Justiça nos Trilhos
12 |
Campanha da
Pela
| 5 a 11 de abril de 2017 | www.arquisp.org.br
5 a 11 de abril de 2017 | www.arquisp.org.br
| Campanha da
biomas brasileiros e defesa da vida
vida dos povos
| 13 Repam
na Pan-Amazônia Repam leva à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington (EUA), casos de violação de direitos humanos brasileiros e latino-americanos
A
Nayá Fernandes
nayafernandes@gmail.com
duplicação dos trilhos de um trem teve impactos negativos para a pequena comunidade rural de Vila União, no município de Buriticupu, no Maranhão. A situação foi apresentada para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh) como “caso mineração”. O “caso Acre”, do povo indígena Jaminawa Arara, também foi levado à Cidh, que se comprometeu a colaborar com a investigação das denúncias de violações dos direitos humanos ocorridos na Pan-Amazônia. Entre 17 e 24 de março, os casos citados foram relatados à Cidh pelo presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), Cardeal Cláudio Hummes, e por um grupo formado pelo secretário executivo da Repam, Maurício López, e lideranças comunitárias. Outras organizações em Washington, nos Estados Unidos da América, também ouviram a situação dos povos pan-amazônicos, como o Episcopado Norte Americano, políticos, universidades e membros influentes da sociedade civil. A audiência na Cidh sobre o Direito de Território de Comunidades Indígenas e Comunidades Rurais da Pan-Amazônia aconteceu no dia 17 e foi solicitada pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), a Confederação Latino-Americana de Religiosos (Clar), a Cáritas da América Latina e do Caribe, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos e lideranças indígenas e campesinas. Foram levadas ainda ao conhecimento da Comissão situações semelhantes na Amazônia Equatoriana, como a dos indígenas e comunidades rurais de Tundayme, que vêm sendo afetados pela exploração de mineradoras na extração de ouro e cobre em suas terras, causadoras da poluição de rios e expulsão de seus lugares de habitação. Da mesma forma, foi apresentada a realidade das comunidades indígenas do Departamento de Wampis e Awajún Amazonas, no Peru, impactadas pela alienação ou concessão de suas terras para fins de exploração de minérios. Em entrevista à reportagem do O SÃO PAULO, Dom Cláudio Hummes avaliou muito positivamente a receptividade da Cidh
e demais instituições norte-americanas: “Eu percebi que eles têm um real interesse pela situação dos povos na Pan-Amazônia. Temos muitas esperanças e um protocolo assinado em que a Comissão se comprometeu com a Repam. Estamos ao lado das comunidades mais vulneráveis para que elas mesmas preparem seus relatórios e enviem à Cidh, pois temos consciência de que são elas e os próprios indígenas que levarão à frente essas denúncias. A missão da Repam é acompanhar, se solidarizar e apoiar as comunidades.” A Repam tem um eixo Direitos Humanos e Igreja de Fronteira que trabalha na capacitação das lideranças. “Queremos que as próprias comunidades sejam protagonistas de suas histórias, porque não podemos fazer por elas. Assim, pretendemos qualificar os agentes locais e possibilitar que eles tenham acesso direto aos instrumentos oferecidos pela Cidh”, afirmou Dom Cláudio.
Entenda os casos brasileiros O povo indígena Jaminawa Arara sofre pela não demarcação de suas terras, por conta invasões, exploração de madeira, projetos de exploração de petróleo e gás natural e pela constante presença de narcotraficantes na fronteira com o Peru. A liderança indígena Rosildo da Silva pediu urgência na demarcação dos territórios, no Estado do Acre. “Nós estamos sendo violados em nossos direitos como um todo, sobretudo pela não demarcação de nossas terras e dos indígenas ”, relatou Rosildo à Repam. “No Acre, há projetos de exploração de petróleo e gás natural no Cale do Juruá, essa é uma área de nascedouro de grandes rios
que compõem a bacia Amazônica, a maior bacia hidrográfica de água doce da superfície do mundo”, explicou Lindomar Padilha, membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Estado. Já a comunidade rural de Vila União, no Maranhão, vem sofrendo pela concessão de suas terras à atividade ferroviária e à extração de minerais pela Vale do Rio Doce. José Horlando da Silva Araújo, líder da comunidade, comentou sobre a criminalização das lideranças que se posicionam contra os impactos sofridos pela exploração de minério na região. Impossibilitado de ir a Washington por não ter conseguido o visto, ele enviou um vídeo à Cidh em que fala sobre a situação de medo que a comunidade vive: “Hoje a gente não pode fazer reivindicação reclamando dos impactos em nossas vidas, casas, rios, estradas. A defesa deles é muito forte, logo os advogados abrem processos contra quem reivindica e, assim, as pessoas ficam com medo e se calam”. Em entrevista ao O SÃO PAULO, José Horlando falou também sobre o assoreamento do rio Pindaré, usado pela comunidade para consumo e cultivo de plantações. “O rio está seriamente assoreado e com suas margens destruídas em consequência da exploração da mineradora e do aterramento realizado para a duplicação dos trilhos”, disse. “Outro grande problema é a falta de uma construção que possibilite a travessia segura, uma passarela ou um viaduto. Atualmente, as pessoas passam por cima da linha (porque precisam atravessar os trilhos para chegar às suas plantações)
e estão suscetíveis a acidentes. Há ainda problemas devido à trepidação dos trens, que têm causado rachaduras nas casas e quebra de telhas”, explicou José Horlando. Ele disse também que o único túnel construído fica a 500 metros da comunidade e quando chove permanece inundado , o que impede as pessoas de usarem.
O que precisa mudar? O Cardeal Hummes, que também é presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo emérito de São Paulo, enfatizou três questões principais que devem ser consideradas para que não aconteça mais a violação dos direitos dos povos, principalmente diante de grandes projetos que afetam os territórios ocupados pelas comunidades indígenas, rurais e mesmo urbanas da Pan-Amazônia. São aspectos que ficaram evidenciados durante a reunião com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em primeiro lugar, é necessário que haja a consulta prévia. “As comunidades indígenas e outras comunidades que estão no território precisam ser ouvidas. E essa não pode ser uma escuta só formal, mas é imprescindível que as falas tenham incidência no momento da idealização e realização dos empreendimentos. Essa consulta prévia tem que ser vinculante, deve ter peso na elaboração dos projetos”, disse. A seguir, Dom Cláudio falou sobre a demarcação e invasão de terras. Ele ressaltou o risco constante de as comunidaMarcelo Cruz/Justiça nos Trilhos
des perderem terras já demarcadas, pois muitas têm seus territórios violados. Em terceiro lugar, o Cardeal citou a criminalização dos defensores dos direitos humanos. “Acontece que o próprio poder público e outras pessoas ou organizações criminalizam os que defendem os direitos dos povos. Muitas pessoas são mortas por defenderem esses direitos. Este é um ponto muito importante. Insistimos que isso fosse levado a sério, porque há muita gente sendo ameaçada. A Repam quer colaborar para a apuração das denúncias e a punição, quando necessária, porque não basta só denunciar, é preciso punir. A não punição significa abertura para novos crimes”, comentou Dom Cláudio.
Dar visibilidade O presidente da Repam afirmou também que, ao apresentar esses casos à Cidh, que é uma das entidades do sistema interamericano encarregadas da promoção e proteção dos direitos humanos no continente, eles começam a ser visibilizados e isso é de extrema importância para as comunidades locais. “A Igreja está assumindo esse serviço em favor dos povos e assim ela tem sido profeta tanto devido às denúncias feitas como ao mostrar caminhos de solução”, comentou Dom Cláudio. O Bispo explicou que a Igreja, por meio da Repam, está tentando construir uma rede e buscar novos elos para articular os serviços e instituições que já existem. “Assim, poderemos fazer um trabalho mais coordenado. Por isso, queremos apoiar as comunidades locais, para que elas possam qualificar membros como agentes de direitos humanos e saberem que há uma rede que se solidariza com elas.” Maurício López, secretário executivo da Repam, acompanhou a equipe nos Estados Unidos da América. Ao voltar para o Equador, ele enviou à Repam um resumo sobre os encaminhamentos principais junto à Cidh. “Uma das coisas mais importantes foi o pedido para que a Comissão faça um informe sobre a situação dos povos na Pan-Amazônia. Estamos também definindo linhas de trabalho para que os povos possam acessar diretamente os mecanismos de denúncia e pedidos para a Comissão. Para viabilizar isso, tivemos dois dias de treinamento para as lideranças aprenderem a acessar o sistema”, contou Maurício. “Queremos fazer um material educativo para que outras pessoas possam conhecer as realidades das comunidades amazônicas. Temos parcerias com ONGs com as quais falamos sobre a situação e possíveis perspectivas de acom-
Dom Cláudio Hummes, presidente da Repam
panhamentos particulares em causas específicas. Há também a abertura para uma audiência no Congresso dos Estados Unidos da América, na qual a Repam terá um papel essencial para exposição dos casos”, continuou o Secretário. Outra parceria que a Repam tem promovido envolve as universidades. “Elas podem nos ajudar a elaborar as bases científicas, tanto no que se refere a situação dos povos quanto às questões ecológicas e ambientais”, explicou o Cardeal Hummes. Lindomar Dias Padilha, que atua também junto aos povos indígenas da Amazônia brasileira desde 1991 e é membro do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, afirmou que a Repam “tem se apresentado como uma proposta de rede capaz de articular as entidades que trabalham na Amazônia. Aliás, isso aponta para uma nova etapa, uma etapa pós Laudato Si’. É uma importante iniciativa e traz esperanças para os povos indígenas e comunidades”. Sobre a iniciativa de levar os casos à Cidh, Lindomar afirmou que se trata de uma perspectiva muito boa, porque, mais do que punir, espera-se dar visibilidade aos casos. “Além disso, pode-se criar nos próprios Estados, junto à sociedade civil, um clima mais favorável à Amazônia e seus povos, pessoas que vivem, produzem e cuidam dessa vasta área, riquíssima em bio e sóciodiversidade. Todos os casos apresentados na Comissão Interamericana de Direitos Humanos são exemplos da gravíssima situação de violação dos direitos e cuja denúncia esperamos que alcance os ouvidos das pessoas de bem e boa vontade, para que saiam na defesa desses povos e territórios”, continuou. Colaborou Osnilda Lima/Repam