticas e o retorno da ditadura. Os sujeitos produtores desta ignorância são aqueles que realizam os ataques às instituições e incitam que outros indivíduos também o façam, como o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro, com a afirmação de que basta “um soldado e um cabo” para fechar o STF (Agência Brasil, 2018) e o Deputado Estadual de Goiás, Amauri Ribeiro, que

esteve presente nas manifestações ocorridas nas portas dos quartéis além de fornecer dinheiro, água e comida para a manutenção destas manifestações, que se posicionaram contrárias ao resultado das eleições presidenciais (Correio Braziliense, 2023). E os sujeitos observadores são aqueles que compreendem a incongruência de defender um estado ditatorial a partir da perspectiva de proteção da liberdade dos cidadãos.

Por fim, a última característica relacionada ao Ur-fascsimo é o uso da “novilíngua”, conceito utilizado por George Orwell em sua obra 1984 para classificar a linguagem do contexto da sociedade retratada na obra como uma linguagem simples, com um vocabulário modesto. A Língua Portuguesa possui vários exemplos de simplificação de vocábulos como o pronome Vossa mercê que hoje já não é mais utilizado e foi substituído por você. No entanto, apesar de não ter sido criada uma língua própria, é cabível o destaque para a forma de falar de Jair Bolsonaro. Como contato direto com seus eleitores, Bolsonaro aparecia no seu cercadinho em Brasília e fazia lives com bastante frequência. Nesses momentos, ele falava de forma simples, utilizava palavrões de baixo calão e não se estendia ao falar de temas complexos1 .

Sobre os discursos de Bolsonaro é necessário entender que existe uma ligação entre ele e o diretor da primeira campanha eleitoral de Donald Trump, Stephen K. Bannon. Bannon não é um ator importante apenas na política norte-americana, tendo um papel de relevância também no cenário político internacional. Ele é responsável por ajudar a instituir uma organização chamada The Movement, formada na Bélgica, de extrema-direita e com o propósito de realizar eventos que reúnam representantes políticos de

1 Nesse sentido, a matéria publicada pela Revista Piauí sobre suas participações antes das eleições ilustra bem sua forma de se comunicar: https://piaui.folha.uol.com.br/bolsonaro-fala-outra-lingua/

mesma ideologia. Essa organização já atua na Europa, Estados Unidos, América do Sul e África (Lucena, 2023) e Gomes (2018) relatou que Eduardo Bolsonaro foi responsável por promover a “Cúpula Conservadora das Américas” na cidade de Foz do Iguaçu em dezembro de 2018.

Bannon influenciou na comunicação de Bolsonaro, pois possui suas próprias estratégias de como lidar com as mídias e as redes sociais (Lucena, 2023). Para Bannon, “o objetivo é ocupar a mídia em intervalos regulares cada vez mais curtos. Quanto mais absurda a ideia, melhor é o resultado desta estratégia.” (Lucena, 2023, p. 152) Assim se dava a comunicação de Bolsonaro com respostas curtas e objetivas às perguntas que lhe eram feitas e com muitas aparições nas redes sociais.

Os campos de ignorância se aproveitavam, nesse caso da comunicação, das estratégias de Bannon que se baseiam em “promover acusações governamentais seguidas de desmentidos. Ofensas públicas acompanhadas por pedidos formais de desculpas. Quebras de leis e sucessivos recuos, entre outras.” (Lucena, 2023, p.152). Para cada um desses casos, deve ser realizada uma análise de campo de ignorância específico, o que não é objeto do texto ora apresentado.

5. Considerações Finais

O fascismo foi um fenômeno visto nas sociedades italiana e alemã no período prévio à Segunda Guerra Mundial. As características econômicas, bem como os aspectos culturais do modo de vida que foram necessários à ascensão desta forma de comportamento político foram amplamente estudados e deram origem a teorias que pensaram sobre a volta deste comportamento. A partir da teoria de Umberto Eco, sobre o fascismo eterno, foi

possível analisar fatos ocorridos na sociedade brasileira relacionados a uma possível ascensão do neofascismo.

Para cada característica deste autor, foi possível analisar ao menos um fato que o exemplifica no Brasil no período préeleitoral de 2018 e durante o período em que Jair Bolsonaro exerceu a presidência. E, a partir de cada um dos exemplos, foi possível verificar a existência ou não de um campo de ignorância explorado pela extrema direita para promover a movimentação das massas necessária para a configuração do fascismo. Além disso, também foram analisados os sujeitos envolvidos nos triângulos da ignorância de cada campo, conforme a teoria de Machío sobre a produção social da ignorância.

Este trabalho buscou iniciar as discussões sobre a temática da agnotologia nesse contexto de ascensão do neofascismo no Brasil, tendo em vista que é importante entender a partir de quais ignorâncias ideais fascistas podem germinar com maior facilidade. O combate a esses campos de ignorância pode ser pensado a partir dessas informações, como forma de combater a escalada do neofascismo brasileiro.

Referências

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III.

JOJO RABBIT E A HEGEMONIA CULTURAL DA ALEMANHA NAZISTA SOB O OLHAR GRAMSCIANO1

Fernanda Mendonça de Oliveira

Carlos Lucena

1. Introdução

“Deixe tudo acontecer a você Beleza e terror Apenas persevere Nenhum sentimento é definitivo” (Rilke, 1929, p. 20).

Este capítulo disserta sobre a relação da teoria da hegemonia de Antonio Gramsci (Gruppi, 1991; Carmo, 2009) com o filme Jojo Rabbit (2019), dirigido por Taika Waititi. Com um olhar teórico, busca-se compreender a demonstração de tal conceito no filme e as consequências exercidas pelo domínio cultural sobre uma nação que, em um esforço para se fazer pertencer, é manipulada pela classe dominante.

A hegemonia cultural nazista, é mostrada no filme através da demonstração de doutrinamento de crianças que vivem a realidade da guerra, defendendo-a e enaltecendo o regime opressor

1 Capítulo apresentado como requisito parcial para a conclusão da disciplina “Seminários de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação III: neofascismo e educação”, ministrada pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Lucena no 1º semestre de 2024 no Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (PPGED/FACED/UFU).

nazista. O personagem principal do filme, Jojo, é produto de um meio hegemônico de poder dominante e opressor da propaganda nazista.

Ao longo do enredo do filme, há a transformação da criança ingênua e manipulada, por uma criança que aprende a discernir o que está envolto no processo de controle nazista. Essa mudança de comportamento traz a ideia de que hegemonia pode ser contestada quando indivíduos começam a quebrar os discursos ora dominantes.

Jojo Rabbit (2019), é uma produção cinematográfica estadunidense lançada em 8 de setembro de 2019, no 44º Festival Internacional de Cinema de Toronto. O filme foi dirigido, escrito e estrelado por Taika Waititi, cujo elenco é formado por Romam Griffin Davis, Thomasin McKenzie, Rebel Wilson, Stephen Merchant, Alfie Allen, Sam Rockwell, Scarlett Johansson, entre outros.

Tal película, foi eleita pelo National Board of Review e American Film Institute (Conselho Nacional de Críticas de Filmes e Instituto Americano de Filmes, em tradução literal) como uma das dez melhores produções do ano. Recebeu seis indicações ao Oscar 2020, entre eles o de melhor filme e de melhor atriz coadjuvante para Scarlett Johansson (Jojo Rabbit, 2019).

Interpretado por Roman Griffin Davis, Jojo Rabbit é uma criança de 10 anos de idade que, entusiasmada com os conselhos de seu amigo imaginário Adolf Hitler, interpretado por Taika Waititi, se alista no exército em meio a um fanatismo exagerado e único na tentativa de provar sua lealdade ao partido nazista. Então é enviado para o campo de treinamento, junto a seu também melhor amigo, Yorki, para serem treinados em relação aos trabalhos (Jojo Rabbit, 2019).

O enredo do filme se passa em uma pequena cidade alemã, onde o exército de Hitler domina e alista menores

condicionados a exaltar o nazismo. Eles são levados a campos de treinamento para servirem de reforços futuros, como potenciais integrantes da manutenção do exército na perpetuação da ideologia nazista. Conduzidos por uma propaganda elaborada e manipuladora, tais garotos são chamados a fazerem parte da hitherjugend (juventude hitlerista) (Jojo Rabbit, 2019).

Durante o tempo em que Jojo está em treinamento, ele é desafiado pelos oficiais a provar sua lealdade. Em sua mente condicionada à fidelidade, a criança é exposta e questionada diversas vezes a materializar e provar sua honestidade. Para isso, é desafiado a matar um coelho com as próprias mãos. Devido à crueldade pode ser cometida, recua e se torna motivo de chacota por parte dos colegas e treinadores e é apelidado como Jojo Rabbit, justamente por não ter conseguido aniquilar o coelho. Naquele momento, se mostrou fraco e incapaz de obedecer às ordens, algo considerado ineficiente para o partido (Jojo Rabbit, 2019).

A partir disso, a criança começa a ter momentos com o amigo imaginário e é incentivada a tentar provar sua fidelidade. Hitler cobra dedicação e esforço dele para conquistar o espaço junto ao exército alemão. Assim, em um momento de euforia, Jojo se encoraja devido a tais conselhos e volta ao acampamento. Quando encontra os companheiros de treinamento e em uma atitude de bravura e euforia, se apossa de um artefato bélico com as próprias mãos e atira a esmo, o que o fez se machucar gravemente; por conseguinte, é encaminhado para o hospital, onde passa por cirurgias para se recuperar dos ferimentos de guerra (Jojo Rabbit, 2019).

Mais uma vez desacreditado sobre a capacidade de luta armada, Jojo é encaminhado a um serviço de controle do governo para divulgar a propaganda nazista, com a distribuição e fixação

de cartazes por toda a cidade. Diante da turbulência de sentimentos, a criança descobre que a mãe esconde em sua casa uma órfã judia que vivia no sótão. Ainda fortemente influenciado pelo amigo imaginário, Jojo resiste à presença daquela garota (Jojo Rabbit, 2019).

Com o passar do tempo e a convivência mais próxima, se afeiçoa à garota pela qual anteriormente alimentava ódio. Na tentativa de entender o teor e as contradições da doutrina alemã, descobre que a mãe é uma ativista contrária ao regime. Rosie não apenas escondia uma menina judia, mas também panfletava contra os horrores cometidos pelo exército. Devido aos atos de resistência da figura materna, ela foi morta e seu corpo, exposto em praça pública. Quando descobre, Jojo fica enfurecido e chega em casa disposto a matar Elza, a garota judia, mas não consegue. Desconsolado e disposto a se vingar da morte de sua mãe, em meio a um turbilhão emocional, começa a perceber a cruel realidade nazista (Jojo Rabbit, 2019).

De modo sutil e irônico, o filme aborda a dominação nazista nos conflitos da Segunda Guerra Mundial (SGM), com destaque à forma coercitiva do partido em torno da “obrigatoriedade” para a criança alemã ser integrante do exército. Apesar de a produção apresentar momentos satíricos, ela conscientiza sobre os horrores nazistas impostos na SGM que, a partir de 1939, mostrava ao mundo a ideia de superioridade do povo alemão liderado por um fanatismo exacerbado de Adolf Hitler e seus aliados (Jojo Rabbit, 2019).

2. Sobre Antonio Gramsci

Antônio Gramsci foi filósofo, político, crítico literário e jornalista que exerceu influência no início do século XX e é tema

de frequentes debates na atualidade. Estudado de maneira frequente no meio acadêmico, possui obras de teor revolucionário e de resistência ao governo totalitário de Benito Mussolini na Itália. Nasceu em 22 de janeiro de 1891, na Sardenha (Itália), e morreu em 27 de abril de 1937, em Roma. Suas teorias abarcam os conceitos de hegemonia cultural que, em sua maioria, foram elaborados incansavelmente por ele na permanência na prisão, por ordem do governo fascista italiano (Gramsci, 1979; Gruppi, 1991; Coutinho, 1999; Monasta, 2010).

Gramsci se origina de uma família humilde na Ilha da Sardenha. Desde jovem, apresentava condição frágil de saúde, mas, apesar da vulnerabilidade física, se sobressaiu nos estudos na Universidade de Turim, onde se envolveu com o movimento socialista que despertou o pensamento político revolucionário. Suas maiores obras foram escritas no cárcere, em que abordava questões do cenário político italiano da época, ao desenvolver teorias sobre hegemonia, sociedade e educação. Em 1921, juntamente com Amadeo Bordiga, fundou o Partido Comunista Italiano que anteriormente havia rompido com o Partido Socialista Italiano, em que partia em direção ao acordo ideológico com a Terceira Internacional Comunista. Em 1926, foi preso pelo regime fascista de Benito Mussolini e, durante os 11 anos em que esteve na cadeia, o autor escreveu os “Cadernos do Cárcere” (Gramsci, 1979, 1999, 2001, 2007).

Mussolini, ditador italiano, foi um personagem histórico relevante no século XX. O ditador fascista italiano, popularmente conhecido por “Duce”, se envolveu desde jovem com a política (herança de seu pai). Depois de residir por 10 anos na Suíça para estudar e fugir da obrigatoriedade do alistamento militar italiano, Mussolini retorna para seu país natal em 1912. Influenciado por

seu pai na direção socialista, trabalha como editor do jornal “Avanti”.

Com o avanço da Primeira Grande Guerra Mundial, conflito armado que aconteceu entre os anos 1914 e 1918, em território europeu, a entrada da Itália no cenário bélico, fez Mussolini se afastar do movimento socialista fundado em 1919, os “Fasci Italiani di Combattimento” do Partido Nacional Fascista.

Em 1922, foi nomeado Primeiro Ministro pelo Rei Vítor Emanuel III.

Estabeleceu um governo ditatorial, promovendo um Estado Totalitário, fundando a ideia fascista de dominação e hegemonia brutal e devastadora na Itália na Segunda Grande Guerra Mundial.

Em meio às controvérsias políticas e ideológicas, Mussolini combateu as ideias revolucionárias de Gramsci, que significava uma real oposição às ideias disseminadas de Mussolini. Com o encarceramento de Gramsci, o “Duce” acreditava que combateria a oposição ideológica defendida por Gramsci, em que propunha a luta da classe trabalhadora e o combate ao totalitarismo fascista.

Benito Mussolini, via em Gramsci um real opositor ao seu governo totalitário, uma figura influenciadora capaz de unificar o combate às suas brutalidades hegemônicas.

Em seu período recluso nas prisões italianas, Gramsci escreve sua magistral obra, “Cadernos do Cárcere". Nesses importantes escritos, Gramsci elabora relevantes conceitos marxistas sobre hegemonia cultural, blocos históricos e intelectuais orgânicos (Gruppi, 1991; Coutinho, 1999; Monasta, 2010).

O conceito de hegemonia cultural é um dos aspectos mais influentes da obra gramsciana, por abordar o poder coercitivo da classe dominante no controle das ideias dominantes e na produção das ideias vigentes de um povo que, ao impor seu poder

cultural e social, defende os próprios interesses de modo unânime (Gruppi, 1991; Coutinho, 1999; Carmo, 2009; Monasta, 2010).

Analisa-se também a relevância dos intelectuais orgânicos, fortes atuantes na luta de classes que se originam do proletariado, ao articular aspirações sociais que desafiavam a hegemonia da classe burguesa dominante (Gramsci, 1999, 2001, 2007).

Sob o tripé do pensamento gramsciano – hegemonia cultural, intelectuais orgânicos e bloco histórico –, prepara-se o despertar de uma transformação social para a superação da hegemonia burguesa. Em seu legado, o autor deixou um valioso conhecimento teórico e crítico, que inspira e desafia quem objetiva a mudanças sociais para a transformação do mundo propriamente dita (Gruppi, 1991; Carmo, 2009; Monasta, 2010).

3. Considerações entre Gramsci e o filme Jojo Rabbit

Fundamentado na base marxista, Gramsci (1979) analisa a sociedade conforme o modelo de superestrutura na Itália, sobretudo para a transformação da luta operária. Nesse contexto, elaborou o conceito de hegemonia que literalmente significa dominação. Assim, a hegemonia cultural compreende uma complexa junção de ideias que simultaneamente moldam a dinâmica social, política, econômica, filosófica e cultural (Gruppi, 1991; Carmo, 2009; Monasta, 2010).

Tal constatação na compreensão de Gramsci (1999, p.253, 254), na organização das sociedades há uma lógica que as define:

§ 136. Organização das sociedades nacionais. Assinalei de outra feita que, numa determinada -sociedade, ninguém é desorganizado e sem partido, desde que se entendam organização e partido num sentido amplo, e não formal

[116]. Nesta multiplicidade de sociedades particulares, de caráter duplo - natural e contratual ou voluntário, uma ou mais prevalecem relativamente ou absolutamente, constituindo o aparelho hegemônico de um grupo social sobre o resto da população (ou sociedade civil), base do Estado compreendido estritamente como aparelho governamental-coercivo.Ocorre sempre que os indivíduos pertencem a mais de uma sociedade particular e muitas vezes a sociedades que estão essencialmente (objetivamente) em contraste entre si. Uma política totalitária tende precisamente: 1) a fazer com que os membros de um determinado partido encontrem neste único partido todas as satisfações que antes encontravam numa multiplicidade de organizações, isto é, a romper todos os fios que ligam estes membros a organismos culturais estranhos; 2) a destruir todas as outras organizações ou a incorporá-las num sistema cujo único regulador seja o partido. Isto ocorre: 1) quando um determinado partido é portador de uma nova cultura e se verifica :uma fase progressista; 2) quando um determinado partido quer impedir que uma outra força, portadora de uma nova cultura, torne-se "totalitária"; verifica-se então uma fase objetivamente regressiva e reacionária, mesmo que a reação não se confesse como tal (como sempre sucede) e procure aparecer como portadora de uma nova cultura.

Diante das perspectivas sobre hegemonia, analisa-se como o aparato ideológico instável, com dinâmica não estática, é modificado em consonância à desconfiguração das forças propulsoras para, novamente, moldar as novas ideias de hegemonia. Sendo assim, a hegemonia cultural é feita de acordo com os interesses das classes dominantes em detrimento de outras menos

favorecidas na sociedade (Gruppi, 1991; Carmo, 2009; Monasta, 2010).

Nesse ínterim, a trajetória do pensador italiano vai ao encontro do enredo do filme Jojo Rabbit (2019). Jojo é o resultado de uma disseminação cultural voltada à dominação nazista, que atendia aos anseios do poder de ação hitleriana sem questionar as barbaridades e atrocidades. Em suas teorias, Gramsci desenvolve conceitos sobre hegemonia, sociedade e educação para esclarecer que as classes detentoras do poder mantêm a ordem dominante estabelecida por intermédio de lideranças para se tornarem normais e aceitas voluntária ou involuntariamente pela população subjugada. Essa coerção não apenas acontece de forma violenta, por também ser sutil e nebulosa na interpretação dos dominados (Gramsci, 1979, 1999, 2001, 2007; Gruppi, 1991; Carmo, 2009; Monasta, 2010).

O presente capítulo versa sobre a hegemonia cultural descrita por Gramsci (1979, 1999, 2001, 2007) e sua aplicação no filme analisado (Jojo Rabbit, 2019). Nessa produção cinematográfica, há a vontade do protagonista em se fazer pertencer e ser reconhecido pela honestidade e fidelidade à dominação nazista imposta. Então, a criança se torna o reflexo de uma sociedade conduzida e manipulada pela propaganda de manutenção de uma hegemonia enraizada no inconsciente coletivo, ao promover a disseminação do ódio sobre as minorias sociais representadas, sobretudo, pelo povo judeu.

Com o esforço para ser reconhecido e incluído na sociedade, Jojo se torna uma criança ingênua e passível de manipulação pelo amigo imaginário. A necessidade de inclusão/pertencimento para atender ao modelo vigente de hegemonia o leva a evitar questionamentos acerca da realidade vivida; por conseguinte, a questão da hegemonia acontece pedagógica e

educacionalmente, dado que força dominante detém o poder não somente com a força física, mas também com a identificação cultural e ideológica de um povo ou nação. Essa moldura de dominação coercitiva coaduna às imposições das classes sociais mantenedoras dos poderes econômico, político e social (Said, 2006).

Sob a perspectiva gramsciana, o debate demonstra como as classes dominantes perpetuam o poder por meio da política, coerção e consenso das populações, além da manipulação das massas advindas da cultura de um povo. Nesse contexto, a hegemonia cultural pode ser observada em um povo ou imposta por grupos sobre outros povos, em que:

O segundo aspecto diz respeito ao esforço de compreender a natureza da ordem social como hegemonia cultural, isto é, como sistema de poder baseado não só na coerção como também no consentimento voluntário das classes dominadas e subalternas. Tal compreensão possibilitou apontar algumas questões de natureza social e possibilidades de transformação. Se os indivíduos possuem crenças que reforçam a própria natureza social que os oprime, então essas não desaparecerão de forma automática quando surgirem as condições objetivas para a transformação revolucionária (Carmo, 2009, p. 2).

De fato, o teor de hegemonia é representado por fatores culturais e educacionais, algo igualmente evidenciado no filme, uma vez que os líderes nazistas recrutam os jovens alemães para os educar e os preparar à perpetuação da ideologia dominante/nazista, com foco na disseminação da superioridade da raça ariana em detrimento a outras minorias (Carmo, 2009; Jojo Rabbit, 2019). Para a perpetuação do poder e da hegemonia, os nazistas

demonizam as minorias sociais, o que persiste atualmente, pois, de acordo com Lucena (2023, p. 6):

A eleição de inimigos manifestos pelos judeus, ciganos, maçons, comunistas e homossexuais foi utilizada como estratégia de cooptação de milhares de seres humanos unidos em torno da superioridade da raça ariana perante as demais. O princípio da guerra e da honra, inerente à história do povo alemão, foi usado para ascender o nazifascismo alemão em conquistas militares e econômicas que dessem à Alemanha novos mercados e acesso às matérias-primas.

Com o empobrecimento da população alemã em consequência dos pós PGM, essa mesma população galopa em direção a um líder extremamente carismático, digno de discursos enaltecedores da hegemonia alemã, em oposição aos grupos minoritários da sociedade (negros, judeus, ciganos entre outros) como os verdadeiros opositores à unidade nacional, revelando-se um ódio avassalador perante esses grupos minoritários.

No cooptação da aceitação pela população de sua “superioridade da raça ariana” em relação às demais, foi se promovendo um verdadeiro frenesi hegemônico nazista para se buscar o domínio de outras raças.

A cada passo da ascensão nazista, há a consolidação dos ideais nazistas com grande preocupação em se alcançar o verdadeiro valor cultural e ideológico de um povo com a “criação de inimigos em comum”.

Hegemonia, em seu significado etimológico, deriva do grego egemonia, definido como “direção suprema”. Por isso, o termo foi utilizado para indicar a supremacia de um sobre o outro,

especificamente de um Estado soberano sobre os demais Estados (Gruppi, 1991; Jojo Rabbit, 2019).

A predominância consentida por alguns grupos sobre outros acontece de forma invisível e coercitiva, em que prevalece uma classe (ou segmentos da sociedade) sobre outra, o que resulta na imposição de ideias sobre a parcela da população dominada. Esse aparato de dominação aparece nas esferas econômicas, sociais, políticas e culturais.

Reitera-se que, para Gramsci (2001), a dominação acontece não apenas de forma política, mas também como influência cultural de uma população a outra:

A supremacia de um grupo social se manifesta de duas maneiras, como “domínio” e como “direção intelectual e moral”. Um grupo social é dominante sobre os grupos adversários que tende a “liquidar” ou a submeter mesmo com a força armada, e é dirigente dos grupos afins e aliados. Um grupo social pode e mesmo deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das condições principais da própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder, se torna dominante, mas deve continuar a ser também “dirigente”.

Ainda nas palavras de Gramsci (1999, p.320):

A realização de um aparelho hegemônico, enquanto cria um terreno ideológico, determina uma reforma das consciências e dos métodos de conhecimento, é um fato de conhecimento, um fato filosófico. Em linguagem crociana: quando se consegue introduzir uma nova moral conforme a uma nova concepção do mundo, termina-se por

introduzir também esta concepção, isto é, determina-se uma completa reforma filosófica.

Nesse prisma, Gramsci (1999) adverte que as estruturas de poder vigentes na sociedade, com governos, ideologias dominantes ou até uma classe hegemônica forte, criam e repercutem os próprios valores ao modificarem o modo como as pessoas se comportam socialmente no mundo, o que influencia o cerceamento dos métodos de dominação, modifica a própria cultura e molda novas estruturas de acordo com os interesses de classe, e isso também ocorre sob a percepção filosófica.

Quando determinada estrutura socialmente dominante, com os próprios conceitos e atitudes, impõe o pensamento hegemônico, acontecem mudanças repletas de significados na educação e cultura. Se teorias e atitudes são impostas não apenas por meio de lutas armadas, mas também – e principalmente – nos discursos de imposição do terror ou do ódio de determinado Estado ou da própria autoridade influenciadora e manipuladora, há a dominação de uma classe sobre outra. Nesse caso, a manipulação capitalista acontece nas conjunturas econômica, cultural e ideológica (Gramsci, 1999).

Quando a hegemonia cultural acontece de forma eficaz, as ideias da classe dominante se sobressaem e se fortalece uma classe em relação à outra para moldar e se tornar um senso comum. Com esse grupo majoritário no cerne do poder, cujo aparato estrutural (hegemônico) se condiciona à criação de novas ideias e valores conceituais, há transformações plurais nos hábitos e comportamentos de determinado segmento, seja na nação, em um grupo político ou em fragmentados grupos de pertencimento social. Dessa maneira, modifica-se gradativamente a forma de pensar no tocante às pessoas envolvidas no processo,

sobretudo o próprio mundo e os modos de pensamento (Gramsci, 1999).

O fenômeno de acentuadas e acirradas mudanças na esfera da hegemonia dominante transforma significativamente a população refém dos parâmetros desejados por outra parcela da sociedade, em detrimento de uma camada comandada por outros indivíduos. Com a imposição desse grupo, ocorrem alterações na forma de pensar das pessoas e de seus métodos em detrimento a outros vieses sociais (Gramsci, 1999).

Essa complexa junção de ideias simultaneamente molda uma dinâmica social, política, econômica, filosófica e cultural. Diante das perspectivas variadas do conceito de hegemonia, analisa-se como um aparato ideológico não estável e suscetível a uma dinâmica não estática que se adequa e se modifica conforme as reconfigurações das forças propulsoras sociais, políticas, culturais e econômicas (Gramsci, 1999).

Diante desse efeito cíclico da hegemonia cultural, as organizações civil e política são fatores preponderantes para o desenvolvimento de um povo. A sociedade civil compreende ações não governamentais e não faz parte do aparato estatal, mas definitivamente influencia as pessoas, sobretudo na opinião pública, na formação das ideias condicionantes de cada parcela social. No contexto político, as instituições estatais desempenham o papel das governanças como os sistemas judiciário, político e governamentais. Ambas as esferas exercem influências mútuas no processo de formação da hegemonia cultural, em que um condiciona o outro, a exemplo dos movimentos de fator social que pressionam os governos ou partidos políticos a se organizarem em prol da sociedade. Consequentemente, pode-se favorecer uma luta necessária ao bem-estar da população (Gramsci, 1999).

Igualmente, o governo político pode alterar as estruturas da sociedade civil ou vice-versa, com uma influência recíproca, ao representar as ideias dominantes manifestadas pela conexão entre as sociedades civil e política. Nesse caso, a hegemonia cultural se sustenta pela política e prática de governos, que repercutem o consenso de dado momento histórico. Sob a nuance da hegemonia cultural, torna-se fundamental pensar que as dinâmicas de poder se sustentam em uma sociedade onde as ideias e os valores dominantes são produzidos e reproduzidos, não apenas por processos formais de poder, como também pelos aparatos sociais que conduzem a vida dos indivíduos (Gramsci, 2001).

Compreender a hegemonia cultural é substancial para verificar as dinâmicas comportamentais da população, ao revelar as ideias e os valores produzidos e estabelecidos nas instituições formais e em favor das práticas cotidianas e discursos sociais. Assim, consegue-se explicar a forma e o poder são mantenedores e passíveis de transformação (Gramsci, 2001).

4. Resistência à hegemonia imposta

No enredo do filme Jojo Rabbit (2019) há a construção de uma personagem que luta contra a hegemonia imposta pelos grupos nazistas.

A figura da mãe de Jojo, interpretada por Scarlett Johansson, mostra como sendo uma jovem senhora que sendo vitimizada pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, luta para que sua família não seja completamente dizimada pelos horrores da guerra. Seu marido foi mandado para a luta armada e sua filha mais velha foi vítima de uma gripe que a fez perder sua vida.

Sempre com um olhar otimista e encorajador, luta ardentemente para que seu filho Jojo entenda quais são as verdadeiras atrocidades cometidas pelo partido. Essa mulher é sinônimo de coragem e resistência ao conflito que vive sistematicamente, dia a dia.

Convencida de que deve lutar contra a hegemonia nazista, Rosie abriga em sua casa uma jovem judia, demonstrando um extraordinário ato de amor à humanidade e compaixão pelo próximo. Ela se torna um símbolo de resistência, que luta a favor da dignidade de todas as pessoas, independente da religião, classe social ou etnia, indo por um caminho oposto ao discurso de superioridade da raça alemã. Acolher Elsa Korr, interpretada por Thomasin Mckenzie, significa neste momento um ato de bravura frente aos horrores nazistas, lutando contra todo o ódio imposto àquela sociedade.

Entendendo que vidas estão em perigo, arrisca sua própria vida em prol de uma jovem que em meio ao caos que vive, por ser de origem de uma família judaica, luta contra as perseguições e possíveis execuções perpetradas pelo regime nazista. Rosie não se intimida e arrisca sua própria vida para salvar Elsa, com demonstrações de coragem e altruísmo.

Para Rosie, abrigar Elsa, envolve um complexo estado revolucionário libertador, que involuntariamente leva a crer que poderá também libertar seu filho Jojo das amarras da propaganda nazista que seu filho é vítima, para que a criança veja e sinta a verdade das atrocidades bárbaras nazistas, fazendo-o confrontar e questionar sobre sua fidelidade nazista.

Tais aspectos são verificados no desenrolar do filme de Taika Waititi, dado que o enredo relaciona a hegemonia e a resistência contra a dominação nazista (Jojo Rabbit, 2019). Para Gramsci (1999, 2001, 2007), a hegemonia ocorre por ações

coercitivas e de modo involuntária, cultural e dinâmica de uma sociedade civil, em que o filósofo italiano não trata especificamente do termo “contra hegemonia” em seus escritos, mas o conceito está encoberto nos “Cadernos do Cárcere”, quando discute sobre hegemonia, intelectuais orgânicos e a luta pela transformação social que alteram padrões de comportamentos que regulam as relações entre os indivíduos.

5. Considerações finais

Com um olhar teórico, este texto buscou compreender como o conceito de hegemonia de Gramsci (1999, 2001, 2007) é demonstrado no filme Jojo Rabbit (2019) e as consequências de um domínio cultural exercido sobre determinado povo que, no esforço para se fazer pertencer, é manipulado pela classe dominante.

No pensamento de Gramsci, a hegemonia de um grupo social sobre outro acontece quando para um grupo ou classe social permanecer em sua condição hegemônica ele se faz não apenas como dominador, mas também na forma de educar e formar seus conceitos conduzidos a um consenso com seus grupos sociais, em que promove e conduz sua forma de pensar como sendo unânime a todos, desenvolvendo um caráter manipulador para a detenção de seu poder hegemônico. Por isso, a classe dominante dita suas regras não apenas pela força bruta, mas por seus moldes ideológicos de formação de determinada sociedade. Educação, cultura, ideologia são fatores que condicionam a perpetuação de tais ideias sobre os outros e, quando Jojo começa a perceber que a queda das “máscaras da crueldade nazista”, ele percebe o teor da

manipulação condicionada a ele e ao povo alemão (Jojo Rabbit, 2019).

Tal constatação na compreensão de Gramsci na organização das sociedades há uma lógica que as define. O filósofo sardo elabora um complexo estudo sobre a hegemonia cultural e que de encontro com o filme Jojo Rabbit (2019), perpassa densamente como a ideologia que dominava o mundo nas primeiras décadas do século XX, molda a percepção de mundo e o comportamento das massas no terror implantado pelo rigor nazista.

Quando no filme abrange a ingenuidade pueril que foi lesionada pela propaganda audaciosa de Hitler, mostra como a força de uma hegemonia influencia a consciência coletiva de um povo que faz com que mostre as disseminadas forças do poder hegemônico no controle de uma sociedade fragilizada e fragmentada em seus interesses.

Nessa relação de hegemonia e disseminação cultural nazista, o filme traz a revelação das brechas da hegemonia, mostrando que através da resistência individual pode-se desafiar e subverter as forças dominantes. Na obra cinematográfica, há a exposição da propaganda implantada pela Alemanha nazista, mas também a demonstração de uma luta resistente aos abusos sofridos por uma população que busca a possibilidade de se mostrar contrária as imposições sofridas, mesmo em situação de opressão do regime.

No contexto elencado, a clareza do desenvolvimento analítico do que é hegemonia em relação à película norteamericana, evidencia-se como as ideias de Gramsci, constrói como a disseminação de uma hegemonia propagandística sobre a população jovem alemã.

Para Gramsci, a hegemonia não se sustenta apenas com o uso da força física, mas sobretudo através das escolas culturais, em que a classe dominante impõe suas ideias como sendo as condutas normais e ou até mesmo naturais.

No desenrolar do filme, apresenta-se um garoto de 10 anos de idade que tem uma visão do mundo real voltada totalmente a favor do regime dominante. Essa criança é moldada a acreditar nas “verdades” impostas pelo governo, de que a superioridade da raça ariana sobre os demais, em especial atenção ao povo judeu.

Esse sentimento introjetado em Jojo, reflete o pensamento gramsciano em que o autor descreve como a tenacidade da classe dominante em controlar não apenas as instituições políticas, mas também os corações e os pensamentos da população.

Porém, no desenvolvimento da trama cinematográfica, começa o questionamento das crenças deflagradas pela propaganda nazista. A figura da jovem judia Elsa, serve como um catalisador para o início do questionamento de Jojo frente às atrocidades nazistas, desafiando as autoridades quanto à presença da menina em sua casa.

O processo de desconstrução das ideias de Jojo, é o que Gramsci chama de “crise de hegemonia” em que as experiências vividas pelo jovem Jojo começam a se confrontar com o que até então era implantado em seu subconsciente, mostrando que todo o poder hegemônico pode não parecer, mas é passível de ser quebrado e fragmentado dentro do próprio sistema totalitário.

A possibilidade de implantação de uma resistência, avalia as verdades impostas, sugerindo uma desconstrução ideológica do que tanto foi imposto. Em suma, o filme aborda a capacidade do ser humano de buscar uma luz esclarecedora, mesmo que em momentos mais sombrios e íngremes, o homem pode

ressignificar seus pensamentos, desafiando e superando as amarras que controlam a consciência.

Destarte, ao estar envolto em uma jornada repleta de percepções e decepções, Jojo se encoraja a entender as consequências da ideologia nazista e seus desdobramentos para todas as nações, com a respectiva desconstrução das mentiras e da arrogância da propaganda de governo interiorizada por ele. Esse processo de transformação do personagem principal, de fervoroso defensor do nazismo a um processo de gradual entendimento da realidade propagada, demonstra a percepção preconizada por Gramsci (1979, 1999, 2001, 2007) em suas obras e em outros autores que abordam o pensamento dele (Gruppi, 1991; Coutinho, 1999; Said, 2006; Carmo, 2009; Monasta, 2010).

Referências

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COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: introdução ao estudo da filosofia – a filosofia de Benedetto Croce. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. v. 1.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: os intelectuais, o princípio educativo, jornalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. v. 2.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: Maquiavel e notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. 3.

GRAMSCI, Antonio. Sobre el fascismo. Ciudad de México: Era, 1979.

GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal,1991.

JOJO Rabbit. Direção: Taika Waititi. Produção: Carthew Neal, Taika Waititi e Chelsea Winstanley. Estados Unidos: Fox Searchlight Pictures, 2019. 1 DVD (108 min.).

LUCENA, Carlos. Novo nazifascismo. 2023. Relatório final de pesquisa pós-doutoral. Unicamp, Faculdade de Educação, Campinas, SP, 2023. Disponível em: http://portaltrabalho.wordpress.com/wpcontent/uploads/2024/03/relatório-final-2.pdf . Acesso em: 28 jul. 2024.

MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Tradução de Paolo Nosella. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2010.

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução de Erlon José Paschoal. Rio de Janeiro: Antofágica, 2024.

SAID, Ana Maria. A estratégia e o conceito de democracia em Gramsci e o PCB. 2006. 179f. Tese (Doutorado em Educação) –Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/368508. Acesso em: 27 jul. 2024.

SILVA, Daniel Neves. “Benito Mussolini”, Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/ biografia/benito-mussolini.htm. Acesso em 05 de agosto de 2024.

PARTE II

O novo nazifascismo e a precarização do trabalho

IV.

NEOFASCISMO E INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

1

Julliany Machado Matos

Fabiane Santana Previtali

1. Introdução

O objetivo deste capítulo é tecer algumas considerações sobre os impactos das inovações tecnológicas no trabalho docente num contexto de novo nazifascismo, destacando como essas tecnologias, quando usadas de forma acrítica, podem contribuir para a desumanização e o controle do trabalho docente, minando a autonomia do professor/a e contribuindo para uma educação de qualidade formal apenas, isto é, com foco no alcance de métricas de desempenho sem que haja o compromisso com a formação integral do/a estudante na educação básica.

Para isso, é feita uma contextualização dentro do conceito do Ur-fascismo, conforme delineado por Eco (2016), discutindo sua relevância contemporânea, especialmente dentro dos governos de Jair Bolsonaro (2019-2022) no Brasil e Donald Trump (2017-2020) nos Estados Unidos. O advento do neofascismo ocorre de vir à tona especialmente devido às crises cíclicas do capitalismo e suas consequências políticas e sociais, conforme

1 O capítulo é fruto dos estudos e pesquisas realizados na disciplina do Professor Doutor Carlos Alberto Lucena, Seminários de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e EducaçãoNeofascismo e Educação, no primeiro semestre de 2024, no Mestrado em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, na qual foram estudados a emergência e o desenvolvimento do novo nazifascismo, com a Orientação da Professora Doutora Fabiane Santana Previtali.

explica Lucena (2023, p. 1), “a emergência de sucessivas crises econômicas com severos desdobramentos políticos e sociais impactam o jeito de viver de milhões de seres humanos”.

O estudo visa alertar para a necessidade de uma abordagem crítica e humanizada na integração das tecnologias educacionais, a fim de preservar os valores democráticos e a liberdade, tendo em vista que a vilã não é a ferramenta tecnológica em si, mas sim o uso impensado que se faz dela, ou até mesmo pensado em favor de determinados interesses de classe, trazendo prejuízos para a sociedade como um todo.

A análise é feita a partir do referencial teórico do materialismo histórico-dialético e dialoga com autores como Carlos Lucena, Umberto Eco, Karl Marx, Ricardo Antunes, Fabiane Previtali e Ana Paula Sousa, entre outros, que vão partir da análise das crises cíclicas do capitalismo e suas consequências políticas educacionais. Os resultados parciais da pesquisa indicam que a integração acrítica das tecnologias educacionais pode reforçar tendências autoritárias, comprometendo a qualidade do ensino e a autonomia docente.

Como as características do fascismo se manifestam nos contextos contemporâneos dos governos de Jair Bolsonaro (2019-2022) e Donald Trump (2017-2020) e quais são os impactos das inovações tecnológicas no trabalho docente, relacionando essas práticas com a lógica do novo nazifascismo? A presença de traços fascistas nos referidos governos é abordada, explorandose como a adoção acrítica de tecnologias educacionais pode promover a desumanização e o controle do trabalho, refletindo e reforçando a lógica autoritária e antidemocrática do novo nazifascismo.

Lucena (2023) inicia seu Relatório de Pós-doutorado explicando as crises cíclicas do capital, baseando-se nas teorias

marxistas que demonstram como o capitalismo, ao aumentar a produção e buscar a maximização dos lucros, cria desequilíbrios que resultam em crises econômicas. Essas crises, conforme argumenta Marx (2022), são intrínsecas ao modo de produção capitalista, levando à superprodução de mercadorias e à queda das taxas de lucro.

O relatório de Lucena (2023) detalha os preâmbulos da Primeira Guerra Mundial e como as condições de humilhação impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes após a guerra foram fundamentais para o surgimento do nazifascismo. Lucena destaca que a reação alemã às sanções humilhantes do tratado e à crise econômica subsequente fomentaram o nacionalismo extremo e a busca por um líder autoritário que prometesse restaurar a glória perdida da Alemanha. Essa seção também discute o papel da cultura alemã (Kultur)2 e como ela influenciou a aceitação do nazifascismo entre a população.

Lucena (2023) avança para a análise do novo nazifascismo, identificando como crises econômicas contemporâneas, como a crise imobiliária de 2008 e a crise da zona do euro em 2010, criaram um terreno fértil para o ressurgimento de ideias totalitárias:

O Novo Nazifascismo emerge como resultado dos desdobramentos econômicos, políticos e sociais resultantes das crises cíclicas do modo de produção capitalista. Não queremos aqui estabelecer relações anacrônicas entre o Novo Nazifascismo e o Nazifascismo alemão. Contudo, o que percebemos é que os mesmos fundamentos, inerentes às décadas de 30 e 40 do século XX na Alemanha, se

2 O kultur alemão é explicado por Elias (1994) e também pelo texto online de Namuholopa (2017) e é fundamental para o entendimento do surgimento do novo e do clássico nazifascismo.

apresentam no período em que aqui estudamos (Lucena, 2023, p. 122).

O relatório menciona figuras-chave, como Steve Bannon, que desempenharam papéis significativos na propagação do novo nazifascismo. As semelhanças entre os contextos históricos do nazifascismo original e as condições atuais são destacadas, mostrando a relevância contínua dessas ideologias em tempos de crise:

Para Bannon, toda a cultura ocidental está em uma crise sem precedentes manifesta no modo de produção, na fé e na religião, acompanhado pela crise dos princípios judaicos cristãos que fundamentam toda a civilização. Estes princípios se centram nos pressupostos do tradicionalismo, sendo uma das características principais do Novo Nazifascismo. O que se busca é uma volta a valores do passado que neguem o iluminismo e o liberalismo do século XIX (Lucena, 2023, p. 141).

A última parte do relatório discute a ascensão de teorias da conspiração, como o terraplanismo, e seu impacto na educação:

O terraplanismo não possui nenhuma comprovação científica sustentada em universo repetitivo de afirmações sobre sua veracidade potencializado pelas redes sociais. Nesse sentido, a negação científica de seus pressupostos coloca a ciência e seus resultados em um universo conspirativo sem qualquer embasamento (Lucena, 2023, p. 176).

Lucena (2023) critica a falta de cientificidade dessas teorias e como elas são usadas para minar a liberdade acadêmica e promover pedagogias autoritárias. O objetivo do autor ao tratar sobre o terraplanismo é demonstrar que a estratégia política utilizada se baseia em desmerecer qualquer pessoa que sustente pontos de vista diferentes. Utiliza-se de uma linguagem cheia de símbolos e apelos emocionais, tornando-se o porta-voz dos menos informados. O ódio se transforma em um objetivo por si só, tanto para aqueles que o propagam quanto para os que se opõem a ele. O autor conclui que o crescimento do novo nazifascismo está intimamente ligado às crises econômicas cíclicas do capitalismo. Ele argumenta que essas crises não apenas agravam os conflitos sociais, mas também facilitam a adoção de ideologias totalitárias que prometem soluções simples para problemas complexos. O relatório alerta para a necessidade de vigilância constante e resistência contra essas ideologias, promovendo a democracia e a liberdade.

Ressalta-se que o fascismo foi uma experiência que ocorreu em um contexto histórico específico e que não se repete da mesma forma atualmente, como acontece com outros fenômenos históricos. No entanto, é importante destacar que suas ideias continuam a ganhar força, adaptando-se e encontrando novas expressões na conjuntura mundial contemporânea, incorporando tendências, limites e possibilidades atuais (Guimarães e Pereira, 2020). Além disso, o capítulo presente não se coloca com a intenção de esgotar o tema, muito pelo contrário, inicia o tema com breves considerações e alerta sobre a necessidade de criticidade sobre o assunto.

De acordo com Eco (2002), o fascismo é uma ideologia política e social que exalta a ideia de uma nação homogênea, frequentemente liderada por um líder carismático e autoritário. É

caracterizado pelo culto da tradição, a recusa à modernidade, o irracionalismo, a glorificação da ação pela ação, a aversão e exclusão do que se mostra diferente, o elitismo popular e o nacionalismo extremo. Embora historicamente associado ao regime de Mussolini na Itália, Eco (2002) diz que o fascismo não possui uma filosofia monolítica, mas sim se trata de uma colagem de diversas ideologias políticas e filosóficas. Ele faz uma provocação: “É possível conceber um movimento totalitário que consiga juntar monarquia e revolução, exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado (Eco, 2002, p. 5)?”

O autor caracteriza essa ideologia política em diversos aspectos interconectados. O culto da tradição enfatiza uma suposta sabedoria ancestral, rejeitando o progresso e a modernidade. Paradoxalmente, apesar de utilizar tecnologias modernas, o fascismo condena o racionalismo e os valores da Revolução Francesa, configurando-se na recusa da modernidade (Eco, 2002).

Além disso, o fascismo promove o irracionalismo ao exaltar a ação pela ação, desconsiderando a reflexão crítica e intelectual. A rejeição das críticas é um aspecto central, pois qualquer forma de discordância é rapidamente suprimida, sendo incompatível com a necessidade de uniformidade e conformidade ideológica exigida pelo fascismo. Outro traço marcante é o medo da diferença, que rejeita a diversidade e utiliza o medo do diferente para unir seus seguidores contra os "intrusos" ou grupos externos, exacerbando a visão homogênea e exclusivista da sociedade (Eco, 2002).

O apelo à frustração da classe média é uma estratégia eficaz, pois apela às classes médias que se sentem desvalorizadas

por crises econômicas ou humilhações políticas e ameaçadas pela ascensão de grupos sociais subalternos. No contexto contemporâneo, onde os antigos proletários se transformam em pequena burguesia, o fascismo encontra um público receptivo nessa nova maioria. Essas classes médias frustradas veem no fascismo uma solução para restaurar seu status e segurança, tornando-se um terreno fértil para o crescimento de ideologias autoritárias (Eco, 2002).

O fascismo fomenta um nacionalismo exacerbado e a ideia de uma conspiração contra a nação, oferecendo às pessoas privadas de identidade social o privilégio de sua nacionalidade. Para manter seus seguidores em estado de sítio e medo constante, apela à xenofobia e identifica inimigos internos e externos. A dualidade do inimigo manipula a percepção de seus seguidores, fazendo-os sentir humilhados pela riqueza e força ostensiva do inimigo, enquanto simultaneamente convencendo-os de que podem derrotá-lo. Essa dualidade cria um deslocamento retórico constante, onde os inimigos são apresentados como fortes demais para instilar medo, mas também fracos o suficiente para serem derrotados, mantendo a moral combativa alta (Eco, 2002).

A vida para a luta é outro conceito fundamental, onde a existência é vista como uma guerra constante, pensamento adquirido com os povos germânicos. O pacifismo é visto como traição, pois contraria a necessidade de confronto permanente, criando o "Complexo de Armagedon", uma crença em uma batalha final necessária para derrotar os inimigos e instaurar uma era de paz. No entanto, essa utopia final entra em contradição com o princípio fascista de guerra contínua, já que alcançar uma paz definitiva anula a justificativa para o estado de luta constante (Eco, 2002).

O elitismo popular é um paradoxo dentro do fascismo, onde todos os cidadãos são considerados parte do melhor povo do mundo, mas dentro de uma hierarquia estrita. Os membros do partido são vistos como os melhores cidadãos, e todos são encorajados a se tornarem membros. Este elitismo implica desprezo pelos subordinados, com o poder do líder baseado na fraqueza das massas, vistas como necessitando de um dominador forte (Eco, 2002).

O culto ao heroísmo é intimamente ligado ao culto da morte, glorificando o sacrifício como a melhor recompensa para uma vida heroica. O herói fascista não apenas aceita a morte, mas busca-a ativamente, acreditando que ela lhe confere honra suprema. Esta mentalidade pode levar à glorificação da violência e ao sacrifício de vidas, tanto do próprio herói quanto de outros, em nome da causa fascista (Eco, 2002).

O machismo fascista manifesta-se no desprezo pelas mulheres e na intolerância a sexualidades não-conformistas.

Incapaz de lidar com a complexidade do sexo, o herói fascista transfere seu poder para as armas, símbolos de sua constante inveja fálica, reforçando a agressividade e a violência típicas da ideologia fascista (Eco, 2002).

O populismo qualitativo transforma o povo em uma entidade única expressando a "vontade comum", que o líder interpreta, negando a necessidade de representação democrática. Isso transforma o povo em uma ficção, com a resposta emocional de um grupo pequeno sendo tomada como a "voz do povo", opondose à legitimidade dos governos parlamentares e promovendo a autoridade centralizada do líder (Eco, 2002).

Por fim, o vocabulário pobre proposital, inspirado na "novilíngua" de Orwell, é utilizado para limitar o pensamento crítico e complexo. Essa linguagem simplificada é usada em textos

e discursos para manipular e controlar a população, dificultando a reflexão crítica e promovendo a conformidade (Eco, 2002).

O fascismo tende a surgir em contextos de crise econômica, social e política. Historicamente, desenvolveu-se na Itália pós-Primeira Guerra Mundial e na Alemanha durante a crise econômica e política da República de Weimar. Pode florescer em qualquer sociedade que enfrenta instabilidade, medo e descontentamento com o status quo (Eco, 2002).

Tal ideologia alimenta-se da frustração e do desespero das classes médias e baixas, que se sentem ameaçadas por crises econômicas ou humilhações políticas. Busca apoio entre aqueles que percebem uma perda de identidade e status social, se aproveitando de períodos de instabilidade ao oferecer uma retórica de unidade nacional e soluções simples para problemas complexos (Eco, 2002).

Pode-se pensar que esse texto de Umberto Eco foi escrito atualmente, mas ele faleceu em 2016, e as características parecem “mais perto do que perto” nos governos recentes pelo mundo, não é mesmo? Não é coincidência. Para tanto, este artigo se faz justificado pois a capacidade de ideias fascistas de adaptarse e manifestar-se de várias formas torna necessária a vigilância constante para prevenir seu ressurgimento e proteger os valores democráticos e a liberdade. O passado é nos dias de hoje mais presente do que nunca, demonstrando que a história não é fluida ou líquida, como têm sustentado muitos escritores contemporâneos e sua repetição se explica devido à característica cíclica do capitalismo, que se renova através de crises a cada contradição instaurada em seu seio.

Lucena (2023) explica o funcionamento do capitalismo, baseando-se nas obras de Marx, através da interação entre capital financeiro e produtivo. O capital financeiro, representado pelos

bancos, empresta dinheiro para as empresas investirem na produção, aumentando a exploração da mais-valia e permitindo a devolução dos empréstimos com juros, alimentando tanto a acumulação produtiva quanto a bancária. Quando ocorre uma crise de liquidez, como a de 2008, todo o metabolismo reprodutivo do capital é afetado, impactando economias globalmente devido à centralidade dos Estados Unidos no mercado financeiro.

Lucena (2023) destaca que essa dinâmica cria um capital fictício, conforme ele cita Silva (2009), quando o capital que gera juros começa a atuar por meio de especulação e acumulação futura, desconectado de sua base material real, como ocorre com os títulos públicos, surge o capital fictício. Este tipo de capital se caracteriza pela natureza ilusória dos rendimentos, que aparentam vir do capital gerador de juros, mas na verdade não têm uma base concreta, e é descolado de sua base real, ao operar com especulação e acumulação futura. Lucena (2023) também acrescenta que, após a crise de 2008, originada nesse problema do capital fictício, os EUA buscaram manter sua hegemonia global através de estratégias políticas e econômicas, protegendo suas empresas e pressionando diplomaticamente outras nações, como sempre ocorre nesses momentos em que o capital exige dos centros mundiais do poder uma tomada de atitude que restaure o equilíbrio do capitalismo, colocando em uma situação econômica pior os países periféricos, que pagam a conta da crise.

A estabilidade econômica na periferia é essencial para a estabilidade dos países centrais, e crises em uma região podem desencadear problemas em outras, refletindo a interdependência do capitalismo global. Em essência, essa parte do texto do Lucena (2023) ilustra como a interação entre capital financeiro e produtivo e a gestão estratégica das crises são fundamentais para a manutenção da hegemonia capitalista.

O fascismo costuma crescer porque oferece respostas fáceis e aparentemente fortes para crises sociais e econômicas. Ele explora o medo e a insegurança das pessoas, prometendo um retorno a uma suposta grandeza passada. O fascismo cria inimigos internos e externos para unir a população contra um inimigo comum, utilizando a propaganda e a manipulação das emoções para consolidar o poder (Eco, 2002).

2. O novo nazifascismo - tempos atuais

Observando os governos de Jair Bolsonaro (2019-2022) e Donald Trump (2017-2020), pode-se fazer uma análise comparativa. Nos últimos anos, os governos de Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump nos Estados Unidos foram alvo de intensos debates e análises, frequentemente sendo associados a características fascistas. Embora nenhum desses governos tenha se declarado explicitamente fascista, suas ações, retóricas e políticas exibem elementos que podem ser relacionados ao fascismo. Esta seção deste artigo se ocupa em analisar essas características, relacionando-as a outros governos contemporâneos e passados, para entender onde, como e por que essas tendências surgem, configurando o que se denomina novo nazifascismo, ou neofascismo. Ao analisar o caso do governo Bolsonaro (2019-2022) no artigo Neofascismo, neoliberalismo e direito do trabalho no governo Bolsonaro, Dutra e Lima, baseadas na leitura de outros autores citados em seu artigo sobre o assunto afirmam que:

[...] sobretudo no caso brasileiro observou-se, com a pandemia, um deslocamento consistente desses entendimentos, tendo em vista que os atos do presidente Jair Bolsonaro – incitação ao contágio, negacionismo científico,

invocação do sacrifício em prol da economia e do nacionalismo, política de morte – revelaram não apenas um flerte com elementos neofascistas, sobretudo em sua matriz neoliberal (Dutra e Lima, 2023, p. 1780).

Pensando os parâmetros comuns que permeiam esses governos tão defendidos pelas populações, animadas pelo ideal neofascista, tem-se o culto à tradição, que permeia o governo Bolsonaro (2019-2022), o qual frequentemente exalta os valores tradicionais brasileiros, como a família e a religião, rejeitando movimentos progressistas como o feminismo e os direitos LGBTQIAPN+. Como expressado por Guimarães e Pereira (2020), “Jair Bolsonaro [...] ganha fôlego na corrida presidencial com bandeiras neoconservadoras, sendo algumas mais expressivas em defesa da família tradicional e o combate à corrupção[...]”. O governo de Trump (2017-2020), por sua vez, promoveu o lema "Make America Great Again", apelando a uma suposta era dourada do passado americano, rejeitando avanços sociais recentes.

Outro parâmetro neofascista é a recusa da modernidade, demonstrada no governo Bolsonaro (2019-2022) pela crítica aos avanços científicos e médicos, especialmente durante a pandemia de COVID-19, promovendo tratamentos não comprovados e desprezando a ciência, como o exemplo da Cloroquina (Sanches e Magenta, 2020). Conforme Guimarães e Pereira (2020), “adiciona-se, ainda, o revisionismo histórico e o negacionismo científico como aspectos inerentes à política bolsonarista.” Ao passo que Trump desacreditou a ciência climática e a pandemia de COVID-19, promovendo teorias de conspiração e tratamentos não testados.

Estes governos também valorizam o irracionalismo, quando Bolsonaro incentiva a ação rápida e pouco refletida, como

políticas de desregulamentação ambiental sem consideração das consequências a longo prazo, em conformidade com o que diz Guimarães e Pereira (2020), “no primeiro ano de mandato , a agenda de campanha de Bolsonaro foi cumprida [...] através da aprovação da contrarreforma da previdência e trabalhista, privatizações [e] flexibilização da legislação ambiental para fins de exploração [...]”, enquanto Trump promove políticas baseadas em impulsos e intuição, frequentemente ignorando dados e análises científicas.

Os governos neofascistas têm também uma forte rejeição às críticas, o que é demonstrado por Bolsonaro ao demonizar a imprensa, como demonstra o jornal Folha de São Paulo, “o presidente Jair Bolsonaro atacou a imprensa ao menos 87 vezes no primeiro semestre de 2021” e qualquer forma de oposição política, frequentemente chamando-os de "inimigos do povo" e Trump, ao chamar a imprensa de "fake news", constantemente atacando críticos e criando um ambiente onde a discordância é vista como traição.

Um parâmetro destaque que permeia tal idealismo de governo é o medo da diferença, quando Bolsonaro usa a retórica anti-indígena e anti-LGBTQIAPN+, além de políticas que marginalizam grupos minoritários e Trump implementa políticas anti-imigração, como a proibição de viagens de países majoritariamente muçulmanos, e fez declarações racistas contra diversas minorias.

O apelo à frustração da classe média é o ninho do neofascimo, sendo ilustrado pela promessa de Bolsonaro de restaurar a ordem e a segurança, apelando a uma classe média frustrada com a corrupção e a violência urbana, ao passo que Trump apela aos trabalhadores brancos que se sentem deixados para trás pela globalização e pelas políticas econômicas liberais.

O nacionalismo e obsessão pelo complô são características comuns a tais governos, o que se exemplifica quando Bolsonaro enfatiza a ameaça de uma conspiração comunista e promove a ideia de que o Brasil estava sendo ameaçado por inimigos internos e externos. E do mesmo modo, Trump, conforme Edelman (2021), frequentemente menciona teorias de conspiração, como a interferência eleitoral e a "deep state" para fomentar a desconfiança e a divisão. Isso leva à criação da dualidade do inimigo, quando Bolsonaro pinta adversários políticos e ONGs como poderosos demais, mas ao mesmo tempo, vulneráveis à sua liderança forte e Trump descreve imigrantes e o Partido Democrata como ameaças existenciais, mas também como fracassados e ineficazes.

Uma característica muito comum no modo de pensar e viver dos neofascistas é a lógica de viver para a luta e o culto ao heroísmo, demonstrada no governo Bolsonaro quando ele promove uma visão de constante conflito contra o comunismo e a corrupção, apresentando-se como o único capaz de proteger a nação e glorifica a ditadura militar brasileira, apresentando-se como um herói que salvaria o Brasil, ao passo que Trump incentiva um estado de luta contínua contra inimigos políticos e ideológicos, alimentando um ambiente de constante tensão e apresenta-se como um salvador da nação, frequentemente colocando-se como um herói que combate inimigos internos e externos. Além disso, apresenta-se também no neofascismo o elitismo popular, que se ilustra quando Bolsonaro promove a ideia de que seus apoiadores são os verdadeiros patriotas, os únicos capazes de salvar o Brasil e Trump diz que seus apoiadores eram os "verdadeiros americanos", frequentemente desvalorizando aqueles que se opunham a ele.

O machismo fascista é demonstrado por esses governos de diversas formas e em vários momentos, quando Bolsonaro faz diversas declarações misóginas e homofóbicas, reforçando papéis de gênero tradicionais e intolerância a identidades de gênero não conformistas e Trump, que é conhecido por suas declarações sexistas e pela desvalorização das mulheres, além de implementar políticas que restringem direitos LGBTQIAPN+.

Outra característica sustentada é o populismo qualitativo, confirmado por Bolsonaro quando ele frequentemente apela a seus seguidores através das redes sociais, deslegitimando o Congresso e outras instituições democráticas e Trump se utiliza dessas redes para se comunicar diretamente com seus apoiadores, ignorando as vias tradicionais de comunicação governamental e frequentemente atacando o Congresso e a mídia.

Por fim, o vocabulário pobre proposital é exemplificado pelo uso da linguagem simplificada e populista por Bolsonaro e Trump para atrair seus seguidores, muitas vezes desqualificando o discurso acadêmico e complexo, o que faz com que a população seja levada a pensar cada vez menos e a se acostumar com o simples e fácil, perdendo a capacidade de refletir e criticar.

2.1. Disseminação do neofascismo: para além de Bolsonaro e Trump

Diversos governos ao redor do mundo têm exibido características associadas ao neofascismo, similares às identificadas por Eco (2002) no Ur-Fascismo. Viktor Orbán na Hungria promove um nacionalismo exacerbado e restringe a liberdade de imprensa, enquanto Recep Tayyip Erdoğan na Turquia consolida seu poder suprimindo a oposição política e utilizando narrativas de conspiração. Narendra Modi na Índia marginaliza minorias,

especialmente muçulmanos, com sua agenda nacionalista hindu. Matteo Salvini na Itália e Marine Le Pen na França promovem políticas anti-imigração e utilizam retórica nacionalista para deslegitimar as instituições democráticas tradicionais (Filgueiras, 2020).

Esses líderes e seus governos compartilham traços comuns do fascismo, como o nacionalismo extremo, a rejeição das críticas, o medo da diferença e o desprezo pela democracia. Utilizam a retórica populista para apelar diretamente ao povo, deslegitimando as instituições estabelecidas e promovendo uma visão homogênea e exclusivista da sociedade. Essas características refletem tendências autoritárias e antidemocráticas, demonstrando como ideologias neofascistas podem se adaptar e manifestar-se em diferentes contextos contemporâneos (Filgueiras, 2020).

Um outro aspecto muito utilizado por esses governos é a política restritiva, na qual há a implementação de políticas que restringem liberdades civis e direitos humanos. Na Hungria, Orbán restringiu os direitos dos refugiados e atacou ONGs, unindo esforços para controlar e manipular instituições democráticas (Sahuquillo, 2018).

A ascensão de Bolsonaro e Trump foi marcada por um descontentamento generalizado com o establishment político, insegurança econômica e medo da mudança social. Líderes autoritários exploram esses medos, oferecendo soluções simples e fortes figuras de liderança para problemas complexos.

A análise dos governos de Bolsonaro e Trump revela preocupantes paralelos com características fascistas, desde o nacionalismo exacerbado até o desprezo pelas instituições democráticas. Outros líderes globais, como Orbán e Erdoğan, exibem traços semelhantes, mostrando que o fascismo não é um fenômeno confinado ao passado. Em tempos de crise, essas características podem ressurgir, exigindo vigilância constante e

uma defesa robusta dos valores democráticos. A compreensão dessas tendências é crucial para prevenir a repetição dos erros históricos e assegurar a preservação da liberdade, justiça e principalmente da democracia.

3. Inovações tecnológicas no contexto neofascista

Até aqui este capítulo ocupou-se em situar o tema em sua atualidade para poder então introduzir o impacto do uso das tecnologias no trabalho docente, e mostrar como este uso, no modo como é feito, tem corroborado com a propagação do novo nazifascismo pelo mundo, por se somar ao seu modo de pensar acrítico.

O impacto das inovações tecnológicas no trabalho docente está profundamente ligado à precarização das relações de trabalho e à intensificação do controle e vigilância sobre os professores. A introdução de novas tecnologias educacionais, como plataformas de ensino a distância, softwares de gestão escolar, e a inteligência artificial, representada pelo chatGPT, prometeu facilitar o trabalho docente e ampliar o acesso à educação. No entanto, a realidade tem mostrado que essas tecnologias também trazem uma série de desafios e impactos negativos (Sousa, 2023).

Primeiramente, a inserção das tecnologias no ambiente educacional tem levado à intensificação do trabalho dos professores. A expectativa de estar disponível para os alunos a qualquer momento, combinada com a necessidade de dominar novas ferramentas tecnológicas, aumenta a carga de trabalho e o estresse entre os docentes. Além disso, a precarização das relações de trabalho se manifesta na forma de contratos temporários e falta de estabilidade, agravada pela crescente dependência de

plataformas tecnológicas controladas por grandes corporações (Gjergji e Denunzio, 2023).

Além disso, a vigilância e o controle sobre os professores aumentaram significativamente com a adoção dessas tecnologias.

Sistemas de monitoramento algorítmico permitem uma supervisão constante do desempenho dos docentes, muitas vezes baseada em métricas quantitativas que não refletem a qualidade real do ensino. Esse controle exacerbado reduz a autonomia dos professores, limitando sua capacidade de inovar e adaptar o ensino às necessidades específicas de seus alunos (Previtali e Fagiani, 2023).

Ademais, o uso intensivo de tecnologias educacionais tende a desumanizar o processo de ensino e aprendizagem, transformando a educação em um processo mecanicista e padronizado (Antunes, 2023). A padronização dos currículos e a utilização de plataformas de ensino a distância podem ignorar as realidades locais e as necessidades individuais dos alunos, criando uma educação homogênea e excludente.

O trabalho remoto, amplamente adotado durante a pandemia de COVID-19, trouxe mudanças significativas para o setor educacional. Enquanto proporcionou flexibilidade e continuidade do ensino durante períodos de isolamento social, também expôs e ampliou desigualdades existentes. Conforme a conclusão do estudo feito por Gjergji e Denunzio (2023, p. 279), “o estresse psicofísico, os horários prolongados, a intensificação dos ritmos de trabalho, [...] e a subsequente complexidade acrescida das relações sociais são dos aspectos mais críticos da experiência acumulada no ensino on-line”.

De acordo com Antunes (2023, p.29), em seu primeiro capítulo do livro Icebergs à deriva, é importante considerar que, apesar dos muitos aspectos negativos, existem benefícios reais e

significativos, como maior controle sobre o tempo de trabalho, a eliminação do tempo gasto no deslocamento entre casa e trabalho, a possibilidade de uma alimentação mais adequada e a oportunidade de dedicar mais tempo ao trabalho doméstico e aos cuidados com a família.

Professores enfrentaram desafios técnicos e logísticos, como a falta de acesso adequado à tecnologia e à internet, além de uma carga de trabalho exacerbada pela necessidade de adaptação rápida a novas ferramentas digitais. Esse modelo também intensificou a vigilância e o controle do trabalho, com plataformas de ensino a distância monitorando cada aspecto de suas atividades, muitas vezes à custa de sua autonomia profissional (Gjergji e Denunzio, 2023). Foi-se a pandemia e ficou sua herança, ela não fez mais que acelerar um processo que já vinha engatinhando.

Além disso, para muitas professoras que também são mães e donas de casa, o trabalho remoto em casa causou estresse e atenção difusa, uma vez que precisaram conciliar suas responsabilidades profissionais com os afazeres domésticos e o cuidado dos filhos. Esse acúmulo de funções não só aumentou o nível de estresse, mas também prejudicou a qualidade da interação professor-aluno, reduzindo o contato pessoal e a troca direta de experiências que são fundamentais para o processo educativo (Gjergji e Denunzio, 2023). Portanto, é crucial equilibrar os benefícios da tecnologia com a necessidade de manter a qualidade e a humanização do ensino, assegurando suporte adequado aos educadores para que possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e satisfatória.

A correlação entre os impactos do uso intensivo da tecnologia no trabalho docente e o novo nazifascismo reside na forma como esses dois fenômenos promovem a desumanização

e o controle das pessoas. O novo nazifascismo se alimenta de estruturas que enfraquecem a autonomia individual e promovem a conformidade, e o uso acrítico da tecnologia na educação contribui para essa dinâmica ao transformar a educação em um processo mecanicista e padronizado. A vigilância constante e a dependência de métricas quantitativas para avaliar o desempenho docente espelham a lógica autoritária, minando a criatividade e a liberdade de ensino. Gjergji e Denunzio (2023) argumentam que enquanto o objetivo do sistema educacional é formar indivíduos capazes de desenvolver seu conhecimento e habilidades de maneira eficiente, a tecnologia digital busca simultaneamente aproveitar-se desses indivíduos e exercer controle sobre eles.

O principal e pior impacto desse cenário é a robotização das pessoas, consequência do termo explicado por Lukács, a desantropomorfização (Lukács, 2013). Esse autor conceitua esse termo como resultado da subsunção real do trabalho ao capital, entendido como o processo que leva o trabalho vivo a se configurar como membro da máquina, ou seja, do trabalho morto. O homem passa aqui a não mais controlar o processo produtivo, sendo este guiado pela máquina, da qual o ser humano passa a fazer parte (Marx, 2022).

Antunes (2023, p.37) conclui que o trabalho vivo, cada vez mais objetificado e fetichizado, perde praticamente todo o controle sobre os novos maquinários informacionais e digitais. Quando não é eliminado pelo desemprego, subordina-se ainda mais profundamente ao capital, sem sequer compreender as engrenagens em funcionamento na nova fábrica digital, comandada por algoritmos, internet das coisas, inteligência artificial, entre outros avanços tecnológicos.

Este capítulo traz uma reflexão sobre o termo desantropomorfização, demonstrando que, com o advento do neofascismo,

as tecnologias impactam os seres humanos além do mundo do trabalho. Considerando que, para Marx e Engels (2007, p. 87), a reprodução da materialidade da vida humana ocorre por meio do trabalho, “o que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” e as tecnologias podem promover uma robotização do ser humano, integrando-o à máquina. Esse processo transforma o indivíduo, moldando-o aos interesses do capital, resultando na "maquinização" de si mesmo.

Diante disso, a educação, que deveria ser um processo profundamente humano e interativo, corre o risco de se tornar uma atividade desprovida de empatia e conexão pessoal. Ao priorizar a eficiência tecnológica sobre a interação humana, corremos o risco de criar um sistema educacional que não apenas falha em atender às necessidades emocionais e intelectuais dos alunos, mas também contribui para a formação de indivíduos que aceitam passivamente a autoridade e a conformidade. Esse processo de desumanização é alarmantemente semelhante aos princípios do novo nazifascismo, que busca o controle total e a supressão da diversidade e do pensamento crítico. Portanto, é essencial que a integração da tecnologia na educação seja feita de maneira consciente e crítica, garantindo que o ensino permaneça centrado nas necessidades humanas e no desenvolvimento integral dos indivíduos.

Porém o que se observa historicamente, é que as inovações tecnológicas aliadas ao capitalismo são utilizadas de forma a priorizar o capital em detrimento da qualidade de vida da classe trabalhadora e dos interesses humanos, pois “na sua memória estrutural (dos dispositivos ou aplicações digitais) são codificadas respostas e soluções estabelecidas pelos organismos que os produzem, ou seja, as empresas capitalistas” (Gjergji e Denunzio, 2023, p. 277). A luta de classes observada por Marx tem o papel

de tentar frear esse movimento com o objetivo de defender a classe subjugada pelo capital, é o papel das políticas públicas e dos atores sociais que estão sempre na vanguarda crítica da sociedade.

Portanto, a análise dos impactos das inovações tecnológicas no trabalho docente revela uma relação intrínseca com a lógica do novo nazifascismo, que busca aumentar a produtividade e o controle às custas da qualidade e da humanização do ensino. É essencial que educadores, pesquisadores e formuladores de políticas trabalhem juntos de forma democrática para desenvolver abordagens críticas e humanizadas para a integração da tecnologia na educação, garantindo que ela sirva aos interesses dos alunos e professores, e não apenas ao capital, mesmo que as contradições não sejam favoráveis, o ideal é que as inovações tecnológicas tragam mais qualidade de vida para a classe trabalhadora principalmente e não que a escravize em prol do lucro do capitalista.

Referências

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V.

CAPITALISMO EM CRISE: A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E O NOVO NAZIFASCISMO

Nicolli Moreira Soares

1. Introdução

Neste capítulo, busca-se uma reflexão sobre as crises cíclicas do capitalismo, a precarização do trabalho decorrentes destas crises e, por conseguinte, a reemergência do nazifascismo.

A vida humana deposita sua centralidade no trabalho, eminente na formação de sua identidade e busca de uma vida com sentido. No trabalho, encontram-se relações sociais e meios para sua subsistência, que moldam sua perspectiva sobre o mundo e sua própria vida. Nas palavras de Antunes (2009, p. 136), “o fato de buscar a produção e reprodução da sua vida societal por meio do trabalho e luta por sua existência, o ser social cria e renova as próprias condições da sua reprodução”.

Diante das contradições intrínsecas ao capitalismo, destaca-se que “o modo de produção capitalista se constitui em uma máquina de criar crises e conflitos sociais” (Lucena, 2023, p. 101). A busca incontrolável por lucro por meio da otimização da produção coloca o ser humano para escanteio no processo produtivo, ao mesmo tempo em que o ser humano é peça essencial para o consumo. “As contradições imanentes da produção capitalista sempre se exteriorizam e se ‘resolvem’ nas crises, para serem repostas mais adiante, já que são constitutivas deste regime

de produção” (Mazzucchelli, 2004, p. 16), resultando em práticas neoliberais que precarizam o trabalho, como a flexibilização, a terceirização, o empreendedorismo forçado, assim como no ressurgimento de ideologias pautadas no ódio e na intolerância, como o novo nazifascismo, que se nutrem do descontentamento social provocado por essas crises.

No dizer de Ianni (1998), a lógica do capital se insere em todos os aspectos da vida social. Em outras palavras, todas as esferas da vida social são permeadas pela essência do capitalismo, desvalorizando as relações e o próprio valor humano.

Diante do exposto, este estudo pretende uma reflexão sobre como as crises cíclicas do capitalismo precarizam o trabalho e trazem à tona, por meio do descontentamento social, ideologias mascaradas, que jamais foram findadas, mas se ocultaram nas sombras, como o novo nazifascismo.

A fim de atender a essa demanda, este texto foi estruturado em quatro tópicos, a partir desta introdução. No tópico seguinte, explana-se sobre as crises cíclicas do capital, sendo este uma contradição em si mesmo; a seguir, versa-se sobre a tecnologia, o trabalho e as desigualdades sociais, demonstrando uma de tantas das contradições existentes na sociedade capitalista, uma vez que a tecnologia, ao mesmo tempo em que facilita a vida das pessoas, dispensa o trabalhador, cujas condições tornam-se cada vez mais precarizadas; subsequentemente, propõe-se uma reflexão sobre o novo nazifascismo, revelando-se da obscuridade por meio dos discursos de ódio e intolerância. Por fim, tece-se as considerações finais acerca da problemática estabelecida.

2. Crises Cíclicas do Capitalismo

As novas tecnologias e inovações acarretaram profundas e constantes transformações na sociedade no decorrer da história, modificando o modo de viver e compreender a realidade. Um processo que deveria facilitar a vida das pessoas. Contudo, apesar de tantas possibilidades que o avanço tecnológico proporcionou, não foram suficientes para reduzir as desigualdades sociais. Como afirma Lucena (2024b), o avanço tecnológico associado à busca por novos mercados e matérias primas propiciou mudanças significativas no jeito de viver e trabalhar na sociedade, elevando também, a rapidez das relações sociais, com novas atitudes e expectativas.

No mundo capitalista, tem-se um senso comum de que os “merecedores” conseguem alcançar um nível de riqueza e prosperidade que só é possível para aqueles que se “esforçam e dedicam” ao longo da vida. Seria, portanto, falta de dedicação, comprometimento e/ou mérito, o trabalhador não conseguir sair da pobreza? O trabalho árduo não é árduo o suficiente para que mude suas condições de vida? Ou seria uma consequência natural do processo de constante crise que o sistema proporciona, que beneficia alguns em detrimento de outros?

Conforme explana Lucena (2023), as crises cíclicas econômicas do capitalismo e suas inevitáveis repercussões impactam o modo de viver de milhares de seres humanos aumentando suas misérias e empobrecimentos, revelando fenômenos humanos como o ódio racial, a intolerância, a violência e o desespero, e questionando ainda, conquistas sociais. A intolerância e violência se acirram na busca por culpados pela situação em que se encontram, reascendendo velhas chamas, em um processo de disseminação do ódio.

O mundo se tornou uno, não pela união e conciliações entre os povos, mas entre a troca de mercadorias, superprodução e influência, ou seja, o mercado de um lado do mundo influencia e é influenciado por suas próprias crises ou as de outrem, criandose assim uma crise mundial, proporcionada pelo sistema do capital contemporâneo, ultrapassando dessa forma, seus próprios limites, conforme apontado na teoria de Marx (Lucena, 2023). Uma unidade em que o centro explora a periferia (visto que nesta, a força de trabalho tem um valor menor), produzindo mais riquezas, enquanto os que vendem a força de trabalho, continuam às margens. Para o capitalismo, tudo se transforma em mercadoria, uma vez que “o seu potencial destrutivo atinge tal dimensão, que a própria tragédia humana se transforma em mercadoria” (Lucena, 2023, p. 101).

E quando porventura se instaura uma crise, os trabalhadores pagam o preço, com a vulnerabilidade que a crise proporciona. Para os outros, diminui a sua margem de lucro, diminuindo assim, sua competitividade. No cerne do sistema capitalista, concorrência e competitividade são palavras-chave, uma vez que as empresas competem entre si em uma busca constante de se sobressair no mercado, de superar a concorrência, de maximizar seus lucros. E nesse jogo do mercado, os melhores se destacam, abandonando aqueles que são superados, inclusive, os trabalhadores.

Lucena (2023) esclarece que “a crise se consolida quando o aumento da taxa de lucro não é suficiente para garantir o equilíbrio da reprodução do capital. A crise econômica é o desdobramento de um processo de desequilíbrio do capital causada pela queda radical da taxa de lucro” (Lucena, 2023, p. 24). Ou seja, para o capitalista, a crise é uma diminuição em seu lucro, podendo tornar-se prejuízo, que ele compensará por meio de novos

investimentos. Já para o trabalhador, a crise se reflete no desemprego, na miséria, no empobrecimento e na precarização do seu trabalho.

Na busca por crescimento e lucro, o capitalismo se pende a crises e conflitos que geram desigualdade e exploração, uma vez que concentra a riqueza nas mãos de poucos enquanto leva outros tantos à exploração e marginalização, transformando a tragédia humana em mercadoria, perpetuando um ciclo de instabilidade e superação (Lucena, 2023). Um ciclo vicioso em que o capital cria limites para ultrapassá-los e, consequentemente gerando com isso, as crises, para então superá-las, e assim, sucessivamente.

As crises, parte essencial do capitalismo, servem como uma balança, forçando o capital a voltar para um estado de equilíbrio de maneira violenta e abrupta, no intuito de reestabelecer as condições necessárias para sua perpetuidade, uma vez que suas instituições tendem a ultrapassar os limites que garantem sua continuidade e crescimento (Mazzucchelli, 2004).

Salienta-se que, conforme expõe Mazzucchelli (2004), as contradições inerentes ao sistema capitalista são exteriorizadas e resolvidas de modo momentâneo pelas crises, uma vez que não é possível suprimi-las, demonstrando assim, a natureza limitada deste modo de produção. O autor menciona que a circulação mercantil representa um ponto crucial para a disseminação das crises, visto que a compra e venda, a produção e circulação, a produção e consumo consistem em pares complementares, porém não idênticos que, ao não se harmonizarem, resultam em crises.

As crises, embora diferentes por mudanças técnicas, organizacionais e financeiras na estrutura interna do capital, seguem um ciclo em que são fomentadas pela aceleração da acumulação,

e esta, por sua vez, reestabelece as conjunturas para a aceleração da acumulação (Mazzucchelli, 2004).

A natureza contraditória do capital se exterioriza na tendência à superprodução e na redundância (negação) do trabalho vivo (Mazzucchelli, 2004). A crise dos anos 1870, por exemplo, se instalou devido a superprodução direcionadas a um mercado restrito, levando ao aumento do desemprego, quedas das taxas de lucros, falências, baixa de salários, além de uma acentuada crise social (Lucena; Lucena, 2016).

Durante a década de 1980, com a pobreza, o desemprego em massa, a miséria e a instabilidade, pontos marcantes das crises do capital, até mesmo os países mais ricos e desenvolvidos, se viram a presenciar um aumento da desigualdade social e econômica, com o reaparecimento de mendigos nas ruas, abrigandose em vãos de portas ou em caixas de papelão (Hobsbawm, 1995).

Lucena e Lucena (2016) exemplificam a manifestação das crises cíclicas do capital, refletidas no imperialismo, na Primeira Grande Guerra e no Tratado de Versalhes, em que um país busca garantir sua supremacia econômica sobre outro, numa corrida infrene pelo controle das matérias-primas e mercados consumidores.

Para Hobsbawm (1995), a industrialização, de modo geral, acabou por substituir a capacidade humana pela capacidade das máquinas, trocando o trabalho humano por forças mecânicas, resultando assim, no desemprego. Ou seja, ao invés de a máquina se tornar uma ferramenta para o trabalho humano, o homem se transformou numa simples engrenagem da máquina, a qual pode ser substituída a qualquer momento.

Antunes (2009) cita a cognominada crise do fordismo e do keynesianismo, que exprimiam de forma significativa a crise

estrutural do capital, em que era evidente a tendência decrescente da taxa de lucro, tendo como resposta à sua própria crise, a implantação do neoliberalismo, tendo como base, a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho, bem como o desmantelamento do setor produtivo estatal. Nas palavras de Mazzucchelli (2004, p. 24),

[...] a superacumulação de capital é a forma específica e rigorosamente capitalista da crise de superprodução: significa que o capital contém uma tendência à acumulação desenfreada, que o torna periodicamente “excessivo” a uma dada taxa de lucro; significa que as condições de realização tendem a ser ultrapassadas de modo recorrente pelo vigor assumido pela acumulação; significa que as “proporções” e o “equilíbrio” são continuamente rompidos e somente repostos nas crises; significa que o processo de produção, ao longo do movimento expansivo, se torna independente do processo de circulação, e a crise, enquanto crise de superacumulação ou de realização dinâmica, não é senão o “estabelecimento forçado da unidade” que é intrínseca a estes processos.

Lucena (2024a) esclarece que essa propensão que o capital tem em aumentar a produção de forma constante e contínua ocasiona o desequilíbrio entre produção e consumo, uma vez que as massas tendem a encontrar dificuldades para o acesso às mercadorias. A superprodução, característica contraditória do capital se revela na produção pela produção, na acumulação desenfreada, na concentração e centralização, que se convertem na incessante ampliação das escalas, na crescente automação do processo produtivo e na elevação constante da composição técnica,

determinando assim, a redundância do trabalho vivo (Mazzucchelli, 2004).

Mazzucchelli (2004, p. 51-52) salienta que

[...] é na crise que se acirra a concorrência entre os capitais. […] A crise resulta, assim, na destruição de capital (pela eliminação de capacidade produtiva) e na centralização do capital (pela anexação dos mais débeis aos mais fortes), e é por esses mesmos métodos que se recriam as condições para um novo ciclo expansivo.

Diante do exposto, pode-se inferir que, o capitalismo, na sua tendência em ultrapassar seus próprios limites, provoca crises para então superá-las. O desemprego, a miséria e a desigualdade social são resultados desse movimento constante e dialético. E, ainda, tem-se a precarização do trabalho como um resultado das complexas mediações dialéticas, manifestadas tanto nas crises do capitalismo, quanto na utilização e aplicação dos avanços científicos (Lucena, 2024a).

O capitalismo é assim, uma contradição em si mesmo, que dentre tantas outras contradições, busca aumentar o consumo na medida em que diminui o trabalho vivo.

3. Tecnologia, Trabalho e Desigualdade Social

O ser humano passa a vida em uma perspectiva de ser. Desde o ventre, seus pais imaginam e planejam o que querem que ele seja, desde carreira, profissão, casamento, entre outras coisas. Uma vida inteira idealizada desde a sua concepção. Após o nascimento, ele vai criando as suas próprias perspectivas ao passo que a escola se torna um momento de formação para

seguir, escolher e desenvolver uma carreira, que já deve estar designada antes mesmo de encerrar a educação básica. Nesse sentido, o trabalho é muito mais que uma ocupação, faz parte da essência do ser humano como ser social. “A busca de uma vida cheia de sentido, dotada de autenticidade, encontra no trabalho seu locus primeiro de realização” (Antunes, 2009, p. 143).

Nesse sentido, é importante destacar que

Dizer que uma vida cheia de sentido encontra na esfera do trabalho seu primeiro momento de realização é totalmente diferente de dizer que uma vida cheia de sentido se resume exclusivamente ao trabalho, o que seria um completo absurdo. Na busca de uma vida cheia de sentido, a arte, a poesia, a pintura, a literatura, a música, o momento de criação, o tempo de liberdade, têm um significado muito especial. Se o trabalho se torna autodeterminado, autônomo e livre, e por isso dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do uso autônomo do tempo livre e da liberdade que o ser social poderá se humanizar e se emancipar em seu sentido mais profundo (ANTUNES, 2009, p. 143).

O trabalho desempenha um papel fundamental para transformação dos seres humanos, para formação da sua identidade e da sua vida social, desenvolvendo características e capacidades que o definem como ser social, como criar, desenvolver, colaborar, transformando o mundo ao seu redor (Antunes, 2009).

De acordo com Antunes (2009), o ato laborativo permite ao homem alcançar um controle consciente sobre si mesmo, se perfazendo como um processo que ao mesmo tempo em que transforma a natureza, também se autotransforma.

Hoje, no mundo do trabalho, o trabalhador foi ressignificado para colaborador, polivalente, multifuncional, terceirizado, flexibilizado, empreendedor, cooperativo, part time, trabalho voluntário, terceiro setor etc. (Antunes, 2009).

Além disso, o discurso do neoliberalismo de flexibilização do trabalho e redução da intervenção estatal na economia, opera como um subterfúgio para precarização e barateamento da força de trabalho, engessando os direitos tão arduamente conquistados pelos trabalhadores, no argumento de que prejudicam a competitividade das empresas. Ao defender a negociação entre empregado e empregador, na qual, sindicatos aumentam os custos do trabalho, o trabalhador fica refém da empresa, diante do contingente de exército de reserva proporcionado pelo sistema capitalista. Ou seja, quando um trabalhador é demitido de uma empresa, logo atrás dele há uma fila de outros trabalhadores para concorrer à sua vaga, provocando o individualismo, a rivalidade e competitividade entre os próprios trabalhadores. Como bem afirma Mazzucchelli (2004), referenciando a Lei Geral da Acumulação Capitalista de Marx ao centralizar o processo de produção no capital e nas máquinas, dominado pela tecnologia e capital financeiro, retira a habilidade inerente aos trabalhadores, provocando-lhes desqualificação e entorpecimento, por gerar a perda das habilidades necessárias para compor o processo e reduzir-lhes a criatividade, à medida que se tornam meros operadores de máquinas, ao realizar somente tarefas repetitivas, que não exigem qualquer grau de intelecto ou raciocínio. O autor explicita a natureza dual do capital, sendo por um lado antagônico, ao se apropriar do tempo de trabalho dos trabalhadores, e por outro, progressista, ao impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas por meio de tecnologias e inovações, que maximizam sua produção e otimizam seus lucros.

Lucena (2024a; 2024b) explica que, na visão de Marx a ciência e tecnologia eram consideradas conquistas do homem sobre a natureza, e, por conseguinte, uma melhora positiva de suas condições sociais e representações espirituais. Conforme explana o autor, as máquinas criadas para ser um acessório para facilitar o trabalho humano, transformam este em acessório, dando, assim, vida às primeiras e objetificando o segundo.

A cada dia surgem novas tecnologias que realmente facilitam a vida do homem, porém, tais tecnologias se tornam obsoletas com a mesma rapidez em que surgem, apurando as desigualdades, pois seus resultados não são suficientes para serem socializados e humanizados, como mencionado por Lucena (2024b). Esse movimento, segundo o autor se reflete na contradição e se coloca na necessidade do crescimento dos consumidores em contrapartida à redução do trabalho vivo.

Lucena (2024a) argumenta que, a fim de garantir o máximo retorno possível em forma de lucro, o capital busca constantemente expandir-se, criando meios que facilitem a circulação e a renovação de mercadorias, de modo que, ao criar um produto, sua obsolescência é inevitável, abrindo caminho para o surgimento de novos produtos. Segundo o autor, compreender esse processo é essencial para uma análise crítica dos problemas que emergem com a progressão do capitalismo.

A premissa da tese de redução da vida útil das mercadorias busca acelerar o consumo daqueles que ainda podem consumir, garantindo a reprodução do capital que foi investido na produção, ou seja, a redução da capacidade de consumo dos trabalhadores, que foram excluídos do mercado de trabalho, é compensada pela velocidade dos que ainda podem consumir (Lucena, 2024a).

Dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, revelam que, entre os anos de 1995 a 2023, foram encontrados no Brasil, 63.516 trabalhadores em condições análogas à de escravo, com uma média anual de 2.104,70 resgates. Dentre os resgatados, 57,9% dos trabalhadores atuavam como trabalhador agropecuário em geral. De acordo com o perfil das vítimas, os dados revelam que 52% dos trabalhadores eram pardos, 20,9% da cor branca, 14% preta e 10,1% indígena, sendo considerados apenas os perfis com especificação de raça (Observatório Da Erradicação Do Trabalho Escravo E Do Tráfico De Pessoas, 2024).

Esses dados alarmantes do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas evidencia a prática de exploração extrema e miserabilidade em uma sociedade na qual muito se avançou em tecnologia, em que o trabalhador é visto como algo insignificante. Até que ponto a busca incessante por lucro justifica o roubo da dignidade de trabalhadores?

Ao citar estes dados nessa pesquisa, busca-se chamar a atenção ao fato de que, apesar do avanço tecnológico e das mudanças nas estruturas sociais, ainda é possível encontrar pessoas em condições de trabalho escravo atualmente. Além disso, ressalta-se a precarização geral do trabalhador, evidenciada pela diminuição de seus direitos. Diante disso, questiona-se: o trabalhador não é barato o suficiente? É necessário explorar sua força de trabalho em regime de escravidão?

4. Novo Nazifascismo

Mencionar o nazifascismo atualmente parece inconcebível, considerando a colossal tragédia do Holocausto causada por essas ideologias. Diante disso, é inacreditável pensar que o

nazifascismo possa ter lugar nos tempos modernos. Contudo, há na atualidade uma sombra disseminadora de intolerância e ódio.

O ódio escancara-se por todos os meios. Violência e intolerância àqueles que pensam diferente é propagado de forma cada vez mais clara e constante. Cada lado, de uma polaridade intensa, coloca questões e se diz dono da verdade, enquanto o outro lado, por não compactuar da mesma opinião, deve sofrer as consequências. E para fomentar cada vez mais o ódio e intolerância, “mensagens falsas, boatos e difamações são algumas das estratégias usadas. O que importa é agir e dizer exatamente o que os setores de ódio gostam e querem ouvir” (Lucena, 2023, p. 60). Como destaca Umberto Eco (2002, p. 34), “por trás de um regime e de sua ideologia há sempre um modo de pensar e de sentir, uma série de hábitos culturais, uma nebulosa de instintos e de pulsões insondáveis”.

O ser humano necessita ser parte de uma comunidade, de um grupo. Dado isso, ele se une a grupos com os quais seus pensamentos e ideias são afins, de modo que, a opinião de um se torna a opinião de todos. Lucena (2023) explica que a conquista das massas, exemplificando o caso do nazifascismo, se dá por meio dos seus corações pelas crenças e sentimentos, deixando de lado, o cientificismo. “Suas mentalidades são servis e religiosas, compreendendo o mundo entre o bem e o mal” (Lucena, 2023, p. 62). Isto é, uma mentira se torna verdade ao ser contextualizada por meio de uma lógica. Procura-se assim, um culpado pelas mazelas da humanidade, numa luta recorrente entre o bem e o mal.

Nas eleições presidenciais na Alemanha em 1932, elementos conservadores presentes na sociedade foram expostos, demonstrando as funções da mulher na família, sendo a maternidade uma de suas principais funções, bem como sua submissão e,

concomitantemente ao homem, a manutenção da existência da espécie humana (Lucena, 2023). No antagonismo que se percebe atualmente, tem sido comum discursos com essa “metodologia”, explicando a maldade no mundo por meio da inversão de valores, pois “a mulher não ocupa mais o lugar que lhe pertence, cuidando da casa e da família”, enquanto o homem se constitui como o “provedor” familiar. Como ilustração, a típica família de propaganda de margarina, em que cada um tem o seu papel e vivem em lugar de perfeita harmonia.

O ressurgimento do nazifascismo, apesar das lições aprendidas com o holocausto e suas devastadoras consequências, é uma manifestação recorrente desencadeada pelo conservadorismo e pela complexidade dos processos econômicos, políticos e sociais, em que esses ideais retrógrados, que continuam a emergir como uma fênix, se apresentam com uma aparente nova roupagem, embora não tragam nada de verdadeiramente novo (Lucena, 2023).

Conforme insta Lucena (2023), a humilhação sofrida pela Alemanha em consequência da Primeira Grande Guerra mundial, aliada aos pressupostos de “honra e glória” subjacentes à história da cultura alemã, germinaram a semente do nazismo. Pessoas que se achavam superiores às outras, com um passado de honra e glória precisavam de um culpado para a situação humilhante em que se encontravam em decorrência do Tratado de Versalhes. E assim, “os discursos políticos antissemitas e da superioridade da raça ariana perante todas as outras do planeta hipnotizou milhões de alemães, afetando todas as suas relações” (Lucena, 2023, p. 79).

Assim como em toda guerra, o que se está em jogo é o “predomínio geopolítico internacional imperialista em que os vitoriosos teriam como dádiva a conquista militar do direito de

explorar os recursos dos países periféricos” (Lucena, 2023, p. 47).

Lucena (2023) esclarece que, com o caminhar da história e suas mediações e contradições, com a perda da capacidade de reflexão crítica sobre temas que norteiam suas vidas e daqueles que o rodeiam, pelos seres humanos, resultam no reinventar e no recriar as formas de banalização do mal, justificando e legitimando todos e quaisquer meios adotados para se alcançar determinado fim. Para justificar as atrocidades do holocausto, “o que usavam em sua defesa era que cumpriam ordens superiores e que suas ações estavam dentro do que regiam as leis alemãs publicadas pelo Reich no período em questão” (Lucena, 2023, p. 97).

Na atualidade, discursos conservadoristas ressurgem com velhas roupagens, no pretexto de que

A sociedade atual é negada em todos os seus fundamentos, entendida como promíscua, corrupta e desprovida de valores morais. A história humana está em decadência e decomposição. A perda de valores cristãos acaba por enfraquecer e denegrir toda a sociedade. A busca da moral e dos bons costumes do passado é apresentada como a saída para a recuperação das tradições ocidentais de todos os povos (LUCENA, 2023, p. 148).

Na predicação de que a sociedade está desregrada, que os valores foram perdidos, demonstra-se uma nostalgia ao passado. As pessoas idealizam o passado como se fosse impecável, mas ele também teve suas falhas, enquanto criticam a atualidade por ser corrupta e depravada. E o solecismo foi tão profundo e incoerente, que teve como consequência a morte de milhares de pessoas.

De acordo com Lucena (2023), novas crises e conflitos sociais são recriados a partir da dinâmica da exclusão social e concentração de capital, trazendo a tona o ovo da serpente, ou seja, o surgimento contínuo de crises econômicas, acompanhadas de significativos impactos políticos e sociais, intensifica os conflitos e contradições, revivendo concepções conservadoras que pareciam ter desaparecido, mas que na verdade ainda persistem.

Umberto Eco (2002) caracteriza o Ur-Fascismo ou fascismo eterno, porém chama a atenção para suas contradições, não podendo reuni-las em um sistema, sendo ainda, típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Dentre tais características, ressalta-se: culto à tradição (tradicionalismo); recusa da modernidade (o iluminismo era considerado como início da depravação); culto da ação pela ação (suspeita em relação ao mundo intelectual, abandono de valores tradicionais); sincretismo (o desacordo é visto como traição); racismo (natural medo da diferença); frustração individual ou social (apelo às classes médias frustradas); nacionalismo (apelo à xenofobia); os adeptos sentemse humilhados pela riqueza e força do inimigo, mas convencidos de que podem derrotá-lo; a vida é uma guerra perpétua; elitismo (desprezo pelos fracos); culto ao heroísmo; populismo qualitativo (o líder nomeia-se como mandatário do povo); duvida da legitimidade do Parlamento; limita os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico.

Conforme a formulação de Eco (2002) é preciso ficar atento ao sentido das palavras liberdade e ditadura, uma vez que a sombra do fascismo se espreita por todos os lados, sob inocentes caricaturas, esperando o momento propício para emergir das profundezas onde se encontra.

Cabe ressaltar que diante da rivalidade e intolerância que se encontra atualmente, que é perceptível por qualquer pessoa, suas nuances não estão tão distantes quanto se imagina.

Ianni (1998) chama a atenção para a presença dos elementos nazifascistas que se desenvolvem com a globalização neoliberal, numa guerra constante contra o socialismo, bem como contra a social-democracia. Conforme explana o autor, a ideologia e prática neoliberal tem como pressuposto ampliar ao máximo os espaços para o mercado e a iniciativa privada, permitindo que o capitalismo de desenvolva de forma livre, condicionando desse modo, o social, político e cultural à dinâmica da economia.

O capitalismo global não fermenta apenas o neoliberalismo, fermenta também o nazi-fascismo. O nazi-fascismo pode ser visto como um produto extremo e exacerbado das mesmas forças sociais predominantes na fábrica da sociedade mundial administrada em moldes neoliberais. Uma fábrica na qual se fabricam e refabricam desigualdades, tensões e contradições atravessando todo o edifício (IANNI, 1998, p. 115)

É preciso estar atento para as ideologias que se espreitam atrás de discursos que promovem o ódio, a intolerância, a culpabilidade, o medo. Autonomia e consciência crítica são essenciais para se perceber a realidade tal como ela se encontra atualmente.

5. Considerações Finais

No decurso desta explanação, procurou uma reflexão acerca das crises cíclicas do capitalismo, a precarização do trabalho decorrentes de tais crises, bem como o ressurgimento

de ideologias que se encontravam encobertas, como o novo nazifascismo, que dissemina o ódio, a intolerância, e o medo.

As tecnologias e inovações otimizam a superprodução, ao mesmo tempo em que tendem a negar o trabalho vivo, desqualificando e alienando o trabalhador, maximizando desse modo, a natureza contraditória e dialética do capital. A ferramenta humana tem se tornado cada vez menos necessária no processo produtivo, ao passo que sua função não passa de algo repetitivo e monótono, que não lhe exige muitas competências, podendo assim, ser substituído com facilidade.

Na sociedade do consumo, tudo se transforma em mercadoria, até mesmo a tragédia humana. O ser humano, durante toda sua existência, encontra no trabalho, um elemento crucial na formação de sua identidade, bem como no que tange à realização pessoal e social. Além disso, o trabalho se constitui como único meio de satisfazer suas necessidades mais básicas. O capitalismo, com suas contradições permanentes e constantes crises, perpetua as desigualdades e exclusões sociais, proporcionando um terreno fértil para o renascimento de ideologias extremistas, como o novo nazifascismo, com os mesmos princípios retrógrados e opressores que disseminam o ódio e a intolerância, com notícias falas e polarizadas, dando ênfase à violência social.

Neste cenário, é imprescindível que o ser humano alcance uma consciência crítica sobre a realidade que o cerca, dotada de nuances propiciadas pelo capital. E com isso, possa garantir uma liberdade, uma emancipação que o leve a encontrar os meios de resistência. Resistência de ser visto como equipamento de produção e consumo, e se compreendendo como um ser integral, criativo, com autonomia e dignidade, em um esforço coletivo.

Referências

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

ECO, U. Cinco escritos morais. Tradução: Eliana Aguiar. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. Capítulo 2: O fascismo eterno, p. 29-54

HOBSBAWM, E. J. A era dos extremos: o breve século XX 1914-1991.

São Paulo: Companhia de Letras, 1995. Capítulo 14. As décadas de Crise.

IANNI, Octavio. Neoliberalismo e nazi-fascismo. Crítica Marxista, São Paulo, Xamã, v.1, n.7, 1998, p.112-120.

LUCENA, C. O novo nazifascismo. Relatório final de pesquisa pósdoutoral. Campinas, SP: Unicamp, Faculdade de Educação, 2023. Disponível em: https://portaltrabalho.wordpress.com/topicos-especiaisem-trabalho-educacao-e-sociedade-o-novonazifascismo/o-nazismoalemao-02-05-2024/. Acesso em: 02 jul. 2024.

LUCENA, C. História, trabalho e educação: um estudo sobre a precarização do trabalho e qualificação profissional da região do Triângulo Mineiro (1960 – 2004). 2024a. Disponível em https://portaltrabalho.wordpress.com/topicos-especiais-em-trabalhoeducacao-e-sociedade-o-novonazifascismo/as-crises-ciclicas-docapital-18-04-2024/. Acesso em 14 jul. 2024.

LUCENA, C. Ciência, Educação e Precarização do Trabalho. 2024b. Disponível em https://portaltrabalho.wordpress.com/topicos-especiaisem-trabalho-educacao-e-sociedade-o-novonazifascismo/as-crisesciclicas-do-capital-18-04-2024/. Acesso em 14 jul. 2024.

LUCENA, Carlos; LUCENA, Lurdes. Apresentação. In: DEWEY, John. Personagens e Eventos: ensaios populares em Filosofia política e social. Tradução: Carlos Lucena. Uberlândia: Navegando Publicações, 2016.

MAZZUCCHELLI, F. A contradição em processo: O capitalismo e suas crises. 2 ed. Campinas, SP: Unicamp. 2004. Capítulo 1. A contradição em processo.

OBSERVATÓRIO DA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO E DO

TRÁFICO DE PESSOAS. Prevalência do Trabalho Escravo no Brasil. Disponível em: https://smartlabbr.org/trabalhoescravo/localidade/0?dimensao=prevalen cia. Acesso em: 18 jul. 2024.

VI.

O PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO DO TRABALHO:

CONFLITOS E TENSÕES1

Felipe Duarte

Sérgio Paulo Morais

O presente capítulo tem por objetivo contextualizar o processo de terceirização dos trabalhadores na Universidade Federal de Uberlândia. Não só perpassando por pontuar inflexões históricas e legais – nas quais leis foram criadas para balizar novas formas de organização do trabalho no serviço público, como também tentar elucidar como os trabalhadores interpretam e resistem a essas novas formas de dominação. Nesse sentido, busca-se pontuar diferentes embates e lutas que transcorreram na forma de organizar o modo de produção capitalista, bem como analisar diferentes propostas e perspectivas a partir de narrativas orais dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados da limpeza considerando a maneira que estes se posicionam e constroem suas visões de mundo.

A expansão do projeto neoliberal em meio à década de 1980 e 90 “trouxe” como tensão outras perspectivas na luta de classes, o que fez com que o Estado fosse sistematicamente impulsionado e pressionado a impelir novas formas de “estruturação”. Tais mudanças e projetos em disputa foram e ainda são

1 Este capítulo foi publicado originalmente na monografia “Trajetórias e vivências de trabalhadoras terceirizadas da limpeza da Universidade Federal de Uberlândia (20112015)”, apresentado no de 2015 ao curso de História da Universidade Federal de Uberlândia.

construídos por sujeitos históricos reais, que defendem interesses em meio à lógica do mundo capitalista.

A Universidade Federal de Uberlândia não se difere de outras instituições e está inserida dentro de relações sociais em meio a um contexto histórico, sendo também palco desses embates e conflitos, explicitando assim interesses e necessidades a partir de noções perpetradas na luta de classes. Como nos expõe Edward Palmer Thompson, historiador Inglês, no livro “A formação da Classe Operária Inglesa V. I”:

Se detemos a história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas, se examinarmos esses homens durante um período adequado de mudanças sociais, observaremos padrões em suas relações, suas ideias e instituições. A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é sua única definição (Thompson, 1987, p.11-12).

Nesse caminho, abrir o debate para explicitar diferentes perspectivas que foram emergindo em meio à década de 1980 e 90 nos coloca na difícil tarefa de apresentar e discutir essas relações históricas a partir de diferentes documentos e evidências que foram surgindo. Compreender essas relações e “esses homens durante um período adequado de mudanças sociais, observando padrões em suas relações, ideias e instituições” tendo em vista o projeto e as ideias neoliberais que foram sendo implantadas a partir de interesses de classe. Assim, explicitar os interesses da classe dominante, abrangendo caminhos que estavam em disputa, faz-se necessário, como nos explicita Ellen Meiksins Wood:

A última palavra mágica no debate econômico (se a isso pode dar o nome de debate) é “flexibilidade”: as economias capitalistas avançadas, é o que se afirma, devem desregulamentar o mercado de trabalho, enfraquecer a “rede de segurança” social e quem sabe levantar as restrições à poluição ambiental para competir com o capitalismo do Terceiro Mundo, ao permitir que os termos e condições de trabalho caiam aos níveis de seus competidores nos países menos desenvolvidos. Além dos cuidados com a previdência social, também o salário e as condições de trabalho decentes, e até a proteção do meio ambiente, parecem constituir obstáculos à competitividade, à lucratividade e ao crescimento (Wood, 2011, p.244).

Nesses termos apontados por Wood, a noção de desregulamentação do trabalho e da “flexibilidade” não são termos simplesmente locais ou de alguns países, mas um projeto global, principalmente, a partir da década de 1980. O debate sobre a classificação do Brasil em Primeiro, Segundo ou Terceiro Mundo, não se faz, neste contexto, tão necessário, já que os anseios do Capital Internacional se deram de diferentes formas em cada região.

Dessa forma, é possível contextualizar a inserção do projeto neoliberal a partir de sujeitos históricos que alavancaram suas políticas e ideologias. Constatando que a lógica de organização do processo de terceirização está inserida nos meandros neoliberais, por isso, perceber sua construção faz-se necessário. Como analisa Perry Anderson, Historiador Inglês em “Pós-neoliberalismo: As Políticas Sociais e o Estado Democrático”:

O Neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava

o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar (Anderson, 1995, p.9).

Partindo desta análise, entende-se que a perspectiva de pensar o Estado enquanto um problema para expansão do “livre mercado” tornou-se o mote de vários pensadores. Propondo, assim, a debater e combater qualquer noção social ou de “bemestar” que partisse como política de Estado.

Com isso, propostas foram apontadas como necessárias ao combate de um Estado dito “autoritário”, que tivesse qualquer predisposição, no sentido de balizar suas políticas a partir de manifestações de solidariedade com (e entre) seus cidadãos. Como aponta Anderson:

A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bemestar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos (Anderson, 1995, p.11).

Essa postura política cobrada tinha e tem um forte recorte de classe, posicionando-se claramente a favor da classe que detém os meios de produção e o capital para investir em “mercados”, ou para obter empresas públicas através de privatizações. Principalmente desarticulando qualquer forma de organização das classes trabalhadoras, no sentido da “criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos”.

Sendo assim, se articulou como lógica de administração de Estado a postura de restaurar uma “taxa natural de desemprego”,

para que não houvesse possibilidade de ousadia por parte das classes trabalhadoras para questionar tal exploração.

Todavia, a inserção do projeto neoliberal enquanto visão hegemônica em meio à classe dominante não teve inserção de imediato, mas só obteve amplitude após décadas de suas formulações. Apesar de desde a década de 1940 haver articulações entre intelectuais como Hayek e outros, tencionando no sentido de combater os Estados que interviessem no social, só foi a partir da década de 1970 em meio a uma recessão capitalista que se conseguiram condições para combater a noção de Estado intervencionista, como nos aponta Anderson:

A chegada da grande crise do modelo econômico do pósguerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais (Anderson, 1995, p.10).

Percebe-se aí como mote, que o maior inimigo que o projeto neoliberal vislumbrava para legitimação do “livre mercado” eram os próprios produtores das mercadorias, ou seja, os trabalhadores e as possibilidades desses reivindicarem direitos, seja direto ao Estado ou mesmo aos donos dos meios de produção, pois “as raízes da crise afirmavam Hayek e seus companheiros,

estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário”, sendo assim o processo de terceirização dos trabalhadores responde diretamente a esses anseios de desarticulação e fragmentação das organizações sindicais e operárias.

As políticas neoliberais no Brasil também não se afastaram dessa resposta incisiva a todas as organizações das classes trabalhadoras, espelhando-se como exemplo no processo de implantação do neoliberalismo na Inglaterra com Thatcher a “dama de Ferro”, que perseguiu e corroeu todas as expectativas que apontassem para a luta dos trabalhadores, como indica Oliveira, em “Neoliberalismo à Brasileira”:

Os objetivos são os mesmos, lá e cá. Trata-se de destruir a capacidade de luta e organização que uma parte importante do sindicalismo brasileiro mostrou. É este o programa neoliberal em sua maior letalidade: a destruição da esperança e a destruição das organizações sindicais, populares e dos movimentos sociais que tiveram a capacidade de dar uma resposta à ideologia neoliberal no Brasil (Oliveira, 1995, p.28).

Apesar do emblemático processo de implementação do projeto Neoliberal no final dos anos de 1970 com a presidente Margaret Thatcher, cortando gastos sociais e com forte processo de privatização de empresas estatais, houve como primeiro grande exemplo inicial de implementação de políticas neoliberais o caso da América Latina, com o ditador Pinochet no Chile. Como exemplifica Anderson:

De fato, ainda que em seu conjunto tenha chegado a hora das privatizações massivas, depois dos países da OCDE e

da antiga União Soviética, genealogicamente este continente foi testemunha da primeira experiência neoliberal sistemática do mundo. Refiro-me, bem entendido, ao Chile sob a ditadura de Pinochet. Aquele regime tem a honra de ter sido o verdadeiro pioneiro do ciclo neoliberal da história contemporânea. O Chile sob a ditadura de Pinochet começou seus programas de maneira dura: desregulação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos, privatização de bens públicos. Tudo isso foi começado no Chile, quase um decênio antes de Thatcher, na Inglaterra (Anderson, 1995, p.19).

Questão importante a ser pontuada é atentar-se para a noção neoliberal de que o conceito de democracia nunca foi e nem é de suma importância para a inserção dos seus interesses. Colocando como luta central da classe dominante sua reivindicação de “livre mercado”, seja em um contexto democrático ou mesmo ditatorial.

O Brasil, não diferente de outros países da América Latina, também passou por um grande período de ditadura militar, obviamente, perseguindo trabalhadores e todos aqueles que questionavam o status quo da sociedade capitalista, norteando suas intervenções também em uma perspectiva de desconstrução de qualquer política que pensasse o Estado em uma perspectiva de “bem-estar” ou social. Como menciona Oliveira (1995, p. 24); “a verdade é que foi a ditadura que começou o processo de dilapidação do Estado Brasileiro, que prosseguiu sem interrupções no mandato ‘democrático’ de José Sarney.” Pontuando assim, o ditame de sempre colocar o Estado à disposição dos interesses da classe dominante.

Desdobrando sua contextualização, indicando que os governos pós-ditadura militares se dispuseram inflexivelmente a

construir e balizar suas políticas a partir da “cartilha” neoliberal. Delineando sua postura, como cínicas, colocando nos gastos sociais a resposta para a má distribuição de renda no Brasil, conforme nos indica Oliveira:

A eleição de Collor deu-se nesse clima, no terreno fértil onde a dilapidação do Estado preparou o terreno para um desespero popular, que via no Estado desperdiçador, que Collor simbolizou com os marajás, o bode expiatório da má distribuição de renda, da situação depredada da saúde, da educação e de todas as políticas sociais. Foi esse voto de desespero que elegeu Bismarck das Alagoas (Oliveira, 1995, P.25).

O Brasil caracterizou-se na década de 1990 por fortes lutas sociais e a explicitação cada vez mais clara da luta de classes. O Estado brasileiro como sendo o palco de uma crescente implementação de políticas neoliberais, tanto no governo Collor, como no governo de Fernando Henrique Cardoso, forçando privatizações, legitimando cada vez de forma mais clara o processo de terceirização e precarização do trabalho. Sendo assim, como aponta Diana Assunção em “A precarização tem Rosto de Mulher”:

O neoliberalismo e seus pilares de privatização dos serviços públicos, a flexibilização do trabalho e os ataques às conquistas dos trabalhadores garantiram à burguesia o fortalecimento de sua ideologia de livre mercado, competição e fragmentação da classe trabalhadora. Foi com o Consenso de Washington, em 1989, que instituições do imperialismo, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, assinaram um termo de aplicação de

medidas econômicas nos países da América Latina. Assim, as burguesias desses países passaram a implementar tais medidas que seguiam a tendência internacional de flexibilização, privatização e precarização (Assunção, 2013, p. 50).

Seguindo esses ditames, a perseguição aos movimentos sociais e aos sindicatos ocorreram de forma incessante durante a década de 1990, forjando a partir do “Consenso de Washington” o processo de privatização e desdobrando ataques frequentes aos serviços públicos. O economista Luiz Filgueiras nos pontua que:

O Brasil foi o último país da América Latina a implementar um projeto neoliberal. Tal fato deveu-se, de um lado, à dificuldade de soldar os distintos interesses das diversas frações do capital até então presentes no moribundo Modelo de Substituição de Importações (MSI) (Filgueiras, 2001) e, de outro, à intensa atividade política desenvolvida pelas classes trabalhadoras na década de 1980 –que se expressou, entre outros eventos, na constituição do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), na criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT) e na realização de cinco greves gerais entre 1983 e 1989. (Filgueiras, 2006, p. 180-1)

Compreender as peculiaridades do caso brasileiro é essencial para entendermos em que condições os trabalhadores se encontravam ao enfrentar a "avalanche" neoliberal. Houve, entretanto, um intenso processo de mobilização e luta por direitos por parte das organizações das classes subalternas. Ao adentrar a década de 1990, essas organizações começaram a reivindicar outras formas de organização do Estado.

A terceirização se consolidou nessas circunstâncias, seguindo a tendência de “flexibilização” das regulamentações trabalhistas, com o objetivo de desmobilizar qualquer possibilidade de organização dos trabalhadores. As classes subalternas, que ocupavam cargos considerados “desnecessários” para a manutenção da produção de mercadorias e serviços, foram as mais prejudicadas. A historiadora Assunção destaca que:

O Brasil seguiu a tendência de flexibilização e precarização do trabalho como forma de redução de custos e aumento de lucros das empresas. Com a inserção decidida do neoliberalismo no Brasil, o processo de terceirização começou a avançar de maneira significativa a partir de 1990 e passou a ser reconhecido legalmente em 1993. Os serviços que mais foram terceirizados no Brasil são os de limpeza, vigilância, e no último período houve um boom do telemarketing. Se compararmos com os trabalhadores formais ou efetivos, os trabalhadores terceirizados ganham cerca de um terço de seus salários (Assunção, 2013, p. 51).

Para além de uma inflexão jurídica que pontue o começo da legitimação da terceirização no Brasil, é importante situarmos como esses projetos e perspectivas foram ocorrendo, pois notase diversas interpretações legais em diferentes momentos.

O ano de 1967é indicado como o período que declarou a legitimidade do Estado para se processar a terceirização. Outro momento diz respeito ao ano de 1970, quando se expandiu a contratação de empresas para prestarem serviços ao Estado. Por fim, tem-se a difusão legal proporcionada pelo governo FHC em 1997:

O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no § 7º do art. 10 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, DECRETA: Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta2

Extinguindo vários cargos no serviço público, considerando-os irrelevantes para a manutenção das “atividadesfim” das instituições públicas.

Importante, em meio a isso, caracterizar como a burguesia vislumbrou como interesse direto em propiciar o processo de terceirização, como forma de alavancar lucros e disseminar o medo entre as classes trabalhadoras de não conseguir ter o mínimo de projeção ou estabilidade nos seus respectivos locais de trabalho. Assunção pontua bem claramente como a terceirização era e é um projeto central para a classe burguesa, indicando que:

A terceirização traz grandes benefícios para a burguesia. Além dos baixos salários, que a tornam uma forma eficaz para que as empresas aumentem seus lucros e inclusive não percam nenhum centavo, com ela, as empresas não precisam se preocupar se algum trabalhador falta,

2 Lei n°5.645, de 10 de dezembro de 1970 e decreto lei n°200, de 25 de fevereiro de 1967.

engravida ou “cria algum problema”, muito menos com custos de acidentes de trabalho, licenças médicas, refeição, transporte, impostos trabalhistas, custos de admissão, demissão e treinamento. Simplesmente nem tratam disso. As empresas terceirizadas rapidamente substituem o funcionário que faltou, engravidou, ficou doente ou “criou algum problema”. Tudo isso se dá sob forte assédio moral, uma prática “legalizada” entre as empresas terceirizadas, que conta com a conivência e “vistas grossas” da empresa contratante (Assunção, 2013, p. 53).

Comumente o termo precarização é usado como sinônimo de terceirização, tal debate se delineia nesses apontamentos, indicando que “as empresas não precisam se preocupar se algum trabalhador falta, engravida ou ‘cria algum problema’, muito menos com custos de acidentes de trabalho, licença médicas, refeição, transporte, impostos trabalhistas, custos de admissão, demissão e treinamento”. Explicita-se assim a construção de certa “invisibilidade social” para com os trabalhadores terceirizados, caminhando em um sentido de descaracterizar estes como detentores de direitos em meio à legislação trabalhista vigente.

Considerar que o campo jurídico também é um campo de disputas e interpretações, possibilita-nos compreendermos as tensões que vão se construindo, descaracterizando um dos princípios básicos idealizados pelos liberais: de que todos são iguais perante a lei. Falácia que se mostra de forma clara quando contextualizamos as condições dos trabalhadores terceirizados. Como aponta Jorge Luiz Souto Maior na “Apresentação” de “A precarização tem Rosto de Mulher”, indicando que:

Do ponto de vista dos trabalhadores terceirizados, as consequências dessa situação vão muito além da mera

precarização das garantias do trabalho, significando mesmo uma forma de precarização da sua própria condição humana, vez que são desalojados do contexto da unidade em que prestam serviços. Os “terceirizados”, assim, tornam- se objetos de contratos e, do ponto de vista da realidade, transformam- se em seres invisíveis. E isso não é mera figura retórica, pois a maior forma de alguém ver reduzida a sua condição de cidadão é lhe retirar a possibilidade concreta de lutar pelo seu direito e é isso, exatamente, o que faz a terceirização. (Maior, 2013, p.13).

Como indica Souto Maior, o trabalhador terceirizado fica “preso” há um determinado tempo de contrato de prestação de serviço, ao fim do contrato, são “desalojados”. O trabalhador fica à mercê de contratos temporários, que acabam dando brecha para que as empresas criem, entre os trabalhadores, a noção de que pelo trabalho ser temporário não lhes cabe direitos, considerando que a necessidade de contratar o trabalhador é vista como passageira e pontual.

Contudo, percebemos como delineia-se a noção de terceirização como precarização. Como indica a historiadora Assunção, militante da causa feminista, a noção de precarização no seguinte sentido:

O conceito de precarização do trabalho diz respeito às diferentes formas de rebaixamento salarial, degradação das condições de trabalho, retirada de direitos trabalhistas historicamente conquistados e fragmentação da classe operária, atingido principalmente os setores mais oprimidos da sociedade, como as mulheres (Assunção, 2013, p.28).

Apesar da década de 1990 ser caracterizada como o período das privatizações e das políticas neoliberais, principalmente durante o governo FHC, percebe-se que apesar de os anos 2000 serem marcados por governos pretensamente ligados aos interesses das classes trabalhadoras, buscamos aqui perspectivas que incitam outras interpretações.

Os governos de Lula e Dilma não refrearam em sua plenitude as políticas neoliberais, impulsionando, assim, uma ampliação do processo de terceirização do trabalho e arrocho aos sindicatos e trabalhadores que questionavam as políticas de governo. Como indica Assunção interpretando o contexto dos anos 2000, nos indica que:

No Brasil, os efeitos da crise começam a se expressar ainda de forma lenta, mas já anunciam o começo do fim de tantas ilusões no período de crescimento lulista. Os últimos anos foram marcados por um endurecimento do governo Dilma contra o movimento operário, como durante as greves do funcionalismo público e a criminalização à luta dos operários da construção civil, como em Jirau, e revelaram que as fortalezas econômicas construídas na última década no nosso país podem se transformar nas maiores debilidades diante da crise internacional. Estamos falando da dependência da exportação de comodities, tendência à desindustrialização de alguns setores, aumento dos postos de trabalho precário etc. (Assunção, 2013, p.27).

O contexto histórico de crise econômica como é indicado, inicia-se em 2008, mas são sentidos de diferentes formas em cada região do planeta. Interessante frisar que, como de praxe nos últimos 30 anos, a possibilidade de pensar em soluções e

caminhos para além do projeto neoliberal é vislumbrada como resolução ilusória pela classe dominante. Sendo assim, a intensificação de políticas neoliberais como resposta à crise, e consequentemente como projeto para os anos de 2010, se clarifica de forma eminente. Em meio a isso, o processo de terceirização se explicita como um projeto inserido inflexivelmente para resolução de crises e contingenciamento do ímpeto reivindicatório da classe trabalhadora.

A consolidação da ideologia neoliberal como hegemonia no contexto em que vivemos afeta, de diversas maneiras, a Universidade Federal de Uberlândia, foco desta pesquisa. É importante reconhecer que, apesar de todas as contradições, as universidades públicas no Brasil ainda são espaços cruciais para debates e reflexões sobre as mudanças e perspectivas que se desenvolvem ao longo do tempo.

A UFU, como já frisado anteriormente, também não está à parte dos conflitos e tensões que ocorrem na sociedade, por isso, impulsionar sua contextualização faz-se necessário para compreendermos suas transformações ao longo das décadas, já que diferentes noções de organização dentro da universidade estão diretamente ligadas às premissas e tensões do mundo dos trabalhadores.

Apesar da hegemonia alcançada pelo neoliberalismo na década de 1990 (que se desdobrou em pressões e interesses explícitos dentro da universidade e, consequentemente, com direcionamento sobre o conhecimento que nesses espaços é produzido), há uma cobrança acerca de uma legitimação de perspectivas como meritocracia, produtivismo e eficiência, noções habituais da ideologia neoliberal.

No decorrer do processo de pesquisa, tive a oportunidade, acarretada por minhas idas e vindas ao centro de Uberlândia, de

encontrar um ex-Reitor da Universidade Federal de Uberlândia. Embora houvesse constrangimento de minha parte, eu abordei-o e indaguei sobre como ele interpretava e percebia o processo de mudança dentro da universidade, e se ele poderia me expor como foi o processo de federalização e mudanças acarretadas nas relações de trabalho dentro da universidade.

A UFU foi “federalizada” em 1978 pelo presidente Geisel durante a ditadura civil-militar. A Universidade “nasceu”, segundo ele (ex-Reitor), da federalização de três faculdades estaduais e cinco faculdades particulares, destacadas principalmente pela escola de medicina, uma faculdade de direito e outra de engenharia. Apesar dos conflitos e interesses em disputa, segundo ele, graças à reivindicação da classe dominante (caracterizada, como sendo ruralistas, a prefeitura, e o empresariado) da cidade, conseguiuse reivindicar a instalação de uma universidade federal em Uberlândia.

Com um tom calmo e de orgulho, disse que o principal interesse das classes dominantes em instalar uma universidade desse porte em Uberlândia seria o de produzir mão-de-obra qualificada. Dessa forma, poder-se-ia trazer grandes multinacionais e as empresas locais poderiam usufruir do potencial que a universidade poderia dispor enquanto conhecimento produzido, usando como exemplos emblemáticos para a época, a instalação do parque industrial da Souza Cruz e a expansão da empresa Algar Tecnologia.

Outro ponto interessante a ser frisado é que apesar da federalização da universidade ocorrer em 1978, só foi a partir de 1981 que os alunos pararam de pagar mensalidades, mostrando assim os interesses, disputas e a quem a universidade deveria servir. Devemos pontuar que em meio à ditadura civil-militar existia uma postura declarada contra a noção de serviço público,

tanto que todos os seus funcionários durante a década de 1980 eram trabalhadores celetistas (CLT), o que só foi modificado após várias lutas e consolidado na constituição de 1988.

Todavia, a universidade não dependia exclusivamente dos investimentos a ela direcionados, pois já havia, antes mesmo de sua federalização, uma relação com a FAEPU (Fundação de Assistência, Estudo e Pesquisa de Uberlândia), uma fundação privada, controlada pela administração da UFU, que anteriormente organizava a antiga escola particular de medicina.

Importante explicitar essas relações, pois, na década de 1980, a FAEPU caracterizava-se como uma empresa terceirizada, que não só organizava “fundos” e verbas para o planejamento do Hospital Universitário, mas também contratava mão-de- obra para exercer funções em meio à instituição.

Em entrevista feita com o técnico administrativo Paulo Henrique Rodrigues, militante sindical, podemos elucidar alguns pontos sobre as políticas neoliberais e processo de terceirização dentro da UFU. Assim, perceber a partir de suas interpretações como vão se delineando transformações e lutas, a partir de sua contextualização sobre as relações sociais construídas nesse espaço.

F: Como eu tinha falado pro senhor, eu trabalhando nessa questão da terceirização, queria que o senhor só me, para começar assim, o senhor falou que é militante, foi militante desde que entrou na universidade, no processo de luta aí, queria que cê me contextualizasse um pouco como que foi o processo de implementação dessa terceirização, como que foi a postura, como que foi o ambiente nesse processo de terceirização, não sei se o senhor caracteriza a FAEPU como terceirizada, a terceirização a partir de 98 com o

Fernando Henrique, aí eu queria que o senhor me falasse um pouco?

PH: Não, correto, nós tivemos aqui todo um processo que hoje colocando aí, a situação na universidade, cê tem que buscar algumas raízes inclusive pra entende qual foi a dinâmica, não é uma situação específica da Universidade Federal de Uberlândia, ela é uma política de Estado, não é?

Isso começa lá em 1990, então quando a Universidade Federal de Uberlândia tava já num processo de desenvolvimento intenso né, tivemos grandes ampliações aqui, esse campos não tinha 8 prédios né, quando começamos aqui na década de 80, a universidade tinha já vindo de um crescimento grande todo um processo de atuação dos políticos da região, porque a universidade ela era a essência né, então você vai identificar vários trabalhos aqui na própria UFU, em que você coloca Uberlândia antes da universidade e Uberlândia depois da universidade, então isso tem um impacto na sociedade, combina com o crescimento, a explosão que Uberlândia teve na década de 70 e 80 que foi um crescimento muito grande, o que trouxe uma migração intensa pra essa cidade então, o que trouxe uma migração intensa pra essa cidade então, aí a partir daí você já tem o que, na própria universidade quando os trabalhadores vem pra construi esses prédios todos, então você tinha uma mão-de-obra muito grande, construindo isso, essa mãode-obra é incorporada pra dentro da universidade, que aí tinha um diferencial que a Universidade Federal de Uberlândia era uma fundação tava num processo ainda de federalização né, e quando você tem toda uma mão de obra que antes contratada principalmente pela FAEPU, que era uma fundação vinculada a faculdade de medicina né, que

na constituição da universidade essa fundação vem pra dentro da universidade (Rodrigues, 52 anos, 2015)3 .

Percebe-se que esta visão de que há uma cidade de Uberlândia antes da federalização da universidade e outra cidade de Uberlândia após a federalização, também é interpretada por Paulo Henrique. Tendo assim, um crescimento exponencial, e uma grande migração na busca de encontrar trabalho na cidade.

Nesse sentido, a prática de consolidar “fundações privadas” de direito privado como a FAEPU, já se constituía como prática comum em meio à ditadura militar na década de 1980. Tendo uma relação com os gestores que direcionam seus interesses e funções. Consoante ao que nos diz Paulo Henrique:

PH: ...e aí teve um papel muito importante da ASUFUB que era a associação dos servidores, e esse pessoal podia também participar como convidados especiais na associação, participar da atividade de lazer, então isso dava uma integração e também o outro aspecto que não gerou um impacto é que esse pessoal então sai da condição de terceirizado, porque a FAEPU é uma empresa terceirizada, apesar de ser uma fundação sobre controle da universidade, toda controlada pelos conselhos superiores, ela é uma empresa privada, ela é de direito privado, então é diferentemente de você ter aí em que pese instituições de direito privado, mas são instituições públicas, porque são

3 Entrevista com Paulo Henrique Rodrigues, técnico-administrativo, da Universidade Federal de Uberlândia, junho de 2015. Tal entrevista foi autorizada para publicação pelo sindicalista no ano de 2015, um ano antes da resolução n°510, de 07 de Abril de 2016. De acordo com as normas vigentes para publicação em 2015 foi encaminhada naquele momento a entrevista. Importante pontuar que infelizmente o servidor público e sindicalista veio a falecer três anos após a entrevista no ano de 2018.

vinculadas ao ministério ou então a administração central, a FAEPU era uma empresa privada, então são todos terceirizados, então nessa relação de trabalho, nesse código aí do diferencial você tem o que, eles são terceirizados, só que terceirizados por uma empresa que tem um vínculo e um domínio da própria universidade (Rodrigues, 52 anos, 2015).

Todavia, com o crescimento exponencial dos trabalhadores terceirizados da FAEPU, constrói-se aí uma relação entre trabalhadores terceirizados e os vinculados a UFU, principalmente através da “ASUFUB que era a associação dos servidores, e esse pessoal podia também participar como convidados especiais na associação, participar da atividade de lazer, então isso dava uma integração”. Possibilitando, assim, uma construção de solidariedade de classe, entre os diferentes setores.

No entanto, a partir de lutas desses trabalhadores e principalmente após a Constituição 1988, emprega-se uma legitimidade para que os trabalhadores sejam reconhecidos como servidores públicos estatutariamente. Nesse sentido, em 1991, tem-se a inserção de todo o quadro de trabalhadores da universidade e da FAEPU, reconhecidos pelo MEC enquanto servidores públicos. O que nota na narrativa de Paulo Henrique:

PH: o pessoal na nossa implementação da nossa carreira que foi um plano de cargo e salários de todas as universidades fundacionais no Brasil, então o MEC não tinha o controle da universidade, ele não sabia o quadro efetivo, daí quando o ministério da educação solicita a relação de pessoal das universidades, os Reitores dessas universidades fundacionais incluem no quadro de imediato, incluem no quadro todos os trabalhadores fundacionais, então esse

pessoal incorporou o quadro e aí o MEC passa a ter o controle efetivo do quadro, dizendo então aqui o quantitativo de mão-de-obra na Universidade Federal de Uberlândia é esse, sem buscar saber a origem, então passa então a Universidade a trabalhar com esse quantitativo, e esse pessoal terceirizado da fundação ele vem para dentro da Universidade mas pra trabalhar num outro ambiente (Rodrigues, 52 anos, 2015)

Podemos, a partir daí, abrir algumas questões, como por exemplo, qual “outro ambiente” seria esse? Como esses trabalhadores anteriormente terceirizados enxergavam essas transformações? Os terceirizados das fundações podem ser caracterizados como tendo os mesmos embates e dificuldades dos terceirizados de empresas prestadoras de serviços? Quais são suas peculiaridades? Pois, como frisa Paulo Henrique:

PH: Hoje o indivíduo vem pra esse ambiente aqui da Universidade, mas ele não está incluído, porque a partir do momento que venceu um contrato a empresa se retira e ele também se retira desse espaço e ele começa a enfrentar em outro ambiente, quer dizer um novo processo de territorialização, os da fundação FAEPU a época não, eles vieram aqui para integrar o que nós chamamos de comunidade universitária (Rodrigues, 52 anos, 2015).

Podemos também indagar que a terceirização não seria uma “desterritorialização” constante para esses trabalhadores terceirizados? Considerando que estão sendo deslegitimados a não criarem vínculo com seus locais de trabalho. Estão expostos a leis/normas que descaracterizam a possibilidade de permanência em algum local de trabalho. Por isso, é importante questionar,

quais noções de resistência esses trabalhadores vão construindo em meio a esse deslocamento constante legitimado pelas terceirizações. Como afirma Assunção:

Quando uma empresa terceiriza algum serviço para outra, os trabalhadores terceirizados não são contemplados pelo acordo coletivo da categoria de onde estão trabalhando, existe um acordo específico feito entre a limpadora e os sindicatos dos terceirizados. As empresas terceirizadas seguem as diretrizes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pois o período de experiência é igual para todas as empresas (90 dias, com dois períodos de 45); mas utilizam permanentemente os 45 dias – primeiro período de experiência – para garantir rotatividade no emprego com menor custo, e também o mecanismo de assédio contra os trabalhadores para obrigá-los a uma jornada de trabalho extenuante, o que faz aumentar a concorrência entre os trabalhadores que, para “passar na experiência” aceitam fazer todo tipo de serviços e evitam se unir ou conversar entre si sobre os problemas e as péssimas condições de trabalho e salário. (Assunção, 2013, p.59-60)

Sendo assim, quais seriam os significados e sentidos que ganham o termo comunidade universitária em meio a esses trabalhadores? Podemos caracterizar esses sujeitos como parte da comunidade universitária? Comunidade universitária se caracterizaria com contornos de uma elitização desse espaço? A quem a noção de comunidade universitária se refere e a quem ela serve?

PH: A universidade que tem o seu objetivo, a sua missão, e pra essa missão ela depende três seguimentos, o primeiro seguimento é o aluno, é o objeto de funcionamento da universidade, da missão da universidade é o aluno que

ela vai produzir ciência, ensino, aprendizagem então ela precisa ter esse indivíduo, ele é o objetivo, e para ele ter consequência dessa missão dela ela tem que trabalhar com dois tipos de profissionais que é o profissional docente que vai tratar diretamente com o aluno e pessoal técnico administrativo que quem vai dar suporte a toda essa atividade da docência, da pesquisa e nesse meio tempo, como não existe ensino puro do docente, o ensino também tem uma questão prática não é só os livros, você então estabelece uma relação um pouco mais débil, mas existe a relação entre o técnico administrativo e o aluno naquele ambiente do curso dele, então o técnico administrativo ele é parte do processo educacional, então quando você pensa a nível da organização do trabalho, a rotina de trabalho, os processos de produção na Universidade, você enxerga claramente o técnico administrativo naquela missão de educar, isso claro né, tem problemas com a academia, porque a academia arroga pra ela né como exclusivo, só ele consegue ensinar como se o ensino fosse a releitura de um livro ou uma fala na sala de aula, eles não conseguem ampliar por interesses é claro, corporativos, ampliar o conceito de educação, na visão deles, porque se não eles tem que admitir como é fundamental o trabalho do técnico administrativos aqui e na experiência que o aluno tem, porque ele veio pra cá, ele vai ter o seu aprendizado e o aprendizado dele extrapola as páginas do livro e ele começa a fazer o comparativo com a vida real na Universidade e a experiência que o aluno tem é qual, a relação de trabalho estabelecida naquele ambiente no curso que ele está convivendo. Então essa ideia do trabalhador técnico administrativo como profissional da educação, ela é combatida dentro da academia principalmente com os gestores, por isso as controversas todas que tem os enfrentamentos com os estabelecimentos das carreiras que nós

conseguimos colocar aqui que traz um salário pequeno, mas traz aquilo que incomoda mais a gestão e a administração pública que é os direitos do técnico administrativo, quanto a gerenciamento, participação no processo como um todo, daí você tem uma parte desse processo, né (Rodrigues, 52 anos, 2015).

Visivelmente, explicita-se certo incômodo por parte de Paulo Henrique ao caracterizar as relações de poder e de produção de conhecimento dentro da universidade. Assim, nota-se uma postura corporativista nas relações de trabalho dentro do referido espaço. Em qual ponto se inicia e termina a noção de ensino e aprendizagem dentro da universidade? “Então essa ideia do trabalhador técnico administrativo como profissional da educação, ela é combatida dentro da academia principalmente com os gestores”; nesse sentido, podemos também desdobrar essas relações e tensões aos trabalhadores terceirizados. Como algumas atividades são colocadas como essenciais ao funcionamento da universidade e outras caracterizadas como não tendo necessidade de vínculo enquanto trabalhadores efetivos? Nesse sentido, destacamos a seguinte fala de Paulo Henrique:

PH: A FAEPU era uma fundação privada de direito privado, você então estabelece uma nova organização aqui na Universidade, então nós passamos a ser servidores públicos federais, porém o nosso vinculo de trabalho, nossa relação de trabalho se dava na CLT, e é bom lembrar que isso foi antes da constituição, e a partir da constituição de 88, é que teve uma uniformização, e veio fazer aí a exigência de concurso público, então muita gente entrou sem concurso, era permitido absorver quadro, o MEC não sabia, o MEC mandava o dinheiro pra cá porque a folha de pagamento

da Universidade era rodada aqui e chegava no final de ano, se sobrou dinheiro do orçamento, o conselho Universitário aprovava um bônus para os trabalhadores, entendeu, então tinha um bônus pros trabalhadores, porque sobrou dinheiro então dava um bônus, então este dinheiro ficava por aqui e tal, se tinha uma relação diferente, não houve impacto sobre os trabalhadores, negativo, sobre os trabalhadores da FAEPU, porque eles saíram de uma condição de insegurança pra uma condição de segurança e passaram a ser membros né, participes do processo educacional, tá nesse fazer, o processo de terceirização então que acontece a posterior nos termos clássico que vem do que temos hoje, vem desse esvaziamento do Estado, daí há um processo também no governo do Fernando Henrique Cardoso né, e aí que explica um processo aqui que as fundações elas existiam, então a FAEPU ela gerenciava todo um serviço, contratação da mão de obra de terceiros porque dispensariam a universidade das licitações, a administração do hospital, que desobrigam a universidade de um punhado de amarras, que é a lei 8666, que é a lei de licitações, vindo um decreto lei 200, obrigam a reitoria, ocorre que com o governo Fernando Henrique Cardoso, houve um processo também de implementação de um novo processo de universidade, de um novo sistema de universidade, conhecido na época como processo “geris” né, que aí você tinha toda uma estruturação da universidade, estruturação “cêntrica”, um padrão Americano né, nos Estados Unidos você vê até hoje como é que funciona as universidades, você não tem os institutos de pesquisa fazendo ali, as pesquisas são feitas nas empresas, é uma ou outra universidade que faz uma pesquisa lá, mas o financiamento é das empresas, e a pesquisa é direcionada pra empresa, daí então não é pesquisa pública, então assim mudava todo o conceito de universidade e de educação pública que a

gente defendeu na década de 70 e 80, daí veio uma PEC, Proposta de Emenda Constitucional, PEC 360, e nós nas universidades, e aí envolveu toda a comunidade universitária, que aí os alunos também entraram nessa briga, foi uma briga intensa contra o projeto, contra essa PEC, conseguimos derrubar a PEC no congresso, uma movimentação nacional intensa, então como a universidade não atendeu mais aos interesses do Estado brasileiro, do governo, não do Estado, mas do governo Fernando Henrique, ele começa um processo de sangria das contas da universidade, então ele começa, ele limita o orçamento das universidades, diminui, aí sim tem cortes de orçamento, e aquele dinheiro que ele não mandou pras universidades ele implementa num novo processo de desenvolvimento educacional com financiamento e expansão das universidades na iniciativa privada, todo um processo de desoneração de folha, de impostos e tudo mais, e estabelece né como regra geral que todas são filantrópicas, então aí você tem um crescimento vertiginoso da iniciativa privada na área da educação, financiado pelo governo do Fernando Henrique, bom com o sucateamento das universidades, as fundações então agora crescem na sua importância e em números também, começa a pipoca fundação pra todo lado, pra capita recursos, então FAEPU, FAU, FUNDAP, tudo né, todas essas fundações que nós temos hoje e outras que já existiram, em outras universidades também, começam a tê um papel de capita recursos, e começa agrega de novo né o seu quadro de pessoal no ambiente nosso, só que esse pessoal novo na FAEPU, e que até hoje persiste essa relação, esse pessoal novo na FAEPU, não tem perspectiva de incorpora o quadro da universidade, portanto continuam sendo alheios ao processo aqui, eles são invisíveis né, eles não reconhecidos nesse processo, como também há os limitadores pras fundações, porque não tem recurso a todo

momento, e aí o governo começa a mudar essa dinâmica (Rodrigues, 52 anos, 2015).

É interessante perceber como Paulo Henrique vai contextualizando as mudanças envolvendo a universidade e explicitando o processo de implementação das políticas neoliberais. Tem-se o corte de verbas às instituições públicas pela não adesão a projetos de interesses privados, uma forte política de incentivo à criação de universidades privadas, um processo de corte de orçamento, fazendo com que a universidade tenha que recorrer às fundações enquanto processo de terceirização de mão-de-obra e orçamento. Ou seja, sair de um contexto no qual Paulo Henrique indica certa valorização desses servidores, com pagamento de “bônus”, a uma forte política de combate à noção de ensino e instituição pública. Como nos expõe:

PH: E hoje a gente consegue estabelecer alguma relação, algum contato, certa visibilidade, em alguns setores, ou seja, onde se você tem um trabalho continuado, que são na área de manutenção, na área de vigilância, na área de conservação e asseio, porque é um serviço continuado, em que os contratos vão sendo refeitos ou mudados de empresa, mas normalmente as empresas que assumem absorvem a mão-de-obra da empresa antiga, porque aquele terceirizado tá sendo mandado embora, ele continua aqui no mesmo ambiente, mas por outra empresa, na maior parte dos casos, então essa continuidade aqui né, dá uma certa visibilidade pra esse pessoal, mas todo o pessoal que tá em outro processo de trabalho, como foi com o REUNI, em que você tem construção de prédios, acabou a construção, acabou o serviço, esse pessoal é deslocado daqui, então como é que esse pessoal vê, e a

gente tem feito debate com esse pessoal ao longo dos tempos todos ali, porque dava conflito, você tem uma relação de trabalho, que aí não é só o contrato ali se é Celetista ou estatutário, mas uma relação cotidiana no trabalho do fazer aqui, numa perspectiva de um ambiente público, então que quê é uma universidade, e o exemplo clássico nos nossos debates era o serviço da vigilância, então quando você pegava um vigilante da universidade, a concepção do trabalho dele, é que ele era um vigilante no serviço público, pra trabalhar numa área pública, num ambiente público, portanto onde não tinha o dono e o acesso era irrestrito, e com as suas limitações num canto ou noutro pronto. A partir do momento com o processo de terceirização você traz pra cá o profissional que foi formado, portanto, ele tem uma concepção já interiorizada do que é a função dele, só que ele quando fez o curso dele de vigilante ele aprendeu que ele é o vigilante de um setor privado, onde um espaço tem dono, então quando ele sai duma fábrica e vem para a universidade, ele entra num outro mundo, ele não consegue se localiza, porque lá na fábrica ou na porta do banco, você só entra se ele deixar, porque a ordem do dono da fábrica é não vai entrar ninguém, e ele cumpre aquela ordem e a responsabilidade do dono, porque é um espaço privado, no espaço público como a universidade, não tem como ele seleciona quem entra quem num entra, o que faz, o que num faz, então esse novo mundo impacta sobre o terceirizado, ele não consegue compreender porque como a produção também é um detalhe da característica da universidade, nós temos uma produção imaterial né, porque cê da uma olhada, cê não tá vendo ali, a maior parte é isso, o conhecimento, ele não consegue compreender isso aqui como espaço que tá sendo produzido, na fábrica ele vê produzi um caixote, um

cigarro, uma caixa, uma ferramenta.(Rodrigues, 52 anos, 2015)

Dessa forma Paulo Henrique delineia como noções vão sendo construídas e desconstruídas dentro do espaço de trabalho, ou seja, da universidade. Tendo como mote a inserção cada vez mais forte com o processo de terceirização, de privatização do espaço público. Mostrando as diferentes perspectivas dentro do processo de terceirização como é o caso dos trabalhadores das obras, no qual o trabalho que ele exerce acaba sendo mais “pontual” ainda do que o de outros trabalhadores terceirizados.

Considerando que o contrato dos “pedreiros” não é por um grande período, a sua função é a mais afetada no que tange ao vínculo com o espaço universitário. Após o término do serviço prestado à Universidade eles são automaticamente remanejados, o que faz com que a relação mais próxima que se consegue construir seja com os trabalhadores terceirizados da limpeza e vigilância etc., pois eles acabam ficando mais tempo vinculados ao espaço universitário.

Todavia, a construção da noção de estar em um espaço privado é legitimada constantemente pelas empresas terceirizadas. Reforçando o que foi dito acima: “ele aprendeu que ele é o vigilante de um setor privado, onde um espaço tem dono”, ou seja, as relações construídas, em uma fábrica ou mesmo em outra empresa privada, são logo assimiladas no espaço da universidade pública. O assédio moral, seja com o vigilante ou mesmo no caso das trabalhadoras da limpeza, tem como finalidade a legitimação de que elas não fazem parte do “espaço público” ou mesmo da instituição.

A perversidade nessas relações de dominação sobre as classes trabalhadoras vai constituindo outro paradigma, em um

ambiente que se arroga de “todos”. Apesar de estarem prestando serviços em uma instituição pública, são pressionados a acreditarem, por uma postura de dominação, que são “externos” à universidade, levados, assim, a uma “invisibilidade social”.

Consoante a isso:

PH: então veja bem, esse vigilante que ele vem nessa concepção, quando chega aqui, como ele é um Ser Humano e é capaz de raciocínio, e o Ser Humano é fruto do meio, então como ele foi moldado, pra praticamente Polícia, Polícia do patrimônio privado né, dá vontade privada, ele vem pra cá encontra um outro mundo, então ele tem um impacto, e aí na relação do dia-a-dia ele vai vê que existem outros mundos, que não era só o dele, e que aquele mundo não era um mundo estranho e horroroso, mas era um mundo diferente, e ele começa a investigar esse mundo, ele começa então a perceber que existe espaço público e tem que ser defendido como público, como é que na relação de trabalho ele é enxergado, bom, a administração da universidade vai dizer olha mais o aluno, o técnico, ou docente tava numa “zueira”, uma manifestação, e o vigilante não fez nada né, e aí ele não consegue se desliga totalmente do espaço privado pra entrar numa atmosfera de espaço público porque este espaço público é chamado de público, mas na verdade ele não é público, porque a partir do momento em que houver qualquer situação no estacionamento, ninguém se manifesta na universidade, a gestão da universidade não se manifesta junto a empresa, exceto se o que carro foi mexido lá for de um professor, se o carro é do professor, aí há um debate se a segurança tá funcionando ou não no conselho, porque que o vigilante não previu isso, porque que o vigilante não deu conta disso, e aí vai pra cima desse vigilante, numa ação certo

muito mais contundente do que seria se fosse um vigilante da universidade, porque o vigilante da universidade tem a estabilidade, este outro vigilante não tem a estabilidade, e a empresa que quer faturar mais e garantir o contrato tem que atender quem vota o contrato e quem vota o contrato é o professor lá no conselho, então nota o conflito que ele vive, ele consegue enxergar e aí ele consegue compreender que este é um espaço público, portanto todos tem que estar transitando, e não pode ter os donos, mas ele não é totalmente público porque tem os donos, e você escuta né, e o aluno escuta, o técnico escuta, esse é o meu laboratório é o meu departamento, o meu funcionário, os meus alunos, então o pronome possessivo ele é imperativo aqui dentro desse ambiente da universidade, então esse pessoal ele vive uma agonia como os trabalhadores na obra certo, só que os trabalhadores na obra sabe mais ou menos quando vai ser o fim na agonia deles, porque eles tem noção do final do contrato porque tem noção do final da construção da obra, então acabou a obra daqui 90 dias, então nós vamos sair, então eu só tenho trabalho por 90 dias aqui, se não arruma nada, esse outro vive uma angustia maior, e há um adoecimento no trabalho, e infelizmente não se tem registro porque a universidade que gera esse adoecimento se diz que não é responsável, que o responsável é o dono da empresa que contrato ele, então essa é uma das questões dessa relação de trabalho com esse pessoal, e esse pessoal não consegue se enxerga ali porque ele não vê apoio nenhum, então não se vê parte do processo, então se torna também mais invisível um pouco, mesmo a gente vendo a permanência deles aqui por um certo tempo e ao passo que ele toma uma consciência nova e tenta operar num novo ambiente pra ter a sua eficiência, que a eficiência dele vai depender dele entender em que ambiente ele está pra poder trabalhar, ele é visto

de uma outra maneira, ele é visto pela gestão da universidade pelo administrador dele como esse cara já pego o costume de servidor público, já tá ficando lá mole no serviço, porque o que justificava a administração terceirizada era acaba com os maus costumes do servidor público, houve caracterização do servidor como o cara insolente, o cara que não trabalha, pra justifica porque infelizmente que não podemos contar com esse profissional no quadro. (Rodrigues, 52 anos, 2015)

Como expõe Paulo Henrique, o terceirizado “ele vem pra cá e encontra um outro mundo”, e é dentro dessas possibilidades que podemos caminhar para questionar; quais são esses “outros mundos” construídos pelos trabalhadores terceirizados? Pois a justificativa para se combater a noção de serviço público estava e está engendrada na perspectiva de colocar o servidor público enquanto “o cara insolente, o cara que não trabalha, pra justificar porque infelizmente não podemos contar com esse profissional no quadro”. A contradição vai se perpetuando dentro das próprias noções que a universidade pública constrói e ao mesmo tempo combate, circunscrevendo certas noções de privilégios legitimando quem são os detentores do espaço público.

Referências

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dec%202.271- 1997?OpenDocument Acesso em: julho de 2015, às 10:31.

BRASIL. Decreto-Lei nº 200, 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/Del0200.htm. Acesso em julho de 2015, às 10:56.

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THOMPSON, E.P. Trad. Denise Bottmann. A Árvore da Liberdade. In: THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Vol 1.

WOOD, Ellen Meiksins. Democracia Contra Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. Trad. Paulo Cesar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2011.

PARTE III

O novo nazifascismo e a precarização do trabalho

VII.

NEOFASCISMO

NO BRASIL E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Eulália Gonçalves Souza Oliveira

Fabiane Santana Previtali

Introdução

Este texto objetiva apresentar a gênese do fascismo, para posteriormente discutir sobre esse movimento no contexto brasileiro e suas implicações para a educação, à luz das contribuições de Paxton (2007), Eco (2018) e Lucena (2023). Para tanto, na primeira parte do texto buscou-se trazer alguns elementos fundantes do fascismo de Mussolini, com foco em seu surgimento e desdobramentos.

Em seguida apresentou-se elementos com base em autores que de igual modo podem contribuir para a compreensão da conjuntura brasileira, sua dinâmica política e a possibilidade de verificá-la na contemporaneidade, e assim optar por não enaltecer o imperialismo e especialmente o neofascismo, o qual tem característica benevolente falseada pela dominação, e ainda uma prepotência sedutora a partir do controle.

Discutiu-se a educação brasileira em um contexto neofascista e a possibilidade de resistência. Esta que foi concebida como um importante canal da guerra cultural, com repertório frágeis e muitas vezes ridículos por aqueles que o defendem, de modo a atacar incisivamente os professores com a liberdade de cátedra e ameaças, retaliação as universidades alterando inclusive o financiamento à pesquisa que é tão necessário. Por fim, na conclusão

são indicadas algumas considerações sobre o contexto subversivo em que se encontra a educação e a necessidade de se construir caminhos possíveis de busca por desconstruir o projeto de poder que está em curso, o qual busca a desumanização do ser.

O fascismo como expressão da dominação burguesa em tempos de crise

O fascismo surgiu de modo inesperado como um acontecimento moderno no enfretamento de classes internacionalmente, prejudicando as lideranças de movimentos operários a compreensão de sua característica própria, visto que um conceito preciso do fascismo é o cenário perfeito para uma efetiva atuação contra ele.

Assim, é importante compreender a origem da palavra fascismo, que se origina do fascio italiano, o qual se refere a uma porção ou uma parte. Em termos mais longínquos, a expressão estava relacionada ao fasces - latino, um machado envolto por um maço de varas que era conduzido à frente das autoridades nos desfiles público romanos para demonstrar a soberania e a unicidade do Estado (Falcon, 2008).

Ao apresentar e analisar o fascismo, Linz (1976, p.12-13) pontua:

Nós definimos fascismo como movimento hipernacionalista, em geral pan-nacionalista, antiparlamentarista, antiliberal, anticomunista, populista e, por isso, antiproletário, até certo ponto anticapitalista a antiburguês, anticlerical ou ao menos, não-clerical, com o objetivo de alcançar a integração social nacional, por intermédio de um partido único e da representação corporativa, elementos nem sempre enfatizados de forma igual; detentor de um distintivo estilo

e retórica, baseava-se em ativos quadros dispostos a ação violenta, combinada com a participação eleitoral para chegar ao poder com fins totalitários, por meio de uma combinação de táticas legais e violentas.

De igual modo, Konder (2009, p.53) conceitua o Fascismo a partir de seu modelo organizativo. Para ele

[...] o fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração de capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara “modernizadora”, guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas-formais de tipo manipulatório. Seu crescimento num país pressupõe condições históricas especiais, pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido capaz de minar as bases das forças potencialmente antifascistas (enfraquecendo-lhes a influência junto às massas); e pressupõe também as condições da chamada sociedade de massas de consumo dirigido, bem como a existência nele de um certo nível de fusão do capital bancário com o capital industrial, isto é, a existência do capital financeiro.

Sem dúvida, o fascismo redefiniu as fronteiras entre o coletivo e o privado, transformando o que antes era considerado sagrado por pertencer ao âmbito privado. Desse modo, o fascismo desencadeou uma expansão das atribuições do poder Executivo, do partido e do Estado, com a pretensão de estar no controle (Paxton, 2007, p.28).

No ano de 1914, um grupo de pessoas nacionalistas denominados de esquerda, se juntou ao vil socialista Benito Mussolini1, e buscou levar a Itália a participar da Primeira Guerra Mundial ao lado dos Aliados, buscaram por uma denominação com o objetivo de difundir o fervor e a solidariedade de sua campanha sendo: O Fascio Rivoluzionario d’ Azione Interventista – A Liga Revolucionária de Ação Intervencionista. Ao término da Primeira Guerra Mundial, Mussolini formulou o termo fascismo para caracterizar a condição de espírito dos poucos ex-soldados nacionalistas e de revolucionários sindicalistas a favor da guerra que se reunia à sua volta. No entanto, ele não detinha a exclusividade da palavra fascio, essa que continuou a ser utilizada de modo geral entre a ala de ativistas de diversos seguimentos partidários (Paxton, 2007).

Teoricamente, o fascismo nasceu na cidade de Milão na Itália, em março de 1919. Em uma manhã onde aproximadamente cem pessoas estavam reunidas, sendo eles: veteranos de guerra, sindicalistas, que haviam apoiado a guerra, jovens intelectuais estetas antiburgueses como também alguns repórteres e curiosos. Desta reunião, declararam guerra ao socialismo em detrimento deste ter sido contrário ao nacionalismo (Paxton, 2007, p.234).

Meses após essa reunião, tornou-se público o projeto fascista, com uma estranha mistura de patriotismo de veteranos e de experimento social rígido/radical, um tipo de “nacionalsocialismo”. Da ala nacionalista, ele convocava pela conquista das metas expansionistas italianas tanto nos Balcãs quanto no Mediterrâneo. Já do lado radical sugestionava a votação feminina

1Benito Mussolini tinha sido figura de bastante notoriedade do grupo revolucionário de partido socialista italiano, contrário à reforma e cético quanto às autorizações realizadas pelo grupo parlamentar do partido. No ano de 1912, aos 29 anos de idade tornou editor do jornal do partido, Avanti. Ele foi expulso do partido no ano de 1914 por defender a entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial (Paxton, 2007).

e o voto aos dezoito anos de idade, a anulação da câmara alta, a convocatória de uma assembleia constituinte para elaborar um novo projeto de uma nova constituição da Itália, e a espoliação limitada de toda a natureza de riquezas, mediante a taxação de tributos demasiados e gradativo do capital, embargos de alguns bens da igreja e de mais de 85% dos lucros provenientes de guerras (Paxton, 2007).

Para Paxton (2007), o movimento do grupo de Mussolini não se limitou apenas ao nacionalismo e aos enfrentamentos à propriedade, porém efervescia também a fugacidade para atos violentos, de antiintelectualismo, de recusa a soluções de compromisso e de indiferença pela sociedade instituída, características essas de seus três principais grupos de seguidores.

O fascismo foi instituído na Itália, porém Mussolini não era audacioso isolado, mobilizações similares foram surgindo na Europa do pós-guerra independentes do fascismo proposto por Mussolini, porém evidenciava a mesma combinação de nacionalismo, anticapitalismo, voluntarismo e violência frequente em oposição aos seus inimigos, fossem eles burgueses ou socialistas.

Aproximadamente três anos após a assembleia organizada por Mussolini e seus apoiadores do Partido Fascista, o movimento assumiu o poder na Itália. Um fenômeno semelhante ocorreu na Alemanha2 onze anos depois, quando outro partido fascista tomou o controle do país. O momento vivido por esses dois países se estendeu por toda a Europa, bem como para outras partes do mundo, efervescendo aspirantes a ditador que consideravam que estavam trilhando a mesma trajetória rumo ao poder que Mussolini e Hitler. Cabe destacar que Hitler lançou toda a Europa em uma

2 Hitler se definia como um genuíno admirador e aprendiz de Mussolini. Análise dos laços existentes entre Mussolini e Hitler é de Wolfgan Schieder – “The German Right and Italian Fascism” (Oxford, 2001, p.39-57).

guerra que consumiu boa parte do mundo. A humanidade já vinha sendo castigada não só com a brutalidade das guerras, agora construída por uma proporção sem precedente pelo fascínio/paixão e pela tecnologia, como também pelo esforço de eliminar, mediante massacre de uma proporção industrial, um povo, sua cultura, suas lembranças (Paxton, 2007).

O que se viu foi um movimento, ou talvez uma revolução, desprovido de ideias fundamentadas, que se opunha a tudo o que era mais elevado, honroso e decente, negando a liberdade, a verdade e a justiça. Era como se a escória tivesse tomado o poder, rodeado pela euforia de uma multidão que compactuava de seus ideais. Tratava-se de um ex-socialista em busca de ascensão ao poder de modo ditatorial após observar que o contexto do pósguerra era o momento conveniente para tal ação. Conforme aponta Eco (2018, p.4), “[...] Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica”.

Um dos principais aspectos desse cenário, sagazmente explorado por Mussolini, foi a ideia de que a Itália poderia renascer, mesmo após a derrota na guerra e em meio a uma crise social. Ele buscou criar um "novo homem" por meio de uma reforma dEstado. Os fascistas da época acreditavam que o Estado poderia levar a Itália a um novo período de grandeza, semelhante ao do Império Romano. No entanto, isso exigia a adoção de atitudes autoritárias e monopolistas, desvinculadas de partidos políticos e essencialmente marcadas por elementos autoritários e antidemocráticos. Defendiam a ideia de que o fascismo foi resultado da burguesia e da classe média, ambas moldadas pela grande burguesia e pelos donos do capital.

A fim de conduzir as ações seguindo os princípios elencados, requeria-se que fosse colocado fim às lutas sociais, aliciando os italianos a se inserirem no fascismo, caso contrário a

instauração da violência seria o caminho possível, pois acreditavam que a discordância de ideais entre os italianos precisava ser vetada, refutada. O que se viu foi um Estado posto em destaque, uma sociedade com uma educação fundamentada sob os princípios do nacionalismo, militarismo e com uma política externa totalmente expansionista.

Faz-se necessário destacar como o fascismo de Mussolini chegou ao poder, não sendo por um golpe de Estado, mas por uma aliança e um acordo político entre a elite conservadora italiana e a monarquia, entendendo como coalisão que esse era o melhor para o povo italiano. Ainda no ano de 1922, Mussolini foi convidado para ser primeiro-ministro do país, sendo o início do período fascista (Paxton, 2007, p.48).

A igreja e a burguesia representada por sua liderança foram essenciais para que Mussolini colocasse em “cheque” a democracia e implementasse um regime fascista. Entendendo que o apoio tido por esses atores não era unânime, apesar de fundamental, Mussolini obteve a devida aceitabilidade popular, por meio de seus discursos, sustentando-se por suporte/apoio popular. Como seu governo era autocrático, ao chegar, poder buscou reprimir seus adversários de modo violento. Dentre seus principais desafetos e, opositores estavam os anarquistas, comunistas, sendo que muitos deles foram presos e mortos na prisão (Paxton, 2007, p.57).

Como característica desse movimento havia uma combinação de violência com legalidade e glorificação da força, demonstração da exaltação das armas como explicação da ação pela ação. Essa correlação direciona o fascismo a conspirar constantemente contra a democracia, como um poder executivo autoritário, que enaltece a imagem de um líder mensageiro e modelo dos valores do povo. Há uma devoção à masculinidade do homem

como guerreiro, seguido de desprezo pela imagem feminina. Diante disso, a mulher é posta à margem da sociedade fascista, pois há uma desvalorização da figura feminina pela sociedade patriarcal. Para Stanley, essa é “uma versão extremada de família patriarcal essa que reina soberana (Stanley, 2018, p.20, grifos nossos).

Diante da ascensão do fascismo italiano, Mandel (1995), parafraseando Trotsky, destaca postos-chaves que evidenciam a proposta, a vitória e o declínio da tirania fascista. Ele observa a crise social dramática do capitalismo, caracterizada pela inviabilidade da acumulação natural do capital em um cenário de disputa acirrada no mercado mundial. A força do controle da grande burguesia deriva da instabilidade das forças econômicas e sociais, pois a dominação mais eficaz ocorre quando não há restrições aos benefícios históricos do grande capital.

O fascismo promove a centralização do poder do Estado com o objetivo de desqualificar e desmoralizar as conquistas da classe operária, reduzindo os trabalhadores a uma condição de quase escravidão e permitindo a possibilidade de repressão severa aos seus salários. Em síntese, a tirania fascista não protege os interesses da pequena burguesia, mas sim os do grande capital.

Desse modo, essa rápida introdução ao fascismo italiano pode nos mostrar certas similaridades com o Brasil. Portanto, pretende-se a seguir dissertar, sob a ótica de pensadores brasileiros, a respeito do caráter neofascista do bolsonarismo.

Fascismo no Brasil e sua conexão com o Bolsonarismo

Discutir sobre o fascismo requer que se reporte a décadas atrás, bem como estabelecer relação entre o regime nazista e a

pessoa de Benito Mussolini. A concepção em questão também encontrou solo fecundo em território brasileiro, ainda que tenha sua gênese no século passado, requer um olhar vigilante. No contexto brasileiro nos anos de 1930, o movimento fascista, apesar de estar fundamentado por uma construção social proveniente de um período colonial e escravocrata, onde a revolução do regime político burguês era restrita, o país não deixou de sentir seus tentáculos.

Para Saes (2023), a hegemonia da escravatura, no contexto econômico agrário, impossibilitou ainda no período da revolução política burguesa conservadora de 1888-1891, surgimento de um sistema social viável para a instituição de princípios materiais ilimitados para a formação do capitalismo, de modo a buscar a constituição de consumidores que atendesse ao mercado industrial.

O que se viu foi uma burguesia latifundiária e imperialista, com um processo de acumulação advindo de um sistema de produção colonial, propiciando assim o atraso do desenvolvimento do capitalismo que já estava em curso nos países do ocidente. Lucena (2023, p.29) destaca que houve um processo intenso e amplo de reestruturação produtiva no mundo capitalista, onde o

[...] capitalismo assumiu uma dimensão monopolista baseado na centralização de capitais, formação de cartéis, trustes, consórcios de capitais, sociedades anônimas, etc. Um rígido processo de controle dos mercados e acesso às matérias primas acompanhou um movimento internacional marcado pela aliança entre os Estados Nacionais e as empresas privadas para financiar a formação de uma estrutura político-administrativa que viabilizasse um modelo de sociedade consumidora de mercadorias

Nota-se sua orientação no contexto brasileiro, a burguesia adotou uma postura capitalista, antidemocrática e conservadora ao se posicionar contra as frentes progressistas e populares nomeando-as como comunistas. Tal ação, evidencia que questões como reforma agrária, democratização e autonomia nacional, advêm de grupos pertencentes ao movimento operário representado pelo povo.

Já em 1930, período marcado pelo segundo movimento revolucionário orientado pela burguesia brasileira, viu-se a extrema direita estabelecer relações com grupos de ideais fascistas, sendo: Ação Imperial Patrianovista Brasileira (organização monarquista) Ação Social Brasileira (Partido Nacional Fascista), Legião Cearense do Trabalho e Partido Nacional Sindicalista. Porém, o partido que alcançou resultados e que ocupou lugar de destaque por toda a América Latina que tinha como líder Plínio Salgado foi o Ação Integralista Brasileira (AIB).

As aspirações do grupo delineado no Manifesto de 1932, elaborado pelo próprio líder do partido, foram fundamentadas em dez tópicos principais: Concepção do universo e do homem; Nossa visão da nação brasileira; O princípio da autoridade; Nosso nacionalismo; Relação com partidos e governo; Posição sobre conspirações e politicagem de grupos e facções; A questão social sob nossa perspectiva; Ação Integralista Brasileira; A família e a nação; O município como centro das famílias, célula da nação; e O Estado integralista (Salgado, 1995). Vale destacar que o fascismo no Brasil, inspirado por esse movimento, trouxe uma lista de argumentos que se tornaram bandeiras recorrentes da extrema direita no país: a glorificação do poder como razão de ser, o preconceito contra movimentos que divergem de suas ideologias, e a defesa de princípios voltados para a preservação da família conservadora e a imposição de um Estado autoritário (Eco, 2018). O

movimento de extrema direita fascista visto no passado tem relação com o que foi vivido no Brasil, principalmente nos últimos anos com o golpe de 2016 contra a ex-presidenta Dilma Rousseff3 , como a prisão e cassação dos direitos políticos de Luiz Inácio Lula da Silva, idealizado/estruturado pela direita liberal, que se firmaram por uma base de massa radical que impulsionou ataques fascistas.

Com o impeachment de Dilma Roussef, a partir de um golpe jurídico-político com marca neofascista, Michel Temer vicepresidente assume a presidência e dita logo a que veio, inicia a ofensiva reacionária neoliberal, ao reduzir os direitos trabalhistas e o próprio Estado, a partir da Emenda Constitucional n. 95/16 (Brasil, 2016) que reduziu os gastos públicos radicalmente, por 20 anos, prejudicando claramente os cidadãos no que se refere a saúde, educação e seguridade social (Júnior; Fargoni, 2020).

Foi nas eleições de 2018 que Jair Bolsonaro assumiu o poder após um período eleitoral conturbado. Ele chega ao poder sob os tentáculos da burguesia emergente, formada por grandes empresas religiosas, as ditas neopentecostais, segmentos varejistas, armamentista e do agronegócio. O apoio desses segmentos não foi desinteressado, mas, em troca do apoio ativista, requeriam favores e sustentação da máquina estatal.

Em seu discurso, o líder neofascista apresentou a esquerda, referindo-se ao comunismo, como opositores renegados, acusando-os de estarem envolvidos em corrupção. Para enfrentálos, defendeu o ultraliberalismo como uma solução salvadora. No entanto, é importante destacar que o neoliberalismo tem sido amplamente questionado no mundo por não promover crescimento

3 Presidenta deposta por um movimento articulado pela oposição que tinha como associado o então vice-presidente e apoiado por representantes do capital e diversos setores conservadores e neoliberais.

econômico, criação de empregos ou redução das desigualdades sociais. Esse paradoxo enfraquece a possibilidade de expansão do fascismo entre as massas, exigindo discursos inflamados de depreciação da diversidade para se sustentar, já que os resultados econômicos, sociais e políticos são altamente questionáveis. Nesse contexto, ocorre a valorização do líder supremo, conhecido como "O Mito", e que tinha como objetivo eliminar as organizações do movimento operário e popular. Esse líder promovia princípios contrários ao comunismo, cultivava a nostalgia de um passado heroico, como a ditadura militar, e legitimava o papel das forças armadas como defensoras do Estado. Ele também enaltecia os símbolos nacionais, como as cores verde e amarelo e a bandeira do Brasil, defendia a família patriarcal, exaltava valores conservadores, e se aliava a sistemas religiosos reacionários.

Além disso, implementava um forte programa de propaganda, utilizando amplamente as redes sociais, negava a ciência, difundia teorias conspiratórias, e tolerava a corrupção sistêmica presente em seus próprios grupos (Eco, 2018). O neofascismo brasileiro, ou atualmente conhecido como bolsonarismo, alimenta a crise social e econômica, a precarização das condições de trabalho, o empobrecimento da pequena burguesia, a subordinação das classes médias, a insegurança decorrente do contexto, a intolerância em relação à diversidade e a falta de mobilização do operariado.

Entre os anos de 2019 a 2022, período de 04 (quatro) anos ficou marcado por muitos retrocessos, por um projeto autoritário, com perseguições misóginas, racistas e homofóbicas e que deixava claro a que veio. A proposta era tratar com mão de ferro as demandas sociais tidas como ameaça a ser combatida pelo aparato do Estado e as instituições democráticas constituídas eram colocadas em xeque, exemplo disso foi os ataques feitos ao

Superior Tribunal Federal - STF. Lucena (2023, p.130) traz algo interessante sobre o Novo Nazifascismo e que se assemelha com o vivenciado pela sociedade brasileira,

O Novo Nazifascismo tem como objetivo colocar em xeque os pilares que garantem a existência da República e da Democracia, descaracterizando-os como instrumentos efetivos políticos de disputa e participação. O acirrar dos conflitos permite com que rivais se tratem como inimigos, promovendo a violência em toda a sociedade. A eleição de líderes propensos a violência pode subverter os processos através dos quais foram eleitos

De acordo com autor, o Novo Nazifascismo busca desestabilizar os fundamentos que sustentam a República e a Democracia, tentando desvirtuá-los como ferramentas legítimas de participação política e disputa de ideias. Ao intensificar os conflitos, transforma adversários em inimigos, gerando um clima de violência que se espalha por toda a sociedade. A eleição de líderes com inclinações violentas pode acabar subvertendo os mesmos processos democráticos que os levaram ao poder, ameaçando, assim, a própria essência da democracia. Nesse viés, repercutia um discurso violento por parte do então “presidente”, visto que o ex-governante tendia a ser visto como exemplar, em um contexto em que essa figura inspirava a muitos. Como consequência, notou-se um aumento significativo da violência doméstica, enfrentamentos armados, assassinato e uma variedade de situações de agressão, capitaneados pelo gabinete do ódio liderado por seus filhos, que compartilhavam inverdades e incitação à violência, usando como palco as redes sociais.

Cabe destacar, que a situação exposta chama a atenção para o que Lucena (2023, p.132) ressaltou, no sentido de que o “[...] Novo Nazifascismo nunca se entende como fomentador de ódio e violência, mas sempre vitimiza a situação, colocando-se eles mesmos como perseguidos por um inimigo oculto na sociedade que ninguém viu, mas imagina que está lá”.

Observou-se, no decorrer do período em que Bolsonaro esteve no poder, situações como a negação quanto à eficácia das vacinas que salvam vidas e, na contraposição, defesa de medicações que até hoje não têm respaldo científico para o tratamento da Covid-19. Ainda mais, ele e seus comandados colocaram em prática um movimento perigoso de sabotagem das orientações dadas pelas autoridades sanitárias locais e mundiais, que tinham com base a Ciência, potencializando a crença, muitas vezes descabida, em “informações” e “notícias” que tramitavam nas bolhas das redes sociais, ou seja, a disseminação de mentira propositais, “[..] uma vez que a intenção é criar a dúvida promovendo fake news e normalizar a invenção” (Lucena, 2023, p.138). Situações essas que se tornaram tão perigosas que intensificou um baixo processo de imunização da sociedade brasileira, causando muita preocupação nas autoridades de saúde, uma vez que muitas doenças que já foram erradicadas pelo processo de imunização, ocorrido há décadas, estão voltando a circular.

Os neofascistas brasileiros subverteram a legislação por meio de decretos que liberaram cada vez mais armas e munições, fortalecendo o terreno das milícias e do aparato de militarização paralela ao Estado. Na outra ponta, contemplávamos o aumento do índice de mortes de negros, pobres, mulheres, homossexuais e índios, entre outras minorias. Por outro lado, esses “brasileiros” demonstravam um “cinismo” a ponto de não se verem “[...] como

fomentador[res] de ódio e violência, mas sempre vitimiza[m] a situação, colocando-se eles mesmos como perseguidos por um inimigo oculto na sociedade que ninguém viu, mas imagina que está lá” (Lucena, 2023, p.132).

Eco (2018, p.13) destaca um ponto sutil de análise, para ele os neofascistas se sentem sempre diminuídos, por isso direcionam sua raiva para a luta: “[...] não há luta pela vida, mas antes vida para a luta”. Esse posicionamento coloca em “xeque” a vontade de pacifismo. Deixa claro que o inimigo deve ser destruído, logo, o movimento se alimenta da existência de um inimigo, quase sempre imaginário.

Para demonstrar que não há uma supervalorização da violência e das ameaças praticadas, por parte de quem criticava as ações do ex-governante, é importante relembrar a declaração de Bolsonaro durante sua campanha, na qual ele sugeriu que seus opositores, servidores públicos, deveriam ser eliminados. Em uma de suas redes sociais disse: “[...] se não tivessem, eu cortava a cabeça mesmo. Quem quer atrapalhar o progresso, vai atrapalhar na ponta da praia4, aqui não” (Amado, 2019).

Pode-se considerar que este período foi o que muitos denominam de “desgoverno”, por ter sido um tempo de extremismo e negacionismo que ganhou forças, sendo os ataques intensificados a todas as frentes da sociedade, demonstrando inércia frente à destruição do Meio Ambiente, em nome de uma questionável noção de progresso, ou pelo desmonte financeiro da Educação e das pesquisas na área acadêmica, recurso este que é fundamental para o desenvolvimento da Ciência.

Não se pode deixar de pontuar a narrativa engendrada pelos fascistas a fim de aplicar o Golpe de Estado contra a jovem

4 Ponta da Praia é um jargão utilizado pelos torturadores durante a ditadura, usada como execução de presos políticos.

democracia brasileira, com a participação das massas conduzidas pelo aparato tecnológico, gestado por seus filhos, no chamado “gabinete do ódio”.

Cabe dizer que o aparato criado pelos neofascistas, que acenderam ao poder no Brasil, estava tão bem-organizado, conforme tem sido apurado pela Polícia Federal, comprovando que eles utilizavam uma das estruturas do Estado, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), para espionar aqueles que inspiravam desconfiança, com o objetivo de, em algum momento, disseminar nas redes sociais situações falaciosas a fim de denegrir e difamar a imagem dessas pessoas. Ao mesmo tempo, usavam desses instrumentos para esconder ou mesmo driblar as ações dos órgãos investigativos que buscavam averiguar situações de corrupção, nas mais variadas esferas, e da tentativa de golpe após as eleições de 2022 (Dal Piva, 2024).

Assim, ao considerar o histórico fascista em âmbito brasileiro, é preciso adotar uma posição de alerta, pois há um crescimento exponencial em relação à falta de punição ou responsabilização de atitudes antidemocráticas, duras e radicais por todo o país. Observa-se também que ainda que há uma normatização cultural do discurso neofacista5 .

A educação pública brasileira e seus desdobramentos fascistas

Os desdobramentos fascistas não excluem a educação de seu rol de barbárie, pois a escola é tida como uma das instituições fundamentais para a criação de um ambiente propício para o

5 Há uma discussão sobre a importância do uso do termo “neofascismo” que não cabe destacar neste artigo, porém as discussões realizadas seguem o debate realizado por Eco (2018) e Lucena (2023).

avanço do fascismo ou mesmo de seu enfrentamento. A educação desempenha uma função estratégica na formação de valores e condutas sociais, valores estes que podem comprometer os direitos humanos, distintivos da dignidade humana, ou com a desumanização do diverso, instituindo assim situações propícias à crueldade.

A educação é uma das dimensões da luta de classes, juntamente à cultura, que de acordo com as metas econômicas e sociais estabelecidas, ela é necessária por estabelecer consenso dos indivíduos às imposições do modo de produção e para na hierarquia social estabelecer os governantes e governados. Para Mészáros (2008, p.35), “[...] a educação institucionalizada serve ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes”, como impossibilitam a pretensão de resistência.

No caso do Brasil, a disputa pela educação tem sido árdua, e com a chegada do presidente neofascista ao poder, houve mudanças substanciais nas concepções de educação do Brasil.

Para o ex-presidente e seu mentor, a pauta principal da educação consistia no enfrentamento do hipotético “marxismo”, um trabalho a ser desenvolvido pelo Ministério da Educação.

Para eles, questões relacionadas a baixos salários dos profissionais da educação; intensa jornada de trabalho, com atuação em diversas unidades; salas de aulas superlotadas de estudantes; estrutura física das escolas com problemas; má qualidade da merenda escolar; falta de creches, violências escolares, pautas que sempre estiveram presentes nas lutas da categoria, em nenhum momento foi roteiro da agenda então governante. Nota-se que o objetivo de Bolsonaro e seu grupo de

apoio era “[...] a retirada da educação do âmbito do ‘direito social’ e sua inserção como ‘serviço’ no interior do livre mercado, coerentemente com sua concepção de sociedade e de Estado” (Freitas, 2018, p. 42).

O interesse do ex-presidente evidenciou-se a partir do apoio ao projeto “Escola Sem Partido”6, interpretado por vários segmentos representativos da educação como a escola da mordaça. Esse projeto responsabiliza os professores pelos desafios educacionais no Brasil, pelo baixo rendimento dos estudantes e estimula uma prática educativa acrítica, que busca coibir a pluralidade de pensamentos nas escolas para assim efetivar o fortalecimento do neofascismo no país. Lucena (2023) chama a atenção para essa questão, pois para ele, a “[...] liberdade inventiva e de cátedra é colocada em xeque, apostando na prevalência de pedagogias autoritárias que levam a educação ao retrocesso (Lucena, 2023, p.4).

Capitaneado pelo governo federal, muitos governantes estaduais e municipais buscaram implantar uma rotina empresarial nas escolas públicas, em que a avaliação de desempenho (situação baseada em metas inatingíveis) impunha aos docentes um trabalho excessivo e a perda de autonomia político-pedagógica, assim como está estruturada a Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Essa é uma situação bastante complexa, mas que nos remete a pensar e analisar o que e quem estava ligado a esse projeto? Quais seriam seus interesses? Para a classe subserviente, a educação se mostra como uma possibilidade de aquisição da autonomia e emancipação política. É um lugar de disputa, essencial na luta de classes e os

6 Para Previtali e Fagiani (2018, p. 586), “[...] o movimento Escola Sem Partido, busca despolitizar a educação em nome da “neutralidade científica” e assim conservá-la em seu papel fundamental, qual seja: de reprodução da dominação burguesa”.

países centrais possuem uma percepção clara da importância da educação para manutenção do seu status quo. Em função disso, o Banco Mundial, gerente dos fundos emprestados aos países periféricos, direciona os sistemas educacionais a partir de seus ideais, determinando os novos caminhos e políticas educacionais a serem empregadas por todos aqueles que desejam obter os seus recursos. É uma concepção neoliberal que ampara o ensino público ditando inclusive a formação profissional e ideológica da classe trabalhadora, reprimindo as classes populares e diminuindo a perspectiva do interesse da classe dominante.

As posturas conservadoras ilusoriamente alegam que se vive em uma “sociedade do conhecimento”, e que as reformas postas são indispensáveis para a abertura de espaço participativo. Numa sociedade desigual, a função do conhecimento nada mais é do que um meio de aprofundar a desigualdade social, tornandose mais um dos processos de exclusão, caracterizados pelo processo produtivo na sociedade capitalista.

Quanto a essa questão, há duas frentes de atuação: uma social-liberal liderada pelo movimento empresarial Todos pela Educação (TPE) e outra frente liberal ultraconservadora, que tem na Escola Sem Partido uma ideologia unificadora dessa frente, esta que tem se expandido por todo o mundo e Brasil, especialmente após a crise de 2008. Nota-se que há projetos em disputa e a burguesia se movimenta a fim de impor seu domínio, pois tem claro que a educação pública é a mola propulsora para disseminar seu projeto de controle e poder para as classes subservientes, baseando-se nos estudos e propostas relacionados aos pressupostos teóricos, filosóficos e parâmetro interventivo de alguns de seus agentes e agências. De acordo com Previtali e Fagiani (2018, p. 596), o movimento em questão traz:

[...] o que há de mais nefasto e reacionário na esfera do pensamento ideológico: a negação da história, do movimento social, da divisão das classes e a defesa, por conseguinte, da naturalização da sociabilidade humana e do pensamento conservador e autoritário. Ele atribui à educação a qualidade de ser, por si só, transformadora. Difundese na escola a ideia de uma sociedade aberta e móvel.

Nessa vertente ideológica é suficiente estar na escola e ser instruído para alcançar o sucesso. As oportunidades são iguais a todos.

Tem-se uma educação como política pública, permeada por disputas, e lutas no centro do Estado Ampliado, visto que a organização do poder das classes dominantes, como um grupo, busca dominar o sistema político de modo a considerar o imaginário social (Gramsci, 2004). Há uma intenção pretenciosa por consenso junto à sociedade civil a partir de situações de violência e repressão advindos da classe política, na intenção de garantir o controle da estruturação de poder do Estado.

Gramsci (2004) chama a atenção para a busca por consenso nas sociedades ocidentais, objetivando tornar o projeto de sociedade hegemônico, e isso só é possível quando os “donos do poder” cerceiam a difusão de outras concepções e valores de domínio da classe trabalhadora. Dessa maneira, esses valores estão entrecruzados com a tirania da classe oprimida, com tom de liberdade e que aceita o projeto de sociabilidade da classe dominante e gerenciadora.

Quanto ao movimento Escola Sem Partido, este encontrase fortemente influenciado pela frente liberal ultraconservadora e pelo avanço das igrejas neopentecostais, mesmo o Supremo Tribunal Federal – STF vetando-o, por ser uma lei inconstitucional e que fere a liberdade do professor. Apesar da lei e posicionamento

do referido órgão, esse processo provocou opressão ideológica advinda de pais e/ou responsáveis nas escolas públicas e privadas, questionando os professores sobre suas ações pedagógicas. Lucena (2023, p.192) faz observações necessárias quanto à Escola Sem Partido. De acordo com ele,

[...] este projeto esconde o pressuposto de retirar dos currículos escolares concepções críticas à sociedade, negando a luta de classes, a discussão de gênero, o debate sobre o racismo, entre outros. Toda pedagogia de cunho autoritário se sustenta na desvalorização da pluralidade de pensamento, exclusão de propostas antagônicas e desvalorização do profissional professor. A negação da ciência expressa no acesso ao conhecimento de forma fragmentada manifesta uma perversa relação que nega o saber construído pela humanidade à própria humanidade (Lucena, 2023, p.192).

As ponderações supracitadas deixam claro qual é o verdadeiro sentido do projeto, ou seja, o controle do trabalho dos professores por meio da descredibilidade da profissão e a influência nos currículos escolares brasileiros. Capitaneado pelo governo neofascista brasileiro, o projeto da Escola Sem Partido continua sendo uma ideologia com viés conspiratório, voltado ao irracionalismo e ao pânico coletivo. A defesa desse grupo se volta para uma educação privatizada; concessão de vouches; incentivos fiscais e bolsas em universidades privadas; oposição à ideologia de gênero (mesmo que esta não exista de fato, sustentando essa pauta como se fosse uma realidade); defesa do homeschooling; militarização das escolas por meio da implementação de colégios cívico-militares; e a justificativa para o uso de Edtechs, promovendo a tecnologia para o

ensino a distância. É notório que há uma negação da sociedade como uma totalidade em contradição, estabelecendo-a como um universo empresarial em torno de si próprio (Lucena, 2023, p.198 grifos nossos). Em síntese, é uma educação escolar com vistas a formar competências para a empregabilidade e o empreendedorismo.

Insta salientar, que foram instituídas nesse “desgoverno”, junto a estados e municípios, sob a égide de ideais neofascistas, várias escolas cívico-militares, período em que esse modelo educacional cresceu muito no Brasil, um padrão militar de educação que prima pela ordem, a disciplina e a obediência sem questionamentos ou mudanças e uma escola em que seja banida a política, condição sine qua non que perpassa nossa formação humana.

Para Eco (2018, p.10) em “[...] um modelo militar, qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e cada um deles despreza, por sua vez, os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa”. Nesse sentido, está o confronto entre uma perspectiva privatista e ideológica versus a compreensão da escola como lócus público para a educação. Toda essa articulação ainda tem tido fôlego junto aos defensores de seus projetos.

Diante do contexto apresentado, nota-se o porquê há uma disputa pelo espaço da educação, já que esta tem a função de obstruir qualquer tentativa de regressão à barbárie e aos pesadelos que esse regime político neofascista tem aspirado. Desbarbarizar a educação tornou-se a questão-fim mais urgente a ser adotada, uma vez que situações de barbárie ocorrem quando a sociedade, no processo civilizatório em que está, ainda considera venerar a agressividade primitiva, com um ódio primitivo e um desejo por destruir. Assim, a prioridade é buscar uma educação contra a barbárie.

Algumas considerações...

Ao contemplar o fascismo, observa-se como o século XX contrastou com o século XIX, e o que o século XXI tem que evitar, para isso não se deve continuar a presenciar o crescimento do projeto fascista no Brasil, pois apesar de essas pessoas não estarem mais no poder maior, elas ainda são muito influentes.

O fascismo no Brasil propiciou a supervalorização do nacionalismo, a exacerbação do racismo estrutural, o fomento do discurso de ódio proferido nas mais diversas instâncias, crescimento das desigualdades sociais, o descontentamento da classe média por causa das sucessivas crises do capitalismo, o armamentismo desenfreado, o “mito” elevado à líder e uma educação conduzida por valores contrários à humanização, dentre outros elementos que indicados ao longo deste artigo.

Contudo, nota-se que as condições para o desenvolvimento da ideologia neofascista voltaram a ser férteis, determinadas e firmes, moldando a 'formação da sociedade' e dos cidadãos que se deixam enganar por um discurso ardiloso, que atende a muitos de seus anseios.

É neste contexto subversivo e ectópico que se faz necessário caminhar na luta pela educação pública, gratuita, de qualidade e emancipatória, Benito condição primeira se buscar por períodos melhores, porque constata-se que o processo de fascistização da educação em curso descaracteriza os conceitos essenciais de autoconsciência, emancipação, formação cultural e busca da razão emancipatória pelo homem por meio da educação, comprometendo qualquer planejamento educacional empenhado em evitar o fascismo.

Nesse norte, surge a necessidade de concebermos a educação escolar como uma potência que amplifica projetos

metabólicos a serem desenvolvidos pela sociedade e criação de um movimento reacionário com formação de uma aliança constituída por sujeitos que lutam por uma democracia que busca desconstruir o imaginário de poder e destruição que está em curso, pois esse projeto vem traduzindo as trágicas vivências do passado manifestadas no nazismo.

Referências

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VIII.

AS INFLUÊNCIAS NEOLIBERAIS E NEOFASCISTAS DE

PROGRAMAS EDUCACIONAIS IMPLEMENTADOS NO BRASIL NO PERÍODO PÓS-IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF (2017 –2022)

Ana Angélica Belório

Carlos Lucena

1. Introdução

Neste capítulo, vamos discorrer sobre a ascensão das políticas neofascistas e neoliberais no Brasil no período pós-impeachment de Dilma Rousseff (2017-2022), anos dos governos de Michel Temer e do presidente Jair Messias Bolsonaro, e como elas têm exercido uma influência profunda sobre a educação no Brasil, revelando uma junção de ideologias que moldam e distorcem o futuro educacional do país. No cenário atual, a intersecção dessas correntes políticas tem levado a uma reconfiguração dos valores educacionais e das práticas pedagógicas, gerando um campo fértil para a implementação de reformas que priorizam a eficiência econômica em detrimento da equidade e da qualidade educacional. Enquanto o neoliberalismo promove a privatização, a meritocracia e a competição como pilares de um sistema educativo voltado para o mercado, o neofascismo reforça a centralização do poder, a censura e a homogeneização ideológica, minando a pluralidade e a autonomia acadêmica. Este ambiente de confluência ideológica não apenas redefine o papel da educação na sociedade brasileira, mas também repercute nas práticas

pedagógicas, na formação docente e na experiência dos alunos, revelando um panorama educacional que demanda uma análise crítica e aprofundada. Assim, compreender as interações entre essas correntes políticas e seus impactos sobre a educação é essencial para desenvolver estratégias que visem a preservação da autonomia educacional e a promoção de um sistema educativo inclusivo, equitativo e de qualidade.

A partir de suas definições, o neofascismo é uma forma contemporânea de fascismo que mantém elementos do fascismo clássico como o autoritarismo, o nacionalismo extremo, e a rejeição da democracia liberal. O neofascismo frequentemente promove o controle rígido do Estado sobre a vida social e política, e pode envolver retórica xenofóbica e racista ao passo que o neoliberalismo é uma teoria econômica que defende a redução do papel do Estado na economia, promovendo a livre iniciativa, a desregulamentação dos mercados e a privatização de bens e serviços públicos. A ênfase é na eficiência econômica e na competição, com a crença de que o mercado livre produz os melhores resultados.

Em contextos neofascistas, o neoliberalismo pode ser utilizado para fortalecer o controle político através da criação de uma economia que favoreça interesses específicos ou elite econômica. Por exemplo, políticas neoliberais podem ser usadas para implementar reformas que centralizam o poder econômico e permitem maior controle autoritário sobre a sociedade. Ambos os sistemas podem se beneficiar da promoção de políticas que enfraquecem o poder dos sindicatos e limitam a capacidade de resistência social. O neoliberalismo pode enfraquecer a capacidade de mobilização da classe trabalhadora e reduzir a influência das instituições democráticas, criando um ambiente mais suscetível a regimes autoritários.

Em alguns contextos históricos, como em regimes que combinam políticas neoliberais com governança autoritária, estas são usadas para desmantelar o estado de bem-estar social e enfraquecer a oposição, criando espaço para um controle mais rígido e autoritário. As políticas neoliberais podem criar desigualdades sociais que são exploradas por movimentos neofascistas, que frequentemente utilizam a retórica da crise econômica e da insegurança para promover soluções autoritárias e nacionalistas.

O atual sistema educacional, a partir das influências neoliberais, representa uma ameaça em todos os aspectos da sociedade, uma vez que o conhecimento humano está sendo deixado de lado para o favorecimento de uma produção massiva de trabalhadores alienados que, futuramente, irão representar a classe trabalhadora em uma posição despolitizada em contraste com a luta pelos seus direitos, uma vez que a educação está sendo colocada a serviço do mercado e das ideologias neoliberais. (Silva, Silva, Santos, 2023, p.80)

Dessa forma, vamos abordar a influência do neoliberalismo e do neofascismo nas políticas educacionais implementadas durante o período pós-impeachment de Dilma Rousseff (20172022), com ênfase nos Programas Novo Ensino Médio e FUTURESE.

2. Características neoliberais e neofascistas no período pós-impeachment de Dilma Rousseff (20172022)

O período dos governos de Michel Temer e de Bolsonaro, foi marcado por inúmeras características neoliberais e neofascistas que ganharam força em um cenário em que o Brasil enfrentava uma crise econômica e uma instabilidade política. Bolsonaro soube utilizar a insatisfação popular, as falhas percebidas no governo Temer para fortalecer sua posição com a política tradicional, na tentativa de construir sua imagem de “salvador” que combateria a corrupção e promoveria uma nova ordem no país.

Em suma, o Governo Bolsonaro é o modo de conjunção, especificamente brasileiro, do neoliberalismo com o neofascismo. O conjunto da obra neoliberal (2016-2019), iniciada imediatamente após o Golpe, com o Governo Temer, e aprofundado pelo Governo Bolsonaro, traz as digitais indeléveis dos interesses econômicos e políticos da burguesia cosmopolita e do imperialismo: congelamento dos gastos correntes por 20 anos, liberação e generalização da terceirização, reforma trabalhista, reforma da previdência, desmonte da cadeia produtiva do petróleo e entrega do pré-sal às multinacionais, destruição da engenharia pesada nacional, alteração do marco regulatório do petróleo, privatizações e, agora, a ameaça de uma reforma administrativa contra o serviço e os servidores públicos. (Filgueiras, Druck, 2019, p. 6)

O governo Bolsonaro promoveu um discurso nacionalista e conservador, com ênfase em valores tradicionais e em um Estado forte, muitas vezes alinhado com figuras militares. A

administração Bolsonaro demonstrou tendências autoritárias, com ataques à imprensa, à ciência, ao Judiciário e a instituições democráticas.

O governo buscou implementar um ajuste fiscal, com o objetivo de controlar e reduzir os gastos públicos, alinhado com a agenda neoliberal de austeridade. O governo tentou privatizar várias empresas estatais e concessionar serviços públicos, que visavam reduzir o tamanho do Estado e aumentar a eficiência econômica.

Por sua vez, o conjunto da obra neofascista também é amplo: apoio a Ditaduras e ataque ao Estado de Direito; defesa da tortura e de torturadores; ataques a Instituições científicas (IBGE, INPE, CNPq); violência armada contra os índios e movimentos sociais; defesa e estímulo ao desmatamento da Amazônia; conivência/omissão/prevaricação no derramamento de petróleo no litoral brasileiro; perseguição das minorias; ataque a Instituições do Estado (STF, BNDES, INCRA); ataque à cultura (ANCINE) e extinção de conselhos populares em todas as áreas; estrangulamento financeiro das Universidades Públicas e tentativa de extinguir a sua autonomia e privatizá-las, através da proposta do MEC denominada de FUTURE-SE - já rechaçada pela comunidade universitária; tentativa de desmoralização da escola como instituição educadora e de sociabilização, acompanhada da tentativa de impor o projeto autoritário “Escola sem Partido”. (Filgueiras, Druck, 2019, p. 6)

O governo procurou promover um currículo escolar que reafirmasse os valores de acordo com as vertentes de sua gestão, alinhado com uma visão moralista. Realizou esforços para revisar os conteúdos curriculares com a inclusão de uma linha ligada aos

princípios tradicionais e nacionalista. A ênfase na educação moral e cívica reflete uma tentativa de promover valores conservadores e reforçar a lealdade ao Estado, uma característica que pode ressoar com ideologias neofascistas que buscam moldar a moralidade e a identidade nacional.

A aprovação da reforma do ensino médio, dentre outras reformas do governo, expressava diante daquele contexto uma vitória e plena ascensão do neoconservadorismo e do neoliberalismo na classe política brasileira. (Silva, Silva, Santos, 2023, p.72)

Houve uma tentativa de suprimir ou minimizar o ensino de conteúdos considerados críticos ou que desafiassem a visão oficial do governo. Isso incluiu críticas ao ensino de temas como a identidade de gênero, diversidade e direitos humanos, com o objetivo de limitar a influência de perspectivas consideradas "progressistas" ou contrárias aos valores promovidos pelo governo. O governo tentou exercer maior controle sobre as universidades e centros de pesquisa, promovendo intervenções que visavam influenciar o conteúdo acadêmico e as orientações institucionais, buscando um controle rígido sobre a educação e a disseminação de ideologias.

A promoção de parcerias entre instituições públicas e o setor privado foi uma característica marcante durante o governo Bolsonaro. O programa FUTURE-SE, a exemplo, incentivava a criação de fundos próprios e parcerias com empresas privadas para financiar e gerenciar atividades acadêmicas, o que pode ser visto como uma forma de privatização e mercantilização da educação pública.

A redução do orçamento público, para a educação e o incentivo à autonomia financeira das universidades refletem uma tendência de diminuição do papel do Estado no financiamento direto da educação, o que favorece a menor intervenção estatal e a promoção de soluções de mercado.

A mercantilização da educação não se trata unicamente de fazer a transferência de recursos públicos para o setor privado; esse processo tem influenciado as políticas educacionais, orientando reformas, modelando avaliações e produzindo currículos visando a satisfazer as demandas do mercado (Baptista, Colares, 2022, p.880)

Estas decisões que promovem a privatização e a mercantilização da educação, podem ser entendidas como mecanismos do neoliberalismo para enfraquecer a autonomia acadêmica e a função pública das instituições, criando um ambiente em que a crítica e a diversidade de pensamento são menos protegidas. Cortes significativos no financiamento das universidades públicas foram realizados, o que levou a uma crise financeira e afetou a autonomia das instituições de ensino superior. Essas medidas podem ser vistas como uma estratégia para controlar e cooptar o setor educacional.

A retórica destes governos, frequentemente utiliza uma linguagem que pode ser associada ao neofascismo incluindo ataques à identidade de gênero, à ciência, à cultura, disseminando valores conservadores e críticas a instituições educacionais como responsáveis por uma suposta ideologia de esquerda. Esse discurso busca mobilizar a base política e reforçar uma visão nacionalista e conservadora da educação, promovendo a mobilização de grupos conservadores que se opõem à educação crítica e à diversidade.

As políticas educacionais buscam moldar a educação de acordo com uma visão autoritária e conservadora, limitando a diversidade de pensamento e promovendo uma agenda alinhada com interesses políticos e ideológicos específicos.

Verifica-se que há um intenso movimento das forças do capital em produzir uma nova educação política, a nova pedagogia da hegemonia, cujo objetivo está centrado na difusão de referências simbólicas e materiais para consolidar um padrão de sociabilidade afinado com as necessidades do capitalismo contemporâneo. (Baptista, Colares, 2022, p.881)

A promoção de projetos que visam transformar a educação em um mercado mais competitivo, na tentativa de introduzir mais elementos de mercado no sistema educacional, destacam a proposta de reformar o sistema educacional brasileiro com base em princípios neoliberais como a privatização, a autonomia financeira, e a gestão orientada para o mercado.

No período pós-impeachment de Dilma Rousseff (20172022), durante os governos de Michel Temer e de Bolsonaro, vários programas e iniciativas educacionais foram implementados, refletindo as características e prioridades da sua gestão, e vamos dar enfoque em dois Programas que possuem influências com o neoliberalismo e o neofascismo:

1. O Novo Ensino Médio foi implementado a partir da Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, com mudanças que buscavam flexibilizar o currículo, permitindo que os alunos escolhessem itinerários formativos (áreas de conhecimento) mais alinhados aos seus interesses e objetivos profissionais. Essa

reforma foi uma continuidade de projetos iniciados anteriormente e visava preparar melhor os alunos para o mercado de trabalho.

2. O Programa FUTURE-SE, uma iniciativa que visa transformar a gestão das universidades e institutos federais no Brasil e busca promover uma maior autonomia financeira e administrativa para essas instituições, bem como estreitar a colaboração entre o setor público e o setor privado.

3. Os programas educacionais alinhados com o neoliberalismo e o neofascismo no período pósimpeachment de Dilma Rousseff (2017-2022)

3.1. Novo Ensino Médio (NEM)

O Novo Ensino Médio (NEM) foi uma proposta de reformulação do ensino médio no Brasil aprovada no governo de Michel Temer, com a aprovação da Lei nº 13.415/2017, mas que ganhou destaque e foi implementado durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, e permitiu que os alunos escolhessem parte dos componentes curriculares, além das disciplinas obrigatórias. Isso significava que os estudantes poderiam escolher trajetórias de formação mais alinhadas com seus interesses, como áreas de conhecimento específicas (ciências humanas, ciências da natureza, entre outros) ou habilidades profissionais e técnicas. A reforma aumentou a carga horária total do ensino médio, incluindo uma nova divisão entre disciplinas obrigatórias e optativas.

O Novo Ensino Médio deu maior ênfase à educação técnica e profissional, envolvendo a introdução de itinerários formativos que priorizaram o preparo dos alunos para o mercado

de trabalho. Essa flexibilização visa preparar os alunos para uma formação fragmentada e pode diminuir a oportunidade de obter uma formação geral e sólida, valorizando a adaptação ao mercado em vez de uma educação universal e equitativa.

Com a introdução dos itinerários formativos, o currículo tradicional do Ensino Médio, que incluía uma formação geral ampla, foi reduzido. Isso pode limitar a formação crítica e a base educacional escolarizada dos alunos, concentrando-se mais em áreas específicas e muitas vezes mais voltadas para a empregabilidade imediata, o que pode ser visto como uma diminuição do compromisso com uma educação pública integral. Em Garcia (2022, p. 3) encontramos que

É fundamental que a escola pública tenha um currículo enriquecido, ao contrário das reduções com as quais nos deparamos na reforma atual, em que a formação dos jovens é minimizada numa escola formatada por interesses de mercado, cujos itinerários formativos nem sempre serão oferecidos o que esgarça a concretização de uma escola democrática (Garcia; da Silva Czernisz; Pio,2022, p.3).

A mudança para um currículo mais flexível, pode prejudicar a formação completa e crítica dos estudantes, uma vez que pode haver uma concentração excessiva em áreas específicas, limitando o desenvolvimento de uma formação acadêmica equilibrada. Isso pode afetar negativamente a qualidade da educação pública, ao priorizar a especialização precoce e a preparação para o mercado em vez de uma educação ampla e igualitária.

A grande reforma feita dentro da educação neste contexto de mudança política foi o Novo Ensino Médio, na qual, tem o propósito de excluir a ideia de uma educação republicana

herdada do Iluminismo por se tornar obsoleta aos olhares da elite brasileira, preconizando um novo objetivo para a nossa educação e dando um novo sentido, a produção de capital humano (Laval, 2019, p.20).

As escolas passaram a ter mais autonomia para adaptar o currículo às necessidades locais e ao perfil dos alunos, uma característica que valoriza a adaptação das instituições às demandas do mercado e à individualização da educação. A implementação do Novo Ensino Médio pode acirrar desigualdades entre escolas, especialmente entre instituições públicas e privadas e entre escolas de diferentes regiões. Instituições com mais recursos podem oferecer uma variedade maior de itinerários formativos e melhores condições para a escolha dos alunos, enquanto outras, com menos recursos, podem enfrentar dificuldades para implementar a nova estrutura, exacerbando a desigualdade educacional.

A ideia de uma educação histórico-crítica, destinada à formação de cidadãos críticos e conscientes de sua realidade social, é tida como ultrapassada desde a primeira metade do século XX, quando a educação passa a agir de acordo com a lógica capitalista de mercado (Laval, 2019, p.14).

O Novo Ensino Médio, alinhado com outras políticas do governo Bolsonaro, encoraja parcerias com o setor privado e a integração de cursos técnicos e profissionalizantes. Isso pode favorecer a privatização e a influência de empresas no currículo escolar, diminuindo o papel da educação pública tradicional e ampliando o espaço para interesses corporativos.

Essas características destacam como o Novo Ensino Médio prioriza a flexibilidade, e a adaptabilidade ao mercado de trabalho em detrimento de uma formação geral abrangente e

igualitária, além de potencialmente aprofundar desigualdades no sistema educacional.

O objetivo do Novo Ensino Médio é formar uma massa de proletários que atuem como supostos “empreendedores” e que vão em busca de suas “realizações” pessoais, ao invés de se buscar uma possível formação voltada para o conhecimento. (Silva, Silva, Santos, 2023, p.73)

Ao colocar a educação sob a lógica de mercado e eficiência, essas políticas podem desvirtuar a missão da educação pública de promover uma formação integral de qualidade, que deve ser inclusiva, equitativa e voltada para o desenvolvimento pleno dos indivíduos.

3.2. Programa FUTURE-SE

O programa FUTURE-SE foi lançado pelo governo Bolsonaro em julho de 2019 e teve como objetivo reformar e reestruturar o ensino superior no Brasil. A proposta visava implementar uma gestão mais empresarial nas universidades públicas, com a promoção de parcerias com o setor privado e maior autonomia financeira.

A ênfase na autonomia financeira das universidades, como proposto no FUTURE-SE, busca reduzir a dependência de recursos orçamentários públicos e incentivar fontes alternativas de financiamento, além dos recursos orçamentários tradicionais provenientes do governo federal. O programa promove a formação de parcerias entre as universidades e empresas privadas para financiar e gerenciar projetos e atividades acadêmicas, visando trazer investimentos e inovação para as instituições. Isso inclui

parcerias com empresas, doações privadas e a criação de fundos próprios. Esse movimento visa a maior flexibilização financeira e administrativa das instituições de ensino superior e promove uma maior autonomia para as instituições de ensino superior em relação à gestão de seus recursos financeiros e administrativos, permitindo que desenvolvam estratégias próprias para a captação e aplicação de recursos.

Desde seu lançamento, o Programa FUTURE-SE tem sido implementado de forma gradual, e as universidades e institutos federais têm a opção de aderir ou não às diretrizes propostas. A adesão ao programa é voluntária e as instituições podem escolher o grau de envolvimento com as propostas de gestão e financiamento.

A proposta, no entanto, reflete uma tendência global de buscar maior eficiência e inovação no setor educativo, enquanto levanta questões sobre o equilíbrio entre financiamento público e privado e o papel das universidades no desenvolvimento social e econômico.

O programa FUTURE-SE pode ser analisado como um ataque à educação pública, pois pode levar à privatização indireta das universidades e institutos federais, prejudicando a universalidade e a qualidade do ensino público ao depender cada vez mais de financiamento privado, incentivando as universidades a buscar fontes de financiamento alternativas e a depender menos do orçamento público. Essa redução do financiamento estatal pode enfraquecer a capacidade das instituições de oferecer educação de qualidade para todos, especialmente para os alunos de baixa renda, e pode aumentar as desigualdades entre as instituições, inclusive aumentar as desigualdades regionais, favorecendo instituições localizadas em regiões mais

desenvolvidas ou em centros urbanos, em detrimento das universidades e institutos situados em áreas mais remotas ou com menos recursos.

A abordagem do FUTURE-SE pode desconsiderar a importância da missão social e acadêmica das universidades, priorizando a competitividade e os resultados financeiros em vez do acesso equitativo e da qualidade educacional. Ao promover a autonomia financeira e a privatização, o programa pode comprometer o princípio da educação pública universal e gratuita, pois a dependência crescente de recursos privados pode limitar o acesso de estudantes de baixa renda e transformar a educação superior em um bem menos acessível. Outra questão relevante sobre os impactos do FUTURE-SE é até que ponto a autonomia financeira e administrativa concedida pode afetar a liberdade acadêmica e a gestão independente das instituições, com indicadores de que possa haver maior controle e influência externa nas decisões acadêmicas e administrativas.

Isso pode levar a uma maior mercantilização da educação, onde interesses privados influenciam a gestão e o conteúdo educacional.

A proposta do FUTURE-SE está vinculada a uma política neoliberal que agride a autonomia das IFES e as submete à lógica de mercado, a partir de uma visão conservadora, em que impera a relação entre público e privado, fortalecendo assim o empresariamento da educação no Brasil e afastando o Estado de sua atuação como garantidor do direito à educação pública (Aguiar, Aguiar, 2020, p.414).

Essa abordagem sugere que a educação deve ser tratada como um mercado, onde a competição e o lucro podem prevalecer sobre o seu papel social, o acesso universal e a equidade.

Com o aumento da influência de empresas e investidores privados nas universidades, há o risco de que as decisões acadêmicas e curriculares sejam moldadas por interesses mercantis, em vez de prioridades educacionais e científicas.

Ao analisar a proposta do Programa FUTURE-SE, concluímos que suas proposições podem enfraquecer o papel da educação superior pública como um bem social e universal, comprometendo a missão de promover uma educação com equidade e acesso igualitário para todos e podem levar ao enfraquecimento da missão acadêmica das instituições de ensino superior, priorizando a eficiência econômica e a atração de recursos privados em detrimento da qualidade educacional e da pesquisa científica.

4. Considerações Finais

A partir das análises apresentadas, concluímos que programas como o FUTURE-SE e as reformas do ensino médio focam em métricas de desempenho e resultados, muitas vezes com ênfase na eficiência e na produtividade, sem basear a questão do pensamento crítico e desenvolvimento social e humano. O objetivo é alinhar as instituições educacionais com as demandas do mercado alinhadas com os conceitos conservadores e morais, além de buscar indicadores de sucesso que reflitam a eficácia e a competitividade, traços marcantes presentes nas políticas neoliberais e neofascistas.

A introdução de mecanismos de mercado na educação, como o controle dos currículos escolares, o tecnicismo, a parceria com o setor privado e a busca de fontes alternativas de financiamento, tende a transformar a educação em um bem de consumo, ao invés de um direito universal. Isso compromete a função social da educação pública, que deveria garantir acesso igualitário e

qualidade para todos, independentemente de sua condição econômica.

Essa abordagem prioriza interesses econômicos em vez de garantir a educação como um direito acessível a todos e pode reduzir a capacidade dos alunos de desenvolver um pensamento crítico e uma compreensão abrangente, prejudicando a formação integral que a educação pública deve proporcionar, ressaltando a importância de manter a educação como um direito universal e uma ferramenta de inclusão e desenvolvimento integral.

É preciso que se consolide uma harmonia em prol do bem comum de todos, a partir da implementação de programas que atendam a todas as demandas sociais. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, deixa de forma bem clara que “a educação é direito de todos e dever do Estado” (Aguiar, Aguiar, 2020, p.397)

A redução de investimentos públicos, associada à ênfase em soluções de mercado e à promoção de parcerias público-privadas, enfraquece a capacidade do Estado de oferecer uma educação de qualidade e equitativa. A diminuição dos recursos destinados às escolas públicas pode levar à deterioração das condições de ensino e ao aumento das desigualdades educacionais.

A ênfase em autonomia financeira e a busca por parcerias com o setor privado podem beneficiar as instituições que já têm mais recursos e capacidade de atrair investimentos, enquanto aquelas com menos recursos podem enfrentar maiores dificuldades. Isso pode acirrar as disparidades entre escolas e universidades, afetando negativamente a qualidade da educação para os alunos de baixa renda e exacerbando as desigualdades educacionais.

Com isso, podemos concluir que os programas citados neste capítulo enfraquecem a qualidade da educação no país, sendo que a educação pública gratuita e de qualidade oferece oportunidades para todos, independentemente da renda familiar e isso é fundamental em um país com grandes desigualdades sociais como o Brasil. O investimento em educação de qualidade contribui para o desenvolvimento econômico ao preparar uma força de trabalho mais qualificada e produtiva.

O governo deve investir numa educação de qualidade de forma justa, socialmente responsável e equitativa, ajudando a reduzir a desigualdade social e econômica do país e oferecendo a indivíduos de todas as origens a possibilidade de melhorar suas condições de vida e contribuir para uma sociedade mais desenvolvida. A educação pública gratuita e de qualidade é essencial para a formação de cidadãos informados e engajados, pois um sistema educacional sólido ensina não apenas habilidades acadêmicas, mas também valores humanos, sociais, cívicos e a importância da participação democrática.

Referências

AGUIAR, Gilvânia Queiroz Madeira de; AGUIAR, Christiano Roberto Lima de. POLÍTICAS EDUCACIONAIS NUMA PERSPECTIVA

NEOLIBERAL: uma análise crítica da proposta para o Programa Futurese. Movimento: Revista de educação, Niterói, ano 7, n.13 p. 394-418, maio/ago. 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/revistamovimento/article/view/394-418/pdf. Acesso em: 1 ago. 2024.

BAPTISTA, Thaiana Netto Fonseca; COLARES, Maria Lília Imbiriba Sousa. Políticas educacionais, neoliberalismo e educação integral.

Revista Educação e Políticas em Debate –v. 11, n. 3, p. 873-891,

set./dez. 2022. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/revistaeducaopoliticas/article/view/66308/3 4256. Acesso em: 1 ago. 2024.

FILGUEIRAS, Luiz; DRUCK, Graça. O neoliberalismo neofascista do governo Bolsonaro e os desafios para a esquerda. In: Marxismo21, 2019. Disponível em: https://marxismo21.org/wpcontent/uploads/2019/12/Luiz-Filgueiras-e-Gra%C3%A7a-Druck.pdf. Acesso em: 1 ago. 2024.

LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. São Paulo. Boitempo editorial, 2019.

SILVA, João Hebert Araújo; SILVA, José Augusto Evangelista da; SANTOS, Joedson Brito dos. O NOVO ENSINO MÉDIO E O

NEOLIBERALISMO: A EDUCAÇÃO DENTRO DA LÓGICA CAPITALISTA.

Revista de Iniciação Científica, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 69-83, jan./dez. 2023. Disponível em: https://revistas.ceeinter.com.br/revistadeiniciacaocientifica/article/view/ 770/739. Acesso em: 1 ago. 2024.

SOBRE AS/OS AUTORAS/ES

Adriana Cristina Omena dos Santos

Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (ECA-USP), com pós-doutorado em Políticas Públicas pela University of Ottawa (UOttawa). Bolsista produtividade junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoCNPq e professora do Curso de Jornalismo, do Programa de Pósgraduação em Tecnologias, Comunicação e Educação – PPGCE e do Programa de Pós-graduação em Educação, todos na Universidade Federal de Uberlandia - UFU, E-mail adriana.omena@ufu.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8863-6219 e lattes: http://lattes.cnpq.br/1515433725914811

Ana Angélica Belório

Graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Psicopedagogia (Associação Educacional do Vale do Itajaí-Mirim - FAVIM). Atualmente é assistente em administração da Universidade Federal de Uberlândia. Atua como coordenadora da Divisão de Formação - Escola de Extensão da Pró-reitoria de Extensão e Cultura da UFU. E-mail: anaangelica@ufu.br.

Cientista Social pela Puccamp. Mestre em Eucação pela Puccamp. Doutor em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Pósdoutorado em Educação pela Ufscar e pela Unicamp. Pesquisador do Histedbr. Professor Titular na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, atuando na graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em educação. Coordenador do GT - Histedbr - Trabalho, Educação e Formação Humana - Uberlândia. Editor Chefe da Editora Navegando Publicações vinculada ao Histedbr. Membro do Comitê Diretor do Histedbr. Desenvolve pesquisas nas áreas de Trabalho, Economia da Educação e Novo Nazifascismo, investigando as mediações entre a mundialização do capital e a formação dos trabalhadores.

Eulália Gonçalves Souza Oliveira

Graduada em Pedagogia pela Universidades Unidas do Vale do Araguaia (UNIVAR). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Jataí - GO e Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia- MG - Linha: Trabalho, sociedade e Educação. Professora lotada na Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso. Grupo de Estudos e Pesquisa: NuFOPE: Grupo de Estudos e Pesquisas Formação de Professores e Práticas Educativas, GPTES: Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (UFU) e Projeto de Pesquisa Nova Gestão Pública na Educação Básica e Impactos no Trabalho Docente: resultados em Goiás e Mato Grosso. Email: laliacaua54@gmail.com

Fabiane Santana Previtali.

Professora Titular na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), atuando junto ao Programa de Pós-graduação em Educação (PPGED) e ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS). Graduada em Ciências Sociais pela Universidade

Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestre em Sociologia e Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com doutorado sanduíche na Universidade de Manchester (Apoio Capes). Pós-doutorado em História Social pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC/INL), Portugal (Apoio Capes). Pós-doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo (FEUSP). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Metamorfoses do Mundo do Trabalho, sob coordenação do Prof. Ricardo Antunes (IFCH/UNICAMP). Pesquisadora do Histedbr. Membro da CLASCO/Grupo de Pesquisa Ciencia Social Móvil y Politizada, sob a coordenação de Prof. Guido Riccono e Prof. Ricardo Pérez Mora. Membro da Anped, GT 09. Membro da rede de pesquisadores Center for Research on Work and Sustainable Development (CEPID-TraDes). Pesquisadora convidada no Observatório das Condições de Vida (OCV/UNL). Consultora adhoc de periódicos especializados no Brasil e no exterior. Membro do corpo editorial da Navegando Editores.

Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Linha trabalho, sociedade e educação. Graduação em História (UFU). E-mail: felipeduarte.2102@gmail.com.

Felipe Duarte

Fernanda Mendonça de Oliveira

Graduada em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia – linha trabalho, sociedade e educação. Professora de Educação Infantil e do 1º ao 5º, lotada na Secretaria Municipal de Educação, Prefeitura Municipal de Uberlândia. E-mail: fernandamendon@hotmail.com

Gerusa Emília da Silva Lima

Entusiasta de belas presenças. Assistente Social, Bacharel em Serviço Social – (PUC Minas). Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia/MG - linha trabalho, sociedade e educação. Especialista em Família e Casal (CEFATEF). MBA em Gerenciamento de Projetos PMI (Pitágoras). Alfabetizadora (UFU). Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (UFU), Grupo de Pesquisa e Estudos Núcleo Pró Família (USP).

E-mail: assistentesocial.gerusa@gmail.com

Julliany Machado Matos

Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia/MG - linha trabalho, sociedade e educação. Graduada em Ciências Econômicas (UFU). Graduanda de Bacharelado em Educação Física pela Faculdade Multivix - Serra/ES. Especialista em Educação Física Escolar e Ludicidade pela Faculdade de São Marcos/ RS. Oficial Administrativo Escolar da Prefeitura Municipal de Uberlândia. Grupo de Estudos: GPTES: Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (UFU). E-mail: jully072003@gmail.com

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia/MG - linha trabalho, sociedade e educação. Especialista em Direito Digital pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Oficial Administrativo lotada na Secretaria Municipal de Educação na Prefeitura Municipal de Uberlândia. Email: marianavsantos@ufu.br

Mariana Vieira Santos

Graduada em Administração Pública pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Educação Infantil e Pedagogia Social (Futura). Atualmente é oficial administrativo da Prefeitura Municipal de Uberlândia. Tem experiência na área de Administração e contabilidade. E-mail: nicolli_ms@yahoo.com.br

Nicolli Moreira Soares

Sérgio Paulo Morais

Professor Titular na Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007). Líder do Grupo de Pesquisa em Experiências e Processos Sociais - GPEPS (CNPQ). Professor credenciado no programa de Pós-Graduação em História (PPGHI/UFU), Linha Práticas Culturais e Relações de Poder, e no Programa de Pós-Graduação em Educação (cursos de Mestrado e Doutorado) da FACED/UFU (Faculdade de Educação), Linha Trabalho, Sociedade e Educação (TSE).

Tem experiência em pesquisas com ênfase em História Social e História Oral, atuando principalmente nos seguintes temas: materialismo histórico, experiência social e trabalho.

No primeiro semestre do ano de 2024, desenvolvemos uma disciplina junto ao PPGED/Faced/UFU denominada Seminários de Pesquisa em Trabalho, Educação e Sociedade: o novo nazifascismo e a Educação,títulohomônimodestelivro. Nela discutimos os fundamentos do nazismo e do novo nazifascismo, estabelecendo relações entre a Alemanha Nazista nos anos 30 do século XX e a retomada de seus principais elementos no início do século XXI. Como agente impulsionador de ambos os processos, tomamos como referência a teoria das crises cíclicas expressa no pensamentomarxianoemarxista. Este livro, dividido em três partes que se complementam, consiste nas reexões que foram feitas no interior desta disciplina, dando ênfase nas reexões dos alunos de mestrado e doutorado que a cursaram e seusrespectivosorientadores.

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