E 4 | Especial |
São Paulo: o Apóstolo, a cidade e a prática pastoral
21 a 27 de janeiro de 2015 |
Luciney Martins/O SÃO PAULO
-americanos, estudantes da USP que se reúnem para a celebração eucarística. “Começamos, então, a participar e se abriu para nós uma nova janela da mobilidade humana: os estudantes. Pudemos perceber a sede de viver em comunidade, de partilhar suas experiências de vida embebidas de fé”, ressaltou a missionária.
ACOLHER OS JOVENS QUE CHEGAM DE LONGE, OLHAR A CIDADE COMO UM “RESUMO DO MUNDO”, DAR AULAS DE PORTUGUÊS PARA QUEM SÓ FALA ESPANHOL. QUAL O ROSTO DA CAPITAL DE TODAS AS CULTURAS?
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Nayá FErNaNdEs
nayafernandes@gmail.com
“Ao contrário do que se imagina, a imigração é um processo contínuo. Não é algo que ficou perdido na História, mas um agente que transforma as sociedades em qualquer lugar.” A afirmação é de Rodrigo Borges Delfim, 29, jornalista e criador do blog MigraMundo, que tem informações atualizadas sobre iniciativas e eventos relativos à imigração em São Paulo. A maior capital do Brasil sempre foi um lugar de encontros culturais e os bairros foram crescendo com a colaboração de comunidades inteiras de imigrantes. Os novos fluxos migratórios e a inserção dos habitantes na capital vão aos poucos mudando também os hábitos dos paulistanos e fazem de São Paulo um lugar onde o mundo cria e transforma as paisagens humanas e urbanas. Rodrigo comentou à reportagem que ele percebe isso quando convive com pessoas de sobrenomes de diversas origens. “Italiana, portuguesa, espanhola, japonesa, judaica, russa, lituana, entre tantos outros, que são fruto de imigrantes que vieram para o Brasil no passado; hoje, é cada vez mais comum se deparar com alguém falando francês, inglês, créole, árabe ou mesmo algum idioma africano como suaíli, igbo ou bambara.” Para ele, a cidade é “uma espécie de resumo do mundo de fato”. Rodrigo lembrou o escritor e poeta Guilherme de Almeida, que ainda em 1929, escreveu uma coletânea de textos que deu origem ao livro “Cosmópolis”. “Eu vejo esse cosmopolitismo, essa possibilidade de poder dar uma minivolta ao mundo sem sair de São Paulo”, disse. Se, por um lado, um simples passeio pelo centro da capital abre possibilidades de ver o mundo, por outro, continua o jovem escritor, “é desapontador saber que há pessoas que preferem usar estereótipos de toda
Imigração e juventude: um papo sem fronteiras sorte como escudo para a própria ignorância”. Mas se Rodrigo chega a perder “um pouco da fé na humanidade com comentários xenófobos pelas redes sociais”, ele recupera essa fé quando os textos do seu blog são compartilhados, citados e até mesmo reproduzidos. “Tem sido uma experiência riquíssima entender mais e melhor quem são essas pessoas que nasceram tão longe e aqui tentam passar ao menos uma parte de suas vidas. Respeitar melhor o outro e suas diferenças, seja o que e quem são, é o melhor presente que podemos dar a essa Metrópole, ajudando-a a se tornar mais humana”, enfatizou Rodrigo.
Estudantes, uma nova janela
E como será a experiência de ser jovem atravessando fronteiras? Quando se sabe que, na juventude, a identificação com o grupo é parte essencial do seu estar no mundo? Preocupadas com os jovens imigrantes, as Missionárias Seculares Scalabrinianas promovem atividades para desenvolver, entre as culturas e as mentalidades, “um mundo novo, no qual pessoas e povos descobrem-se entre eles pertencentes a uma única família da humanidade”, como explicou Elaine da Silva, missionária que mora em um dos Centros Internacionais em São Paulo.
“No laboratório dos Centros Internacionais, aprendemos a nos deixar transformar em nossa maneira de pensar, de ver e de nos relacionar com o outro, que é sempre diferente. Vamos ao encontro dos migrantes e refugiados, fazendo visitas às famílias ou aos alojamentos, paróquias pessoais e em pequenos grupos”, comentou Elaine. E sempre novos desafios acontecem para esta pequena comunidade de mulheres que veem no encontro com o diferente um renovar de esperanças e de perspectivas. No ano passado, por meio do O SÃO PAULO, elas ficaram sabendo que há, na cidade, jovens universitários hispanoMissionárias Seculares Scalabrinianas
Jovens de diferentes nacionalidades visitam a comunidade das Missionárias Seculares Scalabrinianas em São Paulo
Na zona norte da capital, os jovens ficaram do outro lado da História. Eles começaram uma atividade, a partir do Grupo Fé e Política da Paróquia Santa Zita, na Vila Maria, para realizar um trabalho pastoral e social junto aos imigrantes daquela região. “Foram discussões, relatos e enfim ações solidárias para um número grande de estrangeiros. Em particular, assumi as aulas devido ao convite da Elaine Lima, membro da Pastoral da Juventude e do Grupo Fé e Política, em meados de agosto ou setembro de 2014”, contou Diego Daniel Pereira, professor de geog rafia e também membro do Grupo Fé e Política da mesma Paróquia. Ele começou a dar aulas de português, na maioria das vezes, para falantes de língua espanhola. “As aulas seguem um modelo pautado em Paulo Freire, de valorização do diálogo, o que potencializa a aquisição de novas palavras e costumes de nossa cultura. Aprendi a falar com mais calma e os mesmos me reorganizaram na didática e metodologia em sala de aula. Pediram para simplificar termos que não são de conhecimentos deles e isso me abriu um leque de ações pedagógicas”, enfatizou Diego. A Escola Estadual Carmosina Monteiro Vianna, na qual trabalha o professor de geografia, realizou uma ação coletiva e solidária de doação de livros de literatura brasileira para esse grupo, que já consegue interpretar, com a ajuda do professor, alguns dos textos. “A experiência está ótima, mas creio que falta a apropriação do espaço urbano em uma das maiores cidades do mundo. Afinal, São Paulo é uma terra imigrante”, ressaltou o Professor. Outra atividade de referência no trabalho com imigrantes é a Missão Paz, ao lado da Paróquia Nossa Senhora da Paz, no centro de São Paulo. Mantida pela Família Scalabriniana, a instituição tem um papel essencial na acolhida de imigrantes e refugiados com hospedagem, orientação e encaminhamento de documentação, trabalho e educação, além de manter a Casa do Migrante, o Centro de Estudos Migratórios e a Revista Travessia.