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Lidando com um cenário de polarização política (Jairo de Oliveira

Lidando com um cenário de polarização política

Jairo de Oliveira

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A política interfere em todas as áreas da nossa vida. Ela afeta o valor dos impostos que pagamos, o estado dos serviços que utilizamos e as condições de vida que dispomos. Ela escreve o presente do nosso povo e prescreve o futuro do nosso país. Portanto, é legítimo que todo cidadão consciente pense politicamente e, até mesmo, tenha as suas opiniões políticopartidárias. Ao cristão cabe também, como comportamento cidadão, a intercessão pelas autoridades, conforme recomendado pelas Escrituras: “Orem em favor dos reis e de todos os que exercem autoridade, para que vivamos vida mansa e tranquila, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador” (1 Timóteo 2.2).

Por mais que algumas pessoas olhem para a política com aversão e para os políticos com desdém, a política exerce um papel essencial. Política diz respeito à forma como somos governados, aos representantes que escolhemos e aos líderes que exercem autoridade sobre a nossa vida. Uma sociedade não pode viver bem sem um governo instituído. A história atesta que não há uma nação que tenha prosperado sem a presença de um sistema político organizado. Por isso, o próprio Deus instituiu autoridades sobre nós: “Que todos estejam sujeitos às autoridades superiores. Porque não há autoridade que não proceda de Deus, e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Romanos 13.1).

Dentre os vários problemas relativos à política, que fazem com que ela seja malquista por muita gente, está o partidarismo. Esse tipo de comportamento normalmente produz uma atmosfera política de animosidade. A fim de prevenir conflitos entre diferentes correntes partidárias, popularmente se defende a ideia de que “política não se discute”. Contudo, o que temos visto no Brasil, nos últimos anos, é a sabedoria popular sendo contrariada. Ou seja, em todo o país encontramos muita discussão política e, consequentemente, comportamentos agressivos.

Esse cenário deu origem a um fenômeno que alguns analistas políticos classificam como polarização. Ele é caracterizado pela predominância de dois grupos que não dialogam e se conflagram em função das suas divergências políticas. Além de dividir

A POLÍTICA MEXE COM A PAIXÃO POPULAR. POR ESSA RAZÃO, PERCEBEMOS QUE NUM MOMENTO EM QUE MUITAS PESSOAS RETRATAM SUA DESILUSÃO COM A POLÍTICA, MUITAS OUTRAS SE DECLARAM FASCINADAS POR ELA.

a sociedade, esse tipo de postura tem produzido inimizade, inclusive, entre indivíduos da mesma família. Por isso, há quem defenda a necessidade de uma pacificação do país para mitigar a tensão existente, impedindo que uma situação de conflito mais exacerbada se estabeleça.

Aos cristãos, a Bíblia recomenda um comportamento que entendo ser imprescindível diante desse momento político que vive o país: “Que não difamem ninguém. Que sejam pacíficos, cordiais, dando provas de toda cortesia para com todos. Pois nós também, no passado, éramos insensatos, desobedientes, desgarrados, escravos de todo tipo de paixões e prazeres, vivendo em maldade e inveja, sendo odiados e odiando-nos uns aos outros. Mas quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor por todos, ele nos salvou...” (Tito 3.1-5). A política mexe com a paixão popular. Por essa razão, percebemos que num momento em que muitas pessoas retratam sua desilusão com a política, muitas outras se declaram fascinadas por ela. Inclusive, há pessoas que se comportam como se a política fosse o

aspecto mais importante da vida ou a única razão pela qual se deve viver.

Outro aspecto que chama a atenção é que, no atual cenário político, aquele que opta por não se juntar a um dos polos e assumir uma posição de neutralidade é visto com desconfiança. Logo, assumir uma postura de isenção se tornou algo pejorativo. Os mais engajados na polarização política parecem assumir que independência é sinônimo de covardia e que todo cidadão deve encarnar a mesma paixão política que está em voga. Caso contrário, não está preocupado com o país ou não é patriota.

Emitindo opiniões políticas Em um país polarizado politicamente, emitir opiniões políticas se torna uma atitude temerária para aqueles que reverenciam a Deus e não desejam contribuir para o agravamento do quadro de tensão. Mais do que nunca, é necessário termos muito cuidado com comentários, declarações e postagens que fazemos, a fim de não pecarmos e comprometermos o nosso testemunho. Afinal, não esqueçamos que a língua é um instrumento perigoso. Usada de forma errada, ela tem o poder de ferir, amaldiçoar e, até mesmo, matar. Por isso, é muito importante estarmos atentos à nossa linguagem, pois a Escritura diz: “Se alguém entre vós cuida ser religioso e não refreia a sua língua, antes, engana o seu coração, a religião desse é vã” (Tiago 1.26).

Como missionário transcultural, residindo fora do país, entendo que é necessário um cuidado adicional com o uso das palavras por parte daqueles que estão geograficamente fora do contexto político brasileiro. Não é que não se possa emitir opinião, mas é preciso estarmos cientes de que ao opinar nos sujeitamos a limitações como a falta de conhecimento real do cotidiano, da percepção de detalhes do que está em discussão e de uma análise in loco do contexto. Assim, aquele que opina corre o risco de ignorar questões importantes de um cenário já cheio de complexidades. Por isso, é importante refletir bem antes de fazer uso das palavras, pois “quem vigia as suas palavras conserva a sua vida, mas o que fala demais arruína a si mesmo” (Provérbios 13.3).

O uso das redes sociais

O missionário ou brasileiro que se encontra fora do país e manifesta

DIANTE DA COMPLEXIDADE NA UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS PARA ABORDAR TEMAS SENSÍVEIS, ESPECIALISTAS EM COMUNICAÇÃO DIGITAL SUGEREM A ADOÇÃO DE CÓDIGOS DE CONDUTA.

as suas opiniões políticas de forma pública, em geral, usa como veículo de comunicação as redes sociais, o que também requer bastante cautela, pois esse é um terreno extremamente complexo que com frequência se transforma em campo de batalha.

Diante da complexidade na utilização das redes sociais para abordar temas sensíveis, especialistas em comunicação digital sugerem a adoção de códigos de conduta. Além do mundo empresarial, hoje em dia, organizações cristãs e igrejas também estão adotando diretrizes no uso das redes sociais. Em geral, os manuais de conduta para o uso da comunicação digital prescrevem a abstenção do envolvimento com questões políticas. Esse tipo de cuidado visa proteger a reputação da instituição e, consequentemente, dos seus membros: “Mais do que nunca, portanto, precisamos desenvolver, proteger, monitorar e renovar constantemente nossa reputação. Indivíduos plugados, com todas essas novas tecnologias ao seu dispor, são capazes de colocar uma reputação em xeque da noite para o dia” (ULLMAN In HUNT, 2010, p.14).

Além da nossa reputação pessoal e a dos outros, como servos de Deus, também devemos nos preocupar em preservar o evangelho. Em geral, a maneira como vivemos diz muito a respeito do que cremos e aproxima ou afasta as pessoas de Deus. Portanto, devemos viver de tal maneira a honrar e glorificar aquele que é digno da nossa devoção: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mateus 5.16).

Algumas ressalvas se fazem necessárias ao lidarmos com o debate político:

ƒ 1) A política é um sistema humano e, portanto, falho. Logo, na conjuntura em que vivemos, não há político, partido ou sistema político que seja inspirado por Deus. ƒ 2) Numa democracia, as pessoas são livres para fazerem as suas escolhas políticas. Endeusar ou

demonizar uma escolha política é atitude intransigente, tendenciosa e manipuladora. ƒ 3) Líderes cristãos, de um modo geral, em vez de prescreverem em quem as pessoas devem votar, devem eticamente ensinar o povo a votar bem. ƒ 4) O que ocupa o lugar principal na vida de um servo de Deus não é uma ideologia política ou um estatuto partidário, mas os princípios da Palavra de Deus que moldam a cosmovisão do cristão.

Conclusão

Não devemos ignorar o nosso papel de cidadãos, mas a nossa esperança não pode estar limitada ao que podemos esperar deste mundo. Pois, enquanto cidadãos da terra, somos igualmente cidadãos dos céus: “Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Filipenses 3.20) ▣

JAIRO DE OLIVEIRA é membro da 2ª Igreja Batista da Taquara (Rio de Janeiro - RJ), pastor batista (Convenção Batista Brasileira) e atuou como missionário por 12 anos no continente africano com a Missão para o Interior da África (MIAF).

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