43,4 horas semanais e metas impossíveis de serem alcançadas

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43,4 horas semanais

e metas impossíveis de serem alcançadas Nayá Fernandes

nayafernandes@gmail.com

“Abandono da gestão, menosprezo pela atividade, inferioridade diante da diferença salarial e falta de benefícios, tratamento diferenciado das empresas contratantes, insegurança, dificuldade de entender qual regra seguir e sensação de perseguição por ter vários chefes. Esses são fatores presentes na vida de pessoas que já trabalham terceirizadas hoje e, na maioria das vezes, estão relacionados à grande rotatividade e a indiferença de estar ou não trabalhando.” O relato é da professora Angelica Jorge Leão e foi elaborado a partir de sua experiência como gestora de docentes, responsável por recrutamento e seleção, além do desenvolvimento e capacitação dos professores, plano de carreira e controle para resposta de indicadores do MEC. Ela trabalha no Centro Universitário Assunção (Unifai), desde 2005, e também na Faculdade Sumaré desde 2012 e atua, ainda, em consultoria própria para projetos de Recursos Humanos (RH). A questão do Projeto de Lei (PL 4330) que está tramitando no Senado alarga a discussão sobre os benefícios ou não da legalização da terceirização de atividades-fim e não somente das atividadesmeio. Se aprovado o Projeto de Lei, uma escola, por exemplo, poderá terceirizar não somente trabalhadores para serviços como segurança e limpeza, mas inclusive os professores. O primeiro emprego de Maria Gisele Canário de Sousa, hoje com 29 anos, foi no Grupo Contax, multinacional líder em contact center (uma das áreas de telemarketing), que emprega mais de 107 mil funcionários, segundo o site da própria empresa. Ela trabalhava 43,4 horas semanais, num esquema de sete dias trabalhados para uma folga semanal, recebia um salário mínimo à época, e mais as possíveis comissões. “Para ter direito à comissão, eu não podia faltar, mesmo que isso fosse atestado por médico. Além do mais, era preciso atingir, em cada ligação, o tempo de atendimento de, no máximo cinco minutos por cliente. Isso se tornava quase impossível, pois eu dependia de um sistema lento e complexo de manipular, que demorei mais de um mês para aprender. Sendo assim, nunca recebi comissão. Só trabalhei quatro meses na empresa e de-

pois pedi demissão. Quando saí, recebi o proporcional ao que tinha trabalhado”, contou Gisele. A operadora de telemarketing explicou ainda que a relação com os colegas de trabalho era boa, mas quase não tinha tempo para conversar ou tentar qualquer aproximação e com seus diretores, era uma relação extremamente formal. “Não me sentia valorizada na empresa. Era apenas mais uma. Além disso, o ambiente era pesado, pois se exigiam metas impossíveis de serem alcançadas. Todos os dias saía gente e, a cada quinzena, entravam centenas de pessoas.”

Onde mora a insegurança?

Gisele acredita que se trabalhasse em uma empresa não terceirizada, teria um salário melhor, “pois a terceirizada lucra com o serviço que presta e isso é retirado do salário do trabalhador”, afirmou. “Além de resolver problemas e receber xingamentos constantes dos clientes, os coordenadores impunham tensão quando as metas não eram atingidas e isso me deixava completamente insegura.” Situação semelhante vive Aparecida Silva (nome fictício), que trabalha em uma prestadora do Banco do Brasil criada pelo próprio banco. Ela cumpre 40 horas semanais, em regime de Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), têm férias, décimo terceiro salário e Programa de Participação nos Resultados (PLR), mas não tem plano de carreira. “Ganho R$ 1.600 por mês e, em setembro, completo três anos na mesma empresa, tendo recebido reajuste somente por dissídio e inflação. Acredito que se a empresa não fosse terceirizada ganharia bem mais, afinal a função que executo hoje era realizada por funcionários próprios do banco, que ganham mais e trabalham seis horas diárias”, explicou. Ainda assim, Aparecida, que é responsável pela monitoração e manutenção dos caixas eletrônicos das agências bancárias, não se sente feliz na empresa, pois tem objetivos pessoais, como o de trabalhar mais perto de casa. E, embora tenha uma boa relação com os colegas de trabalho, e uma “justa relação com a chefe”, como ela mesma disse, sente que os superiores não a valorizam em seu trabalho e quando acontece algum problema, ainda que não seja de sua competência, acaba sendo cobrada.

Para Rafael Senise, analista sênior de Recursos Humanos na HProjekt, empresa especializada em recrutamento e seleção de pessoas, a insegurança acontece porque o trabalhador “nunca saberá para quem deve se subordinar. Estando

na empresa, ele deverá se reportar a um responsável e também terá que fazer o mesmo com quem tem seu vínculo empregatício. Assim, haverá um conflito interno que acabará interferindo nas suas atividades”.

Quem se beneficia com a terceirização? A pergunta oportuna diante da possibilidade de terceirizar as atividades-fim é, quem se beneficia com isso? Os empresários, os trabalhadores, as terceirizadas? Nenhum, ou todos eles? Irineu Uebara, advogado, formado em Letras e com experiência em gestão de pessoas, afirma que “uma questão que surgirá é a verdade que sempre prevaleceu no mundo trabalhista: a alegação de que a remuneração das empresas de serviços terceirizados sempre está abaixo do mercado em que atuam os profissionais. É evidente que isso acontece, pois a terceirizada não teria como obter a margem de lucro no contrato. E nem a empresa contrataria os serviços terceirizados se o

custo fosse igual ou maior do que o vínculo empregatício. Há uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que impede a terceirização de atividades-fim. O que era ilegal, agora, por ter sido votado pelo Congresso passa a ser totalmente legal? Ou estava sendo de rigor excessivo o relacionamento trabalhista?”. Ele explicou, ainda, que não há como comparar, por exemplo, um terceirizado com uma pessoa jurídica. A comparação se faz entre terceirizado e empregado direto de determinada empresa. “Caso seja aprovado o projeto parado no Senado, um hospital, por exemplo, poderá contratar os serviços terceirizados de uma empresa de enfermagem, considerada

atividade-fim do hospital. Hoje, não há possibilidade disso.” O Advogado levantou ainda a questão das cooperativas, cujos trabalhadores fazem adesão e não são empregados. “As cooperativas, por analogia, também não podem oferecer trabalhadores para atividades-fim. Mas se a lei permite isso a empresas terceirizadas, por que não também a elas? É a continuação da novela.”

Os vínculos com a empresa podem ser prejudicados?

A professora e consultora de RH, Angelica, aposta que o mercado da terceirização sempre ocultará a realidade organizacional. “O problema vai parecer sempre da empresa terceira, sem

perceber que a maior prejudicada é a contratante, uma vez que a sua imagem estará associada a um formato de gestão incompetente, que resulta em um péssimo relacionamento com o cliente.” Ela lembrou que hoje, ao contratar terceirizados para atividades-meio, a maioria das empresas entende isso como sinônimo de redução de custos, diminuição na gestão de pessoas e envolvimento nas tomadas de decisões. “Na prática, essa conduta reflete diretamente na relação empregado-empregador, pois o sentimento do não pertencimento é muito forte nessa situação.” Para ela, o trabalho passou a significar uma troca, ou seja, a empresa depende do funcionário para se desenvolver e sobre-

viver, assim como o trabalhador necessita da remuneração e conhecimento para melhorar seu autodesenvolvimento e sobrevivência. “Antes, nas gerações mais antigas, o trabalho, em primeiro lugar, dignificava o homem, se trabalhava pela honra e dignidade de contribuir para a produtividade do mercado. Trabalhar era também dar uma resposta à sociedade de forma ética e moral.” Assim, Angelica considera que “a questão é bastante polêmica, porém, o favorecimento dessa nova Lei, ou de qualquer outra no País, dependerá diretamente de uma transformação cultural em que, deixamos a atitude de vítima para assumir a postura protagonista, não só de nossas vidas, mas a de todos os envolvidos”. Já Rafael Senise, da HProjekt, enfatiza que a empresa contratada deverá exigir do profissional tereceirizado o mesmo tipo de atendimento e contato com o público que os demais funcionários têm. Caso necessite algum treinamento específico, a con-

tratante deverá exigir da prestadora de serviços certificado de capacitação do trabalhador para a execução do serviço ou fornecer o treinamento adequado. “E, por outro lado, não tem como esse profissional não se envolver com a empresa. Ele está sempre com as demais pessoas, tem horários, rotinas e acaba fazendo parte do dia a dia da empresa. Não existe uma separação por vínculos. A própria equipe, acaba ‘adotando’ sem distinção”, completou Rafael, que explicou, ainda, a impossibilidade de existir a pessoalidade e a subordinação direta do funcionário terceiro com a empresa. “Essa preocupação é explícita na Sumula 331 do TST e serve como base para tomada de decisões por juízes trabalhistas. Atualmente, existem muitos processos trabalhistas solicitando o vínculo empregatício e pleiteando todos os direitos de um CLT.” Em artigo publicado no site do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco (SP) e região, Jorge Nazareno, presidente dos sindicatos afirma que “o argumento de que

é necessário regulamentar o trabalho dos 12 milhões de terceirizados é válido, já que estes trabalhadores precisam ter acesso às mesmas garantias que os demais. O que não dá para concordar é que haja o inverso: se escolha reduzir direitos para que todos tenham acesso ao mínimo”. A reportagem procurou empresas como a Cenibra, produtora de celulose nipo-brasileira que foi condenada ao terceirizar trabalhadores de atividade-fim, ou seja, empreiteiras para o florestamento e reflorestamento. Por e-mail, a Cenibra respondeu que “no momento, não irá se pronunciar sobre o assunto” e também os responsáveis da Contax, que alegou “falta de tempo hábil” para colaborar com a reportagem.


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