O drama do eucalipto no Vale do Jequitinhonha

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14 | Reportagem|

4 a 10 de fevereiro de 2015 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br

E o caminhão levou... No Vale do Jequitinhonha, agronegócio, barragens e grandes obras, além da seca, são obstáculos para a agricultura familiar camponesa

Fotos: Sergio Ricciuto Conte

Nayá Fernandes

nayafernandes@gmail.com

Em apenas alguns dias no Vale do Jequitinhonha, região nordeste de Minas Gerais, foi possível ver uma centena de carretas carregadas com eucalipto trafegando pelas rodovias. No trecho da cidade de Virgem da Lapa, após Araçuaí, sentido Belo Horizonte, uma destas carretas, apelidadas pela população de “mamute” deslizava na via sem asfalto, tentando sair de um buraco, à frente do ônibus lotado de passageiros. A cena das carretas é forte e significativa para entender as injustiças sociais da região noroeste de Minas Gerais. O chão parece

Carreta carregada de eucalipto, monocultura da região nordeste de Minas Gerais, é uma cena cada vez mais comum nas estradas do Vale do Jequitinhonha

tremer cada vez que uma delas se aproxima. A maior parte do eucalipto transportado é utilizado na fabricação de celulose, exportada principalmente para a China e o Brasil têm as maiores empresas de celulose do mundo. Na BR-367, que liga Araçuaí a Itaobim, vimos dois homens carregando um tronco de eucalipto na beira da rodovia. “As vias estão cada vez mais esburacadas devido

ao tráfego intenso das carretas. O asfalto da rodovia é fino pois não foi feito para este tipo de tráfego e com frequência, caem pedaços de madeira pelo caminho”, contou Paulo André Alves de Amaral, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que nos acompanhou nas andanças pelo Vale. São 24 horas de viagem de São Paulo a Araçuaí, passando por Belo Horizonte. Pelo terceiro

ano seguido, a convite do Serviço Pastoral dos Migrantes Nacional (SPM), nossa reportagem participa da Missão do Migrante no Vale que, em 2015, completou 30 anos e é realizada anualmente no semiárido brasileiro. A Missão acontece em parceria com a Diocese de Araçuaí (MG), a Cáritas Diocesana e a Comissão Pastoral da Terra, com apoio da Coordenadoria Ecumê-

nica de Serviço (CESE) e do Fundo Nacional de Nacionalidade (FNS) entre 24 e 31 de janeiro. os 80 missionários visitaram as comunidades rurais no entorno de Araçuaí, cidade onde aconteceu também o lançamento da Campanha contra o Trabalho Escravo, na sexta-feira, 30 e o Seminário sobre “Migração e Trabalho Escravo – Protagonistas e Alternativas” , no sábado, 31.

‘De olho para não virar escravo’ res. Para o hospital ele foi no sábado seguinte Relatos não faltam. Maus tratos, alojamentos precários, atraso nos pagamentos, e, no domingo, voltou para o barraco, sem cobranças indevidas. E em alguns casos, fazer nenhum exame”. muita dor e saudade. Isso sem contar a quanNa terça-feira, o filho de Coleta faleceu. tidade de jovens que ficam inválidos devido Ela o recebeu exatamente oito dias depois que a problemas na coluna derivados de trabasaiu. “No atestado de óbito havia cinco causas. lhos forçados, sobretudo no corte de cana. Como um médico, um hospital, recebe um A história de Coleta Ferreira Magalhães, alguém mal, não faz nenhum exame e o doente vem a óbito com cinco causas no atesta57, se repete e confirma a necessidade de que do? Disseram que ele morreu por insuficiênse continue insistindo na prevenção, denúncia respiratória e pulmonar, astenia (doença cia e punição dos responsáveis por manter caracterizada pela perda de força muscular), trabalhadores em situação análoga à escravidão. Coleta teve seis filhos, todos migrantes. hepatite e outra doença que não me lembro”, “A primeira vez que um dos meus filhos disse a mãe entre lágrimas, durante o Seminário da Pastoral dos Migrantes que aconteceu foi para o corte de cana, com 19 anos, morreu num acidente com uma máquina da usiem 2013, também durante uma semana missionária na cidade de Berilo (MG). na. Após 12 dias, me chamaram pra receber Edivaldo Ferreira Lopes é membro da a rescisão dele e disseram: “olha, mãe, seu Apresentação cultural no lançamento da Campanha contra o trabalho escravo em Araçuaí (MG) filho só tem direito a isso, porque Comissão Pastoral e foi o responsável pelo lançamento da Camele morreu com uma máquina que panha contra o trabalho escravo era terceirizada, não temos resDireitos do trabalhador ponsabilidade”. Achei aquilo um em Minas Gerais, um dos últimos absurdo, entrei na justiça e ganhei Estados a realizar o lançamento • Alojamento, higiene, alimen• Carteira assinada; gosas justificam pagamento a causa”, contou. oficial. O Estado está em quarto • Jornada de trabalho de 8 horas adicional. tação; Sete meses depois, Coleta recelugar no ranking do trabalho es(se for a mais hora extra com • Transporte; beu outro filho no caixão lacrado. cravo, e teve 3.191 libertados no acréscimo de 50%; trabalho noTelefones para denúncia • Salário (pago até o 5º dia útil “Ele saiu de casa numa quarta-feiano passado. A Campanha aconProcuradoria do Trabalho (61) de cada mês e nunca menos do turno pago com 25% a mais); ra. Na sexta, começou a trabalhar. tece em todo o País com o apoio 3314 8585 valor do mínimo); • Ferramentas e equipamentos Disseram que, às 10h da manhã, do Ministério Público do TrabaSPM em São Paulo (11) 2063 de proteção ambiental de graça; • Férias e 13º terceiro salário; lho. “Temos que cobrar das autonão conseguia mais trabalhar e o 7064 • Aviso prévio; • Descanso semanal; ridades públicas a punição para os deixaram lá no canavial, só o levaMinistério Público Federal • Assistência médica (em caso de • Seguro-desemprego; ram para o acampamento à tarde, culpados”, disse Edivaldo durante Disque 100 • Atividades penosas ou periacidente ou doença); junto com os demais trabalhadoo lançamento.


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