Toda mãe pode dar à luz naturalmente

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11 a 17 de fevereiro de 2015 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br

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Parto normal para nascer de modo mais humano

Acolhida e segurança na hora de dar à luz

Arquivo pessoal

No Brasil prevalece a cultura da cesariana e muitas mães têm dificuldade quando optam por ter seus filhos sem intervenção cirúrgica Nayá Fernandes

nayafernandes@gmail.com

Quando Paula Ferreira Nascimento Nunes, 30, mãe da Antonella Nunes e esposa do Felipe Nunes descobriu que estava grávida foi uma mistura de felicidade e insegurança. Ela ainda estava se recuperando porque havia perdido um bebê com 6 semanas. Nessa fase já começou a procurar um médico que a ajudasse a ter um parto natural. Foi então que Paula conheceu Fabiola de Souto, professora de yoga, advogada e doula (auxiliar da gestante antes, durante e após o parto). Fabiola promove rodas de gestantes gratuitas sobre parto humanizado. “Participei de uma destas rodas e me apaixonei pela ideia de ter um parto natural. Algumas vezes, cheguei a discutir com quem me chamava de louca por isso, inclusive meu marido”, contou Paula. Mas Felipe entendeu a importância do parto humanizado após assistir o filme “O renascimento do parto”. Ele repetia sempre à esposa: “se der pra fazer como você quer, tudo bem, mas se for necessário de outro jeito...”. A mãe catarinense não gostava dessa frase, pois havia escutado de três médicos pelos quais passou. Foi então que ela decidiu ir de Tubarão para Florianópolis (SC) e lá conseguiu um médico. A experiência vivida por Paula acontece com muitas mães brasileiras. Segundo a pesquisa “Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre o parto e nascimento”, primeiro estudo nacional de

Em Santa Catarina, Paula e Felipe optaram pelo parto humanizado no nascimento da primeira filha, Antonella

base epidemiológica que descreve a atenção ao parto, 66% das mulheres preferiram o parto normal no início da gravidez, só que depois acabam mudando de ideia ou sendo convencidas dos supostos benefícios da cesariana. A pesquisa, disponível no site www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil, acompanhou 23.984 mulheres e seus bebês em estabelecimentos de saúde públicos, conveniados ao SUS ou privados, que realizaram mais de 500 partos por ano, entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012. Foram coletados dados em 266 hospi-

Direitos da mãe Aprovada, a lei 712/2013 assegura o direito ao parto humanizado nos estabelecimentos públicos de saúde do Estado e, em 23 de dezembro de 2013,

tais de 191 municípios, incluindo as capitais e algumas cidades do interior de todos os estados, das cinco regiões do País. Um dos objetivos da pesquisa é o de analisar a atenção à gestação e ao parto e seus principais desfechos, além de descrever a motivação das mulheres para opção pelo tipo de parto, a estrutura das instituições hospitalares e a relação com os desfechos obstétricos e neonatais.

Dentro da água

Paula decidiu pelo parto normal e encontrou um médico em

também foi aprovada, no município de São Paulo, as diretrizes para a criação do Programa Centro de Parto Normal - Casa de Parto. Outro Projeto de Lei, o 359/13, de maio do mesmo ano, prevê a inclusão de obstetrizes nos serviços de saúde

Florianópolis que orientava o parto dentro d’água. A gravidez aconteceu de forma tranquila e, com 34 semanas, ela começou a massagem perineal ensinada na roda de gestantes de Tubarão. “Sentia uma conexão incrível com aquele serzinho que habitava meu corpo. No fim da gestação meu marido pegou férias e fomos para ‘Floripa’ esperar nossa princesa dar o ar da graça”, contou Paula. O grande dia: 24 de maio de 2014 chegou. Começou com uma caminhada na praia e uma feijoada ao meio dia. “À tarde, dormi

destinados à promoção e atenção à saúde da mulher e à assistência durante a gestação, parto e pós-parto. “As obstetrizes atuam de forma autônoma e em equipes multidisciplinares”, afirma o artigo 3º do Projeto de Lei. Mesmo com a aprovação destas leis, devido ao

como um anjo e acordei profundamente apaixonada pelo meu marido. Enquanto me arrumava para sair com os amigos, senti que a bolsa estourou.” Paula, com o apoio do Felipe começou a fazer as posições que havia treinado para aliviar as contrações e tentava respirar e manter a calma. “Este controle respiratório aliviava as contrações, e a cada contração, não falava nada. Somente estalava os dedos, respirava forte. Senti que a boa hora havia chegado! Mal conseguia me movimentar até o carro pela frequência das contrações, e confesso que cheguei a pensar: porque escolhi isto pra mim e não uma cesárea? Pensava na minha mãe, que é um símbolo de força para mim.” Ao chegar à maternidade, Paula foi para a banheira. “Ali assumi a posição de cócoras que era como gostaria de parir. De repente, senti uma vontade incontrolável de fazer força. Chamaram o médico, que teve que subir na banheira para me examinar. Continuava fazendo força a cada contração e pensei: Agora ela vem! O médico disse: ‘Corre pai, entra na banheira que a cabeça já esta ali’. A sensação de tocá-la juntos e sentir aquele cabelinho bem macio foi indescritível. Naqueles poucos minutos senti uma ansiedade tremenda. E assim, senti ela deslizar aparando-a em meus braços junto com o Felipe. Puxei-a para o meu peito rapidamente e o médico pediu que eu descesse um pouco, pois ela tinha uma circular de cordão no pescoço. Calmamente ele desenrolou com um dedo. Depois, pediu que eu baixasse um pouco mais e cobrisse o corpo dela com água. Ficamos os três ali, com aquele chorinho gostoso dela, cobertos pela água quentinha, extasiados de emoção.” E foi o pai, Felipe que cortou o cordão umbilical da filha. A mãe já partilhou essa experiência em várias mídias e na própria página no Facebook.

grande número de usuários de planos de saúde no Brasil, o número de cesárias chega a 88% dos partos em instituições de saúde privadas, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que este número não ultrapasse os 15%.

Em 2014, o Amparo Maternal realizou 7.407 partos, numa média de 617 por mês, sendo 70 % normais Rodeadas de verde, muitas mamães em São Paulo encontram no Amparo Maternal, instituição privada e filantrópica de saúde na zona sul de São Paulo, um lugar seguro na hora do parto. Isso porque “as decisões sobre a conduta a ser tomada diante de cada parto estão embasadas nas premissas institucionais de acolhimento, humanização e segurança para a saúde da mãe e do bebê, bem como todos os demais detalhes que garantam o seu vínculo neste momento que é um dos mais importantes para o ser huma-

no”, afirmou Júnia Cordeiro, Diretora Executiva do Amparo Maternal. Sueli Regina Maria Barbosa, 38, teve no Amparo, o segundo filho de parto normal. Ou melhor, a segunda filha, Alita Mariana Barbosa de Souza nasceu no dia 5 de fevereiro e estava com apenas algumas horas quando sua mãe foi entrevistada para esta reportagem. O pai, Ailton Antônio de Souza, 41, acompanhou o parto da filha e participou deste momento tão importante na vida da família. “Nunca pensei em outra forma de ter meus filhos. Desde que eu quis engravidar, comecei a ler muitas coisas e sempre achei muito interessante esses partos naturais. Quando entrei na 39ª semana, a médica perguntou se queria fazer uma cesariana e eu não quis. Todo mundo falou que eu estava

doida, pois deveria fazer a cirurgia. Hoje comecei a sentir as contrações, vim pra cá e foi rapidinho”, contou Sueli. A mãe de Alita teve 13 irmãos e foi a única filha que não nasceu de parto normal. “Hoje, quando fiquei sozinha no quarto, pensei na minha mãe. Ela teve filhos com parteiras e até sozinha. Eu trabalhei até ontem e hoje comecei a sentir contração. Na hora do parto, a ajuda da equipe é muito importante e das doulas ou obstetrizes também. Ao invés de pensar na dor, eu pensei na força que deveria fazer”, contou a mãe, que sempre recomenda às amigas o parto normal, mas constata que a maioria prefere a cesárea, e concluiu “Isso não é estranho?”.

Marcelle Machado/Amparo Maternal

Colaborou nesta reportagem Marcelle Machado, do Amparo Maternal

Cesárea humanizada? Uma questão de linguagem? Melania Amorim, médica ginecologista obstetra, pesquisadora, professora e ativista pela humanização do parto e nascimento é referência para o assunto no País e alimenta um blog regularmente levantando o debate sobre o tema. Para ela, não existe cesariana humanizada. “Isso é balela para vender a cesariana como uma alternativa válida e equivalente ao parto normal. A cesariana pode ser linda, – ah, como é linda! Uma cesariana necessária e salvadora! Pode ser respeitosa e a assistência ao nascimento pode ser humanizada e baseada em evidências, mas o procedimento em si, nada tem a ver com o conceito de humanização do parto, por isso evito o termo. Também não falo em cesariana natural ou minimamente invasiva, prefiro falar de técnica de cesárea baseada em evidências e humanização da assistência ao nascimento na cesariana”. A médica e pesquisadora Me-

lania já utilizou procedimentos como episiotomia de rotina (um corte que se faz entre a vagina e o ânus da mulher para, em tese, facilitar a saída do bebê durante o parto) e fórceps de alívio em primíparas (mães de primeira viagem), mas não recorre mais a esses métodos nos partos que acompanha. “A gente evolui e se transforma. Felizmente. Eu também fazia. Eu mudei. Só nunca fui cesarista. Questão semântica, puramente? – Não acho”, afirmou em um texto que escreveu para sua página na internet.

Violência obstétrica

Outro tema defendido por Melania é o de que a violência obstétrica está entre um dos principais tipos de violência contra a mulher, praticada em diferentes países. Ela compartilha essa opinião de Fabiana Dal’Mas Rocha Paes, promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. “No

meu entendimento, a violência obstétrica é um termo relativamente novo para descrever problemas antigos, que possuem três aspectos inter-relacionados. Os direitos de gênero, o direito à saúde e os direitos humanos. Pode caracterizarse de distintas formas: recusa à admissão ao hospital (Lei nº 11.634/2007), impedimento de entrada de acompanhante (Lei nº 11.108/2005), violência psicológica, cesariana desnecessária e sem consentimento, impedimento de contato com o bebê e o impedimento ao aleitamento materno”, explicou Fabiana. Ela informou também que o sistema jurídico brasileiro já possui legislação genérica protetiva para tratar da violência obstétrica, mas que a questão não pode ser tratada de forma superficial, necessitando um amplo debate com a participação da sociedade civil, das autoridades e dos médicos.

Dica Geiza Nhoncanse, médica formada pela Universidade Federal de São Carlos recomenda que todo casal grávido assista ao filme “O Renascimento do Parto”. Disponível no site www.orenascimentodoparto.com.br, o filme trata sobre os benefícios do parto normal para o bem da mãe e do bebê.

Sueli com a filha nascida há apenas algumas horas de parto normal em São Paulo

Mitos e verdades do parto normal * Medo da dor A dor é pessoal e suportável, em casos de maior dificuldade, pode-se utilizar a anestesia; Medo de alterar o períneo (a entrada da vagina e do ânus) Esta questão está relacionada ao colágeno da família e à quantidade de filhos que a mulher terá na vida – pode-se fazer massagens e utilização de aparelho; Cesariana é mais segura Ao contrário, há mais riscos para a mãe pois é uma cirurgia, a cicatriz uterina traz riscos em outras gestações e para o bebê há risco da prematuridade; Idade avançada Não há limite de idade, as condições podem aparecer sim, mas dependem de cada mulher;

O primeiro filho foi com cesárea O ideal é que haja dois anos entre uma gestação e outra, mas há segurança no parto espontâneo, mesmo depois da cesárea; Bebê com circular de pescoço 30% dos bebês tem circular no pescoço, durante o trabalho de parto reconhece-se se a criança está tendo diminuição de vitalidade, mas isso não é impedimento; Bebê muito grande ou bacia estreita Sempre é importante passar pela prova do trabalho de parto. É muito difícil numa gestação saudável que o bebê seja feito de uma maneira incapaz de passar pela bacia da mãe; Parto de gêmeos Podem nascer de parto normal na maioria dos casos.

*Informações de Ana Fialho, ginecologista obstetra, no programa “Parto Normal Medos e Mitos”, apresentado na Tv FioCruz em 28/10/2013.


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