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14 a 20 de janeiro de 2015 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br
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Economizar e cuidar bem da casa comum Nayá Fernandes
A palavra ‘economia’ vem da junção dos termos gregos ‘oikos’ (casa) e ‘nomos’ (costume, lei), resultando em ‘regras’ ou administração da casa, do lar
nayafernandes@gmail.com
Entre Jabaquara, na zona sul da capital, e Diadema, cidade da grande São Paulo, está localizada a Vila Clara, uma comunidade de periferia na capital paulista. Lá mora Vanessa Aparecida Pereira Moura, 36, operadora de telemarketing; juntamente com seu esposo, Marcos Moura dos Santos, 32, supervisor de vendas; a filha Cecília Pereira Moura, 5; e mãe, Creusa Maria da Silva Pereira, 54, diarista. Vanessa conversou com a reportagem e falou sobre as dificuldades que tem, como, por exemplo, o aumento da violência e a sensação de que está “entrando em outro mundo”, quando chega à Vila Mariana, onde trabalha de segunda à sexta-feira. Outro desafio encontrado no cotidiano dessa família, que se intensifica principalmente após as festas de fim de ano, é o de ajustar as contas em janeiro, que é sempre um mês carregado de aumento nas tarifas e gastos extras. A tarefa de economizar não é nada fácil, mas é necessária para que a família possa fazer projetos a longo prazo. A palavra “economia” vem da junção dos termos gregos “oikos” (casa) e “nomos” (costume, lei), resultando em “regras ou administração da casa, do lar”. Para que esse cuidado da casa seja eficaz, o foco não precisa estar só na questão financeira, mas é importante considerá-la para que as outras di-
mensões da vida ganhem o espaço que merecem e os membros da família não empreguem todas as suas energias ou noites de sono preocupados com dívidas adquiridas. No caso da família de Vanessa, um percentual 67% das entradas de recursos estava comprometido com gastos fixos como alimentação, saúde, transporte, energia, água, gás, internet, telefone, televisão e celular. Em janeiro, são acrescentados gastos com IPVA e seguro do carro. Eles não pagam IPTU, pois a casa em que moram no mesmo lote em que mora a avó, é isenta. Também não gastam com material escolar, pois a Cecília estuda em uma escola pública que fornece tudo o que ela precisa. “Para o lazer, não consideramos as entradas da minha mãe e procuramos economizar o máximo em roupas e sapatos, por exemplo. Acho os custos de vida muito altos em São Paulo e o que sobra nem sempre é suficiente para termos uma situação estável”, disse Vanessa. Ao falar de aumentos, contas e gastos, e busca de alternativas para viver numa metrópole como São Paulo, é importante ressaltar que a economia trata das questões relativas à vida humana e social e que não tem sentido falar sobre ela, se o objetivo não for a qualidade das relações humanas. Assim, cada vez que alguém pronuncia a palavra economizar, a imagem principal poderia ser a do bem viver na casa comum e não aquela do dinheiro acumulado.
Aumento de 8% sobre todos os gastos da família ainda que sejam desejados. Existe uma realocação da renda da família: R$ 190 que antes eram usados para programações familiares, roupas e acessórios ou afins, agora são gastos com contas essenciais. O poder de compra do orçamento familiar está reduzido. Os dados apresentados indicam que a família dispunha, antes do aumento, de um excedente de R$ 1.650 ao mês, não considerando o mês de janeiro com suas despesas extras. Com o aumento dos gastos, este excedente reduz-se para, aproxi-
madamente, R$ 1.450 ao mês. Uma alternativa para este excedente seria aplicá-lo na poupança, um investimento pouco rentável, mas seguro e de liquidez imediata – geralmente a classe média prefere esse tipo de investimento, pois é possível utilizar este recurso a qualquer momento, para cobrir despesas extras, como as contas específicas do mês de janeiro. Se a família tivesse guardado cerca de R$ 1.450 ao mês, entre fevereiro e dezembro, sendo este o excedente apontado pelos dados,
Diante dos aumentos nas tarifas, sobretudo do transporte público, que foi de quase 8% na capital paulista, O SÃO PAULO entrevistou Juliana Inhasz, doutora em economia e professora no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). Juliana fez duas análises a partir dos dados oferecidos pela família entrevistada. Por primeiro, ela aplicou o ajuste de 8%, o mesmo dos transportes, para os demais gastos fixos. Na segunda, fez uma discriminação das tarifas, utilizando os devidos índices: transportes e afins, em 8%; mercado e feira, em 8,03%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano de 2014; convênio médico, com reajuste igual a 9,65%, valor usado para reajuste em 2013, já que a alíquota para o reajuste em 2015 só é divulgada em meados de abril; televisão, telefone e celular, em 3,98%, segundo o Índice Geral de Preços – Mercado (IGPM) de 2014;
ela teria, em janeiro de 2015, cerca de R$ 16.430, considerando que R$ 485 são juros do dinheiro aplicado. “Ela poderia retirar dessa quantia o necessário para cobrir as despesas extras em janeiro, e continuar acumulando para, no futuro, trocar o carro, fazer uma viagem etc. Em suma, o reajuste citado leva a um aumento de R$ 190 nos gastos, forçando a família a reduzir outras despesas em detrimento da elevação forçada de seu custo de vida”, considerou Juliana.
Juliana Inhasz
gás, em 6,41%, usando a inflação medida pelo IPCA cheio; energia, em 17,06%, alíquota de aumento para SP pelo IPCA; e água, em 26%, considerando o aumento previsto pelo governo em 5,5%, adicionado ao possível pagamento de sobretaxa advindo de elevação do consumo em até 20%. “Os gastos da família analisada são muito reduzidos em alimentação. Acredito que aqueles como açougue, alimentação fora de casa, ou mesmo a pizza do final de semana, não foram considerados. Em média, as famílias com essa faixa de renda gastam cerca de 30% a 40% com alimentação no geral. O impacto sobre o orçamento talvez seja maior para uma família mediana representativa”, explicou a economista, que ressaltou, também, que se houvessem gastos com material escolar, aluguel e IPTU, a renda ficaria ainda mais comprometida, impactando bastante nos excedentes para lazer. A apresentação dos cenários a seguir é também de autoria da Juliana.
Aumento de 8% sobre transportes em geral e demais gastos utilizando os índices de reajuste devidos Os resultados não se alteram muito entre os dois cenários. O aumento diferenciado das tarifas eleva os gastos da família, num mês normal, ou seja, sem despesas extras como as de janeiro, em 4% do orçamento total, próximo de R$ 200, assim, há um sutil aumento. O impacto significativo fica por conta das tarifas de energia e água, que se elevaram substancialmente, por
conta dos reajustes aprovados pelo governo no primeiro caso e da possibilidade de sobretaxa no caso de aumento de uso no segundo. Entretanto, este impacto parece arrefecido pelos aumentos em televisão e celular, que apresentaram alíquota baixa no ano. Juliana explicou, também, que alguns reajustes ainda não estão fechados, como é o caso dos convênios médicos. Nes-
Como contornar os reajustes dos preços no início de ano? ESPECIAL PARA O SÃO PAULO
CENÁRIO 2
CENÁRIO 1
Após o reajuste considerado, cerca de 71% do orçamento da família fica comprometido com gastos correntes, antes do aumento, 67% estava comprometido. Isso leva a um gasto adicional de cerca de R$ 190 ou seja, 4% do orçamento total, que poderia ser utilizado, por exemplo, saindo para comer uma pizza três vezes no mês, indo ao cinema, ou ainda adquirindo roupas e sapatos. O reajuste compromete gastos que não são considerados de primeira necessidade para a família,
Uma ‘ajudinha’ de quem entende
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se caso, para esta simulação, foi considerado o reajuste do ano passado. “No geral, este cenário é muito parecido com o cenário anterior, reduzindo o poder de compra do orçamento atual da família. Há a necessidade de readequação dos gastos: retirar recursos de alguns gastos vistos como não essenciais para o pagamento de despesas de consumo vistas como essenciais”, afirmou.
Algumas medidas simples podem ser tomadas para evitar um descompasso no orçamento familiar logo no início de 2015. Tais medidas devem ser pensadas e colocadas em prática o resto do ano. A primeira delas diz respeito às contas com tributos como IPVA e IPTU. Realmente, é viável o pagamento de tais tributos à vista, desde que o consumidor tenha este dinheiro parado na conta corrente ou, se estiver aplicado, que esteja rendendo menos de cerca de 1% ao mês. Caso contrário, é melhor parcelar: você perde o desconto, mas não terá que pagar altos juros pelo empréstimo contraído para pagamento à vista. Criar uma nova dívida para pagar o IPVA à vista, por exemplo, não vale a pena: os custos do empréstimo para isso serão certamente superiores à economia com o pagamento à vista. Boa parte dos gastos da família pode ser otimizada se houver organização dos mesmos. Os gastos com alimentação, por exemplo, podem ser melhorados fazendo-se compras mensais programadas, comprando os alimentos em quantidades maiores nas quais se obtenha preços mais vantajosos. Por exemplo, comprar o arroz no pacote de 5kg ao invés de pacotes de 2kg; ou ainda comprar em mercados que possuam a opção de compras via atacado – maiores quantidades com menores preços. Dessa forma, evitam-se dispêndios excessivos e a dona de casa não terá que ir ao mercado da esquina comprar aquele item que faltou para almoço, pagando 50% a mais do que no mercado maior. Esses gastos extras parecem inofensivos, já que nós não sentimos muito esses impactos, uma vez que essas compras acontecem isoladamente, mas podem ser muito prejudiciais à saúde financeira. A mesma programação vale para passagens aéreas, por exemplo, que possuem preços atraentes se compradas com antecedência. A redução dos consumos de água e energia também é bem vista como maneira de controlar o orçamento familiar. Como existe a possibilidade de sobretaxa na água e desconto para a redução do consumo, é um excelente momento para reduzir a conta e aproveitar o desconto. Assim, é possível obter um ganho de poder de compra, gastando em coisas importantes para a família. Também podemos aproveitar a época de férias escolares para buscar alternativas de lazer que não sejam dispendiosas. Sair com as crianças em parques é uma delas: os custos são mínimos, basicamente só o deslocamento e proporcionam momentos satisfatórios de lazer. Por fim, é importantíssimo salientar que este é o ano para não se endividar. Os ajustes econômicos anunciados pelo ministro da Fazenda deixam claro que os juros ainda irão subir, e que os tributos também serão ajustados. Ou seja, o custo de vida, que já é considerado alto pela família, ficará ainda mais alto. E aumento de tributos e juros impactam diretamente nas dívidas das famílias. Então, o melhor a fazer em 2015 é se programar: gastar apenas aquilo que seu orçamento possibilitar, evitando gastos desnecessários e, se possível, fazendo algum tipo de poupança. Dessa forma, o ano transcorrerá sem grandes transtornos.