Almanaque Uberlândia de Ontem & Sempre

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Almanaque uberlÂndia de ontem & sempre

Uma PRODUÇÃO nós projetos de cONTEÚDO

ano 2 • núMero 4

fevereiro 2013




Sumário 2012 • FUTEBOL

Racha reúne ex-atletas

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1968-2012 • patrimônio

Memória curta Direção

Celso Machado Realização Paulo Henrique Petri

1933-2013 • vida empresarial

ACIUB 80 anos

Verdão x Rússia

Pesquisa e reportagem

1960 • Faculdade de filosofia

Núbia Mota

12

1966 • Antes da queda do muro

Edição e projeto gráfico

Antonio Seara

8

No rumo da UFU

16 18

Colaboração

Adriana Faria Ademir Reis Antônio Pereira Anaísa Toledo Carlos Guimarães Clarissa Arany Cora Capparelli Ilma de Moraes Júlio César de Oliveira Nara Sbreebow Oscar Virgílio Capa

Hélvio de Lima FotografiaS

Roberto Chacur Acervos pessoais Arquivo Público Correio de Uberlândia Revisão

Ilma de Moraes

martinésia

Bonecas Pretas

20

GENTE NOSSA

Dona Julieta Cupertino

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1943 • A goyana

Templo da moda

28

1996 • INSTITUTO do CORAÇÃO

Cirurgia pioneira 1938 • JORNALISMO

Correio 75 anos 1920 • imigração japonesa

Templo no cerrado

30 32

36

Tratamento de imagem

NIdeias

Agradecimentos

Carlos Roberto Viola Cristiana Heluy de Castro

boemia

Sombrias noites Artista da Capa

Hélvio de Lima

PATROCÍNIO

Rua Tenente Virmondes, 997 Centro, Uberlândia – MG Fone: (34) 3236-8133 www.close.com.br

REALIZAÇÃO

38 40

PRODUÇÃO

INCENTIVO:

UMA CIDADE EDUCADORA


Carta ao Leitor

C 1960 • Afonso pena

A rua da Lavoura 1911 • fernando vilela

Fazedor de estradas 1950 • vereadores

A serviço do eleitor século 17 • colonização

A grande Caiapônia década de 1960 • PERSONAGEM

Astolfo Silva

1970 • mogiana

A estação no chão 1960 • IONEI SILVA

Mestre dos Magos

42 44 48 51 54 57 60

oncluir uma nova edição do “Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre” é sempre uma alegria enorme que não deixa de provocar uma certa angústia pela incerteza da reação que irá causar. Por mais que tenhamos cuidado, atenção e zelo, quando se lida com fatos e registros históricos, há sempre a probabilidade de algum equívoco. Mas, só erra quem faz. A tentativa de recuperar, registrar e valorizar uma história tão rica quanto a de Uberlândia e de sua gente vale esse risco. Neste quarta edição, procuramos mesclar fatos históricos relevantes com curiosidades. Dentre todas as matérias, nos permitimos dois destaques. Um para uma mulher que tem uma trajetória de vida exemplar e dignificante, Julieta Cupertino. De uma das nossas famílias tradicionais ela é, aos 105 anos, a referência viva do que há de melhor em nossa cidade. Exemplo de uma mulher ativa, moderna e atuante. Para quem o tempo nunca foi um problema, mas um aliado. Uma uberlandense que orgulha a todos nós. O outro destaque é um alerta: o descuido que temos tido com nosso patrimônio público. Prédios históricos demoli-

dos pela insensibilidade da iniciativa privada e também da pública, como foi o caso do antigo Fórum Abelardo Penna, um prédio de rara beleza arquitetônica que o estado derrubou. Até a igreja, normalmente tão conservadora, modernizou seus templos, perdendo a riqueza de suas concepções originais. Ainda temos muito o que preservar e é bom fazer isso enquanto é tempo. O distrito de Cruzeiro dos Peixotos é um desses patrimônios que podem e devem ser cuidadosamente avaliados pelo poder público municipal. Com seu jeito bucólico, suas casas centenárias, seu ar de tranquilidade e encanto, corre um risco danado de ser sacrificado pela ganância da modernidade. Pelos “Minha casa minha vida”. Só que pouco adianta tombar e não assumir os encargos de restauração e manutenção. Uberlândia tem sim (ainda) um patrimônio histórico valioso que merece ser preservado, para que todos saibam que aqui tem gente empreendedora, voltada para o futuro, mas que reverencia e preserva suas tradições. Que tem dinamismo mas também sensibilidade. Fica o registro e o alerta. Boa leitura a todos. Celso Machado Engenheiro de Histórias


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Almanaque uberlândia de ontem e sempre

Fotos: Cleiton Borges

MEMÓRIA E HISTÓRIA EM DIFERENTES CAPÍTULOS “Uberlândia de Ontem e Sempre”, que começou há sete anos com um programa de TV, há dois lançou a versão impressa no formato almanaque, está disponível em site e continua ampliando formatos focando sempre na memória e história de nossa cidade Calendário

U

berlândia ganhou um calendário de mesa personalizado, com imagens antigas de locais modificados ou extintos com o tempo. No decorrer dos meses, as pessoas têm em casa ou no local de trabalho, 12 registros do filme “Uberlândia cidade menina”, uma película da década de 40 feita pela Cia. Cinemathográfica do Rio de Janeiro e recuperada pela Close Comunicação. A tiragem modesta de 500 exemplares esgotou em dois dias. A receptividade mais uma vez suplantou a modesta previsão. No fim do ano, será lançada a segunda edição e com tiragem mais adequada.

Eventos Em cada lançamento do “Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre” é promovido um evento em que os personagens podem conviver com a

obra e são apresentados registros do programa. Desde a terceira edição é homenageada uma figura relevante da história uberlandense. Como futebol também tem história, em dezembro último foi promovido um racha reunindo ex-atletas. Um reencontro em que o menos importante é o resultado e o mais relevante, a recordação da história de cada um. Das passagens e lembranças de suas carreiras. O nome do racha e o slogan demonstram esse objetivo: “Racha dos Velhos Malandros, um jogo de vida ou gole!” O evento foi destaque no “Correio de Uberlândia”. Uma turma que já passou dos 50 anos, que sabe tudo de bola e tem muita história para contar é o ingrediente perfeito para o projeto “Racha dos Velhos Malandros”, idealizado pelo jornalista Celso Machado. O projeto, que será realizado uma vez por ano, integra o programa de TV “Uberlândia de Ontem e Sempre”.

Três craques de gerações diferentes: Fazendeiro, Arara e Vilfredo

Paulo Henrique entrega a charge que homenageia o craque Fazendeiro.


Edmundo, Banga, Gildo, Zé Carlos, Fazendeiro, Arara,Viola, Celso, Marcelo, Lézio, Batista, Junior, Chicão, Fernandinho, Moacir, Pascoal, Paulo Henrique, Hugsmar, Sidney, Ramiro, Estrangão, Vilfredo e Zézinho, os craques da primeira versão do “Racha dos Velhos Malandros”

“Racha dos Velhos Malandros” resgata memórias do esporte e reúne ex-atletas

Fazendeiro destaca a importância da homenagem “‘Uberlândia de Ontem e Sempre’ é um projeto maior que um programa de televisão. Temos o almanaque, um site, lançamos o calendário e vamos fazer eventos artísticos. Pensei então em um evento futebolístico, porque futebol tem suas histórias que precisam ser relembradas“, disse Celso Machado. Na primeira edição do racha, o homenageado foi Edson Gonzaga Souza, o Fazendeiro, ídolo do Uberlândia Esporte Clube (UEC) durante a década de 1960 e início dos anos 70. Sobre a homenagem, Fazendeiro, de 70 anos, não esconde a emoção e ressalta a importância do evento. “É uma iniciativa fantástica do Celso. É num momento como este que a gente vê que, ao longo da vida, fez tantas amizades. Sou muito grato pelo reconhecimento e sempre que o evento for realizado, quero estar junto, participando, mesmo sem ter condições para jogar”, disse o ex-jogador que ganhou o apelido porque o pai tinha uma pequena propriedade rural no

Um dos maiores goleadores com um dos maiores goleiros, Fazendeiro e Moacir.

município. Fazendeiro foi pretendido por vários times, mas preferiu vestir somente a camisa do Uberlândia Esporte. “Tive muitas propostas para sair daqui (Uberlândia), mas, naquela época, além de jogar futebol, eu era bancário, ganhava um bom salário. Além disso, tinha o que o clube me pagava e o dinheiro que os torcedores davam para os jogadores depois da partida. Quase sempre, o que eu ganhava dos torcedores era muito mais do que o meu salário no banco e no Uberlândia Esporte. E, com certeza, tudo isso era muito mais do que os outros times pagavam. Além disso, eu sempre tive uma verdadeira paixão pela cidade”, disse o craque.

Etc.

Quem sabe nunca esquece, Hugsmar e o seu toque de classe.

A missão de “Uberlândia de Ontem e Sempre” e a sua determinação de resgatar, divulgar e valorizar a história de Uberlândia não vai parar. Novos formatos estão vindo por aí...


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1968-2012 a passos lentos

memória curta Bens materiais e imateriais que marcaram a história da cidade estão desaparecendo

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No alto: Fórum Abelardo Penna. No centro: Palácio dos Leões, atual Museu Municipal, tombado em 1985. Abaixo: Estação Rodoviária, hoje Biblioteca Municipal, tombada em 2009.

nquanto cidades de porte similar como Juiz de Fora tem 221 bens tombados, Uberlândia possui exatos 20 tombamentos registrados desde 1968. Até 2002, a cidade tinha apenas quatro bens preservados: a Igreja Nossa Senhora do Rosário, a Casa da Cultura, a Oficina Cultural e o conjunto formado pela praça Clarimundo Carneiro, o Museu Municipal e o Coreto. Por ser mais conhecida como cidade progressista, riquezas materiais e imateriais do passado acabaram sendo deixadas para trás, enquanto empresas e novos moradores foram chegando. O trabalho de tombamento, segundo a ex-secretária Municipal de Cultura Mônica Debs,


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“ Muitos acham que um prédio antigo atrapalha” Coreto, tombado em 1985

Mercado Municipal, tombado em 2002

teve que ser intensificado nos últimos 12 anos com foco na formação das novas gerações. “Fizemos uma cartilha que foi distribuída para professores das escolas públicas e um projeto de educação patrimonial, com visitas diárias de crianças a partir de 2 anos ao Museu Municipal. A mudança de atitude vai acontecer com o tempo.” A preservação do patrimônio cabe à Secretaria Municipal de Cultura e ao Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Cultural de Uberlândia (Comphac), mas a concretização do trabalho depende dos donos dos bens sujeitos a tombamento e da ajuda da comunidade. “É difícil. As pessoas pensam assim: ‘Por que você não joga fora, destrói e faz outro mais bonito e moderno?’ É cultural. Muitos acham que um prédio antigo atrapalha”, afirmou Valéria Cavalcante Lo-

pes, diretora de Memória e Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura. Para Valéria Queiroz, o patrimônio cultural é pouco valorizado por grande parte dos moradores vindos de outros municípios, conhecidos como “uberlandinos” e que não têm laços afetivos significativos com a cidade. Segundo pesquisa de 2012, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 48,5% dos moradores de Uberlândia são de outras cidades. Uberlândia é o 39º entre os 853 municípios de Minas Gerais no ranking de população não natural. “Havia um painel em uma casa em obras no Centro da cidade, um mosaico de vidro, muito bonito. Sugeri à pessoa responsável que o reaproveitasse depois da obra. Ela respondeu ‘não conheço a história, não sou daqui’ e jogou tudo no chão no outro dia”, contou Valéria Queiroz.


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Casa da Cultura, tombada em 1985

O passado no chão No Fundinho, em agosto de 2012, foi demolida a casa de dona Adélia, do fim do século 19, considerada por especialistas um patrimônio da cidade como a mais antiga construção remanescente do passado de Uberlândia. A proprietária, a professora de piano Adélia Santos França que morreu em 2004, havia dado início ao processo de tombamento. A Procuradoria do Município indeferiu o pedido pela falta de documentação e comprovação do valor histórico da edificação e pelas condições precárias da casa. “A casa foi caindo aos poucos e limpamos o lote. Como não tínhamos condição de reformar, pedimos à prefeitura outro imóvel em troca, mas eles não tiveram interesse”, afirmou o sobrinho de dona Adélia, que pediu para não ter o nome divulgado. Outro caso conhecido é o da casa dos Migliorini, construída na década de 1960 na praça Coronel Carneiro e uma das principais edificações da arquitetura moderna da cidade. O pedido de tombamento foi aprovado por unanimidade pelos membros do Comphac em 17 julho de 2008. Dois dias depois, antes que um documento fosse entregue à prefeitura e aos proprietários, a casa foi demolida com uma retroescavadeira.

os 20 tombamentos Igreja N. S. das Dores

Uberlândia Clube

Igreja do Rosário

Igreja Espírito Santo do Cerrado

Escola Estadual Uberlândia (Museu) Igreja de N. S. do Rosário (Miraporanga)

Imagem de Nossa Senhora do Carmo

Escola Estadual Dr. Duarte Pimentel de Ulhôa Estação Ferroviária Sobradinho

Festa do Congado Círculo de Trabalhadores Cristãos Painéis em mosaico de vidro de Geraldo Queiroz

Palacete Ângelo Naghettini

Escola Estadual Enéas Oliveira Guimarães

Casa da Cultura Oficina Cultural Biblioteca Municipal Praça Clarimundo Carneiro, Museu e Coreto Mercado Municipal Residência Chacur

Praça Tubal Vilela



Uma reunião das primeiras reuniões da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Uberlândia

1933-2013 vida empresarial

Aciub 80 Anos

Apenas para comerciantes ou para todos os empresários, o debate das mensalidades e uma carta esclarecedora. ANTÔNIO PEREIRA narra os bastidores da fundação da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia em 1933

A

imprensa e o empresário Tito Teixeira, em 1924, trabalharam para que se fundasse uma associação comercial em Uberlândia. Houve algumas reuniões, mas não tiveram sequência. Pouco antes de 1933, a imprensa voltou a tocar no assunto. Não sei se estimulado por ela ou não, José de Oliveira Guimarães, português, comerciante, sócio de José dos Santos, também português, donos da Casa Castro, na avenida Afonso Pena, procurou os empresários e lhes propôs a fundação de uma instituição que congregasse os empresários locais. O primeiro apoio que recebeu foi o do seu sócio. O idealizador


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armante carneiro

O primeiro presidente

Na fachada da primeira sede, o registro do primeiro nome

do empreendimento recusou a presidência e estimulou Armante Carneiro a aceitá-la. Antes da reunião que formou a entidade, tudo já estava mais ou menos preparado, tanto que Armante Carneiro telegrafou ao presidente da Associação Comercial de Minas Gerais pedindo que interferisse junto ao Governo do Estado para recolher a fiscalização que se realizava na cidade e assinou como presidente. Nem a associação existia, nem ele tinha sido eleito. No dia 15 de outubro de 1933, na sede do Uberabinha Sport Club, reuniram-se vários empresários. Homero Monteiro de Carvalho, por solicitação de José de Oliveira Guimarães,

levou um projeto de estatuto que foi aprovado na ocasião. Houve alguns debates, sendo o mais interessante o levantado por Youssuf Andraus Gassani, que pretendia que a nova instituição só abrigasse comerciantes e que seu nome fosse apenas Associação Comercial de Uberlândia. Foi derrotado. O nome escolhido foi Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Uberlândia (Aciapu) e aceitava não só empresários, como profissionais liberais. Um desses profissionais associados da nova instituição foi o advogado Jacy de Assis. Quem também se opôs a essa extensão da entidade foi o associado não presente, Angelino Pavan, que

Era de Uberaba, onde fez os primeiros estudos. Foi para São Paulo e formouse em Farmácia em 1902 e em Engenharia em 1903. Trabalhou na Estrada de Ferro Goiás e foi agrimensor no sul goiano. Montou uma farmácia em Uberaba, construiu a estrada de rodagem ligando Rio Verde a Mineiros e foi presidente da Companhia Auto Viação Sul Goiana. Veio para Uberabinha para montar uma fábrica de tecidos. Reuniu sócios e, em novembro de 1923, lançou a Fábrica de Tecidos Uberabinha, construída dentro do pátio da Mogiana e, ao lado, as residências dos operários que deram origem à Vila Operária, hoje pertencente ao bairro Aparecida. A indústria não teve sucesso. Armante tentou outras atividades. Montou serraria, teve a concessão para a construção de uma ferrovia de Uberabinha a Porto Feliz, no Rio Paranaíba. A revolução de 1930 derrubou esse último sonho. Voltou à atividade farmacêutica. Foi presidente da Comissão da Construção da Catedral de Santa Terezinha. Foi presidente da Ação Católica e fundou, em Uberlândia, o Partido Católico, do qual foi presidente.


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“Houve alguns debates interessantes como o levantado por Youssuf Andraus Gassani, que pretendia que a nova instituição só abrigasse comerciantes”

Uma carta de guimarães

José de Oliveira Guimarães justificou sua ausência por José de Oliveira Guimarães, portador de sua proposta de mudança do estatuto, que também foi rejeitada.

A mensalidade Outra questão muito debatida foi a da mensalidade. José Gonzaga de Freitas e Oscar Miranda queriam que ela fosse de cinco mil réis (5$000) por mês porque os empresários de pequeno porte não suportariam valor maior. Gassani e Vicente Maradei queriam que fosse de dez mil réis (10$000). Oliveira Guimarães conciliou as propostas sugerindo que quem tivesse estoque inferior a dez contos de réis (10:000$000) pagasse cinco, quem tivesse estoque maior, pagasse dez. Foi aprovado. O tesoureiro é quem estabeleceria os limites. Após esses debates foi eleita a diretoria. O presidente, assim como já tinha sido definido, era Armante Carneiro, o vice era Tubal Vilela, o segundo-vice era Carlos de Oliveira Marquez, o secretário-geral José de Oliveira Guimarães, o primeiro secretário José Rezende Filho, o primeiro tesoureiro Aristides Bernardes de Assis, o segundo tesoureiro era Alcides Borges de Oliveira e o bibliotecário era Eulálio de Ulhoa Cintra.

“O doutor Armante, que era meu amigo, não foi o fundador da Associação Comercial e sim o seu primeiro presidente, convidado por mim para exercer esse cargo, em uma reunião que convoquei, convidando vários comerciantes e entre eles o doutor Armante, que aceitou meu convite com relutância, alegando não ter participado dos trabalhos preparatórios para formalizar a Associação Comercial. Trabalhos esses que aliás foram só meus. A ideia e execução do plano de fundação da Associação Comercial são minhas, sendo eu, portanto, seu fundador, para o que contei com o apoio do meu então sócio José Santos. Para formalizar a Associação Comercial, contratei o Homero Monteiro de Carvalho, advogado, já falecido. Conjuntamente, o doutor Homero e eu elaboramos os estatutos da Associação Comercial e lhe demos o nome de Associação Comercial, Industrial e Agro Pecuária de Uberlândia, tendo eu funcionado como primeiro secretário, pois não ficaria bem que eu me constituísse presidente, quando eu era o criador da Associação, e, eis aí a razão do convite ao doutor Armante. Quem conhece bem os primórdios da fundação da Associação Comercial é o senhor José Santos Júnior que aí está e pode comprovar o que digo. Talvez os novos diretores ignorem o quer aqui exponho, mas os antigos, das primeiras diretorias, têm conhecimento disso. Esta será, além do mais, uma contribuição para a história da Associação Comercial, quando ela foi feita. Era isso que desejava esclarecer e retificar. Muito obrigado pela atenção que se designarem dispensar a este esclarecimento e sem mais, subscrevo-me cordialmente, José de Oliveira Guimarães” (Nota escrita por José de Oliveira Guimarães e publicada na revista da Aciub em 1978, retificando reportagem da edição anterior que citava Armante Carneiro como o idealizador da associação)



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“ Foi uma noite de gala. Um espetáculo digno de ser assistido” Correio de Uberlândia

1966 antes da queda do muro

verdão encara A URSS “Jogo foi debaixo de muita chuva e de muita pancadaria”

Moacir Lopes de Carvalho, diretor, e Luiz Cesar Fabrini, radialista, ambos da Rádio Educadora entregam um brinde ao capitão da seleção russa

E

m 1966, a seleção da então União Soviética, de olho na Copa do Mundo que seria disputada na Inglaterra, veio ao Brasil para se preparar para a competição. Como parte do treinamento, os soviéticos participaram do Torneio Quadrangular Magalhães Pinto, em Belo Horizonte, ao lado do Atlético Mineiro, Cruzeiro e Flamengo, no recém-inaugurado Mineirão. Aproveitando a vinda do time ao Estado, o então presidente do Uberlândia Esporte Clube (UEC), Renato Freitas, convidou os russos para um amistoso contra o Verdão, em disputa marcada para 9 de fevereiro de 1966,


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URSS em uberlândia

Frang0, Filé, doces e confeitos bem finos

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em uma quarta-feira, no estádio Juca Ribeiro. Um dia depois da final do torneio na capital mineira, onde a União Soviética venceu o Cruzeiro por 1 a 0 e se sagrou campeã, o time foi recebido em Uberlândia. “No dia do jogo, caiu uma chuva danada e a prefeitura não cobrou nenhum ingresso”, lembrou Renato de Freitas em entrevista em 1998. No elenco do Verdão, estava Edson Gonzaga Souza, na época com 23 anos e que hoje pouco se lembra da partida. “Lembro só que choveu muito e foi uma pancadaria. Na época, não tinha cartão amarelo. Se a gente caísse, o jogador vinha e chutava a nossa cabeça”, disse Fazendeiro. O cartão amarelo foi introduzido pela Fifa apenas na Copa de 1970, disputada no México. Como nas duas partidas que disputou em Belo Horizonte contra o Atlético Mineiro (6 a 1) e o Cruzeiro (1 a 0), a União Soviética venceu o Verdão por 2 a 0, com gols de Bibo e um contra marcado pelo zagueiro Dunga. “Jogou bem o time soviético. Mas jogou além do que esperávamos o conjunto dirigido por Japiassú (técnico do Verdão). Foi de fato uma noite de gala. Foi realmente um

espetáculo digno de ser assistido”, publicou o “Correio de Uberlândia” na época. Foi também a primeira vez que um árbitro, Armando Marques, apitou com o uniforme da Fifa em Uberlândia. Várias emissoras de rádio do país reservaram linhas para transmitir o jogo, mas desistiram devido ao mau tempo. Um dia depois, o técnico Japiassú foi dispensado do UEC.

Uma reportagem do “Correio de Uberlândia” depois do jogo divulgava contas feitas pelos funcionários do Hotel Presidente, onde os jogadores soviéticos se hospedaram do dia 7 ao dia 10 de fevereiro de 1966. Segundo o jornal, os russos comiam diariamente o que um “homem comum” comia durante uma semana. Além dos pratos quentes, incluindo frango, filé à parmegiana, mortadela, bananas e laranjas, os russos pediam refrigerantes, doces e confeitos finos diariamente. Nada menos que um milhão de cruzeiros foi o preço da hospedagem da delegação em Uberlândia, custeada pelo Verdão.

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O repórter Josué Borges entrevista o árbitro Armando Marques.

A camisa da seleção da União Soviética trazia as letras CCCP em branco sobre o vermelho, iniciais no alfabeto russo para União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A sigla CCCP, segundo uma piada que corria no país na época, significava “Camarada, Cuidado (com o) Crioulo Pelé”. Em 1958, a seleção soviética foi a primeira a enfrentar Pelé e Garrincha juntos, quando foi derrotada por 2 a 0 na Copa do Mundo da Suécia. Conta-se que Garrincha passou a chamar os adversários de “João” depois deste jogo, pois não conseguia pronunciar o nome do russo que o marcou.


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Formatura da primeira turma da faculdade, em dezembro de 1963

E

la nasceu no mesmo dia em que a Faculdade de Direito e também foi autorizada pelo então presidente da República Juscelino Kubitschek. Um grupo de intelectuais católicos, contrários à orientação marxista da Faculdade de Filosofia, que vinha sendo idealizada por Nelson Cupertino, procurou as irmãs do Colégio Nossa Senhora. A comissão, formada pelo padre Mário Forestan, superior dos

1960 faculdade de filosofia, ciências e letras

o desafio da construção da universidade Faculdade pioneira do Colégio Nossa Senhora foi um dos pilares da UFU

1970 - Alunos da Faculdade de Filosofia recebem a madre Maria Vilac, que autorizou a criação da instituição em 1960


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Cerimônia de instalação da Universidade de Uberlândia em 10 de fevereiro de 1970. Da esquerda para a direita: Francisco Palma de Souza, Jacy de Assis, Genésio Melo Pereira, Milton de Magalhães Porto e irmã Ilar Garotti padres Salesianos, pelo presidente da Câmara, André Fonseca, pelo diretor da Rádio Educadora, Moacir de Carvalho, e pelo professor do Colégio Estadual Saint-Clair Netto foi recebida pela superiora, madre Emília Ribeiro, e pela diretora do colégio, irmã Maria Lázara Fioroni, que ficaram interessadas no projeto de criação de uma outra faculdade. O advogado Jacy de Assis que, com a ajuda do então deputado Rondon Pacheco, já se encontrava no processo de criação da Faculdade de Direito junto ao governo federal, colaborou na preparação dos papéis necessários para o curso de Filosofia. No dia 12 de novembro de 1959, o “Correio de Uberlândia” antecipou a notícia e publicou na primeira página: “Faculdade de Filosofia de Uberlândia também funcionará em 1960”. Em dezembro, Jacy de Assis ligou do Rio de Janeiro, informando que o processo havia sido aprovado. No mesmo dia, um alto-falante anunciou a notícia nas ruas de Uberlândia, que contava, na época, com cerca de 80 mil habitantes. Depois do primeiro vestibular, em

fevereiro de 1960, que aprovou 22 alunos para os cursos de Letras Neo-Latinas, Anglo-Germânicas e Pedagogia, aconteceu a aula inaugural ministrada por Francisco Ribeiro Sampaio, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, que falou sobre Santa Tereza de Ávila. No dia 14 de março, deu-se o início das aulas. Em janeiro de 1962, a madre superiora Maria Vilac transferiu a madre Maria Lázara Fioroni, diretora da faculdade, para Campinas (SP). Em março, para substituí-la, chegou de Campinas a irmã Ilar Garotti, então com 27 anos. “Eu era orientadora de alunos da PUC que moravam em um pensionato, onde também fiz Faculdade de Pedagogia” lembrou irmã Ilar, hoje com 80 anos. Ao chegar, irmã Ilar recorda que seu primeiro desafio foi fazer uma pesquisa para conhecer a demanda de novos cursos de graduação. O segundo foi conseguir trazer professores de Ribeirão Preto, Campinas, São Paulo, Araraquara e

Irmã Maria Lázara Fioroni, fundadora da faculdade em 1960 Goiânia. “Era preciso equilibrar as finanças. Os alunos pagavam pouco. Os professores ficavam hospedados no Colégio Nossa Senhora, com a esperança de que um dia a faculdade fosse federalizada”, disse irmã Ilar. Durante 18 anos, a Faculdade de Filosofia, com média de 2 mil alunos por ano, funcionou no Colégio Nossa Senhora. Em 1970, foi incorporada à Universidade de Uberlândia (UNU), hoje Universidade Federal de Uberlândia (UFU).


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MARTINÉSIA

A Negrinha das bonecas pretas

N

a rua da Fortuna, no distrito de Martinésia, uma história de provação e dificuldade. É onde vive, em uma casa modesta, Elvira Ferreira Brasil e suas bonecas de pano, em grande parte irmãs de cor da criadora. Como dona Negrinha, como é conhecida, não encontrava bonecas pretas nas lojas, resolveu criá-las na velha máquina de costura de segunda mão. À medida que vão sendo finalizadas, as bonecas pretas ganham um nome. A

maior delas é a Tutucona. Personagens que de certa forma abrem a discussão sobre o preconceito racial levantada por esta senhora de 66 anos, com pouco estudo, mas de muita sabedoria. “Meu pai falava que nunca ia acabar o preconceito. Algumas pessoas querem que acaba, mas sempre vai ter alguém que não gosta dos negros”, disse dona Negrinha. O dom para o feitio de bonecas, que também ganham outras cores de pele e cabelo, vem desde a infância, quando

morava com os pais e seis irmãos nas fazendas, onde trabalhavam em troca de arroz e feijão ou um pouco de fubá para o angu. “Eu via as meninas brincando de boneca, minha mãe não podia comprar e então ela enrolava um pano no sabugo para eu brincar”, disse a artesã que precisou sair de casa aos 8 anos para trabalhar. “Sofri demais, filho de gente honesta é muito sacrificado. Olhava menino dos outros, fazia comida e brincava com boneca quando dava.” A gargalhada contagiante, às vezes, cede lugar às lágrimas quando ela se lembra dos maus-tratos de alguns patrões. “Eles pegavam nós, davam casa para morar, a gente morria de trabalhar e, depois, eles jogavam a gente na beira da estrada, no chão, de qualquer maneira.” Apesar das más lembranças, dona Negrinha disse que hoje consegue passar por cima dessas ofensas e preconceitos por causa de sua cor. “Eu respeito para ser respeitada. Se você tiver um estudo grande, mas não tiver educação, não adianta. Não vai viver bem”, afirmou a artesã. Dona Negrinha é uberlandense nata, nascida em um quilombo próximo ao distrito de Cruzeiro dos Peixotos, durante a colheita do feijão. “Eles falavam assim: dias das mangas, das chuvas, da jabuticaba. Fui registrada em julho, mas minha mãe contava que nasci no dia 14 de outubro”, disse dona Negrinha, casada com o potiguar José Brasil Filho e mãe de três filhos.



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Almanaque uberlândia de ontem e sempre

gente nossa

Por Carlos Guimarães Coelho

Q

Colaborou Clarissa Guimarães Aranyi

ual será o segredo da longevidade? Como alguém pode chegar a mais de um século de vida ainda serena e relativamente saudável? São questões difíceis de responder, embora seja esse o desejo da maioria e o grande desafio da ciência. Em Uberlândia, carregando consigo a lembrança de boa parte da história de nossa cidade, Julieta Cupertino Guimarães celebrou, em outubro do ano passado, 105 anos de existência. Julieta Cupertino, além de exemplo de uma mulher vigorosa que atravessou mais de um século acompanhando a evolução dos tempos, teve uma vida de contribuições para a cidade, seja educando uberlandenses que se tornaram pessoas de sucesso ou participando de grandes momentos de nossa história. Falar hoje de grandes histórias como a do Praia Clube e do Uberlândia Clube é também lembrar

da presença de dona Julieta em todas elas. Sabe-se que longevidade não é sinônimo de vida tranquila. Mesmo sendo um poço de tranquilidade, dona Julieta, como é chamada por todos, além de ter passado por alguns dissabores na idade adulta, como a perda de filhos, teve infância e adolescência atribuladas, marcadas por dificuldades e pela luta para sobreviver em uma família de dez filhos. Família e trabalho foram os grandes amores de Julieta ao longo da vida. Com a primeira, aprendeu a lidar com a vida e obteve os ensinamentos que lhe garantiriam a trajetória profissional. Em sua época, para a mulher, bastava concluir o 1º grau escolar. Ajudando os filhos na escola, obteve a licença para o Magistério e, posteriormente, aos 51 anos, aprendeu a língua inglesa com o tio, Nelson Cupertino, e conquistou o direito de ensiná-la em qualquer lugar, com um diploma da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Como professora,

Julieta nos anos 1950

Tradutora uberlandense completa 105 anos de uma história de alegria e superação


julieta de todos os filhos


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Almanaque uberlândia de ontem e sempre

aposentou-se aos 72 anos. Aos 84 anos, começou a carreira de tradutora e descobriu a grande ferramenta de trabalho da modernidade, o computador, que foi uma boa companhia profissional e um grande entretenimento.

Vida em família Julieta foi a primeira filha de um funcionário público, José Cupertino e de Isolina Perfeito Cupertino, conhecida como dona Zozola. Dois de seus irmãos faleceram precocemente em uma mesma semana do ano de 1908, quando ela tinha 11 anos, vítimas da gripe espanhola, epidemia que se alastrara pelo planeta, matando milhões de pessoas. Até os 17 anos, Julieta, envolvida com afazeres domésticos, ajudava a cuidar da casa e dos sete irmãos. Em um baile à fantasia, para o qual foi convidada pela mulher do prefeito, conheceu Enéas de Oliveira Guimarães, por quem se apaixonou e com quem se casou. Tiveram nove filhos: Olavo, Isolina, Mauro, Renato, outro Renato, Marcelo, Fausto, Aloísio e Maria Cristina, todos Guimarães Cupertino, aqui apresentados na ordem de chegada ao mundo. Julieta perdeu quatro filhos: Renato, aos 2 anos, Mauro, em um acidente com um planador aos 21 anos, e Marcelo e Fausto, os dois com câncer na meia idade. Enéas era de família conceituada de Prata. Ao lado dele, Julieta diz ter vivido os melhores momentos de sua vida. O casal tinha agenda social movimentada e participou de momentos marcantes da vida da cidade, como a fundação do Praia Clube, da Associação Comercial e do Uberlândia Clube. Julieta

Dona Julieta com 1 ano de vida

A noiva Julieta entre as mulheres das famílias Guimarães, Cupertino, Savastano, Fonseca e Carneiro


Julieta é a sócia número 3 do Praia e lembra das tardes na “prainha” no início do clube

Julieta, o marido, Enéas, e os filhos Aluízio e Cristina (sentados), Fausto, Marcelo, Renato, Olavo, Isolina e Mauro (em pé) Dona Julieta aos 15 anos se dedicando aos livros

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tem o título número três do Praia Clube e frequentava o clube até há poucos anos, principalmente quando familiares vinham à cidade para celebrar seu aniversário. Antes da festa oficial, havia sempre uma tarde festiva em algum recanto do clube. Ela lembra bem do início do Praia, quando um grupo se reunia para nadar no rio Uberabinha no local conhecido como “prainha”. Aos poucos, o número de pessoas foi aumentando e começaram os almoços beneficentes e as quermesses para arrecadar fundos para a construção de um barracão e um vestiário. Assim, a prainha começou a tomar a forma do clube que hoje é um dos cartões-postais da cidade. Da Uberabinha, do fim dos anos de 1920, Julieta recorda-se da primeira jardineira, o veículo de transporte coletivo da época. Antes dela, andava-se pela cidade a pé ou de charrete. A jardineira era chamada de “Tereza” pela população. “A criançada adorava. Era um veículo aberto e bastante diferente para a época”, lembrou dona Julieta.

Vida social Julieta cresceu observando o avô, Bernardo Cupertino, trabalhar na impressão do jornal “O Progresso”, o segundo da cidade, do qual era proprietário, e a dinâmica intelectual e a militância política do tio, o professor Nelson Cupertino. Viveu a juventude frequentando as sessões do Theatro São Pedro e do Cine Theatro Uberlândia. Na maturidade, frequentava com assiduidade os salões do Uberlândia Clube, sempre em companhia do marido.


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“ Uma mulher muito à frente do seu tempo, sempre aberta a conhecer melhor o mundo”

três vezes julieta

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“Minha mãe era muito avançada para uma cidade que tinha apenas 40 mil habitantes. Naquele tempo, uma ligação interurbana era bastante demorada. Ela tornou-se radioamadora, seguindo os passos do pai, José Cupertino. Fascinado com o aparelho, eu também aprendi o código Morse e, sem que minha mãe percebesse, digitava o prefixo dela e, quase diariamente, me comunicava com mais de 120 países. Ela acompanhou a Segunda Guerra Mundial pela rádio BBC, de Londres. Uma mulher à frente de seu tempo, sempre com abertura para conhecer melhor o mundo.” Aluízio Cupertino Guimarães

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Julieta passou a vida toda no Fundinho, centro histórico de Uberlândia. Sua história foi registrada no livro “Chego aos 100 anos de bem com a vida”, escrito por ela em 1997, mas está também registrada no patrimônio arquitetônico da cidade. Recentemente, a escola que leva o nome de seu marido, Enéas de Oliveira Guimarães, foi tombada como patrimônio histórico de Uberlândia. Outro imóvel de importância histórica, onde hoje funciona o restaurante Casarão, foi construído pelo tio de Julieta, Alexandre Faria Marquez. A data da construção, 1924, está inscrita na fachada do imóvel.

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O neto Luiz Antônio recorda que havia se saído muito mal em uma prova de inglês. A professora comentou o fato com dona Julieta. A avó chamou-o e lhe passou um “pito”. “Sua mãe fala inglês, eu falo inglês, não há por que você tirar uma nota dessas.” Mas, ela não comentou com ninguém o assunto, até que ele recuperasse a nota. “Manteve o segredo. Isso me marcou muito, o cuidado e a discrição que teve comigo me emocionou muito”, disse Luiz Antônio.

O computador, os livros e uma imagem recente de dona Julieta, ao celular, adequando-se aos tempos modernos


Julieta acompanhou a evolução dos tempos. Sempre foi moderna e, até com pouco mais de 100 anos, navegava na internet e realizava traduções literárias para a editora Revan, no Rio de Janeiro, que pertence ao seu filho Renato. Este, ao lado dos irmãos, Marcelo e Fausto, décadas antes, deram muitas preocupações quando viveram momentos de difíceis na luta política contra a ditadura militar. Hoje, aos 105 anos, dona Julieta tem filhos, netos, bisnetos e tataranetos espalhados pelo país e pelo mundo. Todos a veneram como uma grande dama, que tem uma vida digna e um legado de sabedoria, de amor à vida e a necessidade da evolução intelectual. Talvez seja este o segredo da longevidade: não se entregar às intempéries e levar a vida com leveza, por mais que o baú de memórias esteja lotado de saudades e, até mesmo, de algumas lembranças tristes.


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“O Templo da Moda”, vendia perfumes nacionais, roupas íntimas, calçados e tinha uma seção de cama, mesa e banho. Inaugurada há 70 anos, descendia de outra, com o mesmo nome, situada a poucos metros dali, onde Cyro Avelino Franco trabalhou como arrumador de estoque. “Meu pai era muito trabalhador. Nasceu em uma família simples. Minha avó era costureira. Mas, ele se tornou um dos homens mais ricos desta cidade. Andava muito bem vestido, com bons chapéus, mas continuou simples. Nada de anéis de brilhante”, lembrou o empresário Vicente Augusto Santa Cecília Franco. Cyro Avelino Franco com os funcionários na escadaria da loja

1943-2013 A Goyana 70 anos

o templo da moda

Loja vendia tecidos nacionais e importados que vestiam os mais elegantes da cidade

A

s mulheres dividiam os afazeres diários com idas às costureiras, empenhadas com os feitios do vestidos do próximo fim de semana, enquanto os homens frequentavam alfaiatarias e revezavam ternos de linho de tons claros, próprios para o verão, e os de tons escuros, feitos de

tropical inglês, para quando esfriava. Quem se lembra dessa época sabe que os tecidos importados da Itália e da França ou vindos de fábricas do Rio e de São Paulo eram o carro-chefe de uma loja de três andares que ficava na avenida Afonso Pena, em um prédio que existe até hoje. A loja A Goyana, que tinha como slogan

Comedor de bananas Cyro Avelino Franco nasceu em Indianópolis (MG). Mudou-se para Uberlândia ainda criança, onde o pai era vendedor das bolachas Duchen, uma fábrica paulista inaugurada em 1903 e ainda em atividade. Cyro logo conseguiu emprego em uma sapataria da cidade. Era encarregado de apanhar no chão os pregos usados para prender as solas. Com o primeiro salário, Cyro Franco comprou um cacho de bananas e comeu todas as frutas de uma só vez. “Ele não dividiu com ninguém e passou muito mal. Mas sempre ajudou muito no sustento dos irmãos e até dos sobrinhos”, disse Vicente Franco. Casou-se com a professora Maria Stella Santa Cecília, com quem teve dois filhos: Vicente , hoje com 78 anos, e Paulo Antônio Santa Cecília Franco, de 70 anos. Cyro Franco fundou também a concessionária Uberlândia Veículos, até hoje em atividade. A Goyana fechou em 1981, ano da morte do empresário aos 72 anos.



O médico Adib Jatene apresentando como funcionaria o Instituto do Coração do Triângulo

E

1996 Instituto de cardiologia do triângulo

cirurgia pioneira

ICT foi o primeiro a fazer pontes de safena

Os médicos Carlos Salomão, Abdala Miguel, Roberto Botelho com o prefeito Virgilio Galassi

m maio de 1996, com a inauguração do Instituto do Coração do Triângulo Mineiro (ICT) do Hospital Santa Catarina, pacientes com problemas cardíacos de Uberlândia não precisavam mais ir a São Paulo. Procedimentos complexos e inéditos como angioplastias, pontes de safena e transplantes cardíacos passaram ser feitos na cidade. O ICT foi o primeiro da América Latina a fazer cateterismos com arquivo em CD. No início dos anos 90, o então prefeito Virgílio Galassi havia convocado um grupo de médicos na prefeitura. Direto como sempre, Virgílio disse aos médicos: “Chamei vocês aqui para gastarem mais dinheiro. Como sou vendedor de Uberlândia, vendo a cidade aqui e lá fora”. Possíveis investidores na cidade costumavam perguntar ao prefeito sobre a qualidade da assistência médica na cidade. “O doutor Virgílio nos disse assim: ‘Uberlândia é top em telefonia, na área atacadista, é o maior polo de armazenamento de grãos. E por isso gostaria que vocês também fossem tops’. Aquilo mexeu com o meu brio. Fui embora remoendo o que ele falou”, lembrou o médico Carlos Salomão, diretor do Hospital Santa Catarina. Quando o próprio Virgílio acabou sendo mandado a São Paulo para colocação de pontes de safena, Adib Jatene foi visitar o ex-prefeito. ”Que vergonha até o prefeito vir fazer a cirurgia aqui. Morei em Uberlândia até os 18 anos, o Camilo Abulmassih é de Tupaciguara, o Roberto Botelho é de Araguari. Todos cardiologistas. Precisamos devolver à terra o que ganhamos dela”, disse Jatene. A partir daí, Adib Jatene e sua


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equipe de médicos foram atrás de potenciais hospitais em Uberlândia que pudessem receber um centro cardiológico. “Eu já vim para Uberlândia desanimado. Rodei todos os hospitais e ninguém quis. Quando passei a lista de exigência para o Carlos (Salomão) e ele balançou a cabeça dizendo que sim, pensei: ‘Ele é doido. O hospital não tinha condição nenhuma”, disse o cardiologista Roberto Botelho, fundador do Instituto do Coração do Triângulo Mineiro. Mesmo diante do grande desafio, o Hospital Santa Catarina já vinha se preparando ao longo do tempo em outras especialidades, com parte do aparato para receber o ICT. Foi marcada então uma assembleia entre os 66 médicos cotistas que prontamente autorizaram os investimentos para o novo empreendimento, em um total de 5 milhões de dólares. No jantar de comemoração, em um restaurante de frutos do mar aos fundos do estacionamento do Hospital Santa Catarina, Carlos Salomão fez a premonição que logo se concretizou. “No fundo do estacionamento tinha uma gruta, com a imagem de Santa Catarina e eu disse para o Roberto (Botelho): ‘daqui um ano, você vai fazer o primeiro cateterismo aqui’. Exatamente um ano depois isso aconteceu. Em seis meses fizemos um prédio de 2,3 mil metros”, disse Carlos Salomão. O paciente número 1 Adelino Rosalen tem uma rotina normal desde que se submeteu a uma ponte de safena em 18 maio de 1996. Mesmo aposentado, Rosalen, hoje com 80 anos, ainda trabalha em manutenção de veículos e aproveita o bônus daquela que foi a primeira cirurgia cardíaca realizada

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As instalações do Instituto do Coração ao lado do Hospital Santa Catarina em Uberlândia. O aposentado se lembra que por cinco meses procurou o diagnóstico de uma dor no braço esquerdo. Foi em vários especialistas, entre eles neurologistas e clínicos, até que o médico Domingos Pimentel Ulhôa o indicou o recéminaugurado Instituto do Coração do Triângulo Mineiro (ICT). “Ninguém descobria o que eu tinha. O doutor Roberto (Botelho) fez o cateterismo e descobriu a veia entupida.” Com a facilidade de se tratar na cidade onde mora, o aposentado logo fez os exames necessários e se submeteu à bem-sucedida cirurgia. “Foi uma bênção, porque se eu tivesse que ir para outra cidade, pagar viagem, hotel para mim e para acompanhante, eu não teria condição. Além disso foi a sobrevida que tive, a graça de poder trabalhar até hoje”, afirmou o primeiro paciente. Três meses depois, outra intervenção inédita na região foi a da recémnascida Geovânia, na época com três meses, que passou por um cateterismo. Em um ano de existência, o ICT realizou 750 procedimentos cirúrgicos.

Telemedicina Apenas dois anos depois de ser inaugurado, o Instituto do Coração do Triângulo Mineiro (ICT), em parceria com o Grupo Algar, deu outro título inédito a Uberlândia, que passou a ser a primeira cidade do interior do Brasil a operar a telemedicina, considerado pouco tempo depois como o mais avançado sistema integrado da América Latina. Na época, 40 países trabalhavam com essa aparelhagem. No Brasil, eram 18 capitais e Uberlândia. O próprio paciente passou a fazer o eletrocardiograma em casa e a transmiti-lo para a central receptora. A conexão acontecia por meio de telefone convencional, celular e até mesmo telefone públicos. Segundo Roberto Botelho, o atendimento nas primeiras duas horas após os primeiros sintomas pode salvar mais de 50% das vidas. “E isso se deu graças a Uberlândia ter um serviço de telefonia tão eficiente e que nasceu na própria cidade. Se fosse em outro lugar, não seria possível”, disse Botelho.


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desde 1938 uberlândia acontece aqui

O “Correio” era feito em linotipos, máquinas que montavam os textos linha por linha, fundidos em chumbo. Em meados de 1950, o jornal instalou a primeira impressora rotativa

correio 75 anos

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a redação instalada na antiga praça da Matriz, 90, hoje praça Cícero Macedo, no dia 7 de fevereiro de 1938, numa segundafeira, saiu o primeiro número do “Correio de Uberlândia”. A edição é a única sem um exemplar no Arquivo Público Municipal, que conserva todos os números do jornal a partir do segundo, que circulou no dia 20 de fevereiro com a manchete “Uberlândia, cidade de turismo”. A iniciativa de editar o jornal na cidade foi do fazendeiro José Osório Junqueira, proprietário de outros sete jornais no interior de São Paulo, entre eles o “Correio do Oeste” em Ribeirão Preto. Com periodicidade irregular, o “Correio de Uberlândia” era administrado pelo filho de Junqueira, Luiz Nelson, tendo como redator-chefe Abelardo Teixeira. No início da década de 1940, o jornal foi vendido para um grupo de 18 empresários da cidade ligados à União Democrática Nacional (UDN), entre eles João Naves de Ávila, Nicomedes Alves dos Santos e Alexandrino Garcia. Naquela época, o “Correio” era paginado

A edição 2 do Correio, a mais antiga existente no Arquivo Público


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As máquinas linotipos montavam os textos em linhas de chumbo e a impressora rotativa instalada na década de 1950 à mão e composto em linotipos, máquinas que montavam os textos linha por linha, fundidos em chumbo. A primeira reformulação gráfica ocorreu em meados de 1950, quando a empresa instalou uma impressora rotativa, também tipográfica, comprada do jornal “O Popular”, de Goiânia. O equipamento, bastante moderno para a época, foi usado até 1989, quando o jornal passou a ser impresso em uma rotativa off-set. A mudança para impressão off-set foi um projeto implantado pelo então superintendente do “Correio”, Arly Trindade, que tornou-se viável quando a ABC-Editora Base, hoje Algar Mídia, importou a nova máquina. O embrião da transformação efetiva foram as edições de domingo, chamadas “Correio de Domingo”, que ajudaram jornalistas e profissionais da área gráfica a se familiarizar com as vantagens do offset, para produzir o novo “Correio”. Uberlândia ganhou um jornal mais ilustrado, com mais espaço para fotografias e bem mais ágil. O “Correio”, que levava cerca de 8 horas para ser produzido, com a nova

máquina passou a ser impresso em apenas 1 hora. De 1952 até a o início da década de 1970, Valdir Melgaço Barbosa se manteve na direção do “Correio”, alternando o trabalho no jornal com a carreira política. Devido ao envolvimento político, o “Correio” tornou-se adversário do jornal “O Triângulo”, criado em 1956 por Renato de Freitas, pessedista roxo, em sociedade com Rafael Marino Neto. O jornal circulava de terça a sábado com oito e depois 12 páginas. O redator-chefe era Marçal Costa, ao lado de Lycidio Paes e dos irmãos Jacy de Assis e Ruth de Assis. A sede, que ficava na rua Santos Dumont, passou para a avenida Floriano Peixoto e, em seguida, para a praça Clarimundo Carneiro até se mudar definitivamente para o Distrito Industrial. Em 1971, quando Melgaço afastou-se do veículo, a direção passou para Sérgio Martinelli. O jornal, então, passou a circular de terça a domingo e ganhou o slogan “Correio de Uberlândia, agora o diário de todos os dias”. “Éramos três pessoas para fazer todo o jornal. Eu era o diretor, vendia

anúncios, fazia uma coluna e escrevia notícias. O Expedito (José Expedito) cobria o esporte e o Quirino (Luiz Fernando Quirino) fazia as crônicas políticas e me ajudava na redação”, afirmou Martinelli.

Grupo Algar assume Na fase em que Valdir Melgaço foi diretor, o jornal era deficitário e a redação dependia de recortes de outros jornais para editar todo o espaço das páginas. O telex foi instalado em 1979. Em 1971, Melgaço vendeu suas cotas para Agenor Garcia, irmão do comendador Alexandrino Garcia. Martinelli dispensou Marçal Costa e implantou uma nova linha editorial, que ele chamava de “financeira”, ou seja, seguiria os interesses do grupo proprietário. Em 1986, o Grupo Algar assumiu o controle acionário do jornal e o mantém até os dias atuais. Desde então, o “Correio de Uberlândia” passou por várias mudanças gráficas e editoriais e se firmou como o principal veículo impresso de Uberlândia e da região.


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INSTANTÂNEOS

Cinema só de paletó e gravatA

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Cine Teatro Uberlândia, de propriedade de Nicomedes Alves dos Santos, foi uma das mais luxuosas salas de cinema do interior brasileiro. Com cerca de 1,2 mil cadeiras estofadas, tinha palco que permitia a utilização também para apresentações teatrais. A recepção de muito bom gosto abrigava amplos bancos para que as pessoas pudessem aguardar a liberação do acesso à sala de cinema. A lanchonete atendia os clientes por ocasião das sessões e funcionava também com acesso pela avenida Afonso Pena. Era a preferida para os encontros de articulações e ajustes políticos. Toda essa suntuosidade tinha um preço que não estava imputado no valor do ingresso, mas sim na exigência do traje masculino para as sessões noturnas: paletó e gravata. Valia tanto

VOCÊ SABIA?

para a primeira sessão, às 19h30, quanto para a segunda, às 21h30. Homem que não quisesse usar ou não possuísse o traje tinha duas alternativas, ficar de fora ou ir para o “poleiro”, como era chamado a parte do mezzanino com entrada independente, destinada também aos negros e policiais. O Cine Teatro Uberlândia tinha movimentação diária intensa, mas a primeira sessão aos domingos era disputadíssima e tinha um ritual infalível: as moças sentavam primeiro e os homens ficavam circulando pelos corredores fazendo suas insinuações e galenteios, buscando a receptividade que os permitisse a recompensa maior de assistir ao filme muito bem acompanhados. Bons tempos que, com o passar dos anos, o advento da TV e de novas formas de lazer fizeram com que ficassem apenas na recordação de quem os viveu.

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ustódio da Costa Pereira, em 28 de novembro de 1909, ainda na época de São Pedro do Uberabinha, inaugurou a primeira casa de diversões da cidade. Ele a batizou com o nome de Theatro São Pedro. Era utilizado também como cinema e outros programas de entretenimento. O primeiro preço cobrado na bilheteria foi de 500 réis.

“Teje preso!”

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urante o regime militar, logo no início, houve muita gente que, aproveitando do clima tenso que a revolução provocou, fez denúncias infundadas sobre pessoas com quem tinham alguma rusga. Era a famosa “deduragem” que rotulava como comunistas pessoas que tinham pensamentos próprios e uma capacidade crítica mais aguçada. Como bastava a denúncia para a prisão ser efetuada, muita gente que passou por esse constrangimento nem gosta de tocar no assunto. Por isso, o registro do fato, mas não a menção da fonte. Aqui em Uberlândia, uma pessoa que sofreu com isso foi um professor de gramática altamente qualificado. Daqueles que conheciam e lidavam com a ortografia como poucos. Um mestre em língua portuguesa. E coube a um de seus ex-alunos a triste incumbência de lhe dar a voz de prisão. Sem muita polidez, o ex-aluno o abordou e foi logo falando: “Teje preso”. O sábio professor sem perder a calma e com muita serenidade retorquiu: “Não vou preso não, porque aluno meu não fala errado. Se quiser me prender, por favor corrija a expressão, o correto é: esteja preso!” Recomendação atendida, lá foi ele para o quartel explicar o que não precisava porque alguém resolveu falar para os militares aquilo que não devia...



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a década de 1930, quando a cidade mal chegava aos trilhos da Mogiana, nas proximidades do atual Terminal Central, e resumiase ao Centro e ao Fundinho, havia no alto da avenida Brasil uma casa de cômodos ocupada por famílias de colonos japoneses. O advogado João Alberto de Carvalho Luz, 82 anos, lembra que o terreno ocupado pela casa tinha nos fundos uma plantação de abacaxi. “Ainda criança, de bicicleta, eu atravessava a Mogiana e ia apanhando gabiroba. De vez em quando, pegava um abacaxi atrás da cerca de arame farpado da casa dos japoneses. Eles ficavam bravos comigo.” Em uma fita gravada de posse do historiador Antônio Pereira, o relojoeiro Rikoto Tanaka fala sobre outra casa de colonos japoneses e um templo instalados nas imediações de onde fica hoje o Terminal Rodoviário. Os Tanaka chegaram a Uberlândia em 1927 e já encontraram algumas famílias orientais. Eram principalmente agricultores e horticultores e uma pequena parte se dedicava ao comércio. “Lembro que nesta outra casa, eles tomavam banho às 17h e dava para gente ver de longe”, disse o advogado Carvalho Luz. De acordo com Luz, entre os colonos japoneses de Uberlândia havia um grupo de monges pacifistas que, na década de 1920, teve que partir do Japão para o exílio porque se opunha à militarização do país. Os monges teriam chegado à cidade em meados de 1929 e eram importantes a ponto de receber companheiros vindos do Japão em busca de aconselhamento. Em Uberlândia, havia fiéis da seita Omoto, que chegou ao Brasil em 1924 trazida pelo missionário Teru-

1920-1940 colonização japonesa

um templo no

cerrado Monges pacifistas e curas espirituais na Uberlândia do período entreguerras


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Adeptos da seita oriental Omoto, em frente ao templo da cidade

kichi Oyama, fora das colônias japonesas. A seita foi acolhida por algumas famílias da cidade e começaram a circular notícias de curas que teriam sido obtidas pelas orações e pelo uso da água fluida preconizada pelos adeptos. De acordo com Antônio Pereira, um fiel agradecido teria até oferecido um terreno para a construção do templo. Tanaka se recorda de curas em Uberlândia, depois de enormes gastos com médicos e remédios. As orações eram feitas em japonês e traduzidas para os que não falavam a língua. Um dos que recorreram ao tratamento espiritual foi o líder coió Marcos de Freitas, influente político da cidade. “Os colonos japoneses ficaram em Uberlândia até 1942, quando, em agosto, o Brasil declarou guerra ao eixo (Alemanha, Itália e Japão). Apareceram na cidade policiais do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) que os levaram para São Paulo, onde ficaram presos como espiões em campos de concentração até o fim da guerra”, contou Carvalho Luz. Tanaka foi um dos presos, acusado de espionagem. Papéis apreendidos com ele como provas foram traduzidos depois de algum tempo: eram cartas comerciais sobre adubos, sementes e implementos agrícolas. Libertado, Tanaka continuou na Omoto, mas o templo de Uberlândia foi desativado. Anos mais tarde, ele coordenou a reconstrução do templo em Jandira, no interior paulista, e foi presidente administrativo da seita por vários anos.


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A temida cavalaria do prefeito Tubal Vilela em formação na área central da cidade

boemia

sombrias noites

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iferentemente das noites marcadas pelos grandes espetáculos teatrais e musicais, em que os holofotes buscavam iluminar o artista, captando-lhe os movimentos e registrando-lhe o sorriso, existiam em Uberlândia noites mal focadas pelas lanternas dos policiais. Madrugadas povoadas pelo tinir de suas armas. O que causava constrangimentos, medos e insegurança na população da cidade era a temida cavalaria, que, segundo os jornais da época, era mantida pelos cofres municipais e ficava alojada na fazenda Tubalina, de propriedade do então prefeito Tubal Vilela. A cavalaria trazida pelo prefeito no início dos anos 1950, após uma greve de condutores de veículos – considerada pacífica pela imprensa –, tinha como um de seus objetivos ordenar o espaço urbano, dele expurgando negros e pobres: “Domingo, às nove horas da noite acima da linha, na rua Guarany, soldados da polícia espancaram barbaramente um preto até que ele caiu no chão,

Por Júlio César de Oliveira*

tendo sido depois levado pela ‘carrocinha’. Disse o vereador que acha necessário o policiamento da cidade. Mas que espancamentos como estes não estão de acordo com Uberlândia, ‘cujos moços, se precisam de correção, devem ser procurados’, legalmente. Terminou por afirmar que ‘a situação cada vez se agrava entre os soldados e o povo’, pedindo que o seu protesto fosse acompanhado de um pedido de providências. “(Correio de Uberlândia, Uberlândia, n. 3522, p.1, 22/10/1952). Alegando retirar dos prostíbulos os menores de idade, os beberrões, desordeiros e criminosos, a corporação utilizavase de métodos que oscilavam entre a extorsão e a agressão física e moral de meretrizes que trabalhavam nessas casas de baixo meretrício: “Anteontem, cerca das 19 horas, dois ou três soldados da cavalaria da Tubalina penetraram na pensão de mulheres de propriedade de Negrinha de tal, situada em pequena travessa que liga a extremidade alta da rua Agenor Paes a rua Ipi-

ranga, e lá praticaram desordens, derrubando mesas e cadeiras, quebrando garrafas e espancando as habitantes da casa, uma das quais teria ficado ferida numa perna. Os dirigentes de Uberlândia não compreenderão nunca que esses militares estão constituindo fator de permanente desassossego na cidade?”. (Correio de Uberlândia, Uberlândia, n. 3529, p.1, 1/11/1952). Essa força militar que causava furor em toda a sociedade, incluindo a imprensa, também afrontava impiedosamente as moças de família: as senhoritas Cacilda de Oliveira, que era professora do Liceu de Uberlândia e da Escola Municipal noturna que funciona no Grupo Escolar Doutor Duarte, e Terezinha de Oliveira foram agredidas por um soldado da cavalaria, de acordo, também, com os jornais da época. No entanto, o dia a dia da cidade não era somente pautado na violência e nos sinais acústicos da repressão. Nas noites chuvosas, devido ao silêncio das ruas e casas, ouvia-se o tamborilar monótono

e tranquilizador da chuva que, insistentemente, batia nos telhados, nas copas das árvores e nas torres das igrejas, para, logo em seguida, escorrer lenta pelo dorso dos rochedos e das ruas. Nesses instantes, diversos indivíduos cediam ao convite sonoro e monótono das águas que copiosamente caíam sobre os telhados, as árvores e as torres para entregarem-se ao sono reparador. Após as tempestades, escutava-se dos quintais e das grandes poças d’água que se formavam nos terrenos baldios a reverberação de uma orquestra composta pelo lamúrio da rã-de-boca-estreita, o latido do sapo-cachorro, o trinado do sapo grilo-do-brejo, os sons de guizo do sapo-do-campo, o ronco do sapo-roedor e o arroto do sapo-boi. Das calçadas molhadas, ouvia-se o assobio solitário de um boêmio embriagado de cachaça e, talvez, de amor. (*) Doutor em História Social pela PUC/SP. Autor do livro “Ontem ao luar: o cotidiano boêmio da cidade de Uberlândia (MG) nas décadas de 1940 a 1960”. (Edufu, 2012)


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1872 o censo imperial

pesquisa divulga números inéditos

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m 1872, a população escrava no Brasil representava 15,24% do total e, em Uberlândia, a proporção era semelhante. A vila de São Pedro do Uberabinha, então pertencente a Uberaba, era habitada por 3.483 brancos entre homens e mulheres, enquanto o número de negros era de 545 (15,64%). Os dados foram levantados em um censo elaborado naquele ano, a única contagem de população ocorrida durante o período imperial em todo o território brasileiro. Os dados foram divulgados em 2012 pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.

Analfabetismo O Censo de 1872 registrou quase 10 milhões de habitantes no país, distribuídos em 21 províncias. Cada província se subdividia em municípios, que, por sua vez, se subdividiam em 1.440 paróquias, as unidades mínimas de informação. A coleta foi realizada nas paróquias. Além do levantamento do número de habitantes, foram investigadas informações específicas sobre pessoas com deficiência, acesso à escola e profissões exercidas, entre outras. Em Uberlândia, 2.960 pessoas eram analfabetas e apenas 523 em toda a cidade sabiam ler e escrever, o que correspondia a 17% da população livre, porque escravos não eram alfabetizados.

O presidente Juscelino Kubitschek e Renato de Freitas

1959 homenagem da cidade

JK foi o primeiro cidadão honorário

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primeira personalidade nacional a receber o título de Cidadão Uberlandense foi o presidente Juscelino Kubitschek em 1959. A homenagem foi criada em 1957 por meio do Projeto de Lei 878, de iniciativa do então

vereador Renato de Freitas. Algumas das personalidades contempladas não vieram a Uberlândia para receber o título, como a atriz Fernanda Montenegro, o apresentador Raul Gil e o cirurgião plástico Ivo Pitanguy.

O presidente Juscelino Kubitschek em visita à Camara Municipal


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Hélvio com Adélia e os filhos, Isabela e Renan

artista da capa hélvio de lima

do fundinho para o mundo

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onversar com ele é como dar um passeio pela Uberlândia dos velhos tempos, quando ainda havia concursos de calouros nas rádios e o curso clássico, hoje ensino médio, onde o então aluno

A Catedral de Santa Terezinha em construção na praça Tubal Vilela, no fim da década de 1930

e futuro artista plástico já se destacava entre os colegas de classe nas aulas de desenho. Hélvio de Lima, 65 anos, nasceu na antiga avenida dos Andradas, hoje Raulino Cotta Pacheco, próximo ao Córrego Cajubá, que deu lugar à avenida

O filho de uma família de artistas de Uberlândia tem sua obra nas cidades do planeta Getúlio Vargas. Com o pai, Iracy de Lima, que era pintor de paredes, aprendeu a trabalhar com as cores, e por incentivo da mãe, Maria Pereira Lima, dona de casa e bandolinista, começou também a cantar. “O sonho da minha mãe era que a gente


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A Jazz Band Ás de Ouro e o maestro, avô de Hélvio, Antônio Alves Pereira, o 2º da esquerda para direita. O tio Carlos de Alcântara é o último à esquerda

fosse artista. Aos 6 anos, fui cantar nas rádios Difusora e Educadora. Como prêmio, ganhava um Guaraná Big Boy, um Macarrão Erlan ou um brinquedo da Casa Sabag. Foi uma infância feliz”, disse Hélvio. O artista plástico era sobrinho do maestro Carlos de Alcântara, responsável pela Orquestra Tapajós, no qual o irmão de Hélvio, o saxofonista Hélio de Lima também tocava. Hélvio é ainda irmão da pianista Maria Terezinha de Jesus Lima e de Helmo de Lima, o único sem dom para a música. “Meu avô materno, Antônio Alves Pereira, tocava trombone na Jazz Band Ás de Ouro, onde minha avó Carlota Rezende Pereira tocava piston”, lembrou Hélvio. O desenho Apesar da boa voz e de tantos músicos na família, ainda no curso clássico da Escola Bueno Brandão, Hélvio era o aluno preferido do professor de desenho Eurico Silva. “Foi o professor Eurico quem me estimulou. Lembrome bem dele. Usava bigodes, era perfumado e estava sempre de terno. Era escritor, cronista e morava no Hotel Goyano. Naquela época, tínhamos muito respeito pelos professores”, afirmou Hélvio. Já adulto, Hélvio chegou a se matricular em pequenos cursos

Hélvio (menor) com os pais e irmãos

particulares de desenho e pintura com a professora Neusa Barbosa Neto. Em 1968, fez as primeiras exposições de arte. Uma no Clube Recreativo Araguarino, na vizinha Araguari, e outra no Uberlândia Clube e, a partir daí, em vitrines de lojas da cidade. Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da qual foi aluno, fez as primeiras mostras individuais em 1970 e 1971. Foi apresentado, por meio da escritora Martha Pannunzio, à marchande Lourdes Saraiva, que logo se encantou pelos quadros dele e, por sua vez, o apresentou a José de Moraes, o braço direito de Cândido Portinari e que desenhou o painel de pastilhas do Uberlândia Clube, executado por Geraldo Queiroz. Hoje, mesmo sem nunca ter deixado de morar na terra natal, a obra de Hélvio de Lima se espalhou pelo Brasil e mundo, com trabalhos vendidos para os Estados Unidos e Europa, acumulando da mesma forma, prêmios nacionais e internacionais. “Não me arrependo de não ter ido embora. Aqui é minha cidade, com pessoas de boa índole, fechadas, mas muito solidárias”, disse Hélvio. Há 35 anos, Hélvio é casado com a escultora Adélia de Lima, com quem tem dois filhos, Isabela e Renan. Há dez anos, fundou o jornal “Fundinho”, que conta as histórias dos moradores do bairro mais tradicional e onde Uberlândia, assim como ele, deu os primeiros passos.


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Vista da avenida Afonso Pena, com a concessionária Irmãos Garcia e a torre da catedral ao fundo

1900 Avenida aFONSO PENA

a rua da lavoura

Via recebeu o primeiro calçamento da cidade Por Antônio pereira

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a virada do século 19 para o 20, o comerciante Arlindo Teixeira contratou o engenheiro da Mogiana, James Mellor, para fazer uma planta urbanizada do espaço que ia do cemitério que havia na praça Clarimundo Carneiro até a estação da Mogiana, onde hoje é a praça Sérgio Pacheco. Ele traçou uma espécie de tabuleiro de xadrez com cinco vias mais largas que iam de um ponto ao outro e várias travessas mais estreitas. Essa parte de cima chamou-se “cidade nova” e o bairro Fundinho “cidade velha”. A avenida Afonso Pena, por sua vez, recebeu o nome de rua da Lavoura e uma das primeiras residências construídas nela foi a do farmacêutico Antônio Vieira Gonçalves. Era uma avenida de terra, que possuía árvores plantadas em seus dois lados. A rua recebeu o primeiro calçamento da cidade, em 1922, da praça Tubal Vilela à Clarimundo Carneiro. Obra do prefeito João Severiano Rodrigues da Cunha, o


Na avenida Afonso Pena começou o vaivém da rapaziada aos domingos e feriados e o Carnaval de rua

Joanico. Ali começou o vaivém da rapaziada nos domingos e feriados e o Carnaval de rua. A maioria dos assassinatos e tentativas também aconteceram nela. Os alto-falantes, precursores das emissoras de rádio, ali se instalaram e o maior cinema de Minas Gerais, o Cine Uberlândia, com 2,5 mil lugares. Na década de 1960, tinha tantos anúncios em neon que ganhou o slogan de “cidade dos luminosos”. Os primeiros arranha-céus se ergueram nela: o edifício da Drogasil e o Tubal Vilela. Os desfiles cívicos e carnavalescos se

realizavam nela. O mais famoso Rei Momo, o Hipopota, descia a avenida e abria o Carnaval na praça Tubal Vilela. Até 1970, foi impedida de expandir-se pelas linhas da estrada de ferro que, naquele ano, foram retiradas, durante a administração de Renato de Freitas. Mas por que o nome do ex-governador Afonso Pena? Muito mais justa a homenagem seria se a avenida se chamasse Coronel Carneiro, Fernando Vilela, Augusto César ou João Severiano Rodrigues da Cunha: homens aos quais a cidade deve as sementes de quase tudo o que tem.

Detalhe das obras de calçamento da avenida Afonso Pena

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“portuguÊs” de minas

Linguiça bumerangue Eduardo Machado foi um viajante português boa praça que veio morar em Uberlândia na década de 40. Um dos fundadores do Clube Português foi também um dos organizadores das famosas bacalhoadas que nos anos 60 e 70 atraíam a sociedade uberlandense ávida pela fantástica culinária lusitana. Bem-humorado, Machado, por força de sua atividade de representante comercial, ia todo mês a São Paulo. Nessas viagens, nunca deixava de ir ao Mercado Municipal onde comprava bacalhau e uma deliciosa linguiça tipo portuguesa que servia aos felizardos amigos aqui em Uberlândia. Tanta frequência aliada à simpatia não demorou que estabelecesse uma relação de amizade com o dono da banca que passou a lhe chamar de “português” de Minas. Numa dessas idas, ficou frustradíssimo ao saber que o estoque de linguiça havia acabado. Como o dono da banca já se tornara seu amigo e sabia da sua procedência mineira perguntou-lhe em que cidade morava. Ao receber a resposta de Uberlândia soltou um largo sorriso e informou ao incrédulo Machado que a linguiça que ele tanto apreciava e ia comprar em São Paulo era produzida em Uberlândia. Um produto da fábrica de banha Wanda, tradicional estabelecimento da avenida Estrela do Sul, que produzia diversos derivados de carne suína. O irreverente Machado ficou sabendo que a linguiça que tanto apreciava e que ia comprar em São Paulo era na verdade produzida aqui. A amizade continou, mas o dono da banca perdeu um fiel cliente das linguiças.


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Uma das primeiras jardineiras que fazia a ligação entre as cidades da região

1911 fernando vilela

o incansável fazedor de estradas

O engenheiro que atraiu recursos da iniciativa privada para um dos mais ousados projetos do Brasil Central

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ernando Vilela, pioneiro na construção de estradas no Brasil Central, nasceu há 140 anos em Canápolis, a 121 km de Uberlândia. Estudou Engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Recém-formado, mudouse para Ituiutaba, onde foi eleito agente executivo e presidente da Câmara Municipal, o que na época correspondia à função de prefeito da cidade. Ocupou o cargo de 1908 a 1911.

Uberabinha A região praticamente não tinha estradas e, em agosto de 1911, Vilela mudou-se para Uberabinha de posse de uma concessão do Governo do Estado para abrir uma estrada que ligasse a cidade a Ituiutaba. Uberabinha era

O engenheiro Fernando Vilela liderou, a partir de 1911, a construção da malha rodoviária da cidade

o lugar ideal para centralizar uma grande rede rodoviária, porque a cidade já era o ponto final da ferrovia Mogiana, era o centro dos mercados do Triângulo Mineiro e sudoeste goiano e a única com iniciativa privada capaz de investir na construção das estradas. Além disso, Vilela tinha credibilidade para unir os grupos políticos Cocões e Coiós em torno de um mesmo projeto. Em agosto de 1912, em frente à estação da Mogiana, a população da cidade e as principais autoridades participaram da sessão solene que marcou o início dos trabalhos de construção da estrada intermunicipal, que contava com uma verba estimada em 250 contos de réis – mais de três vezes o orçamento do município, que em 1912 havia sido de 73 contos de réis. Foi criada uma sociedade anônima, a Companhia Mineira de Auto Viação Intermunicipal, com


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Mesmo precárias, estradas eram a base do crescimento regional sede na Chácara Goiandira, que ficava onde hoje é a esquina da avenida Floriano Peixoto com a avenida João Naves de Ávila. Os dois primeiros motoristas contratados tiveram que aprender a dirigir. Era enorme o espanto da população, acostumada apenas a ver carros de bois, com a frota da companhia: três modernos caminhões Fiat de três toneladas, um carro reboque para 2 mil quilos, o ônibus Fiat de 12 lugares e três carros Overland para cinco passageiros. Em setembro de 1913, foram entregues os primeiros 74 km, que ligavam Uberabinha a Monte Alegre de Minas e, em janeiro de 1915, completaramse os restantes 80 km até

Ituiutaba. Em 1916, a extensão da rede operada pela empresa passaria para 333 km com a construção do trecho ligando Uberabinha a Bom Jardim do Prata. A companhia transportava cargas e passageiros e decidiu ampliar os percursos para municípios de estados vizinhos. Entre outras iniciativas, foi construída a rodovia entre Itumbiara (GO) e Morrinhos (GO), um dos empreendimentos mais ousados da história rodoviária do país, que atraiu recursos da iniciativa privada para uma obra com mais de 500 km de extensão. fonte

“Das Sesmarias ao Polo Urbano: Formação e Transformação de uma Cidade”, de Oscar Virgílio Pereira

A construção de estradas foi responsável por intensa distribuição de mercadorias

Gilberto com a esposa Dirce e os filhos Gilberto, Ricardo, Isabela e Rosana

namoro no jornal

tempestade de papel

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ilberto Garcia, produtor de programas como “Os Trapalhões” e “Chico Anysio Show”, pai das atrizes Isabela e Rosana Garcia, foi funcionário do “Correio de Uberlândia” no fim da década de 50. Gilberto era responsável por etiquetar e despachar os exemplares dos assinantes para Moacyr Franco, o cantor, fazer as entregas de bicicleta. De acordo com Moacyr Franco, Gilberto conheceu uma moça e ficava horas namorando pelo telefone do jornal. Como não conseguia etiquetar todos os jornais, começou a escondê-los por cima do forro do teto. Mesmo diante das reclamações dos assinantes, o diretor do jornal, Valdir Melgaço, não desconfiava de nada. Em um dia de chuva forte, o teto da sala de expedição foi abaixo com o peso de quilos de jornais velhos acumulados. Gilberto Garcia foi demitido na hora e começou sua carreira de sucesso na televisão.


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datas

90 anos O primeiro decreto-lei autorizando a construção do Mercado Municipal data de 1923. Porém, a construção na rua Olegário Maciel, 255, só iniciou em 1944, no mandato do prefeito Vasconcelos Costa.

Pelé, cercado por sócios, visita o Praia Clube em 1982 com o time do Cosmos

1982 lenda urbana

pelé no praia

120 anos A primeira edificação da Igreja do Rosário foi planejada em 1876, e deveria ser construída na atual praça Doutor Duarte. Mas em 1891, Arlindo Teixeira, membro da Comissão Procuradora da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário propôs a mudança de lugar. Desta forma, ela foi iniciada em 1893, em um terreno vago onde atualmente é a praça Rui Barbosa, que era, naquela época, uma área bastante afastada do centro urbano.

O

Brasil, num tempo não tão longínquo assim, tinha padrões de comportamento bastante preconceituosos. Um deles que tristemente perdurou até ali pelo final dos anos 50, início da década de 60, era o de não permitir a associação de pessoas negras nos principais clubes sociais das cidades. Uberlândia infelizmente não fugiu à regra e por algumas décadas não permitiu o ingresso de negros no quadro de associados do mais importante clube recreativo da cidade, o Praia. Esse episódio para ser esquecido na história do clube, acabou sendo responsável também pelo surgimento de boatos que ganharam vida e sobreviveram ao longo dos anos. O mais famoso deles dava conta de que até Pelé, o rei do futebol, havia sido barrado na portaria do Praia. O fato tem sido propagado com tanta ênfase e por tantas pessoas, que no imaginário popular é considerado absolutamente verdadeiro.

O porteiro do Praia, Otair Rodrigues Silva, mais conhecido como Pedro, com a autoridade de quem comanda a portaria do Clube há mais de 60 anos, em recente depoimento ao programa “Uberlândia de Ontem e Sempre” afirmou categoricamente que isto jamais aconteceu. Acrescentou que, por um tempo, a norma de não admitir pessoas negras como sócias do Praia realmente prevaleceu, mas que negros eram convidados por sócios e iam ao clube. Portanto, Pelé nunca foi barrado no Praia Clube. Aliás, há uma passagem muito interessante quando ele, acompanhando a equipe do Cosmos, esteve almoçando por lá. Depois de visitar as instalações do Praia, simpático como sempre foi, fez questão de elogiar a cozinheira e lhe dar um beijo no rosto. Segundo consta (e pode ser que isto também seja um boato) , ela teria ficado uns três dias sem tomar banho apenas para não tirar o troféu do rosto...



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Angelino Pavan no dispensário dos pobres no Mercado Municipal na década de 1960

O salário de um vereador na Uberlândia de hoje gira em torno de R$ 15 mil mensais, além de uma verba indenizatória de até R$ 10 mil. Mas, houve um tempo em que a remuneração de um vereador era simbólica: um salário mínimo mensal pelos serviços prestados à cidade. Os três relatos a seguir relembram a vida pública de vereadores que atuaram no Legislativo Municipal quando não havia altos salários (ou até mesmo salário algum), mas que tiveram mandatos significativos para o desenvolvimento da nossa cidade.

Angelino Pavan

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epois de eleito vereador por cinco vezes pelo PSD e exercer em várias gestões o cargo de secretário municipal, Angelino Pavan tornou-se um marco na vida política de Uberlândia. A musicista Cora Pavan Capparelli, única filha de Angelino, lembra que seu pai veio de Uberaba para Uberlândia, aos 16

1950/60 quando os vereadores não tinham salários

a serviço do eleitor Por ILMA DE MORAES


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Reynaldo Cazabona prepara ata em sessão da Câmara

Amir Cherulli em campanha,

anos, para trabalhar na Livraria Cosmos. Interessou-se por contabilidade, tipografia e estudou inglês e francês. Cora conta que, desde jovem, Pavan gostava de fazer trabalhos voluntários e acabou tomando gosto pela política. Eleito vereador, Angelino era rotariano e maçon. Empresário, dono de uma livraria e uma tipografia, ocupou a presidência da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia (Aciub) por duas gestões, quando construiu a sede da entidade na avenida João Pinheiro. “Meu pai foi um batalhador na política. Mesmo sem a alta remuneração dos dias de hoje, ele não via dificuldades em servir à população da cidade.”

Amir Cherulli

C

ontemporâneo de Pavan, o ex-vereador Amir Cherulli, hoje com 77 anos, recorda-se bem dos 34 anos de intensa vida parlamentar. Ele conta que seu gosto pela política está no sangue e,

aos 10 anos de idade, trabalhou na campanha política do seu tio Manoel Crosara, presidente do PRP (Partido de Representação Popular), distribuindo santinhos e folhetos. Em 1962, pelo PRP, Amir Cherulli fez sua primeira campanha para vereador, apoiando o candidato para prefeito Raul Pereira de Rezende, vencedor do pleito daquele ano. Eletricista e encanador, o “homem do paletó xadrez”, como era chamado no “Correio de Uberlândia” pelo jornalista Luiz Fernando Quirino, afirma que, naquela época, os vereadores tinham outras profissões das quais tiravam seu sustento. Ele ressalta ainda que as campanhas eram modestas, feitas muitas vezes com dinheiro próprio ou doações e consistiam em comícios nos bairros e no centro da cidade, nos quais a distribuição de panfletos e santinhos e os pronunciamentos ao ar livre divulgavam as propostas dos candidatos. “Tudo era feito por muito amor à cidade e não por dinheiro”, disse Cherulli.

Reynaldo Cazabona

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advogado aposentado Reynaldo Cazabona, 75 anos, recorda-se que, desde os tempos da Faculdade de Direito, em Uberaba, sempre gostou de fazer política. Em 1962 elegeu-se vereador pela UDN. Segundo Cazabona, não existiam assessores parlamentares e apenas os funcionários da Casa auxiliavam o vereador. Cazabona lembra das animadas rodas de conversas no antigo Senadinho, reduto político da cidade ao lado do Cine Uberlândia. “Havia efervescência política na cidade! Em 1964, a Revolução jogou nossa Constituição no lixo e começou um período de muita perseguição e repressão a todos.” Cazabona, um dos fundadores do partido de oposição ao regime, o MDB, recorda que o governo militar determinou que apenas os municípios com mais de 200 mil habitantes podiam remunerar os vereadores. Durante quatro anos foram extintas as remunerações na Câmara.


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O estádio municipal tem o nome de outra pessoa viva, João Havelange. Homenagem contestada, pois ele nada teve com a história da cidade. Existe um projeto na Câmara para mudar essa denominação

Humilde, nossa maestrina chegou a contestar o significado dessa homenagem. Avenida Rondon Pacheco

HOMENAGENS VIVAS

A cidade de Uberlândia tem poucos órgãos e logradouros públicos homenageando pessoas vivas

Cora

Celso Machado

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ertamente, a mais conhecida é a avenida Rondon Pacheco, nossa principal via que leva o nome desse benfeitor da cidade e um dos mais respeitados homens públicos do nosso país. O acanhado teatro anexo ao Uberlândia Clube também tem o nome desse ilustre uberlandense.

“ Muito gratificante e confortador o cidadão conviver na sua terra natal recebendo manifestações de carinho e apreço. É uma forma de reconhecimento da população e dos setores

representativos da Câmara Municipal e do próprio Poder Executivo no sentido de prestigiar o trabalho desenvolvido em favor da comunidade mineira e especialmente o compromisso político que sempre tive com Uberlândia, com Minas Gerais e com a nossa amada pátria querida, o Brasil”, disse Rondon. Outra homenagem viva está no Conservatório Estadual que tem o nome da responsável por sua criação e uma das pessoas que mais lutam pelo seu fortalecimento e crescente significado, Cora Pavan Capparelli.

”Quando fiquei sabendo que o conservatório levaria meu nome, fiquei preocupada. Eu havia sugerido que se chamasse Ladário Teixeira, um homem de muita importância para a música e que deixou uma grande obra, mas os três deputados que colaboraram para a transformação do conservatório falaram que não abririam mão de que o conservatório levasse o meu nome. Disseram que eu estava fazendo uma doação muito importante para o Estado de Minas. Eu tinha a escola há mais de dez anos, doei 18 pianos, acordeões violinos, diversos instrumentos e toda a minha biblioteca particular. Ao mesmo tempo que tenho satisfação me esforcei muito para não desapontar, é uma responsabilidade muito grande em vida ter uma instituição de tamanha importância com o meu nome.” O Centro Administrativo Virgilio Galassi também foi outra dessas homenagens, pois foi feita ainda com o ex-prefeito vivo. Tanto que ele exerceu seu último mandato no prédio que tinha seu nome. A Lei Federal nº. 6.454, de 24 de outubro de 1977, que proibe que se dê o nome de pessoas vivas a prédios ou outros bens públicos, acabou sendo responsável pela retirada do nome de Paulo Ferolla do Terminal Central.


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C século 17 a colonização do cerrado

A grande caiapônia Os caiapós eram o maior grupo da região em densidade habitacional

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om 180 km percorridos, das principais nascentes em Uberlândia até a foz em Tupaciguara, o rio Uberabinha, no tupi “água que brilha”, foi testemunha da história da cidade desde os seus primórdios, quando a região, ainda chamada Sertão da Farinha Podre, era dominada pelos índios caiapós. Segundo a antropóloga Lídia Meirelles, os caiapós formavam o maior grupo indígena em densidade habitacional, transitando desde o pontal do Triângulo Mineiro ao sul de Goiás, noroeste de São Paulo e leste do Mato Grosso do Sul. “Isso fez com que o antropólogo Darcy Ribeiro chamasse a região de grande Caiapônia. Os caiapós formaram um grande cinturão humano que bloqueou as frentes de expansão econômica.


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A série “Expedição Rio Uberabinha” levantou informações valiosas sobre os Caiapós em Uberlândia. Foram um grande empecilho para a colonização portuguesa.” A resistência caiapó era tamanha que, segundo o historiador Luis Augusto Bustamanti, a ocupação das terras da região começou bem mais tarde do que no restante de Minas Gerais. “Por aqui havia apenas uma estrada que ligava São Paulo a Goiás, por onde passavam tropeiros. O resto era ocupado pelos caiapós que acabaram dizimados pelos paulistas.” Caiapós dizimados

Imagens biblioteca nacional digital

Os índios foram expulsos entre 1754 e 1758 e substituídos pelos bororo e parecis, do Mato Grosso, trazidos como soldados pelos paulistas e mais tarde empregados como de mão de obra pelos colonos que ocuparam a área. O coronel Antônio Pires de Campos, que perseguiu e dizimou caiapós, foi

o responsável pela distribuição dos novos moradores indígenas por aldeias, onde construíam uma igrejinha e suas casas. Mas, logo a região começou a ser ocupada por colonos vindos do sul de Minas Gerais. “E a área dos índios acabou invadida, como ainda acontece hoje em dia”, afirmou a antropóloga Lídia Meirelles No livro “Brasil Novo Mundo”, o geólogo alemão Wilhelm von Eschwege afirma que um certo Antônio Eustáquio, sargento-mor responsável pelo povoamento do Triângulo Mineiro, desalojou 871 índios na faixa de terra entre o rio das Velhas e o rio Grande,

onde hoje fica Uberaba e Uberlândia. Duas dessas aldeias se transformaram nos povoados de Sant’Anna e Rio das Pedras, que mais tarde se transformaram nas cidades de Indianópolis e Cascalho Rico. Em Uberlândia, uma dessas aldeias, chamada Rocinha, possivelmente tornou-se o atual distrito de Tapuirama. Fonte

Série Expedição Rio Uberabinha, produzida pela Close Comunicação com apoio da Algar Telecom e aprovação da Lei Estadual de Inventivo à Cultura



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Almanaque

“ Uberlândia conta com a presença em praça pública de um candidato pobre contra um montão de cobre”

uberlândia de ontem e sempre

Foto rara de Astolfo Carlos da Silva, primeiro à esquerda, entre figuras importantes de Uberlândia

década de 1960 deu a louca na política

Quem SE LEMBRA DE astolfo SILVA? Entre delírios e questionamentos, ele marcou presença na Câmara Municipal Por Carlos Guimarães Coelho

A

presença de pessoas tidas como “diferentes” na vida pública brasileira não é algo recente. Há décadas, em Uberlândia inclusive, figuras tornam-se folclóricas por saírem dos padrões da sociedade e frequentarem os salões políticos, muitas vezes levantando bandeiras estapafúrdias

e, não raro, mobilizando a sociedade. Entre essas pessoas, na cidade, uma marcou a cena política em meados do século passado. Era Astolfo Carlos da Silva, um cidadão comum, com alguns sinais de demência, frequentador assíduo da Câmara Municipal de Uberlândia, quando esta funcionava onde está o Museu da

cidade, na praça Clarimundo Carneiro. Se estivesse vivo, Astolfo hoje estaria feliz de ver um sonho realizado, pelo qual fez inúmeros discursos, boa parte deles em praça pública em cima de tambores. Ele defendia arduamente a construção de um Teatro Municipal para a cidade. Segundo o memorialista Antônio Pereira, Astolfo era uma figura simpática, que conhecia todos os vereadores da casa. Se as suas falas, em maior parte, não tinham nexo, já era outro assunto. Mas, ele próprio levava a sério o que dizia. Em um plano fictício, por exemplo, se lançou candidato a vereador e arrastou consigo a trupe das pessoas excêntricas mais populares da cidade. O seu candidato a prefeito era Jerônimo Coelho, um lenhador por profissão, e para deputados ele lançava nomes como Maria do Pito Aceso e Paco, entre outros, todos personagens reais de Uberlândia, cuja insanidade mental era atestada pela população. Se a candidatura de Astolfo ocorreu em seu delirante plano imaginário, houve ao menos uma ocasião em que ela quase se tornou real. Em 1988, o PDT chegou a lançar a sua candidatura. Ele se apresentava aos eleitores com espada e com o figurino de um super herói dos desenhos animados da época, o “He-man”. Uma de suas propostas era criar o “Recanto das Mariposas”, um local próximo a Cruzeiro dos Peixotos destinado ao público GLT, que, naqueles tempos, era denominado por expressões menos adequadas. Essa forma inusitada de sua can-


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didatura não passou despercebida pela Rede Globo, que veiculava pílulas com 1 minuto de duração apresentando candidatos exóticos. Mas a Justiça Eleitoral impugnou-a, alegando que ele não tinha domínio de suas capacidades mentais para a legislatura. Uma contradição, uma vez que Astolfo era eleitor. Se ele tinha a capacidade de votar, portanto poderia também se eleito. O estranho é que, embora com a saúde mental comprometida, Astolfo demonstrava certa erudição. Mesmo com conteúdos desconexos e com muita inventividade, seus textos eram bem rechonchudos, com palavras difíceis e também de difícil compreensão. O historiador político Eduardo Afonso registra que Astolfo era figura frequente, quase sempre única, nas sessões da Câmara de Vereadores. E muitas vezes era lhe dado o direito de fazer perguntas e até mesmo apresentar propostas. Afonso lembra outros fatos pitorescos dessa figura que foi marcante na vida de Uberlândia. O primeiro deles até pela coincidência, pois ambos comemoravam aniversário no mesmo dia, 28 de agosto. Astolfo tinha mania de produzir folhetos convidando todos que encontrava para comemorar com ele essa data no recinto da Câmara Municipal. Nesse dia, o movimento nas sessões costumava ser outro... De tanto conviver no meio político, conseguiu acesso ao Pró Morar e obteve uma casa no bairro Tancredo Neves. E mais do que isso, o prefeito da época, Renato de Freitas, escolheu sua residência para que o ministro Tancredo Neves fizesse oficialmente a inauguração do conjunto residencial.

“ Astolfo frequentava as sessões da Câmara na época em que elas aconteciam no Palácio dos Leões” Astolfo pintou cada parede da casa de uma cor e orgulhosamente abriu as portas para que Tancredo fizesse o ato solene. Como não havia rede elétrica e nem bar nas redondezas, o brinde foi feito com uma providencial Coca-Cola natural que Astolfo tinha em casa. No quintal dessa residência, abriu um buraco de 6 metros que chamava de aterro sanitário onde depositava o lixo de toda vizinhança. Como era muito bem relacionado e muito solidário falava para todos os seus conhecidos que considerassem aquela casa como deles. Só que não deixava isso ficar como conversa demagógica, tirava cópia das chaves e dava para cada um deles. Parece folclore e não deixa de ser, mas há quem conte que mais de 400 pessoas tinham as chaves da casa do Astolfo. Que, afinal, era deles também. Astolfo Carlos da Silva morreu no início dos anos de 1990, de mal súbito, já idoso, nessa conhecida e compartilhada casa, no bairro Tancredo Neves.

Frases de Astolfo “Eu era cristão... e sou cristão... não, agora eu não sou mais cristão. Agora, eu sou o diabo!” “Eu tenho quatro sinais de bala no corpo. Agora, eu digo, se ‘eles’ derem um tiro ni mim, têm que acertar. Porque comigo, se jogo uma laranja pra cima, não cai nem bagaço” “Eu não sou Deus. Deus foi feito pra carregar a cruz... e eu não vou carregar a cruz. Os tempos mudaram” “Uberlândia conta com a presença em praça pública de um candidato pobre contra um montão de cobre” “O candidato pobre confia nos homens que dirigem o destino das leis e se responsabiliza considerando a receita elaborada pelo seu líder e como responsável e de nosso município que participa das ideias cotidianas como sofredoras pelos irresponsáveis que tampam a boca do povo com demagogia”



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Pátio da estação da Mogiana na Av. Afonso Pena

década de 1970 estrada de ferro

A estação vai ao chão

Depois de 98 anos, as instalações da Mogiana se tornaram um obstáculo ao desenvolvimento

“Brevemente, a cidade ficará livre de um dos seus maiores e mais graves problemas, verdadeiro entrave ao seu progresso: os trilhos da Mogiana no Centro da cidade. Uberlândia tem a sorte de ver o serviço de mudança caminhar aceleradamente. A nova estação vai ficar localizada bem distante do Centro, nas imediações do Aeroporto Eduardo Gomes, e diversas avenidas, atualmente interrompidas pelas passagens de nível, terão prosseguimento. A Afonso Pena, nossa principal artéria, terá continuação, atentando, brevemente, um traçado monumental.”

A O prédio da estação da Mogiana sendo derrubado

notícia, publicada em 23 de setembro de 1969 pelo “Correio de Uberlândia”, revela o que representava a presença da estação da Mogiana no Centro de Uberlândia, onde hoje é o Terminal Central e a praça Sérgio Pacheco, com trilhos nas avenidas João Naves de Ávila e Monsenhor Eduardo. Mesmo tendo servido à cidade por 98 anos, apontada como propulsora do desenvolvimento econômico e social da região, a estação acabou


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A passarela por sobre os trilhos da Mogiana ligando a avenida João Pessoa com o bairro Brasil

se tornando um problema à medida que os espaços urbanos passaram a ser mais valorizados. As notícias sobre a mudança dos trilhos, segundo o historiador Antônio Pereira, já haviam começado a aparecer em 1959, quando a Associação Comercial reivindicou da empresa a instalação de uma balança no pátio da estação. Como resposta, a Mogiana disse que não ia fazer novos investimentos porque estava em estudo a retirada da estação da região central. “Dois anos depois, tudo continuava como estava. Nem balança, nem estação”, lembrou Pereira. Empresários e políticos começaram a pressionar a empresa. O crescimento urbano estava sendo bloqueado. Em princípio, a Mogiana concordou em instalar a nova estação em alguns quarteirões acima do entroncamento da avenida Cesário Alvim com a rodovia. Os trilhos passariam por baixo das avenidas Afonso Pena e Floriano Peixoto. Nos fins da década de 60, saiu o edital de concorrência para a construção da nova estação. As obras começaram em 1968. A Mogiana cedeu os terrenos da região central à prefeitura por 99 anos, quando seriam devolvidos para a empresa mediante ressarcimento dos benefícios ou a compra definitiva dos terrenos pelo Executivo por 50 salários mínimos. A prefeitura planejava construir uma praça no lugar ocupado pela estação. Rondon Pacheco era

Vista da demolição e os pedestres passeando sobre os trilhos que estavam sendo arrancados

chefe da Casa Civil e, apesar de adversário político do prefeito Renato de Freitas, interferiu para que fosse feita a doação do terreno, que passou a se chamar praça Sérgio Pacheco, graças à interferência do então vereador José Pafume. “O movimento para retirar a Fepasa (que incorporou a Mogiana) do Centro da cidade foi apoiado por Rondon Pacheco. Fiz minha parte, mas a obra deve ser creditada a ele”, afirmou Renato de Freitas em entrevista a Celso Machado em 1998. Sérgio Pacheco era filho de Rondon Pacheco e havia falecido vítima de um acidente automobilístico. Renato de Freitas reuniu na inauguração da nova estação além governador de São Paulo, Abreu Sodré; o governador de Minas, Israel Pinheiro; o ministro dos Transportes Andreazza e o presidente da Mogiana, Antonio Seixas. A praça Sérgio Pacheco, projetada pelo urbanista Burle Marx, foi en tregue à cidade em novembro de 1976, mas esta é uma outra história a ser contada.



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Almanaque uberlândia de ontem e sempre

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dublador Ionei Silva, a voz do Mestre dos Magos no desenho “Caverna do Dragão”, com 40 anos de carreira e 70 de vida, começou a trabalhar aos 10 anos, quando venceu o concurso para apresentar um programa infantil na Rádio Difusora, em Uberlândia. Foi radialista e diretor da Rádio Educadora, trabalhou na Rádio Bela Vista, até seguir para São Paulo em 1964. Longe de casa e sem muitos contatos nas rádios, foi feirante, tintureiro e vendedor de enciclopédias até ser convidado para um teste no estúdio Ibrasom. “Lá descobri o que era dublagem, fiz o teste e passei.” No início dos anos 1970, foi para o Rio de Janeiro dirigir o estúdio de dublagem Cine Castro. Silva era encarregado de revisar os textos traduzidos, adaptar e sincronizar o tempo das falas. Com o fechamento da empresa em 1974, trabalhou por mais 22 anos na Herbert Richers, a maior da América Latina, entre “homéricas brigas com o dono”. Além do Mestre dos Magos, Silva deu voz a personagens conhecidos da TV como o tubarão do desenho “Tutubarão”, Cliffjumper, dos “Transformers”, Sanguessuga em “She-Ha” e Yabba-Doo, o irmão de “ScoobyDoo”. Foi ainda a voz de Tony Baretta na série “Baretta” e de Hideki Goh em “O Regresso do Ultraman”. Dublou muitos filmes como “A Família Addams”, “Indiana Jones e a Última Cruzada” e “Conan, o Bárbaro”, entre muitos outros. Silva se afastou das dublagens no início dos anos 2000.

gente nossa ionei silva

mestre dos magos

Dublador apresentou programa infantil na Difusora de Uberlândia aos 10 anos

O dublador Ionei Silva na varanda de seu apartamento em Uberlândia



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Almanaque uberlândia de ontem e sempre

Cartas dos Leitores Parabéns pelo extraordinário evento na Cachaçaria do Dedé, um point novo que realmente você mostrou para a sociedade. Essse pessoal tem que valorizar os grandes mestres e você conseguiu reunir em um só local o clã de nossa sociedade, seus amigos, familiares e pessoas afins, no grande lançamento da edição 3, do Almanaque. Sua filha educadamente me presenteou com os três volumes e vou vê-los com calma, pois trabalhamos em outros dois eventos até a uma hora da manhã. Meus cumprimentos, parabéns e saudades de pessoas que você mencionou no Almanaque e que são de saudosas memórias, como o meu ex-patrão Renato de Freitas, na antiga Rádio Cultura. Mauro Mendonça Revista Dystaks

Parabéns pelo evento de mais um lançamento de conteúdo excepcional. O almanaque é um importante instrumento da consciência da nossa história, retratando que a Uberlândia de hoje não é obra do acaso e sim fruto de muito trabalho e personagens pioneiros e visionários. Fabricio Sangenetto

Recebi há alguns dias sua gentil remesssa da edição de número 3 do Almanaque “Uberlândia de ontem e sempre” que, como as duas anteriores, muito me agradou. Acho muito interessante ler sobre o passado de determinadas cidades e ver como progrediram com o passar do tempo – é o caso de Uberlândia, cidade muito bo-

nita e progressista. Quanto à revista em si, é dispensável qualquer comentário: papel couché, belas fotografias; enfim, qualidade gráfica e conteúdo de primeiríssima ordem. Parabéns e muito obrigado por sua cortesia. Célio Mattioli Lavras (MG)

Foi com enorme prazer que recebi o calendário 2013 “Uberlândia Cidade Menina”, o livro “Do fio @o sem fio” e as três edições do “Almanaque - Uberlândia de ontem e sempre”. Nasci em Uberlândia, em 1959, e há 17 anos resido em Araguari. Porém, voltei a atuar profissionalmente em Uberlândia, desde 2011. As páginas das revistas me trouxeram ternas lembranças da infância e juventude, com fatos marcantes e os riquíssimos personagens da cidade. Iniciei minha atividade profissional na Sabe, antes ainda de sua aquisição pelo Grupo Algar, quando trabalhava na gráfica. Parabéns a Celso Machado e toda equipe. Edilvo Mota

Venho parabenizar Celso Machado e sua equipe, pela iniciativa e pela qualidade da publicação “Uberlândia de ontem e sempre”: francamente não tinha ideia do que seria a sua revista. Bem cuidada, bem editada, uma revista para se colecionar. Lendo a entrevista concedida por meu pai, Renato de Freitas, 14 anos atrás, meses antes de sua morte, me emocionei. Tive um reencontro com meu pai ao lê-lo. As fotos foram bem escolhidas. A introdução fi-

cou enxuta. Não teria reparos a propor. Está lá, nas páginas do Almanaque, para quem conheceu ou ficou conhecendo agora, um dos filhos mais devotados da cidade de Uberlândia. Nestes tempos de desalento ante a corrupção generalizada, sua voz dissonante me lembra de que é possível e normal querer que política e retidão não sejam ideias contraditórias ou incompatíveis. Obrigada a vocês. Renata de Freitas

Parabéns pelo Almanaque 3. Desejo sucesso na divulgação e espero por novos volumes. Luiz Alberto Rodrigues

Vocês estão de parabéns pela noite de lançamento da edição 3 do almanaque “Uberlândia de ontem e sempre.” Sucesso absoluto com um padrão sensacional. Aproveito esta oportunidade para sugerir uma pauta para os próximos almanaques que estão, a cada numero, se superando. Assistindo a um dos filmes no evento vi a usina elétrica que foi criada pelo coronel Carneiro. Pelo que se vê e se sabe, ele foi o primeiro no mundo a pensar em “sustentabilidade”, pois, no século 19, construiu uma usina hidrelétrica que tocou Uberlândia até a década de 60 do século 20. Quer mais sustentabilidade que isso? Foi a força e luz que ele criou que deu condições (infraestrutura) para o progresso de Uberlândia. Vale a pena um capítulo para os próximos belos e hoje insubstituíveis almanaques. Parabéns e obrigado. Cleanto Vieira Gonçalves




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