Uma história de amor

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www.arquidiocesedesaopaulo.org.br | 17 de dezembro de 2014 a 7 de janeiro de 2015

|Especial de Natal |

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‘No dia seguinte, eu era mãe’ ‘Não há um dia para contar. Mas dias em que se conta aos poucos e, um dia em que a criança pergunta se ela foi adotada’, explicou Monica Natale, membro fundador do Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo

para os pais, mas pais para as crianças e foi assim que, em agosto de 2010, eles receberam a primeira ligação. “Eram três irmãos e eu fiquei muito empolgada, mas o Sandor me ajudou a entender que não tínhamos nem mesmo espaço suficiente. Chorei muito, respirei fundo e fui em frente.” A segunda ligação, eles receberam quando estavam em viagem de férias. “Faltava uma semana para voltar ao Brasil e a assistente social disse, ao telefone, que não

podia esperar. Foram os dias mais longos que vivi”, contou a mãe do João. Quando voltaram, a menina, de 10 meses já havia sido adotada. Uma semana depois, outro telefonema: “‘É um menino de 9 meses, de etnia negra... se vocês quiserem conhecer’. Fomos. O Sandor, curioso, virou a página do processo que a assistente social tinha em mãos e foi a primeira vez que vimos o João. Naquele momento, no ‘entre olhares’, ele Arquivo pessoal

Nayá Fernandes

nayafernandes@gmail.com

“Mamãe. Pega, pega. Bola. Mamãe, olha. Bolacha. Nuna. Vem. Mas pé, pé, pé. Banana. Nana. Mãe, toma.” Durante quase duas horas de entrevista na casa de Andreia Schweitzer, 43, e de Sandor Rezende, 52, essas foram as palavras de João Pedro Schweitzer Rezende, 3 anos e 6 meses. Claro que a palavra mãe ele falou outras tantas vezes, além de chutar a bola, brincar de carro, quebra-cabeça, comer bolacha, banana e bolo, nessa ordem. Andreia é paulistana do Bixiga e trabalha na Editora Paulinas e ele, o Sandor, é assessor do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho e dá aulas de direito. Casados há dez anos, resolveram adotar uma criança, depois de várias tentativas sem sucesso para engravidar. Contando assim, a história fica leve porque o vocabulário engraçado e inusitado de João, o personagem principal, ajuda e muito. Mas para o casal foi um tempo de tensão e espera.

Vamos brincar de outra coisa?

“Como a maioria dos casais, a gente tentou muito tempo ter um filho por métodos naturais. Fui a um especialista em fertilização, fizemos uma primeira tentativa de inseminação artificial e não deu certo. Depois, a fertilização “in vitro”. Engravidei, mas perdi o bebê”, contou Andreia. Para uma mulher que está tentando engravidar, cada perda é um luto. E foi assim que partiram para a adoção. “A primeira fase é burocrática e, a partir daí, a gente preenche um formulário em que faz algumas opções acerca da criança.” A maioria dos casais no Brasil escolhe crianças de 0 a 3 anos. Andreia e Sandor entraram O trabalho do Gaasp é, socom o processo para se tornabreudo, de conscientização. rem pretendentes à adoção, em “Ainda há uma cultura de adomarço de 2009 e só em novemtar somente bebês e, muitas bro, depois de várias visitas e vezes, preconceitos acerca da entrevistas, receberam a habietnia e do histórico familiar das litação. “Na visita em casa, da crianças. Por esse motivo, há assistente social, eu estava muito uma preparação de ambos os nervosa. Afinal, era uma avalialados e isso pode fazer com que ção para dizer se eu poderia ou o processo demore um pouco não ser mãe.” mais”, explicou Monica. O casal tinha consciência de que não se procuram crianças

Processos vitais

nos escolheu”, contou Andreia, sentada no sofá, enquanto João, na sala do apartamento da família, chutava a bola sobre o olhar cuidadoso da “mãe de primeira viagem”.

A história do Alberto e da Bruna

Sentados no sofá também estavam Monica Natale e seu esposo para a foto em que esperavam o primeiro filho. O caso deles também é de infertilidade, como a maioria dos casais que decidem adotar hoje no Brasil. “Tive vários abortos espontâneos e o médico falou que meus óvulos eram fracos e, além disso, havia uma incompatibilidade de sangue com meu marido que hoje não é mais um problema. Havia alguns métodos e eles me foram apresentados, mas meu marido e eu resolvemos adotar. À época, uma emissora de televisão fazia uma campanha de adoção e liguei. Falei com um pequeno grupo em São Paulo.” Monica teve o primeiro contato com o Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo (Gaasp), em 2003 e participou da fundação oficial do órgão em 2005. Mas, foi em 2004 que ela experimentou, de fato, o significado da adoção. “Eu queria um bebê e, por isso, me cadastrei em 25 cidades. O Alberto veio de Porto Alegre (RS), recém-nascido. A mãe biológica dele, desde a gestação, havia manifestado desejo de entregar para a adoção”, contou a mãe que completará 12 anos de atuação voluntária no Gaasp em 2015. Quatro anos depois do Alberto, ela foi buscar a Bruna em São João Del Rei (MG). “Ela era ruiva de olhos azuis e tinha pouco mais de 2 meses de idade. Lá, me contaram a história triste da família da Bruna...”. Os pais, desde quando decidiram adotar, começaram a fazer um álbum. “Tiramos uma foto esperando no sofá. Aquela espera era a nossa gravidez. Depois, fotos deles com a gente nas cidades em que nasceram. Eu nunca falo em: o dia que você nasceu, mas o dia em que você chegou. Um dia, ele me perguntou, aos 3 anos e meio: ‘Mãe, eu não sai da sua barriga, né?’ Aí, eu contei a sua história.”

A primeira noite A partir da lei 12.010, de 2009, ficou estabelecido que o prazo máximo que uma criança pode ficar institucionalizada é de dois anos. Nesse tempo, procura-se a reinserção no círculo familiar. Se não for possível, a criança fica disponível para adoção. Em São Paulo há cerca de 8 a 10 mil pretendentes e 2 mil crianças para adoção. Ela salientou que tem crescido o número de pretendentes na capital devido às novas formações familiares, casamentos tardios,

pares homoafetivos e segunda união. Mãe adotiva, coordenadora da Associação dos Grupos de Apoio à Adoção e membro consultor da Frente Parlamentar de Adoção da Assembleia Legislativa, Monica enfatizou que é importante compreender que “elas, as crianças, não têm a condição de coitadinhas. Quando pequenas, acham que a culpa é delas e, no caso de terem passado por maus-tratos, há marcas difíceis e etapas a serem superadas”.

“No dia seguinte, eu saí do trabalho e disse: ‘Vou buscar meu filho’. Era dia 8 de março de 2011. Às 17h, fomos ao Tribunal assinar o termo e levamos duas horas para chegar à Pinheiros, onde era o abrigo do João. Só em casa me dei conta que não tínhamos fraldas. Sandor saiu para comprar e, naquele momento, pensei... ‘E se ele estranhar?’ Quando coloquei o João no berço, ele balbuciou: “Ma ma ma ma”. Dormiu a noite inteira e, no dia seguinte, eu era mãe”, contou emocionada Andreia, enquanto seu filho comia bolacha sentado no seu colo.


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