ESPECIAL
O ponto de virada na história do Holocausto Yad Vashem lembra os 70 anos desde a invasão da União Soviética pela Alemanha nazista Por Leah Goldstein
“Nessa guerra terrível, cerca de 35 milhões de seres humanos morreram na Europa... e eles morreram por causa de uma ideologia enraizada no ódio aos judeus”. “O Holocausto não foi motivado por problemas estruturais no seio da sociedade alemã, como muitos acreditam. O Holocausto foi o resultado de uma mutação de antissemitismo histórico em 14
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um ato político racista e genocida. Essa mutação desempenhou um papel central nas forças que levaram à guerra em cujo contexto ocorreu. O Holocausto aparece como um genocídio ideológico no âmbito de uma guerra mundial ideológica”. Assim declarou Prof Yehuda Bauer, orientador acadêmico do Yad Vashem, em um simpósio para
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marcar os 70 anos desde a invasão da Alemanha nazista à URSS, realizado pelo Centro de Pesquisa Sobre a História deJudeus Soviéticos Durante o Holocausto no Instituto Internacional de Pesquisa do Holocausto do Yad Vashem. O simpósio, intitulado “A invasão da União Soviética como uma guerra ideológica”, viu historiadores de todo o mundo se reunirem para discutir este significante ponto de virada na história do Holocausto. Os participantes ouviram palestras diversas, tais como “A luta contra o bolchevismo judaico” e “O turbilhão fatal de conflitos e identidades”, e debateram vários aspectos da “Operação Barbarossa” e suas consequências. Entre os palestrantes de maior destaque estavam o Dr. Yevgeniy Rozenblat, de Brest, Bielorrússia, que falou sobre as relações entre poloneses, bielo-russos e judeus após a invasão, e Prof. Mordechai Altschuler da Universidade Hebraica, que apresentou “A quebra de mitos entre judeus soviéticos”. Sana Britavsky, diretora executiva do Grupo de Filantropia Genesis de Israel, falou sobre a recente visita da equipe do GPG para a Ucrânia. “Paramos em quase todo lugar onde um shtetl existia antes de 1939. Em cada um, fomos capazes de ver a vida judaica que um dia esteve lá. O que não encontramos foram judeus”. “É importante entender todos os aspectos da guerra: por um lado, como a neta de um soldado que lutou contra os nazistas, há o aspecto da vitória. Por outro lado, o judaísmo vibrante foi exterminado. Este seminário nos permite investigar a Operação Barbarossa e introduzir o mundo judaico moderno na investigação de judeus russos. Nossa participação tem nos mostrado que este é um tema importante para o nosso futuro como povo, bem como para o lugar de judeus russos entre os judeus do mundo”. No simpósio, Dr. Arkadi Zeltser, chefe do centro de pesquisa sobre a História de Judeus Soviéticos durante o Holocausto, apresentou o trabalho do
novo centro que abriu em fevereiro deste ano. O centro tem como objetivo estudar a abrangente história dos judeus que vivem na antiga URSS, promovendo a colaboração com pesquisadores internacionais e concedendo bolsas de estudo e oportunidades para jovens investigadores da FSU, dos estados bálticos, dos EUA e da Europa, virem ao Yad Vashem e fazer uso de seus arquivos e ricas coleções para avançar seus estudos. No início de abril, o Centro publicou a primeira etapa de sua base de dados bibliográficos (db.yadvashem.org / bibliografia / listResult.do) – mais de 3.000 títulos, incluindo 700 artigos, sobre a história judaica nas áreas da antiga União Soviética. Ao realizar uma extensa e completa pesquisa de repositórios em todo o mundo, o banco de dados – que será atualizado regularmente – vai continuar fornecendo aos pesquisadores e outros interessados peças com informações detalhadas e atuais sobre todos os trabalhos escritos sobre o tema. Pesquisadores do simpósio também ouviram uma atualização sobre o projeto de pesquisa on-line “As histórias não contadas: Os locais de homicídio dos judeus nos territórios ocupados da antiga URSS” Desde o início do projeto, um estudo completo de mais de 250 locais de assassinato em toda a antiga
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União Soviética foi realizado, pesquisa que é baseada em abundante documentação para cada uma das localidades. Este ano, uma dimensão extra foi adicionada: um guia on-line que dá uma imagem abrangente da extensão dos locais de homicídio em cada república da antiga União Soviética. O guia on-line, que será atualizado periodicamente, inclui uma cronologia dos assassinatos em massa, sua localização, o número de vítimas, a comunidade de origem das vítimas, a identidade dos assassinos, e a forma como os assassinatos foram promulgados. A primeira área a ser coberta era todos os 19 distritos da Ucrânia (incluindo os territórios poloneses anexados) – um dos maiores centros judaicos na Europa Oriental. Estes dados revelam que não havia nada menos do que 1.229 locais de assassinato na Ucrânia, a maioria ocorrendo nos distritos do leste da Galiza (Tarnopol, Stanislawow e Wolyn). “Essa informação dá uma imagem mais precisa de estimativas anteriores de locais de homicídio e do número de vítimas judias na Ucrânia”, explicaram os chefes do projeto, Dr. Lea Prais e Shlomit Shulchani. “Além disso, estamos agora em condições de identificar centenas de vilarejos e pequenas comunidades onde uma única ou um par de famílias judias viviam e foram massacradas até a última pessoa. Tomemos, por exemplo, o vilarejo de Korytichi no Distrito Zhitomir, onde todos os seus habitantes judeus foram assassinados. Devido ao intenso trabalho de campo realizado em nome do Yad Vashem pelo historiador ucraniano Mikhail Tyagli, Korytichi é agora reconhecido pela primeira vez como um local do assassinato”.
O Centro de Pesquisa sobre a História de Judeus Soviéticos durante o Holocausto é generosamente apoiado pelo Grupo de Filantropia Genesis (GPG) e pelo Fundo Europeu Judaico (EJF). O simpósio foi apoiado pelo GPG e pelo EJF, bem como pelo Fundo da Família Gutwirth.
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Novos acordos de arquivo com a Europa Oriental Masha Yonin Em 22 de Fevereiro, um acordo de cooperação foi assinado entre os Arquivos do Yad Vashem e o da SBU (antigo KGB), na Ucrânia. O acordo permite que o Yad Vashem fotografe a documentação nos arquivos SBU, e facilita o intercâmbio de informações entre as duas instituições. “O material que esperamos receber lida principalmente com os processos contra os colaboradores que operavam na Ucrânia e em outros países europeus durante a guerra”, explicou o diretor de arquivos do Yad Vashem, Dr. Haim Gertner. “Estes processos forneceram vasta e detalhada documentação sobre o assassinato de judeus: Os locais dos assassinatos; os campos de extermínio e campos de concentração localizados no território soviético e europeu; a lista de colaboradores, e também os nomes de muitas vítimas. Graças a esta informação, podemos preencher muitos buracos”. Essa conquista importante seguiu à assinatura de outro acordo de cooperação em dezembro de 2010 com o Arquivo Histórico Nacional da Letônia, o maior repositório desse tipo na antiga União Soviética. O arquivo, localizado na capital da Letônia, Riga, contém nada menos que um milhão de páginas de documentação relevante para a história da comunidade judaica da Letônia de 1930 até 1945. Esses registros refletem a cultura e educação judaica às vésperas da guerra, bem como a perseguição dos judeus durante a ocupação. O acordo permitirá ao Yad Vashem copiar todos os documentos relevantes, obtendo informações cruciais sobre a vida de indivíduos judeus na Letônia, antes e durante a guerra.
A autora é chefe do departamento de aquisições da antiga União Soviética e dos estados do Báltico, nos Arquivos do Yad Vashem.
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Rastreando memórias perdidas Boris Maftsir Quando uma voluntária do projeto de recuperação de nomes das vítimas da Shoah chegou à casa de Bronya Rabinowitz, na cidade de Chelyabinsk em Montes Urais da Rússia, foi surpreendida ao descobrir que Rabinowitz já havia preparado uma lista de 39 membros da família assassinados durante o Holocausto. Se a representante não tivesse conseguido localizar Rabinowitz, estes nomes teriam sido perdidos para sempre. Após preencher Páginas de Testemunho em memória de seus entes queridos, Rabinowitz, em seguida, apresentou uma carta enviada a ela em 1945 por um vizinho ucraniano. A carta mencionava 23 adolescentes judeus do sexo masculino e feminino da escola de Bronya – todos eles também assassinados. Perto da vila de Chervona Zirka (a Estrela Vermelha), 60 km ao norte de Kherson no sul da Ucrânia, há um campo contendo um poço onde 1.011 judeus encontraram a morte em 1941. Apenas algumas dezenas de nomes das vítimas eram conhecidas antes de Sasha Wiener, chefe da comunidade judaica local, começar a recolher testemunhos de moradores da vizinhança. Até à data, quase 800 nomes daqueles assassinados ali foram identificados. Estes dois exemplos representam a essência do Projeto de Recuperação de Nomes: localizar qualquer testemunha em potencial, independentemente do seu local de residência, para recolher os nomes das vítimas para lembrança no Yad Vashem, em Jerusalém. Em todo o território da antiga União Soviética, voluntários locais viajam à vilas e cidades para reunir a documentação nacional e pessoal sobre as vítimas do Holocausto. Na Alemanha, informações sobre o projeto é regularmente divulgada em um jornal de língua russa. Em três grandes centros comunitários em Nova York, voluntários ajudam a população de língua russa a preencher Páginas de Testemunho. Em cidades de todo Israel, os
sobreviventes são entrevistados em suas casas, em complexos de habitação e em alojamentos assistidos. De acordo com estimativas de vários historiadores, de 2,3 a 2,5 milhões de judeus foram assassinados nos territórios da União Soviética (1939 fronteiras). Durante a era soviética, o tema do Holocausto foi deliberadamente evitado, e quase nenhuma pesquisa ou lembrança sobre o tema ocorreu. A memória documentada do Holocausto dos judeus soviéticos foi toda perdida. Cinco anos atrás, o Yad Vashem iniciou um projeto para recuperar os nomes das vítimas do Holocausto nos territórios da antiga União Soviética, em colaboração com organizações locais judaicas e israelenses. Desde que o projeto foi lançado, cerca de 300.000 nomes de vítimas do Holocausto da antiga União Soviética foram resgatados: estes, além dos já recolhidos a partir de documentação nos Arquivos do Yad Vashem, e os muitos milhares de nomes enviados diretamente pelo correio ou por e-mail para o hall de nomes. O Yad Vashem está determinado a não perder mais tempo. A busca pelos nomes perdidos já provou que o poder da memória é inestimável. O autor é o Gerente do Projeto de Recuperação de Nomes de Vítimas da Shoah nos territórios ocupados pelos nazistas da antiga União Soviética. O Projeto de Recuperação de Nomes é viável através do generoso apoio de Dana e Yossi Hollander.
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