Carteira de trabalho para quem veio trabalhar

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25 a 31 de março de 2015 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br

Burocracia pode gerar trabalho escravo Luciney Martins/O SÃO PAULO

Um ônibus por dia desembarca na Barra Funda e, do Haiti ao Glicério, continua o desafio da acolhida de imigrantes em São Paulo Nayá Fernandes

nayafernandes@gmail.com

Ao chegar à “Missão Paz”, no Glicério, centro da Capital paulista, automaticamente eu, você ou qualquer visitante passa a ser fonte de informação para as dezenas de haitianos e outros imigrantes que circulam por ali. A maioria em busca de orientações sobre como conseguir a carteira de trabalho. Na instituição que mantém a ‘Casa do Migrante’ e os eixos trabalho, educação e cultura, além de um Centro de Estudos Migratórios (CEM) e outros serviços, o clima na segunda-feira, 23, era de correria, ansiedade e esperança. O Ministério do Trabalho publicou recentemente uma Portaria, na qual autoriza a Prefeitura de São Paulo, “em caráter excepcional e pelo prazo de 120 dias, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período, a emitir Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) para estrangeiros com nacionalidade haitiana ou senegalesa amparados pelo pedido de refúgio”. A Portaria nº 275, emitida no dia 12 de março, é uma conquista, mas, ao mesmo tempo, motivo de tristeza, na avaliação de Padre Paolo Parise, coordenador do CEM.

Imigrantes recém-chegados à cidade de São Paulo, especialmente haitianos, buscam auxílio na ‘Missão e Paz’

“É um avanço e um retrocesso, porque há outros imigrantes que nos procuram e que não conseguirão o benefício, pois não foram contemplados pela Portaria”, lamentou. A emissão da carteira de trabalho para estrangeiros era realizada somente nas sedes das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego e com uma demora mínima de 45 dias. Agora, haitianos e senegaleses poderão receber a carteira no mesmo dia. “Isso evita muitos problemas, sobretudo, o do trabalho escravo. Já soubemos de carros que param nas proximidades da Missão e fazem convites com promessas que, na maioria das vezes, não serão cumpridas”, acrescentou Padre Paolo. Diferentemente do que está sendo divulgado, o Padre ressaltou que as cheias no Acre agravaram, mas não são a causa principal de um novo fluxo intenso

de imigrantes haitianos em São Paulo. “Eles continuaram vindo, em grande número. Hoje, temos a chegada de um ônibus por dia em São Paulo e é importante frisar, que, embora os governos do Acre e de São Paulo não tenham uma conversa franca sobre propostas conjuntas, o Governo do Acre tem feito o possível para ajudar e a cobrança deve ser feita também ao Governo Federal.”

Uma longa viagem

Após cerca de um mês de viagem, saindo do Haiti, passando pelo Equador e entrando pelo Acre, Sony Lucen, 36, e Mena Rd, 27, desembarcaram na estação rodoviária da Barra Funda e, junto com outros compatriotas procuraram, imediatamente, a “Missão Paz”, referência na chegada à capital paulista. Com olhos assustados, Mena repetiu diversas vezes: “Muito trabalho para chegar até aqui”.

O gasto pago em passagens, visto e aos chamados atravessadores, fica em torno de 4 a 5 mil dólares por pessoa. “Isso acontece porque o Governo Brasileiro concede visto humanitário para apenas 20% dos haitianos, como uma maneira de cercear a vinda deles. Isso faz com que optem por vias ilegais e é um erro, pois o dinheiro empregado na viagem poderia ser utilizado na chegada ao País para evitar que fiquem tão vulneráveis, além de movimentar a economia local”, explicou Padre Paolo. Ao serem questionados sobre o que se ouve dizer a respeito do Brasil, os haitianos afirmaram serem as oportunidades de trabalho o principal motivo da migração. O objetivo é o de ajudar a família que ficou no País que, desde o terremoto em 2010, continua em escombros. Dispostos a encarar qualquer trabalho, grande parte dos imigrantes têm

Caminhos abertos e novas perspectivas Notícias boas de integração dos imigrantes também fazem parte do cotidiano na “Missão Paz”. Um casal que pediu para se casar na Igreja Nossa Senhora da Paz, que fica ao lado da Missão, ou uma jovem que passou em primeiro lugar para Medicina, ganhou uma bolsa integral e auxílio para estudar em Foz do Iguaçú (PR). Ou ainda os imigrantes que ligam para agradecer pelo trabalho conseguido que os possibilitaram alugar uma casa e ajudar a família. A presença dos voluntários também é essencial. Alunos e professores da Universidade de São Paulo têm dado aulas de por-

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Imigrantes aprendem português com professores voluntários da USP

tuguês todos os dias para grupos interculturais, além disso, a Missão conta atualmente com o apoio da Sietar Brasil, associação que tem como finalidade a elimina-

ção de todo tipo de preconceito e propõe a partilha de experiências interculturais para profissionais da área, além de outros cursos profissionalizantes e palestras.

formação acadêmica e profissional, abandonada ou ignorada por falta de oportunidades em suas respectivas áreas. Monica Quenca, assistente social na “Missão Paz” tem feito o acompanhamento das imigrantes grávidas que procuram a Instituição. “Devido a situações extremas, como uma em que a mãe deixava a criança com pouco mais de um ano sozinha em casa, pois precisava trabalhar para sobreviver, conseguimos que essas mães tivessem prioridade na lista de vagas nas creches. Além disso, orientamos para exames como o pré-natal, incomuns em seus países de origem. Temos recebido doações de fraldas descartáveis e leite em pó, que ainda são insuficientes.”

Imigração e as muitas faces da mídia

Um dos serviços que foram beneficiados com as notícias publicadas na mídia no ano passado foi o “Eixo Trabalho”, que contata empresas interessadas em empregar os imigrantes. “Houve um grande aumento das empresas e isso foi extremamente positivo”, disse Padre Paolo. Por outro lado, são comuns reportagens que tratam a imigração como invasão e enfatizam a ideia de que “eles vêm para roubar nosso trabalho”, completou. Importante lembrar que, em números, os imigrantes não chegam a 1% da população brasileira. As empresas vão ao CEM buscar os trabalhadores e, para isso, é essencial que tenham a carteira de trabalho. Além da mediação entre os trabalhadores e empresas, a “Missão Paz” tenta acompanhá-los na pós-contratação.

Como ajudar? Juntamente com os Missionários Scalabrinianos, que mantém a “Missão Paz” e a “Casa do Migrante”, destacando-se a dedicação do Padre Paolo Parise, a Paróquia Nossa Senhora da Luz, na zona norte da capital abriu as portas para acolher os imigrantes. No mais, a “Missão Paz” têm recebido doações pontuais de pessoas físicas, paróquias e outras instituições religiosas. A Prefeitura de São Paulo fornece 150 refeições diárias e a Secretaria de Direitos Humanos, na pessoa do Secretário Eduardo Suplicy, tem mantido uma relação de acessível cooperação.

As doações para a “Missão Paz” podem ser entregues na rua do Glicério, 225, na Liberdade. No momento, as principais necessidades são de material de limpeza, material de escritório, como resmas de sulfite A4 e alimentos perecíveis como carne e legumes. Informações: contato@missaonspaz.org ou pelo telefone (11) 3340-6952. Para doações monetárias, os dados são: Banco Bradesco Agência 0515 C/C 037060-6 Mitra Arquidiocesana de São Paulo CNPJ: 63.089.825/0232-76 Para fazer parte do grupo de voluntários, é preciso encaminhar um e-mail com as motivações, currículo e disponibilidade para voluntariado@missaonspaz.org.


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